Síntese do artigo: Acolhimento e (des)medicalização social: um desafio para as equipes de saúde da família
DISCENTE: Rafaella Araújo
A criação do SUS (Sistema Único de Saúde), se desenvolve num contexto no qual o
modelo positivista e biomédico urgia a ser transformado. Procedimentos, atendimentos e atitudes mecanizadas e rígidas eram rotineiras. No entanto, o processo saúde-doença do individuo é uma entidade extremamente complexa, não podendo ser analisada nem solucionada, observando-a de um único ponto de vista – um modelo medicalizado jamais seria capaz de suprir a complexidade de um ser humano. A partir de tal percepção a analise do indivíduo no modelo biopsicossocial e sua aplicabilidade de firmeza, impulsionam o surgimento não só SUS como um modelo de saúde pública, mas como uma entidade que trata seres humanos e não apenas “doentes”. É nesse ponto, que a atenção básica ganha sua tão importante posição de destaque ao englobar todas as necessidades desse individuo e até mesmo impedindo que o complexo processo de adoecimento aconteça. Todavia, mesmo que essa percepção formal tenha se instituído, os traços biomédicos arraigados culturalmente fizeram com que na prática, o processo não se concretizasse como um todo. Isso porque os profissionais de saúde não foram preparados e munidos de uma “conversão cultural” para compreenderem a amplitude do processo de adoecimento. É partir daí que no Programa nacional de humanização, que o atendimento passa de fato a analisar a dimensão micro e macrossocial de todo esse processo. A evolução do conceito de medicalização é uma variável imprescindível de se compreender. Inicialmente, ele seria vinculado ao próprio atuar médico, suas ferramentas, analise patológica, exames de imagem utilizados - ou seja a ampliação da assistência médica. No entanto, com o surgimento da sociologia e o conceito de biopolítica, o sanitarismo passa a ser uma ferramenta de controle social, já que o Estado seria responsável pela regulação da vida coletiva. Segundo Foucault, o modelo biomédico é uma constituição múltipla, não tendo constituição linear. Nesse modelo, a medicina é enxergada como uma ciência pontual e exata, no qual tudo é objetivo e alcançável por meio de ferramentas cientificas. Não existe um “centro no paciente”, mas as bactérias, a patologia, os sintomas, as manifestações da doença no individuo, e não um individuo adoecido como um todo. Se esquece do humano; e o homem é visto como uma máquina. Não se analisa os fatores que podem prevenir uma doença e nem suas possíveis causas externas. E o surgimento da tecnologia, associada ao seu consumo desenfreado apenas intensificou e “cientificou” o processo. Algumas visões acreditam inclusive, que o amadurecimento da medicina, pode ser a própria causadora da doença. No entanto, visões positivas surgem com o empoderamento da população e desmistificação da ciência e da saúde. Além de outras áreas estarem difundindo hábitos doentios de cuidados com o corpo – como a moda, educação física, saúde pública [...] É a partir de então que surge um culto a saúde e hábitos doentios considerados “saudáveis”, o que acabou por desautorizar a autonomia do profissional médico. Levando a formação de indivíduos tão preocupados com a saúde, que se tornaram doentes. A atenção primária e toda sua maturação, tiveram um grande alicerce na epidemiologia; pois sabendo do que mais afligia uma determinada população seria mais fácil dar acesso a mesma ao atendimento médico e até mesmo prevenir o surgimento das patologias. Durante esse processo, houve o desenvolvimento de estratégias semelhantes no Canadá, país esse onde o oferecimento e Saúde Pública perdura até os dias atuais com suas variações. Percebeu-se que uma organização rígida focada apenas nos hospitais, pronto-socorro e pronto-atendimento não eram eficazes: aumentavam a medicalização, davam baixa autonomia, impedia o tratamento e prevenção adequado de doenças crônicas. Então, associada ao poder da analise epidemiológica, notou-se que também se era importante, valorizar a demanda local e as necessidades das populações cobertas pela saúde pública. E a partir daí, as necessidades do usuário foram cada vez mais levadas em consideração, levando em conta problemas reais dos usuários, e sob tal analise personalizada fazer ações focadas e programadas em vigilância. O acolhimento se trata de uma ferramenta importantíssima. É nela que o indivíduo será recepcionado da forma mais ampla possível em todas as suas necessidades. Não é apenas um processo “patológico”, mas voltado para as questões mentais e sentimentais que o acometem e interferem no processo de adoecimento. Se trata de analisar um ser um humano e não um individuo com uma patologia a ser curada. Ele é personalizado a cada equipe e cada região de saúde envolvida, baseada nas necessidades e problemáticas que costumam afligir determinada população. Os conselhos de saúde têm sua importância em tal direcionamento. O grande desafio se encontra justamente entre tratar esse indivíduo de forma resolutiva, mas não esquecer das variáveis envolvidas no processo. Nesse aspecto, uma equipe multiprofissional tem uma posição de destaque para que todos os cantos e brechas sejam preenchidos. É uma habilidade difícil de se desenvolver, pois ao mesmo tempo que se analisa as vulnerabilidades individuais é necessidade se ter habilidades clinicas. O médico deve ser uma ferramenta promotora desse processo, difundindo o conhecimento, extinguindo mitos, reforçando a autoestima e respeito interprofissional, pois não basta apenas “revezamentos individualistas”, mas uma atitude coletiva.