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ISSN 2175-2087
EDUCAÇÃO E PRÁXIS COMUNICATIVA NO HORIZONTE DO PENSAMENTO PÓS-
METAFÍSICO
INTRODUÇÃO
mas por fundamentos normativos presentes no próprio ato linguístico, isto é, na comunicação
livre e descentralizada entre sujeitos – que na opinião do autor, se fundamentaria justamente
na passagem de um horizonte metafísico (sujeito transcendental) para um contexto pós-
metafísico (pragmática universal)2. Neste sentido justifica-se o uso do pensamento
habermasiano na educação pelo seguinte motivo: como crítico da modernidade, diagnosticar
a crise instrumental da razão presente na sociedade contemporânea também incide em
refletir sobre quais modelos de racionalidade orientam as práticas pedagógicas da
atualidade.
modo como os sujeitos percebem e vivenciam sua realidade social (integração social), o
Mundo sistêmico apresenta uma perspectiva objetiva e externa, relacionado às estruturas
societárias que asseguram a reprodução material e institucional da sociedade através da
economia e da política.
princípio”, o “reino de evidências originárias” (HUSSERL, 2008, p. 102; 166; 169), a partir do qual todas
as abstrações da ciência – do mundo objetivamente verdadeiro – devem se voltar para identificar a
validade suas teorias e interpretações. Neste sentido, Habermas identifica o mundo da vida a partir de
uma perspectiva interna, simbólica e pré-teórica.
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também sofre coações advindas de uma racionalidade instrumental. Isso fica claro quando
se toca no assunto de políticas de mensuração e eficiência que julgam conseguir avaliar e
oferecer a qualidade e a eficiência na educação5: pautada numa racionalidade tecnológica e
instrumental, tais políticas obrigam a educação a atender certos interesses extrínsecos e
socialmente valorizados por determinados grupos. Tais procedimentos implicam numa
concepção utilitarista, que caracteriza a educação como simples meio para a concretização
de necessidades (fins) previamente estipuladas pelas demandas econômicas de nações
desenvolvidas.
Discute-se a concepção de indicadores de qualidade da educação do ponto de vista
técnico, como se fossem neutros, imutáveis e universais, passíveis de ser descobertos pela
simples aferição censitária e/ou amostral do desempenho dos estudantes – isto é, como
referenciais metafísicos. Pelo contrário, a convicção da qualidade da educação, mais do que
uma realidade estática, mensurada por meio de uma racionalidade instrumental, apresenta-
se como uma interpretação dos processos e condições socioculturais ao qual a educação
está inserida (RISOPATRÓN, 1991, p. 17). Percebe-se, desta forma, uma lógica que aspira ao
ajustamento técnico da educação às necessidades do Mundo sistêmico que, em nome da
‘qualidade da educação’, implica na autoritária aferição administrativa de determinados
produtos (habilidades e competências) que precisam ser extraídos da escola – uma vez que
eles são úteis à legitimação do sistema e, por isso, ocultam interesses político-econômicos
essenciais para o reconhecimento nacional e internacional de uma nação no rol dos países
desenvolvidos (SASS; MINHOTO, 2010; AFONSO, 2009).
Os resultados da colonização instrumental na educação podem ser patológicos,
principalmente quando se predetermina estrategicamente uma concepção de qualidade
independente do contexto sociocultural a que pertence – prescindindo, por isso, de outras
concepções de qualidade tão importantes quanto, porém não desejáveis –, ou quando se
considera a aprendizagem como um adestramentos de certas habilidades e competências
reconhecidas arbitrariamente como interessantes ao mercado de trabalho, ou até mesmo
quando atribui-se à educação o status de meio, em vista da utilização de seus resultados
para fins administrativos e econômicos (SASS; MINHOTO, 2010).
A implicância instrumental das avaliações em larga escala não está, portanto,
relacionada à função diagnóstica e prognóstica dos indicadores; é preciso que continuem
cumprindo o seu papel, de modo a divulgar à sociedade democrática uma noção de que é ou
não possível traçar como meta, como também indicar quais fragilidades podem ser debatidas
publicamente num horizonte dialógico e comunicativo. O que se questiona não é a utilização
destes instrumentos, mas a interpretação sistêmica que faz da qualidade da educação a
partir deles. Medir o desempenho dos alunos é o equivalente que medir a qualidade da
educação? Noutras palavras, o caráter instrumental reside exatamente na pretensão de
delimitar a qualidade da educação, como se os resultados amostrais ou censitários fossem
compreendidos como uma descrição precisa da realidade escolar, simplificada e
padronizada em favor do desenvolvimento econômico. Desta maneira, faz sentido a
afirmação de Habermas:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
possível definir agendas administrativas sem com isso ferir os interesses internos da própria
educação, que também estão direcionados para a coordenação de práticas de aprendizagem
que extrapolam a política da mensuração do desempenho.
A importância da práxis comunicativa implica na possibilidade emancipatória na
educação. A tese de que a emancipação advém justamente das ressignificações
socioculturais e históricas ganha efetivo sentido num horizonte argumentativo e democrático.
Os mecanismos sistêmicos – baseadas na consciência monológica e autorreferente –
conseguem sim promover propostas de adaptação do entorno, mas expressam uma elevada
dificuldade de resistência quanto ao questionamento dos seus próprios critérios. Fica claro
que, num horizonte sistêmico, as bases da emancipação ficam previamente comprometidas
pela ausência da autocrítica. Desta maneira, parte-se do pressuposto de que a emancipação
deve ser vislumbrada no contexto da comunicação, pois é através da livre discussão que se
pode pensar satisfatoriamente na reconstrução das condições normativas e materiais
existentes num dado momento histórico, independentemente de quais decisões afetará ou
não o sucesso dos mecanismos sistêmicos (poder e dinheiro).
Enfim, não se trata apenas de enfatizar a importância do diálogo e do trabalho
coletivo nas instituições escolares, mas antes de tudo em reconhecer na comunicação uma
matriz de racionalidade na qual as vivências pedagógicas ganham um sentido diferente da
lógica sistêmica. Trata-se em reconhecer uma modalidade de razão pós-metafísica e
pragmática, situada na realidade do mundo vivido, porém, pautada em referências de mundo
(objetivo, social e subjetivo) coletivamente reconhecíveis (pretensões de validade). A lógica
da práxis comunicativa na educação não é o aval da licenciosidade no cotidiano escolar, mas
o reconhecimento de referências normativas comuns passíveis de serem avaliadas e
discutidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS