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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 1

Swami Kuvalayananda
Dr. S. L. Vinekar

YOGATERAPIA
Princípios e métodos básicos

1a Edição

São Paulo

2019

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 3

Swami Kuvalayananda
Diretor de Pesquisas,
Kaivalyadhama S.M.Y.M. Samiti, Lonavla

Dr. S. L. Vinekar, B. A. (Hon.), M. B. B. S.


Diretor Adjunto de Pesquisas,
Kaivalyadhama S.M.Y.M. Samiti, Lonavla

YOGATERAPIA
Princípios e métodos básicos

Escritório Central de Educação para a Saúde


Diretoria Geral dos Serviços de Saúde
Ministério da Saúde do Governo da Índia
Nova Deli

Tradução:
Roldano Giuntoli

Revisão técnica:
Marcos Rojo Rodrigues
Danilo Forghieri Santaella

Ilustrações
Suzana Lefevre
Aline Ferri Bertolo (capa)

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4 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

YOGATERAPIA - Princípios e métodos básicos


Copyright © 2019 - Swami Kuvalayananda e Dr. S. L. Vinekar

Notações utilizadas nesta obra


N.T.: Nota do tradutor - N.R.: Nota do revisor - N.A.: Nota dos autores

Composição: Tao Conteúdo

Impressão e acabamento: Carthago Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Kuvalayananda, Swami, 1883-1966


Yogaterapia : princípios e métodos básicos / Swami
Kuvalayananda, S. L. Vinekar ; [tradução Roldano
Giuntoli]. -- 1. ed. -- São Paulo : Carthago, 2019.

Título original: Yogic therapy : its basic


principles and methods
Bibliografia.
ISBN 978-85-85294-74-8

1. Hatha yoga - Uso terapêutico 2. Yoga - Uso


terapêutico I. Vinekar, S. L., 1907-1967. II. Título.

19-27454 CDD-613.7046
Índices para catálogo sistemático:

1. Yogaterapia : Princípios e métodos : Promoção


da saúde 613.7046

Maria Paula C. Riyuzo - Bibliotecária - CRB-8/7639

Impresso no Brasil - Printed in Brazil


Nenhuma parte deste livro pode ser reprodhuzida sem autorização prévia, por escrito, dos autores.

Produção Gráfica

Carthago Editorial Ltda.


Rua Joaquim Gustavo, 45 - cj. 11 - República
01045-020 - São Paulo - SP • Fone e fax: (11) 3331-1704
Web site: www.carthago.com.br • E-mail: carthago@carthago.com.br
CNPJ: 60.960.994/0001-10 • Inscrição Estadual: 112.448.917.110

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 5

Swami Kuvalayananda
(30 de agosto de 1883 – 18 de abril de 1966)

Dr. S. L. Vinekar
(4 de julho de 1907 – 21 de dezembro de 1967)

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6 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Nota do Revisor

Este livro foi escrito a pedido do Governo da Índia em uma época em


que o Yoga estava ganhando espaço e conquistando praticantes na socieda-
de indiana de meados do século XX. Tanto a possibilidade de que a prática
fosse realizada em grupos – e não no contato apenas entre o mestre e um
discípulo – quanto os possíveis efeitos terapêuticos da prática adequada eram
novidades. A Índia passava por um período sociopolítico muito delicado no
pós-independência e os padrões e valores culturais estavam se readequando à
nova realidade. Dessa forma, pedimos que o leitor leve esse contexto em con-
sideração quando se deparar com considerações morais que possam parecer
estranhas ao contexto atual, seja o brasileiro, seja o internacional. Escolhe-
mos manter a originalidade do texto e esclarecer o leitor quanto a este fato,
ao invés de alterá-lo, o que poderia descaracterizar a obra.
Ressalte-se que, mesmo tendo em vista alguns aspectos culturais dife-
rentes dos nossos, todas as ponderações acerca das aplicações terapêuticas
do Yoga e dos mecanismos pelos quais elas ocorrem continuam atuais e pre-
cisas, mesmo tendo decorrido mais de meio século de sua autoria.
 
Danilo Forghieri Santaella

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Prefácio do Revisor

Antigos textos de Haṭha Yoga abordam a questão da saúde e chegam a


citar exercícios que curaram determinadas doenças e desequilíbrios, mas não
falam de forma sistemática e clara. O termo Yogaterapia é muito recente na
trajetória do Yoga. A aplicação destas técnicas será de grande contribuição
para a saúde do ser humano, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
O Yoga começa a ser pensado como ciência em 1924, quando Swami Ku-
valayananda funda o Insitituto de Kaivalyadhama, com o intuito de pesquisar
estas técnicas de acordo com os padrões ocidentais de ciência. Swami foi
inspirado por seu mestre, que já no século XIX falava da importância de se
colocar em linguagem atual este antigo sistema. Sendo este um dos grandes
méritos deste livro.
A medicina evoluiu muito nestes últimos séculos, contribuindo de
forma decisiva para nossa longevidade e saúde. Ao mesmo tempo, estamos
acompanhando uma grande evolução das doenças, principalmente as
crônicas, tornando pessoas dependentes de tratamentos longos e muitas
vezes bastante agressivos. É neste panorama que outras formas de se pensar a
saúde e de tratar patologias começam a mostrar sua importância. Sistemas de
tratamento de outras culturas e épocas surgem, ou melhor, ressurgem, como
colaboradoras nesta trajetória, com o objetivo único de promover a saúde
no sentido mais abrangente, sem negar a importância de tudo o que já foi
descoberto, mas trazendo uma nova reflexão. Afinal de contas, existem várias
tradições, mas o ser humano é sempre o mesmo.
Este livro foi escrito numa época em que não se falava de cuidados inte-
grativos e que as pesquisas nesta área estavam apenas começando. Parece que
Swami Kuvalayananda e Dr. Vinekar foram visionários. É um livro antigo e,
ao mesmo tempo, muito atual. Aqui, os autores lançam as bases do que vem a
ser a aplicação terapêutica das técnicas do Yoga, sem prejuízo dos princípios
básicos que caracterizam esta disciplina milenar.

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A tradução deste livro chega num bom momento da nossa história. O


mundo ocidental se volta para sistemas de tratamento do oriente e fica em
dúvida sobre como poderão ser parceiros nesta jornada, quando as lingua-
gens nem sempre são compreensíveis e compatíveis e este parece ser um dos
grandes méritos desta obra. Tratar a antiga disciplina do Yoga na linguagem
ocidental moderna.
A palavra Samadhi, o mais alto estágio da meditação, segundo o Yoga,
significa literalmente estar organizado de forma integrada e pode ser interpre-
tado como saúde perfeita. Estes conceitos, tão próprios do Yoga, nos ajudarão
a definir melhor o que é saúde, o que é cura e como podemos viver de forma
adequada para manter a saúde individual, coletiva e do planeta.
Talvez possamos voltar nossos olhos para estes antigos mestres da tradição
indiana e repensar nossos conceitos sobre saúde. Talvez a ideia de bem-estar
físico, mental e social possa ser ampliada.
Aproveito para destacar todo o empenho e mérito do tradutor Roldano
Giuntoli e do adaptador técnico Danilo Santaella no sentido de não poupar
nenhum esforço para tornar esta obra acessível para nós.

Marcos Rojo

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Prefácio dos Autores

Este livro foi elaborado por solicitação do Ministério da Saúde do Go-


verno da Índia para dar uma ideia ao público em geral, e aos médicos em
particular, acerca dos princípios básicos da Yogaterapia e de seus métodos.
A Yogaterapia ganha mais popularidade a cada dia. A Índia está repleta de
grandes e pequenas instituições, assim como de pessoas, que afirmam poder
curar doenças através de métodos yogins e a maioria delas parece ter muito
sucesso. Nem todos, entretanto, agem de boa fé nesse campo. É natural que
isso aconteça, por não haver uma regulamentação oficial, o que ainda deve
levar muito tempo para acontecer. A mera força numérica de seus praticantes
pode não ser suficiente para provar a eficácia de um sistema, mas, de certo,
a popularidade alcançada já é bem significativa, devendo apresentar algum
valor por si só. É importante ressaltar que muitos dos médicos que inicial-
mente tendiam a encarar essa terapia com ceticismo e suspeita passam a lhe
reconhecer os méritos, após experimentação. Em particular os especialistas
em medicina psicossomática e psiquiatria, tanto na Índia quanto em outros
países, passaram a demonstrar um grande interesse nesta terapia, por senti-
rem que o Yoga ajuda a eliminar aquelas tensões psicofísicas que eles veem
se perpetuar em seus pacientes, mesmo após a recuperação de seus distúrbios
nervosos e mentais. Muitos profissionais da medicina valorizam atualmente a
contribuição que o Yoga pode oferecer no campo da psicoterapia e na reabi-
litação de pacientes acometidos por distúrbios crônicos. Seria, portanto, im-
prudente tratar essa terapia levianamente ou denunciá-la como não científica.
Também não é suficiente que nos apaixonemos por esses métodos apenas
porque eles nos foram transmitidos por nossos ancestrais, ou porque seus
sistematizadores pertençam a uma categoria de homens santos, que só podem
contemplar o bem das pessoas em seu coração. Meras boas intenções da parte
de seus protagonistas, ou nossos sentimentos nacionais ou raciais com relação
à terapia, não nos devem conduzir a uma fé cega. Nossa obrigação é verificar
seus resultados e explorar os verdadeiros mecanismos psicofisiológicos dos
canais através dos quais esses resultados são obtidos. Felizmente, o grande e
rápido progresso que a ciência moderna faz em todos os campos nos ajuda a
conseguir uma melhor compreensão desses processos.

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A parcialidade dos autores deste livro com relação ao Yoga pode ter se
refletido em seus escritos; porém, seu esforço se deu no sentido de manter
uma perspectiva objetiva, o tempo todo. Grande parte do texto trata de con-
ceitos fundamentais aplicados a fatos estabelecidos nas ciências biológicas
e, como tal, não requer documentação abundante. Sempre que a teoria de
uma determinada escola ou autor, ou algum assunto controverso, tenham sido
apresentados, o foram com referências documentadas, seja com os nomes dos
autores, ou com citações textuais. Em algumas ocasiões, os autores ousaram
introduzir novas interpretações fundamentadas em sua própria experiência e
estudos.
Ainda que ambos os autores tenham participado na revisão e na verifica-
ção de todo o texto, sempre que a posição teórica ou a tendência de um dos
autores era forte, o outro tendia a concordar com os pontos de vista do autor
responsável pelo rascunho original, uma vez que aquele era a maior autori-
dade no assunto. O texto foi preparado predominantemente pelo autor mais
jovem (Dr. S. L. Vinekar), sob a orientação direta do autor sênior (Swami
Kuvalayananda – Jagannatha Ganesa Gune).
O objetivo deste livro, como dissemos, é explicar ao público leigo, assim
como aos médicos, os princípios nos quais se baseiam os vários procedimen-
tos da Yogaterapia, o campo específico de aplicação da terapia e, por último,
porém, não menos importante, suas limitações e contraindicações. Em resu-
mo, seu propósito é apresentar um quadro abrangente do aspecto científico e
da fundamentação teórica da Yogaterapia em linguagem comum e acessível.
Em um texto como este, porém, não se pode evitar o uso de termos técnicos.
Para ajudar a entendê-los, adicionamos um glossário ao final deste livro.
Gostaríamos de agradecer ao Ministério da Saúde da União, especialmen-
te a Shri D. P. Karmarkar, Ministro da Saúde do Governo da Índia, por
nos garantir o privilégio de apresentar este interessante tópico ao público.
Devemos nossos agradecimentos também ao corpo de colaboradores do
Kaivalyadhama S. M. Y. M. Samiti, por sua ajuda e críticas construtivas e
também por sua preparação dos diagramas, gráficos e esboços que são apre-
sentados neste livro.

Kuvalayananda e Vinekar
28 de outubro de 1961

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 11

Índice

Nota do revisor............................................................................................ 6
Prefácio do revisor....................................................................................... 7
Prefácio dos autores..................................................................................... 9
Introdução.................................................................................................. 14

I O conceito de doença e os princípios de tratamento yogin.................... 17


II O cultivo de atitudes psicológicas corretas............................................ 24
III O recondicionamento do mecanismo psicofisiológico........................... 43
IV Outros procedimentos terapêuticos do Yoga e princípios de
dieta yogin............................................................................................ 95
V Dhyāna como grande tranquilizador................................................... 121

Epílogo.................................................................................................... 127

Apêndices

Apêndice A
Um programa de cultura física yogin para uma pessoa de saúde
mediana.............................................................................................. 130
Apêndice B
Glossário sânscrito.............................................................................. 149
Apêndice C
Glossário de termos técnicos.............................................................. 152
Apêndice D
Referências bibliográficas.................................................................... 158

Ilustrações

Yoga-Vīṇa.................................................................................................. 13
Estágios do prānāyāma.............................................................................. 78

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Āsanas meditativos
 Padmāsana........................................................................................ 138
 Siddhāsana........................................................................................ 138
Āsanas culturais
 Bhujaṅgāsana.................................................................................... 139
 Śalabhāsana....................................................................................... 139
 Ardha-śalabhāsana.....................................................................................140
 Dhanurāsana..............................................................................................140
 Halāsana.....................................................................................................141
 Paścimatānāsana........................................................................................141
 Ardha-matsyendrāsana...............................................................................142
 Mayūrāsana................................................................................................142
 Śavāsana.....................................................................................................143
Mudrās e Bandhas
 Viparīta karani............................................................................................143
 Sarvāngāsana.............................................................................................144
 Matsyāsana.................................................................................................144
 Śīrṣāsana....................................................................................................145
 Yoga mudrā................................................................................................146
 Uḍḍiyāna....................................................................................................146
Kriyā
 Madhya nauli..............................................................................................148
 Daksina nauli..............................................................................................148
 Vama nauli..................................................................................................148

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 13

Figura 1 - Yoga-Vīṇa

Yoga é Harmonia
Uma vīṇa produz uma maravilhosa música celestial, desde que suas cordas
estejam adequadamente afinadas e sejam tocadas harmoniosamente. Um dos
principais significados do Yoga é saṅgati (harmonia). A felicidade da saúde
positiva depende da harmonia entre todas as funções do corpo e da mente.

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14 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Introdução

A bem da verdade, a terapia não é propriamente um campo do Yoga. Mes-


mo assim, o Yoga está necessariamente relacionado às atividades da saúde.
Nas páginas que se seguem, procura-se entender como essas duas coisas se
relacionam.
O termo Yoga é utilizado para indicar tanto o fim quanto os meios. No
que concerne ao fim, a palavra Yoga significa integração, em seu nível mais
elevado. Todos os meios que se candidatam a contribuir para alcançar essa
meta também constituem o Yoga, no sentido de Yukti, a técnica. Todas as
práticas, sejam elas elevadas ou não, desenvolvidas para auxiliar o aspirante
em seu progresso na direção de tal integração, são conjuntamente conhecidas
pelo nome de Yoga. Assim, Yoga é um tema integral, que considera o homem
como um todo, sem dividi-lo em compartimentos estanques, tais como corpo,
mente e espírito.
Como processo de integração, deve necessariamente encontrar formas e
meios de compensar as influências que possam contribuir para qualquer tipo
de desintegração. As doenças, sejam elas da mente e/ou do corpo, são exem-
plos de desintegração. A mente e o corpo saudáveis, de fato, são considerados
pré-requisitos essenciais para as práticas mais elevadas do Yoga. De modo a
assegurar a saúde do corpo e da mente, o Yoga Śāstra (a ciência do Yoga)
estabeleceu alguns processos higiênicos, tanto para a mente quanto para o
corpo. Eles constituem o que se conhece como Kriyā Yoga. Considera-se
essencial que todo aspirante yogin, que não tenha atingido um estado de equi-
líbrio (verdadeira saúde) de corpo e mente passe primeiramente por um curso
de Kriyā Yoga, antes de se dedicar às práticas mais elevadas. O aspirante é
avisado de que, a menos que faça isso, provavelmente encontrará um grande
número de obstáculos em seu caminho e poderá ser levado à ruína física ou
mental. Não faltam exemplos daqueles que sofreram por precipitarem-se na
experimentação de práticas mais elevadas do Yoga, sem terem preparado seu
corpo e sua mente para elas, tal como estabelecido no Yoga Śāstra.
A palavra kriyā ou karma (literalmente: ação) ganhou sentido técnico no
Yoga. Significa um processo purificador e recondicionador. O termo Karma

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 15

Yoga já tem esse significado no Bhagavad Gītā1. Parece haver um jogo de


palavras realizado com o termo karma. Destina-se a mostrar que os deveres
comuns da vida e as ações normais do praticante podem contribuir para a
purificação da mente, desde que este mude sua atitude em relação a eles. No
Ayurveda também se utiliza a palavra karma nesse mesmo sentido técnico,
ou seja, śodhana karma (o processo de purificação), tal como extraído do
conhecido ramo de tratamento ayurvédico chamado panca-parma-cikitsā.
Ainda que no Yoga as palavras kriyā ou karma sejam usadas especificamente
para diversos processos de purificação, ou seja, lavagens com água, ar etc., a
terminologia Kriyā Yoga como tal significa um estágio preparatório, como um
todo, que objetiva um completo recondicionamento tanto do corpo, quanto da
mente, de modo a expandir imensamente suas faixas de adaptabilidade, assim
como elevar o limiar de sua reatividade.
Talvez seja melhor explicar isso de maneira mais explícita. No Kriyā Yoga,
leva-se em consideração as influências ambientais nos processos físicos, bem
como nos mentais, sejam elas externas, sejam internas. Procura-se manter a
imunidade fortalecida, que seja capaz de oferecer resistência eficaz às varia-
das influências que o corpo e a mente recebem, tanto do exterior quanto do
interior. Considera-se esse fortalecimento do corpo e da mente fundamental,
de modo a produzir um comportamento equilibrado e levar a uma personali-
dade estável, que todo verdadeiro Yoga tem por objetivo.
Atualmente, reconhece-se que ambas, a boa saúde e a sensação de bem-
-estar, possuem níveis e gradações, mesmo que não possam ainda ser defini-
das em termos exatos. O objetivo do Kriyā Yoga é elevar esse nível de saúde
e de sensação de bem-estar ao patamar mais elevado possível. Para alcançar
isso, determinados princípios são estabelecidos quanto à dieta, à residência e
ao cultivo consciencioso de uma atitude positiva, útil e saudável, com relação
ao entorno pessoal. A ideia é criar uma atmosfera adequada durante o perí-
odo de treinamento, para que o Yoga mais elevado possa ser atingido. Uma
vez que isso seja obtido, prescrevem-se determinados exercícios psicofísicos
para recondicionar o corpo e a mente. Caso o sistema esteja altamente con-
gestionado com resíduos, advoga-se especificamente o uso de determinadas
lavagens auxiliares (kriyās). Tudo isso objetiva produzir um equilíbrio, não

1  N. T.: Bhagavad-Gita em sânscrito significa a Canção do Senhor. Uma das principais escritu-
ras sagradas da Índia, é um poema místico-filosófico. Narra a batalha entre grupos antagônicos e
simboliza a luta interior do homem. Acredita-se que tenha sido escrito originalmente em sânscrito,
no século IV a.C (cf. José Roviralta Borrel).

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apenas de todos os sistemas do corpo, mas também entre o corpo e a mente.


Assim, qualquer treinamento em Kriyā Yoga realizado de maneira adequada
submete o praticante a um modo de vida que conduz à organização de sua
personalidade psicossomática, de modo a desenvolver em seu interior a capa-
cidade de resistir a uma gama consideravelmente vasta de variações ambien-
tais, sem que se inicie qualquer distúrbio no processo de suas reações. Isto
parece ser alcançado por meio da produção de uma adaptabilidade alterada
dos tecidos que formam os vários sistemas e órgãos, que podem dessa forma
resistir a estímulos desafiadores de maneira mais resiliente, não apresentan-
do perturbação funcional ou alteração patológica imediata e elevada, quando
expostos a traumas.
As reações neuromusculares autônomas e proprioceptivas parecem repre-
sentar um papel importante na produção desses resultados, juntamente com
certas alterações nas secreções das glândulas endócrinas; porém, a ênfase
aplicada à regulação da dieta, à respiração e ao cultivo de atitudes positivas
demonstram que o principal objetivo é produzir alterações benéficas e ge-
neralizadas no metabolismo corporal. Essas alterações metabólicas podem
atuar em diferentes sistemas através dos fluídos do corpo, que agem como
condutores das mensagens fisiológicas, influenciando o sistema glandular, o
circulatório, o nervoso, o excretor etc., o que pode ocasionar uma modifica-
ção completa em toda a personalidade do praticante, mesmo antes que ele
adote as práticas mais elevadas do Yoga. Assim, a Yogaterapia não consiste
apenas de meras lavagens e tratamento através de exercícios, porém imprime
grande ênfase no controle da dieta, nas atitudes sociais e nos hábitos pessoais,
de modo a produzir alterações benéficas na totalidade do processo metabóli-
co. Trata-se de uma abordagem verdadeiramente integrada, que considera o
homem como um todo e, como tal, visa alcançar resultados melhores do que
qualquer outro sistema que tenha a tendência de enfocar uma única manifes-
tação de doença, ignorando as outras alterações menos evidentes que ocor-
rem concomitantemente e que são tão importantes quanto as mais explícitas.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 17

Capítulo I

O conceito de doença e os princípios de tratamento yogin

Em geral, supõe-se que o Yoga lide apenas com a mente e o espírito.


Porém, uma leitura cuidadosa dos aforismos denominados Yoga Sūtras de
Patañjali (PYS)2 convencerá qualquer um de que eles tratam do corpo e da
mente, como um todo indivisível. Consequentemente, eles incluem certas
práticas físicas, tais como āsanas e prāṇāyāmas, como um prelúdio para as
práticas psicológicas mais elevadas. Isso tudo, tal como afirmam os próprios
Yoga Sūtras, objetiva produzir uma integração dos processos psicofisiológi-
cos, como primeiro passo para se alcançar, de acordo com Patañjali, o samā-
dhi, (Samādhibhāvanārthaḥ – PYS II-2). Essas práticas destinam-se a estabi-
lizar progressivamente o mecanismo psicofisiológico, de modo que haja uma
tendência cada vez menor ao desequilíbrio frente aos estímulos internos e/ou
externos. O Yoga, portanto, não separa o corpo e a mente em compartimen-
tos estanques, mas reconhece uma inter-relação íntima e direta entre os dois.
O Yoga considera que o corpo e a mente tenham um mecanismo ho-
meostático que contribui para um funcionamento integrado e equilibrado
(samādhi), mesmo quando submetidos a estímulos, sejam eles internos ou
externos (kleśas). Toda pessoa possui um poder automático e inato de adapta-
ção. Ao mesmo tempo, ainda que a tendência do corpo e da mente seja obter
um equilíbrio funcional, toda irritação ou estímulo, interior ou exterior (me-
cânico, químico, elétrico, biológico ou psicológico) produz um certo nível de
perturbação psicofisiológica (vikṣepa). Quanto irá durar este vikṣepa depen-
derá, por um lado, da força desses estímulos desequilibrantes e, por outro, da
capacidade homeostática do corpo e da mente. Em face a tais perturbadores,
o objetivo do Yoga (no que concerne aos meios – yukti) é encontrar maneiras

2  N. T.: Compilador dos Yoga Sūtras, o primeiro expoente a sistematizar a filosofia do Yoga, tal
como chegou aos dias de hoje. Há evidências de que esses Yoga Sūtras foram elaborados ao longo
de um dilatado período de tempo, de modo a haver polêmica sobre se Patañjali foi uma única
pessoa, ou uma classe de yogins seguidores de um primeiro grande mestre que o reverenciaram
assinando seus trabalhos com o nome dele, tornando difícil situar o Patañjali histórico. Normal-
mente se acredita que Patañjali tenha existido entre o séc. IV a.C e o séc. II A.D.

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18 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

para auxiliar o corpo e a mente a manter seu equilíbrio ou ainda reconquistá-


-lo rapidamente, caso tenha sido perdido.
A doença (vyādhi) é considerada uma perturbação psicofisiológica ou
vikṣepa (PYS I-30). Como ressaltado anteriormente, a palavra Yoga, como
fim, significa integração ou samādhi (com origem em sam + ā + dhā, juntar
como um todo); vyādhi (com origem em vi + ā + dhā, expelir, descompor) é
o seu oposto, ou seja, desintegração, aquilo que contribui para uma sensação
de inquietação (dukkha) e, por isso, é um processo que produz a doença, um
vikṣepa.
Uma doença aguda, mesmo que indique a falha de parte do corpo quanto
ao enfrentamento de um fator que o agride, indica que o corpo de maneira
geral está tendo sucesso em lutar para erradicar ou neutralizar o elemento
perturbador. É, portanto, apenas uma perturbação temporária e como tal, do
ponto de vista do Yoga, é melhor deixar o corpo fazer o seu trabalho. O corpo
pode cuidar de si mesmo. O melhor que se pode fazer é auxiliar o corpo em
sua luta, sem sobrecarregá-lo com trabalho extra. Assim, até certo ponto, o
Yoga parece concordar com a naturologia, exceto por não ser contra recorrer
a algum método de erradicação dos fatores agressivos, desde que se saiba
como fazê-lo sem agressão ao corpo ou à mente. Um espinho, por exemplo,
que punge e perturba o equilíbrio, deve ser extraído, em lugar de ser deixado
para que a natureza cuide dele. Assim também, caso o praticante conhecesse
precisamente o agente ou os agentes responsáveis por uma perturbação e tam-
bém soubesse como erradicá-los, sem perturbar por longo tempo o funciona-
mento normal do próprio corpo, estaria autorizado a recorrer a tais métodos.
O Yoga não se opõe, como geralmente se pensa, ao tratamento de doenças
agudas, desde que ajuizado e apropriado. De fato, sabe-se que a maioria dos
yogins utiliza remédios ayurvédicos e ervas medicinais para esses propósitos
e que eles mantém um bom estoque dos mesmos para si mesmo e para ajudar
a quem necessite.
Entretanto, quando se trata de distúrbios subagudos ou crônicos, a história
é diferente. Eles são indicativos de que o corpo está falhando em sua luta e
está mal equipado para a disputa. Um processo de doença crônica é um sinal
de algumas más-adaptações ou falhas em nossas forças de adaptação. Segun-
do o Yoga, eles consistem principalmente de:

1) circulação deficiente de sangue e linfa, levando a congestões crônicas

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 19

e à estagnação de materiais residuais em determinadas regiões, com efeito


tóxico sobre o corpo, como um todo e

2) um sistema deficiente de reações neuromusculares e neuroglandulares.

Essas duas causas, ou seja, as congestões crônicas e as reações neuro-


musculoglandulares deficientes são interdependentes. Assim, a perturbação
no controle vasomotor causa um descompasso no ritmo de vasodilatação e
vasoconstrição, resultando em distúrbios circulatórios, sejam eles sistêmicos,
sejam localizados; sempre que os nervos, os músculos e as glândulas carecem
de um bom suprimento de sangue, eles também falham em reagir adequa-
damente, resultando, assim, em um círculo vicioso, onde cada perturbação
contribui com outra. Portanto, para que o praticante possa regularizar o pro-
cesso, ele tem que descobrir as causas que levam a essas duas falhas. Elas
podem estar relacionadas a uma ou mais das seguintes situações: postura e
outros hábitos incorretos, deficiências ou falta de autocontrole na alimentação
ou distúrbios psicológicos. O melhor é atentar para todos esses aspectos e
certificar-se que todos eles estejam adequados. Segundo o Yoga, que abor-
da o homem como um todo, um mero tratamento de exercícios, ou apenas
uma alteração na dieta, ou na atitude psicológica, mesmo que possa resultar
em algum alívio, não constitui um tratamento completo e eficiente para uma
pessoa.
Doenças agudas costumam deixar alguma sequela no corpo e na mente,
ainda que não haja sinal aparente do dano causado. Elas provocam desequilí-
brios que o corpo pode levar muito tempo para corrigir e, às vezes, podem até
fazer com que seja quase impossível que o corpo se recupere completamente.
O dever do médico ou do terapeuta é o de não deixar o paciente desassistido
e por conta própria, a partir do momento em que ele consegue se sentir me-
lhor, mas aconselhá-lo dependendo da natureza do processo da doença e dos
danos sofridos por ele, indicando a prática de alguns métodos de reabilitação
adequados e por um período determinado. Uma pessoa deve ser considerada
curada apenas quando estiver completamente livre dos vestígios do processo
doentio. É uma pena que na rotina congestionada do ambiente de trabalho dos
dias de hoje seja rara a adoção desses procedimentos reabilitantes, de modo
que, ainda que a pessoa esteja aparentemente saudável, movimentando-se à
vontade, não estará preparada, em absoluto, para enfrentar adequadamente os
estresses da vida cotidiana. Isso a torna vulnerável a outras agressões agudas,

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20 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

ou mais propensa a algum distúrbio crônico. O Yoga, portanto, recomenda a


prática de pelo menos alguns de seus procedimentos, para que o praticante se
mantenha positivamente saudável e disposto.
No tratamento de doenças, há pelo menos duas abordagens possíveis: uma
consiste em investigar o fator agressivo, auxiliar na sua erradicação e deixar
que o corpo se recupere, assim que esteja livre do fator agressivo; a outra é
auxiliar o próprio corpo a lutar bravamente, com sucesso, contra os transgres-
sores e a sair vitorioso por meio de seus próprios esforços. O corpo possui
seus próprios poderes inatos de desenvolver imunidade específica e possui
também uma capacidade geral de resistir, com êxito, aos assaltos dos fatores
agressivos.
Desde a descoberta dos micróbios e do papel que eles representam na cau-
sa da doença, a medicina ortodoxa se concentrou principalmente no primeiro
procedimento. Não que ela ignore o segundo, mas, na prática, a maioria dos
profissionais da medicina dá muito menos atenção a ele. De maneira geral, os
pacientes são abandonados ao seu próprio destino após o tratamento de uma
doença aguda. No máximo, recomenda-se a ingestão de alguns tabletes de
complementos vitamínicos ou de efeito tônico geral. O resultado disso é que
o corpo, com órgãos enfraquecidos e ineficientes para enfrentar a situação, é
deixado por sua conta, mas ainda vulnerável às devastações da doença. Essa
nova ideia de se assistir ao paciente de maneira mais abrangente, mesmo após
ele ter se livrado dos ataques agudos, ganha terreno vagarosamente e passa a
ser cada vez mais aceita no mundo da medicina, principalmente no campo da
medicina fisiológica. Mesmo assim, no presente estado das coisas, a medicina
fisiológica está mais ocupada com o problema da reabilitação dos fisicamente
incapacitados, especialmente com as incapacitações locomotoras, do que com
a reabilitação daqueles que sofrem de distúrbios funcionais, resultantes tanto
de ataques agudos recorrentes quanto de outros desajustes.
A atitude do Yoga perante o problema da doença, assim como perante tudo
o mais, é estimular que o praticante se fortaleça, em vez de gastar seu tempo
procurando erradicar este ou aquele fator agressor. A imagem utilizada é de
uma floresta repleta de espinhos: caso o praticante precisasse se embrenhar
nessa floresta, seria tolice remover os espinhos um por um para, então, seguir
adiante! Seria mais sábio e mais fácil vestir antes um bom par de calçados, de
modo a proteger os pés! “Para o homem que usa o calçado, toda a terra, na
verdade, parece estar recoberta por um couro macio.” (Yoga Vāsiṣṭha). Um
dos significados da própria palavra Yoga é sannahana, vestir uma armadura

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 21

ou estar bem preparado. Assim, o Yoga dá muita ênfase ao fortalecimento dos


mecanismos defensivos inerentes ao corpo e à mente, mais do que ao ataque e
à erradicação de fatores agressivos específicos. No tratamento de doenças, sua
atenção está focada no desenvolvimento dos poderes interiores naturais do
corpo e da mente, no sentido de auxiliá-los a ganhar equilíbrio homeostático.
Ao fazê-lo, o Yoga dá muita ênfase aos processos de eliminação, assim como
aos processos de recondicionamento, que são inerentes ao corpo, ou seja, ao
desenvolvimento dos próprios poderes de adaptação e de ajuste. Isso no lin-
guajar yogin (especialmente no Haṭha Yoga) é conhecido como nāḍi śuddhi:
a purificação de todos os canais, os de circulação e de comunicação. Para o
Yoga, nāḍi significa nervo, porém, a palavra também é usada para indicar
qualquer tipo de estrutura tubular, por exemplo: śaktināḍi, intestino grosso.
Outro nome conferido ao mesmo processo é mala-śuddhi, a erradicação de
malas, sendo que mala significa qualquer fator que perturbe o funcionamento
equilibrado do corpo e da mente (na medicina ayurvédica significa excreta).
Um dos objetivos do Yoga é encorajar a higiene e hábitos de vida sau-
dáveis, que levam à saúde positiva, que não significa apenas estar livre de
doença, mas uma sensação energética e exultante de bem-estar, com uma re-
serva de resistência e capacidade geral de imunidade a determinados agentes
agressivos. Não significa meramente a habilidade do organismo funcionar,
mas uma impossibilidade da pessoa ser indolente ou preguiçosa. Indolência e
preguiça, styāna e ālasya, são consideradas vikṣepas (perturbações) no Yoga.
São um sinal de má saúde, um desequilíbrio, seja em nível físico ou psico-
lógico, e precisam ser combatidas seriamente. Infelizmente, os sistemas mo-
dernos de medicina ortodoxa raramente adotam esse tipo de atendimento ri-
goroso e criterioso quanto à saúde positiva. Nos dias de hoje, a higiene e seus
métodos estão mais ocupados com os problemas sanitários; com a prevenção
de doenças por erradicação dos agentes ou pelo uso de inseticidas; com a
prevenção da poluição do ar e da água; com cuidados com os alimentos; com
a limpeza em geral; com o desenvolvimento de imunidade específica através
de vacinas e soros etc. Todos estes aspectos da saúde são altamente necessá-
rios do ponto de vista das medidas de saúde pública, mas com toda a devida
deferência às boas intenções da medicina moderna, pode-se ressaltar que to-
das elas constituem medidas negativas. Ainda que elas previnam efetivamente
a disseminação de determinadas doenças, também tornam o paciente cada
vez mais delicado, dependente e incapaz de se sustentar sobre suas próprias
pernas; sem a capacidade de enfrentar ativamente um processo de doença,

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quando dependeria de seus próprios poderes e capacidades inerentes. Assim


como está, o homem moderno vem sendo gradativamente privado de sua
capacidade interior de lutar suas próprias batalhas e está sendo obrigado a se
apoiar, cada vez mais, em medidas externas, que o salvem desses fatores per-
turbadores. O resultado consequente desse processo é que o corpo não apren-
de, em absoluto, a enfrentar os transgressores e, caso seja surpreendido, se
descobre incapaz de lutar contra eles. É uma lei da natureza: o que quer que
tenha sido deixado sem uso, lentamente se atrofia e acaba por desaparecer.
Em suas tentativas de obter cada vez mais conforto, o homem gradativamente
se privou da robusta resistência natural e da saúde de seus antepassados.
Na grande guerra que se trava hoje entre o homem e os micróbios, ainda
que o homem tenha vencido batalhas, ele está perdendo a guerra! Sabe-se que
os micróbios têm desenvolvido cepas que são mais fortes e altamente resis-
tentes às novas drogas inventadas ou descobertas pelo homem. Tanto isso é
realidade que o homem precisa alterar seu método de ataque a cada período
de uns poucos anos. Talvez seja muito cedo para dizer quem vencerá essa
guerra. Até aqui, o homem parece estar levando vantagem, através das novas
armas que produz. Ainda que, por um lado, isso tudo esteja acontecendo, por
outro, o próprio homem está perdendo seus poderes de resistência interior,
pelas razões já mencionadas. Adicionalmente, a crescente industrialização
dos dias atuais e as rápidas alterações na estrutura social forçam-no a enfren-
tar situações muito mais complexas do que as que seus antepassados tiveram
que enfrentar, sem que esteja preparado.
É de conhecimento geral que, embora a incidência e a quantidade de do-
enças infecciosas estejam decrescendo com as melhores medidas de saúde
pública, tem havido uma expansão dos problemas metabólicos e psicossomá-
ticos. São todos distúrbios crônicos de adaptabilidade. A ciência parece estar
tateando na busca de um auxílio externo, na forma de terapias substitutivas,
tranquilizantes etc., mas, cada vez mais, se reconhece que o enfoque deve-
ria ser dado ao extremo oposto, ou seja, aos sistemas internos do homem,
os quais precisam ser treinados para estarem à altura das novas situações e
circunstâncias. Em outras palavras, o homem precisa ser treinado de modo a
poder cultivar seus próprios poderes de adaptação e ajuste.
Os parágrafos acima não foram escritos com a intenção de depreciar o va-
lor das medidas de saúde pública, mas apenas para mostrar outro aspecto de
seus resultados. Em paralelo à erradicação dos agentes deletérios do ambiente
externo ao homem, já passa da hora da área da saúde atentar para os métodos

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 23

de cultivo e da expansão da abrangência dos poderes inerentes de adaptação


e de ajuste, que são próprios ao ambiente interno do homem, de modo a
auxiliá-lo a desfrutar saúde positiva e não apenas a estar livre de doenças.
O Yoga, é necessário ressaltar, imprime grande ênfase a esse aspecto. Isso é
realizado através de três passos integrais:

1. Cultivo de atitudes psicológicas corretas.


2. Recondicionamento dos sistemas neuromuscular e neuroglandular (ou
seja, do corpo todo), de modo a capacitá-lo a resistir a estresses e es-
forços maiores e concomitantes.
3. Manutenção de uma dieta saudável, incentivando os processos natu-
rais de excreção, recorrendo a banhos e lavagens especiais, sempre
que necessário.

Estas constituem as três medidas gerais da Yogaterapia. Este livro deline-


ará os princípios básicos dos procedimentos gerais seguidos na Yogaterapia e
abordará sua explicação científica. Um capítulo foi reservado para lidar com
as limitações da terapia, os campos em que ela pode ser especialmente útil,
assim como para apontar suas indicações e contraindicações.

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24 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Capítulo II

O cultivo de atitudes psicológicas corretas

O cultivo de atitudes psicológicas corretas é muito importante na Yogate-


rapia. De acordo com o Yoga, a atitude do praticante face às circunstâncias
da vida tem uma relação importante com a gênese das perturbações psicosso-
máticas e crônicas, mas também com as infecciosas. Neste capítulo, a razão
que está por trás desse argumento é abordada, assim como são apresentados
os procedimentos que o Yoga oferece para auxiliar o praticante a modificar
suas atitudes.
No capítulo anterior, já foi ressaltado que a abordagem do Yoga com rela-
ção ao problema da doença é uma abordagem integral. Para o Yoga, o homem
não é constituído de partes não relacionadas, mas sim um todo único, ou
para ser mais correto, uma parte integral de um todo maior: o cosmos. Não
que a medicina moderna seja cega para isso, mas no tratamento e na prática
ela parece, de certo modo, estar mais preocupada com uma perspectiva da
especificidade nas doenças. Assim, com relação à pneumonia, por exemplo,
considera-se ser uma doença dos pulmões propriamente ditos e não uma do-
ença do corpo como um todo. A abordagem moderna da medicina concentra
esforços e atenção naquele órgão em especial. Assume-se que as reações do
corpo, que constituem o processo da doença, se devem à afecção dos pul-
mões, a um ataque de determinados organismos a essa parte e que uma vez
que ela seja libertada do ataque, os processos reativos gerais cessarão automa-
ticamente e o paciente encontrará a cura.
Afirma-se que esse processo curativo seja inerente a todo ser vivente; o
que a medicina tem que fazer é apenas ajudar a pessoa a repelir aquele ataque
específico, destruir ou neutralizar os fatores agressivos. Não há nada de irra-
cional nisso. De fato, a medicina obteve sucesso conquistando alívio de so-
frimentos para a humanidade por meio desta abordagem. Porém, como todo
médico bem sabe, até aqui a ciência não descobriu nenhuma droga ou mé-
todo ideal que apenas destrua ou neutralize os fatores agressivos sem causar
prejuízo aos tecidos normais. Portanto, não é de se estranhar que após a cura

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 25

atingida, a pessoa esteja mais debilitada e deficiente e com suas capacidades


naturais de resistência e imunidade comprometidas.
Para usar uma metáfora, imagine uma grande casa com muitas pessoas
e empregados; eles mesmos capazes de lutar e proteger-se de ataques ex-
teriores. Quando atacados por saqueadores, sentem-se fraquejar e chamam
por ajuda externa. Os policiais, incapazes de distinguir entre amigos e inimi-
gos (bandidos e membros da casa), recorrem a um tiroteio indiscriminado,
matando alguns dos dois lados! Como resultado, tudo estará quieto após o
tiroteio, quando os policiais se forem, mas a casa será deixada sem uma boa
porção de sua própria força defensiva. É verdade que a medicina moderna
tem procurado tornar esse tiroteio tão discriminado e controlado quanto pos-
sível, alcançando sucesso nesse empreendimento até certa medida. Porém,
ela ainda não foi capaz de encontrar as drogas ideais, que não causem efeitos
colaterais.
Muitas vezes, no entanto, a casa é levada a um estado de desordem e ba-
gunça, devido a algum desgoverno interior, ou decorrente de deficiências ou
ineficiências dos vários órgãos internos ou, ainda, devido à falta de coordena-
ção adequada entre os mesmos. Os desarranjos funcionais pertencem, em sua
maioria, a esse grupo. A medicina moderna ataca as deficiências com aquilo
que se conhece como terapia substitutiva, preenchendo as carências através
do fornecimento de uma quantidade extra dos artigos que o corpo requer
(atualmente a maioria desses artigos de substituição ou suplementação são
produtos sintéticos). Às vezes, essa substituição é realizada pela prescrição de
uma dieta especial e bem balanceada. Porém, não se pode produzir a eficiên-
cia dos órgãos e a cooperação entre eles através da mera ingestão do que quer
que seja. Eles devem ser corrigidos por um novo treinamento orgânico, direta
ou indiretamente, e pelo restabelecimento de uma coordenação e harmonia
entre as várias partes.
Além das perturbações metabólicas mencionadas anteriormente, há outro
grande grupo de doenças não tão bem definido, que se inclui entre os males
psicossomáticos, pois se considera que, apesar de haver neles um elemento
de disfunção somática, há também uma boa medida de elemento psicológico,
cada um contribuindo com o outro. Assim, a medicina moderna passou a
aceitar que a mente desempenha um papel no mínimo significativo em um
grande número de doenças.
O Yoga parece avançar um passo além. Segundo ele, a mente possui um
papel muito significativo, não apenas nas doenças psicossomáticas, mas tam-

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bém em todas as outras formas de doença, incluindo as agudas. Quando a


mente é perturbada, pode tornar o corpo vulnerável ao ataque de organismos
externos através da diminuição da resistência geral e também da não coorde-
nação entre os vários órgãos, diminuindo assim a eficiência do corpo e dela
mesma. O Yoga explica como isso acontece: toda perturbação psicofisiológica
(vikṣepa), toda emoção, especialmente as negativas e/ou destrutivas, além de
causar aflição e depressão (dukkha e daurmanasya), interferem também com
o ritmo tônico de músculos e vasos (angamejayatva) e ocorre uma pertur-
bação da respiração (não acontece a respiração tranquila a que Patañjali se
refere como śvāsa-praśvāsa - PYS I-31). De acordo com o Yoga, a perturba-
ção do ritmo tônico de músculos e vasos (angamejayatva) é um gatilho que
dispara uma série de reações. Até mesmo a perturbação do ritmo respiratório
se deve, em parte, a angamejayatva. Pode-se inferir o quanto esse processo é
viável ao perceber os seus efeitos psicológicos. Qualquer aumento repentino
no tônus muscular eleva a demanda da circulação, da respiração e aumenta a
metabolização de glicose e de outras substâncias, para suprir adequadamente
os músculos para manter o tônus necessário. Caso ocorra uma constrição
generalizada dos vasos sanguíneos, devido à ação de alguma emoção, isso
sobrecarregará o coração e ainda mais os pulmões, pois eles deverão trabalhar
contra a resistência oferecida pelos vasos constritos. Para fazer frente a essas
demandas, tanto o sistema nervoso autônomo quanto o sistema endócrino
aumentam suas atividades e há uma maior liberação de adrenalina – predomí-
nio de atividade do sistema nervoso simpático. Caso o processo continue por
tempo suficiente, a tireoide também será estimulada e aumentará sua ativida-
de. A série de perturbações não termina aqui. O processo não afeta apenas
a musculatura esquelética, mas o corpo todo. Assim, o tecido contrátil dos
músculos lisos, que formam os vários órgãos internos (intestinos, coração,
brônquios, vasos sanguíneos etc.), também é afetado por essas alterações, o
que gera uma perturbação no seu comportamento, modificando todo o subs-
trato postural da pessoa. Esse tópico será estudado no próximo capítulo. Se
o processo continuar por muito tempo, ou seja, de maneira crônica, tanto
poderá gerar congestão e estagnação, caso o tônus diminua e os tecidos se tor-
nem “preguiçosos”, quanto poderá levar a um desgaste anormal, caso o tônus
aumente. Isso somado às perturbações nas secreções glandulares, que afetam
todos os fluídos do corpo, tornaria o corpo bastante vulnerável a ataques de
organismos estranhos, ou seja, a várias doenças infecciosas, ou poderia gerar
muitas perturbações funcionais e metabólicas.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 27

Assim, a alteração do ritmo e do tônus vascular, angamejayatva, é corre-


tamente encarada pelo Yoga como precursora genérica de vyādhi ou doença.
Ao procurar atingir a verdadeira causa (raiz do problema), o Yoga se concen-
tra nos esforços de prevenção, bem como na correção deste fator primordial
e fundamental.
Houve um tempo em que a medicina moderna encarava o processo da do-
ença em termos de órgãos, tecidos e células individuais. Assim, conforme os
Drs. Weiss e English3 afirmaram, “a abordagem sobre as doenças que nos foi
legada pelo século XIX poderia ser traduzida pela seguinte fórmula”:

• Doença celular → alterações estruturais → perturbação fisiológica (ou


funcional)

No século XX, essa fórmula foi alterada em algumas situações. Por exem-
plo, na hipertensão essencial e na doença vascular, a fórmula foi alterada para:

• Perturbação funcional → doença celular → alteração estrutural

Os autores ressaltam: “Ainda continuamos no escuro, quanto ao que pode


preceder a perturbação funcional, tal como no exemplo que acabamos de ci-
tar, de hipertensão com resultante doença vascular. Parece provável, que futu-
ras pesquisas nos permitirão afirmar ser possível uma perturbação psicológica
anteceder a alteração funcional. Assim, a fórmula passaria a ser”:

• Perturbação psicológica → prejuízo funcional → doença celular →


alteração estrutural

É interessante notar que, há muitos séculos, o Yoga não apenas apresen-


tava o mesmo conceito de doença, mas explicava o mecanismo psicofisioló-
gico de todo o processo e também sugeria maneiras e meios de corrigi-lo.
A medicina moderna parece inclinada, assim, a concordar com esse antigo
conceito do Yoga. Suas tendências mais recentes tendem ao reconhecimento
de uma patodinâmica da doença que abrange o corpo todo, em lugar de ver
a doença em termos da patologia de órgãos, tecidos ou células individuais.
Esses últimos são hoje encarados como meros núcleos ou pontos focais, em

3  Weiss, Edward e English, O., Spurgean, Psycho-Somatic Medicine (W. B. Saunders Co.)

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um incessante fluxo de processos bioquímicos e biofísicos que envolvem, ne-


cessariamente, todos os fluídos do corpo. O papel representado pela mente
nos desvios de tal fluxo recebe cada vez maior atenção nos dias de hoje.
Além disso, o advento da medicina física investigativa trouxe à luz o imen-
so valor terapêutico do exercício controlado e supervisionado, uma vez que
um trabalho recente nesse campo demonstrou a importância dos impulsos
tônicos (musculares) na manutenção da eficiência funcional, não apenas do
mecanismo neuromuscular, mas praticamente do corpo todo, desde que esses
exercícios sejam realizados de maneira adequada.4
É interessante notar que as estratégias e os meios sugeridos pelo Yoga es-
tão alinhados com as descobertas modernas. Eles serão abordados novamen-
te quando o significado dos āsanas, mudrās e outras práticas yogins forem
explicadas no tópico da prevenção e tratamento de doenças. Este capítulo
é dedicado à importância do cultivo de atitudes corretas na profilaxia e na
terapia através do Yoga.
É de conhecimento geral que o Yoga visa à tranquilização da mente, pois
sustenta-se que o praticante conseguirá alcançar seu verdadeiro eu apenas
quando sua mente estiver tranquila. Uma mente desnorteada, com pensa-
mentos erráticos, sejam eles afetivos ou não, não tem condições de captar
o significado da natureza impessoal da realidade. Segundo o Yoga, a mente
e a matéria nada mais são do que manifestações de uma mesma energia;
dois aspectos que nós percebemos como duas operações da única e mesma
substância eterna. Esta percepção é, portanto, um processo relativo, que está
adicionalmente distorcido pelo longo acúmulo de kleśas (sofrimento), sendo
que o principal deles é avidyā (ignorância). A não ser que este último seja
completamente eliminado, o praticante não poderá compreender a verdadeira
lei, ṛta, do mundo fenomênico. Foi Spinoza quem disse: “Quanto melhor a
mente compreende suas próprias forças e a ordem da natureza mais facil-
mente ela pode se libertar das coisas inúteis.” (De Emendatione – pg. 230).
Este é também o argumento que o Yoga apresenta. Alguns sistemas do Yoga

4  N.R. – De fato, nos anos que sucederam a edição deste livro, muitas investigações científicas
foram realizadas no campo o exercício físico e das terapias não farmacológicas, o que fez com que
o Colegiado Americano de Ciências do Esporte (American College of Sports Medicine) publicasse
suas Diretrizes para a Prescrição de Atividades Físicas, indicando que todos, indiscriminadamen-
te, devem manter um mínimo de 30 minutos diários, contínuos ou intervalados, de atividade física
para a manutenção de um estilo de vida saudável, o que também é a recomendação da Organização
Mundial da Saúde.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 29

procuram alcançar a tranquilização da mente por meio de vāsanākṣaya, ou a


eliminação de vāsanās5. Podem ser incluídos nessa classe o Jñana, o Bhakti
e o Dhyāna Yoga. Outros procuram alcançar o mesmo por meio da cessação
dos impulsos prāṇicos (prāṇaspandana). Podem ser incluídos nessa classe o
Mantra, o Haṭha, o Laya e o Rāja Yoga. Todos esses últimos são denomina-
dos Śakti-Yogas ou Kunḍalinī Yogas, uma vez que eles recorrem ao despertar
da kunḍalinī, uma energia potencial que se supõe estar dormente em todas
as pessoas. Adotados em conjunto, eles têm sido tradicionalmente conheci-
dos como Mahā Yoga. É claro que esses não são compartimentos estanques.
Na verdadeira prática, os adeptos do Yoga recorrem a uma combinação de
ambos.
O Yoga de Patañjali também parece objetivar essa boa e judiciosa com-
binação. Ele aborda o problema da tranquilização da mente de um ponto de
vista psicofisiológico. Assim, segundo Patañjali, os kleśas não são processos
puramente psicológicos nem tampouco puramente fisiológicos. Eles são me-
canismos psicofisiológicos e, por isso, a melhor maneira de combatê-los é
sujeitá-los a um duplo ataque, do tipo psicofisiológico, ao menos enquanto
não for conquistada alguma mestria sobre eles. Disso decorre que Patañjali
defende a prática inicial de yamas e niyamas, de um lado, e de āsanas e
prāṇāyāma, de outro. Uma vez que o domínio dos kleśas sobre a mente tenha
sido enfraquecido por meio desses processos do Kriyā Yoga, os métodos psi-
cológicos posteriores do Dhyāna Yoga produzirão sua eliminação com facili-
dade. Os kleśas, segundo Patañjali, são cinco: avidyā ou concepção errônea
(acerca da natureza da realidade), asmitā ou o Eu-Persona, a identificação
com a personalidade, rāga ou apegos, dveṣa ou aversões e, abhiniveśa ou as
falsas projeções de si mesmo. Os kleśas, que devem ser combatidos logo no
princípio, não são avidyā ou asmitā, mas rāga (apego) e dveṣa (aversão). Eles
são semelhantes aos muitos ramos de uma árvore frondosa, que devem ser
cortados primeiro, antes da derrubada da árvore.
A melhor maneira de se livrar de raga e dveṣa é encontrar um caminho do
meio entre eles, ou seja, cultivar a indiferença da mente. Deve-se compreen-
der que vairāgya6 não é aversão, como em geral esse termo é traduzido, mas

5  N. T.: Termo sânscrito que denota falsa noção impressa inconscientemente na mente.

6  N. R. – Abhyasa e vairāgya (prática constante e desapego dos resultados das ações) são as
abordagens propostas por Patañjali como formas para se combater os kleśas.

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30 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

desinteresse, ou um estado desapaixonado, indiferente. Segundo o Yoga, o


homem não direciona esses ragas e dveṣas apenas para coisas externas, mas
também os coloca em direção a si mesmo. De outro modo, não poderíamos
explicar a crescente incidência de suicídios. Aqui também trata-se de entida-
des confluentes. A existência de um pressupõe a existência do outro. Aquele
que gosta de algo, e o deseja ardentemente, odeia todas as coisas que possam
frustrar seus desejos e se tornar obstáculos à aquisição do objeto do desejo.
Não apenas isso, mas há pessoas que agem contra outra pessoa ou uma coisa
qualquer intermitentemente, ou seja, pode-se amar uma pessoa e, ao mes-
mo tempo, odiá-la. Só se pode estar consciente de ambos esses sentimentos
caso eles não sejam suficientemente intensos. Porém, se eles forem muito
intensos, pode-se estar consciente apenas do sentimento predominante, mas
não do outro, que pode estar reprimido e adormecido. Este último poderá se
expressar de maneira velada, assumindo uma aparência diferente. Raramente
encontrará uma expressão evidente. Isso é verdadeiro também na atitude de
cada pessoa com relação a si próprio. No Yoga, esse estado de ambivalência
dos kleśas denomina-se vicchinnā vasthā (estado interceptado). Nem sempre
são processos racionalizados, ainda que possam ser indiretamente orientados
ou controlados até certo ponto, pela razão ou pelo intelecto.
Quanto ao cultivo das atitudes, o Yoga dá grande ênfase a uma observân-
cia consciente de certas regras para a autodisciplina e o autotreinamento, cha-
madas yamas e niyamas. Sob a égide dos yamas se originam certas decisões
firmes e solenes de treinar e ajustar as próprias atitudes comportamentais,
com relação a problemas sociais, enquanto os niyamas enfatizam o cultivo
de determinados hábitos e atitudes de caráter pessoal. O conjunto yamas e
niyamas é denominado vrata. A palavra vrata se origina da raiz sânscrita
vṛt, comportar-se ou funcionar, com um sufixo nominativo ‘a’, demonstrando
uma atitude ou hábito desenvolvido conscientemente. Em geral, é traduzido
como um voto e, talvez, seja esse mesmo o melhor termo para ele em nossa
língua, se considerado no sentido de uma decisão solene de comportar-se de
um determinado modo. O objetivo desses vratas é o de ajudar o praticante
a, progressivamente, cultivar vairāgya (indiferença) e, viveka (discernimen-
to). A ideia por trás disso parece ser a de que, sempre que não esteja sob o
domínio das emoções, o córtex mantém algum controle sobre a maioria dos
elementos que, de outro modo, seriam autônomos, mas que também estão até
certo ponto sob controle da vontade. Por meio de uma abordagem mental sis-
temática, fundamentada por uma convicção racional, torna-se possível treinar

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 31

o sistema nervoso autônomo de maneira tal que, quando o treinamento estiver


suficientemente avançado, os impulsos sensoriais, por mais fortes que sejam,
não serão capazes de desviar o mecanismo, sem antes consultar a córtex ou
consciência. Não há nada de novo nisso.
O homem só se tornou homem por meio desse processo de controle cons-
ciente de si mesmo. Aquilo que denominamos civilização ou cultura é um
produto desse procedimento por parte do homem. Um animal atua sob im-
pulso a maior parte do tempo. Seu comportamento impulsivo só é controlado
por alguns outros impulsos emocionais, de medo, de amor, de raiva etc. Ape-
nas o homem (e talvez alguns dos animais mais evoluídos) usa a imaginação e
o julgamento. O homem, através desse processo, treinou-se ao longo das eras,
de modo a dominar boa parte de sua natureza animal. Porém, ao analisar a
conduta do homem dos dias de hoje, chega-se à conclusão de que, mesmo
agora, ele não está livre de seu comportamento impulsivo. Mais de setenta
e cinco por cento de sua atividade, tanto na vida pessoal quanto na vida pú-
blica, são governados por seus impulsos naturais e não controlados, muitas
vezes camuflados sob a aparência de raciocínio. Nesses padrões impulsivos
existem elementos construtivos assim como destrutivos, ou o que a psicologia
denomina como positivos e negativos. A felicidade e a infelicidade do homem
dependem do controle desses impulsos. A maioria dos sofrimentos do mundo
de hoje, as muitas guerras, conflitos, lutas e facções são uma evidência de que
o homem ainda precisa percorrer um longo caminho de controle judicioso
desses impulsos. Para usar um linguajar freudiano, o principal objetivo de
qualquer psicoterapia é aumentar o poder do ego e diminuir o do id, ou seja,
aumentar a área da consciência racional. O intelecto pode não ser capaz de
dominar de uma vez os caminhos interiores, porém a persistência certamente
traz recompensas. A isto dá-se o nome bhāvanā no Yoga, o que significa
conscientemente, trazer de volta à mente, repetidas vezes (cetasi punaḥ ni-
veśanaṃ), ou seja, sugestões persistentes.
O próprio Freud parece concordar com essa acertiva do Yoga. Em suas
próprias palavras7: “Podemos insistir, tanto quanto quisermos, em afirmar que
o intelecto humano é fraco quando comparado com os instintos humanos, isto
é correto. Porém, há algo de peculiar acerca dessa fraqueza. A voz do intelecto
é suave, mas não descansa até que seja ouvida. Ao final, após intermináveis e
repetidos malogros, ela obtém sucesso. Este é um dos poucos pontos em que

7  Freud, Sigmund: Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

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32 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

se pode ser otimista quanto ao futuro da humanidade. A primazia do intelecto


está a uma grande distância, mas não infinita.” Menciona-se aqui o nome de
Freud, porque um grande número de pessoas compreende mal sua atitude
com relação aos impulsos instintivos e tratam toda inibição como repressão,
esquecendo que todo processo educativo envolve o controle e a inibição de
certos impulsos. Só quando o id é dominado pelo superego, sendo ambos
entidades subconscientes ou inconscientes, é que ocorrem as repressões, com
suas consequentes complicações psicofísicas. Porém, o ego pode educar a
mente, desde que ele mesmo seja paciente e persistente em suas tentativas.
A luta anterior, aquela entre o id e o superego (no linguajar freudiano),
chama-se vicchinnatā no Yoga (seu significado literal é atividade intercep-
tada), ou seja, interceptada como resultado do conflito entre dois impulsos
emocionais fortes (cf. (L) con-flugere: atacar conjuntamente e, (S) vi+cchid:
cortar um ao outro). Essa é a maneira frequente pela qual as coisas são con-
troladas na vida de um homem comum, ou seja, quando um impulso emo-
cional é muito poderoso, possui uma vantagem sobre os demais que não pos-
suam a mesma determinação (ou seja, o kleśa especifico e forte é udāra e se
comporta livremente). Um conflito (vicchinnatā) ocorre somente quando dois
impulsos emocionais são igualmente fortes e opostos entre si, (vide comentá-
rio de Vyāsa8 aos Yoga Sutras de Patañjali). Esse conflito cria tensões internas
(angamejayatva) e estas perturbam o funcionamento harmonioso natural do
corpo e da mente, como uma unidade integral. Segundo o Yoga, essas ten-
sões internas continuadas constituem um fator fundamental na redução das
resistências do praticante e contribuem na criação da desarmonia nas várias
funções do corpo. As medidas que o Yoga prescreve para preveni-la, assim
como para corrigi-la, são yamas e niyamas, como procedimentos psicológi-
cos de um lado e āsanas e prāṇāyāma, como procedimentos fisiológicos, de
outro. Neste capítulo, dá-se ênfase aos procedimentos psicológicos.
Tal como foi dito anteriormente, yamas e niyamas constituem-se nos pri-
meiros vratas abordados no Yoga, o que leva o nome de Kriyā Yoga, ou téc-
nica de purificação e recondicionamento. O objetivo no Kriyā Yoga é ajudar

8  N. T.: Importante e reverenciado personagem, quase mítico, da tradição da antiga Índia. É


difícil situar o Vyasa histórico no tempo, por haver tantas obras atribuídas a ele, a partir do mais
famoso épico, o Mahabharata, muito antes da era Cristã, através de um período tão dilatado de
tempo como muitas centenas de anos. A palavra vyasa em sâncrito quer dizer dividir, diferenciar
ou descrever. Há polêmica sobre se Vyasa foi uma única pessoa, ou uma classe de eruditos que
faziam a diferenciação. É dele o primeiro comentário conhecido dos Yoga Sūtras de Patañjali.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 33

o praticante a manter o próprio equilíbrio psicofisiológico, tanto quanto pos-


sível, mesmo perante fortes estímulos externos ou internos. Tal como já afir-
mado, os yamas contêm certas regras de conduta social, enquanto os niyamas
são regras de higiene pessoal (mental e física).

Os yamas de Patañjali são:

• ahimsā – abster-se de quaisquer pensamentos de ódio ou do desejo de


ferir outros;
• satyaṃ – verdade ou veracidade;
• asteyaṃ – abster-se de qualquer tendência a roubar;
• brahmacaryaṃ – controle dos desejos ou das atividades sexuais,
continência;
• aparigrahaḥ – abster-se de cobiçar as riquezas e posses de outros ou
de acumular as próprias.

Os niyamas são:

• śaucaṃ – limpeza e pureza, de mente e de corpo;


• santoṣaḥ – contentamento;
• tapas – autodisciplina, austeridade (apenas aquelas que não afetem a
saúde);
• svādhyāyaḥ – engajamento no estudo de literatura e/ou outras ativida-
des mentais que ajudem na realização do eu e
• īśvarapraṇidhānaṃ – entregar-se à vontade de Deus.

Como o Yoga ajuda o aspirante a cultivar essas virtudes, esses vratas?


Eles não devem ser adotados como meros votos tomados sob um entusiasmo
cegamente impulsivo, mas devem ser aceitos após cuidadosa consideração e
convicção. Espera-se que um orientador pessoal possa auxiliar o aspirante
nesse processo. De maneira geral, o homem fica dividido entre duas tendên-
cias conflitantes na luta pela existência: uma é a tendência ao progresso, a de
emergir de sua forma animal de existência; a outra é a tendência regressiva, a
de voltar àquela forma animal. A história do praticante, assim como de toda
raça humana, nada mais é do que a história desse perpétuo conflito. Porém,
o homem se tornou o que é e reteve seu elemento humano apenas porque a
tendência progressiva sempre foi a mais forte, apesar dos frequentes e disse-

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34 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

minados fenômenos de doença mental e também das facções e das guerras


travadas periodicamente na história da raça humana, que indicam que o ho-
mem ainda enfrenta uma intensa luta, na qual ele regressa, vez por outra, a
situações que havia, aparentemente, renunciado há gerações. Tal como Erich
Fromm9 afirma: “A vida do homem é determinada pela inescapável alter-
nância entre a regressão e a progressão, entre o retorno à existência animal
e a chegada à existência humana. Qualquer tentativa de retorno é dolorosa,
conduz inevitavelmente ao sofrimento, à doença mental e à morte, seja ela
fisiológica ou mental (insanidade). Cada passo adiante é amedrontador e do-
loroso também, até que seja atingido um determinado ponto, onde o medo e
a dúvida assumem apenas proporções menores.” É essa libertação do medo,
abhaya, que o Yoga enfatiza como sendo o objetivo e a única característica do
verdadeiro desenvolvimento humano. O Bhagavad Gītā lhe confere o lugar
de honra, considerando-a a principal qualidade de daivi sampat, ou posses di-
vinas, conferindo apenas o décimo lugar a ahimsā, em escala de importância.
Em seu método de psicanálise humanística, Erich Fromm demonstra como o
homem se sente afastado da união primordial com a natureza, que caracteriza
a existência animal. Possuindo ao mesmo tempo a razão e a imaginação, ele
está consciente de sua solidão e exílio; de sua impotência e ignorância. Ele só
poderia encarar esse estado de ser, caso pudesse encontrar novos laços com
seus semelhantes, que substituíssem os antigos, regulados por instintos. Os
homens procuram superar o resultado de suas frustrações por meio de algum
tipo de idealismo. O significado que Fromm dá a esse idealismo é esforço pela
satisfação de carências que são especificamente humanas e que transcendem
as carências fisiológicas do organismo. Um tipo de idealismo constitui uma
solução boa e adequada, outro é ruim e destrutivo. Fromm delineia as muitas
maneiras pelas quais o homem busca e alcança essa união com sua existência
original. Em resumo, elas podem ser classificadas sob três títulos: submissão,
dominação e amor. A submissão pode ser a uma pessoa, grupo ou instituição,
ou a Deus. A dominação é tentar ter poder sobre uma parcela do mundo (sua
própria cercania, por menor que seja) fazendo os outros se tornarem uma par-
te de si mesmo. Segundo Fromm, ambas estas características são da natureza
simbólica do parentesco. Ainda que elas satisfaçam o anseio da proximidade,
continuam a sofrer a falta de força interior e autoconfiança e são também
ameaçadas por hostilidade consciente ou inconsciente. Nenhuma medida de

9  Fromm, Erich: The Sane Society (Rinehart Co.)

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 35

submissão ou de dominação será suficiente para dar ao praticante a sensação


de identidade ou de união e, portanto, ele sempre buscará mais da mesma
atitude (de submissão ou de dominação) com o resultado final da derrota e
desintegração. Só o amor satisfaz a carência, pois, por mais que o amor seja
uma união com alguém ou alguma coisa, ele ainda retém a singularidade e a
integridade do próprio ser. No amor, há uma experiência de compartilhamen-
to, de comunhão, que permite o completo desabrochar da própria atividade
interior do praticante. O que importa é a específica qualidade do amar, não o
objeto. Ele possui uma orientação produtiva, o parentesco ativo e criativo do
homem com seu semelhante, consigo e com a natureza.
Ao longo das eras, santos, profetas e filósofos cantaram as virtudes do
amor, como a panaceia para a maioria das doenças do mundo. Buddha re-
petiu-o, o rabi Nazareno disse ‘Ama teu próximo como a ti mesmo’. Porém,
infelizmente, não se pode criar o amor do dia para a noite, ele precisa nas-
cer. Por isso, o Yoga coloca ahimsā como a primeira regra de conduta que o
homem pode praticar conscientemente, como primeiro passo na direção do
amor.
Em geral, ahimsā é traduzido como não violência. Não que himsā seja vio-
lência; mas uma tendência a matar ou machucar, a tendência a ser violento.
Não se trata de uma ação objetiva, mas uma atitude subjetiva. Muitas pessoas
se surpreendem pelo fato do Bhagavad Gītā (que defende ahimsā) também
convocar Arjuna a lutar, a praticar uma ação violenta! Não se deve esquecer
que o profeta, que pregou ‘Ama teu próximo como a ti mesmo’ e que acon-
selhou oferecer a outra face para o caso da primeira ter sido atingida, açoitou
os vendilhões do templo com um chicote por dessacralizarem a casa de seu
Pai. Até mesmo Gandhi-Ji10, disse a seus seguidores que ele preferiria vê-los
morrer lutando do que fugindo acovardados. A mera não violência objetiva
pode ser o resultado de medo, covardia, ou da própria inabilidade em retaliar.
Porém, isto não é ahimsā; existe nisto uma fricção e um ressentimento inte-
rior constantes, que são himsā. Os estudiosos encontraram este elemento de
constante ressentimento abrigado consciente ou inconscientemente na maio-
ria das perturbações crônicas. Nenhuma medida de tratamento, nem mesmo
os assim chamados tratamentos yogins de āsanas, kriyās, prāṇāyāmas etc.,

10  N. T.: Mohandas Karamchand Gandhi (2/10/1869 – 30/01/1948). Um dos maiores líderes
políticos e espirituais da Índia e do movimento de independência desse país, pioneiro da aplicação
do conceito de satyagraha (resistência à tirania através da desobediência civil, firmemente fundada
na não violência).

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são capazes de alcançar resultados nesses casos, enquanto esse ressentimento


interior continuar a espreitar de lá do fundo. Matar ou exercer a violência,
isento desse ressentimento, seria uma ação muito melhor do que não exercer
o ato supostamente violento. Um exemplo disso está no Mahābhārata – existe
a história de Tulādhāra, o açougueiro, a quem um sábio se dirigiu, por ordem
de seu guru, para dele receber instruções. Um cirurgião que opera, um açou-
gueiro que mata, um cientista que sacrifica seus animais, todos exercem a
violência, mas com a diferença de que não há neles nenhum ressentimento, ou
ódio, nenhum desejo de matar e dessa maneira, trata-se de um himsā menor
do que o ahimsā do homem covarde ou frustrado. Deve-se dar muita atenção
a isso, pois esse fato em particular tem grande importância na Yogaterapia.
Em geral, yamas e niyamas são tratados como votos religiosos ou ético-so-
ciais. Raramente se demonstra sua importância psicofisiológica, até mesmo
na assim chamada literatura yogin. O Yoga não se ocupa tanto com a reforma
social quanto se ocupa da reforma pessoal. Para o Yoga, foi o homem quem
formou a sociedade; se o homem, a unidade da sociedade, fosse reorientado
e reabilitado adequadamente, a sociedade seria reformada automaticamente.
Os yamas e niyamas do Yoga, portanto, não foram trazidos como preceitos
de um mero código moral de comportamento, mas como instruções práticas
para que se obtenha o mais elevado grau de saúde psicológica. A atitude
mais se parece àquela de um preparador físico do que à de um moralista. A
abordagem tem boa dose de consonância com aquela de qualquer terapeuta
de psicologia clínica da atualidade.
Os Haṭha Yogins parecem ter abordado o problema de um ponto de vista
neurofisiológico. Eles o estudaram a partir do aspecto das reações tônicas que
estão envolvidas em uma variação de longo prazo na determinação do com-
portamento. A maneira pela qual eles abordaram essas reações, de modo a
corrigir todo o processo, foi um pouco diferente. Ainda que o procedimento
fosse longo e talvez um pouco cansativo, segundo eles era um caminho mais
seguro e mais certo. Havia um consenso entre eles de que, até que o processo
se tornasse eficaz, algumas salvaguardas deveriam ser providenciadas. Nesse
sentido, eles parecem ter insistido na segregação do sādhaka (o aspirante) da
sociedade, como medida inicial. Ele deveria recorrer a um maṭha ou claustro,
afastado da turba enlouquecedora! E esse claustro deveria ser estabelecido em
um local onde houvesse um príncipe regente forte e benevolente, onde as pes-
soas fossem religiosas e orientadas ao bem comum e onde a atmosfera fosse
pura e imperturbada, livre de insetos e outras pragas. Mesmo ali, o sādhaka

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 37

era aconselhado a se manter só, ou seja, manter-se a salvo de conflitos de in-


teresse pessoal fortuitos. Tudo isso demonstra o quanto eles se preocupavam
em criar um encerramento emocional, de modo a assegurar efeitos máximos,
até mesmo no campo das práticas iniciais do Yoga. Dessa forma, o Haṭha
Yoga parece ter se destinado a pessoas que haviam, praticamente, renunciado
ao mundo – ao menos por algum tempo.
Patañjali, no entanto, parece ter levado em consideração o homem comum
da sociedade. De modo a assegurar uma atmosfera e uma disposição mental
adequadas às práticas yogins que se seguiriam, Patañjali, ou o Aṣṭānga Yoga,
defende a observância dos yamas e niyamas. É preciso formar consciente-
mente os hábitos que limparão o caminho para o estado final de consciência
expandida objetivado pelo Yoga.
Ao advogar o método de cultivo desses hábitos, Patañjali estabelece uma
diferença entre os efeitos dos conflitos emocionais conscientes dos incons-
cientes. É no campo dos conflitos emocionais conscientes que Patañjali pa-
rece advogar a observância de yamas e niyamas como remédio. Para efei-
tos sobre conflitos inconscientes ou subconscientes ele recomenda āsanas e
prāṇāyāma, que serão abordados no próximo capítulo.
Na atualidade, esses votos podem parecer um pouco brutos e severos. Al-
gumas pessoas podem até achá-los prejudiciais à saúde tanto mental quanto
física. Particularmente, alguns membros da assim chamada escola freudiana
podem considerá-los como meros processos inibitórios, carregados de gran-
des perigos. A observância do celibato, em particular, tem sido alvo de críti-
cas, tanto de psiquiatras quanto de médicos. Algumas autoridades de renome
mantêm pontos de vista conflitantes sobre o assunto da continência e seus
resultados. Ao mesmo tempo em que há alguns que acreditam que as glându-
las sexuais sejam prejudicadas com um longo celibato, há muitos outros que
defendem que a continência positiva é bem compatível com a saúde e que as
glândulas sexuais são como as glândulas sudoríparas e lacrimais, que não se
atrofiam por desuso. Não é nosso propósito, aqui, entrar nessa polêmica, mas
o ponto de vista yogin será mencionado.
Para o Yoga, todo o assunto do sexo é complicado desnecessariamente
pelas pessoas que, em um estado de intoxicação hormonal, praticam mala-
barismos com os valores. Não há muito que se possa dizer acerca da, assim
chamada, atratividade do corpo do sexo oposto. Porém, até mesmo os objetos
mais indiferentes podem ser transformados pela mente nos mais poderosos
estímulos sexuais. Poetas e artistas, com suas técnicas sugestivas, adiciona-

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ram-lhe mais condimento. Tal como Claude Bragdon11 o coloca, em Yoga


for You: “No homem, as baterias sexuais estão tão sobrecarregadas e tão ar-
tificialmente estimuladas, tão intenso o prazer da cópula, que ele quebrou
o ritmo da natureza, criando uma condição de coisas diferente de tudo que
existe no mundo animal, onde não existe problema sexual. Com o avanço
disso que se chama civilização, esse problema se torna crescentemente agu-
do. Estados emocionais anormais, causados por orgulho, medo, vergonha,
frustração, juntamente com a sobrevalorização da sexualidade, o álcool, a
alimentação com suplementos e muito processada podem levar a excessos
que, com as vergonhas secretas que os acompanham, hipocrisias, ciúmes, e
ressentimentos, possuem o efeito de dividir profundamente a personalidade,
tornando impossível a unidade do ser, necessária a uma vida normal, saudável
e feliz, necessária para a prática do Yoga. Diferentemente dos animais mais
evoluídos, o homem não conhece períodos de continência, a não ser aqueles
impostos pela falta de oportunidade. O excesso de sua potência sexual, o que,
segundo o antigo e secreto ensinamento sobre o qual o Yoga se baseia, deve-
ria ser utilizado para sua própria evolução mais elevada, é utilizado principal-
mente para a autogratificação. Pelo fato de que a gravidez e a maternidade
interferem com sua indulgência nos prazeres sexuais, ele descobriu meios
mecânicos e químicos engenhosos que previnem a fertilização, sem que o
autocontrole represente papel algum no controle da natalidade.”
O Yoga denominou a continência absoluta de mahāvrata, um grande voto,
que só se destina àqueles tīvrasaṃvegins, os entusiastas fortes e desapaixona-
dos, que possuem a prática mental necessária para isso. Aos outros, citando
novamente Claude Bragdon:
“Não se recomenda a continência absoluta, porque o desejo sexual, caso
seja rigorosamente restrito, será dirigido a outros canais e se tornará mais
perigoso do que se satisfeito naturalmente. O objetivo não é o de se suprimir
a sexualidade, essa fonte criativa da vida, mas o de subjugá-la e controlá-la,
de modo a dirigi-la para o alto, para a câmara do casamento, no cérebro.
Portanto, estenda os períodos entre as indulgências, evite a carne e o álcool,
nunca pense em assuntos sexuais, exceto durante o próprio ato e, sempre que
um desejo, ideia ou imagem de luxúria penetrar a mente, ponha-a de lado, de
uma vez. Reconheça que todos os pensamentos impuros são parte dessa per-
sonalidade subsidiária que governa os órgãos sexuais, cuja intenção é apenas

11  Bragdon, Claude: Yoga for You (Alfred Knopf, New York).

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 39

a de gratificar a si mesma e de tentar, dessa maneira, te coagir. Determina-te


a ser o senhor de tua própria casa.”
O casamento deve conduzir ao amor e à afeição e não à licenciosidade. Os
antigos reivindicavam que havia mais prazer e felicidade nas trocas afetivas e
amorosas entre marido e mulher, no jogo do amor controlado e inocente, do
que na própria cópula. Essa afeição e amor preencheriam os corações do ca-
sal com um contentamento constante e permeariam toda a família, enquanto
que os prazeres da cópula só conduziriam a uma satisfação temporária, mas
sem prevenir ou estar privados de ressentimentos, suspeitas e ódio, em outras
ocasiões.
Novamente, precisa-se repetir que esses votos não são meras resoluções
emocionais elevadas. Não devem ser adotados no calor da emoção, mas ape-
nas após uma convicção intelectual de seu valor e de sua ajuda à conquista do
objetivo almejado. Haverá tentações. Conflitos turbulentos surgirão aqui e ali,
entre as convicções intelectuais de um lado e os impulsos emocionais, de ou-
tro. Nessas ocasiões, Patañjali propõe tirar o vento das velas dessas dinâmicas
emocionais, recorrendo a prati-pakṣabhāvanaṃ, ou seja, sugerindo persisten-
temente uma terceira via de saída, um caminho de indiferença, vitarkabādha-
ne pratipakṣabhāvanaṃ (P.Y.S. – II-33). Isso não quer dizer apresentar sem-
pre uma sugestão contrária, como algumas pessoas preferem interpretar esse
aforismo. O praticante não pode, de uma só vez, forçar-se a amar uma pessoa
a quem está intensamente inclinado a odiar. Mesmo assim, tal como ressalta-
do pelo grande filósofo Spinoza: “Todo ódio, talvez por estremecer perante o
amor, pode mais facilmente ser vencido pelo amor do que pelo ódio, porque o
ódio se alimenta do sentimento que lhe é retornado. Odiar é, na verdade, ad-
mitir a própria inferioridade. Ninguém odeia um inimigo que esteja confiante
em dominar! O ódio conquistado pelo amor produz felicidade”. Ainda assim,
mesmo depois de tudo que se disse, normalmente, não se pode esperar que
nenhuma pessoa retorne amor ao ódio ou converta um sentimento de ódio em
amor, do dia para a noite. Além de ter o sucesso questionável, a própria tenta-
tiva seria um acréscimo ao problema. Porém, ainda que o praticante não seja
capaz de transformar seu ódio em amor, ele poderá, ao menos, se questionar
acerca da adequação de odiar e se isso pode trazer qualquer contribuição aos
seus almejados objetivos elevados. A resposta, naturalmente, seria negativa.
Do mesmo modo, a tentação pode voltar a ocorrer repetidamente. A melhor
maneira de enfrentá-la é recorrer a esse autoquestionamento. E essa é também

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a maneira que Vyāsa interpreta esse aforismo. O alívio que se obtém dessa
maneira é imenso, pois o homem não é inteiramente irracional.
Freud pode não ter sido muito original na formulação de sua teoria sobre
os dois instintos, eros e thanatos, mas seguramente ela carregou consigo um
novo significado, quando considerado o pano de fundo de seus escritos ante-
riores. Sua primeira tremenda revelação foi a de que todos vivem uma outra
vida, além de seu controle. Ele mostrou como os impulsos inconscientes, os
medos e desejos ocultos nas profundezas, nos recônditos escuros da men-
te humana, influenciavam e dirigiam, de fato, nossas ações conscientes. Ele
também mostrou como o homem procurava constantemente racionalizar suas
próprias ações e opiniões que, na verdade, lhe eram impostas e determinadas
pelos processos inconscientes de sua mente; justificou de maneira racional
uma conduta nascida de dinâmicas inconscientes. Dentro dessa visão, segura-
mente, os dois instintos são inovadores.
Assim, as descobertas de Freud auxiliam o praticante a compreender me-
lhor o significado abrangente de termos como: prasupta (adormecido), vic-
chinna (interceptado), tanu (moderado e ineficaz) e udāra (livre ou irrestrito),
tal como aplicados aos kleśas no Yoga, principalmente raga e dveṣa (amor
e ódio). Reconhecia-se que o homem comum (sāmsārika) só era capaz de
manifestar dois estados de kleśas, ou seja, vicchinna (interceptado) e udāra
(livre). Caso não houvesse nenhuma barreira (física ou psicológica), os kleśas
encontrariam livre expressão (udāra). No entanto, os primeiros comentaristas
dos Yoga Sutras de Patañjali afirmavam que a interceptação (vicchinnatā) só
se devia a um fator temporal favorável. Assim, afirmava-se que, se um ho-
mem amasse uma determinada mulher, isso não significava que estivesse can-
sado de uma outra, mas que temporariamente, seus sentimentos encontravam
uma expressão completa em um caso, por causa de alguns fatores excitantes
favoráveis; ele poderia manifestar os mesmos sentimentos na direção da outra
mulher, sob outras circunstâncias favoráveis, em data futura. Ora, essa parece
ser uma explicação muito distorcida do que é interceptação ou vicchinnatā e
não traz consigo toda a importância do termo kleśa, cujo significado literal é
dor ou irritação. Caso se compreenda, no entanto, o conceito freudiano de
ambivalência e trabalho dos conflitos emocionais não resolvidos no campo
do subconsciente, será compreendido porque os antigos sábios consideravam
que essas propensões eram verdadeiramente dolorosas (kliṣṭa). Só nos yogins,
esses kleśas eram fracos e ineficazes (tanu), pois seu perigo havia sido neutra-
lizado por longas práticas yogins. Eles pararam, portanto, de ser um problema

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 41

para os yogins, mas ainda estavam ali e tinham, no mínimo, o valor de um


aborrecimento.
Para a completa erradicação dos kleśas, para se libertar completamente
de todas essas influências emocionais, deve-se queimar sua semente. Esta
semente, segundo o Yoga, encontra-se no Eu-Persona, asmitā. O Dr. Burrow
no livro Neurosis of Man, demonstrou, admiravelmente, como o Eu-Persona
se torna responsável pelos processos dicotômicos, o que será abordado no
capítulo V.

No entanto, o Eu-Persona há muito tempo deixou de ser um mero pro-


blema psicológico; a perspectiva habitual, ao longo de eras, como explicado
pelo Dr. Burrow, embriagou os sentidos completamente; a longa e continuada
persistência desse estado já fez dele uma entidade orgânica, um padrão estru-
tural tribal, um fator biológico com uma base neural separada e um substrato
fisiológico próprio. A menos que isso seja atacado e corrigido, os conflitos do
homem prosseguirão incessantemente.
Tal como já foi indicado, o Yoga possui uma técnica dupla para atacar
esse problema, em ambas as frentes, a física e a psicológica. Naturalmente,
o processo de se desfazer aquilo que foi construído ao longo de eras leva um
longo tempo. Tal como Vaśiṣṭha o coloca – “Óh Rāma, o estado habitual
desta vida mundana, adquirido através de centenas de vidas passadas, nunca
poderá ser eliminado sem uma prática prolongada da tentativa de desfazê-
-lo”. (Yoga Vāśiṣṭha12). Os antigos yogins, portanto, formularam um código
comportamental para os sādhakas que os ajudaria a se blindar da melhor
forma possível contra as agitações mentais. O processo se denomina citta-
-prasādana (limpeza, clareamento mental). Além dos yamas e niyamas, o
Yoga recomenda outro procedimento, conhecido como maitryādibhāvanā
(sugestões persistentes elaboradas com o objetivo de promover amizade).
Maitryādibhāvanā requer que se evite o ciúme, o desrespeito, a inveja e a
raiva, todos eles sentimentos destrutivos. É preciso cultivar um sentimento
intencional de amizade (maitrī) em relação àqueles que se esteja inclinado

12  N. T.: Ainda que o livro seja denominado Yoga Vāśiṣṭha e só trate do conhecimento (Jña-
na), foi um dos livros mais amplamente lidos na Índia. Influenciou enormemente o pensamento
filosófico indiano de maneira geral. É uma obra filosófica da Índia antiga, abrangente, profunda,
sistemática e literária. Seu nome provém do sábio Vāśiṣṭha. O lendárioVāśiṣṭha foi quem ensinou
os princípios do vedanta a seu aluno da família real, Sri Rāma, o conquistador de Ravana e herói
do épico Rāmayana.

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42 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

a desrespeitar, um sentimento de alegria e de prazer (muditā) na companhia


daqueles a quem, de outro modo, se invejaria, (todas essas atitudes podem
ser traduzidas por um termo – sentimento de companheirismo) e finalmente,
haverá talvez aqueles que não se possa tolerar de maneira alguma, por causa
de sua natureza muito má e irritante, com relação aos quais o praticante deve
cultivar um sentimento de indiferença (upekṣa) e evitar sua companhia a todo
custo.
Ainda que não se possam esperar resultados maravilhosos de mudança de
personalidade com estas atitudes, sem que haja uma modificação proporcional
no substrato fisiológico, ainda assim, depois de tudo o que se disse, também é
verdade que nenhum exercício físico poderia contribuir para a harmonia, se
levado a efeito em um estado de agitação emocional. Portanto, é preciso levar
a cabo a tentativa de acalmar a mente e mantê-la assim, por meio da tentativa
do cultivo de determinadas atitudes na vida. No mínimo, pode-se controlar
os elementos conscientes dos conflitos emocionais e, gradativamente, preve-
nir o seu aparecimento, por meio de esforços persistentes nesse sentido. Um
dos princípios fundamentais do Yoga é que o comportamento ajuda o desen-
volvimento do padrão estrutural, tanto quanto o padrão estrutural dirige os
processos comportamentais. Mais ainda, a influência da mente sobre o corpo
é talvez muito maior do que a do corpo sobre a mente. É por isso que o Yoga
imprime ênfase especial no cultivo de atitudes psicológicas corretas.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 43

Capítulo III

O recondicionamento do mecanismo psicofisiológico

No capítulo anterior, foi visto que o Yoga considera angamejayatva, ou a


perturbação do tônus do corpo, como o principal gatilho que dá origem a um
processo de reações em cadeia e, assim, reduz as resistências do corpo como
um todo e também o sujeita ao mau funcionamento. Também foi mostrado
como o Yoga recorre a uma técnica dual, de modo a atacar este problema em
ambas frentes: a física, bem como a psicológica. O componente psicológico
foi delineado no capítulo anterior. Neste capítulo o lado físico será abordado.
Os conflitos mentais conscientes devem ser combatidos através dos yamas,
niyamas e maitryādibhāvanā (código de comportamento que ajuda a evitar
sentimentos destrutivos), prevenindo-se, assim, o crescimento das tensões.
Porém, o que fazer com as tensões já criadas e com aquelas que estão sendo
criadas pelos conflitos de um nível mental inconsciente? Uma vez que a cau-
sa esteja em nível inconsciente leva-se, naturalmente, um longo tempo para
sobrepujá-la. Como então se pode impedir seu efeito devastador no corpo e
na mente? Em longo prazo, o Yoga procura atacar este problema por meio
do processo de dhyāna, mas nesse ínterim, ele também procura lidar com o
problema, trabalhando aquilo que na psicologia chama de substrato postural.
Utiliza-se o termo substrato postural para indicar aquele aspecto de ativida-
de tônica, envolvido em qualquer variação prolongada no nível de excitação
geral do corpo. Esse substrato postural denota um passado orgânico que in-
clui muitos sistemas (nervoso, endócrino e muscular), que influencia todo e
qualquer desempenho de atividades, por mais breves que sejam. Esse tipo de
substrato postural consiste de uma vasta gama de processos, muitos dos quais
ainda são muito pouco conhecidos atualmente. Destes, os mais conhecidos
são os processos de tensão da musculatura esquelética; além deles, porém
menos compreendidas, estão as tensões das vísceras (nos músculos lisos) e as
secreções glandulares anormais. A tensão específica que se origina de todas
elas promove uma similaridade contínua da ação de todos esses sistemas,
formando um pano de fundo característico geral do comportamento de uma

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44 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

pessoa, ou seja, influenciando todas as suas reações fásicas, sejam elas inter-
nas ou externas.
Normalmente, o substrato postural se encontra em um estado relativamen-
te fluido e pode ser moldado de diversas maneiras. No entanto, caso seja de-
sintegrado por meio de estresse continuado, como numa doença progressiva,
ou devido a uma pressão mental prolongada, a pessoa se tornará progressi-
vamente mais rígida e terá respostas estereotipadas a estímulos. Às vezes, tal
como mencionado pelo Dr. Freeman em seu livro sobre Psicologia Fisiológi-
ca13, o substrato poderá até se tornar permanentemente fixo, particularmente
“quando não for oferecido o alívio adequado para algum estimulante moti-
vacional persistente”. Esse tipo de fixação postural, tal como o Dr. Freeman
ressaltou, “ajuda a explicar a perda de contato com a realidade em muitos
pacientes psicóticos”. Assim, o substrato postural tem grande importância na
determinação do comportamento, seja ele externo, seja interno (orgânico).
Quando um indivíduo nessa situação assume firmemente um determinado
curso de ação, os padrões tônicos interoceptivos dominam de maneira padro-
nizada e as influências exteroceptivas fásicas produzem pouco efeito. Dessa
forma, nenhum tipo de persuasão poderá modificar a atitude da pessoa pe-
rante a vida.
O que se entende por reações interoceptivas tônicas e exteroceptivas
fásicas?
O mecanismo neuromuscular é de natureza dual, ou seja, é capaz de rea-
gir de duas maneiras, tônica (contínua), ou fásica (intermitente). As reações
fásicas são aquelas que contribuem com o movimento e, por isso, são mais
facilmente visíveis do que as reações tônicas, porém, na verdade, estas últi-
mas formam a base sobre a qual as primeiras se desenvolvem. Uma vez que
as reações tônicas, em sua maioria, se relacionam a posturas, são frequente-
mente chamadas reações posturais, mas essa não é uma expressão feliz, pois
há muitas outras reações estáticas envolvidas nos ajustes posturais. As reações
fásicas são rápidas e localizadas. Elas apenas vêm e vão. Representam um
reajuste temporário para um tipo momentâneo de mudança de estímulo. As
respostas tônicas, por outro lado, são tipos de ajuste mais resistentes e difu-
sos, calculadas para manter uma certa continuidade na condução do organis-
mo, servindo de substrato para as reações fásicas. Admitem-se duas hipóteses
acerca da natureza dessas reações: que podem ser de natureza excludente ou

13  FREEMAN, G. L., Physiological Psychology (Dr. Van Norstrand, New York).

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 45

fases extremas de uma escala contínua. Porém, há consenso de que são distin-
tas; cada uma delas com sua própria unidade receptora, reguladora e efetora,
sendo a última, comum a ambas.
Com relação à coordenação dessas reações realizada pelo sistema nervoso,
enquanto o sistema piramidal governa as reações fásicas, o sistema extrapi-
ramidal14 prevalece sobre as tônicas. Algumas estruturas já têm seu papel na
distribuição do tônus muscular conhecido, como é o caso do cerebelo, do
tegmento, do tálamo e do corpo estriado. Eles também têm papel similar na
regulação dos reflexos posturais.
Os receptores envolvidos nos dois tipos de reações também são diferentes.
Eles são classificados de acordo com sua localização anatômica e origem de
estímulo. Genericamente, são divididos em (1) exteroceptores e (2) intero-
ceptores. Os exteroceptores são partes da superfície do corpo e recebem es-
tímulos do ambiente externo. Eles incluem os terminais sensoriais dos olhos,
dos ouvidos, do nariz, da boca e da pele. Os interoceptores, por outro lado,
encontram-se embutidos em tecidos mais profundos do corpo e recebem es-
tímulos das próprias atividades desses tecidos, ou seja, do ambiente interno.
Estes incluem as terminações nervosas sensoriais que existem nos músculos,
nos tendões, nas articulações, nos órgãos viscerais e nos canais semicircu-
lares15. Cada receptor tem sua área efetora própria no cérebro, chamada de
campo efetor, cada qual está cercado pelo que se denomina área associativa.
Enquanto os exteroceptores estimulam as reações fásicas, os interocep-
tores geram as tônicas. Esses dois influenciam mutuamente os padrões es-
pecíficos de resposta de uma maneira muito significativa. O ajuste tônico in-

14  N. T.: No homem, a motricidade é controlada por dois grandes grupos de fibras, divididos
didaticamente em sistema piramidal e extrapiramidal. O sistema piramidal é o responsável pela
motricidade voluntária e o extrapiramidal é responsável pela motricidade automática, involuntária
e de ajustes ou correções de movimentos voluntários. O sistema extrapiramidal funciona como um
sistema acessório que está associado ao córtex cerebral e ao sistema córtico-espinhal para infor-
mações de padrões complexos de movimento. Sua função é regular tônus, postura e movimentos,
sobretudo os automáticos.

15  N. A.: Órgãos como os olhos, os ouvidos e o nariz, algumas vezes, são chamados telerrecep-
tores, ou receptores à distância, reservando-se o termo exteroceptores apenas para os terminais
sensoriais da pele. Além disso, dá-se o nome de proprioceptores aos terminais sensoriais dos
músculos, dos tendões e do labirinto. Alguns reservam o termo interoceptores apenas para os
terminais sensoriais das vísceras. No entanto, é melhor e mais conveniente ater-se às classificações
genéricas anteriores. Esta distinção é feita aqui, pois mais adiante os termos proprioceptores e
propriocepção serão abordados.

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teroceptivo precede o fásico e também ajuda a sustentá-lo. Os impulsos dos


exteroceptores produzem seu efeito sobre as unidades motoras que já estão
sob a influência dos impulsos interoceptivos, que emanam dos músculos asso-
ciados, formando um tipo de pano de fundo sobre o qual os estímulos dos ex-
teroceptores atuam. As fibras interoceptoras estão em contato íntimo com os
motoneurônios que inervam os músculos, por isso, se quiséssemos nos referir
ao comportamento muscular, apenas os impulsos advindos de exteroceptores
fásicos poderiam causar uma resposta evidente, global, que se encaixa ao
padrão que prevalece nas influências proprioceptivas quanto aos aspectos de
tempo, fase e direção. Isto é o mesmo que afirmar que o efeito final depende
do pano de fundo oferecido pelos impulsos tônicos, sobre os quais os fásicos
se somam.
Os impulsos exteroceptivos são, sem sombra de dúvida, mais fortes do que
os interoceptivos e, por isso, têm sucesso em estimular uma descarga comple-
ta, por mais momentânea que seja, nos motoneurônios, porém isso não pode
acontecer sem a ajuda dos interoceptores. Assim, caso um músculo perdesse
seu tônus (nível de contração básica devido à ação dos interoceptores), esses
impulsos exteroceptivos causariam resposta muito pequena, ou nenhuma. A
analogia que normalmente se faz para explicar isso, mais claramente, é a da
tira de borracha que, quando levemente esticada, responde vigorosamente a
qualquer pressão, mas que, quando não está esticada, oferece pouca resistên-
cia à mesma.
Os impulsos interoceptivos fazem mais do que simplesmente sustentar os
exteroceptivos. Eles também os restringem e determinam sua eficácia. Assim,
caso os músculos viessem a ser dominados por impulsos inibitórios, em lugar
de serem dominados por impulsos excitatórios, os impulsos exteroceptivos
não despertariam nenhuma resposta.
Em reações que estejam integradas no bulbo (medula oblonga), a influên-
cia dos interoceptores sobre as reações fásicas é ainda mais evidente. O bati-
mento cardíaco e a respiração são ajustados prioritariamente por este sistema
tônico interoceptivo. Os impulsos exteroceptivos influenciam essas atividades
vitais apenas dentro de um espectro muito limitado. Assim, um repentino jato
de água fria no rosto de alguém pode suspender sua respiração, mas apenas
momentaneamente. O mesmo se dá com a resposta à dor: caso haja a ex-
pectativa de dor, os impulsos exteroceptivos se encontrarão com um aparato
neural (antecipatório) em estado diferente do que quando ela não é esperada.
Dessa forma, não haverá o típico susto.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 47

Todavia, os dois sistemas não devem ser considerados como entidades


mutuamente distintas. Ambos são parte de uma reação unitária total. Qual-
quer observação transversal do comportamento consistirá simplesmente de
reações fásicas evidentes, apoiadas e sustentadas por reações tônicas ocultas
em outras regiões do corpo. Conjuntos tônicos poderão evoluir para respostas
fásicas e as respostas fásicas residuais poderão servir para dar forma a con-
juntos tônicos. Finalmente, os dois devem se encontrar nas regiões motoras
do cérebro e na medula espinal, pois em qualquer outro local, uma influência
não poderia agir seletivamente sobre a outra. Sob estímulo externo constante,
a variabilidade da resposta só pode ser explicada com base no fato de que
desvios de caminhos não são estritamente fásicos em sua natureza, mas se
formam sobre ou por causa dos padrões tônicos.
Do ponto de vista dos exercícios yogins, o que mais interessa é outro as-
pecto dessas reações tônicas: a formação daquilo que já foi descrito como o
substrato postural, com sua importância como determinante do comporta-
mento. Pois, para tratar quaisquer dos distúrbios acima mencionados, deve-se
atacar seu substrato postural intrínseco por meio do sistema tônico-interocep-
tivo. As contrações fásicas dos mais vigorosos exercícios da ginástica ou do
atletismo etc. terão pouca influência nesse sistema, exceção feita a seu efeito
residual.
Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de que a contração tônica economi-
za muita energia. De fato, sem o apoio do substrato postural apropriado para
suas reações fásicas, uma pessoa se ocuparia em movimentos de alto custo
metabólico. Isto se dá, especialmente, durante a neurose, com as tensões psi-
cofísicas que a acompanham e são responsáveis pela constante sensação de
fadiga, que é característica nesses casos. Portanto, a única atividade a ser uti-
lizada em tais perturbações crônicas, para que se alcance e se mantenha um
equilíbrio homeostático, é aquela que atue nas contrações tônicas. Mesmo em
pessoas normais, os padrões tônicos mostram uma considerável quantidade
de inércia e resistência à mudança. Eles demoram a reagir completamente,
alcançam gradativamente a máxima eficácia e também, cessam lentamente.
Por isso, é útil e vantajoso observar primeiro essa matriz comum.
A discussão anterior se fez necessária apenas para trazer à tona a impor-
tância do papel desempenhado pelo sistema tônico no comportamento psi-
cofisiológico de um organismo. Existem outras reações envolvidas na manu-
tenção e regulação dos reflexos posturais, particularmente as reações locais,
segmentares e de estabilização em geral, sobre as quais se pode encontrar

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maiores detalhes em qualquer livro de fisiologia. Além dos proprioceptores


neuromusculares chamados “fusos” e neurotendinosos chamados “órgãos
tendinosos de Golgi”, que sentem as mudanças de tensão nos músculos, os
olhos, os ouvidos com seus labirintos e, em certa extensão, também a pele,
representam seus papéis no intrincado e complexo mecanismo reflexivo das
posturas. Os impulsos de todos esses receptores são transmitidos e coorde-
nados no sistema nervoso central. Os centros que representam um papel im-
portante nesse processo são a córtex cerebral, o cerebelo, o núcleo rubro e o
núcleo vestibular.
Embora a explicação anterior tenha sido longa, foi necessária para ressal-
tar a importância dos efeitos especiais dos exercícios yogins e para mostrar
como a fisiologia dos exercícios comuns não poderia ser aplicada a eles. Além
disso, tenciona-se mostrar como, devido a seu ataque direto à reação tônica
interoceptiva, a prática regular dos exercícios propostos pelo Yoga foi desen-
volvida para afetar beneficamente todo o comportamento psicofisiológico.
Dessa forma, agora serão abordados os exercícios yogins que são desen-
volvidos para atuar nessa matriz comum e será explicado como eles fazem
isso.
As práticas yogins utilizadas nesse procedimento podem ser classificadas
sob três grandes títulos: (1) āsanas, (2) mudrās e bandhas e (3) prāṇāyāmas.
A abrangência de cada um deles é vasta e variada. Seria, portanto, muito
difícil, analisá-los completamente à luz das ciências modernas numa análise
tão breve. A tentativa que se segue, destina-se a ser meramente ilustrativa,
visando delinear seus princípios básicos e mostrar como eles podem ter um
lugar especial no tratamento de doenças, caso sejam utilizados da maneira
apropriada.

Āsanas

Como seu próprio nome indica, são posturas. Por isso eles devem ser tra-
tados e executados como tais e seus feitos fisiológicos também não devem
ser considerados com base nos princípios da cinesiologia, ou seja, a fisiologia
dos movimentos, mas com base nos princípios das reações tônicas e estáticas
mencionadas anteriormente, que são características especiais das posturas.
Infelizmente, o homem está tão acostumado a se movimentar e tão obce-
cado com a ideia de que o exercício deve consistir de esforço e movimentos,
que ele não consegue encarar os āsanas, senão desse ponto de vista. Não

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 49

apenas o homem comum, mas até mesmo alguns dos assim chamados espe-
cialistas da área, os tratam como meros exercícios musculares e ressaltam seu
componente de movimento! Na maioria das demonstrações feitas em públi-
co, devido principalmente às exigências da limitada disponibilidade de tempo
e talvez para adicionar um toque exibicionista de agilidade e graça, as apre-
sentações se dão numa sucessão muito rápida e apressada de posturas, com
movimentos abruptos e pulos, que devem ser escrupulosamente evitados em
toda prática de Yoga (caso seja verdadeiramente uma prática de Yoga). Deve-
-se compreender que uma postura estável não se limita a uma cessação da ati-
vidade neuromuscular, mas tal como ressalta Sherrington em seu Integrative
Action of Nervous System16: “... A inervação e a coordenação são tão exigidas
na manutenção de posturas, quanto na execução de movimentos”. Em uma
análise superficial, pode parecer que as reações estáticas e tônicas envolvidas
na manutenção de uma postura indicam apenas um nível mais baixo de con-
tração do que aquele das reações fásicas envolvidas nos movimentos, mas a
diferença entre os dois (posturas e movimentos) não reside apenas no grau
de contrações. Existe uma base neural separada para cada uma delas, que se
estende até nada menos que o mais elevado órgão neural, o cérebro. De fato,
em todos os āsanas e, nesse sentido, em todas as práticas de Yoga, a preocu-
pação é com os impulsos tônicos-interoceptivos, delineados anteriormente,
que não são apenas mais econômicos quanto ao gasto calórico, mas tal como
já foi ressaltado, possuem uma importância psicofisiológica de grande alcance
sobre o comportamento do homem.
No entanto, para a obtenção dos efeitos acima mencionados, os āsanas
precisam ser executados em uma determinada maneira. Nesse sentido, Pa-
tañjali e seu comentarista Vyāsa, as duas maiores autoridades neste assunto,
serão amplamente citados neste livro.
A seu modo, caracteristicamente conciso, mas convincente, Patañjali, em
três aforismos muito breves, lida com os princípios dos āsanas, seus objetivos
e efeitos e o mecanismo pelo qual eles são obtidos:

1. sthira-sukhamĀsanam;
2. prayatna-śaithilyānanta-samāpattibhyām e

16  SHERRINGTON, C. S., The Integrative Action of Nervous System (Yale University) (Silliman
Memorial Lectures)

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3. tato dvandvānabhighātah.
(PYS II-46, 48)

O primeiro desses aforismos nos dá o grande objetivo dos āsanas, ou seja,


āsana é aquilo que contribui para a estabilidade e para o sentimento de bem-
-estar. A estabilidade, aqui indicada, não é meramente a estabilidade da pos-
tura, mas aquela da mente e do corpo como um todo, isto é, a estabilidade do
funcionamento de ambos, que contribui para o sentimento de bem-estar. Este
aforismo é erroneamente traduzido como: āsana é o que é fácil (ou confor-
tável) e estável e, por conta da tradução errônea, ensina-se ao praticante que
ele poderia adotar qualquer postura que fosse fácil de se alcançar e em que
a estabilidade fosse mantida facilmente. Nesse caso, talvez, o melhor āsana
fosse dormir, por ser o mais fácil e estável! Por outro lado, alguns afirmam
que nesses sutras, Patañjali só visava posturas meditativas e que o significa-
do deles seria que, para qualquer meditação, seria suficiente apenas que o
praticante estivesse sentado à vontade e, confortavelmente estável, de modo
a não cair. Se esse fosse o caso, ele deveria, definitivamente, ter transmitido
uma característica muito importante de todas as posturas meditativas, a saber,
sama-kāya-śiro-grīvatva, isto é, manter o tronco, cabeça e pescoço alinhados
e bem equilibrados. Mas, ele não fez isso. A certeza de que Pātañjali não
queria dizer isso foi adicionalmente garantida pela fonte altamente autorizada
que foi Vyāsa, o primeiro comentarista dos Yoga Sūtras de Pātañjali, que nos
deu uma lista ilustrativa com doze āsanas, de complexidades e níveis de con-
forto variados, alguns deles, inclusive, não meditativos. Em seu comentário
ao segundo aforismo, ele também indicou que o objetivo do āsana é o de se
contrapor a angamejayatva, isto é, a instabilidade (interior), que se deve à
perturbação do ritmo tônico do corpo e que o Yoga afirma ser concomitante
(saha-bhuva) aos viksepa (P.Y.S. I-31). Caso esse angamejayatva continue
por longo tempo, ele resulta no surgimento de um substrato postural anômalo,
fixo e rígido, como já foi mostrado. Esta interpretação do aforismo também
é apoiada por Svātmārāma Sūri no Haṭha Yoga Pradīpikā, quando ele define
āsana como sendo aquilo que contribui para a estabilidade, saúde e flexibili-
dade (H.Y.P. I-17). Isto é o mesmo que Patañjali reivindica para os āsanas,
ou seja, estabilidade e sensação de bem-estar. Também, está em consonân-
cia com a famosa frase, frequentemente citada, acerca do efeito dos āsanas,
āsanena rajo hanti, ou seja, por meio dos āsanas o praticante sobrepuja a
inconstância, a instabilidade.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 51

Os dois aforismos que se seguem continuam com a explicação de como


isso pode ser conseguido, isto é, como os āsanas devem ser executados de
modo a alcançar os resultados acima e o que acontece quando se adota esse
determinado método. Estranhamente, tanto para o público em geral quanto
para os ditos especialistas em āsanas (que ensinam seus alunos a pensar da-
quela forma e introduzir grande esforço nos āsanas), Patañjali mencionou
especificamente que esses resultados podem ser melhor atingidos por meio do
relaxamento do esforço (prayatna-śaithilyāt), isto é, se o āsana for executado
de maneira relaxada e também, se em conjunto com o mesmo, o praticante
voltar sua atenção e contemplar alguma entidade infinita (ananta-samāpatti),
isto é, se o praticante simultaneamente procurar sentir-se parte integrante de
um todo infinito e se identificar com ele. Apesar de haver muitos que defen-
dem que os āsanas devem ser executados de maneira relaxada, é raro que
se encontre esta última instrução sendo aplicada, para que o āsana se torne
eficaz. Isto é muito importante do ponto de vista neurofisiológico. Esse ponto
será aprofundado mais adiante. Primeiramente, é necessário completar o que
Patañjali tem a dizer acerca do efeito desse procedimento para, então, verifi-
car se isso corresponde às descobertas da neurofisiologia.
Patañjali afirma que, se um āsana for executado corretamente, tal como
ele o prescreve, então, ele conduzirá a dvandvānabhighātah, isto é, a ausência
de conflito entre dois opostos. Ora, o que são esses dois opostos? Apesar de
Vyāsa começar bem no seu comentário dos aforismos, dizendo que eles obje-
tivam contrapor angamejayatva (a perturbação do ritmo tônico do corpo), ao
explicar a palavra dvandva (opostos), ele adotou a interpretação usual e co-
mum desses pares de opostos na filosofia indiana, a saber: calor e frio, prazer
e dor etc., que em nada estão conectados ao assunto em questão (angamejaya-
tva). Não é nossa intenção afirmar que os āsanas não podem promover o sen-
timento de indiferença ao calor e ao frio etc. Porém, essa é uma conquista de
longo prazo e poderá ser alcançada em estágios que estão além do patamar de
pratyāhāra (abstração dos sentidos). Em nossos laboratórios temos evidên-
cias suficientes que comprovam que este é um fato psicofisiológico. Porém,
não é meramente resultado da prática dos āsanas. Ademais, é evidente que,
desde que o assunto em questão é o ataque a angamejayatva, este terceiro
aforismo também deve estar relacionado ao mesmo. Desse ponto de vista,
encontramos aqui uma explicação muito bela do próprio Patañjali acerca de
como pode ser conseguida essa libertação de angamejayatva. Patañjali afirma
de maneira evidente que angamejayatva, ou a perturbação no ritmo tônico,

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52 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

se deve a um conflito, a uma desarmonia, ou à falta de reciprocidade entre


dois impulsos neurais opostos ou, como ele bem o poderia dizer, impulsos de
prāna. Ele revela claramente que um āsana, quando executado apropriada-
mente, isto é, da maneira como ele indicou, ajudará a colocar um fim a essa
desarmonia e a superar angamejayatva e, assim, restaurar o funcionamento
harmônico de todo o sistema, especialmente do tônus neuromuscular. Sabe-
-se que os impulsos nervosos são de dois tipos: excitatórios e inibitórios. Os
impulsos tônicos não são exceção a essa regra. Nos músculos também existe
um arranjo que atua nas articulações, quase sempre, em direções opostas, e
neles há o que se chama de inervação recíproca, isto é, quando os nervos que
servem um músculo lhe enviam impulsos para que se contraia, os nervos que
servem seu músculo oposto (o antagonista) lhe enviam impulsos para relaxar
proporcionalmente e ceder gradativamente, de maneira suave. Isto possibilita
movimentos suaves de flexão e extensão das articulações. Funções opostas
como estas, na realidade complementares, estão disseminadas em todos os
sistemas do corpo e o funcionamento suave e harmonioso do corpo e da
mente depende da judiciosa reciprocidade nas duas funções que se opõem.
Por dvandva, o que Patañjali parece ter em mente aqui, são funções que
se opõem no corpo (não complementares) e o que ele procura dizer é que:
caso os āsanas sejam executados de maneira apropriada, tal como por ele
indicado, não haverá conflito (abhighāta) entre tais funções; ao contrário, a
reciprocidade natural será restaurada e o corpo e a mente, novamente, co-
meçarão a funcionar harmoniosamente. Em resumo, o termo dvandva aqui
não se refere aos dvandvas exteriores (quente e frio, por exemplo), mas aos
opostos ou conflitos interiores. Entretanto, será que isso está de acordo com
as descobertas da neurofisiologia moderna?
Alguns pesquisadores (Sherrington, Magnus, de Klyn e colaboradores)
realizaram estudos sobre a atividade reflexa postural anômala em animais e
em pacientes com várias lesões do sistema nervoso central, o que esclareceu
muitos fatos acerca do comportamento do sistema neuromuscular:
• Primeiramente, descobriram que a debilidade motora se deve, em lar-
ga escala, ao fato de que as lesões liberam os padrões reflexos (de pos-
tura e movimento) das inibições exercidas normalmente pelos centros
superiores do sistema nervoso central.
• Além disso, os músculos estão agrupados em padrões de ação coor-
denada: alguns controlam, alguns estabilizam e outros relaxam; esses

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padrões são muito antigos, foram gerados com a evolução das espécies
(filogênese17) e do próprio praticante (ontogênese18).
• Grande parte dos movimentos chamados voluntários são na verdade
automáticos e inconscientes e isso se aplica especialmente aos ajustes
posturais e às várias partes do corpo que os acompanham.
• O sistema nervoso central utiliza seus centros inferiores de integração
para a manutenção da postura e do equilíbrio. Esses centros de inte-
gração estão no bulbo, na ponte, no cerebelo, no mesencéfalo e nos
gânglios da base; quando eles são liberados da influência restritiva dos
centros superiores, especialmente da córtex, segue-se uma atividade
reflexa postural anômala; esses padrões posturais liberados são típicos
e estereotipados e envolvem todos os músculos da parte afetada ou,
algumas vezes, do corpo todo.

As respostas motoras resultantes de um grupo de reflexos posturais inte-


grados nesses níveis subcorticais foram denominadas motilidade principal.
Esses reflexos não podem ser induzidos ou observados em seres humanos
intactos, visto que eles são significativamente modificados pela atividade dos
centros superiores, em padrões mais complexos e mais diferenciados. O es-
tudo de reflexos posturais isolados permite analisar o comportamento motor
de pacientes com lesões no sistema nervoso central e como determinados
padrões de reação podem ser rastreados até a dominância de um ou outro
reflexo postural. Nos casos menos graves, podem-se observar apenas os ras-
tros dos padrões reflexos tônicos típicos. Aqui não se pode induzir os reflexos
propriamente ditos, mas apenas encontrar sua influência na modificação e
distribuição do nível do tônus, quando se testa a resistência do músculo ao
movimento passivo.
É preciso ter em mente que são esses reflexos posturais que representam o
papel dominante na regulação e na distribuição do tônus muscular. A maioria
deles é estimulada pelos terminais sensoriais existentes nos músculos, articu-
lações e tendões, assim como pelos labirintos, que são todos, em conjunto,

17  N R.: Classificações filogenéticas pretendem traduzir a posição de cada organismo em relação
aos seus antepassados, bem como as relações genéticas entre os diferentes organismos atuais.

18  N. R.: Em termos gerais, ontogenia é definida como a história das mudanças estruturais de
uma determinada unidade - que pode ser uma célula, um organismo ou uma sociedade de organis-
mos -, sem que haja perda da organização que permite a existência daquela.

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conhecidos como proprioceptores. Apesar de tudo isso se aplicar aos animais,


deve-se ressaltar algo acerca dos seres humanos, em que o desenvolvimento
da córtex cerebral conduziu a uma maior inibição da atividade dos centros
subcorticais e estes últimos perderam sua autonomia e foram relegados a um
segundo plano no processo evolutivo, que culminou com a manutenção da
postura ereta bípede, o caminhar etc., e com as complexas atividades especia-
lizadas de preensão de braços e mãos. Portanto, enquanto um animal abaixo
da categoria dos macacos pode manter uma distribuição normal do tônus
muscular, quando sobre suas quatro patas, mesmo que tenha sofrido lesões
acima desses centros inferiores (com o tálamo intacto), sendo até mesmo ca-
paz de se locomover, os macacos e os homens, com o mesmo tipo de lesões,
possuem uma postura anômala e são incapazes de caminhar.
Essas observações esclarecem alguns aspectos:

1. O grau do tônus muscular e sua distribuição são amplamente regula-


dos pelos reflexos posturais.
2. Esses reflexos posturais são integrados pelos centros inferiores, princi-
palmente pelo bulbo, ponte, cerebelo, mesencéfalo e gânglios da base.
3. Os padrões posturais integrados por esses centros são filogenética e
ontogeneticamente mais antigos.
4. Enquanto animais de categorias inferiores à dos macacos podem man-
ter um tônus postural normal, sendo até mesmo capazes de se loco-
mover, nos casos de lesões que estejam acima do tálamo, os macacos
e os homens, com essas mesmas lesões, são incapazes de caminhar e,
também, possuem uma postura anômala, demonstrando que se torna-
ram mais dependentes da atividade cortical intacta.

À luz das afirmativas anteriores, pode-se tirar as seguintes conclusões:

1. Em qualquer ser humano intacto, sem essas lesões do sistema nervoso


central, a perturbação do ritmo tônico se deve em larga escala à falha
dos efeitos inibidores dos centros superiores, especialmente da córtex
cerebral.
2. De modo a restabelecer a harmonia do ritmo tônico, deve-se ajustá-lo

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 55

de maneira tal, que o controle inibidor dos centros superiores sobre os


centros inferiores integradores da postura seja aliviado.19
3. Os padrões posturais adotados de modo a conceder liberdade de ação
aos centros inferiores devem ser os mesmos que geralmente são iden-
tificados quando esses centros são liberados do controle inibidor dos
centros superiores, tal como se observa em várias lesões do sistema
nervoso central. Esses padrões são anômalos, no que tange ao ser hu-
mano, e pertencem a um estágio mais antigo de desenvolvimento da
espécie, tanto filogenética quanto ontogeneticamente.

Esses três pontos podem explicar as razões que estão por trás da maioria
dos padrões posturais singulares que são encontrados no sistema de āsanas e
também a razão pela qual deve haver um alívio do esforço na sua execução. O
que é ainda mais interessante, explicam como e porque, uma vez que se tenha
assumido as posturas, com suas várias chaves e travas que contribuem para
a sua manutenção, deve-se tirar toda atenção delas e focalizá-la em alguma
entidade infinita, isto é, recorrer a ananta-samāpatti. O esforço implica numa
atividade dos centros superiores e aqui deseja-se particularmente evitá-la, de
modo a permitir a livre atuação dos centros inferiores. Até mesmo quando o
esforço é aliviado, a simples consciência de que se está em uma postura fora
do normal é suficiente para acarretar a atuação e interferência dos centros
superiores, quer se queira ou não! É por essa razão que Patañjali recomenda
que se retire a mente da postura e que se foque em algum outro ponto, isto é,
que se procure praticar ananta-samāpatti.
Alguém pode perguntar por que Patañjali sugeriria especificamente essa
tentativa de entrar em sintonia com o infinito, em lugar de qualquer outra
coisa? Primeiramente, qualquer outro pensamento provavelmente conduzirá
a um efeito emocional e isso fará com que os centros superiores influenciem
os inferiores imediatamente. Em segundo lugar, essa tentativa, por si só, con-
tribui para o relaxamento. Esse processo é também chamado mahāhradānu-
sandhāna, meditando (anusandhāna) sobre o oceano, ou lago muito grande
(mahāhrada). Enquanto o praticante está praticando dessa maneira, ele se
sente relaxado, flutuando sobre a superfície de um vasto lençol de água, mais
ainda, sente que ele é apenas uma ondulação, ou uma gota, do próprio oce-

19  N. A.: Os centros inferiores e superiores, aqui mencionados, referem-se apenas aos centros
do cérebro. Os superiores são os da córtex e os inferiores são sub-corticais.

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ano, ondulando sobre ele, sendo sua própria parte integrante. Na literatura
mística, isso é conhecido como uma sensação oceânica. O praticante só pre-
cisa experimentar essa sensação para saber o quanto é relaxante.
Da argumentação anterior, pode-se facilmente concluir que:

1. Os āsanas se destinam, principalmente, a superar angamejayatva, isto


é, a perturbação do ritmo tônico do corpo e, assim, restabelecer um
funcionamento harmonioso de todo o sistema.
2. Eles não são meras posturas, mas determinados padrões posturais,
pertencentes, filogenética e ontogeneticamente, a um estágio mais an-
tigo; como tal podem parecer esquisitos e anômalos e, não é de se
admirar, que muitos deles levem o nome de feras, pássaros e répteis,
cujos padrões posturais procuram imitar, enquanto que alguns outros
parecem recapitular as primeiras fases da vida na infância intrauterina.
3. Recorre-se a esses padrões propositadamente, de modo a conferir
tanta liberdade quanto possível aos centros inferiores de integração.
Assim, do ponto de vista da sua eficácia, os padrões desses āsanas
são importantíssimos. Eles são desenvolvidos propositadamente, de
modo a permitir que os centros inferiores restaurem o tônus corporal
original e equilibrado.
4. Com o mesmo propósito, recomenda-se que o praticante os mantenha
nessa condição, com tão pouco esforço quanto possível, isto é, mante-
nha as posturas de maneira relaxada. A melhor maneira de tornar isso
possível é abstrair a própria mente das posições, procurando observar
algo diferente, de preferência, como sugerido por Patañjali, contem-
plar o infinito. Outro método de alcançar isso, como já mencionado,
é cultivar a sensação oceânica. Esse processo, quando atingido o seu
objetivo lógico, não apenas relaxa todo o corpo e mente, mas facilita a
superação do sentimento de um Eu-Persona individualizado.

Uma terceira tradição pede que o praticante recorra àquilo que se denomi-
na prānadhārana nessas ocasiões. Isto se faz por meio da observação do fluxo
respiratório, da inspiração e da expiração, procurando sentir sua passagem em
uma parte do próprio nariz. Inicia-se esse processo pela observação inicial
da ponta do nariz. Durante a inspiração, sente-se o ar fresco, mais frio que
o corpo e aquecido ao expirar. Ao fazer isso, o praticante acaba conseguin-
do respirar um pouco mais profunda e ritmicamente. Isso também contribui

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 57

para o relaxamento e permite a livre atuação dos impulsos tônicos do āsana


específico.
Inicialmente, o praticante pode não ser capaz de adotar o padrão postural
exato de um āsana. Todavia, ele deve ser aconselhado a não se esforçar para
alcançá-lo. O que se pede é que ele adote uma postura que esteja tão próxima
do padrão quanto possível, isto é, que ele o imite, da maneira mais confortá-
vel e relaxada possível. O corpo cederá lenta e prazerosamente. A sensação
que será experimentada nessas ocasiões será de um pequeno desconforto pra-
zeroso. Porém, mesmo esse desconforto deve ser esquecido pelo praticante
que deve procurar sentar-se, ficar de pé ou se deitar, seja qual for o caso, no
padrão postural específico, com o menor esforço possível, assim como faz
normalmente ao sentar, deitar ou ficar de pé, de maneira relaxada. Na maior
parte das vezes, o praticante simplesmente se esquece de como ele está sen-
tado, ou de pé; assim também, deve ser com a manutenção desses āsanas.
Os truques para alcançar esse esquecimento são os explicados nos parágrafos
precedentes. Porém, esse esquecimento não é de um tipo negativo, mas uma
maneira muito positiva de se obter o mais completo relaxamento da mente e
do corpo.
É de conhecimento geral que nos dias de hoje os āsanas não são executa-
dos da maneira aqui prescrita. É preciso melhorar nosso próprio posiciona-
mento original, através da nossa experiência e debates. O homem deve, vez
por outra, aceitar suas falhas e procurar progredir. O fato de que os āsanas
produzem resultados, mesmo quando não executados tão perfeitamente, é
algo a seu favor. Se eles podem ser de tamanho benefício, mesmo quando
executados imperfeitamente, poderiam ser ainda mais benéficos, se adotados
com o entendimento adequado e de maneira correta!
Sempre que se inicia a prática de qualquer atividade, deve-se saber o que
esperar dela. Mais ainda, ao buscar esses efeitos, também se deve compreen-
der o mecanismo exato pelo qual, de fato, eles surgem e como colocar esse
mecanismo em bom funcionamento, de modo a obter tais efeitos desejados.
Neste livro, o empenho é para explicar essas duas coisas, pois se alguém
iniciasse uma atividade sem esse conhecimento e preparação, seus resultados
seriam, muitas vezes, deixados ao acaso. Muito provavelmente, o praticante
cairá em armadilhas. Onde houver julgamento errôneo e falsas expectativas,
perigo e desapontamento serão os resultados. Frequentemente, tomamos co-
nhecimento de reclamações, não apenas de leigos, mas até mesmo de pro-
fissionais da medicina, acerca de entorces, fibrosites e até mesmo pequenas

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fraturas durante a prática dos āsanas. Assim, em vez de receber benefícios de


sua prática, apenas por conta de imperícia, a pessoa pode trazer para si pro-
blemas e preocupações, tendo que, algumas vezes, gastar uma boa soma de
seu precioso tempo e dinheiro, para poder superá-los. Desse modo, todo um
sistema passa a ser culpado, meramente, por conta do exagero de entusiasmo
e precipitação por parte de alguns colegas descuidados.
Os āsanas são muitas vezes chamados de exercícios. Portanto, faz-se ne-
cessário verificar se eles o são e, se assim for, que tipo de exercícios repre-
sentam. Antes de tratar dos āsanas como exercícios, seria melhor nivelar o
terreno, discutindo, assim, a questão dos exercícios. Para a maioria das pes-
soas, não considerando os exercícios costumeiros como caminhada e corrida
ou os recreativos, como os jogos etc., o termo exercício em geral evoca um
ou outro sistema de contrações físicas, destinadas a desenvolver diversos gru-
pos musculares do corpo, um após o outro. Essas contrações, normalmente,
são executadas contra alguma resistência, com ou sem acessórios, tais como
pesos, barras etc. Na maioria das academias prevalecem esses sistemas de
contrações e os exercícios pesados passaram a ser encarados como a forma
ideal de treinamento físico, não apenas para o cultivo da força muscular, mas
também para a saúde do corpo. Acredita-se que a hipertrofia da musculatura
esquelética melhore o condicionamento físico e assegure uma saúde vigorosa.
No entanto, é digno de nota que se descobriu que muitos atletas, acrobatas e
homens fortes sofriam de alguma doença crônica ou aguda. Algumas outras
academias se especializaram em exercícios de destreza. Trabalham com a
utilização de antigas armas de defesa e ataque, e reivindicam que essas ativi-
dades não apenas contribuem para uma mente alerta e ágil, mas que também
possibilitam inúmeros movimentos livres e naturais, encorajando o desen-
volvimento harmonioso dos músculos esqueléticos, assegurando saúde boa
e estável. A maioria das academias indianas ortodoxas têm essas atividades,
juntamente com exercícios indianos, tais como, malla-khamba20, karela21 etc.
É preciso admitir que nessas atividades há poucos movimentos bruscos. Elas
são, em geral, de natureza rítmica e projetadas para exercitar o corpo como
um todo.

20  N. T.: Uma antiga espécie de acrobacias circenses, consistindo de exercícios que o praticante
executa enquanto pendurado por uma corda.

21  N. T.: Antiga arte marcial indiana, o karela é similar ao caratê, executado com o acompanha-
mento de música instrumental e vocal.

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Não há dúvida de que os músculos ajudam a manter o condicionamento


e a saúde do corpo, por meio de sua utilização racional e regular, em traba-
lho que seja fisiologicamente útil. Porém, exercícios musculares que possuam
influência meramente localizada em certas partes do corpo não geram esses
resultados.

Objetivando a saúde e o condicionamento generalizado, o trabalho mus-


cular deve ser adequado. Deve consistir de movimentos rítmicos bem coorde-
nados, que sejam particularmente projetados mais para a promoção funcional
e orgânica do que para o mero desenvolvimento da musculatura, da agilidade
ou da destreza. Esses exercícios metódicos e fisiologicamente sadios consti-
tuem aquilo que cientificamente se conhece como exercício higiênico, sendo
distintos da ginástica habitual e de outros exercícios extenuantes. Esse exercí-
cio higiênico é o que a grande maioria dos seres humanos necessita. Até mes-
mo para aqueles que desejam brilhar no campo dos esportes, esses exercícios
seguramente ajudarão a atingir seus objetivos, por meio de contribuição para
a sua eficiência e disposição.

Segue uma classificação geral dos diversos tipos de exercícios em questão:

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EXERCÍCIO

(A) (B)
Passivo (massagem e Ativo
manipulação dos múscu-
los por terceiros)

Exercícios de:

Força Velocidade Destreza Endurance


(pesos, barras, (ex.: esportes, (acrobacias, arqueria, (condicionamento
aparelhos etc.) atletismo etc) esgrima, boxe, luta físico)
etc.)

Higiênico Recreativo
(caminhada, trilha,
natação, jogos etc.)

Yogin Não yogin


(envolvendo reações (envolvendo principalmente reações fásicas e as
tônicas) assim chamadas atividades de grandes músculos)

Estes exercícios não são compartimentos estanques. Pode haver muitos


que pertençam a mais de uma dessas categorias. Assim, ainda que exercícios
de velocidade objetivem principalmente a velocidade, eles ainda demandarão
uma significativa medida de força e de destreza. Assim também os exercícios
de destreza, que se concentrarão principalmente no treinamento dos olhos e
de outros órgãos sensoriais e na meticulosa coordenação instantânea de vários
grupos musculares, também envolvem uma quantidade considerável de força
e velocidade. A classificação se faz em função dos principais resultados que

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 61

se procura. A expressão exercícios de endurance (condicionamento físico)


denota uma repetição frequente de movimentos, em uma maneira rítmica que
não seja apressada, executada durante um período razoavelmente longo, com
vistas ao condicionamento aeróbio, mais do que à força. Os exercícios higi-
ênicos, ao menos a maioria deles, consistem destes exercícios, porém propo-
sitadamente projetados para serem sadios e benéficos em todos os aspectos,
fundamentados em pesquisas e investigações científicas muito extensas.
À luz dessas discussões, os āsanas devem ser classificados como exercícios
higiênicos, no caso de se aceitarem as reivindicações tradicionais para eles.
Ainda assim, eles não podem ser classificados sob a categoria de exercícios
de endurance, caso entendamos por isso a frequente repetição de movimentos
rítmicos e leves, por um longo período de tempo. Pois, pelas consequências e
pela própria execução, o āsana denota uma postura. É claro que essas postu-
ras devem ser mantidas por longa duração para que sejam eficazes, mas não
devem ser repetidas, ao menos a maioria delas, tão frequentemente quanto
os exercícios de endurance. Como então podem ser denominados higiênicos
esses meros exercícios posturais? Para que isso seja melhor compreendido, é
necessário tecer algumas considerações mais detalhadas dos mecanismos das
posturas e dos seus efeitos sobre o corpo.

Definição de postura

Postura pode ser definida como uma atitude adotada pelo corpo seja com
apoio (durante atividade muscular), seja por meio da ação coordenada de vá-
rios músculos que trabalhem em conjunto para manter a estabilidade, ou para
formar uma base essencial a qualquer movimento, adaptando-se, constante-
mente, essa base ao tipo do movimento que se sobrepõe a ela.

A postura eficaz e seu desenvolvimento

Postura eficaz é aquela que atende o propósito da atividade específica a


que serve como pano de fundo, da maneira mais econômica, isto é, que não
envolva nenhuma quantidade desnecessária de esforço muscular para sua ma-
nutenção e ajustes. Essa postura eficaz se desenvolveria muito naturalmente,
desde que os mecanismos interiores estivessem saudáveis e intactos, com um
tônus adequado nos músculos envolvidos.

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A classificação das posturas

Em termos gerais, as posturas podem ser classificadas como (A) inati-


vas e (B) ativas; estas últimas sendo ainda divididas em (i) estáticas e (ii)
dinâmicas.
Os āsanas apresentam todas essas variedades de posturas.

A) Posturas inativas

São aquelas geralmente adotadas para descansar ou dormir. Nesta classe


de posturas há um relaxamento geral de toda a musculatura, exceção feita
àquela necessária para a manutenção da vida, por exemplo, a musculatura
respiratória, a envolvida na circulação sanguínea etc. Nesse tipo de posturas,
estas atividades também se reduzem a um mínimo. Dentro dessa classe se in-
serem os āsanas utilizados para o treinamento do relaxamento generalizado,
tais como śavāsana, makarāsana, adhvāsana22 etc. Neste ponto, é preciso
ressaltar que o relaxamento é, por si só, uma arte.

B) Posturas ativas

Podem tanto ser estáticas quanto dinâmicas. Só podem ser mantidas por
meio da ação integrada de muitos músculos.

i) Posturas estáticas

São aquelas em que se mantêm um padrão postural constante, de


maneira estável, por meio da interação de grupos musculares que, de
modo mais ou menos estático, trabalham para estabilizar as articula-
ções e para preservar um estado de equilíbrio contra a força da gravida-
de e outras forças. Muitos dos āsanas culturais pertencem a este grupo.
Os āsanas meditativos também são posturas estáticas. No entanto, eles
podem ser mantidos, facilmente, em um estado de semirrelaxamento,
por causa da grande base de apoio que se consegue graças à disposição
dos membros inferiores.

22  N. T.: Posturas deitadas, a primeira com o ventre e o rosto voltados para cima (decúbito dor-
sal) e as duas últimas com o ventre e o rosto voltados para o chão (decúbito ventral).

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 63

ii) Posturas dinâmicas

Nesta categoria, o padrão postural é constantemente ajustado e


modificado, de modo a sintonizá-lo com os requisitos cambiantes do
movimento. Muitos dos āsanas corretivos e alguns dos culturais, tais
como, halasana, bhujangasana, śalabhasana23 etc. pertencem a este
grupo. A diferença que existe entre estes e os exercícios de movimen-
tos repetitivos e dinâmicos é que, ainda que haja alguma movimenta-
ção nestes āsanas, ela é executada de uma maneira lenta e sustentada,
observando-se mais a mudança lenta do padrão básico da atitude neu-
romuscular do corpo do que a própria atividade do movimento. Com
algum empenho na prática, deveria ser possível, mesmo nessas postu-
ras dinâmicas, sustentar a sensação oceânica.

Com esse conhecimento preliminar da classificação postural dos āsanas, é


possível se aprofundar um pouco mais em seu mecanismo.

O mecanismo das posturas ativas

• Aspecto muscular

O trabalho muscular realizado durante toda e qualquer postura ativa va-


riará, tanto na intensidade quanto na distribuição, de acordo com o padrão
da postura e com as características físicas do praticante que procura adotá-la.
Os grupos musculares mais utilizados nesta classe de posturas são os nor-
malmente usados para manter uma postura corporal ereta, contrabalançando
os efeitos da gravidade. Portanto, tais músculos são conhecidos como antigra-
vitacionais e sua ação é normalmente de extensão das articulações, isto é, de
endireitamento dos membros superiores e inferiores.
As fibras musculares são de dois tipos: vermelhas ou brancas. As fibras
vermelhas ganham sua cor porque contém muita hemoglobina, um pigmento
avermelhado que transporta oxigênio, possibilitando sua utilização para a de-
gradação de substratos energéticos; devido a essas moléculas e o consequente
transporte de gases otimizado, as fibras vermelhas são muito eficientes em

23  N. T.: Respectivamente, posturas do arado, da cobra e do gafanhoto.

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realizar o metabolismo aeróbio, uma vez que também possuem um elevado


número de mitocôndrias, organelas onde ocorre o metabolismo aeróbio de
açúcares; tais fibras podem, portanto, realizar contrações de baixa e mode-
rada intensidade por tempo prolongado, sem fadigar. As fibras musculares
brancas, por sua vez, carecem desse abastecimento destinado ao dispêndio
prolongado de energia e, consequentemente, entram facilmente em fadiga.
Eles se contraem prontamente, alcançam sua tensão máxima na contração
e também relaxam, voltando para um estado normal de repouso mais ra-
pidamente que as fibras vermelhas. Os músculos extensores posturais (que
normalmente são empregados no endireitamento dos membros e estão envol-
vidos na manutenção da postura e para manter equilíbrio prolongado contra a
gravidade) consistem principalmente de fibras vermelhas. Eles, portanto, po-
dem sustentar a contração por um considerável período de tempo, sem fadiga.

• Controle nervoso

Em geral, supõe-se que uma postura estável signifique uma atitude em que
há um mínimo de atividade neuromuscular. Que isto não seja assim, já foi
indicado anteriormente, quando no início do tópico dos āsanas. Sherrington
foi citado para dar suporte a esse argumento.
A manutenção e a adaptação posturais se deve a diversas coordenações
neuromusculares delicadas e automáticas. Os vários grupos musculares são
controlados por meio de um sistema de atividade reflexa muito complexo.
Este é o ponto mais importante e crucial para a compreensão do mecanismo
dos āsanas. Os leitores precisam perdoar o autor por insistir muito sobre este
comportamento reflexo, mas este é um aspecto fundamental para a compre-
ensão dos āsanas e de sua diferenciação frente aos exercícios como compre-
endidos no Ocidente. Esse comportamento reflexo não é importante apenas
nos āsanas, mas em todas as outras práticas de Yoga, bem como na compre-
ensão do comportamento emocional. De fato, ao longo de toda a discussão
das práticas de Yoga, será dada ênfase naqueles que, às vezes, são conhecidos
como reflexos tônicos, que não são apenas mais econômicos em termos de
energia, mas que possuem importância psicofisiológica, de grande alcance no
comportamento do ser humano.
A manutenção do tônus muscular, sem dúvida, é altamente essencial para
qualquer funcionamento muscular eficiente. De modo a produzir desempenho
motor suave e intencional, o músculo precisa permanecer num determinado

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 65

estado de preparação, ou de espera, para a contração fásica. Nossos antepas-


sados comparavam isso à corda de um arco. Caso a corda estivesse suficien-
temente esticada, o arco funcionaria bem. Se estivesse frouxa, não se poderia
disparar nenhuma flecha com o arco. Caso o arco estivesse muito esticado, o
risco seria demasiado. De fato, mesmo nos dias de hoje, quando uma pessoa
está submetida a uma alta tensão nervosa, afirma-se que ela está muito estres-
sada! Essa condição, não apenas intensifica a atividade reflexa, mas faz com
que a pessoa gaste muita energia adicional na manutenção de uma constante
contração muscular, tendo como resultado a fadiga que ocorre facilmente.
Não há verdadeiro descanso, mesmo quando a pessoa procura relaxar ou dor-
mir. Uma comparação melhor é a do violino ou da vina24. O violino ou a vina
só podem produzir boa música quando suas cordas estiverem bem afinadas.
Assim, a verdadeira saúde também consiste de um ajuste dinâmico e equili-
brado das tendências que se opõem (os dvandva de Patañjali). Por trás da luta
entre os opostos, dependendo de sua intensidade, existe uma harmonia ou afi-
nação oculta. Costumeiramente, negligencia-se a existência dessa harmonia.
Heráclito dizia: “Os homens não sabem que o que está oscilando, procura sua
harmonia. Trata-se de uma afinação das tensões opostas, tal como a do arco
e da lira.” Por essa razão, nos āsanas, o Yoga procura encontrar a harmonia
nas coisas que variam, oscilam.
Num músculo relaxado, a qualidade do tônus pode ser determinada clini-
camente, pressionando-o levemente, ou analisando a resistência encontrada
no músculo, quando este é alongado passivamente. Caso essa resistência es-
teja aumentada, a condição é conhecida como hipertonia. Caso a resistência
que se obtém a cada alongamento passivo esteja diminuída, ou ausente, a
condição se chama hipotonia. Condições extremas de hipotonia, em conjunto
com o que se conhece por hiporeflexia (morosidade dos reflexos), são conhe-
cidas como flacidez muscular, enquanto a condição extrema de hipertonia,
com um acréscimo de atividade reflexa, denominada hiperreflexia e clinica-
mente é denominada espasticidade. Existem dois tipos de paralisia muscular,
uma paralisia flácida, e outra, a paralisia espasmódica.
Normalmente, os músculos mantêm um tônus equilibrado, de modo a fa-
cilitar os ajustes necessários para o movimento fásico assim como para a
atividade postural. Sempre que processos doentios quebram esse equilíbrio,
aparecem vários sintomas e sinais, principalmente na forma de movimentos

24  N. T.: Instrumento indiano da família dos alaúdes.

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involuntários e perda de determinados movimentos normais. Da mesma for-


ma, ocorrem estados anormais do tônus muscular, tais como espasticidade,
rigidez, hipotonia, flacidez etc., com a perturbação dos reflexos profundos.
Além das doenças, ocorrem outras perturbações no tônus muscular, prin-
cipalmente devidas à intensificação ou diminuição generalizada do mecanis-
mo reflexo de estiramento, devido a estresses psicofisiológicos do dia a dia.
As emoções e as atitudes mentais produzem um efeito profundo no sistema
nervoso como um todo e isto se reflete em nossas posturas, por meio dessas
reações tônicas. Assim, a alegria, a felicidade e a confiança estimulam e pro-
duzem uma postura alerta, na qual predominam as posições de extensão. O
praticante se endireita, coloca o tórax para fora e mantém a cabeça elevada.
O caso oposto é o da infelicidade, dos conflitos mentais e do sentimento de
inferioridade. Nesta condição, a atitude geralmente adotada é a da flexão,
com a cabeça inclinada para baixo, as costas encurvadas para frente e o tórax
afundado. A raiva faz com que o praticante se estenda em sua altura comple-
ta, mas com uma perturbação do tônus muscular que gera tremores. O medo
aumenta essa perturbação, gerando mais tremor. O terror extremo faz com
que o praticante se deixe abater pesadamente, sem nenhum tônus muscular.
Dessa forma, a atitude mental afeta sobremaneira a física, temporária ou per-
manentemente. Seria possível que isso também pudesse ocorrer em sentido
inverso? Em outras palavras, não se poderia adotar conscientemente uma
atitude física, de modo a afetar a mental? O Yoga parece afirmar que isso
é possível, desde que o problema do ritmo tônico seja abordado da maneira
correta. Ao fazê-lo, o Yoga se interessa pelos fatores que influenciam o tônus
muscular, a fim de oferecer condições para que cada pessoa seja capaz de
ajustar seu próprio tônus. Os principais fatores que contribuem para a influ-
ência positiva sobre o tônus muscular são:

1. Um pano de fundo psicofisiológico estável.


2. Boas condições higiênicas na vida e no meio ambiente, especialmente
com relação à alimentação e ao sono.
3. Oportunidade para movimentação natural livre e abundante.
4. Cultivo e manutenção de hábitos posturais corretos.

É claro que as condições de trabalho desta era mecanizada e apressada não


favorecem nenhum desses aspectos. Longas horas de trabalho sedentário, seja
no escritório ou operando maquinários, em salas ou salões congestionados,

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 67

nem de longe podem ser apropriadas para um tônus muscular adequado. Es-
tresses econômicos e a agitação sociopolítica do dia a dia também contribuem
para esse desequilíbrio de maneira significativa. É verdade que exercícios ao
ar livre e práticas recreativas, tais como caminhadas rápidas, jogos e ginásti-
ca, ajudam muito a contrabalançar as deficiências. Porém, com todas as suas
vantagens, não se pode afirmar que essas atividades abordem o problema do
cultivo de um tônus muscular adequado de maneira sistemática e proposi-
tada. Não resta dúvida que todo exercício de contração implica em alonga-
mento recíproco dos músculos antagonistas, colocando em ação o reflexo de
estiramento. Porém, isso não é feito de uma maneira racional e intencional.
Aqui também é preciso ter em mente que neles há muito mais movimenta-
ção de extremidades (braços e pernas) e os movimentos do tronco são ape-
nas secundários. De maneira geral, trata-se principalmente da atividade de
grandes grupos musculares. Os pequenos músculos profundos extensores da
coluna vertebral (paravertebrais intrínsecos), que no seu conjunto formam
uma grande massa de tecido muscular, raramente são solicitados de maneira
sistemática em qualquer dessas atividades. Particularmente depois de uma
certa idade, a saúde e a flexibilidade dependem mais do tônus desses múscu-
los profundos dos que daqueles das extremidades e membros. Se todos esses
pontos forem levados em consideração, pode-se compreender facilmente a
importância da maneira sistemática com que eles são trabalhados pelos āsa-
nas culturais. Durante sua prática, toda a coluna vertebral é tratada como uma
cadeia de inúmeros elos, com elementos musculares entre cada par e cada
região é submetida sistematicamente a alongamentos e torções direcionadas.
E assim, também são trabalhados os vários músculos da parede abdominal. É
verdade que se imprime maior atenção ao tônus do tronco do que àquele das
extremidades. Porém, há fortes razões para isso. Os músculos das extremida-
des também são muito solicitados ao realizar a sustentação do peso corporal
e para equilibrar os estresses antigravitacionais, o que contribui para um tônus
ideal, sem que haja grande necessidade de fortalecimento extra. Portanto, os
āsanas tonificam o sistema esquelético como um todo, maravilhosamente. É
claro que o efeito não é tanto o de aumento de massa muscular, como pre-
domina na maioria das academias modernas. Porém, o mundo científico de
hoje reconhece que músculos grandes e protuberantes não são um sinal de
saúde e disposição. Nesta era de mecanização científica, não há muito espaço
para esse desenvolvimento muscular extraordinário. Adicionalmente, esses
músculos hiperdesenvolvidos só atuam como parasitas à medida que o corpo

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68 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

envelhece, drenando os órgãos vitais, minando sua energia para se alimentar.


Pedimos a nossos leitores que compreendam que esta crítica é construtiva e
não se deve a qualquer tendência de intolerância míope.
Antes de encerrar este tópico sobre os āsanas, é adequado adicionar uma
ou duas palavras de cautela para aqueles que, no seu entusiasmo exagerado ou
ignorância, não levam em consideração a rigidez de seu corpo e simplesmente
procuram imitar uma ilustração de um āsana, seja se esforçando demasia-
damente, ou pedindo para que alguém pressione ou puxe seus membros, de
modo a alcançar rapidamente os estágios finais. Isto não apenas não ajuda a
pessoa a progredir nessa autodisciplina, como é bastante arriscado. Como foi
demonstrado neste capítulo, ao realizar āsanas, treina-se gradativamente os
vários reflexos, o que não se consegue de maneira alguma por intermédio de
ajuda externa, uma pressão ou uma tração que seja aplicada nos membros. O
único resultado disso é alguma entorse ou desgaste do tecido fibroso, gerando
incapacitação temporária ou permanente. Só se deve recorrer aos āsanas com
plena consideração acerca da idade do praticante, de sua condição corporal
e nunca com qualquer intenção de competição ou imitação. Nem sempre a
amplitude do movimento é o que mais contribui para o efeito desejado nos
āsanas. Ele pode ter relação com a condição tônica dos músculos, ou seja,
mesmo uma pequena amplitude pode proporcionar exercício suficiente a uma
pessoa que seja muito pesada ou hipertônica, enquanto que em outro caso,
mesmo a amplitude total pode não parecer suficiente para uma pessoa que
seja hipotônica. Porém, ambos reconquistarão gradativamente seu equilíbrio
tônico, em longo prazo, desde que continuem a praticar os āsanas regular e
adequadamente. As ilustrações que normalmente são encontradas acerca dos
āsanas, em qualquer cartaz ou reportagem, devem ser consideradas mera-
mente como padrões ideais que o praticante deve se esforçar para alcançar,
um dia, em longo prazo. O limite para a amplitude do movimento, para cada
indivíduo, deve ser apenas o da sensação de dor ou desconforto prazeroso25,
aquela que ele sente enquanto pratica o āsana, nada mais.
Apesar de se afirmar que um āsana tenha efeito específico, deve-se ressal-
tar que, de acordo com o Yoga, nenhuma doença pode ser curada completa-

25  N. R.: Costumo orientar meus alunos para que encontrem o limiar entre o desconforto e a dor.
Nesse ponto, o desconforto diminui com a permanência e o relaxamento muscular e mental vai to-
mando espaço, possibilitando uma progressiva desidentificação do praticante enquanto realizador
da postura; por outro lado, além dele, a dor vai se intensificando, o desconforto aumentando e a
pessoa se identifica cada vez mais com ela.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 69

mente pela prática de um único āsana, ou mesmo de um mudrā. Todos eles


são componentes de um tratamento composto. Isto se afina com a perspectiva
do Yoga sobre o problema da doença, que foi explicada nas páginas preceden-
tes. O Yoga não encara nenhuma doença como uma afecção local, mas como
uma alteração crítica no sistema do corpo, como um todo.
A melhor idade para se iniciar a prática de āsanas é a partir da adolescên-
cia. Ainda que algumas posturas de equilíbrio pudessem ser vantajosamente
indicadas para crianças menores, os exercícios vigorosos de flexão e de alon-
gamento não são de muita ajuda para elas. Os mudrās, definitivamente, são
contraindicados para crianças.
No final deste livro, alguns āsanas ou padrões posturais serão propostos
para a prática diária dos leitores, alertando que, para alcançar os melhores
resultados, eles devem ser executados muito relaxadamente, tal como reco-
mendado ao longo de todo este livro, de modo a observar o padrão da postu-
ra, mais do que procurar alcançar a postura exata. Nunca deve haver esforço
violento. Todo movimento deve ser executado de maneira muito relaxada e
prazerosa e, quando se chega à posição final, ela deve ser mantida por algum
tempo, da maneira mais relaxada possível. A duração da manutenção de cada
āsana deve ser aumentada gradativamente, para que se obtenham seus resul-
tados específicos.

Mudrās e bandhas

Mudrās e bandhas são práticas características do Haṭha Yoga; a maioria


consiste de certas travas neuromusculares e envolve níveis significativos de
mudança nas pressões internas. Eles possuem um efeito direto no tônus das
vísceras. Os livros tradicionais reivindicam que exercícios yogins deste tipo
reduzem a excreção de urina e de fezes (kṣayo mūtra purīṣayoḥ), particu-
larmente a prática de mūla bandha e uḍḍiyāna bandha produzem pressões
subatmosféricas de graus variados nas cavidades torácica e abdominal, de
acordo com a habilidade do praticante. Deve-se notar, a esse respeito, que a
cortisona e a anidrase carbônica, uma enzima cerebral, ambas demonstraram
produzir uma mudança semelhante no metabolismo da água. A experimen-
tação clínica destes bandhas, assim como dos mudrās invertidos (viparitaka-
rani), ou posturas como śīrṣāsana (pouso sobre a cabeça), sarvāngāsana
(postura da ação total, também conhecida no Brasil como vela) etc., que tam-
bém produzem uma mudança de pressão similar no baixo ventre, apontam

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70 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

para uma semelhança entre a ação deles e da cortisona. Assim, a despeito da


redução da diurese (menor volume de urina), essas práticas também têm sido
consideradas benéficas nas mesmas condições em que se recomenda a tera-
pia com cortisona. De maneira complementar, as contraindicações também
parecem ser semelhantes. Há um estudo de caso em que o praticante tinha
eosinofilia elevada por muito tempo26 e a mera prática de śīrṣāsana, por 6
meses, sem consumo de qualquer medicação, levou à redução na contagem
eosinofílica em cerca de 12-17%.
Em teoria, parece perfeitamente concebível que a pressão subatmosféri-
ca produzida por esses exercícios na cavidade abdominal possa resultar na
estimulação das camadas superficiais das glândulas suprarrenais, isto é, das
camadas corticais, levando-as a produzir mais cortisona. No entanto, o pro-
blema demanda o acúmulo de mais evidências clínicas, sustentadas por inves-
tigações laboratoriais apropriadas, antes que se possa chegar a uma conclusão
definitiva. A referência a este estudo de caso tenciona apresentar a vastidão
das possibilidades da pesquisa em Yoga e as perspectivas de uma nova visão
no campo do tratamento medicamentoso.27
Dito isto, pode-se perceber que mesmo parecendo ser práticas inocentes,
fáceis e inofensivas, é preciso ser muito cautelosos ao recorrer aos mudrās e
bandhas, pois eles se assemelham a terapias específicas da medicina moder-
na. Seus efeitos fisiológicos podem ser tão drásticos que mesmo um peque-
no abuso na prática pode expor a pessoa a grandes riscos. Como afirmado
anteriormente, mudrās e bandhas são definitivamente contraindicados para

26  N. T.: Eosinofilia é o aumento da concentração de eosinófilos no sangue. Os eosinófilos


são uma classe de células sanguíneas leucocitárias que fazem parte do sistema imunitário. São
responsáveis pelo combate às infecções no corpo por parte de parasitas. A eosinofilia pode ser
reativa (em resposta a outro estímulo como alergia ou infecção) ou não reativa. O número de
doenças que provocam eosinofilia é muito grande, mas as situações mais comuns são as alergias
e as verminoses.

27  N. R.: Embora tenha sido uma hipótese bastante comum, a influência de alterações mecânicas
advindas ou não das práticas de Yoga, levando a alterações pressóricas internas no organismo,
não surtem efeito no sistema endócrino, uma vez que se sabe atualmente que este só altera seus
níveis de secreção por estímulos: nervosos, hormonais ou de alteração volêmica (Guyton e Hall,
2010 – Ed. Guanabara). Por outro lado, as alterações pressóricas podem e têm influência no
funcionamento das glândulas exócrinas, como as do estômago e parte do pâncreas. Vale ressaltar
que, ainda hoje, as investigações acerca dos efeitos das práticas de Yoga sobre o sistema endó-
crino são insipientes e muitas afirmações ganham status de verdadeiras sem serem confirmadas
laboratorialmente.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 71

crianças. Eles podem ser praticados a partir dos estágios finais da adolescên-
cia (a partir dos quinze ou dezesseis anos de idade, para os garotos e, doze
ou treze anos no caso das garotas). Porém, como é de conhecimento comum,
a adolescência depende de variáveis raciais, climáticas, individuais e sociais.
Os mudrās utilizados durante os processos de prāṇāyāma são denominados
bandhas, na medida em que eles auxiliam a travar e/ou orientar as pressões
em uma determinada direção.
De fato, experimentos realizados nos laboratórios de Kaivalyadhama
constataram a geração de pressões negativas na cavidade abdominal de até
-80 mmHg durante uḍḍiyāna e -120 mmHg durante nauli.
Alguns mudrās e bandhas são apresentados ao final deste livro, com ins-
truções específicas quanto à sua execução.

Prāṇāyāma

Os vários tipos de prāṇāyāma, tais como são praticados nos dias de hoje
(e há muitos deles), constituem um controle voluntário da respiração e, como
tal, poderiam ser denominados exercícios respiratórios, mas há uma diferen-
ça: a ênfase não se dá sobre a respiração profunda e na concentração de
oxigênio, tal como é comum nos exercícios similares que predominam em
países ocidentais. No prāṇāyāma, a ênfase recai mais sobre o desenvolvi-
mento do estado de kumbhaka, isto é, a fase de suspensão temporária da
respiração. Portanto, na realidade, pode-se considerar que kumbhaka englobe
toda a conotação do termo prāṇāyāma. De fato, no Haṭha Yoga, os prāṇāyā-
mas são conhecidos pelo nome de kumbhaka (āsanaṃ kumbhakaṃ citraṃ
mudrākhyaṃ karaṇaṃ tathā, tato nādānusandhānaṃ haṭhā bhyase kramo
mataḥ, H.Y.P. I-56-57)28.
Os kumbhakas são de três tipos:

1) Ābhyantara ou pūrṇa kumbhaka


Suspensão da respiração que se segue à inspiração profunda, retenção do
ar inspirado, com parte ou a totalidade da reserva inspiratória comprimida
nos alvéolos, isto é, com a pressão intrapulmonar elevada.

28  N. T.: A tradução do sânscrito seria: “Esta é a sequência correta na prática do Haṭha (Yoga):
āsanas, diferentes tipos de kumbhakas, práticas denominadas mudrās, nādānusandhāna.

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72 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

2) Bāhya ou śūnya kumbhaka


Suspensão da respiração que se segue a uma expiração completa, não ape-
nas do ar corrente, mas também de parte ou de todo o volume de reserva
expiratório, isto é, com a pressão intrapulmonar reduzida. 29

3) Kevala kumbhaka
Suspensão da respiração em um estágio intermediário, mantendo-se a
pressão intrapulmonar igual à atmosférica. Espera-se que esta última ocorra
automaticamente, depois de uma boa prática das duas primeiras.

O Haṭha Yoga recomenda que esses prāṇāyāmas sejam praticados em


conjunto com alguns bandhas. Assim, a tentativa do controle inspiratório, ou
pūraka, deve coincidir com a prática de mūla-bandha, que consiste na con-
tração do esfíncter anal, e do elevador do ânus, levando o reto e seus anexos
a um efeito de elevação. A suspensão controlada da respiração, ou kumbhaka,
deve coincidir com jālandhara-bandha, pressionando-se o queixo contra o
tórax, na região do manúbrio, de modo a produzir uma firme compressão
sobre os dois seios carotídeos. A expiração controlada, ou recaka, deve ser
executada em conjunto com uḍḍiyāna bandha, ou a retração da parede ab-

29  N. do A.: Uma observação quanto aos volumes e capacidades pulmonares:


(A) Volumes
1. Volume corrente: é aquele que se movimenta durante a respiração com profundidade normal,
isto é, o volume de ar inspirado ou expirado durante cada ciclo respiratório.
2. Volume da reserva inspiratória: é a quantidade máxima de ar que pode ser inspirada depois
que se atinja o fim da inspiração normal.
3. Volume da reserva expiratória: é a quantidade máxima de ar que pode ser expirada depois
que se atinja o fim da expiração normal.
4. Volume residual: é o volume de ar que permanece nos pulmões ao fim da expiração máxima.

(B) Capacidades: Cada um destes termos inclui dois ou mais dos volumes primordiais apresen-
tados acima.
1. Capacidade pulmonar total: é a quantidade de ar nos pulmões após a inspiração máxima.
2. Capacidade vital: é o volume máximo de ar que os pulmões podem expelir, por meio de
esforço intenso, após uma inspiração máxima.
3. Capacidade inspiratória: é o volume máximo de ar que pode ser inspirado, a partir do final
da expiração normal.
4. Capacidade residual funcional: é o volume de ar que permanece nos pulmões, após o final
da expiração normal.
(A posição de descanso do final da expiração varia menos do que a posição do fim da inspiração.
Por isso, prefere-se utilizar a primeira como uma linha de referência, em lugar da última).

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 73

dominal, especialmente da parte abaixo do umbigo, devida à sucção do dia-


fragma causada pela elevação das costelas; esses cuidados devem ser tomados
em todo e qualquer ciclo dessa prática respiratória. A partir desta descrição,
pode-se ver que a ênfase no prāṇāyāma não recai tanto no valor de oxigena-
ção, nem na descarga do dióxido carbônico, mas na manipulação das pressões
intrapulmonar, intratorácica e intraabdominal e na retenção dessas pressões
modificadas por um determinado período de tempo.
Assim, no prāṇāyāma, a inspiração, a retenção e a expiração devem ser
executadas de maneira controlada, fazendo com que cada uma dessas fases
dure vários segundos. Esse fator temporal, isto é, o prolongamento de uma
fase específica por um período de tempo considerável, é de importância pri-
mordial, não apenas no prāṇāyāma, mas em praticamente todas as práticas
de Yoga. A tradição determinou uma proporção definida para os limites de
tempo de cada uma das três fases do prāṇāyāma. O propósito por trás disso
é proporcionar ao praticante meios de mensurar sua própria capacidade, de
modo que ele não transgrida suas próprias limitações, arruinando o delicado e
vital mecanismo da respiração e, por meio dele, toda a homeostase (equilíbrio
de funções orgânicas).
A técnica prāṇāyāma é muito complicada em sua completude. Existem
regras específicas no que concerne ao método de respiração, sua intensidade,
a duração de cada fase da respiração, a atenção e concentração em determi-
nados pontos do corpo durante o processo da respiração etc. Todas essas
minúcias se destinam aos praticantes sérios e muito dedicados do Yoga e não
podem ser apresentadas em um livro sobre Yogaterapia. Aqui serão aborda-
das apenas algumas características do prāṇāyāma em geral.

Métodos da respiração no prāṇāyāma

Antes de começar a estudar os métodos específicos de prāṇāyāmas de


respiração, é necessário observar os tipos comuns de respiração cotidiana.
Em geral, existem três tipos de respiração, ainda que não haja diferenciação
estanque entre eles:

1. Respiração torácica, na qual apenas o tórax é elevado, mantendo o


abdome sob controle, com um curso mínimo do diafragma torácico;
2. Respiração abdominal ou diafragmática, na qual a parede abdominal
exerce um papel importante, distendendo-se durante a inspiração,

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retraindo-se e contraindo-se durante a expiração. Nesta, o curso do


diafragma torácico atinge seu máximo;
3. Respiração toracoabdominal: esta é uma combinação das duas ante-
riores – de início o tórax é elevado e, quando parece cheio, abaixa-se
também o diafragma torácico ao máximo, expandindo-se o abdome.
O processo expiratório se dá ao contrário, isto é, a parede abdomi-
nal se contrai e retrai, empurrando o diafragma para cima. Após o
término da fase expiratória abdominal, o tórax entra em ação, com a
descida do arco das costelas esvaziando o restante do compartimento
respiratório.

A respiração normal está numa zona intermediária entre essas três, em


conformidade com os hábitos e o treinamento de cada um, variando, inclusive
com o gênero. Normalmente, o que acontece é que as mulheres recorrem à
respiração torácica e os homens, à abdominal.
A respiração prāṇāyāmica é muito diferente de todas elas. Sua caracterís-
tica mais significativa é a tensão que se imprime sobre diafragma pélvico30.
Isto parece influenciar diretamente o volume residual dos pulmões. É interes-
sante analisar um estudo conduzido pelo Dr. Allan Hemingway e colabora-
dores, no Long Beach Veterans Administration Hospital, acerca das funções
pulmonares de paraplégicos, em que se descobriu que todos os paraplégicos
testados possuíam volumes residuais elevados, muito superiores aos do grupo
controle (de homens não paraplégicos). Isso não parecia depender da exten-
são da paralisia da musculatura respiratória. A única paralisia comum aos três
grupos de paraplégicos (com lesões (i) lombar, (ii) torácica e, (iii) cervical),
era a paralisia dos membros inferiores e dos músculos do assoalho pélvico.
Ademais, os paraplégicos tinham um estilo de vida sedentária ou supina, en-
quanto os do grupo de controle experimental trabalhavam ativamente. Isto
levou os pesquisadores a apresentar uma única explicação para a descoberta,
com alguma reserva, afirmando que isto poderia ser devido à paralisia dos
músculos do assoalho pélvico, que normalmente sustentam as vísceras. Seu
argumento foi o de que essa paralisia do assoalho pélvico fazia com que o

30  N. T.: Os elementos que formam o diafragma pélvico são o músculo elevador do ânus e os
músculos coccígeos. Juntos, o diafragma pélvico e o diafragma urogenital, compõem o períneo,
ou assoalho pélvico, que é um conjunto de partes moles que fecham inferiormente a pelve óssea.
Eles têm como função o controle da micção, da defecação, dos esfíncteres vesicais e anais durante
tosse e espirro, além de sustentar as vísceras intrapélvicas.

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diafragma torácico descesse, o que poderia aumentar o volume residual. Os


investigadores se expressaram da seguinte forma: “...caso isto ocorra, o assoa-
lho pélvico terá seu papel de sustentação das vísceras prejudicado”.
Caso seja confirmada, a descoberta acima deve ser considerada de grande
importância, pois nenhum livro sobre a Fisiologia Respiratória dá tanta im-
portância ao papel do diafragma pélvico na respiração. Nesses livros, não há
nem mesmo uma menção ao assoalho pélvico nas explicações da mecânica
respiratória. Quando um dos autores desse artigo esteve empenhado em cui-
dar de pacientes enfisematosos no Long Beach Hospital, ocorreu-lhe trazer
esse fato, ou seja, a importância do tônus e da ação do assoalho pélvico e
seus efeitos sobre o volume residual, à atenção do Dr. Allan Hemingway
que, prontamente, endossou os pontos de vista do autor e citou sua própria
investigação acima mencionada, corroborando-os. Na ocasião, programamos
abordar esse assunto específico em investigações ulteriores, ou seja, o papel
do assoalho pélvico na respiração. Infelizmente, o autor não pôde dar con-
tinuidade à sua permanência naquela instituição, tendo que interromper seus
trabalhos. Porém, na época da autoria deste livro, a intenção dos autores era
iniciar tais investigações e estavam confiantes de que poderiam confirmar seu
argumento de que o assoalho pélvico representa um papel significante no pro-
cesso respiratório, na medida em que afeta sobremaneira o volume residual.
Essa digressão foi necessária para levar os leitores a compreender a impor-
tância do mūla-bandha no prāṇāyāma do ponto de vista da fisiologia respi-
ratória. Agora, com relação à técnica da respiração prāṇāyāmica, as práticas
consistem principalmente de três fases, às vezes quatro:

i) Pūraka
Fase da inspiração controlada, contrariamente a śvāsa que é o termo uti-
lizado para o processo automático ou não controlado da inspiração. Embora
na maioria dos casos pūrakas sejam praticados lentamente, com o objetivo
de prolongar sua duração e reduzir a força inspiratória (sendo esses dois in-
versamente proporcionais), há alguns prāṇāyāmas em que se solicita que o
praticante faça o contrário, ou seja, que inspire rapidamente, bem como ex-
pire rapidamente, de modo que o ciclo todo dure meio segundo, tal como no
primeiro estágio de bhastrikā.

ii) Kumbhaka
Aplica-se este termo à fase da suspensão controlada da respiração.

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(Não se utiliza nenhuma palavra sânscrita para a suspensão temporária


e automática da respiração que geralmente ocorre quando o praticante
leva um susto, ou é tomado por fortes emoções, ou ainda quando rea-
liza esforço excessivo).

iii) Recaka
É a fase da expiração controlada, mantida por uma duração pro-
longada e com alguma pressão interna. O termo praśvāsa é utilizado
para a expiração automática e normal. Em geral, recomenda-se que o
praticante proporcione a esta fase, o dobro do tempo concedido à fase
de inspiração. Como relatado acima, há ocasiões em que se solicita que
o praticante inspire e expire rapidamente, por exemplo, no primeiro
estágio de bhastrikā.

iv) Śūnyaka
É a suspensão da respiração após a expiração completa. (Kumbhaka
e śūnyaka, por vezes, são respectivamente chamados pūrna ou ābhyan-
tara kumbhaka e, śūnya ou bāhya kumbhaka).

A primeira coisa para a qual é preciso prestar atenção é a posição da pél-


vis, das costas e do pescoço. Elas devem ser mantidas em posição ereta, com
a pélvis em um ângulo de 30º. É por essa razão que se recomendam de-
terminados āsanas para o prāṇāyāma, tais como: siddhasana, padmasana,
svastikasana e samasana. Eles ajudam a manter facilmente a pélvis no ân-
gulo necessário e, assim, facilitam a formação do mūla-bandha. A inclinação
pélvica é de grande importância para o tônus do assoalho pélvico. Durante a
inspiração do prāṇāyāma, as ações sequenciais que o praticante deve realizar
podem ser descritas da seguinte forma:

1. Após adotar a posição correta, o praticante começa a inspirar lenta-


mente, elevando as clavículas e a parte superior do tórax e, ao mesmo tempo,
também contrai e eleva o assoalho pélvico gradualmente [Figura 2b].

2. Após ter elevado ao máximo seu tórax, o praticante passa a alargar a


parte central do tórax, procurando expandir conscientemente as costelas até
sua máxima capacidade. Durante esse processo, também, se mantém firme
a elevação do assoalho pélvico e suga-se o ar muito lentamente [Figura 2c].

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 77

3. Feito isso, o praticante procura empurrar o diafragma torácico para


baixo, conscientemente [expandindo o abdome e conferindo à cavidade es-
tomacal (o epigástrio31) a sensação de enchimento32] e procura inspirar tanto
ar quanto possível. Eleva-se o assoalho pélvico durante todo esse tempo, o
que contribui para a retração da parte baixa do abdome, abaixo do umbigo,
a região conhecida como uḍḍiyāna peeṭha. Com a posterior contração dessa
região, forma-se o que se conhece por uḍḍiyāna bandha [Figura 2d].

Esses três passos constituem a fase pūraka do prāṇāyāma, isto é, a inspi-


ração controlada. Eles devem ser realizados de maneira suave e rítmica e sem
trancos ou excessos de esforço. A isso se segue a fase kumbhaka, ou seja,
a fase de retenção ou apneia. Enquanto retém a respiração, o praticante: (i)
mantém o baixo abdome retraído; (ii) procura elevar o assoalho pélvico tão
alto quanto possível; (iii) passa a pressionar o queixo contra o osso esterno,
comprimindo assim os seios carotídeos e (iv) recomenda-se, também, que
o praticante deslize a língua para trás sobre o céu da boca (palato mole)
e pressione a parte posterior da língua contra a parede faríngea. Isso tam-
bém traciona a parte superior do pescoço para cima e ajuda a comprimir os
seios carotídeos ainda mais. Estas manobras são conhecidas respectivamente,
como uḍḍiyāna bandha, mūla bandha, jālandhara bandha e jihvā bandha.
Quando o tórax está repleto de ar e sujeito a essas pressões internas, há uma
leve sensação de formigamento por todo o corpo, na região dos folículos
capilares, tal como se descreve nos textos yogins; há, especialmente, uma
afluência do sangue às pontas dos dedos das mãos, por haver uma dilatação
capilar e um aumento do volume de sangue que circula por essa região do

31  N. T.: Parte superior do abdome, entre o umbigo e o arco das costelas.

32  N. R.: Embora haja a sensação de enchimento gástrico, é preciso notar que o ar NUNCA
enche o abdome durante os processos respiratórios. Essa sensação ocorre devido ao movimento
descendente do diafragma, que empurra as vísceras, as quais são comprimidas tanto pela mus-
culatura abdominal quanto pelo assoalho pélvico. O movimento de expansão abdominal ocorre,
portanto, devido a movimentos orgânicos e não do ar na cavidade abdominal. Essa explicação é
necessária, pois muitos praticante e mesmo professores de Yoga falam em levar o ar para o estô-
mago, mas, na realidade, se referem à sensação de enchimento à qual o Swami Kuvalayananda se
refere nesta parte do texto.

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78 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

a) Posição inicial b) Elevação das clavículas e do


assoalho pélvico

c) Expansão da parte d) Contração na região do


intermediária do tórax estômago

e) Contração e retração f) Direcionamento do tórax


do abdome e elevação do para baixo com relaxamento
diafragma da parede abdominal

Figura 2 - Estágios do prānāyāma

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 79

corpo. Recomenda-se que o praticante retenha a respiração até vivenciar es-


sas sensações.33
A compressão exercida sobre os seios carotídeos evita qualquer risco de
elevação indevida da pressão arterial que, de outro modo, poderia ocorrer por
se reter tanto a respiração sob tão alta pressão interna. No caso de falha na
compressão adequada dos seios carotídeos, pode haver uma elevação inade-
quada dos batimentos cardíacos e da pressão arterial. A fisiologia moderna
reconhece que os seios carotídeos são barorreceptores muito sensíveis, que
contribuem para a regularização da respiração, dos batimentos cardíacos e
das pressões circulatórias.
Na literatura yogin, as carótidas e especialmente os seios carotídeos são
chamados vijnāna nāḍis, isto é, os nervos que contribuem para que o pra-
ticante mantenha a consciência e o poder de vivenciar. Nota-se de maneira
interessante, que este é justamente o oposto do significado da palavra carótida
(produtora de letargia, estupor). Os seios carotídeos só produzem letargia
quando fortemente comprimidos por um longo período de tempo, mas isso
não é sua função normal. De fato, as carótidas internas contribuem para a
manutenção da consciência por meio do suprimento da quantidade de sangue
necessária ao cérebro e, por conseguinte, elas não são produtoras de letargia,
mas sim produtoras de consciência.
É de conhecimento geral que o cérebro demanda grandes quantidades
de oxigênio e de glicose para seu bom funcionamento e que ambos são su-
pridos pelas carótidas. Desse modo, a terminologia yogin para elas parece
ser a mais correta! Parece-nos que os antigos yogins também sabiam desses
efeitos fisiológicos dos seios carotídeos, visto que os utilizaram corretamen-
te na regularização da pressão arterial e dos batimentos cardíacos enquanto
retinham a respiração. Eles também se utilizaram disso na Yogaterapia, de
maneira a ajudar no tratamento de pacientes acometidos por pressão alta,
prescrevendo aquilo que chamavam de vijnāna nāḍi mardana ou a massa-

33  N. R.: Apesar da recomendação dos autores para que os praticantes sintam tais sensações du-
rante a prática de técnicas respiratórias, é consenso entre os professores mais experientes da atuali-
dade que tais experiências ou a busca delas possam levar a sensações muitas vezes desconfortáveis
e geradoras de desequilíbrios psicológicos, como ansiedade e humores negativos. Antigamente,
a prática de prāṇāyāma era realizada e orientada de maneira muito mais próxima entre mestre e
discípulos, sendo as impressões e sensações internas muito mais facilmente acompanhadas pelo
orientador mais experiente, de maneira que havia uma maior cautela e segurança na busca de tais
estados. Dessa forma, desaconselhamos que o praticante persiga tais sensações de maneira auto-
didata, sob risco de prejudicar sua saúde física e mental.

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gem dos seios carotídeos. Também utilizavam a compressão carotídea para


criar um esquecimento do mundo exterior (mūrcchā) recorrendo à respiração
enquanto mantinham a forte compressão dos seios carotídeos (dando-se-lhe
o nome de mūrcchā-prāṇāyāma). Todos esses fatos servem para demonstrar
que jālandhara bandha não serve apenas para auxiliar uma pessoa a reter sua
respiração pela flexão do pescoço, mas possui um propósito fisiológico defini-
do, que era compreendido pelos antigos. Portanto, retém-se a respiração, com
a compressão dos seios carotídeos por tanto tempo quanto confortavelmente
possível. Acredita-se que, para cada pessoa, a duração ideal seja tal que lhe
permita proporcionar à expiração o dobro do tempo de duração de sua ins-
piração, de maneira confortável. Tal como afirmado anteriormente, o propó-
sito por trás disso é garantir que o praticante não sobrecarregue os delicados
centros respiratórios. Eles devem ser treinados e aclimatados gradativamente,
para que resistam a concentrações de CO2 cada vez maiores, de modo que, em
longo prazo, a regularização quimiorreceptora (automática) se submeta cada
vez mais a um controle volitivo intencional e o praticante possa fazer com
que os barorreceptores e especialmente os reflexos de estiramento pulmonar
ajam livremente. A ideia por trás disso tudo parece ser produzir uma parada
automática da respiração. Em suas pesquisas, Barach34 descobriu que, quando
se estimulam suficientemente os receptores de estiramento35 dos bronquíolos,
o efeito proprioceptivo conduz a uma parada prolongada da respiração, que é
o objetivo das práticas prāṇāyāmicas, atingido graças à insistência nos diver-
sos bandhas e o desenvolvimento da pressão intrapulmonar elevada. Quanto
ao motivo que levava os antigos yogins a querer essa suspensão da respiração,
isso será abordado mais adiante ao comentar os aspectos neurofisiológicos
mais elevados do prāṇāyāma à luz dos aforismos de Patañjali, como foi feito
no caso dos āsanas.
A duração de cada fase do prāṇāyāma não tem uniformidade em todas as

34  N. T.: Dr. Alvan L. Barach, consultor médico do Hospital Presbiteriano de Nova York, con-
tribuiu com inúmeros trabalhos cobrindo todas as fases do tratamento para pacientes com defici-
ências respiratórias. Destaca-se um manual ilustrado para o tratamento de pacientes com enfisema
que ele preparou, representando as experiências de uma vida e que se constituiu em uma bíblia
de terapia dirigida para os profissionais da área: A treatment manual for patients wth pulmonary
emphysema by ALVAN L . BARACH M. D., Grune and Stratton, New York and London, 1969.

35  N. T.: Os receptores de estiramento são encontrados nos brônquios e bronquíolos. São sen-
sores reflexos que inibem a inspiração, quando detectam que os bronquíolos já se estenderam até
determinado limite.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 81

tradições. A maioria delas, no entanto, adere à proporção 1:4:2, isto é, pro-


porcionando quatro vezes o tempo da inspiração para a retenção e, duas vezes
o tempo da inspiração para a expiração, de modo que o padrão de medida
para cada indivíduo seja o tempo de duração de sua inspiração. É preciso res-
saltar, no entanto, que não se deve permitir que nenhuma das fases conduza
a uma sensação de aflição. Não se deve sentir falta de ar de maneira alguma,
em nenhum estágio, não apenas durante um ciclo, mas ao longo de toda a prá-
tica do prāṇāyāma. Caso o praticante sinta a mais leve aflição ou falta de ar
em qualquer um dos estágios, ele deve imediatamente reduzir toda a série das
proporções, reduzindo o tempo para a inspiração adequadamente. Deve-se
manter em mente que o mecanismo respiratório é muito delicado e que, para
sua regularização, há um mecanismo de equilíbrio muito sensível na forma de
centros respiratórios especializados no sistema nervoso central, mais especi-
ficamente no bulbo. Qualquer alteração irresponsável de seu equilíbrio pode
levar a resultados trágicos; o praticante pode vir a se arruinar física ou psico-
logicamente para sempre. Uma vez que a proporção 1:4:2 pode ser um início
muito drástico, há quem defenda que ela seja alcançada gradativamente, isto
é, iniciando-se com 1:1:2, aumentando a pausa de maneira lenta e gradual até
1:4:2. Outros, ainda seguindo a fonte autorizada do Gorakṣa Saṃhitā, defen-
dem a utilização da proporção 6:8:5, segura e conveniente para os principian-
tes. Essas proporções podem ser adotadas facilmente, por meio de contagem
mental, pelo uso de rosários ou mantras, ou melhor ainda, com a ajuda de um
relógio. Esses cuidados devem sempre estar na mente do praticante durante
a realização do prāṇāyāma, com ênfase na fase de retenção, pois essa, sem
sombra de dúvidas, é a fase mais importante.

Após a retenção da respiração, realizada de maneira confortável, inicia-se


a terceira fase recaka ou expiração controlada. Passa-se por essa fase, tam-
bém, de uma maneira suave e rítmica:

1. Solta-se a chave de queixo e eleva-se a cabeça; o abdome é contraído


e retraído gradualmente e, ao se fazer isso, o diafragma fica livre para
ser empurrado para cima pela crescente pressão intra-abdominal (até
aqui ele estava resistindo a essa pressão). Percebe-se a cavidade esto-
macal diminuir gradualmente de tamanho. [Figura 2e]

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82 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

2. A seguir, os músculos intercostais começam a se contrair e a base do


tórax (arco inferior das costelas) desce.

3. Por último, a parede elevada do tórax fica livre para se voltar lenta-
mente para baixo, levando a expiração até o ponto em que o praticante
sente que não pode expirar mais. [Figura 2f]

4. O assoalho pélvico foi mantido elevado durante todo o tempo e o


abdome em retração. Agora, os músculos abdominais são relaxados
e, enquanto o diafragma permanece elevado e a parede abdominal
relaxa, forma-se uma repentina concavidade na região abdominal. Ao
se manter o abdome inferior sugado, forma-se um vazio (nos casos de
pessoas flexíveis) na região hipogástrica, alguns centímetros abaixo do
umbigo. Este é o uḍḍiyāna bandha em recaka que constitui a fase de
śūnyaka ou śūnya kumbhaka. Mantém-se essa situação durante alguns
poucos segundos e, então, relaxa-se o assoalho pélvico.36

Outra peculiaridade do prāṇāyāma é a importância atribuída à respiração


através das narinas direita e esquerda. Muitos poderão notar que, na maior
parte do tempo, as narinas direita e esquerda não funcionam igualmente. Uma
delas permanece mais ou menos congestionada, enquanto a outra funciona
livremente. Segundo o Yoga, essa alternância não acontece por acaso, existe
um propósito fisiológico. (A moderna fisiologia reconhece que o corpo pro-
cura se ajustar a mudanças de temperatura ambientais por meio da alternância
entre a vasodilatação e a vasoconstrição). Essas alterações são mais marcan-
tes nas extremidades do corpo, por exemplo, pontas dos dedos das mãos e
dos pés etc. Abramson e colaboradores empregaram técnicas pletismográficas
para medir alterações volumétricas em uma extremidade ou na ponta de de-
dos das mãos. Eles demonstraram que uma pessoa saudável, exposta a tempe-
raturas ambientais comuns, apresenta uma variação cíclica contínua no tônus

36  N. R.: Este tipo de uḍḍiyāna bandha é muito parecido com aquele que se pratica quando a
técnica é treinada independentemente, não inserida no contexto de um ciclo de pranayama, ou
seja, com os pulmões vazios. A única diferença é que aqui o tórax está em situação de expiração
máxima, com o arco costal abaixado e na técnica isolada o arco costal é expandido, pela ativação
dos músculos da inspiração forçada, que os elevam, enquanto a glote permanece fechada, evitando
que o ar entre. Dessa forma, nas duas situações se experimenta um vazio no baixo abdome, mas
ele é maior quando a prática é realizada isoladamente.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 83

vasomotor a cada 15 a 60 segundos. Essas alterações se refletem no volume


dos membros, são mais presentes nas pontas dos dedos das mãos e ocorrem
em menor intensidade nas partes proximais das extremidades (Abramson, D.
I. – Vascular Response in the Extremities of Man in Health and Disease – Uni-
versity of Chicago Press, 1944). O nariz também pode ser um desses pontos
terminais, porém nele, de alguma maneira, as narinas não são afetadas ao
mesmo tempo. O Yoga possui uma explicação diferente para isso. Seu argu-
mento é que, enquanto a respiração pela narina esquerda dissipa mais calor,
a respiração pela narina direita o conserva. Um corpo saudável ajusta-se a
si mesmo abrindo o fluxo de ar pela constrição dos capilares da membrana
mucosa de uma das narinas e bloqueando o fluxo da outra pela dilatação de
seus capilares da mucosa. Segundo o Yoga, para que se mantenha uma saúde
boa e forte, as duas narinas devem funcionar adequadamente e manter-se
abertas ao mesmo tempo. Esse seria um estado ideal. No entanto, como isso
não acontece para a maioria das pessoas, o Yoga prescreve a respiração alter-
nada ou anulomaviloma prāṇāyāma, isto é, o praticante inspira da maneira
prāṇāyāmica descrita anteriormente, porém, apenas por uma das narinas,
fechando a outra, (habitualmente, inicia-se com a narina esquerda); suspende
a respiração por um tempo determinado e, então, expira pela narina oposta,
por meio da mesma técnica yogin acima descrita. De maneira complementar,
segue-se o segundo ciclo, isto é, o praticante inspira pela mesma narina que
acabou de utilizar para expirar e utiliza a outra narina para a expiração. Esses
ciclos devem ser repetidos um determinado número de vezes (21 a 120) por
dia. Espera-se que esse tipo de prāṇāyāma acarrete um equilíbrio homeostá-
tico no corpo. Ele também é chamado de mala-śodhaka prāṇāyāma, isto é,
aquele que limpa ou elimina os malas37 (mala é um termo que se usa na litera-
tura yogin para denotar todos aqueles fatores que provocam desequilíbrios no
corpo e na mente. Assim, existem os fatores śarīra-mala que afetam o corpo,
prejudicando a saúde e os citta-mala que provocam distúrbios mentais).
Muitos yogins não se satisfazem com a mera respiração alternada. Eles
insistem que ambas as narinas devem ser levadas a funcionar equilibrada-
mente, isto é, que não deve haver bloqueio de nenhuma narina ao se iniciar
a realização de técnicas de prāṇāyāma. Só então, eles dizem, podem ser ob-

37  N. R.: Mala pode ser compreendido como toxina, que pode se expressar tanto como intoxica-
ção física, alimentar, quanto mental, relacionada a pensamentos problemáticos. Explicações mais
aprofundadas acerca desse termo podem ser obtidas nos textos tradicionais da medicina ayurvédi-
ca, como o Ashtanga Hridaya e o Charaka Samhita.

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84 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

tidos os melhores resultados da prática do Yoga. De modo a abrir as narinas,


os antigos yogins utilizavam um dispositivo chamado yoga-danḍa (kubaḍi
nas línguas do norte da Índia). Trata-se de um bastão curto parecido a uma
muleta, com cerca de 80 cm de altura, utilizado para pressionar as axilas, da
mesma maneira que uma pessoa machucada utilizaria uma muleta. Submete-
-se a axila oposta à narina que está bloqueada a essa pressão. O praticante
simplesmente se senta com a muleta sob a axila, apoiando-se nela e soltando
o peso do corpo, de maneira a sentir uma boa compressão no local. Em ques-
tão de poucos segundos, a narina contralateral à axila comprimida se abre,
tendo seu fluxo restaurado.
Essa questão é objeto de investigações nos laboratórios de Kaivalyadhama.
É cedo para afirmar algo definitivo sobre o assunto. Com relação ao costumei-
ro bloqueio de uma das narinas e quanto ao fato de que a narina bloqueada se
abre com pressão exercida na axila oposta, isso já foi confirmado nos labora-
tórios algumas vezes. Para a fisiologia moderna, até mesmo o bloqueio alter-
nado das narinas, é algo novo. Até a data da confecção deste livro, não havia
explicação anatomicofisiológica para o fenômeno. Acreditava-se, porém, que
esse efeito devesse estar relacionado com a inervação simpática. Possuía-se
evidência clínica suficiente para supor que a respiração alternada pudesse aju-
dar a promover um equilíbrio orgânico do sistema, o que levou os autores a
se referirem a esta forma tradicional de respiração yogin.
Esta rotina descrita é um guia geral seguido na prática do prāṇāyāma.
Existem muitas variedades de prāṇāyāma, com diferenças sutis em suas téc-
nicas. Existem muitas expectativas e afirmações acerca de seus resultados
específicos. Um livro de caráter geral como este não pretende se aprofundar
em todas elas. Aqui, pode-se recomendar uma variedade mais útil e ino-
fensiva (se realizada de maneira incorreta) e esta é o ujjāyī. Caso o leitor
deseje se aprofundar no tema, deveria se referir ao abrangente livro intitulado
Prāṇāyāma, deste mesmo autor, publicado no Brasil em 2008.

Ciclo nasal (adicionado pelo revisor)

As alternâncias de fluxo que ocorrem espontaneamente entre as narinas


ao longo do dia são chamadas atualmente de ciclo nasal (Hasegawa, 1977).
No ano de 2004, foi realizado um estudo investigativo acerca do ciclo nasal
no Laboratório do Sono do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas
da Universidade de São Paulo. De acordo com esse estudo, o fenômeno da

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 85

alternância nasal é cíclico e está relacionado à ação simpática vasoconstri-


tora no seio venoso nasal, o que é aceito em fisiologia há bastante tempo
(Dahlstrom e Fuxe, 1964). Quando existe uma ativação maior do sistema
nervoso simpático na cavidade nasal esquerda, por exemplo, ela fica com os
vasos mais contraídos e, consequentemente, com um fluxo de ar maior. Esse
controle rítmico é determinado centralmente pelo hipotálamo, o que já foi
verificado em experimentos realizados com animais. A primeira referência
em textos tradicionais do Yoga à existência de um ciclo nasal está em textos
antigos do Swara Yoga, como o Shivasvarodaya, que descreve o fenôme-
no da alternância de predominância nasal ao longo do dia, assim como ao
longo das fases lunares. A predominância de fluxo nas narinas apresentaria
um padrão cíclico, com duração de uma hora de predominância para cada
uma. Tanto em trabalhos mais recentes, quanto nos antigos, há controvérsias
quanto à existência de um padrão rítmico de alternância entre as narinas (Fla-
nagan, 1997; Stocksted, 1957; Eccles, 1978). Embora haja muitos trabalhos
que envolvem o estudo das causas do ciclo nasal, há poucos que enfoquem
as diferenças metabólicas do predomínio respiratório pelas diferentes nari-
nas. Os textos clássicos do Yoga também apontam diferenças, observadas
com a prática, entre respirar por uma determinada narina ou por outra e ex-
ploram este fato em diferentes prāṇāyāmas. Segundo esses textos, a narina
direita está associada a um aumento do metabolismo e da atividade mental.
Já a narina esquerda se relaciona com uma menor atividade mental, maior
concentração e queda da atividade metabólica. Além disso, os praticantes de
prāṇāyāmas frequentemente referem aumento da temperatura corporal, da
sudorese e da frequência cardíaca quando em respiração unilateral direita.
Considerando as diferenças da respiração unilateral descritas, a investigação
realizada teve a hipótese de que a respiração unilateral pela narina direita te-
ria efeitos simpaticomiméticos (estimulantes) enquanto a respiração unilateral
esquerda produziria efeitos parassimpaticomiméticos (relaxantes). Portanto,
essa hipótese baseou-se numa interpretação dos fenômenos observados na
prática e em descrições na literatura indiana clássica. No entanto, encontrou-
-se que a ventilação pela narina esquerda (e não da direita) produziu efeitos
simpaticomiméticos, estimulantes.
Partindo-se da premissa de que o coração recebe inervações simpáticas e
parassimpáticas e que, devido a características estruturais das fibras nervosas,
o sistema nervoso simpático demora mais tempo para levar a cabo suas in-
fluências de aumento da frequência e força de contração cardíaca, na análise

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86 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

espectral da variabilidade da frequência cardíaca, a banda de baixa frequência


corresponde a um deslocamento do equilíbrio simpatovagal no sentido da
ação simpática e o aumento da baixa frequência corresponde ao aumento do
componente parassimpático da modulação autônoma sobre o coração. Quan-
do o mesmo procedimento foi realizado com a narina contralateral, ou seja,
a inspiração pela narina direita e a expiração pela narina esquerda, não foi
observado nenhum impacto estatisticamente significativo no equilíbrio sim-
patovagal. O que foi observado na prática, entretanto, foi uma diferença no
equilíbrio simpatovagal entre as duas narinas, porém a narina esquerda que
seria parassimpaticomimética apresentou maior estímulo simpático do que
na situação na respiração livre (controle). Já a narina direita, que tínhamos
como hipótese inicial ser simpaticomimética, não houve variação significan-
te em relação a respiração livre. Devido a essas descobertas não esperadas,
novas investigações devem ser realizadas. No entanto, o mais importante é a
observação de que a lateralidade da respiração nasal pode, de fato, influenciar
o equilíbrio simpatovagal sobre o coração.
Foram encontrados apenas 9 trabalhos na literatura que testaram esta hi-
pótese e foram todos publicados em revistas indianas de difícil acesso, pos-
suindo algumas limitações metodológicas, incluindo amostra pequena, análi-
se mal descrita ou inadequada, bem como conclusões que não são embasadas
nos dados apresentados. Este estudo teve como limitação o fato de ter medido
a ação simpática e parassimpática de maneira indireta, através da variabilida-
de da frequência cardíaca e não diretamente, como por exemplo, através da
atividade simpática no nervo peroneiro. Entretanto, este método não é invasi-
vo, o que é importante para evitar o aumento da ativação simpática que a in-
serção de um eletrodo agulha causaria, e já foi validado e utilizado em diver-
sos outros trabalhos (Pagani et al.,1992; Maliani et al., 1991; Montano et al.,
1994). Os resultados obtidos abrem um novo caminho a ser explorado. Pelas
poucas informações na literatura acerca deste assunto, seria importante reali-
zar também medidas simultâneas da pressão arterial batimento a batimento,
o que permitiria determinar os efeitos na pressão arterial e no barorreflexo.

Ujjāyī prāṇāyāma

Toda pūraka (inspiração realizada na prática de prāṇāyāmas), incluindo a


primeira, deve começar após uma expiração completa. Em ujjāyī, o ar deve
entrar através de ambas as narinas. Nessa fase (em que se coloca o ar para

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 87

dentro dos pulmões) o trabalho deve ser feito com o tórax. O aprendiz deve
expandi-lo e o ar deve entrar automaticamente. Ao longo da inspiração, a glo-
te deve ser parcialmente fechada. Este fechamento parcial da glote produz um
som contínuo parecido com aquele que é produzido quando a pessoa chora
copiosamente e, ao ficar sem fôlego, suga o ar em uma inspiração sôfrega. A
diferença é que nessas situações o som é abrupto e quebrado, enquanto aqui
ele é contínuo38. Quando da inspiração, nem os músculos faciais, nem os do
nariz devem ser contraídos. A contração de músculos faciais não tem ne-
nhuma utilidade na inspiração. Algumas pessoas adquirem o hábito de fazer
caretas ao inspirar, o que deve ser totalmente evitado.
Tal como descrito de início, deve ser dada muita atenção aos músculos
abdominais. Eles devem ser mantidos em leve contração, que deve perdurar
ao longo de toda a inspiração. Os professores de Educação Física ocidentais
aconselham seus alunos a expandir o abdome durante a inspiração. Isto se
deve a algumas concepções errôneas acerca da fisiologia da respiração pro-
funda. Eles parecem acreditar que, expandindo o abdome, conseguem captar
uma maior quantidade de ar fresco e, portanto, de oxigênio. Entretanto, nas
evidências obtidas no laboratório do āshram, concluímos ser este um erro de
julgamento. Percebemos que o abdome controlado (mantido com um tônus
médio durante a inspiração) permite a captação de mais oxigênio do que o
abdome expandido. No que concerne à interação neuromuscular, a manu-
tenção dos músculos abdominais sob controle leva uma vantagem decisiva
em relação aos músculos abdominais relaxados. Aqui a terminologia utilizada
não é prānāyāma, mas propositadamente respiração profunda. Os efeitos fi-
siológicos do prānāyāma são enormemente diferentes daqueles da respiração
profunda. Assim, deve ficar claro que a utilização de prānāyāma e respiração
profunda como sinônimos é um erro enorme.
Todo o processo da inspiração deve ser suave e uniforme. O som que a
acompanha, em virtude da fricção proporcionada pelo fechamento parcial
da glote, também deve ser de tom baixo, suave e uniforme. Deve-se evitar
cautelosamente toda e qualquer fricção no nariz, especialmente na região ol-
fativa. Esta fricção é frequentemente responsável por distúrbios no cérebro,
causados por práticas equivocadas de prānāyāma. Quando atingido o limite

38  N. R.: Outra analogia que ajuda na compreensão deste recurso durante ujjāyī é imaginar que
se tenta embassar a lente de um par de óculos na expiração, mantendo a glote em posição seme-
lhante durante a inspiração.

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da inspiração, não deve haver nenhum esforço na sua conclusão, de modo a


conseguir fôlego adicional. Nenhuma contração adicional de músculo forne-
cerá nem mesmo um mililitro adicional de ar, além disso, o objetivo da prá-
tica não é conseguir inspirar a maior quantidade de ar possível, como em um
concurso, mas sim em realizar a inspiração ampla e confortável.
A prática de kumbhaka com a realização simultâneo dos três bandhas é
muito perigosa, caso seja feita sem o devido cuidado e precaução. Nenhum
estudioso do Yoga deve tentar este exercício sem o auxílio de um especialista.
Portanto, recomendamos enfaticamente que nossos leitores comecem somen-
te com pūraka e recaka, com duração proporcional de 1:2, respectivamente.
O praticante que visa os aspectos físicos pode obter todas as vantagens que
ele deseja extrair do prāṇāyāma, apenas por meio da prática de pūraka e re-
caka. Até mesmo o praticante que visa os aspectos espirituais pode progredir
significativamente sem a prática de kumbhaka. Desse modo, não deve haver
nenhuma pressa em adotar kumbhaka. Ao se iniciar a prática de kumbhaka,
ela deve se desenvolver lenta e cautelosamente. Kumbhaka é o único aspecto
do prāṇāyāma que exige a maior atenção da parte do praticante do Yoga.
Afirma-se isto com base em estudo prolongado de fatos, não apenas em nos-
sas abrangentes práticas preventivas e curativas da Yogaterapia, mas também
com base em um expressivo número de experimentos de laboratório. Há vá-
rios sādhakas (praticantes fortemente comprometidos com a tradição e a rea-
lização de rotinas diárias muito longas tanto de āsanas quanto de pranayamas
e meditação) que treinam conosco. Observa-se, invariavelmente, que pode se
dar início à atividade de alguns dos mais importantes cakras, apenas com a
prática de pūraka e recaka, sem que se adote kumbhaka. É claro que, para
desenvolvimentos avançados, kumbhaka parece ser essencial. Se, no entanto,
ele for desenvolvido com a devida cautela e atenção, nada haverá de perigoso
em sua realização, ou do prāṇāyāma, como um todo.
A duração do prāṇāyāma deve ser avaliada mentalmente. Tanto os prati-
cantes que visam os aspectos físicos quanto os que visam os espirituais devem
praticar o prāṇāyāma com muita concentração. A mente deve acompanhar
muito atentamente o movimento da respiração. Muitas vezes, a contagem
dos mātrās perturba a concentração na respiração (unidade de tempo em que
o praticante, sentado de pernas cruzadas e com as mãos nos joelhos, estala
os dedos e passa a mão ao redor do joelho, o que corresponde a um pouco
mais de 1 segundo – essa unidade de tempo era utilizada em tempos ime-
moriais pelos antigos yogins para estabelecer as proporções de tempo nos

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 89

prāṇāyāmas). À medida que o praticante que visa aspectos espirituais evolui,


recomenda-se que concentre sua atenção em diferentes pontos tanto interna
quanto externamente ao corpo. A contagem dos mātrās pode causar alguma
distração. Aqueles que conseguirem realizar a contagem sem deixar que sua
concentração seja afetada poderão fazê-lo, caso contrário, a contagem deve
ser deixada de lado por algum tempo, até que possa ser realizada sem que seja
um empecilho.
Recaka deve ser feita pela narina esquerda. O aprendiz deve manter seu
controle sobre os pulmões ao longo de todos os estágios da recaka. O rela-
xamento do tórax deve ser lento e uniformemente progressivo até o final. A
glote deve ser mantida parcialmente fechada todo o tempo. O som friccio-
nal resultante desse fechamento parcial deve ser de um tom baixo, porém
uniforme.
A partir do início da recaka, os músculos abdominais são submetidos a
uma contração crescente. Mesmo quando o tórax se reduz ao seu menor di-
âmetro, o abdome deve continuar a ser contraído até que o último ml de vo-
lume de reserva expiratória seja expelido. Isto não quer dizer que, na recaka,
deva-se submeter o sistema a qualquer tipo de tensão excessiva. Significa so-
mente que a expiração deve ser tão completa quanto se possa conseguir, sem
envolver nenhuma tensão indevida. Os leitores poderão notar, todavia, que
em recaka há uma menor possibilidade de realizar contrações indevidas e
esforço desnecessário do que em pūraka ou kumbhaka. Há outra diferença
que requer atenção. No caso de uma pessoa saudável, se pūraka e kumbhaka
forem realizadas além das proporções corretas, poderão causar mais danos
aos pulmões do que ao coração, enquanto uma recaka profunda demais po-
derá afetar mais o coração do que os pulmões. Recaka deve durar sempre
mais tempo do que pūraka. A proporção ortodoxa entre pūraka e kumbhaka
é 1:2. Deve-se tentar atingir este padrão. É preciso ter em mente também que
recaka nunca deveria ser prolongada a ponto de tornar a próxima inspiração
apressada. De fato, ao estabelecer as proporções das partes componentes de
um prāṇāyāma, isto é, de pūraka, kumbhaka e recaka, deve-se cuidar para
que se possa desenvolver confortavelmente não apenas um prāṇāyāma, mas
todos os prāṇāyāmas subsequentes. Caso em uma sessão se deseje realizar
catorze ciclos de ujjāyī, não se deve sentir a necessidade de realizar uma
respiração normal entre dois ciclos sucessivos, até terminar todos (aqui os
autores dão ênfase ao fato de que as respirações durante a prática não devem
cansar, nem causar desconforto que necessite respirações de estabilização).

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90 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Na prática de prāṇāyāma, não se deve sentir nenhuma sensação de sufoca-


mento, em qualquer de seus estágios, qualquer que seja o número de ciclos
adotado. Portanto, deve-se tomar cuidado não apenas ao estabelecer as partes
componentes de um único ciclo, mas também ao estabelecer o número total
de ciclos almejados para cada sessão.
Os prāṇāyāmas são de importância capital no Yoga. Ela é tanta que, como
se pode deduzir pelos textos tradicionais, muitas autoridades no tema acre-
ditavam que nenhuma outra prática era necessária para a purificação do cor-
po e da mente. (Prāṇāyāmaireva sarve praśuṣyanti malā iti, ācāryāṇāntu
keṣancid-anyat-karma na sammatam - H.Y.P. III-37., isto é, prāṇāyāma, por
si mesmo, é suficiente para a erradicação de todos malas ou toxinas. As-
sim comentam algumas autoridades que sentem que nenhuma outra prática
é necessária.) Pode-se compreender melhor a importância dessa afirmação,
levando-se em consideração as reações tônico-interoceptivas, discutidas an-
teriormente. Deve-se ter em mente que a superfície alveolar dos pulmões
possui, sem dúvida, a mais vasta área interoceptiva do corpo humano. Jun-
tamente com os bronquíolos, os brônquios, a traqueia, a laringe e o nariz
formam o melhor meio de se alcançar o substrato postural fluido, que é es-
sencial para a manutenção do equilíbrio homeostático. Pode-se entender a
importância primordial que o Yoga confere aos prāṇāyāmas ao compreender
que as reações tônico-interoceptivas, que operam por meio do mecanismo
respiratório, possuem um significado especial na manutenção dessa fluidez do
substrato postural. A inervação do sistema respiratório envolve um nível de
atividade nervosa distinta e muito elevada. Sabe-se atualmente que as áreas
controladoras da respiração não estão apenas no bulbo e na ponte, mas em
muitas outras regiões centrais, acima do nível hipotalâmico, assim como nas
áreas corticais médias, basais e subcorticais, capazes de exercer influência
sobre as funções respiratórias. Assim, mesmo no campo neuroanatômico,
pode-se esperar que seja possível uma integração dos impulsos autônomos e
cérebro-espinhais (dos assim chamados mecanismos nervosos involuntários e
voluntários, respectivamente) através do controle da respiração. Mesmo que
isso não ocorra, a respiração representa um grande indicador de diferentes
gamas de comportamento no mundo animal. A relação entre a respiração e
o comportamento está sendo cada vez mais reconhecida no mundo científico
atual. Várias pesquisas foram feitas, com a aquisição de uma boa quantidade
de dados experimentais, acerca das modificações da respiração em resposta à
atenção aumentada, ao estresse mental e a diversos padrões de ações emocio-

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 91

nais e outros comportamentos. Neste sentido, é muito interessante observar


que condições somáticas tais como a tuberculose e a asma brônquica são fre-
quentemente associadas a conflitos de personalidade e, presume-se hoje que
esses conflitos são fatores importantes e considerados precursores dessas do-
enças, como pode ser verificado nos trabalhos de Brown (1933) e de French
et al. (1941). Infelizmente, no entanto, enquanto experimentos e observações
meticulosas estão sendo feitos para analisar os efeitos dos fatores psicogêni-
cos sobre a respiração, o processo inverso, isto é, o efeito das modificações
respiratórias, especialmente da respiração controlada, tal como se advoga no
prāṇāyāma, sobre o substrato psicológico do homem, não está sendo inves-
tigado com a mesma cautela e atenção. O pouco que se fez no Ocidente, até
o momento, acerca dos efeitos da respiração, parece se restringir apenas a
exercícios respiratórios de inspiração e expiração profundas e forçadas, que
visavam, em sua maioria, às modificações bioquímicas deles resultantes nos
diversos sistemas. Nenhuma atenção foi dada, até o momento da confecção
deste livro, às reações tônico-interoceptivas da respiração, que aqui são res-
saltadas, exceção feita ao Dr. Barach, cujo trabalho já foi citado. Os exercí-
cios respiratórios prāṇāyāmicos, que são tão diferentes em seu mecanismo e
nos seus efeitos, não foram reconhecidos dessa maneira no Ocidente e por
isso não foram considerados ou estudados de nenhuma maneira. Os poucos
trabalhos experimentais que foram realizados nesse sentido ocorreram nos la-
boratórios de Kaivalyadhama, em Lonavla, na Índia; porém, mesmo lá, ape-
nas seus aspectos bioquímicos foram estudados, confirmando, por esse meio,
que as descobertas acerca dos efeitos bioquímicos da respiração forçada não
se aplicam aos exercícios prāṇāyāmicos. A especial reivindicação do Yoga
quanto à influência benéfica do prāṇāyāma, tanto nos padrões comportamen-
tais internos quanto nos externos, ainda carece de investigação científica.39
O prāṇāyāma se utiliza de todos eles para a sedação das tensões emocio-
nais. Durante a prática, utiliza-se o controle volitivo para o treino gradual do
centro respiratório, de modo que ele resista a faixas cada vez mais amplas
de variações químicas no sangue e, concomitantemente, se utilize do auxí-
lio de barorreceptores, de modo a produzir uma parada total da respiração,

39  N. R.: Uma busca atualizada no site da National Library of Health dos Estados Unidos, o
pubmed.gov, mostra que há um grande interesse atual na investigação dos efeitos psicofisiológicos
das práticas respiratórias do Yoga. Utilizando-se o termo pranayama como buscador, consegue-se
o retorno de 276 artigos; quando se utiliza pranayama e depression, por exemplo, retornam 37
artigos (busca realizada em março de 2019).

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kevala-kumbhaka: afirma-se que isto faz cair o véu que encobre a luz, isto é,
que encobre a compreensão intuitiva da realidade. O prāṇāyāma é de grande
auxílio na produção de sedação nervosa.
Os antigos yogins parecem reivindicar resultados ainda maiores para o
prāṇāyāma. Eles parecem pleitear que o prāṇāyāma não contribui apenas
para o nādiśuddhi (limpeza dos nādis), mas que ele pode ainda efetuar uma
alteração nas vias pelas quais os impulsos nervosos percorrem o cérebro, re-
sultando em uma mente constantemente estável e equilibrada. Através dos
prāṇāyāmas, praticados corretamente, integra-se adequadamente todo o sis-
tema nervoso e então, os impulsos passam facilmente através de suṣumṇā,
o canal central, após eliminar a oclusão que bloqueava essa passagem. Os
impulsos que, assim, percorrem o canal central, promovem a estabilidade (e
equilíbrio) da mente. H.Y.P. II-41: “Quando o grupo dos nādis se purifica
pela prática regular de prāṇāyama, māruta (prana) pode percorrer suṣumṇā
facilmente.” e II-42: “O equilíbrio da mente ocorre quando vayu transita li-
vremente no canal central. Essa é a condição denominada manonmani, que
ocorre quando a mente se torna tranquila”.
Esses textos tradicionais afirmam que o circuito desses impulsos, normal-
mente, ocorre através das regiões laterais e que isso produz o egocentrismo
e a instabilidade da mente. Se, por outro lado, os impulsos percorressem o
circuito central, isso contribuiria para a paz e o equilíbrio mental. Assim,
as energias mentais poderiam ser facilmente controladas e canalizadas para
fins mais elevados. Normalmente, todavia, esse caminho central permanece
ocluso por kapha. Prāṇāyāma, especialmente em sua variedade bhastrikā
(H.Y.P II 59-67), ajuda a romper essas obstruções e a liberar a passagem,
isto é, ajuda a ativá-la. II-65: “Isso (bhastrikā ) destrói os distúrbios de Vata,
Pitta e Kapha e aumenta o poder digestivo (agni).” e II-66: “Esse processo
rapidamente desperta kundalini, purifica o sistema, confere prazer e é benéfi-
co. Destrói distúrbios de fleuma (muco) e impurezas acumuladas na entrada
de Brahma Nadi.” Uma vez aberto esse circuito central, gradualmente, ele se
estabelece cada vez mais, resultando em estabilidade mental cada vez maior.
A esta altura, é interessante notar que em 1954 o Dr. Heath da Tulane Uni-
versity e seus colegas, trabalhando com os problemas da esquizofrenia, pos-
tularam uma hipótese de dois circuitos separados no cérebro: (1) um circuito
facilitador que corre através da região do septo e, (2) um inibidor que opera
através das regiões laterais. O Departamento de Psiquiatria e Neurologia da
Tulane University realizou um grande trabalho para desenvolver essa teoria,

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 93

cujo racional científico foi apresentado detalhadamente em uma monografia


intitulada Studies in schizophrenia a multidisciplinary approach to mind brain
relationship – Estudos em esquizofrenia: uma abordagem multidisciplinar
para o relacionamento mente-cérebro. A hipótese foi testada por mais de um
ano em seres humanos, uma vez que estes podem externar o que se passa em
suas mentes, com o implante de eletrodos em regiões subcorticais e com a
estimulação dessas regiões através de eletrodos profundos. Segundo os auto-
res, esta última técnica, no entanto, ainda era incipiente e pouco satisfatória.
Ainda assim, o trabalho realizado até aqui foi suficiente para indicar a possi-
bilidade dos dois circuitos por eles postulados.
O circuito central sugerido pelos antigos yogins pode não ser exatamente
o septal. (Os autores afirmam que juntamente à ativação do circuito central,
há também a cessação da respiração).
Para ser mais exato, os antigos adeptos do Yoga postulavam dois circuitos
cerebrais latentes nos seres humanos:

1) O circuito central – madhya patha e


2) O circuito superior – ūrdhva patha.

Supõe-se que o estágio de samādhi seja atingido com a ativação deste


último. É muito difícil localizá-los, em bases meramente neuroanatômicas.
No entanto, ao considerar os caminhos suprabulbares da inervação respi-
ratória, parece muito plausível a afirmação empírica desses adeptos, no sen-
tido de que o prāṇāyāma pode ativar novos circuitos de impulsos. Todavia,
isso deve ser investigado e testado rigorosamente. Caso o método da aborda-
gem multidisciplinar seguido pelo grupo de cientistas da Tulane University
fosse aplicado a alguns praticantes avançados de Yoga, poder-se-ia chegar
a descobertas muito interessantes que ajudariam a compor uma explicação
racional daquilo que os antigos adeptos yogins reivindicam como sendo os
efeitos do prāṇāyāma.
Patañjali afirma que o prāṇāyāma realizado adequadamente pode que-
brar as barreiras que mantém o ser humano nas trevas, isto é, ele pode abrir
as portas que conduziriam à autorrealização. (tataḥ prakāśāvaraṇakṣayaḥ).
Já foi feita referência à existência de centros suprabulbares, subcorticais e
corticais, destinados à regulação da respiração. Um desses centros, responsá-
vel por interromper a respiração, localiza-se próximo à extremidade do lobo
temporal. Caso ocorra uma cessação momentânea dos impulsos respiratórios,

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como em kevala kumbhaka, isto pode ser devido a esse centro. Descobriu-se,
também, que a extremidade do lobo temporal contém o centro da consciên-
cia do ego. Talvez seja a proximidade entre esses dois centros que torna o
prāṇāyāma tão importante para os yogins pois, de acordo com eles, a ces-
sação da respiração também produz a cessação da consciência do ego, que é
considerado a semente de toda a dicotomia do pensamento ou do comporta-
mento do homem. A predominância indevida de ativação dessa consciência
do ego é a responsável por muitas condições neuróticas.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 95

Capítulo IV

Outros procedimentos terapêuticos do Yoga e princípios da


dieta yogin

Outros procedimentos de terapia yogin consistem de muitos tipos de la-


vagem e processos especiais de aclimatação. A seguir alguns desses métodos
mais importantes serão estudados.

I. Higiene do nariz e da faringe

• Nariz

O nariz é a primeira porta de entrada do sistema respiratório; também é


uma das extremidades terminais do corpo, tal como as orelhas e as pontas
dos dedos. Tal como foi ressaltado no capítulo anterior, de modo a poder
adaptar o corpo às variações de temperatura ambiental, o sistema vasomotor
recorre alternadamente à vasodilatação e à vasoconstrição. Isto ocorre mais
marcadamente nas extremidades do corpo. Qualquer desarranjo do mecanis-
mo, tal como a vasodilatação nas extremidades e vasoconstrição proximal
em arteríolas e vênulas, produz congestão, o que perturba os ciclos naturais
dos processos de vasodilatação e de vasoconstrição. É isso que acontece com
frequência em doenças psicossomáticas e assim se inicia um ciclo vicioso. Os
vírus estão sempre presentes no ar, aninhando-se bem nas mucosas conges-
tionadas do nariz, para se estabelecer e se procriar. Naturalmente, com esse
processo, essa membrana se torna mais irritadiça, dando lugar a espirros e
aumento de fluxo de muco (coriza) pelo nariz. Essa é a tentativa inicial da
natureza para expulsar os organismos agressores, o que somente terá sucesso
se a irritação for temporária e o fator irritante for removível. Porém, sempre
que a congestão persistir, esse processo de erradicação de material agressor
falhará e a congestão crônica dá continuidade ao ciclo vicioso, produzindo o
que se conhece por rinite crônica.
Os fatores que afetam os ciclos vasomotores são:

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• Mudanças de temperatura e de pressão osmótica;


• Umidade relativa do ar e
• Pó e outras partículas em suspensão no ar.

O pó e outras partículas não apenas irritam as membranas mucosas, mas


apresentam característica abrasividade, produzindo lesões superficiais. Estes
e os fenômenos congestivos são os principais fatores que predispõem a muco-
sa às reações inflamatórias.
O método lógico de prevenir essa eventualidade é aclimatar a mucosa na-
sal a esses vários fatores. O Yoga realiza isso através de processos que se
chamam neti e kapālabhāti.
Atualmente, os termos parecem ter se confundido. Tal como se mostra
nos textos ortodoxos, a interpretação mais correta do termo neti é a de um
processo utilizado para influenciar a mucosa, tornando-a forte e resistente aos
efeitos do atrito do pó e de outras partículas. O termo kapālabhāti deveria
ser usado para a limpeza da mucosa com água e correntes forçadas de ar.
Atualmente, entretanto, o termo kapālabhāti é usado apenas para esse último
processo, isto é, o da purificação com o ar e a palavra neti para indicar a lim-
peza com água, bem como a massagem friccional da mucosa nasal. Assim,
hoje em dia, tem-se:

• Jalaneti – limpeza do nariz com água;


• Sūtraneti – fortalecimento e aclimatação das membranas mucosas ao
pó e
• Kapālabhāti – limpeza do nariz e dos seios nasais com ar.

De acordo com os textos ortodoxos, os processos seriam, respectivamente:

• Jala kapālabhāti;
• Neti e
• Vāta kapālabhāti.

Jala neti (jala kapālabhāti)

A maneira ortodoxa de se lavar o nariz com água é a seguinte:

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 97

• Vyutkrama kapālabhāti

Coloque água na mão em concha, segurando-a acima do lábio superior,


tocando o nariz. Abaixe o palato mole, assim como a mandíbula inferior.
Isso promove uma curvatura do assoalho nasal, de modo que a água, ao ser
sugada, flua apenas ao longo do assoalho, sem irritar as papilas olfativas supe-
riores. Dessa maneira, sugue a água até a boca e, então, jogue-a fora. Repita
o processo duas ou três vezes. A melhor posição para se fazer isso é com a
cabeça um pouco curvada para frente e para baixo, com a flexão do pescoço.

• Seetkrama kapālabhāti

Limpe a boca, gargarejando com água limpa uma ou duas vezes. Depois
disso, encha a boca com água, adote a mesma posição de palato e mandíbula
anteriormente descritas (abaixados). Então, curve-se um pouco para frente e
para baixo, assopre pelo nariz, empurrando, ao mesmo tempo, a água de volta
à boca (para isso, toque a parte de trás da língua na parte posterior do palato
duro, tal como se faz ao emitir um som gutural). Dessa forma, a água fluirá
para fora ao longo do assoalho nasal.

Esses são os dois processos técnicos ortodoxos do jala kapālabhāti ou


lavagem do nariz com água.

• Jalaneti moderno

Um iniciante poderá recorrer à lavagem do nariz com um recipiente de ali-


mentação (atualmente chamamos de canequinha, enquanto outros preferem
o termo em híndi lota, que pode ser usado para qualquer recipiente, como
uma panela ou uma bacia). É adequado escolher um que não tenha ponta no
bico. Incline a cabeça para o lado e um pouco para frente, inserindo o bico
na narina que ficou mais elevada. Abra a boca para respirar, enquanto derra-
ma a água no nariz. Isso faz com que a água flua para fora através da outra
narina. Um pouco de água poderá fluir através da boca também – essa água
não precisa ser deglutida, mas sim expelida. Repita o mesmo processo para
o outro lado, inclinando a cabeça no sentido oposto, trabalhando através da
outra narina.

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98 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Uma breve observação quanto à água usada nestes três processos

Mistura-se sal à água, numa concentração que pode variar desde hipertô-
nica até hipotônica. A temperatura da água também pode variar desde morna
(de fato, suportavelmente quente) até fria. De início, entretanto, utiliza-se
água tépida (na temperatura do corpo) com salinidade normal. A concentra-
ção da solução e sua temperatura são elevadas gradualmente até hipertônica e
morna (quente) dentro de limites toleráveis e, mais tarde, abaixadas a um ní-
vel hipotônico e frio, até que finalmente se possa utilizar, para esse propósito,
água comum fria, sem irritação das membranas mucosas do nariz.
A ideia subjacente a esse processo todo não é apenas limpar o nariz, mas
aclimatar sua mucosa às variadas mudanças na temperatura e na pressão os-
mótica do ar ambiental. Um nariz assim aclimatado estará naturalmente apto
a adaptar seu ritmo vasomotor às inclemências do clima.

• Sūtra neti (neti, de acordo com a terminologia ortodoxa)

O antigo método ortodoxo utilizava um feixe de fibras de algodão, com


comprimento aproximado de meio metro, retorcendo-se a terça parte inicial
do mesmo, embebendo-a em cera quente de abelhas e deixando esfriar de
modo que se tornasse uma corda firme, porém maleável. A isso denominava-
-se sūtra neti ou neti e a ação de massagear e esfregar com ele as membranas
mucosas das narinas levava o nome de neti kriya ou, simplesmente, neti. Os
outros dois terços formavam um longo tufo ou borla de fibras soltas.
No processo ortodoxo, passava-se a ponta encerada por uma das nari-
nas, ao longo de seu assoalho, adotando-se a mesma posição de nariz, tal
como descrita anteriormente, isto é, abaixando-se o palato mole e a mandí-
bula (boca bem aberta). À medida que se sentia a ponta na parte de trás da
garganta, abria-se a boca e inseriam-se dois dedos na boca, até a garganta,
na abertura da faringe, preferencialmente o indicador e o médio (alguns utili-
zavam o polegar e o indicador), agarrando a ponta da fibra e puxando-a para
fora. Quando a totalidade da parte dura saía das narinas e da faringe, então,
segurava-se com a outra mão a ponta solta da borla restante do neti, que havia
ficado para fora do nariz, puxando-a para frente e para trás e, finalmente, após
dez a quinze fricções, puxava-se a ponta dura completamente para fora, pela
boca, retirando-se o neti da passagem nasal. Então, ele era lavado com água
limpa, para se repetir o processo através da outra narina, da mesma maneira.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 99

Esse era um processo rústico para fortalecer a membrana mucosa do nariz,


de modo que ela pudesse resistir à fricção de partículas abrasivas de pó etc.
Era feito dessa forma antes que a borracha fosse conhecida. Hoje, pode-se
utilizar os catéteres uretrais de borracha, disponíveis em diversos tamanhos.
Em geral os tamanhos 5 e 6 do sistema inglês são adequados. Esse material
pode ser esterilizado e lavado, tornando o processo mais higiênico. O uso
deste neti, como descrito acima, auxilia no fortalecimento da mucosa nasal
e faz com que ela seja menos vulnerável às irritações de partículas de pó e
alterações climáticas.

• Vāta krama kapālabhāti (ou apenas kapālabhāti como em geral é


conhecido)40

Este processo nada mais é do que uma rápida e repetida ação de assoprar o
nariz, sem submetê-lo a nenhum tipo de pressão contrária (como normalmen-
te se faz ao apertar levemente o nariz). Considera-se que o método comum de
assoar o nariz seja responsável por muitas das complicações da rinite crônica,
por exemplo, a sinusite, desvios do septo etc., que, por sua vez, somam-se
em um ciclo vicioso. A ação de apertar o nariz, juntamente com a mucosa
inflamada e congestionada, impede que as secreções sejam expulsas e estas,
submetidas dessa maneira a pressões de ambos os lados, são naturalmente
empurradas para os vários seios nasais, o que faz com que a infecção se alas-
tre para esses locais de difícil acesso e limpeza. Da mesma forma, a pressão
elevada que se exerce sobre a narina que está congestionada, durante esse
assopro, é aplicada ao septo central, empurrando-o para o outro lado e, caso
esse processo se repita frequentemente, produzirá um desvio.
No kapālabhāti as narinas são mantidas bem abertas. Elas devem ser pre-
viamente limpas e desobstruídas de seus materiais congestionantes através
dos netis. O praticante assopra com força, por meio da contração das partes
baixa e intermediária do abdome. No processo, o ânus e o assoalho pélvico
também são contraídos automaticamente, mas é melhor atentar para isso e
auxiliar o processo voluntariamente, contraindo a região e elevando o diafrag-
ma pélvico. Isto, por sua vez, incrementa a força de expiração e de assopro,

40  N. A.: O Gheranḍa Samhitā confere esse nome à respiração alternada descrita no tópico
prāṇāyāma. A exceção é que, nele, não há retenção da respiração. Esta acima é a forma de
kapālabhāti tradicionalmente aceita em toda a Índia.

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100 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

esvaziando os pulmões. Imediatamente depois disso, relaxa-se completa e


rapidamente toda a região abdominal, de maneira que e o ar atmosférico en-
tre nos pulmões automaticamente, sem esforço do praticante, passivamente;
imediatamente, recorre-se a uma segunda contração expiratória, tal como a
anterior; os ciclos se repetem numerosas vezes, entre dez e vinte, em geral
a uma frequência de cerca de duas expirações por segundo. Durante todo o
processo, o tórax deve ser mantido tão imóvel quanto possível, pois a expan-
são do tórax se contraporia à pressão exercida para cima durante a expiração.
Do contrário, a tendência natural seria a de elevar e expandir o tórax a cada
contração dos músculos abdominais. Isso elevaria as laterais do diafragma,
tendendo a estendê-lo, em vez de empurrá-lo para cima; o tórax expandi-
do, também, espalharia a pressão para todos os lados, dissipando assim, seus
efeitos. Em vez disso, caso o praticante não permita que o tórax se expanda,
quando o abdome se contrair, só a parte central do diafragma será pressio-
nada para cima, conferindo um direcionamento axial ascendente à força do
assopro, incrementando a força da corrente de ar que passará através das
narinas.
O objetivo neste kapālabhāti é sujeitar as narinas a uma corrente de ar
intensa que, com sua passagem nas vias aéreas, exerça uma sucção em todas
as frestas das narinas, bem como na abertura dos seios nasais, evaporando seu
conteúdo e auxiliando a drená-los. Assim, kapālabhāti, como o próprio nome
sugere, deve clarear, isto é, limpar o encéfalo, kapāla ou o crânio. Em seu uso
comum, o termo kapāla denota a fronte. Assim, o termo kapālabhāti indica
um exercício que clareia e limpa a fronte, significando com isso suas partes,
tais como os seios, as cavidades nasais etc., que são passíveis de congestão e
infecção. A descrição a seguir explicará como isso ocorre.
No intervalo entre o jala-neti e o kapālabhāti, aconselha-se realizar dois
ou três longos uḍḍiyānas. A pressão negativa gerada pelo uḍḍiyāna-bandha,
exerce uma sucção nas fossas nasais e extrai toda a água residual que poderia
ter permanecido obstruindo seu interior. Tendo feito isso, muito pouca água
ou secreção restará nas narinas, para ser drenada pelo kkpālabhāti e, desse
modo, seu efeito se intensificará nos seios nasais.

• Faringe

O Ayurveda denomina a faringe saptapatha, isto é, uma praça, para a


qual se abrem sete ruas (sapta – sete, patha – caminhos), duas entradas na-

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 101

sais, duas trompas de Eustáquio (atualmente denominadas tubas auditivas)


que conduzem à orelha média, o esôfago, a traqueia e a boca. As tonsilas
palatinas (vulgarmente chamadas de amígdalas) são as guardiãs do portal que
se abre para a boca. O leito tonsilar41 em que as tonsilas estão instaladas é for-
mado por um compacto feixe de vários músculos que se entrecruzam. Estes
músculos faríngeos são usados para abrir a boca e para mastigar. Arteríolas
e vênulas que, respectivamente, abastecem e drenam as tonsilas, atravessam
as dobras desse compacto leito de músculos. Infelizmente, os hábitos civi-
lizados de alimentação cozida e tenra fazem com que o homem raramente
precise morder ou mastigar com força. Assim, esses músculos são muito pou-
co utilizados em toda sua capacidade. Quando as tonsilas se infeccionam,
particularmente caso a infecção seja um pouco mais longa, a inflamação que
se espalha nesse leito tonsilar provoca uma situação peculiar: o músculo infla-
mado comprime as arteríolas e as vênulas, impedindo que as tonsilas recebam
um bom suprimento de sangue, quando mais elas o necessitam. O processo
se complica adicionalmente com a adesão fibrosa que se desenvolve nessas
dobras devido à infecção crônica. Isto acarreta a constrição de arteríolas e
vênulas, de modo que as tonsilas ficam ainda mais carentes de suprimento
sanguíneo (baixa perfusão). Esse fato enfraquece ainda mais a resistência dos
tecidos, tornando-os mais vulneráveis à septicemia, ou infecção generalizada.
Essa é uma situação muito ruim, porque as tonsilas são, reconhecidamen-
te, as sentinelas que guardam o portal desta grande abertura para o trato respi-
ratório, assim como para o digestório. Essa infecção crônica pode se espalhar
adicionalmente para os tecidos vizinhos, provocando a faringite crônica que,
por sua vez, pode afetar as aberturas das tubas auditivas. Isso leva ao que se
conhece por surdez catarral e zumbidos. Adesões fibrosas bloqueiam as tubas
auditivas, impedindo que o ar passe por elas. Essa passagem do ar é essencial
para a manutenção de pressão equilibrada em ambos os lados do tímpano,
isto é, na orelha média e externa. Normalmente, o fluxo de ar acontece toda
vez que a deglutição acontece, mantendo uma quantidade igual de pressão em
ambos os lados do tímpano, tornando-o assim, sensível às vibrações do som.
Essa perturbação no mecanismo de pressão nos dois lados do tímpano provo-
ca a surdez catarral. Uma complicação adicional ocorre quando a infecção é
levada à orelha média, através das tubas auditivas. Ali se forma pus e, quando

41  N. T.: Também denominada fossa amigdalina.

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102 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

ele não encontra saída, a pressão do fluido irrompe pelo tímpano ocasionando
uma secreção crônica através do ouvido (otorreia).
Este é um histórico resumido da faringite e da tonsilite (amigdalite) crô-
nicas e de suas complicações. A partir dessa descrição, é fácil concluir que a
melhor profilaxia é assegurar um bom suprimento de sangue às tonsilas, por
meio do exercício dos músculos faríngeos. O Yoga faz isso recorrendo a dois
excelentes exercícios denominados jihvā bandha e siṃha mudrā.

• Jihvā bandha ou trava de língua


Para realizar esta técnica, eleve a língua, fazendo com que ela exerça pres-
são sobre o palato. Toda a superfície da língua, isto é, desde a raiz da língua
até a ponta, deve exercer pressão sobre as partes mole e dura do palato. Deve-
-se dar muita atenção à compressão da raiz da língua no palato mole. De iní-
cio, o praticante poderá ter o reflexo de uma ou duas tossidas, porém, isso ces-
sará. A língua é um pouco retraída, de modo que suas extremidades toquem
a margem alveolar da mandíbula superior, logo atrás dos dentes. Então, abra
a boca tanto quanto possível, sem que a língua se desprenda do contato com
o palato. Isso exerce uma forte tração no freio da língua. Porém, esta não é a
parte mais importante do exercício. A parte essencial é a de se sentir a tração
no assoalho da abertura faríngea e até mesmo na parte superior do pescoço.
Deve-se notar que, devido a seu efeito mecânico, jihvā bandha pode ser
considerado um substituto para o jālandhara bandha e esse efeito é que im-
porta do ponto de vista fisiológico. De fato, pode-se executar jihvā bandha
bem firme sem abrir a boca. Sempre que se recorre ao jihvā bandha durante o
prāṇāyāma, a boca fica fechada. O que torna essa trava perfeita é a compres-
são entre a raiz da língua e o palato mole. Assim, trata-se de uma trava que se
forma pelo firme posicionamento de três estruturas: a parte de trás da parede
faríngea; o palato mole e a raiz da língua. Como se pode imaginar, isto coloca
em ação praticamente todos os músculos faríngeos.

• Siṃha mudrā ou símbolo do leão


Abra bem a boca e projete a língua para fora, tanto quanto possível, ten-
tando fazer com que sua ponta toque a parte mais baixa do queixo, a margem
inferior da mandíbula. Ao mesmo tempo, os olhos se fixam em um ponto
entre as sobrancelhas.
Em geral, recorre-se ao siṃha mudrā na postura siṃhāsana. As pernas
se cruzam nos tornozelos, trazendo-se ambos os calcanhares sob o períneo,

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 103

acocorando-se nos joelhos. Isto é conhecido como o agachamento do alfaia-


te42. Posiciona-se as mãos sobre os joelhos, com os dedos estendidos e o
corpo todo se tenciona. Durante a realização de siṃha mudrā, realiza-se ain-
da jālandhara bandha, isto é, a trava-de-queixo. As principais contrações
corporais ficam a cargo da compressão das mãos nos joelhos, que auxiliam na
elevação dos ombros (aumentando o diâmetro craniocaudal do tronco) e na
contração abdominal, para a expiração forçada, realizada pela boca, enquanto
o praticante imita o rugido do leão.
Siṃha mudrā é parte integrante de siṃhāsana, mas poderá ser praticado
separadamente como um exercício faríngeo, tal como acima descrito.
Quem executa o siṃha mudrā sente como ele exercita bem os músculos
da faringe. Além disso, a dupla de práticas jihvā bandha e siṃha mudrā é boa
não apenas por exercitar os músculos da parede faríngea, mas também por
ajudar a quebrar a adesão fibrosa que pode ter se desenvolvido nela.
Em geral, na tonsilite crônica, aconselha-se também a prescrição de gar-
garejos salinos. Eles têm um melhor efeito se as tonsilas forem massageadas
anteriormente com uma pasta preparada com os seguintes ingredientes: pó
de myrobalan43 (ou triphalā cūrṇa), açafrão da terra em pó e sal em rocha
(saindhava). Em partes iguais, estes ingredientes são misturados e transfor-
mados em uma pasta pela adição de mel. Com ela, massageiam-se as tonsilas
de baixo para cima, fazendo com que as secreções encontrem saída pela boca
aberta.
O açafrão da terra é um bom agente cauterizante. O sal de rocha propor-
ciona a elevação da pressão osmótica, exercendo uma sucção sobre as tonsi-
las. O pó de myrobalan é adstringente e o mel possui propriedade curativa
desinfetante. Assim, a pasta é uma combinação muito boa para aplicação e
massagem nas tonsilas.
Depois da massagem, deve-se gargarejar com água morna, o que ajuda a
lavar completamente as regiões friccionadas e também se presta como uma
aplicação de calor. Complementa-se o processo com a realização de jihvā
bandha e siṃha mudrā.
Como forma de exercício, jihvā bandha e siṃha mudrā são praticados

42  N. T.: No original em inglês: Taylor’s Squat.

43  N. T.: Pó de terminalia chebula possui propriedades antibacterianas, muito utilizado na na-
turopatia indiana.

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104 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

alternadamente, executando cada um deles por dois ou três segundos. Três


rodadas dos dois juntos compõem uma boa prática para o iniciante; adicio-
nando uma rodada por semana, chega-se a seis rodadas, que constituem uma
prática normal. Os benefícios advindos da execução desse par de práticas se
intensificam quando elas são realizadas em conjunto com o seguinte exercí-
cio, que ajuda a tonificar os músculos do pescoço:

• Brahma mudrā

Esta prática recebe esse nome por simbolizar as quatro cabeças de Brahmā,
um dos deuses da trindade hinduísta. Neste exercício, vira-se a cabeça para a
esquerda, para a direita, para trás e para frente.
Lentamente, solte a cabeça para trás, estendendo o pescoço até o limite de
sua mobilidade e direcione o olhar para a ponta do nariz, pressionando firme-
mente os dentes entre si. Mantenha a cabeça relaxada nessa posição por dois
ou três segundos. Então, lentamente, leve a cabeça para baixo e pressione o
queixo contra a parede do tórax (osso esterno). Dirija o olhar para um ponto
entre as sobrancelhas (a raiz do nariz), novamente com os dentes firmemen-
te pressionados, mantenha o pescoço flexionado e relaxado por dois ou três
segundos. Traga a cabeça à posição inicial, neutra e, então, gire-a lentamente
para a direita, tanto quanto possível, procurando trazê-la por sobre o ombro,
com o pescoço ereto. Não incline a cabeça neste processo. Procure olhar
para trás pela direita, tanto quanto possível, mantendo essa posição por dois
ou três segundos. Então, retorne a cabeça lentamente para frente e repita da
mesma maneira para o lado esquerdo, isto é, dirigindo o queixo em direção
ao ombro esquerdo e o olhar para a esquerda tão para trás quanto possível.
Mantenha esta posição por dois ou três segundos e então traga a cabeça de
volta à posição inicial. Isto constitui uma rodada completa de brahma mudrā.
Para começar, três rodadas serão suficientes, adicionando uma rodada por
semana, chega-se a seis rodadas, que constituem uma dose normal.
Brahma mudrā não apenas tonifica os músculos do pescoço, mas também
descongestiona as partes que o constituem, produzindo uma boa circulação
nas regiões superiores.
Com todos esses efeitos, os netis, o kapālabhāti e os outros exercícios
mencionados anteriormente constituem um bom tratamento local para as do-
enças crônicas de ouvido, nariz e garganta.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 105

II. A higiene gástrica

No Yoga há vários métodos aos quais o praticante pode recorrer para a


lavagem e o recondicionamento do estômago. Os principais são:

• Danḍa-dhauti – Lavagem gástrica com auxílio de um tubo (danḍa).


• Vastra dhauti – Limpeza gástrica com massagem de suas paredes com
uma longa faixa de tecido fino.
• Vamana dhauti – Estimulação intencional do reflexo de vômito.
• Gajakarani ou kunjara kriyā – Expulsão controlada do conteúdo
gástrico.

Estes procedimentos são utilizados em casos de desarranjos gástricos,


bem como respiratórios, tais como bronquite crônica, asma etc. Tais lava-
gens gástricas estimulam, por reflexo, a liquefação de secreções respiratórias
e auxiliam a expectoração. Descobriu-se também que, na maioria das doen-
ças respiratórias, há uma tendência geral no sentido do aumento de secre-
ções mucosas por todo o corpo; as secreções gástricas, na maioria desses
casos, são expelidas na forma de um fluido grosso e pegajoso. Ao contrário
da prática comum da medicina ortodoxa, que prescreve lavagens estomacais
frequentes para a hiperacidez, o Yoga as prescreve para a hipoacidez, pois
em toda hipoacidez, o estômago tem a tendência de secretar muco adicional.
Com a remoção desse muco e com a estimulação das paredes gástricas com o
vastra dhauti, o estômago funciona melhor. O Yoga não recomenda lavagens
frequentes para a hiperacidez, a não ser como medida de alívio momentâneo.
Por outro lado, recomenda métodos sedativos e a ingestão de substâncias
anfotéricas44, tais como o leite, juntamente com ghee45, de modo a inibir a
secreção de ácido.

44  N. T.: O termo anfi denota duplicidade. Em química se diz de um composto que pode agir
tanto como um ácido quanto como uma base. Por exemplo, o hidróxido de alumínio é anfotérico:
como uma base Al(OH)3 reage com um ácido formando íons de alumínio; como um ácido H3A-
lO3 reage com uma base formando aluminatos.

45  N. T.: Manteiga clarificada.

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• Danḍa-dhauti

É realizada com um tubo de borracha de aproximadamente um metro


de comprimento, com circunferência equivalente àquela do dedo mínimo.
Primeiramente, esterilize o tubo, mantendo-o pronto para o uso em um reci-
piente fechado e limpo.
Antigamente, era comum o uso da raiz da Figueira de Bengala (Banyan
Tree), com um pouco mais de um metro, ou uma nervura de folha de bana-
neira do mesmo tamanho. No caso de uso da raiz, ela era desbastada para
ficar lisa e era mantida de molho em água de um dia para o outro, de modo
a torná-la macia e maleável. No outro caso, passava-se a nervura da folha de
bananeira sobre o fogo, o que a tornava suficientemente maleável. Elas eram
descartadas após o uso, colhendo-se novas a cada repetição da técnica. Caso
nenhuma delas estivesse disponível, fazia-se uma corda macia, com compri-
mento de pouco mais de um metro, com espessura equivalente à de um dedo.
Ela devia ser limpa e fervida sempre antes do uso. Atualmente, utiliza-se um
tubo de borracha, visto que pode ser bem esterilizado e tem grande durabili-
dade. Sempre que se utilizam artigos de borracha há a necessidade de esticá-
-los para verificar se não há fissuras, do contrário, poderão ocorrer acidentes
com rompimento durante o procedimento.
Para iniciar o procedimento, beba tanta água morna e salina quanto possí-
vel (digamos 4 a 5 canecas grandes) e, então, após lavar muito bem as mãos,
pegue o tubo de borracha e o introduza além da glote. Depois disso, faça
movimentos constantes de deglutição enquanto empurra lentamente o tubo
no sentido do estômago. De início, poderá haver alguma ânsia de vômito, por
alguns dias, que diminuirá à medida que o tempo passa, de modo que, após
algum tempo, a garganta estará tão acostumada que aceitará o tubo sem qual-
quer reclamação. Não se deixe desencorajar por essa ânsia de vômito inicial.
A melhor maneira de evitá-la, ou de diminuir essa tendência é iniciar a prática
expirando pela boca bem aberta. No início, a água bebida previamente pode
começar a sair pela boca em golfadas, caso haja ânsias. Não se preocupe com
isso, pois a ideia é expulsar toda a água, seja pela boca, seja pelo tubo. Depois
de algum tempo, no entanto, quando cessarem as ânsias, a água começará a
sair apenas pelo tubo, quando este alcançar o estômago e, a partir de então, o
fluxo será mantido pelo efeito sifão. Caso o fluxo se interrompa abruptamen-
te, seja porque o tubo tenha se dobrado, seja pela interrupção do efeito sifão,
mova o tubo para cima e para baixo no esôfago, para permitir que a expulsão

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 107

da água se inicie novamente. Você aprenderá a fazer isso com facilidade den-
tro de poucos dias e, a partir de então, a técnica ficará muito fácil, ainda que,
de início, pareça difícil e repugnante!
Devido ao seu calor, a água quente possui uma influência liquefaciente
reflexa sobre todas as secreções. Quando o praticante passa o tubo (danda)
pelo esôfago, isso estimula as paredes da traqueia (o tubo da respiração). A
ação esofágica se reflete na traqueia, ajudando a expelir o catarro do tórax.
Assim, este procedimento não ajuda apenas como uma lavagem gástrica, mas
também como um bom expectorante. A ânsia de vômito (reflexo) relaxa as
paredes dos brônquios e as abre de modo a permitir que as secreções saiam.
Na crise de asma, em especial, as paredes dos brônquios sofrem espasmo e
o muco obstrui a passagem de saída do ar, formando-se uma válvula que só
permite passagem em um sentido, o da entrada. Uma pessoa asmática, sen-
tindo que uma crise se aproxima, pode executar danḍa-dhauti nos primeiros
sintomas de dificuldade respiratória, de maneira a prevenir uma crise iminen-
te. Esta é uma experiência comum para os pacientes de asma, submetidos ao
tratamento yogin. (Caso o conteúdo de muco no estômago seja muito grosso
e pegajoso, melhor que uma solução meramente salina, será a utilização de
uma solução com bicarbonato de sódio. Esta substância não apenas ajuda a
dissolver o muco, mas também o gás de ácido carbônico que ele libera ajuda
a estimular as paredes gástricas, aumentando sua atividade.)

• Vastra dhauti

É realizada com uma faixa de tecido de musseline (algodão) longa e ma-


cia, com cerca de 7 m de comprimento e 6 cm de largura. A faixa deve ser
esterilizada e guardada em um recipiente fechado, limpo e esterilizado.
Em geral, executa-se vastra dhauti depois de danḍa dhauti, mas isso não
é uma regra. Lave bem as mãos, gargareje e lave bem a boca (caso não tenha
realizado danḍa dhauti anteriormente) e então, abrindo o recipiente, pegue
uma das pontas da faixa de tecido. Segurando a ponta entre o dedo indicador
e o dedo médio, insira os dedos pela boca até a garganta e deposite ali a pon-
ta, fazendo ao mesmo tempo um movimento de engolir. Tal como no caso
de danḍa dhauti, aqui também poderão ocorrer ânsias de vômito. Isso pode
ser evitado molhando-se a ponta do tecido em leite com açúcar. Isso a torna
mais palatável e aceitável à garganta, que engole a peça facilmente. Caso
haja qualquer tendência ao vômito, o praticante deve parar e ficar quieto por

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108 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

algum tempo e começar a engolir novamente, quando tudo estiver aquietado.


O truque está em influenciar a garganta, insistente e persuasivamente e o pra-
ticante se surpreenderá ao perceber quão rapidamente ela se tornará dócil,
aprendendo a engolir todos os sete metros do tecido, suave e tranquilamente,
em questão de poucos dias!
ATENÇÃO! Entre o estômago e o início do intestino existe uma válvula
muscular denominada piloro. Este músculo circular, ou seja, esfíncter, é in-
voluntário e se abre a cada 15 a 20 minutos, variando de pessoa para pessoa.
Quando aberto, possibilita o esvaziamento do conteúdo gástrico, permitindo
que objetos de tamanhos variados passem por ele, inclusive de formato e
tamanho semelhante aos de uma moeda grande; entretanto, quando fechado,
este esfíncter não permite nem a passagem de líquidos. Dessa forma, o tem-
po destinado a todo o processo de vastra dhauti não deve exceder 15 a 20
minutos no total, visto que a partir daí a saída pilórica do estômago poderia
se abrir e uma parte da dhauti pode passar para o duodeno. Se isso aconte-
cer, será difícil retirar a faixa, pois ela estará presa no esfíncter pilórico. O
esforço poderá rasgar a dhauti ou danificar os tecidos corporais, provocando
sangramento. Assim, para evitar esse inconveniente é melhor retirar a dhauti
após cerca do décimo oitavo minuto, qualquer que seja o comprimento que o
praticante tenha conseguido engolir.
Retirá-la é muito fácil. O praticante apenas exerce um leve puxão na faixa
e ela, imediatamente, começa a sair suavemente, pois nesse momento ela está
bem lubrificada pelo muco do estômago.
Quando a vastra dhauti alcança o estômago, ela forma uma bola, devido
aos movimentos peristálticos rítmicos das paredes estomacais, que a compri-
mem e apertam periodicamente. A própria inserção da dhauti atua como um
estimulante para as paredes do estômago. A ação das paredes estomacais na
bola da dhauti as estimula mais ainda, pois, cada vez que a bola entra em con-
tato com elas, sua trama e urdidura possui um efeito de sucção nas paredes,
limpando por esfregamento o muco excedente que as reveste. A compressão
e descompressão alternada das dobras da bola da dhauti também tem efeito
similar. O resultado final é a limpeza das paredes estomacais deixando-as
livres de todo o revestimento de muco excedente e estimuladas para um bom
movimento peristáltico.
Enquanto danḍa dhauti tem efeito apenas no muco misturado ao conteú-
do estomacal, vastra dhauti permite uma massagem das paredes estomacais,

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 109

limpando-as e retirando o muco excedente que as reveste e que obstrui sua se-
creção natural de sucos gástricos, estimulando-as à ação peristáltica normal.
Ambas as técnicas, danḍa dhauti e vastra dhauti, possuem grande valor
ao remediar condições dispépticas.46 É de conhecimento geral que muitas das
doenças respiratórias e até mesmo algumas doenças cardíacas são agravadas
por condições dispépticas do estômago. No entanto, como afirmado de início,
a Yogaterapia não tem por costume prescrever esses dois dhautis para a hipe-
racidez estomacal, com exceção aos propósitos meramente aliviatórios. Isso
porque toda lavagem desse tipo estimula as glândulas estomacais a produzir
mais secreções, o que apenas agrava a situação em longo prazo. A utiliza-
ção de loções de bicarbonato de sódio complica ainda mais a situação, pois,
apesar de neutralizar as secreções ácidas momentaneamente, há a liberação
de ácido carbônico em forma de gás a cada vez que a pessoa ingere o bi-
carbonato, o que irrita a mucosa estomacal e agrava a tendência à secreção
ácida. Por isso, os terapeutas yogins não aprovam as lavagens gástricas como
procedimento para o tratamento de condições de hipercloridria e de úlcera
péptica. Em vez disso, eles recomendam uma dieta altamente proteica, para
a utilização dos ácidos, com um conteúdo adequado de gordura para inibir
sua secreção. Com esse propósito, leite com ghee é considerado o melhor re-
médio. As outras alternativas nesse tratamento estão todas na linha sedativa.

• Vamana dhauti

Caso o praticante não tenha recorrido a danḍa dhauti, nem a vastra dhauti
e, ainda assim, deseje passar por uma lavagem estomacal, este é o procedi-
mento que se adota para o vômito intencional.
Beba tanta água morna e salina quanto possível e então dirija-se a uma ba-
cia ou pia. Curvando-se um pouco para frente, insira os três dedos médios na
boca, friccionando o palato mole e a parede faríngea. Isso dá início à ânsia de
vômito e a água é expelida em golfadas. Com a cessação do reflexo, repita o
procedimento com os dedos para iniciar o processo novamente. Faça isso até
que sinta ter expelido a última gota. Este é um recurso comum que pode ser
adotado sempre que sentir náuseas, ou tiver uma sensação de azia. É uma boa
maneira de se obter alívio em tais ocasiões. Aqueles com maiores dificulda-
des de iniciar o reflexo do vômito podem projetar a língua para fora da boca

46  N. T.: Dispepsia é a denominação geral dada a dificuldades de digestão.

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110 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

e, então, massagear a garganta e a base da língua com os dedos indicados, o


que facilitará o processo.
Ao término desses três procedimentos, o praticante tem uma sensação de
raspagem na garganta, que perdura nos primeiros dias. Ela desaparece após
um tempo. Caso executado cedo pela manhã, haverá muito menos secreção
ácida e o processo se tornará mais fácil. Com o avançar do dia, aumenta a
secreção ácida, levando a uma maior sensação de queimação e de raspagem
na garganta, de modo que a utilização desses recursos será melhor se feita
cedo pela manhã. Eles são considerados muito úteis, especialmente na gas-
trite crônica.

• Gajakarani ou kunjara kriyā (Literalmente: a ação elefantina)

Esta técnica recebe este nome pois, de todos os animais, o elefante é o


único que pode reter água em seu interior e expulsá-la quando quiser. É claro
que ele não retém a água em seu estômago, como nesta prática, mas apenas
em sua tromba. Todavia, para todos os efeitos aparentes, este procedimento
simula aquele do elefante, no sentido de que a pessoa retém a água em seu
interior e a expulsa quando quiser.
O procedimento é o seguinte: pratique vamana dhauti por alguns dias ou
meses (dependendo das habilidades do praticante) e procure ganhar cada vez
maior controle sobre os esfíncteres da garganta. Procure vomitar com a mera
intenção e ação do esforço para o vômito intencional, sem coçar o palato mole
ou a base da língua. Uma vez que consiga controlar isso, o resto é simples.
Primeiramente, tome uma grande quantidade de água e, abrindo a boca
sobre a pia, faça uma inspiração típica de ujjāyī, isto é, inspire com a glote
semifechada, como se tentasse pronunciar ‘ah’. A resistência que a garganta
oferecerá à passagem do ar produzirá uma descida mais acentuada do dia-
fragma, uma vez que, com isso, este músculo aumentará a capacidade de
sucção para permitir que você inspire contra a resistência oferecida pela glo-
te. Ao descer, o diafragma comprimirá o estômago; caso, ao mesmo tempo,
você contraia firmemente a parede abdominal superior, o estômago se verá
pressionado por todos os lados e, assim, seu conteúdo procurará passar pela
saída aberta, isto é, através do esfíncter cardíaco do esôfago e a água fluirá
com força para a garganta. Caso tenha aprendido a abrir o esfíncter na glote,
nessas circunstâncias, a água será expulsa como em uma fonte. A compressão
constante e continuada da parede superior do estômago, conjugada à lenta

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 111

tentativa expiratória controlada, faz com que a água seja expulsa em um fluxo
forçado constante.
A despeito de sua aparência exibicionista, gajakaraṇi possui elevado valor
terapêutico. A pressão elevada que é criada na parte alta da cavidade abdomi-
nal exerce um efeito estimulante nas vísceras locais, como o fígado, o baço,
o pâncreas etc. Assim, este é um exercício muito bom para fígado e pâncreas
preguiçosos. Com essa finalidade, o exercício pode ser praticado sem que se
beba água.
A prática anterior, vamana dhauti, às vezes leva o nome de vyāghra-ka-
raṇi ou ação do tigre. Em línguas do norte da Índia, elas são chamadas kuñjali
e bāghi. Os nomes são muito apropriados quando se leva em consideração a
maneira como a água é expulsa em ambas as práticas. Em gajakaraṇi ou kuñ-
jali, a pressão exercida no estômago é constante e sustentada e há um maior
controle da glote, que é mantida aberta para permitir um fluxo constante de
saída da água, enquanto em vyāghra-karaṇi ou bāghi (vamana dhauti) há uma
ação de esforço de vômito intermitente e a pressão exercida no estômago não
é contínua; a glote também só abre enquanto se submete à pressão da água
expulsa em golfadas. Os tigres (gatos e, às vezes, cães) são conhecidos por ex-
pulsarem o conteúdo estomacal por esse tipo de esforço de vômito. Assim, as
técnicas poderiam ser chamadas ações elefantinas e felinas, respectivamente.
Estudos realizados em Kaivalyadhama com registros quimiográficos de-
monstram a manutenção de uma pressão positiva por aproximadamente 40
segundos em gajakarani. Em vyāghrakaraṇi, constatou-se surtos isolados de
pressão positiva, cada um de 1 a 2 segundos, por ser acompanhada da ação
da ânsia de vômito.

III. Higiene intestinal

Os processos relacionados à estimulação das funções intestinais de secre-


ção e de eliminação e ao seu enxágue, ou lavagem, constituem os seguintes
três principais kriyās:

• Vātasāra
Lavagem e estimulação dos intestinos por meio de ar.
• Vārisāra ou śankha-prakṣālana
Lavagem e estimulação dos intestinos por meio de água.
• Agnisāra

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Estimulação de secreções enzimáticas (agni, fogo digestivo) através da


manipulação de determinadas pressões internas.

• Vātasāra
Procure engolir tanto ar quanto possível, enchendo a boca e estimulando
voluntariamente a deglutição. Em geral, considera-se que 20 a 30 goles se-
jam suficientes. Se for apenas deglutido, o ar poderá seguir 3 caminhos: 1)
ser eliminado novamente pela boca; 2) pela extremidade do intestino ou 3)
ser absorvido pelos tecidos. Porém, caso o praticante queira passar por uma
lavagem com ar, ele deverá recorrer ao que no Yoga se denomina nauli-kriyā,
ou seja, o isolamento e a manipulação dos músculos retos e oblíquos abdo-
minais. Este procedimento gera uma pressão negativa no abdome e no canal
alimentar, que se movimenta dessa maneira por conta da manipulação da
musculatura abdominal. Isto estimula a ação peristáltica, além de permitir
que o ar circule rapidamente, sem que haja muita absorção. Essa aeração de
todo o trato gastrointestinal é considerada muito útil para a higiene alimentar.
Seus efeitos são reconhecidos também pela medicina moderna. Nos casos de
tuberculose abdominal, muitas vezes, o cirurgião se limita apenas a abrir o
abdome, arejá-lo por um tempo, para fechá-lo novamente. Descobriu-se que
isso tem um efeito muito benéfico.

• Vārisāra (ou śankha-prakṣālana)

Varisara é um processo de lavagem de todo o trato gastrointestinal com


água. É também chamado śankha-prakṣālana (a purificação da concha). Os
indianos ortodoxos utilizam a concha em seu pujā47 diário, para o abhiṣeka
ou o banho das imagens. Uma vez que a passagem por onde a água flui é tor-
tuosa e a saída muito estreita, muitas vezes ela fica obstruída, e o praticante
deve limpá-la completamente. As passagens alimentares também são muito
tortuosas e a saída anal também é muito estreita e, muitas vezes, os intestinos
ficam obstruídos, devendo ser lavados e limpos para a remoção da obstrução.
Assim, os antigos deram a este processo um nome apropriado, chamando-o
purificação do trato alimentar, que se parece a uma concha.
Em geral, o praticante bebe 3 a 4 canecas grandes de água tépida, à qual
se adicionam cerca de 15 g de sal e, também, de preferência 30 ou 60 ml de

47  N. T.: Oferenda ritualística.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 113

suco de limão. Isto ajuda a aumentar a pressão osmótica da água e facilita sua
rápida passagem através dos intestinos, sem que haja absorção. Normalmente,
leva de meia hora até duas horas para que a água saia pela outra extremi-
dade do tubo digestivo. Porém, um praticante de Yoga acelera o processo,
recorrendo a algumas práticas específicas que ajudam a facilitar e a acelerar
a passagem da água.
Em geral, recorre-se a viparīta karaṇi (4 a 5 minutos), mayūrāsana (3
a 4 vezes) por tanto tempo quanto possível e, então, pāda-hastāsana (3 a 4
vezes). Depois disso, realiza-se nauli kriyā, mencionado anteriormente, o que
ajuda a descarga dos intestinos dentro de 5 a 10 minutos, de maneira que o
praticante sente necessidade de evacuar. Caso a pessoa não consiga executar
mayūrāsana, poderá substituí-lo por śalabhāsana. Pessoas debilitadas fisica-
mente podem utilizar o plano inclinado como substituto para viparīta karaṇi
e executar o pavana-muktāsana e o janu vaksāsana em seguida.48
O suco de limão não possui apenas uma ação laxativa sobre os intestinos,
mas é também um motivador do apetite. À medida que o praticante progride
na prática, poderá dispensar o sal e o suco de limão, e executar o kriyā apenas
com água pura e tépida. Para isso, será melhor engolir, junto com a água,
um pouco de ar. O ar que se engole nesse processo se mistura à água, ajuda
a emulsioná-la e impede sua absorção, assim como ajuda a sua evacuação
rápida. Depois dessas evacuações, o praticante recorre a vamana dhauti, de
modo a parar a hiperperistalse e também para expulsar qualquer água salina
que possa ter permanecido no estômago. Uma lavagem tradicional completa
demanda algumas horas, e deve ser executada sob orientação e supervisão.

• Agnisāra

Tal como indicado anteriormente, o nome dessa prática significa que ela
se destina a avivar o fogo gástrico e a fazê-lo queimar brilhantemente, isto é,
visa estimular a secreção de enzimas digestivas, denominadas pācaka-pitta ou
jaṭharāgni na medicina ayurvédica. Outra função dessa prática é fazer com
que tais enzimas possam digerir o material ingerido na alimentação.

48  N. A.: Algumas tradições recomendam a execução de outras posturas, como


bhujāngasana, trikoṇāsana com a mão apontando para cima, e uma torção do tronco, como em
ardhamatsyendrāsana, para ajudar a acelerar o processo de descarga. Recomenda-se a torção do
tronco, mesmo durante a evacuação, com a pessoa em cócoras. Com isso tenciona-se conseguir
uma evacuação mais completa.

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Em termos gerais, o procedimento é o seguinte:


Em pé, incline o tronco ligeiramente para frente, apoiando suas mãos nos
joelhos. Execute uma expiração completa, com a contração da musculatura
abdominal, e mantenha a posição do final da expiração. Então, empurre o
abdome para fora e para dentro alternadamente, pela ação da musculatura
diafragmática, que realiza contração concêntrica, ao empurrar o abdome para
fora, e excêntrica ao ceder à contração abdominal gradualmente, permitindo
que o abdome retraia e vá em direção à coluna vertebral. As regiões que
mais se movem nesse processo são particularmente as partes intermediária e
inferior do abdome, isto é, as partes abaixo e acima do umbigo. Esses movi-
mentos devem ser repetidos, conforme a capacidade de cada um, dentro da
mesma fase expiratória, ou seja, sem que a pessoa inspire, mantendo a apneia
expiratória. Quando o praticante não puder mais ficar sem inspirar, ele passa
a respirar normalmente e, após um descanso, repete o processo. Os livros
tradicionais recomendam 100 repetições dessas movimentações para dentro
e para fora, para completar agnisāra kriyā (querendo com isso indicar que
devem ser realizadas tantas contrações quantas forem confortáveis em grande
número).
Agnisāra é um exercício muito bom nos casos de dispepsia com tendência
à hipoacidez. Caso haja tendência à hiperacidez, tal como nos casos em que
há alguma ulceração do estômago ou dos intestinos, esta prática é contraindi-
cada. Ela também ajuda a remoção da constipação, pois estimula o peristaltis-
mo de todo o trato digestivo, inclusive intestinal.

IV. Higiene do cólon

Os métodos yogins de higiene do cólon compreendem:

• Vāta basti: lavagem do cólon por meio de ar;


• Vāri basti: lavagem do cólon por meio de água e
• Ganeśa kriyā: massagem da região anorretal com o dedo.

• Vāta basti

Tanto para esta técnica quanto para vāri basti, a tradição do Yoga reco-
menda o uso de um tubo retal de madeira. Porém, atualmente utiliza-se um
tubo de borracha para flatulência. Os especialistas que praticam há muito tem-

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 115

po o aśvinī mudrā (abertura e fechamento do esfíncter anal, em conjunto com


a elevação do assoalho pélvico) são capazes de executar este kriyā sem a aju-
da desses acessórios. Eles podem abrir seu esfíncter anal, ao mesmo tempo
em que, de cócoras, apoiados sobre suas coxas, executam madhyamā nauli.
Conseguir realizar nauli com facilidade é essencial para qualquer um dos
basti kriyās. Nesse processo, fique acocorado, com os joelhos flexionados e
as coxas pressionadas contra o tronco, abraçando firmemente as pernas. Pres-
sionando os joelhos contra o tórax, e executando madhyamā nauli, abra os
esfíncteres anais, admitindo o ar no cólon. Os esfíncteres se fecham automa-
ticamente no momento em que se relaxa o nauli. O processo se repete várias
vezes, até que sinta uma sensação de estufamento do cólon.
Aqueles que não possuem esse controle sobre os esfíncteres anais podem
se utilizar do tubo de borracha para flatulência. Insere-se uma pequena parte
desse tubo no reto, de digamos 15 a 25 cm, e o praticante executa o ma-
dhyamā nauli. O ar continua a entrar, enquanto o praticante sustenta o nauli.
Será melhor que o praticante segure a outra ponta do tubo com a mão, para
evitar que o ar saia quando cessar o nauli. Para tanto, poderá dobrar a ponta
do tubo ao mesmo tempo em que relaxa o nauli. Repete-se o mesmo processo
cinco a dez vezes, retirando-se o tubo e retendo-se o ar internamente após
essas repetições. O vāta basti é bom para a colite mucosa.

• Vāri basti

O processo é igual ao anterior, entretanto, realizado com água. Os espe-


cialistas que possuem controle sobre seus esfíncteres anais se agacham sobre
uma bacia de água e a succionam, da mesma maneira descrita acima, para
dentro do cólon. Os outros se utilizam do tubo de basti: sempre que relaxam o
nauli, eles bloqueiam a outra ponta do tubo com seu dedo, de modo a impedir
que a água flua para fora, e repetem o processo de cinco a dez vezes, até que
tenham admitido uma quantidade razoável de água. Aqueles que se utilizam
do tubo de borracha para flatulência poderão usar uma caneca, segurando-
-a entre os joelhos, inserindo a outra ponta do tubo na água. Isto trará uma
vantagem adicional, no sentido de que, quando se iniciar o efeito sifão, a água
fluirá mais rapidamente, auxiliada pela ação da gravidade.
O praticante pode pressionar o tubo contra a borda da caneca, para impe-
dir o fluxo de retorno da água, quando relaxar seu nauli. Cinco a dez repeti-
ções do nauli serão suficientes para encher o compartimento intestinal.

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Uma vez que a água seja admitida dessa maneira, o praticante passa a ma-
nipular os músculos abdominais (nauli kriyā), repetindo-o da esquerda para a
direita várias vezes, 20 a 40, e, então, novamente do mesmo modo da direita
para a esquerda. Isto deve ser feito rapidamente, demandando apenas um a
dois minutos. Isto ajuda a movimentação da água no interior do cólon, do
sigmoide ao ceco e vice-versa, e limpa todo o intestino grosso.
Após a evacuação, a tradição recomenda que o praticante execute mayūrā-
sana, com as pernas flexionadas nos joelhos e afastadas. Isto ajuda na eva-
cuação completa do cólon, visto que a pressão, assim exercida, estimula mais
peristaltismo intestinal, conduzindo a água que pode ter sobrado no intestino,
de maneira que seja eliminada quando o praticante voltar à toalete.
Essa lavagem yogin do cólon possui uma vantagem decisiva sobre os ene-
mas modernos. Nos enemas, faz-se a água fluir para dentro do intestino sob
grande pressão, seja pela utilização da gravidade, seja pela do bulbo compres-
sível. Isto dilata as paredes do reto e do cólon e ajuda a limpar as extremi-
dades do tubo digestivo, o que pode ser chamado de enema baixo. É apenas
quando se sustenta a água por mais tempo que ela tende a penetrar um pouco
mais. De modo a executar uma ação de limpeza completa, um enema alto,
o praticante deve deixar a água entrar lentamente, deitado sobre seu lado
direito, de modo a deixar a água fluir gravitacionalmente em direção ao ceco.
A água deve ser retida tanto quanto o praticante possa suportar e, então,
evacuada. Mesmo assim, isso não ajuda a limpar bem o cólon. Ademais, caso
esses enemas sejam realizados com frequência, o cólon perderá seu tônus,
tornando-se ainda mais preguiçoso. Basti, por outro lado, contribui para o
tônus do cólon, pois a água entra por sucção e sofre manipulação interior,
apenas pela ação do próprio cólon.

• Ganeśa kriyā

Consiste na limpeza e massagem da região anorretal, utilizando-se o pró-


prio dedo. Para isso, é melhor usar uma luva de dedo ou uma luva cirúrgica.
A tradição indica o uso de raiz do açafrão da terra.
Veste-se a luva de dedo no dedo médio para, então, mergulhá-lo em óleo
de rícino (mamona) medicinal. Insere-se o dedo pela abertura anal o mais
fundo possível, pelo menos 2 cm para dentro e massageia-se ambos os esfínc-
teres anais (interno e externo), girando-se o dedo em ambas as direções de
rotação, horária e anti-horária.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 117

Este procedimento ajuda a impedir que os esfíncteres anais se ressequem


de maneira anormal e os tonifica. Esfíncteres anais ressecados constituem
uma reclamação comum na idade avançada, resultando em constipação e sen-
sação de coceira na região anal. É um processo muito bom, nem que seja ape-
nas para estimular por reflexo, e recondicionar as vísceras pélvicas, visto que
os esfíncteres anais são controlados pelos nervos pélvicos (os nervi erigentii),
que inervam a maior parte dos órgãos localizados na pelve.
Esses três processos abordados são alguns dos principais procedimentos
de higiene pessoal yogin utilizados em terapia. O melhor período para realizá-
-los é cedo pela manhã, antes do desjejum, especialmente os métodos de lava-
gem gástrica, intestinal e do cólon. Aconselha-se a ingestão de um desjejum
sólido na primeira meia hora seguinte a essas lavagens e que o estômago e os
intestinos não sejam mantidos vazios por muito tempo.
Tradicionalmente, recorre-se a vamana dhauti entre três e quatro horas
após a última refeição e, assim, qualquer alimento que ainda tenha permane-
cido no estômago, será eliminado. Nesse caso, também, aconselha-se ingerir
alimento sólido leve na primeira meia hora após a dhauti.
A ênfase que se dá a uma meticulosa lavagem e purificação de todo o
trato gastrointestinal pode parecer despropositada para algumas pessoas. Isto
levou um crítico ocidental a chamá-la de “a obsessão hindu com as funções
intestinais que permeou as observâncias religiosas e os costumes sociais”.
Esta afirmação é injusta. Essas lavagens nunca são utilizadas nas observâncias
religiosas, nem fazem parte dos costumes sociais hindus. A única obsessão
com a função intestinal na religião hindu, se assim ela puder ser chamada, está
nos jejuns periódicos e nas restrições alimentares que ela advoga. Porém, esta
é uma característica comum da maioria das religiões, inclusive do judaísmo e
do cristianismo. Vale ressaltar que a natureza não destinou o trato alimentar
à mera digestão e assimilação. Em conjunto com os pulmões, a pele e os rins,
ele constitui um canal principal de eliminação. Todo tipo de veneno ou toxina
proveniente da corrente sanguínea ou dos tecidos é constantemente despejado
no estômago e nos intestinos, sendo digerido e evacuado pelos procedimentos
normais. Essas substâncias não se encontram na forma sólida, mas são mu-
coidais e malcheirosas. Facilita-se essa eliminação recorrendo ao jejum e às
lavagens alimentares, uma vez que elas facilitam o transporte dos dejetos para
os intestinos através da corrente sanguínea. Quando há acúmulo de toxinas no
sangue, a natureza recorre a esse método e nota-se, nesses casos, uma maior
quantidade de muco nas excreções. O Yoga recomenda a execução desses

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118 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

kriyās (processos purificatórios) apenas para aqueles que têm muita tendência
à formação de muco, ou à obesidade, deixando claro que as demais pessoas
não devem recorrer a eles (H.Y.P II-2149).

Dieta yogin

Recomenda-se uma dieta muito estrita ao estudante de Yoga, especial-


mente àquele que pratica os métodos do Haṭha Yoga. Ele é orientado a se
abster não apenas dos artigos ácidos e picantes, mas também a evitar o sal na
medida do possível. Carnes e bebidas estimulantes também são estritamente
proibidas. Em geral, a dieta mais recomendada é a lactovegetariana, com uma
quantidade tolerável de cereais, mas sem muitos grãos.
Enquanto os ocidentais classificam a alimentação como vegetariana e não
vegetariana e incluem nesta última todos os produtos animais, na Índia a ali-
mentação é classificada como alimentos ligados à carne e alimentos sem co-
nexão com a carne. A ideia subjacente a esta classificação parece ser que há
menos vida na carne; a energia vital latente em substâncias inertes, tais como
a terra e a água etc., concentra-se primeiro nas plantas, passando ao corpo
animal em segunda mão. Os animais carnívoros subsistem principalmente da
carne dos animais herbívoros (vegetarianos). Ainda que o homem pareça ter
passado através de ambos os estágios, o carnívoro, assim como o herbívoro,
ele adotou uma vida mais herbívora através das eras. As pessoas acostumadas
a se alimentar com carne parecem acreditar que não poderiam subsistir ape-
nas com meros vegetais. Os médicos, acostumados a essa dieta, aconselham
seus pacientes contrariamente ao vegetarianismo puro, esquecendo que há
muitos homens no mundo que sobrevivem com alimentação vegetal e não
estão por isso em piores condições.
Ovos, ainda que não sejam considerados alimentos ligados à carne, não
são recomendados pelo Yoga por conta de seu elevado conteúdo proteico. A
dieta recomendada para os praticantes regulares do Yoga, em seu conjunto é
de baixo valor proteico. Isso ocorre porque, nos estágios iniciais da prática
de Yoga, há uma estimulação simpática adrenal elevada. Os prānāyāmas e

49  N. T.: Aqueles que possuem excesso de gordura ou muco devem praticar de antemão os seis
processos purificatórios (dhauti, basti, neti, trātaka, nauli e kapālabhāti, isto é, antes de tentar
o kumbhaka). Aqueles nos quais os três humores (dośas) estiverem equilibrados não precisam
praticá-los. (Tradução do sânscrito de Swami Digambaraji e de Pt. Raghunatha Shastri Kokaje,
em publicação do Instituto de Kaivalyadhama).

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outras práticas yogins que são realizadas mais adiante no programa dessa
autodisciplina estimulam principalmente o sistema parassimpático do corpo
e isso parece compensar este aumento da atividade simpática. Entretanto, o
metabolismo leva algum tempo para reconquistar seu equilíbrio normal, o
que ocorre após algum período de prática constante. Essas conjecturas se
baseiam nas observações empíricas que os antigos fizeram dos resultados ex-
teriores dessas práticas e nas instruções que eles emitiram de modo a anular
os efeitos indesejados. Assim, afirma-se que, nos estágios iniciais das práticas
yogins, há um decréscimo na quantidade de urina e de fezes; uma tendência a
reter sais de sódio e água no sistema; uma alta sensibilidade geral do sistema
nervoso na reação a estímulos externos e assim por diante. Como precaução
contra isso, durante os estágios iniciais das práticas yogins, recomenda-se o
seguinte:
1. Recorrer a uma dieta de baixo valor proteico, com o mínimo possível
de sal, principalmente o de sódio e abster-se de todos os artigos ali-
mentares com propriedades irritantes ou estimulantes.
2. Evitar todas as atividades extenuantes, até mesmo caminhadas longas
e aceleradas.
3. Em vista da recomendação de uma abstenção generalizada do sal,
evitar a perda de sais que já estejam no corpo. Com esse objetivo,
recomenda-se evitar permanecer perto do fogo, assim como manter
relações sexuais e realizar longas caminhadas (partindo-se do pressu-
posto que o estudante de Yoga terá evitado outros excessos), de ma-
neira a reduzir ao mínimo a sudorese.
4. Realizar o autotreinamento no cultivo de uma perspectiva impessoal
da vida, de modo a evitar irritar-se nos seus relacionamentos interpes-
soais. Devem ser evitadas todas as tendências no sentido da irritação
e do ressentimento, tal como indicado no capítulo sobre o cultivo de
atitudes psicológicas corretas, por sabê-las prejudiciais a si mesmo, no
mais longo prazo.

O maior objetivo dessas recomendações é ajudar a manter um equilíbrio


ácido/base adequado no corpo, de maneira que conduza à promoção de uma
pronta adaptabilidade, mas que não contribua para a hiperirritabilidade nem
reduza a sensibilidade.
Ao se prescrever uma dieta, esse princípio precisa ser levado em conside-
ração, especialmente no que tange às circunstâncias que levaram os adeptos

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do Yoga a recomendar uma determinada dieta aos noviços na prática. No


caso de pacientes, não é necessário insistir em um regime tão estrito quanto
este que é imposto aos estudiosos e praticantes vorazes do Yoga, de quem se
espera passar horas seguidas praticando. A discussão precedente só se destina
a indicar a linha de pensamento da prescrição de dieta na Yogaterapia. Na
prática, é claro, deverão ser levadas em consideração as necessidades dietéti-
cas de cada caso individual, em conformidade com os desarranjos e disfun-
cionalidades dos mesmos. Aqui estão apontados apenas os princípios básicos
gerais.
É necessário frisar que, na formulação de diretrizes para a prescrição de
dieta no Yoga, as considerações psicofisiológicas possuem maior peso do que
as meramente morais ou socioreligiosas.
Tal como já ressaltado, propositadamente, aqui foram transmitidos apenas
os princípios da dieta yogin. Teria sido de pouca sabedoria dogmatizar acerca
desses assuntos. Uma dieta adequada depende muito da disponibilidade de
alimentos e da sua preparação, assim como do clima, da idade, dos hábitos
e idiossincrasias pessoais. Um esquimó, por exemplo, nunca poderia ter su-
cesso numa dieta estritamente vegetariana. Isso criaria um problema nutri-
cional para ele! Sir Paul Dukes50 nos transmite sua interessante experiência
com esquimós. Ele nos conta que alguns esquimós, que se apresentavam em
um teatro de Chicago, descobriram que estavam enfraquecendo-se por des-
nutrição, uma vez submetidos à dieta da turnê, tão diferente daquela a que
estavam acostumados em sua terra natal. Um dia eles encontraram um pacote
de velas de sebo, as quais comeram e resolveram seu problema nutricional!
Assim, deve-se tomar cada pessoa como um padrão em si mesmo, não apenas
para a prescrição de dieta, mas também para a prescrição dos procedimentos
terapêuticos.

50  N. A.: Dukes, Sir Paul: Yoga of health, youth and joy (Cassel, London)

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 121

Capítulo V

Dhyāna como grande tranquilizador

Até aqui foram abordados os procedimentos preliminares do Yoga, que


auxiliam a produzir um equilíbrio do funcionamento do corpo e da mente.
Dhyāna é a principal âncora em todo esse sistema. No entanto, não se pode
recorrer a dhyāna enquanto o corpo e a mente estão sob a ação de apelos
divergentes e em um estado altamente desequilibrado. Assim, não se poderia
ter recomendado a prática de dhyāna anteriormente. Só quando a mente e o
corpo estiverem um pouco estabilizados é que se pode recorrer à sua prática.
Dhyāna é considerado um processo essencial no Yoga, utilizado para a real
obtenção de uma estabilidade emocional e de uma integração da personali-
dade. Este processo precisa ser praticado com muito relaxamento, de modo a
alcançar os benefícios que lhe são atribuídos. A primeira tentativa é cessar as
imagens mentais costumeiras.
De maneira muito interessante, o Dr. Trigant Burrow (da Lifwynn Foun-
dation, West Port, Connecticut), ao trabalhar em sua hipótese acerca de des-
vios comportamentais, chegou praticamente a essa mesma conclusão. Torna-
-se interessante, portanto, conhecer algo de suas descobertas e métodos, pois
isto poderá auxiliar o leitor a compreender melhor o significado desses pro-
cessos yogins.
Um dos primeiros alunos diretos de Freud e de Jung, o Dr. Burrow perten-
ceu à primeira leva de psiquiatras que introduziram a psicanálise nos Estados
Unidos. Ele logo se deu conta, no entanto, que os fatores subjacentes determi-
nantes das inter-relações sociais do homem não estão neste ou naquele indiví-
duo, mas no homem como uma espécie (phylum). Portanto, a espécie humana
era a matéria-prima que demandava investigação e ajustes. Essa abordagem
genérica do problema do comportamento humano levou o Dr. Burrow e seus
associados a uma análise dos padrões fisiológicos da tensão e do estresse, que
compunham a estrutura da neurose ou do conflito humano. Ele e seu colega,
Clarence Shields, propuseram a seguinte hipótese no início do século XX:
os padrões vigentes de certo e de errado, que diferenciam arbitrariamente
um indivíduo de outro e um grupo de outro grupo, não se baseavam no ver-

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122 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

dadeiro padrão orgânico do comportamento humano, mas indicam que algo


aconteceu incorretamente durante o processo da filogênese. Eles sentiram
que era possível identificar um sistema de reações definitivamente desviado
e desorganizado em toda a espécie humana. Aquilo que era a verdade de um
era a verdade de todos. O comportamento atual do homem estava obstruído e
dificultado por um falso hábito de racionalidade. Seus humores e motivações
eram meras transmutações da modalidade de comportamento não diferen-
ciada e pré-consciente, característica de sua primeira infância para termos
de consciência. Esta modalidade primária de comportamento era, também,
a mesma na infância pré-consciente da raça humana. “Esta divisão e conflito
universais dentro dos processos mentais do homem, esta dicotomia do eu em
contraste a você, parece refletir um fator social inconsciente, típico do com-
portamento inter-relacional de toda a sociedade humana”. (Pg. 25 Neurosis
of Man)51. Para eles, o fato era que o homem, como uma espécie (phylum),
não havia amadurecido. Portanto, o Dr. Burrow denominou seu método de
filoanálise e filossíntese.
A principal diferença entre a filoanálise e a psicanálise reside no fato de
que, enquanto o psicanalista pede que seu paciente deixe que suas ideias flu-
am livre e espontaneamente, da maneira que venham a surgir, na filoanálise
o paciente recorre à cessação de suas imagens costumeiras. Assim também,
o paciente no laboratório de filoanálise da Lifwynn Foundation é o próprio
pesquisador, o condutor do experimento está ali apenas para controlar o equi-
pamento, e medir os fenômenos objetivos, tais como alterações na respira-
ção, ondas cerebrais, movimentos dos olhos etc. e, às vezes, para atuar como
controle. Assim, enquanto na psicanálise o paciente só necessita expressar
prontamente qualquer ideia que lhe venha, o paciente na filoanálise procura
excluir todas essas ideias, mas procura se lembrar de si mesmo (conforme
manasā mana ālokya – a observação da mente pela mente, H.Y.P – IV,54).
As imagens fixadas são excluídas, repetidamente, junto com seus efeitos.
Resumidamente, o procedimento é o seguinte: o paciente se senta ere-
to e relaxado, com os olhos fechados. Isto é feito para manter uma firme
sensação interior de equilíbrio, evitando tensão relacionada aos olhos. Man-
tém o olhar para frente, para uma cortina uniformemente negra, tentando
repousar os olhos em um ponto (não visível, é claro) que seja percebido

51  N. A.: BURROW, Trigant: The neurosis of man (Routledge Kegan Paul, London).

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 123

cinestesicamente,52 em linha reta com o eixo visual normal. (Existem vários


mudrās de uso geral no Yoga com esse aspecto cérebro-ocular, tais como un-
mani, khecari e śāmbhavi, e é comum a todos eles a fixação dos olhos em um
determinado ponto.) O Dr. Burrow afirma que isso conduz a uma consciência
mantida de um processo fisiológico indeterminado, que só pode ser apreciado
pelo organismo de maneira subjetiva.
Caso essa postura cérebro-ocular seja sustentada por algum tempo (apenas
alguns segundos no começo) as imagens costumeiras que afetam o paciente
são automaticamente eliminadas. O Dr. Burrow descreve o processo dessa
maneira: “...a dor e o desapontamento mental e emocional resultantes da
frustração entre nós, advindos dos sentimentos e impulsos sociais, dissipou-se
repentinamente.” (Pg. 240 do livro já referido). Caso a prática seja continu-
ada, a sensação inicial de tensão na região dos olhos e no interior da cabeça
cede lugar a uma sensação de tônus mais estável ou de equilíbrio de tensões
da musculatura do corpo como um todo. Assim, Burrow conseguiu diferen-
ciar consistentemente dois sistemas de tensão neuromuscular: (i) o sistema de
tensões associativas, secundário e superficial, e (ii) o mais profundo sistema
de tensões orgânicas. O Dr. Burrow considera o primeiro como sendo so-
cialmente condicionado, sendo o segundo, primitivo e incondicionado. Ele
denomina o primeiro estado ditenção, e o segundo cotenção53. É provável
que um paciente tenha repetidos lapsos no estado ditento, sua mente dispara

52  N. T.: Cinestesia etimologicamente significa sensação ou percepção do movimento. Em me-


dicina e psicologia esta palavra alude à sensação que um indivíduo tem de seu corpo, particular-
mente, dos movimentos que ele realiza. Esta sensação é principalmente facilitada pelos proprio-
ceptores, a exemplo dos localizados na cóclea do ouvido interno, e pela percepção da mobilidade
muscular.

53  N. T.: A Dra. Alfreda Galt, presidente da Lifwynn Foundation, esclarece adicionalmente
estes termos: O Dr. Burrow cunhou o termo ditenção para significar a atenção dividida de nossa
maneira normal de nos relacionarmos. Na ditenção, o interesse não flui diretamente aos objetos e
às pessoas que nos estão à volta; ela se divide de volta à nossa auto-imagem (como estou me sain-
do? será que essas pessoas gostam de mim? o que será que esperam de mim nesta situação? o que
é que estou ganhando com isto? etc.) Porém, quando esses estímulos da Eu-Persona são suspensos,
a cotenção se estabelece naturalmente, não como uma restauração de nosso estado infantil, mas,
como uma realização amadurecida de poderes orgânicos, incluindo-se aí a capacidade simbólica.
A cotenção é uma função interrelacional; ela incorpora a experiência sentida de nosso substrato
comum do sentimento e implica na continuidade fílica que une a espécie humana. “Assim como
o esqueleto ósseo é a sustentação estrutural do organismo, assim também a cotenção é o suporte
funcional do organismo. É o contra-peso do indivíduo, é a homeostase do phylum”.

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124 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

automaticamente e retorna às imagens costumeiras. Para voltar ao estado co-


tento, o praticante precisa repetir todo o processo novamente. Caso se insista
na técnica por um período suficiente de tempo, descobre-se que as barreiras
aos interesses comuns passam a se quebrar.
Durante os experimentos, quando o paciente passava de um estado a ou-
tro, registravam-se suas curvas respiratórias, bem como aquelas dos indivídu-
os controle, por meio de um quimiógrafo elétrico. Atuavam como controles,
o condutor do experimento e outra pessoa. Descobriu-se que a frequência
média de respiração caía de 13,22 movimentos/minuto na ditenção para 4,63
movimentos/minuto na cotenção, e que essa alteração não era produzida por
qualquer controle voluntário, mas que ocorria automaticamente à medida que
se alteravam os estados de tensão.
Na época, foi utilizado um aparelho rudimentar para medir o consumo
metabólico (o Aparelho de Jones de Metabolismo Basal), que mede a quan-
tidade de ar respirado. Esse aparelho acabou dando origem aos modernos
carros metabólicos de ergoespirometria, em que se pode medir o consumo de
oxigênio e a produção de gás carbônico. As medidas realizadas demonstra-
ram que, enquanto no estado de ditenção o volume médio de ar inspirado era
de 6,95 litros/minuto, no estado de cotenção era de apenas 4,08 litros/minuto.
Ao se comparar a frequência respiratória e o volume de ar inspirado,
descobriu-se que, mesmo que a frequência respiratória na cotenção tenha
diminuído, o volume médio de ar inspirado por ciclo respiratório (volume
corrente) era maior na cotenção do que na ditenção (ditenção: volume res-
pirado=6,95 l/min e frequência respiratória=13,22 ciclos/min vs. Cotenção:
volume respirado=4,08 l/min e frequência respiratória=4,63 ciclos/min), isto
é, os movimentos respiratórios eram mais profundos na cotenção do que na
ditenção; ainda que o ar total inspirado por minuto não fosse o mesmo nos
dois estados, a quantidade de oxigênio absorvida por minuto era praticamente
a mesma, ou seja 0,22 litro.
Os movimentos dos olhos no decurso da experimentação foram observa-
dos não apenas por medição e inspeção direta da distância entre pupilas, mas
foram também registradas tanto fotográfica quanto eletricamente. Descobriu-
-se que a frequência dos movimentos de ambos olhos, assim como os movi-
mentos das pálpebras, reduziram-se significativamente durante a cotenção.
Os registros eletroencefalográficos mostraram uma redução no percentual
do tempo-alfa e um decréscimo na amplitude das ondas alfa durante a coten-
ção, sugerindo uma diminuição geral no potencial cortical. Em paralelo aos

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 125

registros objetivos, deu-se também atenção ao estado subjetivo do paciente.


Assim, nas próprias palavras do Dr. Burrow: ...“Com sua crescente observa-
ção da sensação causada pelo estresse divisor do segmento simbólico-afetivo,
ou do Eu-Persona separado, há aí o desenvolvimento concomitante do senti-
do de um pano de fundo maior, que não é afetivo, divisor, ditento, que não
é o Eu-Persona, mas que é o organismo primário do homem, em sua inata
e espontânea continuidade e solidariedade. Ele começa a sentir seu próprio
organismo nativo, com seus interesses não inibidos e não afetivos. E assim
nasce a sensação de sintonicidade da cotenção, ou tensão comum.”
O Yoga também parece recorrer a essa mesma abordagem phylica, no pro-
cesso de integração da personalidade. O procedimento seguido pelos antigos
yogins no āsana do tipo meditativo é muito semelhante àquele do Dr. Burrow
e de seus associados. Da mesma forma, os efeitos que esses antigos sábios
atribuem aos resultados advindos da prática são semelhantes. Nesse sentido,
ressalte-se que toda postura meditativa demanda de seu praticante alguma
forma de fixação do olhar de modo que śāmbhavi mudrā, ou a fixação do
olhar em um ponto longínquo, em linha reta com o eixo visual normal, é
prática muito recomendada no Yoga.
Pode-se notar com facilidade que as afirmações que Patañjali faz sobre os
āsanas estão em conformidade exata com as que o Dr. Burrow fez após anos
de pesquisa, ou seja, que a sensação de um Eu-Persona separado, com sua
consequente dicotomia eu versus você, ou dvandva, cessa e. em seu lugar, o
praticante começa a sentir seu próprio organismo nativo em sua continuidade
e solidariedade espontâneas.
O trabalho do Dr. Burrow foi citado, pois trata-se de um cientista oci-
dental imparcial, o que demonstra a base científica do dhyāna e indica como
alcançá-lo de maneira relaxada. Muitas vezes, ao tentar se concentrar, o pra-
ticante se esforça muito e aumenta suas tensões em vez de diminuí-las. As
pessoas fracassam nessa busca meditativa principalmente por causa da prática
equivocada de dhyāna. Os processos de ananta-samāpatti (mente no infi-
nito), mahāhradānusandhāna (concentração no mais puro dos sons, aquele
produzido na mente, sem percussão), ou prāṇa-dharaṇā (concentração na
respiração), quando praticados corretamente, conduzem o praticante a esse
dhyāna relaxado, que é o maior e primeiro objetivo do Yoga. Em nosso la-
boratório, encontramos resultados semelhantes quanto à frequência e pro-
fundidade respiratória, assim como com relação às funções metabólicas de
praticantes em dhyāna.

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O processo de dhyāna é muito mais profundo do que o estado descrito


pelo Dr. Burrow, e as eliminações dos elementos dicotômicos são mais abran-
gentes do que aquelas relatadas pelos próprios pacientes. Quando dhyāna é
realizado com sucesso, ele não leva apenas à redução nos percentuais de tem-
po em que as ondas alfa predominam e a uma redução na sua amplitude,
como notado nos experimentos do Dr. Burrow, mas sua amplitude se reduz
tanto que ocorre o que pode ser chamado de um achatamento das ondas alfa.
O ritmo alfa não se confina à região occipital e parietal, como de costume,
mas se espalha por toda parte, e a tendência de achatamento também parece
ser genérica. A atenção se fixa de tal maneira que há praticamente um es-
quecimento acerca de outras coisas. Até mesmo picadas de agulha e outros
estímulos dolorosos não afetam os registros eletroencefalográficos. Normal-
mente, uma pessoa pode chegar voluntariamente a um alto grau de indiferen-
ça, mas os registros de EEG mostram os efeitos da estimulação dolorosa. A
ausência deles no EEG durante o processo dos estágios profundos de dhyāna
mostra como o mecanismo psicofisiológico como um todo se mantém com-
pletamente pré-ocupado, mas em uma maneira muito relaxada no processo
do dhyāna, sem que seja de nenhuma maneira excitado a partir de então.
Em experimentos realizados em Kaivalyadhama, notou-se a grande ex-
pansão de ondas alfa por todo o registro eletroencefalográfico e a tendência à
redução de sua amplitude em algumas regiões até um quase achatamento des-
sas ondas durante o estado meditativo. Antes de começar a meditação, com
o praticante sentado em estado relaxado, também havia ondas alfa por toda
parte, mas sua tendência era oposta, ou seja, de aumento de amplitude. Estu-
dos posteriores à confecção deste livro pelo Swami Kuvalayananda demons-
tram que os estágios profundos de meditação conduzem as ondas cerebrais a
frequências e amplitudes muito mais baixas de disparo que as alfa, semelhan-
tes às encontradas em sono profundo, porém, com o praticante desperto.
Talvez nem toda pessoa consiga alcançar um estado tão elevado de total
isolamento dos estímulos, sejam eles exteriores ou interiores. Porém, se o
praticante pudesse recorrer ao dhyāna, da forma como descrito previamente,
por algum tempo e de maneira regular, isso poderia se mostrar muito útil
para o enfrentamento das tensões anormais da vida agitada, tão comuns da
atualidade.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 127

Epílogo

O intuito neste livro foi delinear as linhas gerais dos vários procedimentos
utilizados na Yogaterapia, os princípios nos quais se baseiam e oferecer uma
explicação científica sobre seus efeitos. Essa terapia pode de fato ter valor
prático, desde que seus princípios não sejam misturados àqueles de qualquer
outra terapia. Mesmo em algumas das escolas modernas de Yoga, encontram-
-se fortes tendências e tentações à mistura, seja de maneira inocente, para
obter aval às suas teorias, ou para adicionar elegância às demonstrações. Pro-
fissionais da medicina, por outro lado, tendem a encarar o sistema como uma
forma de terapia por exercícios especiais. É verdade que os procedimentos
terapêuticos yogins contêm alguns exercícios, mas deve-se notar que a fisio-
logia dos exercícios comuns, violentos e dinâmicos, não pode ser aplicada
àqueles do Yoga. Todavia, a Yogaterapia não consiste de meros exercícios; é
um procedimento de tratamento composto, que dá atenção a todos os aspec-
tos da personalidade humana.
Ao encarar esses procedimentos de um ponto de vista terapêutico geral,
nota-se que esses métodos são indicados apenas para o tratamento de alguns
problemas crônicos. Ainda que a prática do Haṭha Yoga possa remediar mui-
tas disfunções metabólicas e até mesmo algumas deformidades e incapacita-
ções físicas, o verdadeiro lugar da Yogaterapia está no campo psicossomático
da medicina, onde parece possuir uma aplicação especial. Assim também,
casos de neurose vegetativa, em que a causa seja conhecida pelo paciente,
podem ser atacados diretamente por esta terapia, com considerável sucesso.
Casos de neurose de conversão podem demandar auxílio de métodos de psi-
canálise e outros recursos para uma cura completa. Caso este último seja pre-
cedido por um curso de práticas de Haṭha Yoga, como citado anteriormente,
auxiliando a desfazer tensões, o praticante pode ter sucesso até mesmo com
uma psicoterapia muito superficial e de curta duração.
A Yogaterapia, portanto, pode não ser muito útil em doenças agudas, nem
em processos infecciosos, mas como indicado anteriormente, pode prevenir
essas agressões por meio da melhoria geral da resistência e imunidade indi-
viduais. Pode também proporcionar tratamento auxiliar na reabilitação, de-
pois que a doença tenha sido tratada com sucesso pela medicina tradicional,
ajudando no restabelecimento de todas as funções fisiológicas e psicológicas

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individuais, uma vez que somente quando isso ocorre pode-se afirmar que
ocorreu uma verdadeira cura das doenças. Em processos infecciosos crôni-
cos, a Yogaterapia também pode proporcionar um tratamento auxiliar eficaz.
Tudo isso, todavia, demandará um bom entendimento e cooperação entre o
médico e o yogaterapeuta.
Os āsanas e prānāyāmas são comuns a ambos, tanto ao Yoga de Patañjali
quanto ao Haṭha Yoga. Porém, no Haṭha Yoga, os processos envolvidos são
mais variáveis do que aqueles do Yoga de Patañjali. A ação mais específica
do Haṭha Yoga, todavia, repousa no emprego minucioso de kriyās, bandhas e
mudrās. Os dois últimos possuem uma abordagem mais ou menos direta no
sistema neurovegetativo. Nos centros de saúde de Kaivalyadhama procura-se
utilizar uma combinação equilibrada de ambos os sistemas. No exercício des-
sas atividades, notou-se que o procedimento combinado acelera os resultados.
O Yoga de Patañjali demanda uma abordagem mais ou menos individual. Os
exercícios do Haṭha Yoga, por outro lado, podem ser ministrados em aulas
com maior número de praticantes, ajudando a desfazer as tensões nervosas
de várias pessoas de uma só vez. Estando as tensões nervosas desfeitas, fica
fácil pôr para fora as repressões profundamente enraizadas e lidar com elas
apropriadamente, com a cooperação do paciente. Minha experiência tem de-
monstrado que qualquer tentativa de exteriorizar tais repressões, sem que an-
tes as tensões tenham sido relaxadas, acarreta grandes riscos, algumas vezes,
até mesmo à vida do paciente. De outra maneira, demandaria um processo
de psicanálise profunda, que levaria um tempo considerável para ter sucesso
na produção de uma catarse que fosse suficiente. Também se descobriu em
Kaivalyadhama que, sob a presença persistente de tensões, o paciente não
está em posição de cooperar, nem tem disposição para isso. É devido a esse
fato que se recorre mais às práticas do Haṭha Yoga na terapia do que às do
Yoga de Patañjali.
Ao se prescrever o tratamento yogin é preciso ter em mente os requisitos
de cada caso individual. É claro que isto é uma verdade, qualquer que seja a
terapia, e é por isso que se deve primeiro conhecer seus princípios básicos.
Ainda que a Yogaterapia possua em geral muito poucas contraindicações, a
não ser aquelas indicadas anteriormente, suas práticas e procedimentos in-
dividuais deverão ser prescritos com a devida cautela e atenção, tendo em
mente os efeitos fisiológicos de cada uma delas. Assim, para a hérnia de disco,
por exemplo, devem ser evitados todos os exercícios que produzam aumento
da pressão intra-abdominal. Para a espondilólise, a maioria dos exercícios de

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 129

flexão e de alongamento será contraindicada; assim também, para a hiperten-


são arterial sistêmica, apenas exercícios e práticas que tenham caráter seda-
tivo devem ser indicados. Estes são apenas alguns dos principais exemplos
com o objetivo de mostrar a direção a ser seguida no tratamento. Existem
muitos exercícios e formas de tratamento especiais no Yoga destinados a vá-
rios desarranjos específicos, os quais não podem ser abordados em um texto
simples como este. Porém, o que foi apresentado até aqui deve ser suficiente
para mostrar que o Yoga pode encontrar lugar de destaque, como um ramo
especial da moderna medicina psicofísica.

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Apêndice A

Um programa de cultura física yogin para uma pessoa de


saúde mediana

Antes de dar início a essas práticas, sugere-se novamente a leitura das se-
ções sobre os āsanas, mudrās e bandhas e prānāyāma. Aprenda a sentar de
maneira relaxada e a experimentar a sensação oceânica, até que tudo aconteça
naturalmente sem muito esforço. Isso ajudará muito a tornar essas práticas
eficazes.

I. Prática fácil
1. Bhujaṅgāsana (cobra)
2. Ardha-śalabhāsana (meio gafanhoto)
3. Ardha-halāsana (meio arado)
4. Yoga-mudrā (símbolo do Yoga)
5. Paścimatānāsana (postura do alongamento posterior – pinça)
6. Ujjāyī (prática respiratória)

II. Prática breve


1. Bhujaṅgāsana (cobra)
2. Ardha-śalabhāsana (meio gafanhoto)
3. Dhanurāsana (arco)
4. Halāsana (arado)
5. Paścimatānāsana (postura do alongamento posterior – pinça)
6. Ardha-matsyendrāsana (meia postura de matsyendra)
7. Yoga-mudrā (símbolo do Yoga)
8. Viparīta karaṇi (postura da ação invertida)
9. Uḍḍiyāna (voo do pássaro – trava do abdome)
10. Ujjāyī (prática respiratória)

III. Prática completa


1. Bhujaṅgāsana (cobra)
2. Śalabhāsana (gafanhoto)

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 131

3. Dhanurāsana (arco)
4. Halāsana (arado)
5. Ardha-matsyendrāsana (meia postura de matsyendra)
6. Paścimatānāsana (postura do alongamento posterior – pinça)
7. Mayūrāsana (pavão)
8. Yoga-mudrā (símbolo do Yoga)
9. Śīrṣāsana (pouso sobre a cabeça)
10. Sarvāṅgāsana (postura da ação total – vela)
11. Matsyāsana (peixe)
12. Śavāsana (cadáver – relaxamento)
13. Uḍḍiyāna (voo do pássaro – trava do abdome)
14. Nauli (prática de massagem e limpeza abdominal)
15. Ujjāyī (prática respiratória)

Algumas sugestões com relação às práticas

1. A prática fácil se destina aos iniciantes e às pessoas que estejam com a


saúde frágil, mas que não tenham nenhuma doença específica.
2. A prática breve foi estruturada para as pessoas que não possam seguir a
prática completa, seja por falta de tempo, força ou vontade.
3. Todas as sugestões apresentadas aos aprendizes de cultura física yogin no
que tange à prática completa podem ser aplicáveis à prática breve, assim
como para a prática fácil.
4. Os exercícios indicados na prática breve podem ser iniciados a partir dos
9 anos de idade. Ujjāyī e uḍḍiyāna, no entanto, não devem ser iniciados
antes dos 12 ou 13 anos.
5. A prática breve pode ser realizada tanto por homens quanto por mulheres.
6. As pessoas que toleram realizar as práticas yogins pela manhã poderão, se
assim desejarem, realizar a prática abreviada tanto pela manhã quanto à
noite. Os outros devem praticar ujjāyī e uḍḍiyāna pela manhã, e o restan-
te dos exercícios à noite. Deve-se praticar ujjāyī também à noite.
7. A prática breve poderá ser encurtada, não pela omissão de qualquer das
práticas indicadas, mas pela realização de todos os exercícios em menor
quantidade.
8. Ainda que a execução da prática breve ou da fácil seja relativamente sim-
ples e inocente, as pessoas que estejam acometidas de doenças graves não
devem realizá-las sem supervisão.

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132 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Limitações

1. Os aprendizes de cultura física yogin farão bem em se lembrar das limi-


tações que foram, de tempos em tempos, indicadas no Yoga-Mimāṁsā
(periódico científico publicado bimestralmente por Kaivalyadhama) para
cada exercício, e que estão resumidas na próxima seção.
2. Pessoas que sofram de corrimento pelos ouvidos, de fraqueza dos vasos
capilares dos olhos ou de alguma debilidade cardíaca devem evitar a exe-
cução de śīrṣāsana. Para estes, assim como para as pessoas acometidas
de excesso de mucosidade nasal crônica, tanto viparīta karaṇi quanto
sarvāṅgāsana poderão ser praticados, mas com muita cautela. Bhujaṅgā-
sana, śalabhāsana e dhanurāsana devem ser evitados pelas pessoas que
possuem vísceras abdominais muito sensíveis, particularmente quando o
baço está excessivamente dilatado. As pessoas que sofrem de constipação
não devem praticar por muito tempo yoga-mudrā e paścimatānāsana.
3. Em geral, qualquer debilidade cardíaca torna as práticas de uḍḍiyāna,
nauli, bhastrikā e kapālabhāti proibidas ao portador. A fraqueza nos pul-
mões também requer a exclusão de kapālabhāti, bhastrikā e ujjāyī, ainda
que na prática de ujjāyī, a recaka e a pūraka possam ser realizadas por
tais praticantes, excluindo-se kumbhaka (retenção). Pessoas com a pres-
são arterial sistólica superior a 150 mm Hg ou inferior a 100 mm Hg não
devem praticar nenhum exercício yogin sem supervisão competente.

Atenção!
Qualquer pessoa que sofra de fraqueza considerável em qualquer parte
de seu corpo deve consultar um especialista que lhe aconselhe os exercícios
necessários e não iniciar a prática sem a orientação devida.

Cuidados

1. Os exercícios não devem levar o praticante a sentir fraqueza em nenhuma


circunstância. O aprendiz deve terminar suas práticas completamente re-
vigorado, com uma espécie de quietude do sistema nervoso.
2. Não é necessário executar toda a prática de maneira contínua. Poderá ser
proveitoso pontuá-la com convenientes períodos de descanso.
3. Mesmo assim, deve-se tomar cuidado para que o sistema não se canse
com um dispêndio de energia excessivo.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 133

4. Seja ousado com cautela, este é o conselho que repetimos a nossos apren-
dizes de cultura física yogin.
5. Caso haja uma interrupção considerável na prática desses exercícios, o
reinício deve ser feito numa escala mais modesta, ainda que a medida
completa possa ser alcançada rapidamente.
6. Após doenças graves, os exercícios só devem ser retomados depois que
o paciente recuperar energia suficiente para a sua prática. Como medida
de cautela, é desejável preceder o início da prática desses exercícios com
uma caminhada moderadamente longa todos os dias, por aproximada-
mente uma semana.
7. Os exercícios yogins nunca devem começar antes que decorra ao menos
uma hora e meia após a ingestão de alimento sólido (mesmo que em
quantidade moderada), ou depois de beber muito líquido. Meia xícara de
alimento líquido permite que os exercícios se iniciem em meia hora. No
mínimo, quatro horas devem se passar após uma refeição pesada.
8. Não haverá prejuízo em se alimentar em quantidade moderada meia hora
após os exercícios yogins.

Duração e sequência

1. A prática sugerida é muito genérica. As proporções de tempo e as repeti-


ções devem ser ajustadas de acordo com a capacidade de cada um, sob o
aconselhamento especializado de seu terapeuta.
2. Pessoas que queiram reduzir seu tempo de prática ao mínimo possível
devem adotar a prática breve. Aos iniciantes, todavia, aconselha-se come-
çar com a prática fácil, e gradativamente irem aumentando o volume de
treinamento, assim como a variedade das práticas, até chegarem à prática
completa.
3. Uḍḍiyāna, nauli, bhastrikā, kapālabhāti e ujjāyī devem ser praticados
pela manhã, na sequência aqui apresentada.
4. Uḍḍiyāna e nauli podem ser praticados pelas pessoas que sofrem de
constipação, mesmo antes que elas se sintam estimuladas a evacuar.
5. Antes da prática de nauli, pode-se tomar um pouco de água morna, 300
a 600 ml, com um pouco de sal de rocha (um grão a cada 30 ml). Isto
propiciará uma rápida movimentação dos intestinos.
6. Ujjāyī deve ser executado não apenas após a evacuação, mas sempre que

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134 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

possível, após um banho completo. As melhores posturas para essa práti-


ca são padmāsana ou siddhāsana.
7. Os āsanas são melhor executados à noite, pois os músculos estão mais
flexíveis do que de manhã.
8. Yoga-mudrā, bem como ujjāyī, também poderão ser praticados à noite.
9. Yoga-mudrā deve acompanhar os āsanas e ser praticado antes de
śavāsana.
10. Os exercícios yogins devem ser praticados na seguinte ordem, seja pela
manhã ou à noite: primeiro os āsanas, com yoga-mudrā; então bandhas
e kriyās e, por último, prāṇāyāma.
11. Ao praticar os āsanas, os aprendizes devem preservar a sequência das
várias posturas listadas. Ao se tornar bem treinados, no entanto, não pre-
cisam seguir essa sequência rigorosamente. A pessoa poderá escolher
executar os diferentes āsanas na ordem que preferir, procurando prati-
car primeiro os mais fáceis, deixando para depois os de maior grau de
dificuldade.
12. A omissão de uma determinada prática não desqualifica o aprendiz a
prosseguir com proveito a parte restante do programa.

Combinações com outros exercícios

1. Não há prejuízo em combinar práticas yogins a exercícios musculares


vigorosos.
2. Porém, estes não devem nunca ser praticados imediatamente um após o
outro. Deve-se deixar passar pelo menos um período de vinte minutos.
3. As pessoas interessadas em terminar seus exercícios com seu metabolis-
mo mais equilibrado devem deixar as práticas yogins para o fim. Aqueles
que desejarem terminar com um espírito de alegria exteriorizada devem
deixar os exercícios musculares para o final.
4. Quando se pratica caminhada como exercício, ela deve ser vigorosa e,
em termos de sequência, deve ser considerada um exercício muscular.
Um simples passeio deve ser considerado diferentemente e pode tanto
preceder como ser realizado após as práticas de Yoga.

Local

Qualquer local que seja bem ventilado poderá ser usado para as práticas

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 135

yogins. O único cuidado a tomar é não expor o corpo a uma forte corrente
de ar.

Assento

• Para o praticante que visa os aspectos espirituais, considera-se excelente o


arranjo tradicional do assento para a prática: uma esteira de palha kusha54,
sobre a qual se estende uma pele de veado bem curtida que, por sua vez,
é coberta por uma peça de khaddar (algodão) grosso, lavada diariamente.
Essa disposição de tecidos compõe um assento muito confortável. Para os
que tiverem objeções de consciência quanto ao uso de peles, recomenda-
-se a utilização de espesso de lã, dobrado diversas vezes.
• O aprendiz interessado nos aspectos físicos poderá usar um tapete que
seja suficientemente grande para acomodar o comprimento e a largura do
praticante deitado durante a prática. Do ponto de vista da higiene, tam-
bém é desejável que esse tapete seja coberto com uma peça de khaddar
grosso lavado diariamente.
• Embora atualmente os tapetes e tatames sintéticos predominem na práti-
ca de Yoga, tanto no Ocidente quanto na própria Índia, os aspectos tradi-
cionais, assim como os efeitos sutis dos materiais utilizados para compor
o assento foram levados em consideração para essa prescrição. Aqueles
que desejarem obter o máximo proveito de sua prática e alcançar benefí-
cios mais profundos e sutis devem seguir essas recomendações.

Exercícios yogins e o banho

• Os exercícios yogins devem ser precedidos por um banho completo. Ele


promove uma uniformização da circulação sanguínea pelo corpo, tornan-
do mais fácil a condução de um sangue mais rico para as articulações por
meio das práticas yogins.
• Entretanto, as práticas yogins, que são técnicas de mobilização global

54  N. T.: Na falta de uma esteira de palha kusha, uma esteira de qualquer outro tipo de pa-
lha servirá ao propósito. O nome científico desta gramínea com talos longos e pontudos é poa
cynosuroides, pertencente às verbenáceas, relacionadas à verbena hastata ou à verbena urticaefo-
lia, que, por sua vez, pode estar relacionada, aqui no Brasil, ao capim cidró ou cidreira da horta.
Talvez melissa (erva cidreira). É usado como assento por suas propriedades, pois é um poderoso
relaxante muscular.

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136 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

do organismo, não devem ser precedidas por banhos locais, recomen-


dados para a promoção de circulação sanguínea em regiões específicas.
Todavia, a combinação de banhos locais e determinados exercícios yogins
específicos pode vir a ser recomendada por um especialista.

Alimentos, bebidas e fumo

• Toda pessoa deve procurar encontrar os alimentos que lhe sirvam melhor,
independentemente dos ditames do seu paladar.
• Mesmo pessoas que possuam saúde acima da média devem se restringir
ao uso das variedades de alimentos que lhe sejam propícias. Toda re-
feição deve ser de quantidade moderada, bem mastigada de modo a se
misturar livremente com a saliva para que sua digestão seja facilitada.
• Pessoas com digestão fraca devem adotar uma dieta baixa em proteínas.
Devem se satisfazer com duas refeições por dia ou mesmo com apenas
uma, substituindo a outra refeição por um lanche leve.
• Aqueles que sofrem de dispepsia, constipação ou possuem algum pro-
blema relacionado ao ácido úrico fariam bem em evitar todos os tipos de
grãos. Devem evitar também batata, berinjela e cebola.
• Recomenda-se para todas as pessoas que não tomem água antes de de-
correr meia hora após a refeição. As pessoas que possuem capacidade
digestiva livre poderão tomar água durante a refeição (1/2 copo).
• Todas as bebidas alcoólicas devem ser cautelosamente evitadas. Estimu-
lantes tais como café e chá não devem nunca ser tomados em excesso e,
de preferência, devem ser eliminados completamente. Para o homem que
se importa com sua saúde, não pode haver bebida mais rica do que água
pura.
• O fumo, excessivo ou não, invariavelmente destrói os nervos após uso
prolongado. Nervos fracos, tosse persistente, dor de garganta etc. sempre
assediam o fumante inveterado e podem atacar mesmo o fumante menos
frequente.
• Todos os atos sexuais desnaturais e ilegítimos são pecaminosos. Os ex-
cessos, mesmo os cometidos em atos sexuais naturais e legítimos, tam-
bém são contraindicados.
• Nenhum ato sexual é saudável, a menos que seja realizado como uma
questão de absoluta necessidade fisiológica.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 137

Exercícios para mulheres e crianças

• Todo o curso proposto pode ser praticado pelas mulheres, com exceção
de mayurāsana.
• As mulheres devem suspender todas as práticas de Yoga quando estive-
rem menstruadas ou grávidas.
• Meninos e meninas devem iniciar suas práticas pela breve, para realizar a
prática completa mais tarde.
• Um bom conselho para meninos e meninas menores de 12 anos é se limi-
tarem apenas a bhujaṅgāsana, ardha-śalabhāsana, dhanurāsana, paści-
matānāsana, halāsana e yoga-mudrā. Após os 12 anos, poderão realizar
os exercícios restantes da prática completa.

Atenção!
A prática completa e as sugestões apresentadas destinam-se a uma pessoa
de saúde mediana. Pessoas abaixo da média poderão tentar a prática breve
ou, preferivelmente, deverão procurar aconselhamento especializado para a
prescrição dos exercícios mais adequados.

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138 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Āsanas
Meditativos

Padmāsana

A postura é realizada com as pernas cruzadas, conforme a ilustração, peito


do pé direito na virilha esquerda e peito do pé esquerdo na virilha direita.
Ambos os calcanhares tocam o abdome. As mãos são colocadas sobre os
calcanhares, direita no esquerdo, esquerda no direito, com as palmas viradas
para cima. Os olhos fixos na ponta do nariz. Toca-se o tórax com o quei-
xo, formando jālandharabandha; contrai-se e eleva-se o ânus, formando
mūlabandha. O praticante deve sentir-se alongado, alto e ereto em seu eixo
vertical.

Siddhāsana

*A mão direita está ajustada para a prática de pranayama.

Sentado, com as pernas cruzadas, mas desta vez, pressionando o calca-


nhar esquerdo contra o períneo, com a planta do mesmo pé encostada na
parte interna da coxa direita. Pressiona-se o calcanhar direito contra o osso
púbico, apoiando o peito deste pé sobre a perna esquerda. Os dedos dos pés

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 139

são inseridos nas dobras entre as panturrilhas e as coxas, deixando à vista


apenas o hálux (dedão do pé) direito. Acomoda-se a genitália atrás do pé
direito. Coloca-se as mãos sobre os joelhos, palmas para cima, formando o
jñāna-mudrā, conforme a ilustração, com o indicador e o polegar unidos. Os
olhos fixam-se em um ponto entre as sobrancelhas. Trava-se o queixo contra
o tórax, formando jālandharabandha.

Culturais

Bhujaṅgāsana

Deita-se de bruços, com a testa no solo. Apoia-se as palmas das mãos no


solo, ao lado do tórax, perto das costelas flutuantes – as pontas dos dedos ali-
nhadas com as linhas mamilares. Direciona-se o queixo para frente, elevando
a cabeça e projetando-a para trás, lenta, porém, completamente. Vise abrir a
região anterior do tórax, levando os ombros para trás e, lentamente eleva-se o
tórax, aproximando os cotovelos entre si na região posterior do corpo. Eleva-
-se também o abdome gradualmente, até que se perceba que a região umbili-
cal tende a se elevar. Nesse ponto, toda a parte superior do tronco é mantida
curvada para trás, estendida, sempre com o umbigo tocando o solo, mesmo
que haja facilidade em elevar mais o corpo. O olhar é direcionado para cima.
A postura é mantida por um tempo confortável e então o praticante volta na
ordem inversa e relaxa.

Śalabhāsana

Deita-se de bruços, com a testa no solo. Os punhos são fechados e pres-

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140 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

sionados contra o solo, ao lado dos glúteos. Inspira-se profundamente e a


respiração é suspensa. Toda a estrutura muscular é contraída e ambas as per-
nas são elevadas, tanto quanto se consiga. Depois de um tempo confortável o
praticante retorna e relaxa.

Ardha-śalabhāsana

Na mesma posição, eleva-se apenas uma perna de cada vez, fazendo um


ângulo de 45º. Neste āsana não há necessidade de retenção da respiração.

Dhanurāsana

Deitado de bruços, com a testa no solo e os braços posicionados ao lon-


go do corpo, eleva-se a cabeça. Os joelhos são flexionados e os tornozelos
são seguros pelas mãos. Procura-se estender os joelhos, sem que as mãos
se soltem. Isso faz com que o tórax se eleve, estendendo a coluna, enquanto
também ocorrerá a elevação das coxas. Todo o corpo ficará apoiado sobre o
abdome. Depois de uma permanência confortável, volta-se à posição original
e relaxa-se.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 141

Halāsana

Deitado de costas (decúbito dorsal), com os braços estendidos ao longo do


corpo, eleva-se as pernas lentamente, flexionando apenas os quadris, até que
elas façam um ângulo reto com o tronco. Então, as pernas são movidas em di-
reção à cabeça; apoiando firmemente as mãos no solo, e contrai-se o abdome,
elevando a região lombar e torácica da coluna. O movimento continua até que
os dedos dos pés se aproximem ou toquem o solo, tão próximos da cabeça
quanto possível. Os dedos dos pés vão sendo afastados cada vez mais para
longe da cabeça. No ponto mais distante, os braços são flexionados e os dedos
das mãos entrelaçados atrás da cabeça. Então os dedos dos pés escorregam
até o limite mais distante, aproximando-se o dorso do pé do chão. Volta-se à
posição original na ordem inversa, para relaxar.

Paścimatānāsana

Sentado, com as pernas estendidas e a coluna ereta, procura-se inicialmen-


te flexionar apenas os quadris, mantendo a coluna com as curvaturas naturais
preservadas. Segura-se os hálux (dedões do pé) com os dedos indicadores
em forma de gancho. Se possível, inclina-se o tronco ainda mais para fren-
te, aproximando o abdome das coxas e a testa das pernas. Na postura final,
relaxa-se e permite-se que a coluna se acomode livremente. Depois de uma
permanência confortável, volta-se à posição original.

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142 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Ardha-matsyendrāsana

Sentado no solo com as pernas estendidas, flexiona-se o joelho direito,


pressionando o calcanhar direito contra o períneo e a planta do pé toca a
parte interna da coxa esquerda. Flexiona-se o joelho esquerdo e apoia-se o pé
esquerdo no solo, do lado externo da coxa direita. Apoia-se a mão esquerda
no chão, atrás da coluna e gira-se o tronco para a esquerda, apoiando o braço
direito na coxa esquerda para fazer uma alavanca que auxiliará a torção. Se
possível, segura-se o pé esquerdo com a mão direita. Gira-se o tronco ainda
mais para a esquerda e a cabeça também, de modo a levar o queixo por cima
do ombro esquerdo. Se for fácil, pode-se passar o braço esquerdo por trás da
coluna lombar, até segurar a coxa direita com a mão esquerda. Depois de uma
permanência confortável, retorna-se à posição original e relaxa-se. A postura
deve ser repetida para o lado oposto, iniciando a técnica pela perna oposta,
trocando o que foi descrito como direito por esquerdo e vice-versa.

Mayūrāsana

Ajoelhado no solo, com os joelhos bem afastados, posiciona-se os an-


tebraços unidos, com as mãos no solo, os dedos apontando para as pernas.
Dessa forma, forma-se uma base de sustentação com ambos os cotovelos, em
que se pode apoiar o ponto central do abdome. Os quadris e os joelhos são
estendidos, mantendo por enquanto os pés no chão. Desloca-se o peso do
corpo para frente, retirando os pés do chão e buscando um alinhamento hori-
zontal, equilibrando-se nos antebraços. Permanece-se o tempo que o conforto
permitir e retorna-se para relaxar.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 143

Śavāsana

Deitado de costas (decúbito dorsal), com as mãos ao longo do corpo e


os olhos fechados. Os braços ficam um pouco afastados do corpo, com as
mãos em posição neutra, nem supinadas (palmas para cima), nem totalmente
pronadas (palmas para baixo). Para um bom relaxamento, sem muitas infor-
mações proprioceptivas musculares e/ou articulares, os dedos mínimos ficam
apoiados no chão e os polegares para cima. Os pés ficam um pouco afastados
entre si, sem exagero, também com a intenção de minimizar informações
sensoriais. Nessa postura, tenta-se relaxar todos os músculos. Respira-se um
pouco mais rítmica e profundamente, prestando atenção ao ato respiratório
e à movimentação abdominal que ocorre conjuntamente. Isso ajudará ainda
mais o relaxamento.

Mudrās e Bandhas

Viparīta karani

Deitado de costas (decúbito dorsal), com os braços estendidos ao longo


do corpo, eleva-se as pernas lentamente, flexionando apenas os quadris, até
que elas façam um ângulo reto com o tronco. Com a ajuda da contração ab-
dominal, apoiando-se nos braços, eleva-se a parte inferior do tronco. Apoia-
-se a região lombar nas palmas das mãos, de maneira que os dedos fiquem
próximos aos glúteos. Realiza-se a anteversão da pelve, colocando o peso

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144 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

das pernas e dos quadris sobre as mãos. Depois de algum tempo, volta-se à
posição original para relaxar.

Sarvāngāsana

Deitado de costas (decúbito dorsal), com os braços estendidos ao longo do


corpo, eleva-se as pernas lentamente, flexionando apenas os quadris, até que
elas façam um ângulo reto com o tronco. Então, com a ajuda da contração
abdominal, apoiando-se nos braços, eleva-se todo o tronco apoiando-se sobre
braços e cotovelos, até que ele se sustente ereto. As mãos suportam o tronco
por trás, apoiando as costelas. Depois de algum tempo, volta-se à posição
original para relaxar.

Matsyāsana

Cruza-se as pernas, realizando a trava dos pés, tal como em padmāsana.


Depois disso, deita-se de costas e deixa-se a coluna estendida, como uma
ponte arqueada, estendendo o pescoço, com a cabeça virada para trás, de ma-
neira que se apoia a região parietal e/ou occipital no solo, soltando o peso do
corpo na cabeça. Com cada um dos dedos indicadores em forma de gancho,
segura-se o hálux do pé oposto. Depois de algum tempo, volta-se à posição
original para relaxar.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 145

Śīrṣāsana

Ajoelha-se no solo, com as pontas dos pés apoiadas no chão e os calca-


nhares elevados. Os glúteos repousando sobre os calcanhares. Os dedos das
mãos ficam entrelaçados, preparando a trava dos dedos, que dará firmeza à
cabeça durante a postura. Mantém-se um ângulo de 60º entre os antebraços,
de modo que as mãos entrelaçadas representem o vértice. O afastamento en-
tre os cotovelos deve ser semelhante à distância entre os ombros. Posiciona-
-se a parte superior e frontal (transição entre o osso frontal e os parietais) da
cabeça apoiada no chão, logo atrás das mãos entrelaçadas, que ficam com os
dedos mínimos apoiados no solo e as palmas servindo de limite para o posi-
cionamento da cabeça. Os joelhos são estendidos, mantendo os pés no local
em que estavam. Caminha-se com os pés em direção à cabeça, trazendo os
dedos dos pés e as coxas para mais perto do corpo, sem flexionar os joelhos.
Quando os pés quase saem do chão, sem dar impulso, flexiona-se os joelhos,
retirando, então, os pés do chão. O praticante se equilibra sobre a cabeça,
com as coxas tocando o abdome e as pernas tocando as coxas, em posição
grupada. Quando isso for fácil, passa-se para a outra fase, em que as coxas se
afastam do corpo, estendendo os quadris, alinhando-as com o tronco, ainda
com os joelhos flexionados. Depois disso, eleva-se as pernas, estendendo os
joelhos, fazendo com que toda a estrutura se sustente verticalmente. Depois
de algum tempo, volta-se à posição original para relaxar.

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146 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Yoga mudrā

Sentado, com as pernas cruzadas (realizando a trava dos pés, tal como
em padmāsana), segura-se o punho direito com a mão esquerda, por trás das
costas. Inclina-se para frente, por sobre os calcanhares, até tocar o solo com a
testa. Depois de algum tempo, volta-se à posição original para relaxar.

Uḍḍiyāna

Ainda na posição sentada, as pernas cruzadas, realizando a trava dos pés,


tal como em padmāsana, inclina-se um pouco para frente, repousando as
mãos nos joelhos. Expira-se completamente, contraindo os músculos abdomi-
nais para esvaziar ao máximo os pulmões. Suspende-se a respiração e relaxa-
-se completamente o abdome. Pratica-se uma inspiração falsa, elevando as
costelas, como se fosse encher bem os pulmões de ar, mas sem permitir que
nenhum ar entre. O abdome assume uma aparência côncava, pois é sugado
pela pressão negativa gerada pela falsa inspiração. Isso constitui o uḍḍiyāna
sentado. A permanência deve ser confortável, sem que haja aflição por falta
de ar. Depois disso, relaxa-se a inspiração falsa, permitindo que as coste-
las retornem, abaixem. Apenas depois desse retorno é que a inspiração deve
acontecer, sem trancos respiratórios.

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 147

Kriyā

Nauli – (madhyamā, dakṣinā e vāma)

Permanecendo em uḍḍiyāna, os reto-abdominais são contraídos, como se


para projetá-los para baixo e para frente, na região logo acima do osso pú-
bico. Ao fazer isso, pressiona-se as coxas com as mãos. Com essa contração
dos reto-abdominais, eles se destacam dos outros músculos, que continuam
relaxados. Isso constitui o nauli-madhyamā.

Permanecendo em nauli-madhyamā, imprime-se mais pressão sobre a


coxa direita, com a mão direita, inclinando mais o corpo todo para o lado di-
reito. Simultaneamente, relaxa-se a compressão do lado esquerdo. Isso man-
tém contraído o reto abdominal direito, de maneira que ele se desloca mais
para a direita, e permite que o esquerdo fique inativo. Isso constitui o dakṣinā
nauli.

Permanecendo em nauli-madhyamā, imprime-se mais pressão sobre a


coxa esquerda, com a mão esquerda, inclinando mais o corpo todo para o
lado esquerdo. Simultaneamente, relaxa-se a compressão do lado direito. Isso
mantém contraído o reto esquerdo, de maneira que ele se desloca mais para
a esquerda, e permite que o direito fique inativo. Isso constitui o vāma-nauli.

Aprenda a realizar a prática, manipulando o nauli da direita para a esquer-


da, isto é, dakṣinā, madhyamā e vāma rítmica e rapidamente, 10 a 20 vezes.
Então, da maneira oposta, ou seja, vāma, madhyamā e dakṣinā, 10 a 20 ve-
zes. Esse conjunto de práticas constitui o nauli-kriyā.

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148 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Madhya nauli Daksina nauli Vama nauli

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 149

Apêndice B

Glossário sânscrito

abhaya libertação do medo


abhiniveśa falsa projeção de si mesmo
ābhyantara kumbhaka suspensão da respiração após inspiração profunda
ahimsā não violência
ananta-samāpatti sintonia com o infinito
angamejayatva perturbação do ritmo tônico de músculos e vasos
anusandhāna sensação oceânica
ālasya preguiça
aparigrahaḥ não cobiça
āsana postura
asmitā o Eu-Persona
asteyaṃ não apropriação indevida
avidyā entendimento errôneo, tomar o irreal por real
bandha arranjo fixo de músculos contraídos
bāhya kumbhaka suspensão da respiração após expiração completa
bhāvanā sugestão persistente
brahmacaryaṃ continência sexual
citta-prasādana esclarecimento da mente
daurmanasya depressão
dhāraṇa concentração; sexto item do currículo yogin
dhyāna meditação contemplativa; sétimo item do currículo
yogin
dvandva pares de opostos
dveṣa aversão
dukkha dor, sofrimento, aflição
Haṭha Yoga sistema do Yoga que inicia com a purificação do
corpo, como primeiro passo para o aperfeiçoamento
espiritual
īśvarapraṇidhānaṃ auto-entrega ao Deus pessoal
karma ação
kevala kumbhaka suspensão da respiração em estágio intermediário
kleśa estímulo, fator perturbador

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150 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

kriyā limpeza, purificação


kumbhaka suspensão da respiração
kunḍalinī energia potencial dormente na maioria das pessoas
mala fator perturbador do equilíbrio
maitrī amicabilidade
muditā sentimento de alegria e de prazer
mudrā gesto, símbolo
nāḍi nervo, canal
nāḍi śuddhi purificação dos canais de circulação e de comunicação
niyamas observâncias, auto-disciplinas; segundo item do
currículo yogin
prasupta adormecido
pratyāhāra recolhimento dos sentidos; quinto item do currículo
yogin
prāṇa energia vital, alento
prāṇaspandana cessação dos impulsos prāṇicos
prāṇāyāma controle yogin da respiração, ou da energia vital;
quarto item do currículo yogin
praśvāsa o ar que flui para fora dos pulmões, expiração
pūraka controle inspiratório
pūrṇa kumbhaka suspensão da respiração após profunda inspiração
rāga apego
recaka controle expiratório
sādhaka um aspirante que procura se desenvolver
espiritualmente
samādhi oitavo item do currículo yogin, em que o praticante,
tanto se encontra face a face com o infinito, quanto se
funde com ele
sannahana vestir uma armadura ou estar bem preparado
santoṣaḥ contentamento
satyaṃ veracidade
styāna indolência
sūtra fio condutor, ou fio no qual são presas as contas de um
colar; termo utilizado para nomear textos sagrados da
antiga Índia, elaborados na forma de aforismos, ou
seja, com um mínimo de palavras para denotar um
máximo de conteúdo, ligados entre si, de modo a
propiciar o entendimento de verdades fundamentais

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 151

svādhyāyaḥ estudo das escrituras sagradas


śaktināḍi canal de comunicação, intestino grosso
śaucaṃ pureza
śāstra ciência ou tratado
śodhana processo de limpeza ou purificação
śūnya kumbhaka suspensão da respiração após expiração completa
śvāsa ar que flui para dentro dos pulmões, inspiração
tanu moderado e ineficaz
tapas austeridades
udāra livre, irrestrito
vairāgya desinteresse, estado desapaixonado
vāsanā falsa noção impressa na mente, inconscientemente
vicchinna interceptado
vikṣepa perturbação psico-fisiológica
viveka discernimento
vrata comportamento, hábito
vyādhi doença
yamas abstinências, auto-refreamentos; primeiro item do
currículo yogin
Yoga integração, união
yukti técnica

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152 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Apêndice C

Glossário de termos técnicos

aferente Impulsos nervosos periféricos que rumam ao sistema


nervoso central (SNC), ou no próprio SNC, dos centros
inferiores à córtex
alfa, ondas ou ritmo Uma determinada categoria de ondas obtidas no ele-
troencefalograma. Acontecem em uma frequência de
8-12/seg
alvéolos Sacos aéreos dos pulmões
ambivalência Coexistência, consciente ou inconsciente, de senti-
mentos ou atitudes opostos, em relação a uma mesma
pessoa ou objeto
anfotérico Que possui ambas as propriedades: ácida e básica
arteríolas Artérias muito pequenas
barorreceptores Terminações nervosas localizadas nas paredes do seio
carotídeo e do arco aórtico, sensíveis ao estiramento
provocado por alterações na pressão arterial, ou à pres-
são exercida diretamente sobre eles, a partir do exterior
bronquíolo Uma pequena subdivisão dos brônquios, que são as
ramificações principais das vias aéreas
catarse Na psicanálise, é a purgação de emoções através do
reavivamento de ideias, reprimidas ou esquecidas, de
eventos responsáveis por tensões
ceco Grande bolsa na qual se inicia o intestino grosso
centros sub-corticais Centros que se encontram abaixo da córtex cerebral
cérebro Parte principal do encéfalo, ocupa a quase totalidade da
parte superior do crânio e consiste de duas metades, ou
hemisférios cerebrais, direito e esquerdo
impulsos Impulsos nervosos da medula espinhal e do cérebro
cérebro-espinhais

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 153

cérebro-ocular Que envolve ambos o cérebro e os olhos


cerebelo Parte inferior do encéfalo, constituída por dois lobos
laterais e pelo lobo medial. Principal responsável pela
manutenção do equilíbrio
cólon, colite Intestino grosso. A colite é uma inflamação do cólon
corpo estriado Um conjunto de núcleos sub-corticais (vide córtex),
principalmente relacionados a impulsos tônicos e algu-
mas funções motoras. Ele é principalmente formado
pelos núcleos caudado e lentiforme
córtex Camada superficial de alguns órgãos. Geralmente uti-
lizado para indicar a córtex cerebral, isto é, a camada
cinzenta externa do cérebro
córtex suprarrenal Substância cortical (externa) das glândulas suprarrenais,
que tem secreções próprias; essas secreções são coleti-
vamente chamadas corticosteroides ou cortisona
cortisona Um constituinte do extrato do córtex suprarrenal
eferente Que conduz impulsos nervosos do córtex cerebral, ou
dos centros inferiores, ou da medula espinhal, para
músculos e glândulas
ego A consciência de um eu distinto dos outros
encéfalo Crânio, cabeça
endócrino Relativo às glândulas cuja secreção se transmite di-
retamente à corrente sanguínea, tais como tireoides,
pituitária etc.
enfisema Condição na qual existe uma hiperdistensão dos sacos
de ar dos pulmões
enzima cerebral Uma enzima é uma secreção de células vivas que pos-
sui uma ação específica na promoção de alterações
químicas. A enzima cerebral possui uma ação específi-
ca nos tecidos do cérebro
esfíncter cardíaco Esfíncter da extremidade mais baixa do esôfago, junto
ao estômago
espasticidade Aumento da tensão muscular com a perda parcial ou
completa do controle voluntário
espondilólise Dissolução dos ossos da coluna

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154 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

esquizofrenia Uma perturbação mental, da realidade, dos relacio-


namentos, e da formação de conceitos, que afeta
as sensações do praticante, seu pensamento e seu
comportamento
faringe A cavidade formada pela parte superior do esôfago,
que fica por trás do nariz, boca e caixa da voz

fílico Pertencente ao filum, isto é, uma espécie ou divisão


principal do reino animal ou vegetal
filoanálise e Análise e síntese da conduta do homem como espécie
filossíntese

filogênese Regras que governam a história genealógica da evolu-


ção das espécies de animais ou plantas
gânglios basais Termo utilizado para determinados centros
sub-corticais
hipertonia Excesso de tonicidade muscular
hipogástrica (região) A região medial entre o púbis e o umbigo
hipotálamo Uma região do cérebro que regula a maioria das fun-
ções autônomas
hipotonia Redução da tonicidade muscular

homeostase Manutenção de estados estáveis no organismo, por


meio de processos fisiológicos coordenados, integrados
por ajustes automáticos, de modo a manter dentro de
limites estritos as perturbações resultantes das altera-
ções do entorno do organismo
imunidade Condição de um organismo vivo pela qual ele resiste e
supera as infecções
inibição Redução na, ou prevenção da, resposta a estímulos
kapha Tendência do corpo a secretar muco e formar tecidos
(um conceito ayurvédico)
labirinto Um intrincado sistema de canais e cavidades que se
comunicam entre si, que constituem o ouvido interno e
são responsáveis pela manutenção do equilíbrio

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 155

linfa A linfa é um líquido transparente e esbranquiçado,


levemente amarelado ou rosado, alcalino, constituído
essencialmente pelo plasma sanguíneo e por glóbulos
brancos
metabolismo Fenômeno da assimilação dos alimentos em tecidos
complexos (anabolismo), e de desassimilação de subs-
tâncias complexas em substâncias menos complexas
(catabolismo) na produção de energia
mucosa ou membrana Revestimento de várias cavidades tubulares do corpo,
mucosa com glândulas que secretam um fluido viscoso denomi-
nado muco
músculo levantador Principal musculatura do diafragma pélvico, assim cha-
do ânus mado por ajudar a elevar o ânus
neurose de conversão Desarranjo psiconeurótico, no qual os impulsos que
causam ansiedade são convertidos em sintomas funcio-
nais simbólicos em órgãos e partes do corpo, particu-
larmente naqueles que estão sob o controle voluntário

neurose vegetativa Desarranjo psicofisiológicos dos órgãos internos em


que, na maioria dos casos, o paciente lhe conhece a
causa
occipital Região pertencente à parte de trás da cabeça
ontogênese Regras que governam o desenvolvimento individual de
um ser organizado (distintamente da filogênese – vide
item filogênese neste apêndice)
osmótica (pressão) Pressão pertencente à osmose, isto é, a difusão de líqui-
dos através de uma membrana porosa
paraplégico Pessoa com paralisia dos membros inferiores
parietal Região acima dos ossos parietais, isto é, aqueles que
formam as laterais e o topo do crânio
pélvico (assoalho ou Musculatura que forma o assoalho da cavidade em for-
diafragma) ma de bacia (a pelve) na extremidade inferior do tronco
profilaxia Prevenção à doença, medidas de prevenção à doença
proprioceptivos Impulsos que se originam em receptores nos músculos,
(impulsos) tendões, articulações e no ouvido interno, relacionados
à locomoção e manutenção da postura

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156 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

psicossomático Pertencente à mente e ao corpo


psiquiatria Tratamento das doenças da mente
receptores Células especializadas no recebimento de estímulos,
isto é, que possuem aumentada irritabilidade a determi-
nados estímulos
receptores de Terminais nervosos que conduzem a sensação da per-
alongamento cepção do alongamento em um músculo
reflexo Uma simples resposta inata a estímulos específicos
reflexo postural Qualquer um dos muitos reflexos associados ao estabe-
lecimento da postura de um indivíduo
seio carotídeo Uma pequena dilatação da artéria carótida comum,
onde ela se bifurca no pescoço. Suas paredes são iner-
vadas e está relacionado à regulação da pressão sanguí-
nea sistêmica
sensação cinestésica Sentido da percepção de movimentos, peso, resistência
e posição
septal (região) Uma região específica do cérebro próxima à partição
(septo) que constitui a fronteira interna dos ventrículos
laterais (ou cavidades nos hemisférios do cérebro)
simpático Pertencente à atividade das glândulas suprarrenais e
do sistema nervoso simpático, ambos os quais estão
inter-relacionados

sistema nervoso au- O sistema nervoso que promove e exerce uma influên-
tônomo (s.n.a.) cia regulatória sobre músculos involuntários, glândulas,
órgãos internos, etc. Este sistema se divide em sistema
simpático e sistema parassimpático (vide Sistema Ner-
voso Central)
sistema nervoso cen- A parte do sistema nervoso constituída pelo cére-
tral (s.n.c.) bro e pela medula espinhal (vide Sistema Nervoso
Autônomo)
solução hipertônica De concentração excedente, ou seja, com mais de 0,9 g
de sal para cada 100 ml de água
substrato postural Um sistema de reatividade mental, assim como física,
que determina e constitui o pano de fundo de todo o
comportamento do homem e de seus órgãos

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Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos 157

suprarrenais Glândulas localizadas no topo dos rins, elas secre-


tam especificamente a adrenalina, também chamada
epinefrina
tálamo Uma massa de substância cinzenta na base do cérebro,
que recebe fibras de todas as partes do córtex e remete
fibras de projeção a suas áreas principais, funcionando,
assim, como um centro de distribuição
tegmento Parte dorsal da ponte basal do cérebro, que fica entre a
ponte e o assoalho do 4º ventrículo
terminal sensorial Terminal nervoso que conduz sensações

tônico-interoceptiva Reação na tonicidade muscular, resultante de mensa-


(reação) gens dos interoceptores, isto é, receptores no corpo que
levam mensagens acerca da condição do próprio corpo
vasoconstrição e Constrição e dilatação de vasos sanguíneos
vasodilatação

vasomotor Que regula a contração e a expansão de vasos


sanguíneos
vênulas Pequenas veias
víscera Plural de viscus, isto é, órgão interior
vírus Agente causador de doenças, menor que as bactérias
volitivo Relativo à volição, isto é, ao exercício da vontade

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158 Yogaterapia - Princípios e Métodos Básicos

Apêndice D

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