Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Processo nº 43/97.
2ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra
I
1. Após ter transitado em julgado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
proferido em 30 de Junho de 1994, o qual, por entre o mais, veio a condenar o arguido
A. na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela autoria de um crime
continuado de furto qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos
artigos 297º, nº 1, alínea a), 30º, nº 2, e 78º, nº 5, todos do Código Penal, e de um
crime de burla agravada, previsto e punível pelas combinadas disposições dos artigos
313º e 314º, nº 1, alínea c), 30º, nº 2, e 78º, nº 5, estes também daquele corpo de leis,
fez o mesmo arguido juntar aos autos requerimento por intermédio do qual, em
síntese, solicitou que - ponderando que as alterações introduzidas no Código Penal
pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, vieram a estabelecer molduras penais
menos gravosas para os tipos de ilícito pelos quais ele foi condenado - viesse a ser
efectuado julgamento "com vista a decidir quais as disposições penais mais
favoráveis ao arguido, se as vigentes no momento da prática dos factos puniveis ou as
posteriores, as introduzidas pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15/3, e a decidir em
conformidade".
O assim peticionado veio a ser indeferido por despacho de 12 de Julho de
1996, prolatado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça,
essencialmente com base no argumento segundo o qual, estando já transitado o
acórdão proferido por aquele Supremo, não tinha aplicação o disposto no nº 4 do artº
2º do Código Penal, sendo certo ainda, por um lado, que, aquando da data do
proferimento do acórdão do mesmo Alto Tribunal, ainda não se encontravam em vigor
as alterações introduzidas naquele Código pelo D.L. nº 48/95 e, por outro, que a
"ressalva da parte final do nº 4 do artº 2º CP, se confrontada com o disposto no artº
666º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, tem de ser entendida como com ela não entrando em
colisão".
Desse despacho reclamou o arguido para a conferência vindo, de entre o mais,
a sustentar que a norma constante do nº 4 do artº 2º do Código Penal é materialmente
inconstitucional na parte em que ressalva o trânsito em julgado, visto ofender o nº 4 do
artigo 29º da Lei Fundamental, outrossim ofendendo esta última disposição a norma
constante do nº 1 do artº 666º do Código de Processo Civil "se interpretada no sentido
de o trânsito em julgado da decisão ter de ser aferido ao momento da prolação do
acordão e de que a partir daí o poder jurisdicional do juiz se esgota".
2. O aludido Supremo Tribunal, por acórdão de 14 de Novembro de 1996,
manteve o despacho impugnado, em face das razões nele aduzidas, acrescentando que
"[q]uando o artº 29º, nº 4 da CRP dispõe que se aplicam «retroactivamente as leis
penais de conteúdo mais favorável ao arguido» de forma alguma pretende pôr em
causa o valor do caso julgado e do esgotamento do poder jurisdicional do juiz (artºs
666º, nº 1 e 671º, nº 1 CPC e 4º CPP)".
É deste aresto que vem, pelo A., interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, visando a apreciação da desconformidade com o Diploma Básico de
que enfermarão, na sua óptica, as normas do nº 4 do artº 2º do Código Penal - "na
interpretação segundo a qual o Supremo Tribunal de Justiça, quando há alteração
das leis penais, não tem que, oficiosamente, proceder a novo julgamento para aferir
da aplicação ou não da lei nova, mesmo que entretanto tenha transitado em julgado a
decisão anterior sem ter havido julgamento para aferir qual a lei concretamente mais
favorável", e "na interpretação segundo a qual para julgar qual a lei mais favorável,
se a vigente no momento da prática dos factos se a posterior, não é necessário ouvir o
Mº Pº e os arguidos, apresentar motivação de recurso e efectuar novo julgamento" - e
do nº 1 do artº 666º do Código de Processo Civil - "se interpretada no sentido de o
trânsito em julgado da decisão ter de ser aferido ao momento da aplicação da lei, ou
seja, ao momento da prolação do acordão e de que a partir daí o poder jurisdicional
do juiz se esgota".
3. Determinada a feitura de alegações, produziram-nas o recorrente e o
Ministério Público.
O primeiro concluiu a peça processual por si apresentada do seguinte modo:-
"1 - A norma do artº 2º nº 4 do Código Penal, ao limitar a
aplicação retroactiva da lei penal mais favorável aos casos em
que não tenha havido trânsito em julgado da sentença - ou
acordão - colide frontalmente com a norma do artº 29º nº 4 da
CRP, pelo que é materialmente inconstitucional;
2 - A norma do artº 29º nº 4 da CRP está inserida no título II da
Parte I, Capítulo I, Direitos Liberdades e Garantias, pelo que é
aplicável directamente vinculando entidades públicas e privadas,
por força da norma do artº 18º nº 1 da CRP;
3 - A norma do artº 2º nº 4 do Cód. Penal é restritiva de
direitos, liberdades e garantias, pelo que viola também a norma
do artº 18º nº 3 da CRP, uma vez que diminui a extensão e o
alcance do conteúdo essencial da norma do artº 29º nº 4 da CRP,
colidindo com o princípio da aplicação retroactiva da lei penal
mais favorável, com o princípio da máxima restrição da pena, da
igualdade;
4 - Por força da norma do artº 18º nº 2 da CRP a lei ordinária
só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na constituição, pelo que a norma do
artº 2º nº 4 do Cód. Penal só poderá ser conforme à constituição
se outra norma, ou princípio constitucional, permitir ao
legislador ordinário restringir a extensão e alcance da norma do
artº 29º nº 4 da CRP;
5 - O STJ invoca em apoio da sua tese de conformidade
constitucional da norma do artº 2º nº 4 do Cód. Penal, o
princípio da intangibilidade do caso julgado e o princípio 'ne bis
in idem' mas não lhe assiste razão;
6 - O princípio da intangibilidade do caso julgado não tem
consagração constitucional hoje, como também não a tinha na
versão originária da CRP/76, no sentido de impedir a aplicação
retroactiva da lei penal mais favorável.
7 - Mesmo no domínio da versão originária do artº 281º nº 2 da
CRP/76, a boa doutrina defendia e a Comissão Constitucional
julgou que não estava consagrado constitucionalmente o
princípio intangibilidade do caso julgado;
8 - Após a revisão de 1982, o limite imposto no artº 281º nº 2 da
CRP originária desapareceu e o artº 282º nº 3 da CRP veio
dispôr que, desde que a norma da lei nova respeite a matéria
penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social, e for de
conteúdo mais favorável ao arguido, não ficam ressalvados os
casos julgados;
9 - Por sua vez o princípio 'ne bis in idem' não pode obstar à
aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, porque este
princípio, contido na norma do artº 29º nº 5 da CRP, não
conflitua nem colide com o do artº 29º nº 4, porquanto é um
direito subjectivo fundamental, é uma norma de protecção do
indivíduo contra o Estado, uma garantia política, uma segurança
jurídico-penal individual face ao 'jus puniendi' do Estado, não
proibindo novo julgamento para aplicação da lei penal mais
favorável, mas sim que quem tenha sido definitivamente
absolvido, torne a ser julgado pela prática do mesmo crime, ou
que haja dupla punição pela prática do mesmo crime;
10 - O princípio do caso julgado cede sempre que são
publicadas leis de amnistia, ou que por alteração da lei penal,
disciplinar ou de mera ordenação social, deixe de ser crime ou
infracção disciplinar ou contraordenacional, um determinado
comportamento, havendo necessidade de reformular as penas, ou
mesmo nos casos em que há necessidade de efectuar cúmulos
jurídicos supervenientes;
11 - Se no domínio do direito penal, disciplinar ou de mera
ordenação social, o caso julgado ou o princípio 'ne bis in idem'
fossem intransponíveis para a aplicação da lei penal mais
favorável, verificava-se violação do princípio da igualdade e da
máxima restrição da pena, consagrados no artº 13º nº 1 e 18º nº
1 da CRP/76, porque aconteceria que individuos que tivessem
praticado o mesmo crime, mas fossem julgados com decisões
transitadas, uma na vigência da lei velha e outro na vigência da
lei nova mas mais favorável, teriam penas diferentes;
12 - A aplicação retroactiva da lei penal mais favorável não
colocará especiais problemas de ordem processual em Portugal,
não será o 'descalabro', o 'caos', como alguns querem fazer crer,
pois é tudo uma questão de coragem, de vontade política, na
medida em que países como o Brasil e a Espanha o fazem;
13 - De igual forma o facto de a norma do artº 29º nº 4 da CRP
conter a palavra 'arguido' e não de 'condenado', a exemplo do
que acontece com a norma do artº 282º nº 3 da CRP, não
significa que tivessem querido excluir do seu campo de aplicação
os casos em que 'hic et nunc' o cidadão já não teria o estatuto de
arguido mas sim o de condenado;
14 - Porque a norma do artº 29º nº 4 da CRP já na versão
originária tinha a palavra arguido e a do artº 282 nº 3, desde a
revisão constitucional de 1982, no momento, portanto, em que o
CPP/29 estava em vigor e não continha tal terminologia, uma
vez que a palavra arguido apenas substituiu a de réu - CPP/29 -
desde a entrada em vigor do CPP/87, tratando-se pois de
argumento meramente formal;
15 - O STJ sustentou que o trânsito em julgado de uma decisão
tem de ser aferido em relação ao momento da aplicação da lei,
ou seja, ao momento da prolação do acordão, esgotando-se o
poder jurisdicional do juíz a partir daí por força da norma do
artº 666º nº 1 do CPC, mas não lhe assiste razão, porque da
mesma forma que uma lei de amnistia, v.g., pode conduzir a que
o S.T.J., ou outro tribunal, tenha que modificar a sentença ou o
acordão, reformulando a pena, ou tenha a necessidade de
efectuar cúmulo jurídico, também a superveniência de uma lei
penal mais favorável determinará a reformulação da pena, com
a consequente alteração da sentença ou do acordão;
16 - De qualquer das formas, a norma do artº 666º nº 1 do CPC
não pode sobrepor-se ou limitar o sentido e a extensão da norma
do artº 29º nº 4 da CRP, pelo que se interpretada no sentido de
que o poder jurisdicional do juíz se esgota e por essa via não
pode ser aplicada retroactivamente a lei penal mais favorável, é
materialmente inconstitu- cional, por violação da norma do artº
29º nº 4 e 32º nº 1 da CRP;
17 - Quando o recorrente requereu ao STJ que fosse efectuado
novo julgamento para aplicação da lei nova mais favorável,
ainda não tinha transitado o acordão condenatório do STJ, pelo
que deveria ter sido efectuado novo julgamento;
18 - O julgamento para aferir da aplicação ou não da lei nova,
ou seja, o julgamento se a lei nova é mais favorável ou não,
implica que seja ouvido o MºPº e o recorrente, com
apresentação, se o desejar, de nova motivação de recurso, em
que tome posição sobre qual a lei mais favorável, e, v.g., em que
sentido, qual o 'quantum' da pena a aplicar à luz da lei nova;
19 - A norma o artº 2º nº 4 do Cód. Penal, é materialmente
inconstitucional e, naturalmente, também na 'interpretação
segundo a qual o Supremo Tribunal de Justiça, quando há
alteração das leis penais, não tem que, oficiosamente, proceder a
novo julgamento para aferir da aplicação ou não da lei nova,
mesmo que entretanto tenha transitado em julgado a decisão
anterior sem ter havido julgamento para aferir qual a lei
concretamente mais favorável', por violação da norma do artº 29
nº 4 da CRP;
20 - A norma do artº 2º nº 4 do Cód. Penal é materialmente
inconstitucional, por violação da norma do artº 29º nº 4 da CRP,
na interpretação segundo a qual para julgar qual a lei mais
favorável, se a vigente no momento da prática dos factos ou se a
posterior, não é necessário ouvir o Mº Pº e os arguidos,
apresentar motivação de recurso e efectuar novo julgamento, por
violação da norma do artº 29º nº 4 da CRP;
21 - A norma do nº 1 do artº 666º do CPC é materialmente
inconstitucional, por violação das normas do artºs 29º nº 4 e 32º
nº 1 da CRP, se interpretada no sentido de o trânsito em julgado
da decisão ter de ser aferido no momento da aplicação da lei, ou
seja, ao momento da prolação do acordão e de que a partir daí o
poder jurisdicional do juíz se esgota;
22 - O presente recurso tem toda a utilidade, na medida em que
o recorrente foi julgado e condenado pela prática de um crime p.
e p. no artº 297º nº 1 al. a) do Cód. Penal, na forma continuada e
de um crime p. e p. no art. 314º nº 1 al. c) do Cód. Penal, na
forma continuada e posteriormente, mesmo antes do trânsito em
julgado da decisão, o Cód. Penal foi alterado, sendo que hoje os
factos imputados subsumem-se, na pior das hipóteses, na norma
do artº 204º nº 1 al. c) e 218º nº 1 do Cód. Penal revisto, com
pena de prisão até 5 anos;
23 - A nosso ver os factos subsumem-se nas normas do artº 203º
e 207º do Cód. Penal, porque as agravantes do artº 204º e 218º
do mesmo código não são de funcionamento automático, mas sim
caso a caso, quando ocorra o especial desvalor da acção ou do
resultado que a lei levou em conta para fundamentar a
qualificativa;
24 - Embora esta matéria deva ser discutida no tribunal 'a quo'
sempre cumpre dizer que no caso concreto não se verificam as
agravantes. face à lei nova, que é concretamente mais favorável;
25 - Devem pois ser julgadas materialmente inconstitucionais
as normas dos artºs 2 nº 4 do Cód. Penal e artº 666º nº 1 do
CPC."
De seu lado, rematou o Ministério Público a sua alegação dizendo:-
"Suscitada a questão de inconstitucionalidade da norma do nº 4
do artigo 2º do Código Penal por limitar a aplicação retroactiva
da lei penal mais favorável aos casos em que ainda não tenha
havido trânsito em julgado da decisão e assim colidir com a
norma do artigo 29º, nº 4, da Constituição, mas não podendo, no
caso, o Tribunal Constitucional tomar posição sobre se a suposta
lei penal mais favorável o é ou não - por na lógica do recurso ser
matéria a discutir no tribunal 'a quo' - e, consequentemente, se
deve ou não prevalecer sobre o caso julgado, deverá julgar-se
improcedente o recurso, por, embora se admita que aquela
norma pode colidir com a referida norma constitucional, não
pode afirmar-se que tal possa acontecer em todos os casos".
Cumpre decidir.
II
1. Preliminarmente anotar-se-á que, muito embora no requerimento de
interposição do vertente recurso o ora impugnante tenha suscitado a
inconstitucionalidade da norma ínsita no nº 4 do artº 2º do Código Penal na dimensão
segundo a qual "o Supremo Tribunal de Justiça, quando há alteração das leis penais,
não tem que, oficiosamente, proceder a novo julgamento para aferir da aplicação ou
não da lei nova, mesmo que entretanto tenha transitado em julgado a decisão
anterior", e na sua alegação começasse por equacionar a questão "aos casos em que
ainda não tenha havido trânsito em julgado" (cfr. transcrita «conclusão» 1), isso não
significa que se tenha ineludivelmente de entender que o mesmo quis limitar o objecto
do recurso referentemente à falada norma e quanto às situações em que ainda se não
formou caso julgado.
2.1.5. O que se veio de expor no antecedente ponto 2.1.3. não deixa, de certa
sorte, de ser aplicável, com os devidas adaptações, é certo, a uma argumentação que
esgrima com facto de a restrição de que nos ocupamos ir brigar com o denominado
princípio «da máxima restrição da pena».
De facto, se constitui valor ou interesse constitucional o do respeito pelo caso
julgado como regra, aqueloutro princípios «da máxima restrição da pena» haverá de
ser com ele perspectivados em termos de se alcançar uma concordância prática, não
olvidando o que, globalmente a respeito da matéria, se refere no próprio texto da
Constituição.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 17 de Novembro de 1998
Bravo Serra
Messias Bento
Guilherme da Fonseca
Luís Nunes de Almeida
José de Sousa e Brito (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
José Manuel Cardoso da Costa
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, por considerar inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 4º do
Código Penal, na parte em que exceptua os casos de condenação por sentença transitada
em julgada da aplicação retroactiva do regime penal que se mostrar mais favorável ao
agente, por violação do nº 4 do artigo 29º da Constituição.
1. O nº 4 do artigo 29º da Constituição: a letra e a história são inconclusivas.
O texto do nº 4 do artigo 29º da Constituição resulta da versão originária da
Constituição, tendo sofrido algumas modificações na revisão de 1982. Na versão
originária tinha o seguinte teor: "Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança
privativa da liberdade mais grave do que as previstas no momento da conduta,
aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido". O
texto aprovado, por unanimidade e sem discussão, na sessão de 27 de Agosto de 1975
(com o singular "a prevista" : Diário da Assembleia Constituinte, p.1020) resultava da
junção da proposta do PPD (correspondente à primeira frase) com a do PS
(correspondente à segunda frase). Ao tempo estava em vigor o nº 2 do artigo 6º do
Código Penal de 1886 (introduzido pela Nova Reforma Penal de 1884) segundo o qual:
"Quando a pena estabelecida na lei vigente ao tempo em que é praticado a infracção for
diversa das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicada a pena mais leve ao
infractor, que ainda não estiver condenado por sentença passada em julgado". Embora
esta última restrição introduzida no debate parlamentar, contra a proposta do Governo e
contra a do anterior projecto do Levy Maria Jordão, tivesse sido vivamente criticada na
discussão parlamentar da Nova Reforma Penal (cfr. Henriques da Silva, Elementos de
Sociologia Criminal e Direito Penal, Coimbra, 1905, pp. 138 ss.), e igualmente na
doutrina portuguesa que se lhe seguiu (Henriques da Silva, op.cit., pp.149 ss., Caeiro da
Matta, Direito Criminal Português, II, Coimbra, 1911, p.50) e em parte da doutrina
recente (Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal de 1940-1941, ed. Carmindo
Ferreira, Henrique Lacerda, 2ª ed., Lisboa, 1945, p.113; a mesma opinião manteve-se no
ensino: cfr., no mesmo sentido, Direito Penal Português, I, Lisboa, 1981, p.119), a
verdade é que Eduardo Correia tinha proposto na Comissão revisora do Código Penal a
reprodução da doutrina do nº 2 do artigo 6º, em termos substancialmente idênticos aos
do nº 4 do artigo 2º do actual Código, e a proposta fora aprovada por unanimidade
(Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, separata do Boletim do
Ministério da Justiça, Lisboa, 1965, I, p. 64). Neste contexto nada indica que os
constituintes se tivessem representado a polémica antiga, nem que tenham querido
inconstitucionalizar a disposição citada do direito em vigor, na parte em que exceptuou
as condenações transitadas em julgado, ou, em alternativa, a do nº 1 do mesmo artigo,
que não acolhia, explicitamente, tal excepção, antes ordenava a extinção da pena, tenha
ou não começado o seu cumprimento, se a lei nova eliminar a infracção correspondente.
Na verdade, se alguma indicação há, é no sentido contrário, uma vez que um dos
deputados que votaram o artigo foi Costa Andrade, que é um dos defensores da solução
legal então e hoje em vigor. Há que entender que a Constituição se limitou a consagrar o
princípio da retroactividade da lei mais favorável no caso central da sua aplicação na
sentença condenatória, deixando para a jurisprudência constitucional e para a legislação
ordinária o desenvolvimento pormenorizado do princípio, incluindo a determinação
exacta do seu alcance e a resolução dos conflitos com outros princípios constitucionais,
como seja o do valor do caso julgado. Não é, portanto, legítimo argumentar a partir do
teor literal para limitar a retroactividade da lex mitior à situação do arguido, ou para
impor uma solução uniforme aos casos de eliminação da punibilidade e aos de
diminuição da mesma.
2. A letra e a história do nº 3 do artigo 282º são igualmente inconclusivas.
Do mesmo modo, não é conclusivo o teor literal do nº 3 artigo 282º da
Constituição, que confere ao Tribunal Constitucional a faculdade de decidir que não
ficam ressalvados os casos julgados, aplicando-se retroactivamente também a eles a
declaração de inconstitucionalidade de uma norma e repristinando-se a norma anterior
pela mesma revogada, quando a norma declarada inconstitucional respeitar a matéria
penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos
favorável ao arguido. Não se pode deduzir do uso neste preceito da palavra "arguido",
num sentido que abrange os condenados por sentença transitada em julgado, que o
sentido da mesma palavra no nº 4 do artigo 29º abrange os mesmos condenados. Desde
logo, esse uso, mesmo que possa historicamente ter sido influenciado pela redacção do
artigo 29º, é manifestamente impróprio nos casos do nº 3 do artigo 282º, em que nunca
se trata de um arguido, mas sim de um infractor, pelo que se a palavra tivesse o mesmo
sentido no nº 4 do artigo 29º deixava de abranger os casos centrais visados por este
preceito, que são os dos arguidos propriamente ditos. Mas também nada se pode deduzir
em sentido contrário, não obstante as afirmações do deputado Costa Andrade antes da
votação unânime do artigo em plenário, as quais não foram contraditadas nem apoiadas
no debate. Disse Costa Andrade :
" ... não podemos deixar de saudar o conteúdo do nº 3, porque o achamos
prudente e achamos que ele tem um conteúdo útil na sistemática do Direito
constitucional futuro, no que concerne ao caso julgado e à matéria do
Direito penal.
A partir de agora fica expresso que a ressalva dos casos julgados em
matéria penal não funcionará quando ela possa ser aplicada em detrimento
do arguido ou melhor do delinquente, porque em caso julgado já se pode
falar em delinquente.
Este preceito, além da vantagem intrínseca própria desta norma, tem uma
utilidade importante do ponto de vista da sistemática da actual Constituição
da República que, na parte referente aos direitos e deveres fundamentais, diz
que as normas penais de conteúdo mais favorável se aplicam
retroactivamente e é duvidoso se esse preceito constitucional é compatível
com o caso julgado.
Até aqui entendia-se que as normas de conteúdo mais favorável ao arguido -
normas estas em matéria de punição e não em matéria de incriminação - se
aplicavam retroactivamente, salvo em relação a caso julgado.
Hoje a Constituição não diz nada sobre esse ponto mas di-lo em relação a
este e parece-nos que se pode entender a contrario que, em matéria de
normas que atenuam as penas, é possível continuar a ter como
constitucional nesta matéria a ideia de ressalva do caso julgado.
Se uma norma que é ferida de inconstitucionalidade, em concreto, por força
deste nº 3, pode vir a servir de suporte mais favorável ao arguido, por
maioria de razão tem que se entender que uma norma não ferida de
inconstitucionalidade pode servir de suporte ao caso julgado, não obstante
norma que venha a atenuar a punição.
Parece-nos que é de aplaudir este preceito que tem um conteúdo útil
sistemático.
Contudo, parece-nos que a referência ao direito de mera ordenação social -
salvo melhor opinião - talvez se possa considerar exagerada. Ressalvar o
caso julgado em matéria de uma norma inconstitucional parece-nos que não
se justifica aqui como se justifica em direito penal e em direito disciplinar.
O direito penal contende com a liberdade fundamental das pessoas, o direito
disciplinar contende com a honoridade profissional dos trabalhadores da
função pública e a ordenação social contende um pouco com o património,
através de multas, coimas, etc.
Enfim, não será da nossa parte que se levantarão grandes objecções a este
artigo, mas não podíamos deixar de formular esta reserva, para que conste."
(Diário da Assembleia da República, I Série, 28.7.1982, pp.5379-5380).
Desta passagem resulta com suficiente clareza que Costa Andrade entendia que a
solução dualista (sempre retroactiva quanto à descriminalização e respeitadora do
julgado quanto à atenuação) do regime legal em vigor era conforme à Constituição. Mas
não se entende o argumento sistemático que pretende construir para demonstrar isso
mesmo. Com efeito, da norma que manda respeitar o caso julgado em que foi aplicada
norma inconstitucional mais favorável ao delinquente do que a norma posteriormente
repristinada, que se deduz a contrario do nº 3 do artigo 282º, não se deduz por maioria
de razão uma norma que mande respeitar o caso julgado em que foi aplicada norma não
ferida de inconstitucionalidade menos favorável ao delinquente do que norma atenuante
posterior, apenas se deduz por maioria de razão que deve respeitar-se o julgado em que
foi aplicada norma não ferida de inconstitucionalidade mais favorável do que a norma
posterior. Ora esta última conclusão sempre resulta da proibição geral de retroactividade
da lei penal (que não seja mais favorável).
O que se poderá concluir do nº 3 do artigo 282º é que a Constituição admite que
possa haver alguns casos em que "a regra" da ressalva dos casos julgados ainda
prevalece sobre o princípio da aplicação da lei mais favorável, deixando, porém, ao
Tribunal Constitucional a definição desses casos. A Constituição não proíbe
expressamente o Tribunal Constitucional de seguir o critério dualista do artigo 2º do
Código Penal, repristinando quando o efeito da repristinação for a extinção da pena, e
respeitando o julgado quando esse efeito for apenas a atenuação da pena, como não o
proíbe de seguir o critério defendido por Costa Andrade, de repristinar contra o julgado
as mesmas normas penais mas nunca as de mera ordenação social. Mas se, na falta da
proibição expressa destes critérios, a Constituição impõe estes ou quaisquer critérios, é
algo que não pode decidir-se em função da letra.
Há que concluir que a Constituição, não fornecendo nem no nº 4 do artigo 29º
nem no nº 3 do artigo 282º critério explícito de solução do conflito entre os princípios
da aplicação da lei mais favorável e do respeito pelo caso julgado, deixa à
jurisprudência constitucional a tarefa de determinar o que é critério imposto pela
Constituição e o que é deixado ao arbítrio do legislador sempre limitado pelo princípio
da igualdade.
3. A questão da interpretação extensiva do nº 4 do artigo 29º.
O nº 4 do artigo 29º contem um comando de aplicação retroactiva ao arguido da
lei penal mais favorável. Trata-se de saber se a razão da norma também vale para a
pessoa que deixou de ser arguida por ter sido condenada por sentença transitada em
julgado. Se a resposta for afirmativa há que fazer interpretação extensiva desse ponto do
nº 4.
Como a opinião maioritária reconhece, a razão do comando da retroactividade
da lei penal mais favorável é o princípio da necessidade ou da máxima restrição possível
das sanções penais, que se deduz do artigo 18º da Constituição, uma vez que as sanções
penais são as mais graves restrições dos direitos fundamentais que a Constituição
admite que o Estado possa impor coercivamente. No Estado de direito material tais
restrições só são admissíveis quando necessárias ou indispensáveis para defender a
eficácia das normas que protegem os direitos fundamentais e outros interesses básicos
da vida social, segundo a escala de valores da Constituição, das mais graves agressões.
Ora quando a lei nova considera que certa sanção penal ou certa medida de sanção penal
não é para o futuro necessária como prevenção de factos futuros, há que entender que tal
sanção deixou de considerar-se necessária para factos da mesma descrição,
independentemente do momento da sua prática. Só não será assim se houver
circunstâncias temporalmente delimitadas que sejam razão do tratamento desigual. Tal
será o caso de leis penais temporárias, na medida em que forem constitucionalmente
admissíveis. A questão que se põe é a de saber se o trânsito em julgado da sentença
condenatória é uma dessas circunstâncias.
4. Não há diferente fundamento para a retroactividade na discriminalização
e na atenuação de pena.
Ora a opinião maioritária admitiu que o trânsito em julgado nenhuma diferença
faz quanto à necessidade da sanção nos casos de descriminalização das condutas. É
certo que a mesma opinião entende entrarem em jogo nesses casos "outras normas ou
princípios constitucionais, como verbi gratia, princípio da ultima ratio da lei penal e da
dignidade de pessoa humana". Só que o princípio da dignidade da pessoa humana é uma
das premissas de que se deduz o princípio da necessidade das penas, pois ofenderia essa
dignidade sacrificar a pessoa do delinquente aos interesses da prevenção geral, salvo se
isso for não só justo como necessário. E o princípio da ultima ratio da lei penal não é
mais do que uma das aplicações do princípio da necessidade das penas: precisamente
porque as sanções repressivas mais graves, as que maiores sacrifícios de direitos
implicam, só podem ser usadas como "último argumento" para referenciar a conduta,
quando nenhuma outra sanção se considera suficiente para evitar a prática de crimes. É
certo que seria incompatível com a dignidade da pessoa humana e com a natureza de
ultima ratio da política preventiva do Estado o manter uma pena ou parte dela que
deixou de se considerar necessária por o facto que é pressuposto dela deixar de ser
crime. Só que o princípio da necessidade da pena não vale só para afastar a pena que se
torna absolutamente desnecessária - cuja existência se torna desnecessária -, vale
igualmente para afastar a pena que se torna relativamente desnecessária - cuja medida
ou espécie se torna desnecessária. Não entram em jogo outras normas ou princípio
constitucionais, mas exactamente os mesmos. O princípio da necessidade das penas é
uma das aplicações do princípio da necessidade das restrições legais dos direitos
fundamentais (artº 18º, nº 2 da Constituição) e implica a não aplicação para o futuro de
penas tornadas desnecessárias, seja de todo, seja em parte ou em certa medida ou
espécie mais grave. Por outras palavras: o fundamento constitucional da retroactividade
da lei penal mais favorável é o princípio da necessidade das penas, e esse fundamento
vale igualmente para as hipóteses de descriminalização e para as de atenuação da pena.
Se ele deve prevalecer sobre o caso julgado nas primeiras hipóteses também deverá
prevalecer nas segundas, se não houver razões em contrário específicas destas últimas
que mereçam relevância constitucional. A argumentação do Acórdão, afastada a
diferença de fundamento, reduz-se assim ao argumento da "enormíssima perturbação na
ordem dos tribunais judiciais".
5. A não-atenuação não é menos grave que a não-descriminalização.
A esta redução não poderá opor-se qualquer argumento, sugerido pela parte final
do Acórdão, e tirado da maior consciência social da injustiça da não retroactividade no
caso da descriminalização, consciência social que seria menos gravemente ferida pela
não-retroactividade de mera atenuação da pena. A consciência social que aqui pode
relevar é a consciência social bem formada pelas valorações constitucionais. Não é
admissível invocar contra as valorações da Constituição as valorações de uma hipotética
maioria social. Mas então não há um argumento autónomo tirado da consciência social.
Se bem o entendo, o argumento do Acórdão é o seguinte: tanto no caso da atenuação de
pena como no da descriminalização há um conflito entre a justiça - intuída pela
consciência social -, que manda aplicar retroactivamente a lex mitior, e a segurança, que
manda respeitar o julgado, mas no caso de atenuação o sacrifício da justiça não é grave,
porque continua a haver razão para punir, ao passo que no da descriminalização é o
contrário que se passa.
Assim entendido, o argumento mantem-se, mesmo prescindindo do argumento
anterior: a diferença entre o regime da descriminalização e o da atenuação legal
explicar-se-ia, não já por uma diferença qualitativa de fundamentos, mas por uma
diferença quantitativa, que tornaria um dos princípios constitucionais em conflito, o da
retroactividade da lex mitior, menos ponderoso na hipótese de atenuação, pelo que
cederia só nessa hipótese perante o princípio do respeito pelo caso julgado.
Penso, porém, que a intuição da consciência social vai em sentido contrário.
Tanto se faria injustiça a um condenado a 3 anos de prisão, dos quais já cumpriu, se não
fosse extinta a pena, em caso de descriminalização da conduta, como se faria injustiça a
um condenado a 5 anos de cadeia, dos quais já cumpriu 3, se não fosse atenuada em 2
anos a sua pena, por força de uma atenuação legal. Em ambos os casos haveria 2 anos
de prisão desnecessária a cumprir.
6. A haver violação da norma do nº 4 do artigo 29º a violação do princípio
da igualdade não tem autonomia.
Mais clara ainda é a consciência da desigualdade de tratamento no confronto
entre um arguido e um condenado pelas mesmas ofensas - ou por ofensas idênticas -
cometidas na mesma data. Se sobrevier uma atenuação legal, o arguido beneficia de
uma diferença de tempo de duração do processo que é inteiramente estranha a todas as
razões da punição que possam relevar no caso. Mesmo quando não há identidade de
data e de ofensa, sempre terá que considerar-se injusto que a duração do processo influa
na medida da pena, em benefício dos criminosos que conseguiram protelar a formação
de caso julgado.
O argumento da identidade de razão tem como complemento necessário o da
violação do principío da igualdade, quer no diferente tratamento dado às hipóteses de
lex mitior por descriminalização e às de lex mitior por atenuação, quer no diferente
tratamento dado aos agentes do mesmo crime consoante sejam arguidos ou condenados.
Se não estivesse em causa a violação de uma mesma norma constitucional, o nº 4 do
artigo 29º, haveria que invocar a violação do artigo 13º da Constituição.
É também claro que o argumento da violação do princípio da igualdade, tal
como o da identidade de razão, seria afastado pela demonstração de que o caso julgado
é uma razão suficiente de tratamento desigual dos duplamente discriminados, isto é, dos
condenados (já não arguidos) em pena entretanto abstractamente eliminada e substituída
por outra mais leve (mas não extinta).
7. Não está em questão o respeito pelo caso julgado. Sua relevância na
problemática da «revisão» da sentença.
Antes de mais, uma decisão judicial não pode obrigar para além do que está
logicamente incluído no seu conteúdo. A decisão transitada em julgado, como qualquer
outra, tem uma premissa de direito e outra de facto. Se qualquer delas é alterada, a
conclusão deixa de ter fundamento, pelo que toda a decisão deixa de ser aplicável ao
caso. Não se diga que a constatação de que não há que respeitar o julgado, porque o
julgado deixou de ser aplicável no caso, terá que caber a um tribunal, sob pena de
ofender a separação dos poderes e a supremacia das decisões judiciais. Tal não impede a
logicamente necessária cessação de obrigatoriedade do julgado que fundamenta a sua
revisibilidade. Neste sentido, há que desfazer o "fetichismo do caso julgado" (como
fazem, nomeadamente, Jimenez de Asua, Tratado de Derecho Penal, II, 4ª ed., Buenos
Aires, 1964, p.674 e Cavaleiro de Ferreira, "Os Pressupostos Processuais", Obra
Dispersa, I, Lisboa, 1996, p.346). Ponto é que a lei mais favorável se queira
efectivamente aplicar também retroactivamente aos casos dessa espécie, mas isso há que
resolver por interpretação, sem invocar o argumento "fetichista" do julgado. Colocada a
questão nestes termos, é claro que o princípio de necessidade da pena, que é essencial à
fundamentação da pena no Estado de direito, sempre implicará que a lei nova mais
favorável se aplique retroactivamente, seja em casos de descriminalização, seja em
casos de atenuação da pena. O argumento ou argumentos relativos à "perturbação na
ordem de tribunais judiciais" são de ordem processual e têm a ver com a problemática
de uma reapreciação do caso depois de findo o processo e transitada a sentença. Não se
trata de uma verdadeira revisão de sentença porque esta não tem que ser corrigida. Há
apenas, eventualmente, que aplicar a lei nova no caso. Mas para a realização dessa
tarefa o trânsito em julgado faz diferença: não se trata de aplicar a lei nova a um arguido
que se presume inocente; trata-se de a aplicar a um condenado cuja culpa não é
questionada, apenas se questionando, no todo ou em parte, a punibilidade.
O caso julgado, portanto, em face da lei mais favorável, apenas pode pretender
ser respeitado quanto à decisão sobre a culpa. O Código de Processo Penal prevê que
modificações posteriores de punibilidade devem ser aplicadas pelo juiz da execução das
penas (artigo 474º). Isso em nada afecta o princípio do respeito pelo caso julgado. O
princípio da separação dos poderes (artigos 2º e 111º, nº 1 da Constituição) e da
supremacia das decisões judiciais (artigo 205º, nº 2 da Constituição) e da reserva de
função juridicional em tribunais (artigo 202º, nº 1 da Constituição) impõem certamente
que a constatação da inoponibilidade parcial do julgado e a aplicação da nova lei
incumbam ao tribunal competente, mas não mais.
7ª) Por último, a não aplicação da lei mais favorável às penas em execução por força de
decisão transitada em julgado lesaria ainda o princípio da igualdade (neste sentido,
MARIA FERNANDA PALMA, ob. cit., págs. 130 e segs.; GERMANO MARQUES
DA SILVA, “Direito Penal Português”, I, Lisboa, 1997, pág. 270; RODRIGUES
MAXIMIANO, “Aplicação da lei penal no tempo e caso julgado”, Revista do
Ministério Público, ano 4º, vol. 13, 1983, pág. 29; RUI PEREIRA, ob. cit., pág. 59, nota
13; TAIPA DE CARVALHO, ob. cit., págs. 234 e segs.). Na verdade, se a sucessão de
leis no tempo cria sempre desigualdade (cf. CAVALEIRO DE FERREIRA, “Direito
Penal Português”, I, Lisboa, 1991, pág. 119), algumas das quais inevitáveis, o princípio
da igualdade obriga a que não subsistam as desigualdades que ainda podem ser
eliminadas ( “se é impossível afastar inteiramente a desigualdade e se ela é irremediável
em certos casos ou quando a pena já foi completamente executada, é preferível que se
atenuem os rigores das penas na medida do possível a que se renuncie a obter esse
resultado com a aplicação da lei nova só para respeitar uma igualdade ilusória”).
A aplicação da lei mais favorável, sem o limite dos casos julgados, vem
precisamente afastar a desigualdade que resultaria da solução contrária: a execução da
pena, ou da pena mais grave, dependeria da circunstância, meramente fortuita, de o
trânsito em julgado da decisão condenatória ocorrer antes ou depois da entrada em vigor
da lei mais favorável.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza