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O Nosso Império (13)

Num programa do Jô Soares, o professor Evanildo Bechara afirmou que «A


grande missão de um professor [de Português] é transformar o aluno num poliglota dentro
da sua própria língua, [para] ele saber das variantes e utilizá-las adequadamente.»
Vamos a isso, hoje, o Império número «treze». Ou será treuze?! Mas… quantas
vezes já ouvimos treuze? Pronto. É treze e não se discute mais! Caso contrário, ainda sai
um tereze! Este número tem, não só uma conotação negativa, como até poderá ser
virtuoso: no totobola, por exemplo. Ou então, quando começarmos a recolher o produto
do cultivo das batatas: cada pé com mais de treze «semilhas». Sabiam que as nossas
«semilhas» resultam do facto de importarmos o respetivo produto das Ilhas Canárias? E,
óbvio, vinha escrito no saco, «semilla». Logo, tão evidente chamar-se-lhe saco de
«semilhas». Depois, com a globalização, vieram as batatas. Refira-se que somos uma ilha
abatatada: semilha, batata, batata doce e batata frita! Aqui, dá jeito usar um «batatão»:
batata grande, asneira vocabular, estalo nas «ventas» («ventas», local mais propício a
apanhar vento: cara!).
E se houver uma festa, nada melhor do que os malefícios de umas batatinhas fritas.
Mas é festa! Tolera-se! Por exemplo, a festa do/da «crisma». «O/a crisma»? Mas existe
este sacramento? Procurei no catecismo oficial da Igreja e não encontrei. Adiante! Por
que razão há quem chame «a crisma»? Em grego, «crisma» é feminino e significa
«unção». Quando o bispo sinala na testa, está a usar a «unção» (a crisma). O sacramento
é a Confirmação!
Não será um contrassenso reclamar o «mais original» e, depois, banalizar-se com
frivolidades linguísticas? Deste paradoxo, resultam: «arquétipos», «estereótipos»,
«logótipos» e muitos mais «-tipos». Todos estes vocábulos têm raízes gregos, logo a sua
acentuação tende a recuar o mais possível. Curioso é verificar que «logótipo» está
dicionarizado, também, como «logotipo» (acentuação fonética no «-ti-»).
Outros casos interessantes: «pudico», «rubrica», «tulipa».
Como resolver? Há uma parte da Gramática chamada ortoépia/ortoepia que trata
da pronúncia das palavras. Nos dicionários mais completos, surge depois da palavra, entre
parêntesis retos, a transcrição fonética.
Dos três caso anteriores, apenas a palavra «tulipa» é comumente aceite, também,
como «túlipa». Quanto a «pudico», não leva acento e acentua-se em «-di-». No entanto,
já a encontrei dicionarizada sob as duas formas. «Rubrica», decididamente sem acento:
acentuada em «-bri-». Nunca «rúbrica»! A propósito: não confundir «rubrica» com
assinatura. Não são sinónimos. «Rubrica» é um símbolo usado, habitualmente, para
sinalizar a presença num livro de registo (às vezes, varia consoante o estado de humor do
rubricador); «assinatura» corresponde ao nome do indivíduo conforme o documento de
identificação civil.
Algumas situações resultantes da tendência oralizante:
1) Quando são trocados alguns fonemas: bassora (em vez de vassoura);
«sastifação» (em vez de satisfação); «salchicha» (aqui o dicionário aponta para
salsicha); «ploblema» (em vez de problema); «vrido» (em vez de vidro);
2) Quando se acrescentam ou retiram outros sons: «indiota» (em vez de idiota);
«conzinha» (em vez de cozinha); «mendingo» (em vez de mendigo);
«churiço» (em vez de chouriço); «mortandela» (em vez de mortadel). Estes
todos fazem mal à saúde: cultural e corporal.
3) Quando se inventam acentos: dia treze é um dia «aziago» (e não azíago);
padrinho a «bênção» (e não a bênção); falar de modo «fluido» (e não fluído);
ceder a título «gratuito» (e não gratuíto); ganhou o prémio «Nobel» (e não
Nóbel).
4) Quando se pluraliza e se esquece do acento: «júnior» / juniores (junióres);
«sénior» /seniores (senióres).
Umas notas finais em modo de reflexão.
O léxico (as palavras) é a janela da língua para o mundo. Razão pela qual é
preferível abrir as janelas para entrar uma «aragem» que refresque a «casa», substituindo
o ar empobrecido. De qualquer modo, a Língua é uma teoria porque resulta da interação
dos falantes. E nesta dicotomia, muitas vezes, chocam-se dois planos: o do pensamento e
o da Língua. Mesmo que a Língua seja o que o falante, em parte, faça d’Ela, convém que
Ela seja a imagem do seu locutor.
Para tornar este espaço mais profícuo aos leitores deste DN, fica o e-mail para
onde pode ser enviada qualquer questão sobre o nossa Língua, escrita ou falada:
onossoimperio@sapo.pt
João Luís Freire

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