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AS FUNÇÕES EXECUTIVAS E SUA IMPORTÂNCIA NO

BOM DESEMPENHO ACADÊMICO

Vera Lucia de Siqueira Mietto

Fonoaudióloga, Mestre em Educação, Neuropsicopedagoga, Psicopedagoga, Especialista em


Neurociência Pedagógica

Não é de hoje que as questões acerca do desempenho escolar são pauta de


discussões entre professores e profissionais da educação e saúde.

Crianças e adolescentes que no curso de seu desenvolvimento escolar, apesar de


não apresentarem nenhum impedimento cognitivo, transtorno de aprendizagem ou
falhas sensoriais, não conseguem obter o resultado esperado por pais e professores.

O que poderia estar acontecendo? Onde estaria o cerne do problema? Estaria na


escola? Na metodologia utilizada?

Muitas questões precisam ser analisadas quando se fala de baixo desempenho


acadêmico. Sabe-se que para a criança obter êxito na escola é preciso que cresça
aprendendo a se regular, a estabelecer estratégias para alcançar suas metas, saber
estudar e se organizar.

Aprender a ter autonomia constitui um fator primordial para crescer


independente, organizado e ter metacognição, isso quer dizer que é preciso que o
indivíduo tenha conhecimento sobre suas capacidades, percepção, avaliação, regulação
comportamental e refletir sobre suas ações: é aprender a aprender. RIBEIRO (2003)

Mas, hoje em dia, com a demanda diária do fazer dos pais e cuidadores da
criança, com o apressamento da vida que estamos expostos, a criança tende a ter tudo
pronto, tudo muito arrumado para que seus cuidadores não percam tempo, e com isso,
habilidades que iriam desenvolver a autonomia da criança ficam como que
“adormecidas” e ela passa a ter um comportamento passivo, a não ter que se preocupar
com nada, com suas necessidades mais básicas pois tem quem faça por ela, rápido, pois
não há tempo a perder. Por outro lado temos ainda a carência de tempo dos pais com
seus filhos, que acabam por fazer todas as suas vontades, por conta de sentirem-se tão
ausentes. E a criança cresce com suas vontades sendo atendidas de pronto. Não
aprendem a esperar, querem no seu tempo e assim crescem, com suas vontades sendo
satisfeitas de pronto. Caso não sejam atendidas, vem a birra! Apavorados e sem saber
como lidar com esse comportamento, os cuidadores cedem! E como essas crianças
crescem?

Vemos isso com muita frequência, demanda muito comum nos consultórios, com
a queixa de que a criança é geniosa, insatisfeita, desatenta, desorganizada, ansiosa, sem
responsabilidade ou que ainda está imatura, só desejando brincar em sala de aula,
ignorando muitas vezes o fazer acadêmico a que está inserida. Adolescentes que não
tem responsabilidade, não se esforçam e ficam a esperar tudo pronto, e com isso, as
dificuldades em manter um bom desempenho acadêmico não acontecem. Entendendo
que toda a satisfação pessoal vem do fazer, do buscar que faz parte do amadurecimento
emocional.

Ao chegarem na escola, também esperam que sejam atendidas como acontece


em casa, querem que seus professores organizem tudo, que tenham o mesmo
comportamento que incorporam de seus cuidadores e quando não são atendidos,
desafiam, se dispersam e o processo de aprendizagem fica prejudicado.

É a brincadeira e as tarefas não terminadas em sala de aula, os deveres que não


são realizados em casa, a falta de compromisso evidente! As tarefas escolares se tornam
desinteressantes, desestimulantes, pois precisam parar, pensar e organizar o
pensamento na busca de respostas e soluções. Como sentir prazer nesse fazer que
requer trabalho e autorregulação se estão acostumados a uma variedade de estímulos
do mundo digital, onde só precisam clicar e uma gama de soluções se colocam á
disposição?

Habilidades cruciais que desenvolvem a criança em sua capacidade de ter


autonomia e gerir suas necessidades individuais não foram estimuladas e o resultado
começa a aparecer desde cedo no fazer acadêmico.
Mas como adquirir essas habilidades tão importantes para a vida escolar? Como
a criança vai se organizar nas tarefas escolares, arrumar seus pertences na mochila ou
parar e prestar atenção no que o professor diz, nas tarefas que precisa iniciar e terminar
em tempo hábil se não aprendeu a ter autonomia e a cuidar de si?

Ter bom desempenho acadêmico requer possuir habilidades que possibilitem


foco e metas pré- estabelecidas, habilidades essas que, como se sabe, compõe as
Funções Executivas.

Segundo Gazaniga (2006) as Funções Executivas são um conjunto de habilidades


cognitivas fundamentais para a cumprir-se diversas atividades que requerem
planejamento e monitoramento de comportamentos intencionais relacionados a um
objetivo ou a demandas do meio ambiente.

As funções executivas, deste modo, possibilitam ao indivíduo uma interação


com o meio de maneira mais ajustada, mais harmoniosa , sendo a base para a
orientação e estruturação de várias habilidades intelectuais, emocionais e sociais, como
se programar para as tarefas domesticas, ir à escola, ir ao trabalho, fazer os deveres de
casa, estudar para a prova, terminar suas atividades dentro do tempo estabelecido,
priorizar necessidades individuais e coletivas entre muitas outras tarefas importantes
do dia a dia. VASCONCELOS (2011)

O desenvolvimento das habilidades executivas começa no primeiro ano de vida


do bebê e vai se acentuar por volta dos 6 e 8 anos de idade, avançando até o final da
adolescência e o início da fase adulta do indivíduo. ROTTA(2016).

Podemos aqui observar ao longo desse período, à medida que a criança cresce e
se desenvolve, que as diversas habilidades executivas vão se aprimorando e quanto mais
vivencio e experimento situações que demandem autorregulação e atenção vou
amadurecendo essas habilidades e tendo ganhos comportamentais que me
possibilitarão melhores aprendizagens.

As funções Executivas e suas habilidades tem sido alvo de muitos estudos e


pesquisas por diversos autores que pontuam a existência de componentes diferenciados
e de crucial importância. Para Miyake et al(2000), três componentes são fundamentais:
o controle inibitório, a memória de trabalho e a flexibilidade cognitiva. Outros autores
acrescentam a esse construto componentes de maior complexidade como a resolução
de problemas e planejamento. ROTTA(2006)

Para entendermos a importância desse construto, vamos ver o que Rotta (2006),
Diamond(2007) e Barkley (2001) nos falam dessas habilidades:

1-Controle inibitório: é a capacidade de pensar antes de agir, ou seja, inibir uma


resposta comportamental impulsivamente, passando de uma resposta para outra
melhor e mais considerada, adequada para a situação. É a maneira com que o cérebro
modula o nosso comportamento.

2-Memória de trabalho é a capacidade de se armazenar temporariamente as


informações e as incorporar a outros estímulos do meio ambiente ou seja, poder buscar
uma informação na memória de longo prazo, facilitando seu resgate quando necessário.
Tem um papal fundamental na capacidade de compreender o que se está lendo, o que
se está a aprender e na capacidade de manter o raciocínio com logicidade. É ela que dá
sentido aos acontecimentos, evocando eventos já armazenados e integrando com os
novos que se está a prender.

3-Flexibilidade cognitiva é a capacidade em alternar o foco, mudar de atividade


ou de planos: se um caminho escolhido não traz resultados positivos, outro caminho é
elaborado e percorrido. É a capacidade de mudar de planos em decorrência da demanda
imposta pelo meio a que está inserido.

Como se pode observar nas falas de Rotta (2006 ), Diamond(2007) e Barkley


(2001) , as habilidades simples que se requer nas atividades escolares podem ser
alteradas, por exemplo, por ausência do controle inibitório: se eu não paro, não presto
atenção e assim a habilidade executiva que tem como função selecionar, dentre vários
estímulos distratores o que é relevante (atenção seletiva), fica prejudicada e me distraio
em sala de aula.

Outra habilidade que exerce grande influência no desempenho escolar é a


memória de trabalho: ela me faculta a compreensão do que está sendo aprendido, por
evocar o que já aprendi e me facilitar também a compreensão do que estou lendo.
Da mesma maneira, ser flexível me viabiliza novas possibilidade e planejar qual
caminho ou rota devo seguir para obter sucesso. Se o comportamento é rígido, não saio
do lugar, não aceito novas possibilidades e continuo fazendo do mesmo jeito, mesmo
percebendo que o caminho escolhido não é o melhor a ser adotado. Outro
comportamento observado na ausência de flexibilidade na escola é a dificuldade de me
adaptar a mudança ou planos em sala de aula, em trabalhos em grupos onde escutar o
outro e mudar planos se faz necessário para que obtenhamos sucesso. ROTTA (2006 ),
DIAMOND(2007) E BARKLEY (2001)

A relação das habilidades executivas e o bom desempenho acadêmico tem sido


evidenciado por diversos autores: Capovilla (2008), Dias(2010), Gathercole et al (2006)
comprovaram que o controle da atenção e a autorregulação são predistores de bom
desempenho escolar em disciplinas como as de matemática e linguagem.

Gathercole et al (2006) evidenciaram que a memória de trabalho influencia


diretamente sobre a leitura, prejudicando a memória de curto prazo visoespacial,
interferindo diretamente na linguagem, consciência fonológica e memória de curto
prazo fonológica. Impacto que pode ser evidenciado no não cumprimento de uma tarefa
escolar, por dificuldades de manter-se focado e terminá-la dentro do tempo
estabelecido.

Outros estudos vieram comprovar a relação das habilidades executivas bem


desenvolvidas e o êxito no contexto acadêmico. DIAMOND(2007), DIAS(2010)

Crianças na fase pré- escolar com controle inibitório e autorregulação já bem


desenvolvidas conseguem compreender melhor ordens e seguirem regras, facilitando a
aprendizagem e o desejo em realizar tais tarefas. DIAMOND(2012)

Com base nesses dados fica aqui um questionamento: por que não estimular as
habilidades executivas em sala de aula? Não seria uma forma de preparamos nossos
estudantes a terem sucesso acadêmico e em sua vida?

Na literatura vários métodos de estimulação das habilidades executivas já se


encontram disponíveis e um estudo criterioso de qual melhor método a ser utilizado
pelas escolas (inserido em sua metodologia) deveria fazer parte de discussões entre os
educadores.

Fica aqui uma reflexão: a quem caberá esse novo olhar, aos terapeutas, aos pais
ou a escola?

Uma ação em conjunto sem dúvida traria benefícios a nossas crianças e


melhoraria o fazer acadêmico, evitando repetências e a evasão escolar.

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