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Resumo:
Introdução
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a contemporaneidade importa mais que fazer uma crítica da mesma. "O projeto
é construtivista" (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 08), dizem os autores.
O Anti-Édipo foi um livro escrito no calor dos eventos do Maio de 68, e escrito
para aqueles que estavam fartos da psicanálise: "Sonhávamos em acabar com
Édipo" (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 07), mas as reações ao Maio de 68 e o
desenrolar da história mostraram o quanto Édipo era forte e ainda dominava -
e, como um olhar mais cuidadoso pode observar, ainda domina certa parcela
considerável do pensamento psicanalítico contemporâneo. Era preciso tentar
algo novo, e o que se propõe com os "platôs" é justamente esta tentativa, a de
constituir um pensamento que se efetue através do "múltiplo" - e não a partir de
uma lógica binária, dualista, do tipo "um-dois", "sujeito-objeto", que se efetue
por dicotomia, tal como vemos na psicanálise, na lingüística e na informática -,
de modo a construir uma teoria das multiplicidades que fosse imanente, que
colocasse propostas concretas de pensamento ao invés de simplesmente se
limitar à crítica da psicanálise.
"Em botânica, chama-se rizoma a um tipo de caule que algumas plantas verdes
possuem, que cresce horizontalmente, muitas vezes subterrâneo, mas
podendo também ter porções aéreas. O caule do lírio e da bananeira são
totalmente subterrâneos, mas certos fetos desenvolvem rizomas parcialmente
aéreos. Certos rizomas, como em várias de capim (gramíneas), servem como
órgãos de reprodução vegetativa ou assexuada, desenvolvendo raízes e caules
aéreos nos seus nós. Noutros casos, o rizoma pode servir como órgão de
reserva de energia, na forma de , tornando-se tuberoso, mas com uma
estrutura diferente de um tubérculo ."
O conceito desenvolvido por D&G amplia muito esta definição, justamente pelo
fato de que o conceito na botânica não comporta a multiplicidade, se limitando
a definir um tipo específico de caule. Para D&G, este tipo de caule em conjunto
com a terra, o ar, animais, a idéia humana de solo, a árvore, e etc formariam o
rizoma, não se limitando apenas à pura materialidade, mas também à
imaterialidade de uma máquina abstrata que o arrasta, sendo, portanto, um
conceito ao mesmo tempo ontológico e pragmático de análise.
Rizoma
"Um platô está sempre no meio, nem início nem fim. Um rizoma é feito de
platôs." (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 33)
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suplementária. As linhas deste tipo são as linhas molares, e formam sistemas
binários, arborescentes, circulares e segmentários.
Qualquer ponto de rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo.
Descentramento do sujeito, negação da genealogia, afirmação de uma
heterogênese em oposição à ordem filiativa do modelo de árvore e raiz. O
rizoma é distinto disso tudo, pois não fixa pontos nem ordens - há apenas
linhas e trajetos de diversas semióticas, estados e coisas, e nada remete
necessariamente a outra coisa. Para demonstrar estes princípios, D&G
recorrem à ontologia da linguagem, e conseqüentemente à lingüística: "A
árvore lingüística à maneira de Chomsky começa ainda num ponto S e procede
por dicotomia" (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 15), sendo assim "um marcador
de poder antes de ser marcador sintático". (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 15)
Tais modelos não dão conta nem da abstração nem da materialidade da língua,
"por não atingir a máquina abstrata que opera a conexão de uma língua com os
conteúdos semânticos e pragmáticos de enunciados, com agenciamentos
coletivos de enunciação, com todo uma micropolítica do campo social."
(DELEUZE e GUATARRI, 2004: 15)
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centrá-los ou cercá-lo, mas atravessando-os, conectando-os". (GUATARRI e
ROLNIK, 1986: 322)
3º - Princípio de multiplicidade
Pensar o múltiplo efetivamente como substantivo, pois é aí que ele não tem
mais nenhuma relação com o uno como sujeito ou objeto, como realidade
natural e espiritual, como imagem e mundo, pois a multiplicidade não constitui
sujeito e muito menos objeto, mas apenas determinações, grandezas e
dimensões, "que não podem crescer sem que se mude de natureza".
(DELEUZE e GUATARRI, 2004: 16) As multiplicidades se definem pelo fora,
pelas linhas que compõe um rizoma, linha abstrata e linha de fuga. O plano de
consistência (ou plano de imanência) é o fora de todas as multiplicidades, e
nele a linha de fuga marca ao mesmo tempo "um número de dimensões finitas
que a multiplicidade preenche", assim como "a impossibilidade de toda
dimensão suplementar" e também a "possibilidade e a necessidade de achatar
todas estas multiplicidades sobre um mesmo plano de consistência ou
exterioridade". (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 17)
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desterritorialização e os processos de reterritorialização não fossem relativos,
não estivessem em perpétua ramificação, presos uns aos outros?" (DELEUZE
e GUATARRI, 2004: 18)
Nossa evolução e morte se deu mais por gripes, vírus e bactérias polimórficas
e rizomáticas do que por doenças hereditárias.
"Um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou
gerativo". Toda a lógica dos sistemas arborescentes é uma lógica do decalque
e da reprodução, tanto na lingüística quanto na psicanálise, faz-se um decalque
de algo que já está dado, a partir de "uma estrutura que sobrecodifica ou de um
eixo que suporta". (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 21)
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É preciso, no entanto, não opor os dois sistemas, restaurando assim um
dualismo binário: "É preciso sempre projetar o decalque sobre o mapa".
(DELEUZE e GUATARRI, 2004: 23) O decalque pode estruturar um rizoma,
codificá-lo, "neutralizando assim as multiplicidades segundos eixos de
significância e de subjetivação" (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 23), mas o que
o decalque reproduz do rizoma são apenas os impasses, os bloqueios, seus
pontos de estruturação. (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 23)
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não se cansa de colocar novamente os rizomas, quebrando a ordem
psicanalítica com linhas de fugas. "A melhor posição para se ouvir o
inconsciente não consiste necessariamente em ficar sentado atrás de um
divã.". (GUATARRI, 1988:189) O psicanalista vira o ditador, fundando seu
poder a partir do estabelecimento de uma ordem ditatorial do inconsciente
concebido como árvore. Poderíamos mostrar as linhas, como fez Guattari na
cartografia (mapa) do caso Hans:
Figura 1:
A - território familiar;
C - aparência da mãe;
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familiar, a aparência da mãe. O que a psicanálise de Freud faz é conceber
esse inconsciente enquanto estádio genético estrutural, como estádio-árvore,
em suma, procede a uma paradigmatização sistemática de todos os conteúdos
e estratégias enunciativas a partir de referências abstratas ou estruturais
centradas sobre materiais verbais e interpretações semióticas dos afetos e dos
comportamentos. "Você está acuado, você está acuado. Confessa!"
(DELEUZE, 1996:12) A esquizoanálise, enquanto pragmática do inconsciente
maquínico, propõe a construção de uma carta de inconsciente de acordo com
cada caso ou situação, de modo a determinar quais são as principais linhas
micropolíticas dos agenciamentos de enunciação e das formações de poder em
seus níveis mais abstratos.
Figura 2:
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Na figura acima percebemos com mais clareza a combinação das diversas
linhas que compõem o rizoma, que, nesse caso, (as linhas) assumem um
caráter molar, de segmentariedade dura - no caso, um processo de dominação
política ditatorial. Elementos moleculares, como a ruptura leninista e a máquina
de seu partido, atuaram primeiramente em um movimento de dissolução da
antiga molaridade aristocrata da Rússia do início do século passado, para,
posteriormente, serem capturados nos bloqueios efetuados por outras linhas -
desencadeadas pela morte de Lênin e pela crise econômica e social. Neste
ponto, uma molecularidade capturada é anulada por segmentariedades que
efetivam o impasse e a levam ao nível molar, instaurando o regime
centralizador de Stalin
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Bem sabemos que o capitalismo agiu no fim dos anos 80 como um vetor de
desterritorialização - linha de fuga que explode o rizoma que configurou o
comunismo soviético -, desencadeando toda uma reterritorialização dos
agenciamentos, uma reorganização das linhas. Em Anti-Édipo fica clara este
caráter desterritorializante-reterritorializante do capital, sempre disposto a ir
assimilando elementos novos que podiam fazer parte até mesmo de sua crítica,
como por exemplo, nos anos 60, onde:
Conclusão
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No trajeto esboçado ao longo dos cinco volumes de Mil Platôs, podemos
compreender como os conceitos possuem uma conectividade - variável e
indeterminada - sem que haja uma unidade ou um conceito determinante para
o funcionamento de tal rede de conexões conceituais. O rizoma funciona como
um princípio cosmológico, caixa de ferramentas, um sistema aberto. O rizoma
talvez seja o mais deleuziano dos conceitos de "Mil Platôs". É possível
perceber ressonâncias da idéia de diferença tal como Deleuze a coloca:
diferença como pura imanência, não remetendo a nada senão a ela mesma,
numa superfície onde tudo se esvai - plano de consistência ou máquina
abstrata. Deleuze desenvolve uma concepção inteiramente diferente das idéias
e conceitos, introduzindo a noção de multiplicidade: "As Idéias são
multiplicidades; cada idéia é uma multiplicidade, uma variedade" e considera
que:
"A multiplicidade não deve designar uma combinação de múltiplo e uno, mas,
pelo contrário, uma organização própria do múltiplo como tal, que de modo
nenhum tem necessidade da unidade para formar um sistema." (DELEUZE,
1988: 303)
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Negri, do brasileiro Peter Pál-Pelbart, do americano Michael Hardt, não
esquecendo do impacto (e diálogo) que a filosofia deleuziana teve na obra e no
pensamento de Michel Foucault e de vários outros pelo mundo. Para lembrar
Nietzsche, em seu prólogo para "Além do bem de do mal": O arco ficou tenso e
as flechas foram lançadas, cabe a nós agarrá-las e atirá-las para novos rumo,
para alvos ainda mais distantes. (NIETZSCHE, 1992: 06) O presente trabalho
se constitui como um esforço para propiciar novas tentativas de se pensar
velhos temas, como a condição humana, a economia, a subjetividade, a
política, e a sociedade. Temas velhos, mas sempre atuais - talvez até mesmo
inatuais e extemporâneos - e passíveis de constantes reconstruções,
revezamentos e modificações - tal como o rizoma.
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10 GUATTARI, Félix. Notas para uma esquizoanálise. In: O inconsciente
maquínico: ensaios de esquizoanálise. Ed. Papirus, 1988. Pg. 169.
Referências bibliográficas:
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saberes/poderes contemporâneos; articulações entre capitalismo, ética e
subjetividade; entre outros temas.
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