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AS PRERROGATIVAS PARLAMENTARES INTERPRETADAS PELO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL E OS LIMITES DO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO


CONSTITUCIONAL

Resumo: o presente trabalho tem como intuito verificar se a interpretação do Supremo Tribunal
Federal sobre as prerrogativas parlamentares, encontradas no art. 53 do texto constitucional, respeita
os limites do exercício da jurisdição constitucional. O método de abordagem do trabalho será o
dedutivo e o método de procedimento a ser adotado será o monográfico e histórico. Para verificar
empiricamente se a supramencionada Corte está aplicando adequadamente as imunidades
parlamentares, serão analisadas decisões proferidas pelo Tribunal, no lapso temporal de seis meses,
sendo o período adotado o de 01/01/2017 a 01/06/2017. A pesquisa será realizada por meio da
ferramenta "pesquisa de jurisprudência", disponibilizada no site do Supremo Tribunal Federal, sendo
as palavras utilizadas para a pesquisa "prerrogativa parlamentar". Com o resultado da pesquisa, notou-
se que o Supremo Tribunal Federal, dentro do aludido marco temporal, aplicou as prerrogativas
parlamentares adequadamente, ou seja, respeitando os limites do exercício da jurisdição
constitucional.

1 Introdução

O presente trabalho tem como tema a interpretação utilizada pelo Supremo Tribunal Federal
sobre as prerrogativas constitucionais dos parlamentares. Com a promulgação da Constituição Federal
de 1988, houve substancial mudança no modo de se olhar o papel desempenhado pela jurisdição
constitucional no ordenamento jurídico pátrio. Levando em conta que o Supremo Tribunal Federal é
quem por último interpreta o texto constitucional, bem como da importância do princípio da separação
dos poderes, mormente em Estados Constitucionais, mostra-se extremamente pertinente verificar
como a cúpula do Poder Judiciário vem interpretando as garantias inerentes aos membros do
Congresso Nacional.
Para justificar a elaboração desse trabalho, é preciso ter como premissa a importância das
prerrogativas parlamentares para o exercício regular da atividade legiferante no contexto jurídico
arquitetado pela Constituição, bem como da sua relevância para haver harmonia entre os poderes
estatais, dando eficácia ao princípio da separação dos poderes.
Para analisar a interpretação da Suprema Corte sobre a aplicação das prerrogativas
parlamentares, será realizada pesquisa empírica dos julgamentos da citada Corte dentro de
determinado lapso temporal, verificando se as suas fundamentações estão de acordo com as bases
teóricas desenvolvidas no trabalho e, ao final, será verificado se o Supremo Tribunal Federal está
aplicando as imunidades dos congressistas em consonância com o princípio da separação dos poderes
e se está respeitando os limites do exercício da jurisdição constitucional.
Além disso, o método de abordagem do trabalho será o dedutivo, ou seja, serão estabelecidas
premissas maiores que serão aplicadas às premissas menores. Portanto, serão conceituados os limites
da jurisdição constitucional e, posteriormente, serão analisadas as decisões do Supremo Tribunal
Federal. Ademais, será verificado se as decisões estão dentro dos limites do exercício da jurisdição
constitucional. O método de procedimento a ser adotado pelo trabalho será o monográfico e histórico e
a técnica de pesquisa será feita por documentação indireta.
Assim, o trabalho será composto por quatro tópicos. O primeiro tópico é destinado ao novo
modo de compreender o exercício da jurisdição constitucional, especificadamente a importância da
Constituição Federal de 1988; o segundo tópico trabalhará com as prerrogativas parlamentares e sua
umbilical ligação com os princípios da separação dos poderes e soberania popular. Por outro lado, o
terceiro momento é destinado aos limites da jurisdição constitucional, precisamente trabalhando com o
conceito do princípio da separação dos poderes e suas imbricações com a atividade judicante,
enquanto, por fim, no último tópico serão analisadas as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal verificando se elas estão dentro dos limites do exercício da jurisdição constitucional.

2 A Constituição Federal de 1988 e sua importância para o Direito brasileiro

Com o advento da Constituição Federal de 1988, houve substancial alteração no modo de


compreender o exercício da jurisdição constitucional, pois há um deslocamento de tensão da legislação
em direção à jurisdição constitucional. A referida Constituição é, indubitavelmente, o texto jurídico-
político mais avançado, em termos de direitos fundamentais, já elaborado no Brasil.
Inspirada nas Constituições do segundo pós-guerra, a Constituição brasileira de 1988 é
compromissória e dirigente, ou seja, ela vincula toda atividade estatal, mormente no que tange os
direitos sociais, não há mais um grau de liberdade (absoluta) de conformação do legislador. Portanto,
há uma mudança de perspectiva da Constituição, que deixa de ser meramente programática (STRECK,
2014, p. 126).
A característica marcante do texto constitucional brasileiro, como já referido, é o seu
comprometimento com a transformação da realidade social, ou seja, há uma feição nitidamente
compromissória e dirigente, tal conclusão é facilmente extraída por uma leitura rasa do Preâmbulo e
do Título dos Princípios Fundamentais. São indicativos de uma ordem constitucional voltada ao ser
humano e ao seu desenvolvimento, lembrando que pela primeira vez na história do constitucionalismo
brasileiro a dignidade da pessoa humana foi expressamente guindada à condição de fundamento do
Estado Democrático de Direito, além de ser uma das premissas do Estado no plano do direito
internacional (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 244).
Com efeito, talvez a maior conquista do constitucionalismo brasileiro é a normatividade da
Constituição de 1988, pois agora ela é norma que goza de imperatividade e, assim, deve ser cumprida,
deixando de ser mera faculdade do legislador. Destarte, as normas constitucionais vinculam todos os
poderes da república, tendo como seu guardião máximo o Supremo Tribunal Federal. Daí toda a
importância do papel da jurisdição constitucional e do seu exercício, mormente quando se fala de
controle de constitucionalidade das leis infraconstitucionais.
3 Prerrogativas parlamentares constantes no novo texto constitucional: sua umbilical ligação
com a democracia e separação dos poderes

Com a promulgação do novo texto constitucional, houve substancial alteração no modo de se


compreender o Direito brasileiro, como alhures afirmado. Dentre as novidades trazidas pela nova lei
suprema, manteve-se um dispositivo que desde a primeira Constituição Brasileira já encontrava
guarida, com exceção da Carta de 1937, trata-se do princípio da separação dos poderes.
A lei maior preconiza que os poderes são independentes e harmônicos entre si e, para haver
essa independência, são outorgadas a cada poder prerrogativas ou garantias que asseguram o exercício
do múnus público discriminado pelo próprio legislador constituinte; na realidade, não há somente
prerrogativas, mas também vedações com o mesmo intuito.
Como é cediço, o parlamento é a representação do povo, cuja função precípua é a edição das
leis e fiscalização das contas públicas. A Constituição Federal de 1988 proclama no seu artigo 1º,
parágrafo único que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos,
ou diretamente nos termos desta Constituição" (BRASIL, 1988).
Diante desse cenário proporcionado pela Constituição de 1988, é inequívoca a importância do
Congresso Nacional, assim como de seus membros. Nesta senda, para que os congressistas exerçam
esse elevado encargo público, a Carta de 88 outorga prerrogativas, para que esse exercício não sofra a
interferência ilegítima dos demais poderes. As assim denominadas prerrogativas parlamentares estão
previstas no artigo 53 e seguintes do texto constitucional.
No Brasil, a corrente doutrinária prevalecente chama-se de moderada, pois defende a
existência das imunidades parlamentares, mas de forma limitada e contida, não admitindo que se
instaurem corporativismos, devendo a aplicação dos institutos ficar vinculada aos atos realizados em
razão do múnus público atribuído ao Poder Legislativo, evitando a institucionalização da impunidade e
a tolerância de abusos. Este último entendimento é o adotado pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal1 (STRECK; OLIVEIRA; NUNES, 2013, p.2263).
A Constituição Federal de 1988 no seu Título IV, Capítulo I, Sessão V, dos artigos 53 ao 56,
institui e disciplina o denominado Estatuto dos Congressistas. Este Estatuto estabelece as normas que
regulamentam as imunidades e vedações parlamentares, assim como trata sobre prerrogativas de foro e
processo. Portanto, essas normas constitucionais fundam e disciplinam o regime jurídico dos
congressistas.
Dessa forma, o texto constitucional concede aos parlamentares imunidade por suas palavras,
opiniões e votos (imunidade material), de igual forma, desde a diplomação, concede o foro por

1
Como pode-se perceber nos seguintes julgados do STF: HC 115.397, INQ 3.932, INQ. 1.958, AO 2.002 e INQ
2.332 (rol exemplificativo).
prerrogativa de função perante a Corte Suprema do país, bem como a garantia de não ser preso, salvo
nos casos de flagrante delito por crime inafiançável (imunidade formal).
Importa lembrar que as imunidades só são aplicáveis quando o parlamentar estiver no
exercício do mandato legislativo ou em razão dele, ou seja, fora dessas hipóteses os parlamentares
respondem como qualquer cidadão pelos seus atos. Assim sendo, como já salientado, a Constituição
tem como propósito garantir o regular funcionamento dos trabalhos legiferantes, evitando que os
membros das casas legislativas sofram interferências externas dos demais poderes e da sociedade. Ou
seja, as imunidades não são privilégios, pois são concedidas ao parlamento em consonância com o
princípio da separação dos poderes, da soberania popular e com a própria democracia. Nesta senda,
salientam Osmar Veronese e Marsal Cordeiro Machado:

[...] a inviolabilidade parlamentar objetiva torna as atividades parlamentares imunes


às pressões externas, preservando a liberdade, a autonomia e a independência do
Parlamento, em relação aos demais Poderes do Estado e da sociedade, não
amordaçando seus membros. Essa garantia possui estreita conexão com o princípio
representativo, salvaguardando a representatividade democrática, protegendo a
liberdade de expressão do investido enquanto representante de cidadãos que o
elegeram (2017, p. 697).

Portanto, as prerrogativas parlamentares são inerentes ao Poder Legislativo e asseguram a


independência desse poder frente aos demais, bem como evita a interferência indevida de agentes
externos nas casas legislativas. Assim, nota-se que as imunidades parlamentares garantem o regular
exercício do múnus público atribuído aos representantes do povo, em consonância com os princípios
da soberania popular e separação dos poderes.
No entanto, como enfatizado, as prerrogativas parlamentares não blindam o parlamentar de
eventuais responsabilidades, especificadamente quando os atos dos congressistas não tiverem
vinculação com a atividade legiferante, isto é, não guardarem relação com o mandato parlamentar
(razão in officio) ou em razão dele (prática propter officium).
De outra banda, verifica-se que essa análise do lícito e do ilícito é uma tarefa complexa, pois
pode existir uma linha muito tênue entre o exercício regular do Direito e o abuso de poder ou
autoridade. Tal circunstância envolve um aspecto importante do constitucionalismo moderno, qual
seja, o princípio da separação dos poderes que é considerado um elemento intrínseco do Estado
Democrático de Direito.
Assim, como os poderes constituídos se fiscalizam, impõe-se apreciar em quais hipóteses um
poder pode interferir na independência do outro de modo legítimo; esse será o objeto do próximo
tópico, mormente em relação ao diálogo institucional do Poder Judiciário com o Legislativo, pois o
alcance das imunidades parlamentares é subsumida à interpretação realizada na atividade jurisdicional.

4 O princípio da Separação dos Poderes


A divisão de funções ou tarefas é um verdadeiro mecanismo de controle do poder estatal, por
isso mesmo que se amolda perfeitamente às Constituições do segundo pós-guerra, que têm como
escopo a racionalização e legitimação da máquina estatal, bem como a limitação do poder em prol das
garantias individuais, num primeiro momento e, depois, em função das demais dimensões dos direitos
fundamentais. Portanto, o princípio é inerente à Constituição, pois sem a divisão de funções em um
Estado, não há como afirmar que se tenha uma Constituição, é um vínculo indissolúvel.
Além disso, a conformação da separação das funções centraliza-se em duas premissas. A
primeira é a independência entre os poderes, dessa forma não há qualquer relação hierárquica entre
eles, razão pela qual jamais um poder pode estar subordinado ao outro. A segunda premissa diz
respeito à limitação recíproca entre os poderes (Check and Balances), é o elemento que estabelece
equilíbrio entre as instituições, impedindo que um se sobressaia em relação ao outro (LORENCINI,
2017, p. 125-126).
De outra banda, tal como as regras jurídicas os princípios constitucionais gozam de
normatividade e, portanto, são de cunho imperativo. Assim sendo, o princípio da separação dos
poderes também norteia a aplicação do Direito positivo, dessa forma é indubitável que o juiz ou
tribunal no momento da aplicação das leis e da Constituição deve atentar para a força do aludido
princípio.
O dispositivo da divisão de funções impõe especialmente ao Judiciário, órgão incumbido de
realizar a prestação jurisdicional, uma posição de deferência em relação aos demais órgãos estatais;
denomina-se de autorrestrição (judicial self restraint) essa prática de deferência, consubstanciando um
princípio de interpretação constitucional. Todavia, isso não implica a redução das competências de
controle da jurisdição constitucional, ainda mais quando se trata do seu órgão máximo, no caso
brasileiro o Supremo Tribunal Federal, consistindo apenas na renúncia à prática política pelos órgãos
judiciais (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 219).
Portanto, como demonstrado, a separação dos poderes tem o propósito de elidir a tirania, dessa
forma evita a concentração de poder em um único órgão. O aludido princípio é pautado em duas
premissas, quais sejam, a independência que veda qualquer subordinação de um poder ao outro e a
fiscalização recíproca na medida em que os poderes se fiscalizam.
Todavia, não raras vezes, o princípio é desrespeitado pelos poderes, como se pretende
demonstrar no próximo tópico, em que serão analisadas determinadas decisões relacionadas com as
prerrogativas parlamentares proferidas pelo Supremo Tribunal Federal à luz do princípio da separação
dos poderes.

5 Prerrogativas parlamentares e o princípio da separação dos poderes na jurisprudência do


Supremo Tribunal Federal
O presente tópico caracteriza-se por apresentar e analisar as decisões proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal dentro de do lapso temporal de seis meses, sobre a temática da separação dos
poderes.
Para que a pesquisa pudesse ser realizada em prática, foi necessário aplicar delimitações à
busca das prerrogativas parlamentares. O instrumento utilizado foi de "Pesquisa de Jurisprudência"
proporcionado pelo site do Supremo Tribunal Federal. Também foi necessário delimitar o lapso
temporal e fixação da palavra-chave da pesquisa. Optou-se pelo lapso temporal de seis meses,
compreendido entre 01/01/2017 e 01/06/20172. Assim, foram obtidas seis decisões3 com
correspondência sintática à palavra-chave "prerrogativa parlamentar" presente nas ementas das
decisões e na forma de fixação utilizada pelo tribunal.
Ademais, algumas decisões que serão especificadas não serão esmiuçadas, pois não guardam
relação com o objeto da pesquisa, que são as prerrogativas parlamentares previstas no art. 53 da
Constituição Federal de 1988 e que já foram objeto de exame no presente trabalho. Estabelecidas as
premissas, passa-se a apresentar as decisões do Supremo Tribunal Federal que foram obtidas.
O Agravo Regimental na Reclamação 25. 497/RN envolveu a apreciação do Supremo
Tribunal Federal da decisão do Relator Ministro Dias Toffoli, que negou seguimento à Reclamação
manuseada pelo reclamante contra ato do juiz federal da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária de
Paraíba, que teria usurpado a competência da Corte Suprema.
No caso, o reclamante salientava que houve usurpação da competência do Supremo Tribunal
Federal, pois no curso das interceptações telefônicas os investigadores se depararam com diálogos que
envolviam determinado Deputado Federal, que goza de prerrogativa de função. Diante de tal situação,
o reclamado deveria ter remetido os autos, ou seja, declinado à competência ao Supremo Tribunal
Federal, juízo natural para julgar a aludida autoridade detentora do foro especial e não desmembrado o
feito em relação ao parlamentar.
O Supremo Tribunal Federal manteve o teor da decisão agravada e, consequentemente, negou
provimento ao Agravo Regimental. Argumentou a Corte que a simples menção do nome de
parlamentar, seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja em diálogos
capturados por interceptação telefônica, não tem o condão de atrair a competência da jurisdição
especializada. Ademais, foi ressalvado que para ser atraída a competência do Supremo Tribunal
Federal deveria haver indícios de participação concreta e ativa do titular da prerrogativa em ilícitos
penais. Ainda, por fim, foi esclarecido que nenhuma medida cautelar foi empreendida contra o

2
Optou-se pelo lapso temporal em destaque em razão do momento vivenciado pelo Parlamento brasileiro que se
vê desacreditado e desprestigiado, diante das várias denúncias e investigações criminais envolvendo deputados
federais e senadores, principalmente na operação "lava-jato".
3
Quais sejam, Agravo Regimental na Reclamação 25.497/RN, Ação Penal 912, Inquérito Policial 3.990/DF,
Agravo Regimental na Queixa-Crime 5.875/DF, Agravo Regimental no Inquérito Policial 4.183/DF e Ação
Direta de Inconstitucionalidade 1.197/RO.
parlamentar e que os fatos relacionados ao parlamentar não tinham nenhuma ligação com o objeto da
investigação e, mesmo assim, é inviável a análise do conjunto fático-probatório.
No caso acima narrado, nota-se que o Supremo Tribunal Federal entendeu que sua
competência não foi violada. Na ação, a Corte discutiu a aplicação do foro por prerrogativa de função,
visto que houve encontro fortuito de evidências capazes de ensejar a responsabilização penal do
congressista e, portanto, a discussão pautava-se na (in)competência do juízo (reclamado) para
determinar a gravação das interceptações telefônicas que envolviam autoridade com foro especial.
O tribunal respeitou seus precedentes (HC nº 82.647/PR, AP nº 933-QO/PB e Rcl nº
2.101/DF-AgR), assim como a prerrogativa parlamentar e, veladamente, a separação dos poderes, pois
toda a decisão que tutela a inviolabilidade parlamentar concomitantemente tutela a separação dos
poderes, é uma relação intrínseca, semelhante à relação regra-princípio, por de trás de toda regra há
um princípio e vice-versa. Como bem esclarecido na fundamentação da decisão, a simples menção ao
nome de autoridade com foro especial não possui o condão de atrair a competência do tribunal.
Percebe-se que nenhuma medida judicial foi empreendida contra o parlamentar, bem como não havia
nenhuma prova robusta de que o congressista teria auxiliado concretamente na prática delituosa.
Portanto, o foro por prerrogativa de função do parlamentar não foi violado, pois ele não estava sendo
investigado pelo juízo reclamado e tampouco era parte na ação penal.
De outra banda, a Ação Penal 912 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.197 não serão
analisadas em razão dos seus conteúdos não guardarem relação com o objeto da pesquisa.
Já no Inquérito Policial 3.990/DF a Corte analisou a denúncia oferecida pelo Procurador-Geral
da República contra Deputados Federais, pelo possível cometimento dos crimes de corrupção passiva
majorada (art. 317, §1º do Código Penal) e de lavagem de dinheiro (art. 1º, §4º da Lei nº 9.613/1998)
na forma do art. 29 e 69 do Código Penal, assim como do crime de organização criminosa (art. 2º, §§
3º e 4º da Lei nº 12.850/2013).
No aludido julgamento, o tribunal analisou a questão do foro por prerrogativa de função; tendo
em vista que os denunciados são congressistas (deputados federais), o tribunal é o juízo natural para
processamento e julgamento do feito. Ademais, os acusados alegaram como causa de nulidade, entre
outras, que o desmembramento dos autos em relação a alguns investigados causaria prejuízo à defesa.
Contudo, a Corte Suprema repeliu a arguição, salientando que, de regra, só julga a autoridade com
foro por prerrogativa de função, não havendo no que se falar em prejuízo, pois foi possível
individualizar as condutas dos agentes e, portanto, eventuais crimes de corrupção ativa ficarão a cargo
do juízo de primeiro grau.
Ao final do julgamento, o Supremo Tribunal Federal recebeu a denúncia do Ministério Público
em relação apenas a três deputados, sendo a denúncia rejeitada quanto aos demais (art. 395, inciso III,
CPP).
Na aludida ação, a Corte respeitou a imunidade formal do parlamentar, qual seja, a do foro por
prerrogativa de função, visto que os congressistas gozam do referido foro especial. Portanto, o tribunal
respeitou o disposto nos artigos 53, §1º e 102, inciso I, 'b' da Constituição Federal de 1988.
Por outro lado, no que se refere à alegação de prejuízo à defesa em virtude do
desmembramento dos autos em relação aos demais agentes investigados, a Corte Suprema também
aplicou a sua jurisprudência, que é no sentido de que, de regra, só julga as autoridades com
prerrogativa de função, sendo que os eventuais coautores ou partícipes do delito ficam a cargo da
jurisdição ordinária. Ademais, excepcionalmente o Supremo Tribunal Federal julga também os
coautores e partícipes, quando a cisão dos fatos implique prejuízo ao julgamento, ou seja, prejudique a
elucidação dos fatos (Inq 2.560, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de
23.05.2016).
Ainda, importa enfatizar que as imunidades não devem ser estendidas aos agentes que não
exercem função pública com foro especial, pois como alhures esclarecido o foro por prerrogativa de
função é outorgado a instituição garantindo o regular exercício do múnus público atribuído ao agente,
não se trata, portanto, de privilégio pessoal.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal respeitou a imunidade formal dos parlamentares, assim
como decidiu constitucionalmente pela manutenção da cisão processual, pois como demonstrado na
decisão foi possível identificar as condutas dos agentes possibilitando o desmembramento do feito.
Por outro lado, no Agravo Regimental da Queixa-Crime 5.875/DF, a Corte Suprema apreciou
o agravo regimental interposto contra decisão do Ministro Relator Celso de Mello, o qual julgou
extinta a queixa crime oferecida em face de Deputada Federal pelo cometimento de crime contra a
honra. Alegava a agravante que as pronúncias da parlamentar não guardavam conexão com o exercício
do mandato popular, pois vinculada à propaganda partidária divulgada em rede social (Twitter),
proferida em ambiente externo ao do parlamento, o que descaracteriza o debate parlamentar.
Na ocasião, a Corte aplicou a imunidade material, prevista no caput do artigo 53 da
Constituição Federal. Entendeu que a manifestação da congressista se deu propter officium em meio
de comunicação social, assim como não sofre condicionamentos normativos que subordinem a
inviolabilidade material a critérios de espacialidade, sendo irrelevante que ato por ela amparado seja
proferido nas dependências do Congresso Nacional. Ademais, foi ressaltado que os atos dos
parlamentares em função do seu mandato não se restringem ao recinto das Casas Legislativas.
De outra banda, o relator alertou que as inviolabilidades parlamentares devem ser interpretadas
em consonância com a exigência de preservação da independência do congressista no exercício do
mandato. No julgamento, foi mantida a decisão recorrida e negado provimento ao recurso.
No aludido julgamento, a Corte Suprema aplicou a imunidade material, prevista no caput do
artigo 53 da Constituição Federal de 1988. O tribunal refutou a Queixa-Crime oferecida pela
querelante e, corretamente, entendeu que os fatos eram atípicos em razão da imunidade material
concedida aos parlamentares, pois, embora as pronúncias tenham sido vinculadas a rede social, a
incidência da norma não se restringe às pronúncias proferidas no recinto parlamentar.
Na fundamentação da decisão, fica claro que os pronunciamentos do congressista se deram em
razão da sua função (prática propter officium), se a Corte tivesse decidido de maneira diferente poderia
ter criado um precedente perigoso, pois seria uma decisão ocasional (ad hoc), não respeitando a
coerência dos seus próprios julgados (Inq2.330/DF, RTJ155/396-397, Inq2.874-AgR/DF) e,
consequentemente, criando constrangimentos inconstitucionais aos mandatários do povo.
Já no Agravo Regimental do Inquérito nº 4.183 Distrito Federal, o tribunal analisou a alegação
de usurpação da sua competência, pois a investigação criminal teria encontrado elementos indiciários
sobre prática delitiva por parte de parlamentar.
A Suprema Corte rechaçou a alegação, em suas razões afirmou que houve mero encontro
fortuito de elementos indiciários da prática, em tese, de ilícitos penais por parte de autoridade com
prerrogativa de função. Ainda, entendeu que a simples circunstância do parlamentar ser sócio da
empresa investigada não possui o condão de fixar a competência da corte. Ao final, foi negado
provimento ao recurso.
A decisão acima narrada é semelhante à primeira decisão analisada no trabalho (Agravo
Regimental na Reclamação 25. 497/RN), a Corte acertadamente manteve coerência entre os julgados,
reforçou a ideia de que o simples fato de haver menção ao nome do parlamentar não possui o condão
de atrair a jurisdição da Suprema Corte.

6 Considerações finais

No presente trabalho foi demonstrada, num primeiro momento, toda a importância da


Constituição Federal de 1988, que estabeleceu um novo paradigma para o Direito brasileiro, qual seja,
o do Constitucionalismo Contemporâneo, trazendo à sociedade brasileira uma real democracia
participativa, garantindo estabilidade as instituições republicanas, assim como legitimidade ao aparato
estatal, além de garantir direitos fundamentais das mais diversas dimensões.
Posteriormente foram abordados os contornos do alcance das prerrogativas parlamentares
previstas no artigo 53 da Constituição Federal de 1988, demonstrando que elas são inerentes ao
Parlamento, como Poder independente e não aos seus membros particularmente como muito criticado
pela sociedade e pela mídia. Ainda foi enfatizada a relação intrínseca das aludidas imunidades com os
princípios da separação dos poderes e da soberania popular, demonstrando o verdadeiro telos das
prerrogativas parlamentares.
No terceiro tópico, foi desenvolvido o tema da separação dos poderes descrevendo a sua
importância para o Direito brasileiro, sendo característica da identidade da Constituição, bem como
demonstrado como o princípio da separação dos poderes manejado ou interpretado de maneira
inadequada pode causar enfraquecimento da jurisdição constitucional, tanto quando o tribunal vai
além quanto aquém da sua missão.
Por fim, foram apreciadas as decisões da Corte Suprema que envolviam a aplicação das
prerrogativas parlamentares, com o intuito de verificar se o referido tribunal estava interpretando as
inviolabilidades do Parlamento dentro dos limites do exercício da jurisdição constitucional. Analisadas
as decisões do Supremo Tribunal Federal dentro das premissas estabelecidas no presente trabalho,
nota-se que a Corte respeitou as prerrogativas parlamentares e consequentemente o princípio da
separação dos poderes.
Na pesquisa, dentro do lapso temporal de seis meses, foram encontradas seis decisões fazendo
menção à prerrogativa parlamentar, sendo que quatro delas foram apreciadas minuciosamente em
razão de que duas decisões encontradas não guardavam relação com o objeto da pesquisa.
Dentre as decisões apreciadas, verifica-se que a Corte Suprema atenta para sua jurisprudência
e não proferiu nenhuma decisão, dentro do lapso temporal analisado, desprestigiando as imunidades
parlamentares. Ademais, em nenhuma das decisões o Supremo Tribunal Federal foi além da sua
missão constitucional, ou seja, posicionou-se dentro dos limites da jurisdição constitucional.
A Suprema Corte aplicou as imunidades parlamentares regulamentadas no artigo 53 de forma
constitucional, pois sempre atreladas à concepção de que as referidas prerrogativas deveriam ser
incididas quando o ato do congressista guardasse relação com o mandato parlamentar (razão in officio)
ou fosse praticado em razão dele (prática propter officium).

7 Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível


em:<http://www.planalto.gov.br>Acesso em: 07 out. 2017.

LORENCINI, Bruno César. Garantias da magistratura na Constituição Federal brasileira. In: LEITE,
George S.; STRECK, Lenio L.; JUNIOR, Nelson N. (Coords). Crise dos Poderes da República:
Judiciário, Legislativo e Executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
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STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4.ed. São Paulo. Revistas dos
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STRECK, Lenio Luiz; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; NUNES, Dierle; Comentário
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VEROSE, Osmar; MACHADO, Marsal C. Inviolabilidade dos parlamentares. In: LEITE, George S.;
STRECK, Lenio L.; JUNIOR, Nelson N. (Coords). Crise dos Poderes da República: Judiciário,
Legislativo e Executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017.

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