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FAAT FACULDADES

JULIANA CICERO MATRONE

UM OLHAR PARA O COLETIVO: ANÁLISE


FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL DO DOCUMENTÁRIO
“ECOVILAS BRASIL - CAMINHANDO PARA
SUSTENTABILIDADE DO SER”

CURSO DE PSICOLOGIA

ATIBAIA–2017
FAAT FACULDADES

JULIANA CICERO MATRONE

UM OLHAR PARA O COLETIVO: ANÁLISE


FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL DO DOCUMENTÁRIO
“ECOVILAS BRASIL - CAMINHANDO PARA
SUSTENTABILIDADE DO SER”

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como


exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Psicologia pela FAAT FACULDADES, sob a orientação
do Professor: Émerson Domingues da Silva.

CURSO DE PSICOLOGIA

ATIBAIA–2017
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Termo de aprovação
JULIANA CICERO MATRONE

Título: “UM OLHAR PARA O COLETIVO: ANÁLISE FENOMENOLÓGICA


EXISTENCIAL DO DOCUMENTÁRIO
“ECOVILAS BRASIL - CAMINHANDO PARA SUSTENTABILIDADE DO
SER”

Trabalho apresentado ao curso de graduação bacharel em psicologia, para apreciação


do professor orientador Émerson Domingues da Silva, que após sua análise considerou o
Trabalho _________________, com Conceito _________________.

Atibaia, SP, _____ de _________________ de 2017.

___________________________________________________________________
Professor Mestre. Émerson Domingues da Silva.
Para:

Todos os seres que buscam, de alguma forma, melhorar suas relações para a construção de um
planeta mais sustentável, tanto biologicamente como emocionalmente.
AGRADECIMENTO

Meu singelo e maior agradecimento vai para meu herói, meu pai, que sem sua ajuda
não seria possível esta jornada, e eu não a teria concluído com êxito. Agradeço-o pela vida,
pelo incentivo e por acreditar em mim, apoiando-me, incondicionalmente, em minhas
escolhas. Obrigada, André Matrone, por tudo e principalmente pelo seu amor.
Durante o percurso desta jornada, encontrei-me com pessoas muito especiais que
contribuíram e me ajudaram a caminhar, tornado-a mais festiva e mais colorida. Gostaria de
agradecer aos meus amigos, que fazem parte da minha vida, e a preenche com muita alegria,
sabedoria e acolhimento, tendo dessa forma contribuído de forma direta e indireta. Agradeço a
todos que compartilharam desta experiência, principalmente ao Paulo Macedo, que se tornou
um irmão e companheiro, e esteve presente em todos os dias desta jornada. Foi muito
importante caminhar ao seu lado, e poder perceber o quanto nós nos ajudamos, e
amadurecemos ao longo desses cinco anos que passamos juntos. Foi uma excelente
experiência e uma troca verdadeira. Que venham muitos mais anos como estes! Não poderia
deixar de mencionar uma amiga querida, que foi minha primeira amizade desde o início dessa
caminhada, Roberta Vavassori - tivemos momentos inesquecíveis, obrigada por ser quem é. E
agradeço também a Amanda Dávila, que surgiu no final desta jornada, mas foi crucial para
conclusão deste trabalho, me ajudando de uma forma serena e muito profissional. Obrigada!
Agradeço a todos os professores que contribuíram com o meu despertar,
principalmente a professora Paula Andrada, que se tornou minha referência de
profissionalismo, e de uma forma delicada, humana e profunda ampliou minha percepção do
mundo, mostrando-me uma visão mais crítica, política e social da psicologia. Obrigada
professora, por me mostrar na prática a importância da nossa profissão. Agradeço a
professora Márcia Coutinho, que surgiu como um passarinho, cantarolando, e me encheu de
esperança e demonstrou que essa profissão pode e deve ser muito mais humanizada. Obrigada
professora, pela linda mensagem que sua presença e sua forma de ser me trouxeram: levarei
para sempre comigo. Agradeço a professora Tatiana Gomez, que me fez compreender
inicialmente a fenomenologia, me mostrando um olhar diferenciado para com o outro e para
com o mundo. Agradeço ao meu orientador, que apesar dos contra tempos, me direcionou na
construção de um bom trabalho. Obrigado Émerson Silva, pela dedicação.
E por fim, sou grata a mim: por permitir iniciar e concluir essa jornada, a estar
receptiva a tantas informações, e aprendendo a enxergar o mundo de uma forma muito mais
ampla e contextualizada. Por me apaixonar pela profissão e acreditar que ela possa me dar
subsídio para ir à busca de um mundo com menos desigualdade social e mais coletividade.
RESUMO

Esta pesquisa busca compreender quais são os fenômenos que levam as pessoas escolherem
como estilo de vida a convivência coletiva. Para ser realizada a compreensão, foi utilizada a
ferramenta Análise de Discurso Oral, coletados do documentário: Ecovilas Brasil –
Caminhado para sustentabilidade do ser. O trabalho teve como intenção verificar a produção
de sentidos para cada entrevistado, que são moradores e vivenciam a experiência de conviver
em Ecovilas – Comunidades Intencionais. O foco da pesquisa foi realizar a articulação do
discurso dos moradores com os autores da Fenomenologia. Tal articulação se fez necessária
para que seja possível compreender este fenômeno da escolha de viver coletivamente, uma
vez que, são elementos da realidade de muitas pessoas que acabam sendo responsáveis pela
construção de um dado histórico em nossa sociedade. A questão central, que ficou evidente
nas entrevistas, é que todos os entrevistados acreditam que seja possível viver de maneira
contrária à sociedade vigente, no entanto as questões mobilizadoras que provocam a decisão
de tentar algo novo são bem centrais e peculiares a cada sujeito.

Palavras-chave: Ecovila; permacultura; fenomenologia; comunidade intencional.


ABSTRACT

This research aims to understand the phenomena which lead people to choose the collective
way of living. In order to achieve this goal, it was used the oral speech analysis of the
documentary "Ecovilas Brasil – Caminhado para sustentabilidade do ser”. Thisessay has had
the intention to verify the meaning produced by the speech of each interviewee, who is
experiencing living in Ecovillages – International Communities. The focus of the research
was to articulate the speech of the local residents with the authors of Phenomenology. This
articulation was necessary to make this phenomenon of collective living possible to be
understood, considering itan element of many people reality and it ends up being responsible
for building up a historical data in our society. The main idea, which was highlighted during
the interviews, was that all interviewees believe in the possibility of living in a contrary way
of the present society. However, the questions that teased the decision of trying something
new are the central point and peculiar for each one.

Key-words: Ecovillage; permaculture; phenomenology; intentionalcommunity


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 COMUNIDADES, ECOVILAS E PSICOLOGIA 15

1.1 Construções históricas: o passado, o presente e uma perspectiva do futuro 15

2 CULTURA SEU SURGIMETO E CONTRIBUIÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DAS


ECOVILAS..............................................................................................................................19
3 COMPREENSÃO DOS SENTIDOS DE SE MORAR EM UMA COMUNIDADE
INTENCIONAL......................................................................................................................27
3.1 A busca pelo autoconhecimento/autenticidade, inautenticidade, angústia, solicitude,
ser-com, ser-no-mundo e o ser-si-mesmo 29

CONSIDERAÇÕES FINAIS 38

REFERÊNCIAS 40
INTRODUÇÃO

Elegia 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
Sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual [...]

O vigente trabalho empenha-se em compreender as experiências de quem escolhe


viver em uma comunidade intencional. Para esse fim, utilizarei um material áudio visual, que
possibilitará entrar em contato com a realidade desse movimento. Por isso, escolhi trabalhar
com um documentário, pois esta técnica de filmagem busca se aproximar de uma reprodução
do real. Segundo Rosa (2012), os documentários têm como objetivo, denunciar, problematizar
e evidenciar o tema abordado, além de informar e despertar ao telespectador reflexões acerca
do que está sendo evidenciado pelo filme. O autor acrescenta que os documentários são ricas
fontes de informação, porém pouco utilizados em pesquisas acadêmicas. Estas informações
esclarecem o quanto se faz necessário utilizar desta ferramenta em pesquisas, uma vez que ela
aproxima a experiência do vivido.
O documentário escolhido foi “ECOVILAS BRASIL – Caminhando para
sustentabilidade do ser”. O documentário visitou dez lugares para entender quais aspectos e
valores as Ecovilas estão trazendo para a humanidade e como estes podem colaborar para uma
mudança de paradigma do nosso modelo civilizatório. Portanto, ele busca desmistificar e
esclarecer aspectos da vida em comunidade, através de depoimentos daqueles que vivem essa
experiência, mostrando que é possível e viável, e até mesmo, próximo do nosso cotidiano um
caminhar mais sustentável, partindo de outro ponto de vista, não mais de competição ou
separação, mas de colaboração.
É importante ressaltar que a Ecovila é um lugar que propicia o convívio humano, além
de promover ações que geram menos impacto natural e econômico na sociedade. Svensson
definiu a Ecovila como: “Comunidade de pessoas que se esforçam por levar uma vida em
harmonia consigo mesmas, com os outros seres e com a Terra. Seu propósito é combinar um
ambiente sócio-cultural sustentável com um estilo de vida de baixo impacto” (SVENSSON,
2002, p. 10).
11

Campos (2009) acrescenta que as relações comunitárias que constituem uma


verdadeira comunidade são relações igualitárias, que se dão entre pessoas que possuem iguais
direitos e deveres. Essas relações implicam que todos possam ter vez e voz, que todos sejam
reconhecidos em sua singularidade, onde as diferenças sejam respeitadas. E mais: as relações
comunitárias implicam, também, a existência de uma dimensão afetiva, implicam que as
pessoas sejam amadas, estimadas e respeitadas.
Por tratar-se de um movimento que vem crescendo e se solidificando, noto que
existem pessoas que escolhem esse estilo de vida, que é contrária à qual estamos habituados –
a estrutura capitalista: sistema socioeconômico caracterizado pela produção e distribuição de
bens e serviços por propriedades privadas que visam o lucro.
Outra mudança observada é a que se dá no âmbito das relações, pois a forma que
buscam de se organizarem e conviverem coletivamente, faz com que as pessoas aumentem a
interação entre si, os diálogos e a atenção voltada ao outro, considerando que eles têm o
objetivo em comum de se promoverem através da convivência, ou seja, outras formas de
viverem nesse contexto contemporâneo em que vivem de forma sustentável. Mas, promover
uma mudança na forma em como se relacionam com os outros, a economia e a sociedade,
estudando e colocando em prática, mecanismos de convivência coletiva, pode ser um desafio,
como por exemplo, a utilização da permacultura, que acaba se tornado uma ferramenta para
auxiliar a convivência e direcionar as ações necessárias para se viver em uma comunidade
intencional, uma vez que se torna um elo perante as Ecovilas, pois cada comunidade é única
em sua forma de organizar-se, porém, a maioria se utiliza da Permacultura como meio de
organização. De acordo com Ortega, (2013, p. 9).

O estudo da Permacultura permite um grande avanço para aqueles que têm acesso a
recursos rurais de forma coletiva, de forma independente do governo e das
empresas, para desenvolver sistemas que antecipam o futuro e ajudam a sociedade a
rever o projeto cultural da civilização atual.

Então nestes espaços nomeados como Ecovilas é necessário que haja lugar para a
diversidade e para erros e conflitos, pois é por meio destes acontecimentos, que se promove o
reconhecimento de que em uma dinâmica, a semelhanças e a diferenças e são tensões
simultâneas - uma vez que, as comunidades intencionais necessitam da diversidade para
12

1
executarem uma “autoridade natural” em diferentes questões e campos das atividades
comunitárias. (HOLMGREN, 2013).
A concepção da análise tem diversas justificativas, uma delas é o meu interesse
pessoal de viver fora desse mecanismo de convivência ao qual estamos habituados. Portanto,
senti-me atraída por querer compreender a experiência de quem vive de forma sustentável e
coletivamente, além de querer me aprofundar teoricamente com a experiência de se viver em
uma Ecovila.
Outro ponto é o fato de conhecer outras pessoas que estão no processo de transição,
que escolheram sair desse molde de sociedade capitalista para uma integração em Ecovilas -
que tem como objetivo vivenciar na prática outros mecanismos de sociedade – e essa
aproximação já vem mudando a forma de relação destas pessoas com o mundo e com as
outras pessoas. Despertou-se em mim, então, um desejo de emparelhar o olhar da psicologia
fenomenológica-existencial com a experiência da escolha de se viver em uma comunidade
intencional, e assim, compreender o processo desta escolha.
Como a Psicologia, e mais especificadamente a Fenomenologia, tem o propósito de
provocar reflexões e lançar diferentes formas de se compreender um fenômeno, a análise
poderá contribuir para que os leitores possam levantar suas próprias reflexões e formas de
lidar com suas relações, principalmente para as pessoas que vêm refletindo e buscando outras
formas de convivência. Assim sendo, esse estudo poderá contribuir para pessoas que estão no
processo de transição e para os que já se integraram nesse formato de relação que ocorrem e
se estabelecem no convívio de uma Ecovila. Deste modo, o tema pode ser empreendido nos
mais diversos contextos e práticas psicológicas e, as pesquisas podem ampliar a compreensão
do (a) profissional de Psicologia acerca dos fenômenos que existem e vêm acontecendo na
sociedade. Tendo em vista, o presente estudo, pergunto-me: o que leva escolher viver em uma
comunidade intencional?
O fato de existirem outras maneiras de se relacionar e viver, que é contrária a
representação da sociedade capitalista, nos permite outra justificativa para a construção do
estudo, pois é interessante para a psicologia estudar as formas de organização social, uma vez
que, o homem está modificando as formas de relações tanto com a economia, como com o
meio ambiente e as pessoas.
É importante esclarecer que a sociedade capitalista é entendida como uma condição
imposta. Segundo Santos (2006 p. 2-3):
1
A “autoridade natural” entende-se como reconhecimento no âmbito de uma comunidade da capacidade
particular de um indivíduo em algum campo que justifique aceitar a sua opinião como tendo um peso maior
(naquele campo).
13

Hoje, os limites extremos deste projeto se transfiguram naquilo que Milton


Santos (1994) chama de meio técnico-científico-informacional. No espaço
geográfico globalizado, não apenas os territórios e as pessoas são unificados por
um mercado que já começava a se tornar integrado desde o mercantilismo, mas,
por uma rede cibernética de informação, tecnologia e cultura. A obediência à
operacionalização da excelência científica unifica as idéias, as redes de
comunicação e de transporte materializam os circuitos, o design mimetiza o
aparelhamento arquitetônico e instrumental dos territórios e objetos, a automação
faz o mundo girar e o consumismo dinamiza os desejos ao tempo que os
emudecem. No centro, está o “motor único” da mais-valia, imposto ao
sistema financeiro-econômico internacional pelas engenharias da competitividade
mundial, lideradas pelas grandes corporações e empresas transnacionais.
(SANTOS, 2003, citado por SANTOS, 2006, p. 3-4)

Devido a isso, existe uma vontade pessoal em compreender mais a fundo a experiência
de se escolher viver em uma Ecovila, pois, vivemos por meio de uma dinâmica imposta pela
sociedade, cuja, estimula a competitividade, muitas vezes, levando-nos a crer que esta é a
única forma de nos relacionarmos com o mundo. Indago-me, então, a refletir, e não concordo
com esse mecanismo naturalizado. Portanto, buscarei através da análise compreender como as
pessoas estão vivenciando e reinventando formas de convivência, estabelecendo outros
valores, para os quais, creio eu, que haja uma preocupação com as relações humanas. Buscam
construir vínculos afetivos e estabelecer um espaço com compromissos sociais, humanitários,
ambientais, econômicos e solidários, dentre tantos outros. Saber que esses movimentos
existem e vêm sendo desenvolvidos, faz com que me sinta envolvida, e com esperança para
acreditar e querer compreender as relações humanas que permeiam esse contexto.
A relevância da análise para o meio social está exatamente na realidade das pessoas
que vivem a experiência de morar em uma comunidade intencional, e também para pessoas
que buscam outras formas de vivências. O estudo destina-se a esses públicos, uma vez que, o
mesmo é composto pelas pessoas que estão inseridas numa sociedade buscando e/ou
reinventando outras formas de se relacionar. Contextualizar a dimensão do fenômeno que
será analisado nessa pesquisa é uma forma de compreender o quanto ela se faz presente na
sociedade, e como essa realidade pode, ou não, afetar as relações de quem escolhe viver em
uma Ecovila, e como essas escolhas impactam a sociedade.
Assim, podemos concluir que este estudo poderá contribuir para a ampliação dos
conhecimentos relevantes na concepção de uma realidade alternativa, que tem sido construída
através dos movimentos das Ecovilas. Então, o estudo poderá ampliar a compreensão das
relações que permeiam esse contexto, entendendo como se da a escolha de se viver e
14

compartilhar a vida dentro de uma comunidade intencional, e como funciona este movimento
na prática, que acabam nos modificando e construído novos paradigmas.
Para se alcançar o propósito do estudo, os procedimentos a serem adotados baseiam-se
em um levantamento histórico do surgimento das Ecovilas; o porquê do surgimento desse
movimento; como elas se estruturam; e em especial: a utilização da Permacultura como
ferramenta para a organização dos espaços e do convívio humano, uma vez que a mesma é
adotada pelas Ecovilas.
Portanto, o leitor desse estudo encontrará no primeiro capítulo uma introdução
histórica do surgimento das Ecovilas, a fim de contextualizá-lo no que se refere ao surgimento
deste movimento, como se organizam e como atuam na sociedade.
No segundo capítulo falarei da Permacultura: como ela auxilia o planejamento e
organização do coletivo e como ela surgiu. No terceiro capitulo farei uma articulação da
análise obtida pelo documentário com o material teórico da fenomenologia existencial, mais
especificadamente a teoria heideggeriana que poderá enriquecer o tema pesquisado.
1 COMUNIDADES, ECOVILAS E PSICOLOGIA

1.1 Construções históricas: o passado, o presente e uma perspectiva do futuro

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,


e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas[...]

Neste primeiro capítulo, tenho como objetivo explorar brevemente sobre a construção
histórica dos acontecimentos realizados durante o processo de civilização, que acabou
ocasionando no surgimento das Ecovilas. Essa construção tem a finalidade de contextualizar o
leitor acerca do surgimento destes movimentos, que resultaram em mudanças, tanto no
ambiente físico, quanto no social, e no cultural.
Segundo Cunha (2012), Ecovilas, é um dos diversos movimentos que visam quebrar
os paradigmas e formas que construímos de relação com o mundo, pois os movimentos vêm
reinventando outras formas de relação com as pessoas, na economia, na natureza, na cultura e
na política. Portanto, buscaremos por meio de um estudo bibliográfico realizar um breve
levantamento, como forma de estruturação do motivo do surgimento destas comunidades
intencionais, que apesar de ser um movimento recente, possui aspectos ligados a construção
de comunidades antigas.
De acordo com Silva (2013), podemos resgatar o entendimento que o homem tinha
sobre a natureza. Para isso é preciso retroceder para um período em que os homens se
relacionavam com a terra através de suas crenças. Naquele período, a natureza para os povos
europeus se apresentava através do imaginário coletivo como uma entidade associada ao
mundo sagrado e ao gênero feminino. Sendo assim, todos os fenômenos naturais eram
relacionados ao poder divino. O autor pontua ainda, o quanto a disseminação da igreja, e as
crenças com relação ao poder da natureza sobre o homem começaram a ser modificadas. A
noção do homem como dominador da natureza e da mulher foram apoiadas e encorajadas pela
tradição judaico-cristã, que adere à imagem de um deus masculino.
Por isso, a relação do homem com a natureza sai da esfera divina de submissão,
iniciando uma transição, em que os seres se tornam passivos com relação à atribuição dos
fenômenos naturais a entidades divinas: “ao passo que a visão de natureza como selvagem e
perigosa deu origem à ideia de que ela tinha de ser dominada pelo homem” (CAPRA, 1982, p.
37 apud SILVA, 2013, p 27).
16

Por meio do avanço da física e da astronomia, e da conquista técnica e científica,


houve transformações na forma de pensar e produzir, que foram sendo incorporadas na
cultura. Portanto, “após a revolução científica principiada neste período, ela vai deixando de
ser encantada para se tornar uma coisa passível de ser metodologicamente: entendida e
controlada, de modo à melhor servir aos propósitos da humanidade” (SILVA, 2013, p. 28).
Silva (2013) aponta uma desestruturação na sociedade, dando os primeiros sinais da
revolução que derrubou o feudalismo e conceberam as bases do modo de produção capitalista.
Esses fenômenos foram marcados pela influência do cristianismo que acabou promovendo o
andamento de expansão do capitalismo e da cultura ocidental. A respeito de tais
acontecimentos, de acordo com o autor

Vê-se, também que junto com o processo de globalização há, ao mesmo tempo, a
dominação da natureza e a dominação de alguns homens sobre outros homens, da
cultura européia sobre outras culturas e povos, e dos homens sobre as mulheres por
todo o lado. Não faltaram argumentos de que essa dominação se dava por razões
naturais, na medida em que certas raças seriam naturalmente inferiores. A
modernidade européia inventou assim a colonialidade e a racionalidade (base da
escravidão moderna) e, assim essa tríade – modernidade-colonialidade-racionalidade
– continua atravessando, até hoje, as práticas sociais e de poder (PORTO-
GONÇALVES, 2006, p. 25. Apud SILVA, 2013, p 29).

Silva ainda aponta que em razão dos acontecimentos históricos que ocorreram no
processo civilizatório, um dos acontecimentos que foram mais importantes para a
compreensão do surgimento das Ecovilas, foi o início da contracultura - movimento esse que
se propagou na década de 1960 e contribuiu para uma mudança cultural da sociedade,
tornando-se um marco de protesto pela liberdade, gerando um sentimento de repugnância
contra a cultura ocidental.
Um dos motivos que mobilizou os representantes deste movimento contra a vigente
sociedade da época e sua maneira de se organizar, era a expansão exacerbada do consumo e o
aumento dos problemas ambientais, resultantes de um tipo de desenvolvimento econômico
sustentado pelos princípios da dominação e da exploração (SILVA, 2013). Silva, ainda
esclarece que:

O quadro que se desenhava, particularmente nos países do primeiro mundo –


marcado, entre outras coisas, por grandes avanços no campo da ciência e da
tecnologia, pela consolidação de uma classe média urbana educada, pelo forte papel
interventor do Estado, tanto na economia como na vida privada dos cidadãos, pela
paranóia generalizada inspirada pela guerra fria e as constantes ameaças de uma
guerra nuclear, além, é claro, do aumento considerável nos níveis de contaminação e
degradação ambiental – despertou, sobre tudo entre os mais jovens, a repulsa e a
vontade de mudar a forma de pensar e de viver dominantes na modernidade,
17

desencadeando um conjunto de manifestações (a princípio) contrárias ao


establishement que ficou conhecido genericamente como contracultura.” (SILVA,
2013, p 17.)

Ainda sob o olhar de Silva, chegamos ao ponto em que no período entre 1960 e 1970
surgiram esses movimentos contestatórios, e com isso, iniciaram-se novas formas de viver em
sociedade e de se relacionar com a natureza, a política, e a economia, o que foi permitido
através da fundação e a disseminação de experimentos de organização social.
Portanto, o conceito de Ecovilas e comunidades intencionais estão entrelaçados aos
mecanismos de estruturação que surgiram de forma não espontânea com relação aos padrões
sociais dominantes, e podem referir-se tanto às práticas mais ancestrais, como as comunidades
cristãs na Roma Antiga, quanto as mais recentes, como as comunidades hippies2. (CUNHA,
2012)
Cabe ressaltar, que as Ecovilas são herdeiras das comunidades intencionais surgidas
após a metade do século XX, e possui uma ligação que contém a “tentativa de definição de
outro tipo de vivência em sociedade, como o exemplo do socialismo utópico” (CUNHA,
2012, p. 46). Acerca deste aspecto Silva acrescenta também que:

Em meio ao caldeirão contracultural que fervilhava na década de 1960, o


estranhamento generalizado vivenciado por parcelas consideráveis da juventude,
que, de um lado, sentiam-se fortemente reprimidos pelas instituições burguesas, da
família ao Estado, e, de outro, não se encontravam representados pelos partidos e
movimentos políticos de esquerda “tradicionais”, acarretou a busca por novas
alternativas de expressão e contestação. Nesse sentindo, uma das estratégias mais
utilizadas por aqueles que se viam alheios à sociedade tecnocrática e aos valores
burgueses, modernos e ocidentais foi – para usar uma expressão da época – “cair
fora” e fundar experiências comunitárias que, no seu entendimento, seriam capazes
de proporcionar uma vida não alienada, integrada à natureza e cuja organização
social e econômica, bem como a produção do seu espaço, se realizassem de formas
diferentes daquelas geradas com base nas “nefastas” lógicas do lucro, do
consumismo, do individualismo e da competição. As chamadas “comunidades
alternativas” tornam-se assim, bastante difundidas no mundo ocidental durante os
anos da contracultura. (SILVA, 2013, p. 77).

Com isso, vêm á tona outros objetivos, preocupações e influências, aspectos esses, que
tomarão proporções ao longo do movimento “como as críticas à família, à educação formal,
ao Estado, à crença no pacifismo, à valorização do hedonismo, da subjetividade, da busca pela
espiritualidade” (SILVA, 2013, p. 78). O autor supramencionado ressalta que com esses novos
rumos de comportamento, a relação com o trabalho, a autogestão, a organização coletiva do
espaço e dos meios de produção, temas esses que se somaram e se tornaram uma “crítica ao
2
O aumento da autoconsciência critica por parte da juventude no período do Pós-guerra levou, nos EUA, ao
aparecimento dos “hippies”- jovens bastante politizados que, negando os valores burgueses norte-americanos
hegemônicos, procurava de alguma forma “desligar-se” daquela sociedade. (SILVA, 2013).
18

cientificismo e uma busca por uma relação social com a natureza diferente daquela tornada
hegemônica na modernidade, fundamentada basicamente no princípio da dominação.”
(SILVA, 2013, p. 78).
De acordo com Cunha (2013), estes movimentos são até hoje a base e o objetivo de
uma Ecovila, que podemos definir como comunidades intencionais, que de forma não
espontânea se tornam um grupo, se juntam para conviver e se organizarem, a fim de
promoverem menos impacto na natureza, terem uma relação de troca com as pessoas que
permeiam esse espaço, a sociedade local que está em seu entorno e outras comunidades
intencionais, se apropriando e utilizando de uma economia mais justa, que não visa o lucro e
sim a distribuição justa de seus excedentes. (CUNHA, 2012).
O foco de produção dessas comunidades está voltado para autossuficiência, entendido
aqui segundo os autores David Holmgren e Bill Mollison (2013. p, 165) como:

A autossuficiência tende a funcionar como um boicote mais generalizado e invisível


do consumidor, minando a fatia de mercado e o domínio psicossocial das economias
centralizadas e de larga escala que sustentam e mantêm atitudes dependentes e
disfuncionais. Ao mesmo tempo, tende a promover e a estimular novas formas locais
de atividade econômica.

Portanto, o trabalho que se deve ter, está pautado na busca da troca dos excedentes
que é produzido em cada Ecovila com a sociedade local, a fim de usufruir o excedente da
produção como moeda de troca com outros coletivos, outras comunidades e até outras pessoas
que possam estar contribuindo com o que eles têm para oferecer. Isto não se restringe somente
a produtos orgânicos, mas também a mão de obra e serviços em geral, promovendo uma nova
forma de se relacionar com a economia, buscando assim manter a renda per capta dentro da
região (HOLMGREN, 2013).
Faz-se necessário apontar o envolvimento da permacultura dentro do contexto das
comunidades intencionais. Ortega, (2013, p. 8), contribui dizendo que,“a Permacultura
nasceu de um estudo sobre as culturas humanas que conseguiram permanecer por longo
tempo sem destruir seu meio em diversos lugares e períodos da História da Humanidade”.
Portanto, este entendimento torna-se um guia para estes grupos, que hoje vêm criando e
vivendo, essa realidade. O tema da permacultura e sua apropriação e inserção nas Ecovilas
será mais detalhado no capítulo seguinte, em que teremos como pretensão, compreender
melhor a permacultura no contexto da Ecovila.
2 CULTURA SEU SURGIMETO E CONTRIBUIÇÃO NA
ORGANIZAÇÃO DAS ECOVILAS

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra


e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras[...]

A permacultura é uma ciência aplicada. Segundo Silva (2013), vem se sobressaindo


como uma das ferramentas mais significativas utilizadas pelas comunidades intencionais,
construindo a base da organização e de produção de muitas destas experiências.
Holmgren (2013) ressalta que o objetivo da permacultura é aproximar estratégias e
técnicas de culturas tradicionais e modernas. Foi desenvolvida como meio para proporcionar
um pensamento holístico e integrar teorias com práticas.
A permacultura começou a ser desenvolvida em meados dos anos 70, na Austrália, por
Bill Mollison e David Holmgren. Holmgren (2013, p. 27) esclarece que: “o conceito e o
movimento da permacultura fazem parte daquilo que alguns chamam de pós-modernismo, em
que todo o significado é relativo e incerto”.
A ideia de construir os conceitos base da permacultura surgiu por meio da experiência
do autor Bill Mollison, que desiludido com o caminho adotado pela sociedade moderna e
industrial, escolheu abandonar a vida na cidade e se autoexilar em um terreno. De acordo com
seus relatos, esta experiência foi crucial para deslumbrar a permacultura, permitindo-lhe
aprofundar seus conhecimentos com relação às múltiplas variáveis em um ecossistema
(SILVA, 2013).
Silva (2013) ressalta que foi através desta experiência que Bill Mollison compreendeu
que não poderia manter-se alheio da sociedade, mas que era necessário utilizar seus
conhecimentos para ajudar a reverter o quadro de degradação ambiental que tanto lhe
incomodava. Mollison conta um pouco sobre este processo:

Após passar anos protestando contra a situação de degradação, percebi que meus
oponentes não iriam mudar, por esta razão, em 1972 decidi me separar da sociedade,
limpei um terreno, construí uma casa, fiz uma pequena horta, um jardim, plantei
algumas árvores e decidi viver ali isolado. Pensei que através da história, muitos
homens desgostosos com a sociedade haviam decidido fazer o mesmo. Contudo, não
demorei muito em dar-me conta que eu não poderia ficar isolado e deixar que os
bastardos destruíssem tudo, assim resolvi regressar e lutar. Demorei um tempo em
pensar como
20

lutar e decidi que não utilizaria as armas convencionais, mas, recorreria ao


pragmatismo, criaria um sistema claro e metódico. Muitas pessoas sabiam o que não
queria, e disse a mim mesmo que era tempo de decidir o que queria, e o que
queríamos resultou ser o permacultivo 3 (MOLLISON, 1989, apud. SILVA, 2013, p.
161).

Em 1974 Bill Mollison realizou uma parceria com o David Holmgren, com a intenção
de desenvolver o conceito de “permacultivo”. A junção entre os dois autores foi crucial, e os
seus trabalhos iniciais deram as ideias da agricultura permanente, mais peso e amplitude, de
maneira que, gradualmente, o permacultivo passou a ser considerado como um sistema de
design integrado, apto em sistematizar vários aspectos (tanto técnicos como éticos) e se
ajustar a diferentes contextos sociais e geográficos, pretendendo, com estas atitudes,
promover uma cultura permanente, que acabou resultando na construção da permacultura 4
(SILVA, 2013).
Todos os materiais que estes dois autores produziram começaram a ser publicados e
reconhecidos a partir de 1978. Após estas publicações surgiram diversos grupos interessados
em se aprofundar e compreender melhor o que estes dois autores estavam construindo.
(SILVA, 2013).
Com isso, estas pessoas começaram a se encontrar regulamente com a intenção de
“criar redes, articular-se politicamente, realizarem alguma ação prática ou mutirão de
trabalho, trocar informações, sementes, mudas, e diversas outras atividades” (SILVA, p. 161).
Bill Mollison, em 1979, fundou o: Permaculture`s Institute. – Hoje é considerado
como uma das maiores, e mais importantes organizações permaculturais em nível mundial.
Desde sua fundação formou mais de quarenta mil pessoas e além de formar pessoas, é
responsável por iniciativas que buscam promover investimentos éticos e formas de economia
e finanças alternativas. Trabalham também com o programa Tree Tithe Programme, que
contribuem voluntariamente os ganhos com as publicações sobre permacultura as revertendo-
os em programas de reflorestamento. (SILVA, 2013).
Portanto, a partir dos anos 80 o movimento permacultural expandiu-se mundo à fora,
mas somente em 1984 fundaram um curso básico, resultando no essencial modelo para a
formação de novos praticantes e instrutores. Cabe ressaltar que este curso foi à principal
estratégia empregada para expandir a permacultura, que posteriormente proporcionou uma

3
Depoimento retirado do documentário “In grave danger of falling food”, 1989. (SILVA, 2013, P. 161).

4
É possível notar, desta forma, o emprego de dois significados distintos para o termo “cultura”. O primeiro está
atrelado ao seu sentindo etimológico, dizendo respeito, exclusivamente, ao “cultivo” agrícola. Já o segundo
significado, notadamente antropológico (e de uso mais genérico), relaciona-se ao conhecimento acumulado, ás
ideias, ás crenças, aos sistemas éticos, aos hábitos, modos de vida, etc (SILVA, 2013, P. 162).
21

rede de contatos e de intercâmbios, que resultaram em encontros regionais, nacionais e


internacionais, promovendo trocas de experiências e conhecimentos que auxiliaram e
ajudaram na formação e estruturação da permacultura, incorporando novos temas e interesses
à sua prática. (SILVA, 2013).
Devido à crise global do sistema capitalista, a integração da permacultura como uma
forma sustentável e autogestionária, tornou-se interessante para as pessoas que além de
estarem desempregadas, ainda possuíam influências dos movimentos de contracultura dos
anos 60 (SILVA, 2013).
Segundo Silva (2013), estas pessoas acreditaram que seria possível, e viram “a
possibilidade para transcender a alienação, a exploração, o individualismo e o consumismo
experimentados ao longo da modernidade capitalista, adotando a permacultura como meio
prático e ético para atingir isso” (SILVA, 2013 p.165).
Holmgren (2004) acrescenta dizendo sobre a importância desta fusão da permacultura
com a contracultura esclarecendo que:

A percepção da permacultura como um fenômeno de estilo de vida contracultural,


com encontros regulares, revistas especializadas e grupos locais proporcionou uma
estrutura holística para a reorganização da vida e dos valores de uma minoria
preparada para mudanças de vida mais fundamentais. Isto tem sido assim para uma
parte da juventude desiludida com a cultura juvenil conservadora de consumo do
final di século XX. Para outros, a permacultura trouxe uma mensagem de esperança
nas lutas contra os males ambientais e sociais. O Curso de Design em Permacultura
tem sido particularmente efetivo em forjar mudanças fundamentais e um novo
enfoque na vida dos seus participantes, oferecendo-lhes um sentido de
pertencimento. Este aspecto subcultural ou contracultural da permacultura tem
facilitado a experimentação e a introdução de modelos de vida dirigidos por um
imperativo ecológico. (HOLMGREN, 2004, p. 38, apud, SILVA, 2013 p. 166).

Assim, podemos compreender que o surgimento da permacultura e sua expansão


mundial ocorreram por conta dos vínculos estabelecidos desde o início, entre a permacultura e
os demais movimentos de organização social e de produção, que ocorreram nos anos 70, com
influência da contracultura, do ambientalismo e do surgimento das Ecovilas. Todos estes
movimentos ocorreram ao mesmo tempo e se desenvolveram de modo paralelo, juntando-se
mais tarde à contemporaneidade, que se consolidaram na década de 90, em consonância com
a globalização do capitalismo neoliberal - conjunto de ideias políticas e econômicas
capitalistas que defende a não participação do estado na economia, onde deve haver total
liberdade de comércio para garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento social de
um país. – (SILVA, 2013).
22

O autor supramencionado evidencia que somente na década de 90 a permacultura


expande-se, pois sai dos países ricos e passa ser difundida em lugares nos quais os efeitos da
globalização do capitalismo neoliberal se entrelaçaram com mais ímpeto. Por conta das crises
econômicas, sociais e ecológicas sucederam os primeiros institutos e centros de formação de
permacultura na America Latina. No entanto esses conhecimentos ficaram restritos a uma
pequena parcela de estudiosos, como por exemplo, ambientalistas, agroecologistas,
entusiastas do movimento de ecovilas e integrantes de movimentos alternativos (SILVA,
2013).
O Brasil e o México foram os países pioneiros da America Latina a se aprofundarem
na proposta da permacultura, esse fato ocorreu por conta da execução do curso de design em
Permacultura, administrado por Bill Mollison e Scott Pottman em Porto Alegre (RS). O
movimento permacultural brasileiro desenvolveu-se rápido, implantando diversos institutos de
permacultura em diversas capitais como: IPERS - no Rio Grande do Sul; IPB - na Bahia; IPA
- na Amazônia; IPEC - no Cerrado e o Instituto de Permacultura Austro Brasileiro – IPAB
(SILVA, 2013).
O movimento de expansão da Permacultura continuou crescendo durante uma década
no Brasil, e em 1999 e 2000 fundaram mais um Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata
Atlântica – IPEMA; e o Instituto de Permacultura e Ecovilas da Pampa – IPEP. Nesse período
foi criado a Rede Brasileira de Permacultura, que possibilitou e divulgou a permacultura pelo
país. Mas somente em 2007 foi realizada a 8º conferência Internacional de Permacultura. Foi
neste ano que o autor Davis Holmgren veio ao Brasil ministrar cursos avançados de
permacultura em diversas capitais brasileiras (SILVA, 2013).
Portanto a expansão e a articulação da permacultura no mundo, não é somente uma
ferramenta de organização, mas é também uma alteração na forma de fazer política – política
é uma atividade orientada ideologicamente para a tomada de decisões de um grupo para
alcançar determinados objetivos. Silva (2013, p. 182) diz que: “A permacultura serve para
definir um conjunto de técnicas, práticas e princípios específicos, como para se referir ao
movimento surgido com base neles”. Silva ressalta que a permacultura, em quarenta anos,
desenvolve-se em todos os continentes, existindo hoje em 140 países. Apesar dos conflitos e
contradições que surgem no decorrer dessa difusão da permacultura pelo mundo, existe um
fio que dá sentido ao movimento permacultural e lhe garante certa coerência. “Este
23

denominador comum reside justamente no conjunto de princípios – éticos e de design5– que


orienta a criação do espaço” (SILVA, 2013, p 182).
Outro ponto importante que Silva (2013) aborda, é que os princípios éticos construídos
pela permacultura têm suas bases nos valores humanistas e ecológicos, que buscam direcionar
as pessoas que escolheram se orientar por estes princípios, a manter uma postura consciente e
responsável.
Bill Mollison e David Holmgren definiram três princípios fundamentais que guiam e
amplificam os demais, vejamos: O cuidado com a Terra; O cuidado com as pessoas; O limite
do consumo e da reprodução e a redistribuição dos excedentes, sendo os princípios que guiam
o trabalho da prática da Permacultura nas comunidades intencionais. (HOLMGREN, 2013)
Esses princípios fundamentais norteiam o processo a ser desenvolvido para constituir
uma vida mais harmônica, visto como ferramenta que possa auxiliar o homem a se relacionar
de forma mais equilibrada com o seu ambiente. Segundo Holmgren (2013), é preciso levar em
consideração não somente a contribuição dos saberes antigos, mas também a importância do
conhecimento adquirido pela humanidade na modernidade, visando uma transição mais
sustentável. Silva (2013, p. 185) esclarece que:

A ética permacultural tenta transcender os valores morais e costumes hegemônicos


que sustentam a racionalidade moderna e a sociedade burguesa, como, por exemplo,
a competitividade, o individualismo e o princípio de “dominação” sobre a natureza
vistos como antiecológicos e anti-humanistas, e substituí-los por outros que
ganharam bem menos importância ao longo do processo de modernização
capitalista, mas que, no entendimento dos permacultores, são vitais para o
estabelecimento de uma sociedade mais igualitária e sustentável, como o princípio
da cooperação e o respeito intrínseco pela vida.

Bill Mollison e David Holmgren colocam o cuidado com a terra como um dos
princípios centrais dentro da permacultura, pois para os permacultores o cuidado com a terra
abrange diversos sentidos, a começar pela necessidade em manter a sanidade dos solos que
são fonte de vida, mantendo a conservação ativa dos ecossistemas e utilizando de maneira
ética os recursos e bens naturais. Portanto para Holmgren (2013), a permacultura fornece
ferramentas importantes que proporcionam uma relação mais equilibrada com o ambiente e
com as pessoas.
Holmgren (2013) evidencia que é importante “continuar elaborando formas criativas
para colocar a terra sob um controle de estruturas coletivas, em lugar de tomar como natural a
5
No caso da criação permacultural do espaço, a palavra design costuma apresentar um significado mais amplo e
profundo do que a tradução imediata “desenho” (em português). Como substituto, poderia se pensar no termo
“projeto”, que se aproxima um pouco mais do sentindo que comporta o termo original. (SILVA, 2013, P. 184).
24

propriedade privada que acompanha nossa cultura industrial ocidental” (HOLMGREN, 2013,
p. 76).
Silva (2013) discorre sobre a importância do envolvimento pessoal e coletivo dos bens
em comum, e diz que o cuidado com a terra resulta diretamente das necessidades básicas
humanas como: alimentação, abrigo, educação e saúde, e que estas necessidades esbarram
com o segundo principio permacultural, que é o cuidado com as pessoas.
Holmgren diz que: “as necessidades e aspirações humanas, ao serem colocadas no
centro das atenções, convertem a permacultura em uma filosofia de caráter ambiental-
humanista” (apud, SILVA, 2013, p.187).
Para Mollison (1994), a espécie humana e a única que promove certo impacto no
planeta, modificando-opor meio de práticas destrutivas em grande escala. A permacultura
pretende auxiliar, ensinando as pessoas a terem mais autonomia, permitindo que elas criem
recursos e possam prover suas necessidades básicas independentemente de governos e/ou
empresas. (apud, SILVA, 2013, p.187)
Portanto, para Holmgren (2013), o cuidado com as pessoas inicia-se individualmente e
depois se expande em círculos crescentes, esbarrando gradativamente na família, na
comunidade e na bio-região. Segundo o autor supramencionado “os limites para as melhorias
materiais são tanto estruturais e internas a nós mesmos, bem como externas, políticas e
ambientais” e acrescenta dizendo que “para poder contribuir com um bem maior, é preciso
antes estar saudável e seguro” (HOLMGREN, 2013, p.60).
E por último temos o terceiro princípio: compartilhar os excedentes, que para o autor
Mollison, (2002, p. 03 apud SILVA, 2013, p.188) “Leva à simples decisão de cooperar e
tomar parte de funções de apoio na sociedade, promovendo uma interdependência que
valoriza a contribuição do individuo ao invés de formas de oposição ou competição”. Ou seja,
quanto maior o armazenamento de um lado, maior a insuficiência de outro. Quanto maior a
partilha de excedentes, maior igualdade social e equilíbrio ecológico (SILVA, 2013).
Outro ponto que Silva (2013) irá discutir e que é de grande importância, é a escolha
que Bill Mollison e David Holmgren tiveram na implementação da permacultura como uma
metodologia de luta, que busca diminuir a desigualdade social. Segundo Silva (2013, p. 190,
191):

A permacultura evita “chocar de frente” com o sistema estabelecido, preferindo, ao


invés disso, valer-se da “força do exemplo” como principal estratégia para aceder a
uma nova “cultura humana sustentável”. De um modo geral, para os permacultores,
é somente a partir da transformação empreendida internamente em cada indivíduo
que mudanças sociais mais amplas e profundas podem ser realizadas. Assim,
25

sustenta-se que a profusão de pequenas ações individuais, em conjunto com a


edificação de espaços sustentáveis e (relativamente) autossuficientes e o
estabelecimento de cooperativas, associações e redes biorregionais de intercambio e
de apoio mútuos são mais eficientes do que a confrontação direta no sentido de
influenciar a “natureza pulsante e irregular das mudanças sociais”.

Podemos entender então que as comunidades intencionais são uma das maneiras de
colocar em prática todos estes recursos, é a ideologia que a permacultura propõe. Portanto,
tendo em vista que este estudo pretende compreender o surgimento das Ecovilas, e quais os
motivos que levam as pessoas a almejarem outras formas de estar no mundo. Buscando
integrar os conceitos da permacultura no cotidiano, permitindo-os outras maneiras de se
relacionarem. Por esse motivo é possível esclarecer a construção deste capítulo, que traz de
forma resumida a estrutura do pensamento e construção dos mecanismos holísticos da
permacultura, e como eles se cruzam e se relacionam com as comunidades intencionais. É
importante evidenciar uma colocação de Holmgren (2013) que esclarece:

A criação da Rede Global de Ecovilas esteve intimamente associada ao movimento


permacultural. Entretanto, para a maior parte das pessoas envolvidas em
comunidades intencionais, a permacultura continua sendo um método estrutural
ambientalmente amigável, e não o planejamento e a base filosófica da própria
comunidade (HOLMGREN, 2013, p.280).

Santos (2015), contribui, afirmando que a permacultura pode auxiliar nessa busca, pois
ela é “uma ideologia com princípios norteadores e métodos práticos, que contribuem para um
processo de ressignificação” (SANTOS, 2015, p. 60).
Segundo a autora, esses métodos podem ser implantados em diversos lugares como em
escolas, áreas públicas, ambiente urbano e propriedades rurais. No entanto faz-se necessário
que ele seja executado em lugares em que haja um grupo de pessoas empenhadas em
reunirem-se para formar uma comunidade ou um coletivo com o foco da integralidade,
podendo executar esses ensinamentos da permacultura na produção de insumos, em espaços
culturais, educativos e nas comunidades intencionais - tanto rurais como urbanas - ou todas as
intenções em coexistência, que é o caso das Ecovilas. (SANTOS, 2015)
Neste ponto, será possível discutir com mais detalhes no próximo capítulo, a fim, de
construir uma articulação entre as concepções dos autores existenciais e as informações e
reflexões colhidas no documentário. Portanto, a presente pesquisa se voltará à compreensão
das experiências das pessoas que já vivem ou estão no processo de transição para as
comunidades intencionais, que acabam colocando em prática outros modelos de sociabilidade
e formas de relacionarem-se com a natureza. Ou seja, será por meio das falas retiradas das
26

entrevistas contidas no documentário “ECOVILAS BRASIL – Caminhando para


sustentabilidade do ser” que será promovida a articulação com a Psicologia Existencial, a fim
de compreender e evidenciar os fenômenos que se apresentam nos discursos dos sujeitos que
realizaram a escolha de viver em uma Ecovila.

3 COMPREENSÃO DOS SENTIDOS DE SE MORAR EM UMA


COMUNIDADE INTENCIONAL
27

Caminhas entre mortos e com eles conversas


sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A leitura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear [...]

Neste capítulo irei utilizar o discurso oral de moradores de ecovilas, que foi coletado
por meio do documentário -“ECOVILAS BRASIL – Caminhando para sustentabilidade do
ser”, com o propósito de compreender a produção de sentidos por meio dos testemunhos
construídos, das experiências, de escolher viver em uma comunidade intencional. O objetivo
deste estudo são os depoimentos gravados em 2009, durante a produção do Vídeo-
documentário.
Segundo os autores Junior & Amaral (2015), a realização destas observações são
importantes e cruciais para a compreensão de um dado momento histórico que vem ocorrendo
e se solidificando em nossa sociedade. Nas palavras dos autores mencionados fica evidente o
quanto: “Os discursos são tomados como práticas sociais, historicamente construídas, que
constituem os sujeitos e seus respectivos objetos” (JUNIOR & AMARAL, 2015, p. 2).
Para Junior & Amaral (2015), os depoimentos coletados que sustentam este trabalho
estão relacionados com as perspectivas de linguagem, cultura, identidade e depoimento, dos
seguintes moradores, de dez comunidades intencionais existentes no Brasil, que são: Diogo
Alvim morador da Ecovila Terra Uma; Mariana Devoto, moradora da Ecovila El Nagual;
Damaris Regina,moradora da Comunidade Dedo Verde; Fernando Neubauer,morador da
Ecovila Tibá; Djalma Nery,morador da Estação Permacultural Veracidade; Romeu
Leitemorador da Vila Yamaguishi; Francesco Pommesening,morador da Instituto Arca verde;
Luiz Aquiles,morador da Ecovila karaguatá; Angelina Ataíde, moradora da Comunidade
Piracanga; Ana Claudia Fugikaha,moradora da Ecovila Tibá; Bruno Perel morador da
Comunidade Dedo Verde; Maria Sagnoli - ; Marcos Molz - ; Pavita Machado - ; Pren Milam,
moradores da Comunidade Osho Rachama.
Portanto, será por meio da análise discursiva dos depoimentos coletados e transcritos,
que foram gravados em áudio e vídeo para a construção do documentário, que possibilitará
entrar em contato com a experiência destas pessoas que vem historicamente modificando as
28

relações estabelecidas na sociedade, e é por meio da voz destes sujeitos, à luz da Análise
Descritiva, que será possível levantar uma reflexão acerca de como é para estas pessoas
viverem em um coletivo. Também consideramos para a pesquisa, uma articulação teórica,
com autores da fenomenologia, enquanto facilitadora da disseminação do fenômeno que a
pesquisa busca compreender, ou seja, será por meio do confronto das informações coletadas e
o aporte teórico que será estabelecida uma inter-relação entre as bases teóricas e práticas deste
fenômeno.
Irei discorrer brevemente sobre a metodologia da Análise de Discurso, a fim de
esclarecer e evidenciar a construção da compreensão que a pesquisa pretende realizar. Os
autores Junior & Amaral, contribuem apontando que um dos elementos fundamentais para
entender as relações sociais, e que sistematiza a organização cultural do sujeito é a linguagem.
Segundo os autores mencionados “A Análise de Discurso, oferece-nos um campo vasto de
subsídios para essa discussão, justamente, por servir de ponte de ligação entre a língua e sua
exterioridade constitutiva”. (JUNIOR & AMARAL, 2015, p. 8).
Para Orlandi (1999, p. 15, apud, JUNIOR & AMARAL, 2015, p. 8 - 9), é por meio
desse tipo de estudo que:

Se pode conhecer melhor aquilo que faz do homem um ser especial com sua
capacidade de significar e significar-se, pois a Análise de Discurso concebe a
linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social.
Nessa concepção, inúmeras são as possibilidades que nos permitem alcançar, através
de uma análise discursiva, o fio que nos conduz ao indivíduo, ao social e, com ele, à
História.

Portanto, segundo o entendimento dos autores Junior & Amaral (2015), será por meio
desta metodologia, e do entendimento de que a Análise de Discurso, não procura o sentido
verdadeiro nas palavras, mas consideram que é por meio da história e as condições da
linguagem entre os sujeitos que se torna possível caminhar para diferentes compreensões.
Nas palavras dos autores supramencionados é:

A partir do texto como unidade que permite o acesso ao discurso, fazendo


verificações, tomando-o como lugar da representação física da linguagem: onde ela
é som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. É o material bruto. Mas é
também espaço significante (JUNIOR & AMARAL, 2015, p. 10).

Tendo em vista esta breve compreensão da Análise de Discurso, cabe ressaltar o que
será realizado a seguir, portanto será feito uma análise dos trechos coletados do documentário
29

-“ECOVILAS BRASIL – Caminhando para sustentabilidade do ser”, articulando-os com os


conceitos da fenomenologia existencial.
Para ser possível construir uma cronologia das falas dos moradores entrevistados no
documentário, e uma estruturação no texto da pesquisa, foi escolhido realizar uma
organização, que será promovida por meio das informações levantadas dos depoimentos,
fixando uma divisão de categorias, estabelecendo um cuidado, contextualizado aos dados
obtidos e categorizando as falas que mais emergiram um fenômeno comum entre os
entrevistados. Levando em consideração as expressões mais presentes levantadas ao longo da
compreensão e pertinente ao objetivo do estudo, esta compreensão foi realizada por meio dos
temas existenciais encontrados nos discursos. Estes temas são: A busca pelo
autoconhecimento / autenticidade e a inautenticidade, a angústia, a solicitude, ser-com, ser-
no-mundo e o ser-si-mesmo. Esses temas foram escolhidos para agrupar os discursos
semelhantes que surgiram dos depoimentos coletados do documentário e articulá-los com os
autores que elucidam estas questões.
É importante ressaltar que o objetivo é compreender a experiências destes sujeitos que
fizeram essa escolha e vivenciam a mudança de conviverem em uma comunidade intencional,
a intenção da pesquisa de se aprofundar e entender quais são os fenômenos que mobilizam
estas pessoas a crerem que é possível construir uma nova forma de se relacionar em uma
sociedade. De antemão, podemos dizer que a questão de todos os entrevistados está voltada
em, acreditar que seja possível viver de maneira contrária a sociedade vigente, no entanto as
questões mobilizadoras que provocam a decisão de tentar algo novo são bem centrais e
peculiares a cada sujeito, mas a busca de todos e encontrar uma maneira de viver que tenha
mais sentido no existir de cada um.

3.1 A busca pelo autoconhecimento / autenticidade, inautenticidade, angústia, solicitude,


ser-com, ser-no-mundo e o ser-si-mesmo.

Antes de qualquer coisa, é importante esclarecer do que se trata o modo de existir


autêntico do homem. De acordo com Bruns e Trindade (2003) o homem pode apropriar-se de
diferentes facetas, conforme seus afetos ou seu humor, isto é, o modo como se relaciona com
os demais entes e as coisas. Desse modo, Heidegger, aponta os principais modos de existir do
homem, a autenticidade e a inautenticidade, a angústia, a solicitude, ser-com, ser-no-mundo e
o ser-si-mesmo; conceitos esses que serão discorridos posteriormente. Outro ponto importante
30

a ser esclarecido, é que foi por meio da compreensão das falas que esses conceitos foram
selecionados para a articulação.
É importante deixar claro que não se tratam de modos de existir estagnados, mas sim,
dinâmicos e característicos do homem. Sendo assim, em um modo inautêntico de existir, o
homem não tem plenitude na realização das suas possibilidades, já que isso só acontecerá
quando este, gradualmente, conquista um estado autêntico de existência (BRUNS E
TRINDADE, 2003). É isso que buscarei analisar nos discursos a seguir. Segundo as falas
coletadas no documentário, foi possível correlacioná-las com estes temas existências.
Vejamos a seguir:

6:01 – “Eu fazia terapia e aquilo ia te abrindo, e tu ia ficando mais


em contato com o que tu queria da vida, o que tu realmente sentia que
valeria a pena na vida.Aí, tu voltava para cidade ou para situação de
vida e começava ver que muitas coisas não fechavam mais. Queria
mudar. Aí começou esse sonho de ter uma comunidade, de ter um
lugar para viver”.
6:41- “Tive a oportunidade de trabalhar com vendas. Nossa ca-ra!
Não ia ser feliz, então nossa como era fácil ter seguido um caminho
como diz um amigo meu que é entrar na roda do rato você fica
andando na rodinha e nem está sabendo o porquê”.
As falas acima sugerem que os sujeitos em questão estão no movimento de gradual
busca por um modo autêntico de existir, uma vez que, como um deles menciona, há a
perspectiva de contato com o que “realmente sentia que valeria a pena na vida” (sic). Ao se
referir a volta para cidade, na primeira fala, como um momento em que via que as “coisas
não fechavam mais” (sic) e, quando, na segunda fala, ele diz acerca de “entrar na roda do
rato” (sic), é possível associar ao que foi postulado por Bruns e Trindade (2003) acerca do
momento inicial do homem no mundo, visto que, ele encontra-se submerso, preocupado com
as coisas e os outros entes. Portanto, é possível imaginar que os sujeitos em questão estão
indo de encontro à autenticidade.
A busca pela autenticidade se encontra presente também em outra fala: 54:12 – “A
revolução que eu procuro, talvez esteja bem dentro de mim” (sic). Tal afirmação nos permite
pensar que um dos motivos que os levam a escolher vivenciar esta outra forma de
relacionamento com a sociedade está direcionada a gradual conquista do estado de existência
autêntica (BRUNS E TRINDADE, 2003).
Já nas falas seguintes podemos entrar em contato com a solicitude. Para a autora
Ferreira (2011), a solicitude é o modo como onticamente conhecemos o ser-com e que a
31

solicitude do ser-com caracteriza a relação de abertura entre uma presença e outra, portanto,
podemos dizer que a solicitude é imprescindível para a constituição ontológico-existencial.
Uma vez que, a presença compreende o seu próprio ser, na medida em que compreende
também o ser da outra presença reciprocamente. Sendo assim, podemos esclarecer esta
relação na fala da autora mencionada, que evidenciam a importância da convivência e de
como ela promove um reconhecimento do próprio existir no mundo.

Ela compreende a si a partir da compreensão do outro, e compreende o outro


mediante a compreensão de si. Temos aqui uma circularidade ontológica, da qual
não temos como escapar, visto que a estrutura existencial da presença assim como a
compreensão de ser elaboradas em Ser e Tempo acontecem em uma circularidade. A
presença, "o ente em que está em jogo seu próprio ser como ser-no-mundo possui
uma estrutura de círculo ontológico." Por isto ela compreende o ser, a si e ao outro
em uma circularidade ontológica. Na circularidade do ser-com, a presença se
compreende como o ente que ela mesma é, ou seja, ela se reconhece como um si que
coexiste com o outro ao mesmo tempo em que reconhece o outro também como um
si que coexiste com ela e para quem ela é o outro. A presença "pode reconhecer
outros como ela mesma no mundo e entrar em relação com eles porque seu próprio
ser está aberto a ela como ser-com." dessa maneira, podemos dizer que o termo
"com" responde pelo caráter de abertura da presença para a compreensão do ser do
outro e de sua coexistência. (FEREIRA, 2011, p 147-148).

Podemos perceber nas falas de vários moradores a importância da convivência, e como


esta relação promove com que eles entrem em contato com a própria autenticidade.
42:52 – “ A direção que a gente vai hoje não é de o outro resolver o
meu problema, é cada um buscar dentro de si a solução do seu
problema. O conflito, ele deixa de existir quando dentro de mim eu
resolvo ele, não sou eu eliminando o pólo oposto que vai resolver meu
problema, porque sempre surgem outros”
43:17 – “ A gente entende que todo conflito que existe nas nossas
relações, nos nossos espaços de trabalho em tudo, que todos os
conflitos que a gente vivencia tem haver com um conflito interno,
alguma coisa que está acontecendo dentro da gente”

53:57 – “ A gente realmente acredita que podemos viver nossa


essência o tempo todo, que a gente pode estar vivendo. E viver a
essência ta muito ligado à vir fazer e reconhecer quem você é, e poder
atuar com aquilo que você veio fazer. Que mais pessoas possam viver
essa experiência de estar vivendo em comunidade, voltar para tribo”.

8:06 – “Se eu convivesse só com a minha família, essa convivência


iria me dar uma possibilidade de me ver de uma forma. Quando a
gente abre e convive com muitas mais pessoas é muito mais rico”.

25:46 “A gente vê que esta questão de ser sustentável, ela tem cada
vez mais em camadas, cada vez mais a gente percebe não estar sendo
32

sustentável em algum tipo de nível, e aí a gente vai nas relações, na


forma como agente se relaciona com as pessoas que trabalham aqui,
a gente vai sempre descobrindo um lugar que poder ser mais
sustentável”

31:43 “Essa questão hierárquica que a gente tem com relação a


algumas pessoas decidindo o que você deve fazer também começou a
ser questionada que não estava funcionado para ninguém. Quem tava
nesta posição de decidir as coisas ficava muito pesado, levava muita
projeção das pessoas, ficava o pai e mãe ali e os filhos todos putos,
por ter que obedecer, querendo que diga o que fazer, e agente viu que
aquilo estava barrando o crescimento pessoal de todo mundo. Então
a questão dos conflitos e das dificuldades que agente tava vivendo, a
gente começou a questionar o sistema e resolveu mudar, e aí foi um
processo longo de mudança, porque ninguém sabia, ta? para onde
nós vamos? Quando eu comecei tinha um modelo na cabeça e
apliquei aqui, mais aí para mudar não tinha um modelo, é isso que é
o barato da coisa, assim quando causa! Só acaba com o modelo e
vamos ver o que acontece. E o que aconteceu foi que crescemos.”

43:36 – “ Eu acho que assim, pode ter momentos mais tensos,


momentos menos tensos, mas o que sobra no fundo, no fim das contas
e a intenção, então eu acho que as pessoas que estão aqui, que mora
aqui hoje, elas tem a intenção de viver em amizade, em harmonia. E a
gente não enxerga muito essas diferenças como conflitos, diferenças
são diferenças, não são necessariamente conflitos porque tem
diferenças, e é interessante aprofundar nessas diferenças e procurar a
origem dessas diferenças e respeitar todas elas, a gente vê a diferença
simplesmente como diferenças. Fica muito mais leve do que deixar
que a diferença se torne um conflito quanto mais a gente puder
resolver as diferenças e conviver com elas, mais divertida se torna a
vida.”

53:24 – “ E como se tivéssemos conseguido criar juntos, aqui, um


espaço que nos faz acordar, relembrar uma memória que é uma
memória nossa, humana, então a gente não cria nada novo, mas a
gente desperta alguma coisa muito antiga da nossa raça, da nossa
espécie, que é a capacidade de conviver juntos de trabalhar de
transformar a realidade.”

50:23 – “ Na verdade viver aqui é meio uma intensificação da


experiência de vida, que deveria ser vida natural, assim porque se eu
estou sozinho em um apartamento e se eu quiser me anestesiar de
televisão, de internet, de álcool e comida e muito mais fácil, aqui não,
33

porque tenho amigos me enxergando, estão vendo que não estou legal
e estão me puxando e me enxergando e me ajudando.”

38:19 “A vida comunitária é muito boa porque praticamente também


as outras pessoas daqui se tornam espelhos. Você enxerga sua sombra
muito nós outro, você consegue traçar perfis olhando os outros. Então
é uma oportunidade de crescimento muito grande, porque você tem
que aceitar, ceder e também exercer o seu, a sua voz, o seu ponto de
vista, e aqui a gente tem esse meio, esse norte, que é crescendo na
diversidade humana, a gente acredita que pó, o mundo é diferente, as
pessoas são diferentes, temos criações diferentes, e cada um aprende
as coisas de uma determinada maneira e quando esta todo mundo
junto as vezes sai faísca, mas você aprende como resolver conflitos,
trazer harmonia na palavra.
As falas acima apontam para o modo autêntico de solicitude, em que o homem busca
relacionar-se deixando que os outros tomem consciência, assim como ele, de que cada um tem
responsabilidade pelo seu existir. É possível que um auxilie o outro nessa clarificação, sem
que isso implique em ignorar ou fazer tudo por ele no seu compartilhamento de sua existência
no mundo (BRUNS E TRINDADE, 2003).
Sendo assim, o autor Menezes Jr (1987), Apud Bruns e Trindade (2003), contribui
discorrendo que: “O homem encontra-se no mundo e o Dasein é um ser-no-mundo e um ser-
no-mundo e um ser-no-mundo-com-os-outros, sendo esta sua facticidade básica, da qual não
tem como escapar (p. 82).
No entanto, o existir no mundo encontra-se voltado para tudo que nele existe, e neste
sentido, a solicitude pode manifestar-se de maneira incompleta podendo assim, a relação com
o outro impedir que ele veja a si como horizonte de possibilidades. (BRUNS E TRINDADE,
2003).
Porém, pode supor-se que por meio das falas dos moradores, eles buscam pela
autenticidade. E que ela se apresenta como fenômeno principal para a mudança que almejam,
e que estão concretizando em suas vidas. Isto se faz por meio da construção das comunidades
intencionais. Os autores Bruns e Trindade (2003) discorrem apontando que a busca pela
autenticidade se encontra no momento em que o homem começa a sentir que o mundo não
mais o satisfaz totalmente, que lhe falta algo em seu movimento de atração pelo mundo, e que
o sujeito ao entrar em contato com está angústia permite perceber a si como principal
referencial para seu existir no mundo.
Para o autor o autor Menezes Jr (1987), Apud Bruns e Trindade (2003), a angústia,
leva o homem a confrontar-se com essa possibilidade irrevogável em sua existência, este
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estado de ânimo tão peculiar leva o homem a empreender o caminho em direção à conquista
da autenticidade.
Portanto, podemos resgatar a reflexão realizada inicialmente evidenciando que a
solicitude promovida pela convivência, o ser-com, no mundo, acaba auxiliando na busca da
autenticidade, uma vez que, o homem se encontra no mundo, no entanto, conforme vai
conquistando a autenticidade vai também voltando sua atenção para si. Escolhe a si como
possibilidade de ser-no-mundo. Desta maneira, é de um modo não-linear, mas, gradual, que o
homem pode aproximar-se do existir autêntico e ora do inautêntico.
No entanto o que se mostra, é que a convivência possibilita a conquista dessa
existência autêntica, ou seja, a relação que se estabelece nesta forma de convivência, acaba
promovendo que a solicitude seja autêntica e auxilie no processo de ser-si-mesmo (BRUNS E
TRINDADE, 2003).
Tendo em vista tais aspectos, podemos compreender que o homem partilha com os
outros o espaço que lhe circunda. Segundo Roberto (2009), é nesta relação com o outro em
que o homem se encontra a si mesmo e aos outros, pois sem o outro de nada adianta existir,
ou seja, o homem está neste mundo, convive com os outros, se relaciona com os outros
homens. Nas palavras do autor mencionado “Ser lançado no mundo possibilita ao Dasein
mergulhar na aventura da partilha deste mundo com os outros” (ROBERTO, 2009, p s/n).

A existência do homem só pode ser compreendida quando também se considera que


o homem é em um mundo. Sem a mundaneidade não pode existir homem. O homem
só pode ser compreendido lançado neste com o qual está envolvido, o mundo. Nele
o homem toma consciência da sua existência. Realiza os seus projetos, cria
utensílios para tornar a vida mais cômoda, lança-se em encontros com o outro,
fazendo acontecer a convivência. O homem necessita da presença do outro para
viver. A convivência com o outro tem o papel muito importante na vida do homem,
pois é através dela que o homem se humaniza. (ROBERTO, 2009, p s/n).

Este trecho possibilita para que possamos relacionar com a escolha das pessoas de
buscarem, por meio da convivência, construir uma nova forma de se relacionarem com elas
mesmas, com os outros, com as coisas e com o mundo. E que fazem isso por meio do projeto
de construção das ecovilas, ou seja, a proposta das ecovilas é trabalhar com todas estas
questões. Portanto o que se mostra como fenômeno, são as pessoas abraçando a ideia de
construírem um espaço, em que as decisões são tomadas coletivamente, que as tarefas e as
trocas são sempre realizadas respeitando a opinião de todos. No entanto, a real busca é
individual, e a busca pelo ser-si-mesmo e pela autenticidade, é que acabam por promoverem a
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coletividade, pois o outro auxilia e evidencia a importância da convivência, e de como ela


provoca um reconhecimento do próprio existir no mundo.
Conforme se entra em contato com esse existir no mundo de forma autêntica, entra-se
em contato, também, com a angústia. Segundo os autores Bruns e Trindade (2003), “O único
estado de ânimo que lhe permite perceber a si como principal referência para seu existir no
mundo e não o exterior é a angústia. ” (p. 85). Por meio da seguinte fala podemos entrar em
contato com o movimento da busca por uma vida mais autêntica.

54:20 – “ Quando tu vai se trabalhando, tu vai se abrindo, e vai


dando vontade de viver uma vida mais legal, criativa, mais natural,
com mais amor, com mais energia, com mais consciência”

Podemos relacionar com a compreensão anterior, em que possibilita considerar que o


homem começa a sentir que o mundo não mais o satisfaz totalmente, que lhe falta algo em seu
movimento de atração pelo mundo. Quando ele inicia o contato com o seu ser autêntico - e
isto ocorre por meio de se assumir a si mesmo como referência para seu existir - essa
possibilidade de ser-si mesmo tem o início de sua conquista à partir do momento em que toma
consciência da sua angústia e busca trabalhar e se permitir entrar em contato com seu existir, e
com isso buscar modos de existir mais autênticos (BRUNS E TRINDADE, 2003).
Portanto, segundo os autores Bruns e Trindade (2003), a angústia leva o homem a
confrontar-se com essa possibilidade, inevitável em sua existência, pois esse caminho que o
homem inicia em direção à conquista da autenticidade, o faz perceber que é aberto um
horizonte de possibilidades, e que ele pode projetar-se no mundo partindo de si mesmo e não
do que os outros lhe dizem. Ou seja, conforme o homem centra-se no mundo, ele vai
conquistando a autenticidade e vai voltando sua atenção para si. Nas falas dos autores
supramencionados o homem “Escolhi a si como possibilidade de ser-no-mundo. Este é o “ser-
si-mesmo” (BRUNS E TRINDADE, 200, p. 85).
No entanto, é necessário atentarmo-nos ao fato de que o homem continua sendo-no-
mundo com as coisas e os outros homens, porém a maneira como vive nesse mundo modifica-
se. “Se antes havia se esquecido de si graças à atenção dispensada ao mundo, em estado
autêntico, mesmo estando no mundo, é a si que considera primeiramente nesse existir”
(BRUNS E TRINDADE, 200, p. 85).
Nas seguintes falas, teve a atenção de perceber, que o contato com a autenticidade
estava presente nas pausas, nas entrelinhas do discurso, mas que é por meio da angústia que se
manifesta a busca pela autenticidade.
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50:54 – “O fato de eu ter encontrado o lugar que eu me vejo


crescendo, continuando crescendo, envelhecendo e morrendo, me
trouxe uma calma, me trouxe uma... não sei eu me vejo morrendo aqui
mesmo, me vejo envelhecendo aqui, subindo esses morros, sabe?... me
vejo tendo mais filhos aqui, e isso não significa que me vejo preso
aqui, pelo contrário, até hoje me sinto mais livre porque eu tenho um
porto, um canto, onde eu posso voltar. Eu tenho minha casa e agora
minhas asas parecem que estão até maiores para eu voar mais alto o
quanto eu quiser porque eu tenho para onde voltar, digamos assim”

6:57 – “ Eu quero uma vida alternativa a isso. É real, é possível, é


fugir, é criar uma bolha, é elitista, é caro, é barato. A gente queria
viver outra alternativa. ”

1:46 “Vamos olhar essa ideia toda de Ecovila, se esse modelo de


Ecovilas é bonito, se ele realmente pode ser aplicado entre nós aqui e
vamos. Então foi isso: sair da teoria e botar em prática uma coisa
que a gente achou bacana, mas que parecia muito sonhadora, e que
então foi o começo”.

7:27 – “Tudo leva a gente para um outro tipo de vida, a sociedade já


esta formada para se fechar em pequenas células familiares que
dentro daquela realidade elas são individualistas, então: se tem o seu,
a sua família e tal. As comunidades elas tem um trabalho que é um
trabalho difícil e complexo, que é de enfrentar um sistema, um padrão
de relações humanas que está posto a muito tempo, e isso é uma
herança histórica, e de tentar desconstruir um pouco essa bolha na
qual a gente se fechou, nessa família nuclear”

Sendo assim, nestas falas, podemos perceber que nem sempre a fala, o discurso do
sujeito está sendo autêntico. Segundo os autores Bruns e Trindade, (2003), eles esclarecem
que embora a linguagem possibilite o desvelar do ser, não necessariamente o faz, pois, esse
desvelamento irá depender do modo de existência do homem no mundo. Portanto, podemos
notar que nestas falas existe uma forma de se manifestar por meio da tagarelice. Segundo os
autores mencionados essa forma encobre a voz do ser, que é o discurso, no entanto, nestas
mesmas falas podemos supor a manifestação da existência autentica, uma vez que ela se
apresenta nas pausas, movido pela angústia aquieta-se e lhe é dado, então, ouvir a “voz do
ser” ou “a voz da consciência”, ou seja, é neste momento, que o discurso se apresenta e “a voz
do ser” pode vir a ser pronunciada, e a linguagem se expressa autenticamente. Verifica-se esse
37

fato, quando o sujeito se mostra perdido e buscando em sua fala, dar sentido a escolha de ter
um lugar seguro para crescer, viver e morrer, e também perdido, com relação a ter que buscar
as respostas vivenciando na prática as questões que movem a busca por um novo existir que
faz sentido, que seja autêntico e que quebre os padrões já existentes de convívio social.
Podemos supor, por meio da compreensão realizada das falas dos sujeitos, que o
fenômeno comum entre os moradores das comunidades intencionais está presente na busca de
uma existência mais autêntica, buscada através desta forma alternativa de configuração social
que estão construindo, nomeada como Ecovila. Essa configuração acaba se tornado uma
ferramenta que auxilia na busca pela autenticidade. Pois percebemos por meio das
articulações realizadas, que para Heidegger, a busca pela autenticidade está presente na
relação com o outro e no movimento de angústia do próprio existir.
Podemos resgatar um trecho do texto que evidencia a importância da relação com o
outro para ir de encontro à autenticidade, pois o que se mostra, é que a convivência possibilita
a conquista dessa existência autêntica, ou seja, a relação que se estabelece nesta forma de
convivência, acaba promovendo que a solicitude seja autêntica e auxilie no processo de ser-si-
mesmo (BRUNS E TRINDADE, 2003).
O texto também mostra que, além do auxílio da convivência, existe também o contato
com a angústia, em que o sujeito elabora questões próprias de sua inautenticidade no mundo,
e com isso entra em contato com a angústia do existir, e essa angústia acaba tornando-se uma
ferramenta para ir de encontro à autenticidade. Portanto, fica evidente que o homem começa
a sentir que o mundo não mais o satisfaz totalmente, que lhe falta algo em seu movimento de
atração pelo mundo, e quando ele inicia o contato com o seu ser autêntico - e isso ocorre por
meio de se assumir a si mesmo como referência para seu existir - essa possibilidade de ser-si-
mesmo tem o início de sua conquista a partir do momento em que toma consciência da sua
angústia e busca trabalhar e se permitir entrar em contato com seu existir, e com isso buscar
modos de existir mais autênticos (BRUNS E TRINDADE, 2003).
Essas duas formas de busca pela autenticidade se encontram presentes dentro dos
coletivos formados nas comunidades intencionais, e podemos supor que o fenômeno que
pretendia se encontrar com a presente pesquisa mostrou-se presente, revelando que o que leva
as pessoas a escolherem saírem das condições de vidas que se encontram, para emergirem em
uma construção de uma comunidade intencional, é essa busca por um existir mais autêntico.
Os motivos que justificam essa tomada de decisão podem ser diversos, mas o fenômeno
central e a busca por uma vida que faça sentido, é a busca pela autenticidade. É importante
colocar que a autenticidade pode ser alcançada em outros espaços, porém a Ecovila
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potencializa esse contato com ser-si-mesmo, uma vez que todos que estão presentes neste
contexto buscam a mesma coisa.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota


e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego, e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

(Carlos Drummond de Andrade)

A pesquisa nos permitiu entrar em contato com uma nova forma de nos relacionarmos
em sociedade, uma vez que foi focado em compreender como este movimento, conhecido
como Ecovila, surgiu, como ele se organiza e qual o fenômeno que leva as pessoas a adotarem
esse modo de existência no mundo. Para responder estas questões, foi escolhido compreender
a fala de moradores de dez comunidades espalhadas pelo Brasil.
A ferramenta utilizada para coleta destes dados foi extração das experiências dos
moradores por meio dos discursos contidos no documentário Ecovilas Brasil – Caminhando
para a sustentabilidade do ser, que permitiu entrar em contato com a realidade e a percepção
de cada um acerca da experiência que escolheram vivenciar. O método de análise para a
realização da articulação do fenômeno percebido com o material teórico foi à utilização da
Análise de discurso.
Portanto, o trabalho teve como linha de raciocínio o aprofundamento na história das
ECOVILAS, para compreender melhor o passado, e quais foram as questões que motivaram a
construção deste modo de vida. Buscamos compreender, também, o presente destas
comunidades, tentando entender como eles se organizam e o que almejam para futuro.
O que percebemos, é que este movimento das ecovilas, por mais recente que seja,
estão vinculados com outros movimentos que ocorreram ao longo da nossa civilização, e que
se manifestaram como uma resposta para os acontecimentos da época.
Durante os estudos realizados sobre as comunidades intencionais, entramos em
contato com a permacultura, que é uma das ferramentas utilizadas pelas ecovilas, pelo fato de
ser uma das teorias desenvolvida para auxiliar na organização destes espaços. Por esse fato,
nos preocupamos em se aprofundar um pouco e compreender sucintamente essa teoria para
entender como ela contribuiu nas relações estabelecidas dentro e fora das comunidades.
E finalmente, iniciamos a articulação dos dados obtidos e das falas extraídas do
documentário, com a teoria fenomenológica existencial - mais especificadamente o
pensamento filosófico heideggeriano - por meio da Análise de Discurso foi possível entrar em
39

contato com vários temas existências apontado por Heidegger. E de forma geral, o fenômeno
que se encontra com o objetivo, e que a pesquisa tinha como interesse em compreender, era de
fato, a busca pela autenticidade.
Essa busca mostra-se em dois momentos distintos: um deles é o motivo que leva as
pessoas a escolherem mudar a forma como se relacionam no mundo, pelo fato de perceberem
que a vida que estão vivendo encontra-se sem sentido, e a ideia de viver em um coletivo se
apresenta como uma nova forma de experimentar um novo caminho. Esse tipo de
autenticidade se apresenta pela angústia e a busca interna do ser-si-mesmo e é um processo
que se inicia antes do sujeito de fato estar convivendo em um coletivo, no entanto se torna um
dos impulsos que o leva ao encontro deste coletivo.
Em um segundo momento, a pesquisa mostrou também que muitas pessoas escolhem
inicialmente, viver em uma comunidade intencional por outros motivos, por exemplo, estarem
mais envolvidas com a permacultura, a agroecologia, a bioconstrução, a política, entre outros.
Porém, ao entrarem em contato com a convivência, acabam vivenciando a experiência
autêntica de solicitude que se torna uma ferramenta que auxilia o homem em sua busca
interna do ser-si-mesmo.
Sendo assim podemos sugerir que o fenômeno central é a busca pela autenticidade do
existir, e essa busca se dá individualmente, porém o coletivo auxilia e fornece ferramentas
para o homem alcançar o conhecimento interior de si próprio, provocando-o a entrar em
contato com a responsabilidade de se estar no mundo de forma autêntica.
Portanto, é relevante esclarecer que a trajetória utilizada é uma possibilidade, não
tendo a pretensão de esgotar o que se interroga, envolvendo uma postura de abertura e
seriedade de modo a entender que a interpretação e a articulação realizada dos discursos
obtidos, têm a intenção de ampliar a compreensão dos aspectos da existência humana a que se
lançou. Então, conclui-se que esta pesquisa alcança uma compreensão acerca do fenômeno
pesquisado, ou seja, lança luz a aspectos que, no início encontravam-se obscuros, mas que foi
se desvelando e mostrando o quanto se faz necessário mais estudo e envolvimento da
psicologia nas comunidades intencionais.
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