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ESPAÇO E DRAMATURGIA

Como você relaciona a estética do grotesco à conceção do objeto cenográfico do


espetáculo Minhoca?
PRESSUPOSTOS DE PARTIDA:
- Procedimentos que potencializem a expressividade no trabalho do ator.
- Bakhtin: manifestos populares da Idade Média e renascimento europeus.
- François Rabelais: realidade da própria vida em festa, como no Carnaval, uma
coletividade ambivalente, onde reia a abundância e o riso alegre.
- Bufões e bobos: protuberâncias, excrescências e hibridismos
- Kayser: grotesco romântico, horror pessimismo e ironia.
- A manifestação do excesso, como heterogeneidade monstruosa de realidades
não quotidianas.
- Meierhold: o baixo material e corporal, os orifícios do corpo, desdobrar e
subverter, olhar para o avesso.
- Mutável e movediço.
O GROTESCO: ETIMOLOGIA
Préstamo (s. XVI) del italiano grottesco, aplicado a los adornos caprichosos que imitan
los elementos propios de las grutas, y posteriormente a lo ridículo y extravagante.
Grotesco é um derivado do termo latino grotto que significa gruta ou pequena caverna.
A expressão surgiu no século XIV quando foram descobertos soterrados em Roma, por
acaso, corredores e salões do antigo complexo palacial Casa Dourada, uma construção
requisitada pelo imperador Nero após o grande incêndio que consumiu boa parte da
cidade em 64 d.C. (o qual se atribui a ele). Nesses espaços subterrâneos reabertos
depois de quase mil e quinhentos anos foram descobertas imagens, figuras, estátuas
compostas de pessoas ou deidades metade gente e metade animal ou metade
figura mítica. A palavra grotesco passou a ser utilizada não somente em
meios artísticos mas também em outras áreas como, por exemplo,
na literatura e arquitetura.
O termo Grotesco é também utilizado na literatura, referente à ênfase dos artistas
parnasianistas à figuras estranhas e bizarras, diferentes do que estão acostumadas a ver
ou pensar.
Conceito pessoal de Grotesco:
Mais deformação do que escatologia.
A deformação da fealdade transforma-a em beleza.
O belo oculto no abjeto.
SOBRE O PROTAGONISTA: A MINHOCA
Corporalidade: cartilaginoso.
Oralidade: sons digestivos.
Temperamento:
Uma minhoca terrivelmente fofa, de comprimento algo monstruoso.
Antropofágico, abrir bem a boca para comer de várias fontes.
Sexualidade: Hermafrodita.
Habitat:
Habitam tuneis escavados na barriga da terra.
Comportamento:
Larva = come carne // Minhoca = come detritos (vestígios de carne na terra que,
transformados digestivamente em adubo, fertilizam a terra).
Adoram carne, atraídas pelo odor, amizade gastronómica.
A minhoca come todos, os ricos e os pobres, como a Praga na Idade Média.
Dilemas:
Ambivalência da vida e da morte.
Ela habita os tunéis-intestino, que é como habitar dentro de si mesma.
Metáforas:
As minhocas são como as veias que alimentam o corpo, transportando o sangue que
alimenta a fome da carne (ponto motor: a circulação do sangue).
Veia: conceito grotesco e visceral.
Os túneis que escava são como intestinos estreitos e viscosos.
ESPAÇO CÉNICO
Ambiente:
Um labirinto claustrofóbico de galerias escavadas na barriga da terra, num circuito de
galerias sem saída, onde se repete sem cessar o regresso aos mesmos lugares, numa
viagem de regresso ao passado, para parte nenhuma.
Máquina-de-cena:
O labirinto de tuneis é sugerido por um dispositivo cilíndrico móvel e manipulável, com
acessos de entrada e saída organizados simetricamente.
A própria forma e substância do túnel-intestino faz lembrar o próprio corpo/figura da
minhoca, com o intuito de ser uma espécie de duplo de si mesmo.
Ao viajar pelo seu interior, a minhoca decide o seu próprio destino, mas ao ser o túnel
uma réplica, ela fica apenas focada em si, nas suas necessidades e dúvidas insatisfeitas,
que se repetem sem cessar.
O túnel-intestino provoca uma estrutura dramatúrgica que se divide em:
- habitar o próprio túnel, réplica ontológica de si mesma.
- entrar ou sair do túnel, para se transportar até diferentes galerias escavadas
previamente.
- viajar no túnel (o mesmo objeto leva para diferentes lugares).
A MÁQUINA-DE-CENA: TUNEL-INTESTINO
O diâmetro é estreito, o justo para evitar entupimentos ao ser atravessado pelo corpo
rastejante dx performer (principio de imobilidade ou de dificuldade no movimento).
O comprimento é mais do duplo da altura dx performer. É possível alterar o
comprimento, o peso e outras características físicas do túnel, para levantar diferentes
oportunidades de manipulação.
As paredes são feitas de tecido de malha elástica e translúcida, tingida em tons quentes
(castanhos e verdes). Podem estar impregnadas de óleo e ter pendurados diferentes
objetos (detritos).
Pode ser usado na vertical (sacar cabeça fora da terra) mas o uso principal é na
horizontal (rastejar).
X performer manipula, transporta e deforma o túnel em função das necessidades de
percurso ou de habitabilidade, fazendo e refazendo a cartografia do espaço cénico.
Outras relações plásticas:
Alia-se com a Luz-de-cena como cúmplices íntimos pela arquitetura mutável do espaço,
segundo uma dramaturgia da escuridão (questão: como se ilumina a escuridão).
Com o Figurino, existe semelhança na textura, na temática da carne (nudez) e no
princípio de imobilidade (nós no ombro, camisa de força).

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