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Quem perde você, perde o quê?

Às vezes a gente esquece quem é. Ou, mais que isso, às vezes a


gente esquece tudo o que é. As mil coisas que vão embora quando
alguém abre mão da gente.

Quem me perde, perde o apoio inquestionável, o carinho fácil, a


preocupação doce. Perde as piadas ruins fora de hora, a conversa
que flui como nenhuma outra, o estar junto simples e sereno que
basta em si. Perde o companheirismo implacável. Vai comigo o
respeito, a lealdade, o achei-que-você-fosse-gostar-comprei-pra-
você.

Vai embora comigo a mão do cafuné quase involuntário. O abraço


no meio da tarde. Ou da noite. E de qualquer hora. Vai comigo o
brilho nos olhos ao ver chegar. O ouvido, o ombro e o colo pré-
dispostos. Comigo vai a alegria, a força, a companhia da viagem
longa e chata, do filme, da bagunça na cozinha e das referências
internas. Na minha mala vão todas as ideias e soluções sobre
todos os problemas que não são meus, mas viram, porque sou
assim. Vai comigo o olhar que admira, o sorriso orgulhoso das
vitórias do outro.

E não é o outro que tem que saber disso, sou eu. Se a pessoa abriu
mão, deixo que ela siga subtraída de mim. Às vezes a pessoa
perde sem saber. Sem dar chances, sem abrir a porta. Perde no
medo, na hesitação, na certeza – que, na verdade, ninguém tem –
sobre o amanhã.

Perde, ou mais que isso: escolhe perder, por medo, por trauma,
por inquietação, por preguiça de tentar, por ter criado um muro
em volta da própria vida, ou por qualquer outro motivo. Mas
perde. E fim.

A gente não pode nunca deixar de olhar para si e ver com clareza
o que é. Tudo que você é. Todas as mil coisas. O que você é, é
valioso. Tudo o que você é, só você é.

Quem me perde, quem abre mão de mim, perde em mim um


monte de coisas. Que eu sei. Que eu vejo claro. Que eu conheço
sobre mim. Essa perda não é minha, é do outro. E eu sei direitinho
tudo o que a pessoa subtrai de si mesma quando me deixa ir
embora.

E você?
Quem perde você, perde o quê?

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