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(julho de 2018)
A DEMOCRACIA GOLPEADA:
A ORDEM NEOLIBERAL E OS ATAQUES
CONTRA A EDUCAÇÃO PÚBLICA1
Fernando Nicolazzi
Departamento de História da UFRGS
Machado de Assis
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Uma primeira versão deste texto foi apresentada no II Encontro de Educação e Humanidades
nas Ciências da Saúde: a utilidade dos saberes inúteis, realizado em setembro de 2017 pelo
Departamento de Educação e Humanidades da UFCSPA. Versões mais atualizadas foram
apresentadas como aulas nos cursos O golpe de 2016 e a nova onda conservadora no Brasil,
ministrado no âmbito do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, em maio de
2018, e O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil, realizado pelo Departamento de
História da UFOP, em junho de 2018. Agradeço aos amigáveis convites feitos,
respectivamente, por Ana Boff de Godoy, Claudia Wasserman e Andréa Lisly para participação
nos referidos eventos.
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CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Edição atualizada. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
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DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. Ver ainda LAVAL, Christian. A escola não é uma
empresa. O neoliberalismo em ataque ao ensino público. Londrina: Editora Planta, 2004.
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O argumento colocado não desconsidera a historicidade própria do problema: o
neoliberalismo no Brasil e seus efeitos na educação não emergem apenas após a destituição
da presidenta Dilma, muito pelo contrário. O que se pretende aqui sustentar é o fato de que o
golpe acelera este processo, substituindo as premissas democráticas fundamentais que
deveriam definir as escolhas políticas da sociedade (o resultado eleitoral, por exemplo) por
mecanismos autoritários, portanto ilegítimos, de imposição de uma nova ordem.
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A referência aqui, obviamente, são os trabalhos de Michel Foucault elaborados a partir de
meados da década de 1970. Para mencionar apenas uma e incontornável referência, ver
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. Curso dado no Collège de France (1978-1979).
São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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“Educação para o empreendedorismo” tornou-se, nos últimos anos, quase um clichê nas
discussões a respeito das relações de ensino e aprendizagem em determinados setores
sociais. Para não me alongar nos exemplos, cito apenas a implementação em 2017 do
Programa Instituição Amiga do Empreendedor, uma parceria entre o Ministério da Indústria,
Comércio Exterior e Serviços com o Ministério da Educação e que tem por intenção, segundo
Paulo Barone, secretário de ensino superior do MEC, “qualificar os pequenos empreendedores
e aqueles, entre professores e alunos, que desejam ter uma formação de negócios”.
Informações disponíveis em http://portal.mec.gov.br/busca-geral/212-noticias/educacao-
superior-1690610854/52951-mec-coordena-lancamento-do-programa-instituicao-amiga-do-
empreendedor (acesso em 04/07/2018).
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MELO, Adriana Almeida Sales de; SOUSA, Flávio Bezerra de. “A agenda do mercado e a
educação no governo Temer”. In: Germinal: Marxismo e Educação em Debate, vol. 9, n. 1,
2017, p. 27-28.
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O lucro do Banco Santander no Brasil durante o primeiro trimestre de 2018 teve um
crescimento de 25,4%. No mesmo período, o desemprego também teve um crescimento,
atingindo o percentual de 13,1% na taxa de desocupação. Dados disponíveis em
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/04/lucro-do-santander-brasil-cresce-254-no-1o-
trimestre-com-aumento-da-receita.shtml e https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-
noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-
trimestre-de-2018.html (acesso em 29/06/2018)
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Dados disponíveis em https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9109-
projecao-da-populacao.html?=&t=resultados (acesso em 13/05/2018).
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Dados disponíveis em http://inep.gov.br/censo-escolar (acesso em 13/05/2018).
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BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado. Trabalho e neoliberalismo no Sul global. São Paulo:
Boitempo, 2017.
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Não é de todo correta a afirmação de que a lei aprovada após o golpe apenas repete o
conteúdo da reforma proposta ainda no governo Dilma, por meio do PL 6.840/2013. Em
primeiro lugar, há uma importante diferença de encaminhamento: no contexto democrático em
que vivíamos, o Projeto de Lei seria submetido à discussão política; com o golpe, a reforma foi
implementada monocraticamente por meio de medida provisória. Além disso, o conteúdo dos
textos legais é sensivelmente distinto, já que o PL previa explicitamente como temas
transversais, por exemplo, educação sexual, ética na política e participação política e
democracia. A retirada destes pontos é um efeito direto da confluência dos interesses contidos
nesta reforma com os da ideologia Escola sem Partido, que serão discutidos mais adiante.
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Informação disponível em http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/63011-
ministerio-contara-com-reforco-de-us-250-milhoes-do-bird-para-implementacao-do-novo-
ensino-medio (acesso em 30/05/2018).
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Informações disponíveis em http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361
(acesso em 30/05/2018).
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Sobre isso, ver a contundente carta escrita por César Callegari em seu pedido de demissão
da presidência do Conselho Nacional de Educação, ocorrida em 29/06/2018:
https://jornalggn.com.br/noticia/com-criticas-a-reforma-do-ensino-medio-presidente-de-
comissao-da-bncc-pede-demissao (acesso em 04/07/2018).
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PERONI, Vera; CAETANO, Maria Raquel; LIMA, Paula de. “Reformas educacionais hoje. As
implicações para a democracia”. In: Revista Retratos da Escola, vol. 11, n. 21, 2017.
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KENJI, Allan. “Kroton Educacional: ‘em termos de educação pública nunca experimentamos
um inimigo com uma força social tão concentrada como esse’” (entrevista). In: Instituto
Humanitas Unisinos, 30 de abril de 2018. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-
noticias/578444-kroton-educacional-em-termos-de-educacao-publica-nunca-experimentamos-
um-inimigo-com-uma-forca-social-tao-concentrada-como-esse# (acesso em 13/05/2018).
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Informações disponíveis em http://portal.inep.gov.br/pisa (acesso em 30/05/2018).
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Como mostra a questionável matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em
16/04/2017, intitulada “Filosofia e sociologia obrigatórias derrubam notas em matemática”.
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/04/filosofia-e-sociologia-
obrigatorias-derrubam-notas-em-matematica.shtml (consulta em 13/05/2018)
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ALAVARSE, Ocimar Munhoz. “Pisa, um viés ideológico” (entrevista). In: Carta Educação, 15
de março de 2016. Disponível em http://www.cartaeducacao.com.br/entrevistas/pisa-um-vies-
ideologico/ (acesso em 13/05/2018); BULLE, Nathalie. “PISA: une ingérence douteuse”. In:
Revue Skhole.fr., 14 de março de 2017. Disponível em http://skhole.fr/pisa-une-ingerence-
douteuse-par-nathalie-bulle (acesso em 13/05/2018).
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Em nossa sociedade, há uma relação direta entre a formação no ensino superior e a renda.
Segundo dados da OCDE, a diferença salarial entre um trabalhador com diploma universitário
e outro sem chega a ser de 140% no Brasil, a maior entre 40 países analisados. Informação
disponível em https://educacao.uol.com.br/noticias/2017/09/12/trabalhador-com-nivel-superior-
ganha-140-a-mais-mostra-estudo.htm (acesso em 29/06/2018).
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escrito e foi aprovado pelas autoridades competentes. Não lhe cabe dizer aos
filhos dos outros o que é certo e o que é errado em matéria de moral. Esse é o
ponto”.22 O educador que “invade” a seara familiar em matéria de moral é
considerado pelo próprio Nagib como um abusador infantil, um “estuprador”,
comparação feita pelo próprio advogado na mesma audiência pública em 2017.
Esse tema da moral incide notadamente nas discussões a respeito de
identidades de gênero e de orientação sexual nas escolas. As iniciativas
parlamentares que pretendem tornar o ESP uma lei voltam-se decisivamente
para a proibição de temas como estes em sala de aula. Em outras palavras,
conteúdos que tratam da diversidade social e que dizem respeito às formas de
constituição de si elaboradas pelos estudantes, definidoras das identidades
sociais, políticas, civis e, portanto, dos princípios básicos da cidadania, são
interditadas de acordo com tal ideologia. E, se levados ao pé da letra, estes
projetos de lei negam à escola, inclusive, a possibilidade de trabalhar assuntos
relacionados à sexualidade, como por exemplo, a prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis.
Cabe destacar que o governo que assumiu o poder executivo após o
impedimento de Dilma Rousseff sempre se mostrou muito simpático às
demandas encabeçadas pelo ESP. Um dos primeiros compromissos do ministro
da educação assim que assumiu a pasta foi receber representantes de
movimentos sociais organizados em torno da defesa dos projetos do ESP,
nenhum deles ligados profissionalmente ao campo da educação (um deles,
inclusive, um conhecido ator pornô brasileiro). Considerando que a Frente
Parlamentar Evangélica compreende quase 200 deputados dos 513 que
compõem o Congresso Nacional, conclui-se que a simpatia com este projeto
assume interesses políticos envolvidos com a aprovação dos demais projetos de
destruição de direitos sociais encaminhados pela presidência, como a reforma
trabalhista e a reforma da previdência.
22
Citado em PENNA, Fernando. “‘Escola sem Partido’ como ameaça à educação democrática:
fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola”. In:
MACHADO, André Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida (orgs.). Golpes na história e
na escola: o Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo: Cortez, ANPUH-SP,
2017, p. 252. Cabe reconhecer aqui o papel fundamental desempenhado por Fernando Penna
na luta contra essa ideologia.
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