Você está na página 1de 21

Cadernos de Letras da. UFF- GLC, n. 27, p.

119-139, 2003 119

Breves considerações sobre


a obra de Dostoiévski

Paulo Bezerra

RESUMO
Dostoiévski tem uma presença muito marcante no público ledor brasileiro,
o que o prova o sucesso editorial de suas obras recém-publicadas no Brasil,
em tradução direta do russo. Só para citar um exemplo, o romance Crime e
castigo, que traduzimos diretamente do original, foi lançado na Bienal do
Livro em abril de 2001 e já alcançou a quinta edição. A que se deve esse
sucesso?

ostoiévski estréia na literatura russa em 1846 com o romance Gente


pobre, já marcado por uma excepcional originalidade. Retomando o
tema do pequeno homem iniciado por Púchkin em O chefe da estação
e Gógol em O diário de um louco e O capote, tema esse que em na pena
dostoievskiana ganhará a característica de humilhados e ofendidos, Dostoiévski já
começa revelando duas diferenças essenciais em relação àqueles dois fundadores
da moderna literatura russa. 1) as personagens dostoievskianas têm consciência da
sua condição de humilhados e ofendidos, reagem a essa condição e procuram a
qualquer custo, desesperadamente, preservar sua dignidade diante do ofensor,
procuram preservar o cerne da sua personalidade e manter integral o núcleo da sua
individualidade contra qualquer tentativa de nivelá-lo a algum tipo de padrão:
Makar Diévuchkin, personagem central de Gente pobre, reage violentamente ao
se ver comparado a Akaki Akákievitch, personagem central de O capote, de Gógol,
por ver em Akaki um tipo de personagem modelado ao padrão dos homens que
tudo sofrem e nunca reagem, além de ser Akaki uma personagem em quem a
linguagem humana parece ainda não haver chegado à fase da articulação. Nesse
primeiro romance (uns o consideram novela), Makar Diévuchkin é uma
personagem vigorosa, tem uma excepcional capacidade de analisar, de julgar o
120 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Dostoiévski

comportamento dos outros, de prever, de antecipar o que pode acontecer, enfim,


é um protótipo do que viriam a ser as personagens principais dos romances
posteriores de Dostoiévski, todas dotadas de um elevadíssimo sentido da sua
própria dignidade. Dotado de uma sensibilidade extraordinária em face do
sofrimento e da humilhação do outro e de uma solidariedade sem fim ao ser
humano, Màkar, antecipa alguns dois traços que estarão no Míchkin de O idiot<r.
a capacidade de sentir o outro, de solidarizar-se sem reservas com ele. O duplo,
romance de 1846, revela um escritor com pendores gigantescos para revolver os
desvãos da alma humana, antecipando questões com as quais a psicologia só iria
defrontar-se já em pleno século XX com Freud e a psicanálise. Demais, no que
tange à construção das formas de discurso, da articulação das vozes, O duplo é o
grande laboratório do que viria a ser o romance dialógico e polifônico de
Dostoiévski em sua forma acabada. É um romance que tem como tema central o
desdobramento da personalidade. O senhor Goliádkin, personagem central, é
um pequeno funcionário, que vem juntando dinheiro há anos, sonhando um dia
projetar-se à chamada boa sociedade. Meticuloso, vive exclusivamente para o
trabalho e socialmente isolado. Sua carência de vida social o leva a imaginar-se
convidado ao salão do seu chefe, como pretendente à mão de sua filha, e nesse
salão ele penetra pela porta dos fundos, e de lá acaba sendo expulso após provocar
um escândalo. Uma vez expulso do convívio dos homens, a carência insatisfeita
de vida social o leva ao desdobramento da personalidade: na tentativa desesperada
de ver-se recebido no salão do seu chefe, cria um duplo, um segundo Goliádkin,
que irá ser recebido naquele salão, ser promovido no trabalho, granjear o respeito
e a estima de todos e realizar na vida prática aquilo que Goliádkin primeiro nutre
em sua carência. É excepcional, é notável a luta dialógica que se estabelece entre os
dois Goliádkin, um se espelhando no outro, um se completando no outro,
preenchendo aquelas lacunas que a vida em sua realidade não consegue preencher,
mas mantendo-se os dois numa luta sem tréguas. O outro, satisfeito da vida,
zomba do senhor Goliádkin, desmoraliza-o "fisicamente" em público, usa as
próprias palavras dele para desmascará-lo como intrigante e astuto, mostra em
público que o primeiro Goliádkin é na intimidade o que sempre negara em
público: um intrigante. Isto acentua a face do outro universo que em dado momento
o próprio Goliádkin assume para vingar-se dele, denuncia a aceitação dos valores
desse universo por Goliádkin e lhe atribui dupla personalidade, mostrando que
ela não pode ser íntegra, una, indivisa, que ela não pode sobreviver sem interação
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 121

com o outro do universo por ele, Goliádkin, conscientemente detestado mas


inconscientemente e socialmente desejado. Trata-se, pois, de destruir a
personalidade íntegra do senhor Goliádkin diante do próprio e dos outros
representantes daquele universo onde o primeiro Goliádkin faz tudo para se manter
íntegro. Na condição de socialmente aceito, o outro Goliádkin desmonta toda a
estratégia do senhor Goliádkin para mostrar que não é intrigante, desmascara o
primeiro Goliádkin, priva-o da condição de reagir, usa de suas próprias palavras-
"estás brincando, irmãozinho" -para liquidá-lo de vez, privando-o de todo e
qualquer direito ao sonho de projetar-se ao mundo socialmente desejado,
prenunciando-lhe e antecipando-lhe o fim, a morte.
A solução de Oostoiévski para o senhor Goliádkin é bem radical: ao sonhar
com projetar-se à sociedade do alto, ao mundo socialmente sonhado e manter ao
mesmo tempo sua personalidade una e indivisa- "eu sigo o meu próprio caminho"
-, Goliádkin está querendo o impossível: saltar por cima das leis desse mesmo
universo, queimar etapas objetivamente impossíveis de serem queimadas. Tentando
assumir valores do universo socialmente desejado, mas assumi-los só muito
tenuamente, numa superfície extremamente precária, ele ainda não assume de
fato o outro universo e quer dele participar mantendo concomitantemente e no
essencial a sua anterior inteireza, a sua integridade como persona, quer impor-se
ao outro universo como um duplo dos dois- do outro universo e do seu próprio
-,como confluência de pólos sociais antagônicos e socialmente inconciliáveis,
quer estar lá e permanecer cá, essencialmente cá, em suma, quer ser uno, indiviso
na essência e duplo numa tênue aparência; quere violar as leis do mundo objetivo,
mas sai derrotado por aquela faceta do seu EU configurada num OUTRO que
pertence mais a esse mundo objetivo: a voz do seu outro fala pelo mundo objetivo,
fala pelo real, mostra a incongruência da tentativa do senhor Goliádkin, destrói o
senhor Goliádkin e provoca a sua morte. A tentativa do senhor Goliádkin de
violar as leis do mundo objetivo redunda no seu desmascaramento público e,
conseqüentemente, na sua morte. A solução que Dostoiévski dá ao conflito é
radical porém coerente: queimar etapas, saltando por cima das condições objetivas,
é impossível e sua tentativa redunda no fracasso, no desastre, na morte.
No verão de 1862 Oostoiévski faz sua primeira viagem de Dostoiévski à
Europa Ocidental, e no inverno de 1862-1863, já com o distanciamento temporal
que permite tingir as lembranças de reflexão crítica, ele escreve Notas de inverso
sobre impressões de verão. Como tudo em Dostoiévski tem dupla mirada, desde
122 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Dosroiévslú

as primeiras páginas das Notas... o narrador tem um olho na Rússia e outro na


Europa, fala da influência européia ocidental sobre a formação histórica e cultural
russa, ironiza opinião corrente segundo a qual tudo o que há de avançado na
Rússia- ciência, arte, cidadania, humanismo- vem da terra das "santas maravilhas",
e defende a originalidade russa sob o argumento de que às vezes "a mais venerável
e até legítima das tutelas não agrada muito". Cruzam-se na sua reflexão a polêmica
entre as duas correntes de pensamento que se constituíram nos anos quarenta e
mais influenciaram a história e a cultura russa no século XIX- o filoeslavismo,
que defendia a exclusividade da formação histórico-social russa e é ideologicamente
afinado com o czarismo e a Igreja ortodoxa, e o ocidentalismo, contrário à ideologia
oficial e adepto das conquistas democráticas e sociais dos países ocidentais.
Dostoiévsvi oscila entre os dois campos com fortes resvalas eslavófilos: "vou com
minhas próprias pernas". Sua crítica à Europa, que "nos forçava a porta para visitar-
nos com sua civilização", não se limita aos ocidentalistas. No fundo, existe uma
questão maior: a herança de Pedro, o Grande, e os destinos da Rússia, tema que
sempre o inquietou profundamente. A porta "forçada" é a "janela para a Europa",
metáfora das transformações realizadas por Pedro. Ele constata que as mudanças
europeizantes introduzidas por Pedro e continuadas por por seus sucessores
"civilizaram" os costumes aristocráticos mas não mudaram uma vírgula no caráter
socialmente iníquo e violento da sociedade feudal russa. Mesmo depois das reformas
burguesas de 1861, o caráter socialmente iníquo do regime continuava o mesmo.
A esta altura Dostoiévski pertence à pótchvienithestvo (de potchva- solo),
corrente do pensamento social e filosófico russo dos anos sessenta que defende o
"solo nacional" como forma e fundamento do desenvolvimento social e intelectual
da Rússia, rejeita o feudalismo ("passado horrendo") e a democracia burguesa
("peste burguesa"), é favorável a uma política do "pouco a pouco" (postiepiénstvo)
e das "pequenas coisas" (máliediela). Além desses pressupostos ideológicos, cabe
salientar que a crítica aos ocidentalistas, desenvolvida nas Notas... , decorre, ainda,
das impressões que o capitalismo em pleno esplendor na Inglaterra e na França
deixou no próprio Dostoiévski, que nele percebe traços funestos demais para ser
tomado como modelo, daí sua crítica àqueles que andam "pelas rédeas alheias", e
aí ele inclui a literatura influenciada pela Europa desde os tempos de Pedro.
Dostoiévski percebe por trás dos objetos e fenômenos os condicionamentos
históricos a que estão sujeitos, e na relação do hoje com o ontem antevê os possíveis
desdobramentos do presente sobre o futuro. Vê o capitalismo como sistema
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 123

nivelador- "não há povo, a nacionalidade é apenas um ... sistema de impostos, a


alma, uma tábula rasa, uma cerinha com a qual se pode ... moldar um homem ...
universal", denuncia a "veneração irracional, servil, ante as formas européias de
civilização" e percebe uma tendência: a ameaça à individualidade nacional, a
massificação absoluta dos indivíduos e o fim da pluralidade de pensamento como
, fato consumado. Nisso, a exemplo de Karl Marx no "Manifesto Comunista", ele
põe sua excepcional lente de alcance sobre o capitalismo como sistema e antecipa
elementos que estarão na ordem do dia mais de meio século depois através da
globalização, da tentativa de pensamento único a que esse sistema visa e de
apagamento das fronteiras e diferenças nacionais (embora continue havendo uns
mais diferentes que os outros). A respeito dessa tendência Dostoiévski escreve nas
Notas... "Não será... o rebanho único? Não será preciso considerá-lo como a
verdade absoluta, e calar para sempre? ... pessoas ... com um pensamento único".
Parece profecia do capitalismo como sistema único e do mundo globalizado de hoje.
Como se parafraseasse Spengler {uns fazem a história e outros sofrem as suas
conseqüências) e antecipasse a nossa atualidade, particularmente a divisão entre o
tal primeiro mundo e os outros, Dostoiévski mostra que uns fazem o progresso
e outros sofrem as conseqüências. O modo de produção capitalista está em seu
esplendor, Londres ofusca com o progresso e, com o olhar da cobra que imobiliza
o pássaro antes de devorá-lo, imobiliza as "vítimas". A "dimensão colossal", o
"orgulho titânico do espírito reinante", o "caráter acabado e triunfal das suas
criações" imobilizam "a própria alma faminta", que se conforma, se submete, "e
passa a acreditar que tudo deve ser assim mesmo". O modo de produção naturaliza-
se, vira hábito. Segundo Engels, quando um modo de produção está na linha
ascendente de seu desenvolvimento, é elogiado até por quem perde com o respectivo
modo de distribuição, e se nessa época há protestos estes não encontram nenhum
eco entre as massas exploradas. Isto Dostoiévski constata na Londres capitalista,
onde "tudo parece ébrio", as multidões de trabalhadores são "escravos brancos",
"povo é sempre povo" mas, como ele escreve, o que ali se vê "nem é mais povo
porém uma perda de consciência, sistemática, dócil, estimulada", milhões de
pessoas abandonadas, "expulsas do festim dos homens"; em meio a tudo isso,
projeta-se uma imagem muito pungente e constante na obra do próprio
Dostoiévski: a imagem da criança humilhada, ofendida e supliciada, que mais
tarde vai marcar com força profundamente impressionante o sonho de Svidrigáilov
com a menina em Crime e castigo, o episódio em que Raskólnikov quase chega
124 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Doswiévski

a atracar-se com um dândi que persegue a menina prostituta numa rua central de
Petersburgo, no episódio da criança perseguida por cães narrado por Ivan em Os
irmãos Karamázov. Na Londres florescente Dostoiévski registra a presença de
meninas de doze anos na prostituição, vê uma menina em trajes miseráveis,
espancada, coberta de equimoses, já marcada por "tanta maldição e desespero" e,
pior, sem chamar a atenção de ninguém. Essa observação- "sem chamar a atenção
de ninguém" - aponta para uma preocupação já manifesta por Dostoiévski em
Recordações da casa dos mortos, onde ele constata a impressionante capacidade
humana de adaptar-se a tudo, e isso vira hábito, hábito até de manifestar indiferença
pelo destino do próximo. Esse hábito o preocupa, porque tira do homem uma
qualidade essencial: a de compadecer-se dos infortúnios do ser humano e revelar
solidariedade a ele. Além do mais, ele vê a ofensa à criança como o maior dos
males, já que a criança é aquele ser em estado de pureza que só deve suscitar o
amor do homem.
Mas o narrador não se conforma, sente "a necessidade de muita resistência
espiritual e muita negação para não ceder, não se submeter à impressão, não se
inclinar ante o fato e não deificar Baal... não aceitar o existente".
Ainda em Notas.... Paris é a cidade em que tudo existe para a "felicidade
completa", a acumulação de bens deixou de ser conseqüência do processo
económico para se tornar virtude sagrada, mesclando-se economia e ética religiosa.
O burguês é um }anos Bifronte: roubar apenas para matar a fome própria e dos
filhos é delito imperdoável, mas com o fito de enriquecer é alta virtude, é um
roubo protegido, estimulado e organizado "de modo extraordinariamente firme".
O milhão é o único critério de mensuração dos valores. A liberdade, a igualdade
e a fraternidade, os grandes lemas da Revolução Francesa, viraram assunto de
museu. Quem tem um milhão goza da plena liberdade, tudo pode, quem não o
tem nada pode e fazem com ele "o que bem entendem". Os ideais da Revolução
Francesa redundaram num axioma: o burguês é tudo. Igualdade? Todos são iguais
perante a lei, mas o burguês é mais igual que os outros. Fraternidade? Esta "se faz
por si, concede-se por si, é encontrada na natureza". Menos na natureza do francês,
do homem do Ocidente, pois aí domina o princípio pessoal, o egoísmo burguês,
a oposição do Eu a toda a natureza e a todas as demais pessoas. No tema da
fraternidade Dostoiévski sai do filoeslavismo para o ocidentalismo mais radical
dos democratas revolucionários russos; nesse sentido, afirma que a transformação
do burguês em homem fraterno "leva milênios" e essas "idéias devem entrar na
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 125

carne e no sangue para se tornarem realidade", e aí ele está parafraseando Marx,


segundo quem as idéias, quando ganham as massas, se transformam em força.
Nessa discussão do egoísmo burguês, Dostoiévski volta às raízes socialistas utópicas
do círculo de Pietrochevski e retoma a idéia de uma sociedade socialista plenamente
fraterna, onde a personalidade "fortemente desenvolvida" entrega-se sem reservas
ao todo social para que todos os indivíduos também sejam "personalidades
igualmente plenas de direitos e felizes". Só assim é possível realizar a fórmula de
Marx "de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo seu trabalho",
fórmula essa que Dostoiévski resume nesta paráfrase: "quanto cada um há de
merecer e quanto deve sacrificar pelos demais, voluntariamente, da sua pessoa,
em prol da comunidade". Mas o indivíduo não quer ceder uma só partícula da
sua liberdade individual, e a falta de uma consciência social desenvolvida inviabiliza
a realização da fraternidade. E ele conclui patético: "ainda que o socialismo seja
possível, não o será em França". Por isso "o burguês triunfa definitivamente".
Mas, apesar desse triunfo, Dostoiévski verifica que esse burguês está com medo.
De quê? Aí entra o caráter profético da literatura e especialmente de Dostoiévski,
já observado por Bóris Schnaiderman no prefácio a Notas... : oito anos antes da
Comuna de Paris Dostoiévski vê o burguês com medo. Surpreendente? Sem
dúvida. Mas toda a sua obra é marcada pelo caráter profético: o romance Os
demónios antecipou muitos aspectos nefastos do stalinismo e dos desvios mais
funestos das esquerdas e da direita no século XX.
Dostoiévski passa dos aspectos objetivos do capitalismo aos antecedentes
subjetivos. Em 1864, um ano após as Notas... , escreve Memórias do subsolo,
cuja personagem central polemiza intensamente com o Iluminismo, o
racionalismo, a filosofia que deu o respaldo teórico à Revolução Francesa.
Um dos componentes centrais da composição em Dostoiévski é o limite:
alguém impôs um limite ao homem, cabe-lhe parar diante dele e igualar-se ao
resto da manada ou ultrapassá-lo, ainda que à custa de terríveis sacrifícios. O
homem do subsolo afirma que os homens de nervos fortes, de ação, isto é, os
homens guiados pela razão, os homens da civilização burguesa, param diante do
impossível, de um limite, e imediatamente se conformam. Esse limite é um
muro de pedras, "naturalmente as leis da natureza, as conclusões das ciências
naturais, a matemática. Quando vos demonstram ... que descendeis do macaco ...
tendes de aceitar a coisa como ela é... A natureza não vos pede licença; ela não tem
nada a ver com os vossos desejos nem com o fato de que suas leis vos agradem ou
126 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Dostoiévski

não. Deveis aceitá-la tal como ela é e, conseqüentemente, também todos os seus
resultados. Um muro é realmente um muro ... "
De onde vem esse muro, esse limite? Da filosofia burguesa em sua forma
mais acabada e otimista- o Iluminismo. Tese central do Iluminismo: o homem
não é uma criatura decaída de Deus, mas criação e parte da natureza. Segundo
Espinosa, as leis da natureza abrangem toda a ordem natural, da qual o homem
faz parte. O próprio homem é, antes de tudo e em todos os seus atas, um ser
natural. Age sempre segundo as leis da natureza pelas quais se guia desde o
nascimento. Logo, essas leis explicam sozinhas todos os motivos e feitos do
homem. Nesse homem natural não há nada que não possa ser explicado. Os
estímulos mais recônditos e as habilidades mais surpreendentes podem ser
explicadas com rigor fidedigno. O homem tornou-se objeto de uma ciência
perspicaz. Nesse contexto, a razão aparece como medida única de todo o existente.
É o ponto central que urde numa totalidade todos os princípios e tendências do
homem. Só a regulagem racional das paixões garante que sejam corretamente
orientadas, só a compreensão racional das próprias necessidades leva o homem a
praticar o bem. Segundo argumenta Holbach, embora as paixões humanas sejam
naturais, o homem deve sujeitá-las à razão. Em suma, razão, ciência e ilustração
são os meios universais de solução de todos os problemas do homem.
O homem do subsolo considera ingênuas todas essas concepções- "Oh,
criancinha de peito! Oh inocente e pura criatura!" Ele desdenha desse modelo de
homem guiado exclusivamente pela razão e defende o direito a viver segundo
vontade própria, ainda que seja "estúpida vontade". Ele vê o homem como um
ser complexo, que em toda a sua história sempre se pautou pelo livre arbítrio,
agindo "a seu bel-prazer e nunca segundo lhe ordenava a razão e o interesse". A
polêmica com as teses centrais do Iluminismo tem como pano de fundo a civilização
burguesa oriunda desse movimento, que, segundo o homem do subsolo,
incorporou os piores exemplos de violência da história e na história o homem
"talvez chegue ao ponto de encontrar prazer em derramar sangue", "os mais
refinados sanguinários foram todos cavalheiros civilizados" e "são encontrados
com demasiada freqüência, são por demais comuns, e já não chamam atenção"
porque seus atas sanguinários se tornaram hábito, passaram a integrar a própria
civilização. Aí o homem do subsolo antecipa teses que mais tarde estarão presentes
em Crime e castigo - a tese de Raskólnikov sobre os homens ordinários e os
extraordinários -, e em O idiota- a tese de Míchkin sobre a história ocidental
como história de conquistas e violência.
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 127

Diante de tanta autoridade da ciência sobre o indivíduo e de tantas iniqüidades


trazidas pela nova civilização, Dostoiévski teme por uma questão para ele essencial:
a absoluta liberdade individual da pessoa humana. Daí estender a polêmica ao
positivismo de Auguste Comte. Porque, diz o homem do subsolo, a excessiva
cientifização da vida, traduzida em sua matematização, acabará ensinando ao
homem que "ele não tem vontade nem caprichos ... não passa de tecla de piano ou
·, de um pedal de órgão", nada do que ele faz "acontece por sua vontade mas ... de
acordo com as leis da natureza" que, uma vez descobertas, isenta o homem de
responder pelos seus a tos. "To dos os a tos humanos serão calculados ...
matematicamente, como uma espécie de tábua de logaritmos, até 108.000, e
registrados num calendário", e "com tamanha exatidão que, no mundo, não
existirão mais ações nem aventuras". Exagero? Em O sistema de política positiva
(1851-1854), Comte constrói um projeto de sociedade ideal baseada nos princípios
da ciência e do bom senso. T ada a vida humana é organizada matematicamente,
cada ato humano é qualificado por número e registrado no "Calendário Positivo",
o ano tem 84 festas, a religião 9 mistérios, a biblioteca positivista cerca de 100
livros, cada livro 7 capítulos, cada capítulo 3 partes, cada frase, 250 letras. Com te
tem antecedentes ilustres: Descartes, que defendera a aplicação da matemática a
todos os campos do saber, Espinosa, que tentou construir uma ética com base na
geometria, Hobbes, que baseou sua ética nas leis da mecânica. Logo, a polêmica
do homem do subsolo atinge um vasto espectro da filosofia, priorizando o
positivismo por causa da grande influência que este exercia na filosofia e no
pensamento social da época de Dostoiévski, particularmente na Rússia. O homem
do subsolo polemiza com N .G. T chernichevski (1828-1889), que acaba de publicar
o artigo "O princípio antropológico em filosofia"; nesse artigo Tchernichevski
defende a aplicação dos métodos das ciências naturais e da matemática à ciência
do homem, afirma que a "vantagem" é o principal motivador dos atos humanos
e o "útil" não deve ser considerado um "bem", polemiza com o utilitarista inglês
Jeremy Bentham (1748-1832), cuja deontologia se baseia no princípio da vantagem,
segundo o qual o valor moral dos atos humanos e das relações entre os homens
depende das vantagens que possam trazer; os atas do homem são virtuosos quando
lhe aumentam os prazeres e diminuem os sofrimentos; cada um deve preocupar-
se apenas consigo mesmo, e isso redunda naturalmente em vantagem.
O homem do subsolo vê nessa perfeição cientificista o fim do homem como
ser criador. Diz ele: "Depois do dois e dois, certamente, nada mais restará ... para
128 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Dosroiévslâ

fazer. .. para conhecer", restando apenas "calar os cinco sentidos", porque "o dois e
dois não são mais a vida ... mas o começo da morte". Logo, aceitar a civilização
burguesa, observada em Notas ... e imbuída de otimismo cientificista em
Memórias ... significa aceitar o fim da vida, o fim da criatividade humana. E o
homem do subsolo a rejeita, defende o homem imprevisível (que Marx chamou
de "um ser fortuito") capaz de se tornar louco intencionalmente, de bancar o
troglodita, de desejar para si coisa estúpida, de preferir o caos à ordem para conservar
"o principal, o que nos é mais caro, isto é, a nossa personalidade, a nossa
individualidade". Porque está em jogo a liberdade de escolher e decidir até quebrar
a cara, contanto que seja por vontade própria. Ele rejeita o egoísmo burguês, os
atos calculados, as coisas feitas com vistas a alguma vantagem pessoal. Rejeita,
igualmente, uma instituição que a burguesia triunfante erigiu à categoria do sagrado:
o trabalho. Faz o elogio da preguiça como "propriedade positiva", antecipando o
panfleto O direito à preguiça que Paul Lafargue publicaria em 1880.
Em 1849 publica-se Níétotchka Níezvânova, romance que Dostoiévski teve
de interromper por ter sido preso em virtude de sua participação no ciclo de
Pietrochévski, grupo de intelectuais que estudavam as idéias do socialismo utópico.
Agora publicado pela editora 34 em tradução reelaborada de Bóris Schnaiderman,
o livro impressiona pela modernidade dos procedimentos construtivos e dos temas
que estarão na obra de Dostoiévski, além de antecipar, como observa o tradutor
no posfácio, questões que só o século XX, e particularmente Freud iriam discutir.
Além disso, os métodos pedagógicos empregados na formação de Niétotchka
antecipa a visão que o príncipe Míchkin de O ídíota terá das crianças, principalmente
a capacidade destas para compreender questões das quais os adultos sequer
desconfiam. Ainda com relação ao processo pedagógico, há em Dostoiévski
considerações que mais tarde serão retomadas em termos mais amplos e específicos
por Vigotski, principalmente no livro Psicologia pedagógica editado no Brasil
pela editora Martins Fontes.
O tema do limite, levantado pelo homem do subsolo, é uma constante em
toda a obra de Dostoiévski e está vinculado ao estado de crise por que passam as
personagens. A peculiaridade principal dessa situação é a de encontrar-se a
personagem diante de um limite. O homem está diante de um limite, alguém o
proibiu de ultrapassá-lo, o homem desconsidera quem o proíbe e ultrapassa o
limite. Em Crime e castigo, a situação de miséria, a perda da condição de continuar
os estudos na universidade, o casamento da irmã por mero interesse em ajudá-lo
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 129

levam Raskólnikov ao limite. Ames, porém, ele já desenvolvera a teoria dos


indivíduos ordinários e extraordinários, que dá aos extraordinários o poder de
decidir até sacrificar as vidas dos ordinários. E Raskólnikov ultrapassa o limite,
mata a velha usurária mas em seguida se desfaz do dinheiro e dos objetos de valor
de que se havia apropriado. Diante do fracasso da sua tentativa de tornar-se um
Napoleão, ele constata para a sua amargura: "A velhusca foi um absurdo!. .. vai ver
que ... foi mesmo um erro, mas não é nela que está a questão! A velha foi apenas
uma doença ... eu queria ultrapassar o limite o quanto ames ... eu não matei uma
pessoa, eu matei um princípio! Foi o princípio que eu matei, mas além eu não
fui, permaneci do lado de cá ... "
Ultrapassar o limite, atentar contra os princípios morais mais sólidos, apagar
as diferenças entre o bem e o mal em sentido não maniqueísta, eis o limite diante
do qual se acha Raskólnikov em Crime e castigo. Ao contrário do que imaginam
alguns críticos, que eu chamaria de apressados, ele não mata a velha usurária com
o firo de enriquecer à custa do roubo, ele resolve um problema inteiramente
diferente como todas as personagens dosroievskianas que têm "idéia": é possível
violar a lei, colocar-se contra a Providência e seus mandamentos e tornar-se um
Napoleão, ou parar diante do desafio, permanecer como um simples piolho,
como diz o próprio Raskólnikov? Essa questão ganha contornos ainda mais nítidos
em Stavróguin, personagem central do romance Os demónios, para quem
ultrapassar o limite significa entregar-se conscientemente à mais baixa, a mais
abjeta libertinagem, aos mais torpe e vil do ponto de vista do próprio Stavróguin,
como o mostram as suas "Confissões". Ainda em Os demónios, a personagem
Kiríllov também tem sua teoria do limite: "Toda a liberdade- diz ele-, existirá
quando for indiferente viver ou não viver". Logo, enquanto o indivíduo temer a
morte ou ter algum constrangimento insuperável diante dela haverá o limite.
Para Ivan Karamázov, se não existe Deus nem a imortalidade da alma, tudo é
permitido. Logo, não há limite para nada. O irmão Smierdiakov repete essa tese
e ultrapassa ao mesmo tempo dois limites: mata o pai e depois se mata. Para
Mítia Karamázov, Deus e o diabo lutam entre si, "e o campo dessa batalha é o
coração humano".
Em Crime e castigo, o tema do limite perpassa também a polêmica de
Raskólnikov com Napoleão. Na reflexão de Raskólnikov, Napoleão derramou
rios de sangue para consolidar a civilização burguesa, que tem em sua
macroestrutura o sistema bancário como símbolo maior. Se Napoleão cometeu
130 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Doswiévski

tais crimes e a história o absolveu, por que ele, Rodion Românovitch Raskólnikok,
não pode matar uma mísera velha agiota, que repete na microestrutura da sociedade
o que o sistema bancário faz na macroestrutura. Para ele, Napoleão ultrapassou
todos os limites, como o mostra a seguinte passagem: " ... o verdadeiro soberano,
a quem tudo é permitido, esmaga Toulon, faz uma carnificina em Paris, esquece
um exército no Egito, sacrifica meio milhão de homens na campanha da Rússia e
se safa com um calembur em Vilna, e ao morrer é transformado em ídolo -logo,
tudo lhe é permitido ... Napoleão, as pirâmides, Waterloo- e uma viúva de
registrador, sórdida, descarnada, velha, usurária, com o bauzinho vermelho debaixo
da cama ... será .. que um Napoleão iria meter-se debaixo da cama da velha?!" Pois
bem, se Napoleão ultrapassou todos os limites, por que Raskólnikov não pode
ultrapassar um. Para ele, Raskólnikov, a questão do limite é um imperativo da
própria existência. Em diálogo com a mão e a irmã Dúnia, no qual explica as
razões que o levaram a dar todo o dinheiro que tinha à família de Marmieládov e
a irmã discorda, ele diz a irmã esta: "Bah! Até tu ... com pretensões! ... Bem, é até
lisonjeiro; melhor para ti ... assim chegarás a um limite que se não ultrapassares
serás infeliz mas se o ultrapassares serás mais infeliz ainda... " Portanto, para o bem
ou para o mal, o limite se impõe como um imperativo da própria existência, e só
os heróis de têmpera conseguem ultrapassá-lo.
As personagens que ultrapassam o limite em Dostoiévski são, quase
exclusivamente, aquelas imbuídas de altos propósitos éticos e humanos; os
burgueses não têm essa qualidade, o que se verifica nas imagens de Lújin, em
Crime e castigo, e Gánia Ívolguin, em O idiota. Lújin é o burguês, aquele eterno
pouco a pouco de que fala Mário de Andrade na "Ode ao burguês". Ele ultrapassa
todo e qualquer limite na sua torpe e desabalada corrida atrás do dinheiro, e no
seu desprezo burguês pelas qualidades efetivamente humanas das pessoas, mas
esbarra diante do limite essencial da condição humana que Dostoiévski faz suas
grandes personagens ultrapassarem. Gánia Ívolguin também é esse eterno pouco
a pouco, é incapaz até de um verdadeiro ato de safadeza, não presta nem para ser
verdadeiramente ruim. Depois de descrevê-lo como pessoa até inteligente mas
sem originalidade e incapaz de dar um salto significativo, o narrador de O idiota
acrescenta: "Era um jovem com desejos impetuosos e invejosos e, parece, até
nascido com os nervos irritados. Interpretava como força a impetuosidade dos
seus desejos. No seu desejo ardente de distinguir-se, às vezes estava pronto para o
salto mais irracional; no entanto, mal a coisa se aproximava do salto irracional,
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 131

nosso herói sempre se revelava inteligente demais para se atrever a dá-lo. Isso o
deixava aniquilado. Tivesse oportunidade, é possível que se decidisse até por uma
coisa vil, contanto que conseguisse algo daquilo com que sonhava; porém, como
se fosse de propósito, tão logo chegava ao limite sempre se revelava honesto
demais para o ato extremamente vil (Aliás estava sempre disposto a aceitar uma
pequena vileza.). Portanto, Gánia Ívolguin faz parte da galeria das pessoas
ordinárias que, como o entende Dostoiévski, são indispensáveis no romance,
quase por uma questão de equilíbrio do real. Vejamos o que ele diz a respeito no
mesmo O idiota, numa passagem metalingüística em que ele faz uma brilhante
definição de construção de personagens e visão realista desse problema:" ... o que
o romancista tem a fazer com pessoas ordinárias, totalmente "comuns", e como
colocá-las diante do leitor para torná-las minimamente interessantes? Evitá-las
por completo na narração é totalmente impossível, porque as pessoas ordinárias
são, a todo instante e em sua maioria, um elo indispensável na conexão dos
acontecimentos cotidianos; portanto, evitá-las seria violar a verossimilhança.
Preencher romances só com tipos ou até simplesmente com pessoas estranhas e
irreais, para efeito de interesse, seria inverossímil, e talvez até desinteressante. A
nosso ver, o escritor deve empenhar-se em descobrir os matizes interessantes e
ilustrativos até mesmo entre as ordinariedades".
O contrário das personagens ordinárias são os indivíduos extraordinários,
cuja teoria Raskólnikov desenvolve em Crime e castigo. Para Raskólnikov, "o
homem extraordinário tem o direito ... de permitir à sua consciência passar. .. por
cima dos diferentes obstáculos, caso a execução da sua idéia (às vezes salvadora,
talvez, para toda a humanidade) o exija. E aí Raskólnikov justifica o sacrifício das
vidas das pessoas ordinárias em prol da realização de grandes idéias científicas ou
sociais. Diz que se as descobertas de Kepler e Newton só conseguissem chegar ao
conhecimento dos homens mediante o sacrifício da vida de um, dez, cem e mais
homens, que lhe servissem de obstáculo, eles teriam o direito, o dever e até a
obrigação de eliminar esses dez ou cem homens para tornar conhecidos da
humanidade as suas descobertas. Quanto à divisão dos indivíduos em ordinários
e extraordinários, esta obedece a uma lei da natureza que os separa em duas
categorias, como explica Raskólnikov: "uma inferior (a dos ordinários}, isto é,
por assim dizer, o material que serve unicamente para criar seus semelhantes", e a
outra categoria, a dos indivíduos propriamente ditos, isto é," os dotados de dom
ou talento para dizer em seu meio a palavra nova ... em linhas gerais, formam a
132 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Dosroiévski

primeira categoria, ou seja, o material, as pessoas conservadoras por natureza,


corretas, que vivem na obediência e gostam de ser obedientes" e seu destino é
serem "obedientes". Os extraordinários são os que infringem a lei, os destruidores,
derrubadores de muro, vencedores de obstáculo de toda e qualquer espécie, isto é,
aqueles que não aceitam a rotina e o imobilist?o histórico e em nome da história
e da humanidade apelam para toda sorte de recursos com o fim de alavancar o
progresso científico ou social. Do ponto de vista da história, os crimes desses
indivíduos naturalmente são relativos já que, apesar de tudo, a própria história os
absolveu. Assim, os Licurgos, Sólons, Maomés, Napoleões foram todos
criminosos históricos porque, tendo produzido a nova lei, violaram a lei antiga
que a sociedade venerava como sagrada, e aí, evidentemente, já não se detiveram
nem diante do derramamento de sangue. Mas sem eles a humanidade não teria
avançado, e isso por si mesmo já justifica os seus crimes. Trata-se de uma teoria
complexa, que, para o bem ou para o mal, parece ter sérias raízes históricas.
O idiota é um romance marcado por uma forte oralidade. Isso diz respeito
à postura do próprio narrador, que a cada instante parece narrar de um só ímpeto,
com sofreguidão, sem tomar fôlego, como quem está certo de que a história tem
de ser contada hoje, agora, neste momento. Diz respeito igualmente às falas das
personagens, principalmente à do príncipe Míchkin; o discurso de Míchkin funde
uma dupla sofreguidão: uma, causada por uma espécie de momentânea
hiperatividade verbal proveniente da epilepsia, outra, pelo seu aguçado sentimento
humanista da vida, que se traduz na díade amor-compaixão e o faz sentir a urgência,
a necessidade premente de pronunciar-se aqui e a gora a respeito de todo e qualquer
problema, de problema que, de uma forma ou de outra, possa ofender e humilhar
o ser humano e interferir no seu destino no plano pessoal ou histórico. É essa
sofreguidão de Míchkin que dá ao seu discurso - com mirada precisa para os
ouvintes- o tom de uma oralidade intensa, como se o autor o deixasse correr
solto, sem qualquer necessidade de estilizá-lo, de colocá-lo sob a sua batuta. Daí
a sinuosidade desse discurso, os encontrões de umas palavras em outras, os aparentes
vai-não-vai, as justaposições de conceitos, o cruzamento e a interseção de mais de
uma consciência na consciência do falante, de mais de um ponto de vista em seu
ponto de vista, a interferência velada de outras vozes em sua própria voz. Tudo
isso, não obstante, resume a tentativa quase desesperada de se fazer ouvir, de fazer
seu ponto de vista ser entendido e aceito, e provoca certa descontinuidade no
fluxo verbal, certo atabalhoamento na fala de Míchkin; esses elementos que,
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 133

aparentemente, prejudicam a inteligibilidade da comunicação, leva alguns


interlocutores a pedir constantemente que ele tenha calma, que deixe para falar
depois, mais tarde. Essa oralidade intensa faz o texto parecer ora atabalhoado, ora
brusco, ora tosco, como se por trás dele não houvesse uma instância criadora
preocupada em lhe dar organicidade. Acontece, porém, que a organicidade da
per~onagem Míchkin, epiléptico e humanista em conflito com o manicómio
social chamado Petersburgo, está precisamente nesses elementos atabalhoadores
do seu discurso, que atestam a riqueza de sua personalidade. Por esses e outros
motivos alguns críticos chegaram a afirmar que Dostoiévski escrevia mal.
Em 1867, depois de receber da revista Rússkii Viéstnik (O Mensageiro russo)
uma grande quantia como adiantamento pelo futuro romance O idiota,
Dostoiévski parte com a segunda mulher Anna Grigórievna para uma temporada
de quatro anos (1867-1871) no exterior entre a Alemanha (aí, em Baden-Baden,
ele concebe a idéia do romance), a Áustria, a Suíça e a Itália. Em 28 de agosto de
1867 ele escreve a A.N. Máikov, seu editor: "Acabo de chegar a Genebra com as
idéias na cabeça. O romance já existe e, se Deus quiser, será uma coisa grande e
talvez nada má. Eu gosto terrivelmente dele e vou escrevê-lo com deleite e
inquietação"·. Além do adiantamento já recebido em dinheiro, escreve a
conhecidos e desconhecidos pedindo que lhe enviem dinheiro da Rússia, e quando
o recebe corre imediatamente para a roleta onde costuma perdê-lo. Aí está o
Dostoiévski real, sempre escrevendo sob pressão de dívidas contraídas por conta
de um livro cuja idéia só vai conceber depois de receber o adiantamento, e
prometendo escrever" com deleite e inquietação", duas sensações contraditórias.
Mas sem esse "sufoco" financeiro e sem essa contradição ele não seria Dostoiévski.

A personagem central e seus protótipos


Antes de conceber O idiota, Dostoiévski já vinha nutrindo a idéia de criar
uma personagem que encarnasse uma perfeição ideal capaz de fascinar tanto os
contemporâneos quanto as gerações futuras. Sabia da dificuldade do
empreendimento e o expressou em carta de 13 de janeiro de 1868 a S.A. Ivánova:
"A idéia do romance é uma idéia minha antiga e querida, mas tão difícil que
durante muito tempo não me atrevi a colocá-la em prática ... A idéia central do
romance é representar um homem positivamente belo. No mundo não há nada
mais difícil do que isso, sobretudo hoje. Todos os escritores, tanto nossos quanto ...
europeus, que se propuseram representar o positivamente belo, sempre acabaram
134 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Dosroiévski

se dando por vencidos. Porque esse problema é imenso. O belo é um ideal, e o


ideal- seja o nosso, seja o da Europa civilizada- ainda está longe de ser criado".
Dosroiévski diz em seguida que para ele só Cristo é uma "personagem
positivamente bela", faz um apanhado dos melhores protótipos da literatura
universal que lhe servem de ponto norteado r na construção da imagem de Míchkin,
ressalta que pretende dar outra solução ao problema e vê apenas Dom Quixote
como a personagem mais bem acabada da "literatura cristã". Mas o belo no
Quixote reside também no fato de que ele é simultaneamente cômico. O Pickwick
de Dickens também é cômico e só por isso ele o considera. É bem conhecida a
paixão de Dostoiévski pela imagem do Dom Quixote, que ele via como a
consumação das melhores qualidades da pessoa humana- o apego à justiça e à
bondade. Além do Cristo em que Dostoiévski se baseia- o Cristo homem, capaz
de imensa ternura e também de grande indignação-, a esses protótipos ele ainda
acrescenta em Míchkin outros traços como o do esquisito e o iuród; o esquisito
é aquele que desvia acentuadamente do papel social que lhe destinam, o iuród
tanto pode ser um indivíduo atoleimado, juridicamente irresponsável, como uma
mendigo e louco com dons proféticos. E note-seque Míchkin tem uma capacidade
excepcional de penetrar na interioridade das pessoas e defini-las.
Dostoiévski estava ciente de que o sucesso do romance como um todo
dependia da sua capacidade de construir bem a personagem central, esse homem
positivamente belo, uma tarefa que ele achava tão difícil que a considerava quase
fora do alcance do artista. Prova disso é que fez oito projetas para o livro, pensado
inicialmente como constituído de oito partes, e reconstruiu várias vezes a história
e a imagem de Míchkin e das outras personagens, substituiu ou modificou os
protótipos para a história de Míchkin, de Rogójin, dos lepántchin e da própria
Nastácia Filíppovna; aliás, Nastácia Filíppovna foi a primeira personagem de
quem teve uma idéia mais ou menos estável desde o começo da escrita do romance,
e ao término da escrita o romance estava reduzido a quatro partes. Às dificuldades
próprias do processo de construção do enredo juntavam-se outras piores: as crises
da doença, com perturbações dos nervos seguidas de momentos de total
embotamento, nos quais chegou a passar mais de vinte dias sem nada conseguir
escrever. Uma coisa, porém, esteve muito clara em sua mente desde os primeiros
esboços: a personagem de Míchkin tinha de atingir o grau supremo da evolução
do indivíduo, quando ele é capaz de sacrificar-se em benefício de todos. Para isso
deveria estar isento de individualismo e de egoísmo, ser capaz de abdicar do "eu
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 135

para mim" em prol do "eu para os outros", para a coletividade, isto é, de realizar
o supremo ideal ético que o próprio Dostoiévski só considerava possível em
Cristo, e que pode ser resumido da seguinte maneira:" ... o mais alto emprego
que o homem pode fazer de sua personalidade, da plenitude do desenvolvimento
do seu eu é como que eliminar esse eu, consagrá-lo inteiramente a todos e a cada
um, sem reservas e com abnegação". Daí Míchkin com sua utopia do amor-
compaixão por todos, por uma humilhada e ofendida suíça chamada Mary e
pelas crianças, por Hippolit, Keller, Liébediev, predominantemente por Nastácia
Filíppovna, personagem complexa e mais uma integrante da galeria de humilhados
e ofendidos tão cara ao romancista. Na construção da imagem de Míchkin
predomina o tema da superação do egoísmo burguês. Para Dostoiévski essa é
uma questão filosófica de importância transcendental, como o atesta uma passagem
do romance em que um pensador imaginário diz para Liébediev: "Eu não acredito ...
nas carroças que transportam comida para toda a humanidade, sem o fundamento
moral do ato, podem excluir com o maior sangue frio uma parte considerável da
humanidade do prazer com o transportado, o que já aconteceu", isto é, podem
excluir essa parte considerável da humanidade do prazer de simplesmente comer,
de simplesmente manter-se viva. Nessa passagem transparece uma idéia
fundamental a Dostoiévski: ou se supera o egoísmo burguês ou se inviabiliza a
vida do homem na face da terra. Quando se nega o elementar ao ser humano, está
se negando a ele a própria vida.

Entre Filoeslavismo e Ocidentalismo


No estrangeiro, a exemplo do que fizera na primeira viagem, quando
transformou suas observações do Ocidente na novela Notas de inverso sobre
impressões de verão, Dostoiévski observa a civilização ocidental e faz de Míchkin
um defensor, uma espécie de porta-voz de uma Rússia genuína e original, onde
até o Cristianismo é diferente do Ocidental. No salão dos Iepánchin, perante a
alta sociedade petersburguense, ele defende idéias políticas e culturais muito
semelhantes às do filoeslavismo. Essa corrente político-filosófica defendia, entre
outras coisas, uma via própria de desenvolvimento para a Rússia desvinculada da
experiência da Europa Ocidental, uma concepção da exclusidade da história russa
baseada em um modo de vida comunitário, na ausência de conquistas, de luta
social no início da história russa, a obediência do povo aos poderes, a Igreja ortodoxa
como integridade viva, que eles contrapunham ao catolicismo "racional",
136 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Dosroiévski

absolutizavam as diferenças entre as religiões ortodoxa e católica, chegando até a


obnubilar a origem comum das duas. Segundo eles, só os povos eslavos,
predominantemente o russo, traziam implícitos os verdadeiros princípios da vida
social, ao passo que os outros povos se desenvolviam à base de princípios falsos e
só poderiam encontrar a salvação na religião ortodoxa. Rejeitavam ainda os vícios
da civilização européia, entre eles o progresso das relações fabris. (Neste sentido, é
muito sintomática a crítica da personagem Liébediev ao progresso em geral e às
estradas-de-ferro em particular.) Portanto, o pensamento de Míchkin se aproxima
muito dessas concepções. Entretanto, Dostoiévski endossava apenas alguns aspectos
do filoeslavismo, e a mesma atitude mantinha em relação aos ocidentalistas, isto
é, àqueles que defendiam para a Rússia uma via mais ou menos semelhante àquela
por que seguiram os países ocidentais. A crítica de Míchkin aos liberais russos visa
em parte aos ocidentalistas.
O tema da vida humana como valor supremo atravessa o romance do começo
ao fim e se manifesta predominantemente no horror de Míchkin à violência e à
morte, e esse horror o faz contar e recontar um epidósio de execução de um
condenado à morte que assistira há algum tempo. Depois de afirmar que a morte
por sentença é "uma profanação da alma", ele diz: "E todavia a dor principal, a
mais forte, pode não estar nos ferimentos e sim, veja, em você saber, com certeza,
que dentro de uma hora, depois dentro de dez minutos, depois dentro de meio
minuto, depois agora, neste instante- a alma irá voar do corpo, que você não vai
mais ser uma pessoa, e que isso já é certeza; e o principal é esse certeza". E arremata:
"A morte por sentença é desproporcionalmente mais terrível que a morte cometida
por bandidos. Aquele que os bandidos matam, que é esfaqueado à noite, em um
bosque, ou de um jeito qualquer, ainda espera que se salvará sem falta, até o
último instante ... essa última esperança, com a qual é dez vezes mais fácil morrer,
é abolida com certeza; aqui existe a sentença, e no fato de que, com certeza não se
vai fugir a ela, reside todo o terrível suplício, e mais forte que esse suplício não
existe nada no mundo". Todo esse horror insuportável de Míchkin à morte se
consuma na cena final: diante da morte de Nastácia Filíppovna ele enlouquece.
O tema da vida em contraposição à morte é tão intenso ao longo do romance
que são muito freqüentes as citações e referências a O último dia de um
condenado à morre de Victor Hugo. As observações de Míchkin têm um tom
autobiográfico muito semelhante à experiência vivida pelo próprio Dosroiévski
quando da sua condenação à morte por "conspiração política" e da simulação
da sua execução. Vejamos o que ele escreve ao irmão Mikhail no mesmo dia:
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 137

"Hoje, 22 de dezembro, fomos levados à praça de armas do regimento


Semeónovski. Ali foi lida para todos nós a sentença de morte, deram-nos a cruz
para beijar. .. e prepararam nossos trajes para a morte (camisões brancos). Em
seguida prenderam três aos postes para a execução da sentença. Chamavam de
três em três, portanto eu estava na segunda fila e não me restava mais de um
minuto de vida. Eu me lembrei de ti, meu irmão, de todos nós três; no último
minuto tu, só tu estavas em minha mente, e só então fiquei sabendo como te
amo, meu irmão querido! Tive tempo de abraçar também Pleschêiev, Dúrov,
que estavam ao lado, e despedir-me deles. Por fim bateu o sinal, fizeram voltar
os que estavam presos aos postes, e leram para nós que sua majestade imperial
nos dava a vida. Depois as verdadeiras sentenças tiveram prosseguimento ...

Irmão! Não me abati e nem caí em desânimo. A vida é vida em qualquer lugar,
a vida está em nós mesmos e não fora. Ao meu lado haverá pessoas, e ser homem
entre elas e assim permanecer para sempre, quaisquer que sejam os infortúnios,
sem perder a coragem nem cair em desânimo- eis em que consiste a vida, em
que consiste o seu objetivo. Eu estava consciente disso. Essa idéia arraigou-se
em mim. Sim! É verdade! Aquela cabeça que criava, que vivia a vida suprema da
arte, que era consciente e habituara-se às demandas superiores do espírito,
aquela cabeça já havia sido cortada do meu pescoço. Restaram a memória e as
imagens criadas e ainda não concretizadas por mim. Elas haverão de me ulcerar,
é verdade! Mas em mim restaram o coração e aqueles sangue e carne que podem
amar, e sofrer, e compadecer-se, e lembrar-se, e isso é vida apesar de tudo. On
voit le solei!. Bem, irmão, adeus! Não te aflijas por mim! ... Nunca na vida
reservas tão abundantes e sadias de vida espiritual haviam fervido em mim como
neste momento. Mas se que o corpo vai agüentar eu não sei ...

Meu Deus! Quantas imagens, sobreviventes, criadas por mim irão morrer, irão
apagar-se em minha cabeça ou derramar-se em meu sangue como veneno! É, se
não puder escrever eu morro ... Em minha alma não há fel nem raiva, gostaria de
amar muito e abraçar ao menos alguma das pessoas de antes neste momento.
Isso é um deleite, eu o experimentei hoje ao me despedir dos meus entes
queridos perante a morte ... Quando olho para o passado e compreendo quanto
tempo perdi em vão, quanto o perdi com equívocos, com erros, na ociosidade,
na inabilidade para viver, como deixei de apreciá-lo, quantas vezes pequei
contra meu coração e minha alma meu coração se põe a sangrar. A vida é uma
dádiva, a vida é uma felicidade, cada minuto poderia ser uma eternidade de
felicidade".·

Muitas das considerações aí expostas se assemelham à análise que Míchkin


faz do episódio da execução.
O motivo do dinheiro é um tema recorrente em toda a obra de Dostoiévski.
Para o romancista, o dinheiro é um fator de reformulação, desintegração e
destruição do psiquismo humano. Arkadi Dolgoruk, personagem de O adolescente,
afirma: "O dinheiro, evidentemente, é um poderio despótico, mas é ao mesmo
tempo a mais grandiosa igualdade, e nisto reside toda a sua força principal. O
138 BEZERRA, Paulo. Breves considerações sobre a obra de Doswiévski

dinheiro iguala todas as desigualdades". Em O ÍdÍota, Gánia Ívolguin fica irritado


porque o príncipe Míchkin dis que ele não tem originalidade e ele retruca,
argumentando sua gana por dinheiro: "Isso, meu caro, há muito vem me deixando
louco, e eu quero o dinheiro. Uma vez com o dinheiro, saiba que serei um homem
original no supremo grau da palavra. O dinheiro é mais abjeto e odioso porque
ele dá talento". O mais impressionante em Gánia é que ele não consegue sentir
paixão por nenhuma das duas belíssimas mulheres; sua paixão é unicamente pelo
dinheiro: "Estou indo por paixão ... porque eu tenho um objetivo capital". Bakhtin
afirma que "Quanto mais coisificada a personagem, tanto mais acentuadamente
se manifesta a fisionomia da sua linguagem"". Gánia é essa personagem coisificada
que, como Lújin de Crime e castigo, tem uma linguagem economicamente cifrada
e um objetivo "capital". Assim, Gánia é uma espécie de símbolo de uma das
contradições da sociedade burguesa: esta nivela o indivíduo e, através do dinheiro,
sobrepõe o impessoal ao pessoal. Gánia sabe que não tem talento nem originalidade,
mas sonha consegui-los através do dinheiro. E é também pelo dinheiro que
experimenta a suprema humilhação por parte de Nastácia Filíppovna. Esta,
consciente da sua condição de humilhada e ofendida pelo dinheiro e seu possuidor,
zomba do dinheiro e de todos aqueles que fazem dele o objerivo maior de suas
vidas. Se a atração que o dinheiro exerce sobre os outros indivíduos os leva à
escala mais baixa da sua dignidade, em Nastácia Filíppovna ele é objeto de repulsa
por ser também o motivo da sua desgraça e do seu desencontro com o mundo. O
episódio da compra de Nastácia Filíppovna e do lançamento do dinheiro no
fogo por ela são uma das páginas mais notáveis da literatura universal.
O idiota foi um imenso sucesso editorial. A crítica em geral o recebeu muito
bem, uns críticos até efusivamente, mas, como todos os romances anteriores de
Dostoiévski, também esbarrou em vozes discordantes e numa crítica de tendência
nitidamente desqualificadora. Essa crítica considerou Míchkin uma personagem
irreal. A esse tipo de crítica Dostoiévski responde assim: "Eu tenho minha
concepção de real (em arte), e aquilo que a maioria chama quase de fantástico e
excepcional para mim constitui, às vezes, a própria essência do real. O rotineiro
dos fenômenos e a visão estereotipada dos mesmos, a meu ver, ainda não são
realismo, são até o contrário ... Porventura meu fantástico Idiota não é realidade,
e ainda a mais rotineira! Ora, é precisamente neste momento que deve haver
Cadernos de Letras da UFF- GLC, n. 27, p. 119-139, 2003 139

semelhantes caracteres em nossos segmentos sociais desvinculados da sua terra,


segmentos esses que, na realidade, se tornam fantásticos"'*.
Dostoiévski defende o seu romance e o faz com a elevação teórica do gênio
que tem resposta profunda para questões aparentemente simples, e desenvolve
uma teoria do real que irá permanecer ao lado de sua grande obra.

NOTAS

'As citações das cartas, assim como a definição teórica de realismo dada pelo próprio Dostoiévski e
aqui inseridas, baseiam-se nas notas dos organizadores da edição das obras completas de Dostiévski
em trinta tomos (N. do T.).
1 Há sol (em francês- Red.).
** Apud. Notas ...

Você também pode gostar