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Revisitando a Técnica de
Eletroconvulsoterapia no
Contexto da Reforma
Psiquiátrica Brasileira
Rediscussing the technique of electroconvulsotherapy in the
context of the brazilian psychiatric reform movement
(2007), pode-se dizer que a indução repetida efeitos colaterais em relação aos da ECT e
de convulsões é o evento principal na eficácia deterioração do quadro clínico-psiquiátrico.
do tratamento. Porém, o autor adverte que
as convulsões alteram sintomas individuais No que concerne à indicação da ECT,
ou, no máximo, grupo de sintomas, não verificou-se alguma divergência entre
funcionando como resolutor de transtornos os autores pesquisados. Há, entretanto,
ou doenças (Fink, 2007). concordância entre um grupo de autores
sobre o fato de que o ECT estaria indicado
Existe considerável variabilidade entre os nos casos de: depressão monopolar, na fase
clínicos a respeito da extensão em que o ECT maníaca e depressiva do transtorno afetivo
deve ser utilizado em primeira instância ou ser bipolar e em alguns tipos de esquizofrenia,
considerado apenas quando outros recursos especialmente a forma catatônica (Bastos,
“A rapidez e a já se mostraram ineficazes: “A rapidez e a 2003; Busnello, 1995; Del Porto, 2006;
eficácia da ECT eficácia da ECT podem fazer dela a primeira Lawrence, 1980; Resolução nº 1.640/2002;
podem fazer
dela a primeira indicação para pacientes com depressões Spoerri, 1979; Salzman, 1978). Segundo Fink
indicação para graves e grande risco de suicídio, ou mesmo (2007), a ECT é particularmente efetiva para
pacientes com
depressões graves para certos casos de mania aguda que, aliviar transtornos depressivos, embora aponte
e grande risco pela gravidade dos riscos, requeira pronta que ela promove alívio em estados de humor
de suicídio, ou
mesmo para
intervenção” (Del Porto, 2006, p. 18). não somente depressivos, mas maníacos,
certos casos de em psicoses diversas e transtornos motores
mania aguda que,
Busnello (1995) elege alguns critérios para a catatônicos.
pela gravidade
dos riscos, indicação de ECT como forma de tratamento.
requeira pronta Para o autor, deve-se escolher a ECT como À parte essa concordância, muitos outros
intervenção” (Del
Porto, 2006, p. 18). tratamento de primeira escolha nos casos quadros, que divergem de autor para autor,
em que há necessidade de melhora rápida, são citados: as psicoses atípicas e reativas,
quando os riscos de outros tratamentos puerperais, casos de delirium tremens,
forem maiores comparados aos da ECT, transtornos conversivos, doença de Parkinson,
quando há histórico de boa resposta à síndrome neuroléptica maligna, convulsões
ECT em momentos anteriores ou resposta intratáveis, depressão pós-parto, acinesias,
insatisfatória ao uso de psicofármacos, e pelagra, dor talâmica e dor severa da neuralgia
ainda, quando a pessoa opta por esse tipo do trigêmeo.
de intervenção. A esse respeito, Del Porto
(2006) acrescenta que a ECT pode ser mais Em relação às contra-indicações, tanto se
segura que tratamentos farmacológicos, para encontram informações de que nenhuma
os fisicamente debilitados, os idosos e as condição constitui, por si, uma contra-
gestantes, desde que com os devidos cuidado indicação absoluta (American Psychiatric
e monitoramento. Association, 1990), desde que se tomem
precauções apropriadas, quanto as que
Já como tratamento de segunda escolha, apontam algumas situações contra-indicadas
Busnello (1995) direciona os casos em ao uso do ECT.
que, mesmo na vigência do uso adequado
de psicofármacos (quanto à dose e tempo Para Del Porto (2006), há um conjunto de
de duração), ocorrer ausência de resposta situações clínicas que requerem cuidados
terapêutica satisfatória, severos ou maiores específicos durante a aplicação de ECT, “...
por implicarem maior risco” (Del Porto, abdominal e do exame neurológico básico
2006, p. 24). Segundo esse autor, constituem ...A avaliação da dentição do paciente é
fator importante... Considerando que a ECT
condições que requerem especial avaliação
poderá induzir a um aumento transitório
e manejo: situações cardiovasculares da pressão intra-ocular, a história prévia
instáveis (infarto recente, angina instável, de glaucoma... fará necessária a medida
doenças coronarianas, insuficiência cardíaca da pressão intra-ocular... Considerando a
importância da oxigenação cerebral durante
congestiva), aneurismas ou malformações
a ECT, a contagem de glóbulos vermelhos,
vasculares que possam se romper devido a dosagem de hemoglobina e hematócrito
ao aumento da pressão arterial, condições devem sempre preceder o tratamento...
que acarretem o aumento da pressão Incluímos na avaliação a dosagem de
glicemia, creatina, uréia, sódio e potássio...
intracraniana (tumores e lesões), acidente
A avaliação da função hepática é sempre
vascular cerebral recente, algumas condições requerida, uma vez que os pacientes serão
pulmonares (doença pulmonar obstrutiva submetidos a anestesia... (Del Porto, 2006,
crônica, pneumonia, asma não controlada) p. 25)
No que diz respeito à freqüência de utilização que tal distúrbio pode ir desde uma pequena
do ECT, Lawrence (1980) sustenta que a amnésia, passando pelo esquecimento de
duração do tratamento irá depender dos acontecimentos anteriores ao tratamento
resultados alcançados e da natureza do (que pode se estender até dois anos antes),
distúrbio em questão. Essa é também a esquecimento do período de tratamento,
postura do Conselho Federal de Medicina, até um déficit permanente. Para Lawrence
na última Resolução (nº 1.640/2002). (1980), esse distúrbio ocasionado pela
eletroconvulsoterapia é vivenciado sob forte
Já sobre o mecanismo de ação da ECT, sentimento de angústia, e pode variar desde
observou-se certa escassez na bibliografia uma tendência ao esquecimento de nomes
consultada. A maioria dos autores concorda até uma grande confusão. Salzman (1978)
que ainda pouco se sabe acerca desse ponto. coloca que, quanto maior for o número de
Fink (2007) afirma que não há estudos diretos aplicações, mais tempo leva a recuperação.
sobre o papel das convulsões, por exemplo, Segundo o relatório da Associação Brasileira
embora se continue acreditando que estão de Psiquiatria, no entanto, “...os efeitos da ECT
no efeito convulsivo as respostas satisfatórias sobre a memória são transitórios, reversíveis e
até então obtidas: “A questão de como as mínimos, quando comparados aos benefícios
convulsões podem afetar o comportamento trazidos aos pacientes...” (citado por Bastos,
estimulou muitas percepções que pontuam 2003, p. 3). Fink (2007) ressalta que esses
a literatura... e nenhuma explica a conexão prejuízos, como assim os chamam, quase
entre os eventos cerebrais e o comportamento” sempre são passageiros. “Muito pode ser
(Fink, 2007, p. 211). feito para minimizar esses efeitos, mas parece
impossível evitá-los totalmente” (Fink, 2007,
Supõe-se que o cérebro seja privado de p. 209).
Supõe-se que
o cérebro seja
energia e do metabolismo oxidativo a ponto
privado de energia de tornar-se incapaz de manter sua função; A reforma psiquiátrica como
e do metabolismo entretanto, diz-se que “o uso do choque
oxidativo a propulsora de uma outra forma
eletroconvulsivo é inteiramente empírico”
ponto de tornar- de considerar as ciências e as
se incapaz de (Lawrence, 1980, p. 652).
manter sua suas modalidades interventivas
função; entretanto,
diz-se que “o A esse respeito, pode-se pensar que, se os
uso do choque mecanismos de ação são pouco conhecidos, O movimento da reforma psiquiátrica traz
eletroconvulsivo como tônica a desconstrução e a superação,
as possíveis implicações também o seriam.
é inteiramente
empírico” “Não se sabe por quanto tempo ou com que em termos de teorias e práticas assistenciais,
(Lawrence, 1980, freqüência as convulsões devem ser repetidas do modelo asilar/ hospitalocêntrico – expresso
p. 652). tanto no manicômio quanto no saber sobre
nem qual é a melhor maneira de se utilizar
um protocolo de manutenção para que os a loucura – e oferece, em sua proposta
benefícios sejam mantidos” (Fink, 2007, político-social, subsídios para se encontrar
p.209). outras formas de conceber o humano,
a dita “loucura” ou a doença mental, e,
No que diz respeito aos efeitos colaterais, os em conseqüência, os modelos clínicos de
distúrbios de memória são apontados como intervenção, assistência e cuidado.
o principal, embora sejam citados ainda os
estados confusionais, a cefaléia e as náuseas. A lógica de assistência calcada na filosofia
A leitura feita de tais distúrbios, entretanto, manicomial/hospitalocêntrica repousa na
varia entre os autores. Busnello (1995) explica concepção de um sujeito fundado nos
“...não são vistas como construções, ficções Quando se fala em suspender a doença
criadas e categorizadas por homens, mas mental, não se incorre no pensamento de
efetivamente como entidades que existem” negação do adoecimento, mas num “...
(Camargo et al., 2006, p. 1096) e que, pela procedimento epistemológico de suspender
realidade de suas existências, acabam por o conceito de doença mental enquanto saber
virtualizar o paciente. produzido pela psiquiatria...” (Basaglia, 1981,
p. 309, citado por Amarante, 1992, p. 180),
Com a difusão do Movimento de Reforma que reduz a complexa problemática subjetiva
Psiquiátrica contemporânea, essa forma de do sofrimento psíquico a noções categóricas,
conceber a assistência e a dita “loucura” foi,
fruto de seu arranjo epistemológico.
aos poucos, revisitada e redescrita, visando
à confecção de novas práticas de cuidado.
Tal suspensão marca, a um só tempo, tanto
Visava-se a desconstruir os paradigmas
a ruptura com esse saber que se apresenta
de sustentação da prática manicomial de
como obstáculo epistemológico quanto a
exclusão e segregação do louco e de sua
possibilidade da construção de uma outra
subjetividade. A esse respeito, Amarante
(1992) nos lembra que essa desconstrução relação de cuidado com as pessoas enfermas,
não se circunscreve apenas à destruição física uma relação que não seja atravessada
dos hospitais psiquiátricos, mas à promoção primeiramente pelo “...diagnóstico, sintoma
e à superação de seu aparato, com a ruptura ou doença ou ainda pelas... incrustações
do paradigma que fundamenta e autoriza a institucionais, sociais e culturais que são
instituição psiquiátrica clássica: o paradigma impregnadas aos sujeitos objetivados pelo
racionalista. saber e prática psiquiátricas” (Amarante,
1997, p. 180).
Se no tipo de assistência clássica se colocava
o “sujeito entre parênteses” (Basaglia, 1982) No campo da assistência e do cuidado, em
para se enxergar quase que exclusivamente conseqüência dessa reorientação, deixa de ser
a doença, na perspectiva da reforma, busca- importante que se persiga a idéia racionalista
se colocar a “doença entre parênteses”, de tratamento enquanto reparação ou
priorizando o sujeito que adoece e seu devolução de estados de saúde perdidos
sofrimento. O autor comenta que “...o mal para, em seu lugar, baseando-se numa ética
da psiquiatria clássica está em haver separado solidária de inclusão, buscar a emancipação
um objeto fictício – a doença – da existência de condições de vida através da invenção
dos pacientes do corpo social...” (Basaglia,
de processos de singularização que possam
1982, citado por Barros, 1994, p. 191).
promover novas inscrições subjetivas.
social que o socializa, que lhe possibilita não dizer, o “sintoma” psíquico, seria uma
trocas, que o situa historicamente e que, a forma de dar sentido a uma experiência
todo tempo, lhe diz quem é e deve ser, a subjetiva conflitiva. O sintoma indica sinais
partir dos parâmetros socioculturais de seu de sofrimento e pode conduzir à enunciação
tempo. do desejo singular daquele que sofre. Nessa
perspectiva, o sofrimento psíquico, do qual
O sujeito, no entanto, não é apenas portador o sintoma se faz porta-voz, pode falar de
de um corpo inserido numa dada sociedade, “...uma estratégia de existência diante de
já que ele dá significado a essas experiências, problemas colocados para um sujeito que
e o faz de modo diferente dos demais talvez não tenha encontrado palavras ou
sujeitos. Esse é, para Corbisier (1992), o ações afirmativas para enfrentá-los... um
“pantanoso terreno da subjetividade”, em sinal de vida aflito e aturdido, mas um índice
que a psiquiatria clássica optou por não de que a condição desejante se mantém...”
adentrar em suas operações objetivadas na (Gondar, 2003, p. 16).
noção de doença mental.
Desse modo, o sintoma psíquico seria o meio
A concepção freudiana de sujeito dividido, encontrado pelo sujeito de comunicar um
descentrado, sem essência, ajuda-nos a pensar estado de dor psíquica, que reflete, ao mesmo
no humano como um ser de contingência, tempo, um corpo e uma dada realidade
ausente de “natureza”, e portador não de social. Amparando-nos no pensamento
igualdade subjetiva, mas de diferenças. freudiano, somos conduzidos a “...uma crítica
Reconhecer a não essência do sujeito fundamental das terapêuticas antidelirantes...,
significa, portanto, fazer ceder o dualismo que representam o delírio como desvio da
cartesiano por compreensões marcadas por razão e como perda da função subjetiva”
uma indissociabilidade biopsicossocial do (Birman, 1992, p. 87).
sujeito, em sua condição de contingência e
possibilidade, sempre plurais. Ao recorrer a esse tipo de leitura do sujeito,
pensa-se que é ampliada a concepção de
Essa perspectiva abre uma outra visão de assistência e cuidado, fazendo relativizar
pathos que, oriundo da psicopatologia, o peso normativo da razão frente a outros
descola-se de uma visão tradicional para valores, como a aceitação da diferença, a
ser lido como experiência de sofrimento, tal inclusão, o respeito à pluralidade de formas
como propõe a psicopatologia fundamental, existenciais e à liberdade, de fato. Com a
que busca compreender e discursar, através reforma, o sofrimento psíquico é entendido
da escuta, sobre esse sofrer. Tal discurso como algo que necessita de cuidado, não de
não se faz pelo viés da descrição e da correção. A noção de existência-sofrimento
sistematização das doenças, pois baseia-se “...reorienta o objetivo da psiquiatria,
“...no pressuposto de que o pathos manifesta passando da ‘cura’ para a produção de vida,
uma subjetividade que é capaz, através de sociabilidade, de subjetividades. A terapia
da narrativa, de transformar a paixão e o deixa de ser entendida como perseguição da
assujeitamento numa experiência...” (Berlink, solução-cura” (Rotelli & Amarante, 1992, p.
2003, p. 5). 52).
a ética da reforma uma outra apresentação. devem visar, além do aspecto sintomatológico,
. “...De doença “...De doença mental para a existência- à inscrição ou reinscrição da pessoa no
mental para sofrimento, o fenômeno psíquico deixa de ser exercício da cidadania e no vínculo com a vida
a existência-
sofrimento, o
um mal obscuro que afeta as pessoas e passa social. Nesse sentido, a crise é um evento de
fenômeno psíquico a ser um fenômeno complexo, histórico, vida, e não mais uma fratura na continuidade
deixa de ser um um estado de não-equilíbrio...” (Rotelli & da existência, e, embora possa se repetir,
mal obscuro que
afeta as pessoas Amarante, 1992, p. 52). pode, a cada novo momento, ser atravessada,
e passa a ser devendo-se procurar colocá-la “...no interior
um fenômeno Todo modo de intervenção é pautado num
complexo, de uma série de nexos que são capazes de torná-
histórico, um campo filosófico-epistemológico, pois se la compreensível...” (Dell´Acqua & Mezzina,
estado de não- sustenta numa visão de mundo, de homem, 2005, p. 164), recebendo-a, acolhendo-a em
equilíbrio...” (Rotelli
de saúde e doença, de assistência e cuidado; sua singularidade e complexidade, a fim de
& Amarante, 1992,
p. 52). ressignificar o sintoma e a experiência estabelecer com ela uma relação de cuidados
de sofrimento implica, portanto, a partir e de compartilhamento, não de supressão ou
dessa ótica, assumir uma outra forma de erradicação.
se intervir, já que o sintoma, na condição
de possibilidade de fazer emergir o desejo
Há, portanto, a urgência de se pensar em
singular, pede um lugar de escuta, de
“...projetos de invenção de novas formas
continência, não de contenção. “Sendo
de cuidado em assistência psiquiátrica”
assim, não há o que ser corrigido... Não há o
(Amarante, 1992, p. 11) que efetivamente
que ser abolido” (Corbisier, 1992, p. 10), mas
substituam a lógica manicomial e assumam o
há o que ser escutado e acolhido como forma
compromisso ético da diferença como meta a
de receber o sofrimento e poder facilitar a sua
ser cotidianamente buscada na superação dos
transformação numa experiência integrada
vícios de intervenções de cunho asilar.
para quem o vivencia. Corbisier (1992)
considera, desse modo, a escuta da diferença
Tais projetos devem ter como preocupação
como um dos modos antimanicomiais de
primária o outro que demanda ajuda, não
lidar com a loucura.
permitindo que filiações e categorias teóricas
Deixa de ser legítima, portanto, a adoção de rígidas passem na frente do contato com
dispositivos voltados apenas para a eliminação esse outro em sua experiência de dor e
de sintomas. As intervenções devem procurar sofrimento. A autonomia deve ser buscada
cuidar do sofrimento do outro, idéia que e estimulada, assim como o respeito às
implica – mais do que atender ou tratar – individualidades em suas diferenças; o
acolher e abrigar a dor psíquico-existencial. controle e a disciplinaridade, enquanto
Essa autora nos sinaliza para a urgência em metas asilares, devem, portanto, ceder lugar à
não se responder rapidamente às queixas expressão do singular, sob pena de outra vez,
sintomatológicas, e sim para a urgência de se em nome de uma suposta normalidade, fazer
mediar crises com perguntas e tentativas de sucumbir diferentes formas subjetivas em
falas que “...muitas vezes, diluem a urgência favor da norma subjetiva padrão. É a demanda
de uma resposta-tampão, transformando-as complexa do usuário o norte pelo qual se deve
em pedido de ajuda...” (Corbisier, 1992, p. percorrer a assistência ao sofrimento. Esses
12). são aspectos aqui adotados como critérios de
validade ou de coerência de um dispositivo
As intervenções, acompanhando a terapêutico dentro da filosofia de assistência
complexidade da experiência do adoecer, da reforma.
Permanecer com modalidades de assistência cuidar, parece que algumas questões ainda
permeadas pela noção de que cuidar é permanecem: “o que fazer com os loucos”?
apenas produzir a erradicação de sintomas “Como lidar com a ‘loucura’”?
psíquicos tem, para esse novo referencial,
o significado de um desserviço ao usuário, Sabemos que a figura do louco perde, ao
já que se estará combatendo exatamente longo da História, a condição de sujeito-
a estratégia que lhe permitia lidar com sua cidadão, e nós temos, a partir da cartilha da
dor psíquica, denunciar o seu sofrimento reforma, de estar atentos ao modo de exercer
decorrente dessa dor e solicitar ajuda. o cuidado, questionando-nos a respeito do
que estamos fazendo pelo não ofuscamento
Não escutar o sintoma de modo complexo da diversidade subjetiva, pelo resgate da
é, portanto, não permitir que ele encontre cidadania e da autonomia e pela reinscrição
lugar no mundo daquele que sofre, é não social.
permitir que ele possa apontar novos modos
Se, do ponto de vista teórico, percebe-se
de singularização, novas possibilidades de
um avanço na desconstrução do aparato
existência para aquele sujeito; é, ainda,
manicomial clássico, na prática, onde as
contribuir para a sua cristalização e criar
dificuldades acontecem, muitas intervenções
uma situação propícia à sua cronificação; é,
caminham ainda na direção dessa lógica.
em última instância, impossibilitar que esse
Por isso, não podemos afirmar que “...o
sujeito, ao seu modo, possa integrar esse
manicômio esteja morto, ele persiste, às vezes
sofrer para transformá-lo numa experiência.
mais limpo, modernizado ou humanizado”
Isso significa não cuidar do usuário de
(Barros, 1994, p. 175).
acordo com a ética da reforma psiquiátrica,
mas permanecer a repetir o que Birman
Identifica-se, por um lado, uma dificuldade
(1992) chama do incansável mito das
de pôr em prática o discurso antimanicomial
origens, no qual uma prática se apresenta
tão divulgado, e, por outro, um caminhar
modulada de outros instrumentos, sejam
oscilante que, ao mesmo tempo em que
físicos, sejam tecnológicos, sejam humanos, ensaia novas formas de cuidado, tende a
mas ligada, em sua natureza, ao projeto do repetir alguns passos da trilha asilar devido à
alienismo, fundante das práticas asilares. herança cultural que carrega.
“A instituição inventada... passa a ser uma
multiplicidade de serviços e circuitos que E esse tem sido aparentemente o caminho pelo
buscam superar cotidianamente os vícios dos qual propostas de reformulação da assistência
saberes completos, os vícios das instituições psiquiátrica se desfiguram em experiências de
totalitárias, para produzir trocas sociais, miniaturarização e tentaculização do espaço
possibilidades e subjetividades sempre novas asilar. Tal como uma sombra, essas propostas
e plurais” (Amarante, 1992, p. 54). freqüentemente trazem – atrás dos novos
modelos de intervenção – mecanismos mais
O processo de desconstrução a que convida sutis de controle e de regulação normativizante.
a forma de assistência antimanicomial parece (Bezerra, 1992, p. 113).
interminável, e, mesmo tendo avançado
enquanto postura ideológica sociopolítica, É compartilhando esse tipo de preocupação
no campo da assistência, na relação dos que se questiona: seria a técnica de ECT mais
técnicos com a dita “loucura”, na forma de uma das “sombras” do modelo assistencial
clássico? Será que essa técnica é coerente de utilização dos psicofármacos e das
com a proposta de assistência da reforma? psicoterapias na prática psiquiátrica. Os
Pode-se pensar que tanto a forma de psicofármacos estariam em condições de
concebê-la quanto a sua utilização não mais atualmente funcionar de forma mais eficaz,
atendem a mecanismos, ainda que sutis, e são, ainda, mais econômicos. “Em grande
de controle e regulação? E ainda, tomando número de casos, sua administração (a
como base epistemológica a perspectiva de dos psicofármacos) evita dano temporário
questionamento da lógica hospitalocêntrica, permanente para o tecido cerebral e sua
de que forma se pode fazer uma leitura dessa função” (Lawrence, 1980, p. 649).
técnica? Dentro desse contexto, ela poderia
ser considerada um dispositivo terapêutico Até então, não se pensa em nenhuma
válido? contradição; afinal, espera-se que, no
itinerário de evolução científica, novas
Questões sensíveis e possíveis tecnologias, mais modernas e aprimoradas
lacunas da técnica de ECT e menos bruscas, assumam o cenário das
intervenções. Na Itália, por exemplo, que se
Retomando o debate técnico da ECT a constituiu em berço e fonte de inspiração para
partir da perspectiva dos autores citados, a Reforma Psiquiátrica Brasileira, a técnica de
identificamos algumas problematizações, ECT foi erradicada em alguns setores do país
lacunas e contradições. no campo da assistência em saúde mental.
Teórica e Teórica e epistemologicamente falando, no Nesse sentido, reconhece-se, desde já, que
istemologicamente
falando, no
entanto, a proposta da técnica em questão um trabalho que pudesse ter como campo
entanto, a parece atender mais a um modelo de de estudo a prática de utilização do ECT
proposta da continuidade do tipo de assistência calcado teria grande valor no sentido de elucidar e
técnica em
questão parece na postura de assistência manicomial do que ampliar a condução do pensamento aqui
atender mais a de questionamento e de desconstrução da traçado. Verificar o uso que hoje é feito
um modelo de
continuidade do mesma. Portanto, se pararmos a nossa reflexão dessa técnica no contexto da saúde mental
tipo de assistência nesse ponto, isto é, apenas no plano teórico, parece ser fundamental, até mesmo para se
calcado na
postura de
somos levados a questionar a coerência da poder tratar com mais segurança da questão
assistência técnica no presente contexto das práticas de da sua validade enquanto modalidade
manicomial cuidado orientadas pela reforma, no sentido terapêutica coerente para o contexto de
do que de
questionamento e de que o desenho epistemológico de suporte práticas orientadas pela filosofia da reforma.
de desconstrução da mesma parece não ser compatível com o
da mesma.
da proposta da reforma psiquiátrica. Pelo reconhecimento que se tem dos aspectos
citados acima e por entender o presente
É válido ressaltar, entretanto, que o que se estudo como um recorte bibliográfico,
afirma no meio psiquiátrico contemporâneo deve ser dito ainda que não se objetivou
de defesa da técnica é que ela, e, portanto, fechar o pensamento ora desenvolvido em
sua prática de intervenção, muito teria uma postura taxativa e de negatividade em
evoluído, sendo inegável o reconhecimento relação à técnica, mas, pelo contrário, abrir
da importância de sua utilização em algumas um debate sinalizador para novas discussões,
situações, como nos quadros de depressões partir de uma outra ótica de discussão,
profundas e em quadros catatônicos, para ficando as novas inclinações investigativas
citar os mais comuns. para estudos futuros.
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