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MODA E LINGUAGEM

Professora:
Dra. Ana Paula Machado Velho
DIREÇÃO

Reitor Wilson de Matos Silva


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Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

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Designer Educacional Giovana Cardoso
Editoração Flávia Thaís Pedroso
Qualidade Textual Meyre Barbosa da Silva

C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação


a Distância; VELHO, Ana Paula Machado.

Estética, Linguagem e Comunicação de Moda. Ana Paula
Machado Velho.
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017.
32 p.
“Pós-graduação Universo - EaD”.
1. Moda 2. Estética 3. EaD. I. Título.

CDD - 22 ed. 155.95


CIP - NBR 12899 - AACR/2

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obtidas a partir do site shutterstock.com

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sumário
01 06| MODA COMO ENGRENAGEM SOCIAL

02 13| MODA E VESTUÁRIO

03 20| MODA E LINGUAGEM


MODA E LINGUAGEM

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
•• Compreender a moda como expressão da cultura e compreender o conceito
de cultura.
•• Entender a organização social e econômica que cria a moda e a moda como
fruto da sociedade de consumo.
•• Entender a moda como linguagem.

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:


•• Moda como Engrenagem Social
•• Moda e Vestuário
•• Moda e Linguagem
INTRODUÇÃO

Até agora, vimos, com a ajuda de vários autores, especialmente Gilles Lipovetsky,
que o processo denominado moda é fruto de uma reorganização profunda
na sociedade, que começa a se configurar a partir da Idade Média. Até aquele
momento, a lógica das relações sociais registrada em nossa cultura estava ligada
às tradições, ao passado e à sociedade de pouca mobilidade social, isto é, em
que os servos, as pessoas do povo não conseguiam escalar a pirâmide social.
Essa regra muda radicalmente com a instauração da Modernidade, período
pós Idade Média. Essas transformações só serão possíveis por causa da ação de
um grupo novo de atores sociais, que enriquece vai trazer novos valores para a
economia e, com isso, surgem profundas modificações na forma de produção
de sentido das pessoas no mundo.
Neste cenário, os indivíduos vão ter que se habilitar para lidarem com os
novos tempos, nos quais se pode e se é incentivado a consumir e, por meio do
que se consome, é possível que qualquer pessoa atinja novos patamares entre
os grupos da sociedade. Para entrar nesta dinâmica de ascensão, as pessoas terão
a moda como lastro social, como linguagem: especialmente, o vestuário, mas
não ficam para trás o consumo de outros bens, como os objetos de decoração.
Esse processo de ruptura, que atinge a sociedade ocidental na Idade Média, está
diretamente ligado à economia baseada no consumo, ao novo, aos desejos cada
vez maiores por possuir e ostentar as posses para com elas se apresentarem ao
mundo.
São essas questões que vamos tratar nesta Unidade, terminando as discussões
com a definição de moda como linguagem da sociedade contemporânea. Essa
é uma viagem na história recente da nossa civilização que, apesar de conhecer,
muita gente não a relaciona com o processo da moda. Vamos juntos mergulhar
nela?

introdução
6 Pós-Universo

Moda como
Engrenagem Social
Pós-Universo 7

A aula de hoje tem como objetivo levar você a perceber que a moda não é um
atributo da organização social contemporânea, apesar de ter ganhado um peso
maior nos dias de hoje. O processo da moda desenvolveu-se ao longo de séculos, e
é essa trajetória que passa pela economia, sociologia, filosofia e pela comunicação
que vamos acompanhar nas próximas aulas.
Hoje, mais uma vez, em companhia do filósofo Gilles Lipovetsky, nosso objetivo é
perceber que, durante a maior parte da história da humanidade, houve a valorização
da continuidade social. Isto é, impunha-se por “toda a parte a regra da imobilidade, a
repetição dos modelos do passado” (LIPOVETSKY, 1989, p. 27), e era muito difícil, por
exemplo, a mudança de classe social.
Esse quadro só ganha novos contornos no final do século XIV. Isso acontece,
segundo Lipovetsky (1989, p. 27), não em consequência das características da natureza
humana, que sempre demonstrou gosto pelas novidades, pelo adorno e pela distinção,
mas sim por uma “descontinuidade histórica”, uma ruptura com a forma de socialização
que estava lastreada na tradição. “Nas eras da moda, domina o culto às novidades, assim
como a imitação dos modelos presentes e estrangeiros – prefere-se ter semelhanças
com os inovadores contemporâneos do que com os antepassados”. Mas como isso,
de fato, acontece?
Essa história começa com a transformação dos hábitos dos povos chamados
bárbaros. Eles deixaram de ser nômades, assentaram-se, configurando um novo
espaço geográfico, no qual vão ser desenhados os Estados. Depois de algum tempo,
nesses aglomerados de pessoas, o cultivo e a extração de produtos extrapolam o
modelo de subsistência (VELHO, 2012).
8 Pós-Universo

fatos e dados
O grande Império Romano que dominou o que se conhece hoje por Europa
chamava de Bárbaros todos aqueles que habitavam fora das suas fronteiras
e que não falavam o latim. Muitos destes povos moravam em habitações
rústicas, localizadas em aldeias rurais, cultivando cereais e criando gado. A
maior parte dos bárbaros vivia na região chamada Germânia, por isso, eram
chamados de germânicos, mas reuniam diversos grupos, como saxões,
visigodos e vândalos, palavra que, até hoje, remete à violência contra o
patrimônio. A convivência pacífica entre esses povos e os romanos durou
até o século IV, quando os hunos pressionaram outros povos bárbaros nas
fronteiras do Império Romano, na busca de riquezas, de solos férteis e de
climas agradáveis para cultivar e viver. Essas invasões, muitas vezes violentas,
acabaram por derrubar o Império Romano do Ocidente e produzirem nova
organização desses grupos, agora, com o apoio da Igreja Católica.
Fonte: adaptado de História Digital (2011, on-line)1.

Os chamados feudos começam trocar ou comercializar o seu excedente. Esse processo


demanda o surgimento de um novo agente, o comerciante, que assume o papel de
fazer girar a mercadoria entre os feudos. Com isso, os novos mercadores acumulam
capital e dão origem a uma nova classe social: a burguesia.

Figura 1 - Os feudos vão ser o local onde


se troca ou comercializa o excedente
do cultivo e da extração, fortalecendo o
mercado produtos
Pós-Universo 9

atenção
Inicialmente, os comerciantes eram os moradores dos os burgos (pequenas
cidades protegidas por muros) e, por isso, foram chamados de burgueses.
Como disse anteriormente, dedicavam-se à venda de mercadorias e à
prestação de serviços. O grupo não era bem visto pela nobreza, os principais
detentores do poder na época, porque eram herdeiros da classe medieval
dos vassalos (servos). Alguns séculos mais tarde, esse grupo é que vai dar
base para o surgimento do capitalismo porque emerge como uma força
econômica e forma uma nova classe social: a burguesia.
Fonte: a autora.

É essa classe que vai, no futuro, financiar o surgimento do novo referencial de mundo,
vai organizar a produção, investir nas navegações para descobrir novas fontes de
mercadorias e de riquezas que possam ser comercializadas. São os burgueses que
vão modificar a relação dos indivíduos com eles mesmos, já que as pessoas começam
a enxergar que a condição de servo não é um destino traçado por Deus, mas uma
consequência da organização social (VELHO, 2012).

Figura 2 - Os servos eram chamados de vassalos e prestavam serviço quase de graça para os
nobres, tendo como retribuição o direito de morar na propriedade
10 Pós-Universo

Com o dinheiro dos burgueses, entra-se na era do Mercantilismo, introduzem-se


a Reforma Protestante e o Renascimento. Nesse mundo, a ordem não se estrutura
mais na obediência à Igreja, ao senhor feudal e à tradição. Surge a possibilidade de o
cidadão, aquele que trabalhava, construir seu dia a dia e seu destino, por meio do que
podia pagar com seu salário. Para isso, no entanto, era necessário embrenhar-se nesse
novo ambiente cultural que se pautava nas relações comerciais, no conhecimento,
na ciência, nas artes, mas, especialmente, na capacidade de acesso aos bens culturais
que surgiam, instaurando o embrião da sociedade de consumo.
Naquele momento, criou-se a possibilidade da mobilidade social – até então,
impossível. Por meio do dinheiro que ganhava, o cidadão se apropriava dos objetos,
dos bens culturais, do acesso às referências do novo modelo de vida, podendo viver
como qualquer pessoa que tivesse recursos para consumir. Lipovetsky lembra que
entre as primeiras mercadorias disponíveis neste novo cenário estão os elementos
do vestuário (VELHO, 2012).
Com isso, começa a se dar a apropriação da forma de vestir dos nobres pelas pessoas
comuns da sociedade. O filósofo lembra, no entanto, que essa reprodução nunca
se dava de forma integral. Os burgueses foram inserindo diferenciações pequenas
nos costumes e nas novidades, fazendo com que a roupa se transformasse num
dos primeiros objetos de expressão da liberdade dos sujeitos. Quando a novidade
popularizava-se, outras diferenciações eram propostas.
Pós-Universo 11

Figura 3 - Os burgueses foram inserindo diferenciações pequenas nos costumes para criar a
novidade e a sociedade de consumo

É importante não perdermos de vista que todo este movimento acompanha a nova
ordem social: a do conhecimento, da urbanidade, da ciência, do consumo e, mais
tarde, do Humanismo, instaurada com o estabelecimento definitivo do movimento
burguês. A sociedade da busca pelo novo, pelo efêmero, tão discutida por Lipovetsky,
toma forma. O norte da civilização estrutura-se na oferta e na procura pelo novo. É no
mecanismo da busca pela novidade que se delineiam as expressões, as representações,
as manifestações sígnicas do indivíduo e do grupo social (VELHO, 2012).
12 Pós-Universo

saiba mais
O Humanismo foi um movimento intelectual iniciado na Itália, no século
XIV, com o Renascimento e difundido pela Europa, rompendo com a forte
influência da Igreja e do pensamento religioso da Idade Média. O teocentrismo
(Deus como centro de tudo) cede lugar ao antropocentrismo, passando o
homem a ser o centro de interesse. O Humanismo procura o melhor nos
seres humanos e para os seres humanos sem se servir da religião.
A filosofia humanista oferecia novas formas de reflexão sobre as artes, as
ciências e a política, revolucionando o campo cultural e marcando a transição
entre a Idade Média e a Idade Moderna.
Fonte: a autora.

Por um lado, o sujeito passa a se identificar como parte desse novo mundo por meio
das atitudes de consumo, por outro, o incremento do número de produtos no mercado
e a possibilidade de escolha e adequação do gosto individual criam a possibilidade
de a pessoa manifestar sua subjetividade, reforçar o seu Eu.
Para o filósofo francês, esse processo “traduz a emergência da autonomia dos homens
no mundo das aparências; é um signo inaugural da emancipação da individualidade
estética, a abertura do direito à personalização, ainda que evidentemente submetido
aos decretos cambiantes do conjunto coletivo” (LIPOVETSKY, 1989, p. 48). E é a esse
processo que Lipovetsky dá o nome de moda.
A SC lê esse fenômeno dizendo que o efêmero estabeleceu-se como estereotipado,
transformando, para sempre, o consumo em combustível do mecanismo semiótico da
sociedade e dos indivíduos da cultura moderna (VELHO, 2012). Vai proporcionar que
combinemos diferentes elementos disponíveis para consumo para nos diferenciarmos,
para nos mostrarmos ao mundo. Isto é; no mundo da moda, cada um pode escolher
como se vestir para criar significado no mundo, porém o significado das roupas é
criado em um consenso social, é pautado pela cultura.
Na próxima aula, perceberemos como isso se dará na área do vestuário,
especialmente, e conhecer os reflexos deste movimento socioeconômico na área
da produção de roupas. Nós nos veremos por lá.
Pós-Universo 13

Moda e
Vestuário
14 Pós-Universo

Nesta aula, veremos como a questão do vestuário pesará no processo de surgimento


do conceito de moda, como dispositivo estereotipador, como agente de construção
de sentido do indivíduo na sociedade moderna e contemporânea. Vamos lá?
Este trajeto está ilustrado no livro Império do Efêmero, do pensador Lipovetsky
(1989), que lembra que, em meados do século XIX, na terceira fase da Revolução
Industrial, estabeleceu-se, definitivamente, o fenômeno da Modernidade. Assim
como todos os processos de produção, a indústria do vestuário ganha contorno, e
como estímulo a este processo surge o fenômeno da Alta Costura, em 1858, com a
fundação, em Paris, da maison de Charles Frederick Worth.

Figura 4 - Charles Frederick Worth


Fonte: The Red List ([2018], on-line)2.
Pós-Universo 15

atenção
Alta-costura (do francês haute couture) refere-se à criação, em escala artesanal,
de modelos exclusivos feitos sob medida. Originalmente, o termo foi aplicado
ao trabalho realizado pela maison de Charles Frederick Worth, um inglês que
produziu, em Paris, em 1858, o primeiro desfile de moda conhecido, usando
modelos, em vez de cabides, outra novidade na época.
As maisons (do francês casa) são ambientes que produzem alta-costura
e ganham o nome, geralmente, do seu criador, como no caso de Worth.
Até hoje, esses espaços luxuosos fazem girar imensos volumes de dinheiro
e de cobiça. Falo da maison Chanel, Dior, Givenchy, clássicas, e outras
contemporâneas, mas não menos badaladas, como Versace, Valentino e
Armani, nas quais são produzidos vestidos que cobrirão os corpos mais
ricos do mundo.
Fonte: adaptado de Wikipedia ([2018], on-line)3.

Nesse momento, a produção artesanal sai da casa das nobres e burguesas para as
mãos de costureiros de renome que produzem modelos inéditos, gênios artistas
que criam para um grupo de elite. Surgem as grandes casas que vão configurar o
vestuário como um dos signos que sustentarão o conceito de efemeridade do mundo
moderno (VELHO, 2012).
Assume-se o modelo de produção em série, sugerido pela revolução industrial, a
sazonalidade das coleções desenhadas para exibição em grandes desfiles, promovidos
de estação em estação. Todo esse mise en scène fará surgir enorme e poderosa
engrenagem. Depois de exibidas, as criações dos grandes mestres chegam às mãos
da equipe de modelistas e costureiras que passam à execução das encomendas
dos modelos feitas pelas “madames”. Para dar conta desta demanda, aos poucos,
essas organizações vão se transformando em verdadeiros ambientes de produção.
Lipovetesky registra que as grandes casas, como as de Patou, Chanel e Dior, empregavam
1500 pessoas, em média. Isso já nas primeiras décadas do século XX (VELHO, 2012).
16 Pós-Universo

fatos e dados
A era da Alta Costura, no entanto, não influenciou apenas o cenário das
criações e fez surgir as maisons. Durante cerca de um século, período que é
chamado de Moda dos Cem Anos, que vai de 1858 a 1960, a forma de vestir
era, sim, ditada por um grupo seleto de criadores e partiram da maisons.
Neste período, a moda passa a ser mais reconhecida como “coisa de mulher”,
visto que apenas elas dirigiam-se a costureiros para adquirir novas roupas
personalizadas aos seus gostos.
Os vestidos podiam refletir os desejos das clientes pelas cores, detalhes da
costura ou aviamentos, algo que não era permitido aos homens. Estes se
limitavam ao terno escuro, sóbrio e formal. As mudanças relativas ao terno
masculino sempre foram mais lentas e contidas: mudavam alguns cortes,
cores e modelagem, mas a sua estrutura permanece até hoje.
Fonte: adpatado de O Mundo Vestido ([2018], on-line)4.

Figura 5 - Alta Costura passa a ditar a inovação e lançar tendência


Fonte: O Mundo Vestido ([2018], on-line)4.
Pós-Universo 17

As mulheres das classes menos abastadas também se miravam neste referencial, para
garantir sua inserção no ambiente social. “A Alta Costura monopoliza a inovação, lança
a tendência do ano; a confecção e as outras indústrias seguem [e] a moda moderna
[...] torna-se radicalmente monocéfala” (LIPOVETSKY, 1989, p. 70), porém sustentará,
em paralelo, o crescimento e a mecanização da indústria têxtil. A produção em série
de roupas e o aparecimento das lojas de departamentos – que se configuram desde
1820, na Inglaterra e na França – desenvolvem-se no mesmo ritmo das coleções das
grandes casas e como os shapes propostos pelos altos costureiros.
Outro momento de destaque da moda no cenário da construção da sociedade
do efêmero dá-se quando a era moderna abre-se à contemporaneidade. Sustentado
pelas modificações tecnológicas surgidas com o fim da II Guerra Mundial, o prêt-à-
porter – ou pronto para vestir – estrutura-se. As organizações vão “copiar” o modelo
de produção iniciado pela Alta Costura e uni-lo a uma estratégia que dará conta da
urgência da vida no pós-guerra (VELHO, 2012).

Foto 6 - O prêt-à-porter é o marco da moda consumada, o pronto para vestir


Fonte: Audaces (2015, on-line)5.
18 Pós-Universo

Sob o aspecto social, o conflito muda a relação das pessoas com o mundo, com o
outro. A concretização da ameaça nuclear instaura nova ordem política, de polos e de
constante incerteza e desconfiança. Por outro lado, as nações precisam se reconstruir
economicamente. Colocam, então, na linha de desenvolvimento produtos que chegam
recheados de novidades, frutos de inúmeras pesquisas científicas realizadas nos anos
de guerra, com vistas à vitória no front (LIPOVETSKY, 1989, p. 115).
O reflexo disso é que chega ao fim a Moda dos Cem Anos, e surgem as grifes, as
marcas e seus conceitos. Abre-se no mercado um leque grande de produtos que vai
sustentar a hipermodernidade, na qual tudo é novo, prático, da mais alta tecnologia.
Esses objetos vão “rechear” o mundo de futuro incerto, em que é fundamental o
prazer do consumo momentâneo, lúdico e individual. Lipovetsky chama o prêt-
à-poter de moda aberta. Neste modelo, elementos diversos são produzidos para
serem combinados “à moda do freguês”. Em vez do gosto do estilista, o que passa a
ser importante é a “verdade”, o gosto do cidadão (VELHO, 2012).
São disponibilizadas peças individuais em coleções de custo baixo. Essas
peças podiam (e podem) ser adquiridas de forma isolada e serem elementos de
combinações de diferentes pessoas, fazendo com que os looks se tornassem cada
vez mais individualizados. Uma saia vendida por uma loja passou a ser combinada
com a blusa de outra empresa, e o sapato de uma terceira. Esse hábito tornou-se
comum entre os consumidores da área do vestuário.
Pós-Universo 19

saiba mais
A Moda dos Cem Anos também foi a primeira fase da moda moderna.
Ela será o gatilho que vai mudar o layout da roupa junto com os sistemas
de produção e difusão, que se tornam mais democráticos. Esse período
dividiu a expressão de moda em dois horizontes paralelos: a Alta Costura
e a confecção industrial - criação de luxo e sob medida, e, por outro, pela
produção em massa, em série e barata, o prêt-à-porter . O luxo permaneceu
na Alta Costura, que monopoliza a inovação, lança a tendência do ano,
enquanto a confecção e as outras indústrias a seguem, inspirando-se nela
e vendendo a preços incomparáveis.
O universo de criação e produção é centralizado em Paris, e a indústria
da confecção em Londres é o lugar da indústria da confecção, centro da
emergente e pequena moda masculina.
Fonte: Valéria Brandini (2009, on-line)6.

Esse processo vai ampliar de forma implacável a possibilidade de acesso aos produtos
de vestuário e modificar a maneira como lidamos com os produtos de moda. Fica
mais claro, agora, a moda como expressão pessoal e social? Mas vamos aprofundar,
pois esse é tema da próxima aula. Até lá!
20 Pós-Universo

Moda e
Linguagem
Pós-Universo 21

Estamos de volta para mostrar como os itens do vestuário e do nosso dia a dia se
tornaram a forma cada vez mais forte para nos expressarmos em sociedade. Esse é
o tema da aula de hoje.
Para Lipovetsky (1989), o movimento do prêt-à-poter é um dos elementos que
vai batizar de moda consumada: a extensão do processo da moda a instâncias cada
vez mais vastas da vida. Fortalece-se o que se chama de sociedade de consumo,
uma generalização do processo de moda. Produz-se muito, valorizando o efêmero.
Os objetos vão sendo substituídos com frequência, porque suprem cada vez novas
necessidades, que são criadas pela sociedade que se expressa por meio do consumo
(VELHO, 2012).
Há, na verdade, a fragmentação de significados e a individualização do gosto
e da formação de sentido por meio do vestuário, do carro, dos cremes, da comida,
enfim, do que se consome. “A mercadoria sai da fase de massificação e entra na era da
personalização. Há sempre um produto certo para cada função e tipo de profissional,
pessoal. Vende-se desempenho, qualidade. Vende-se, além do design, conceito.
Cria-se o indivíduo-moda, sem apego profundo, móvel, de personalidade e de gostos
flutuantes” (LIPOVETSKY, 1989, p. 177-178-182), que se apropria desse conceito.

Figura 7 - O mundo do consumo se multiplicou


22 Pós-Universo

fatos e dados
Desde que o homem foi capaz de pensar e de falar, empregou palavras
(símbolos) para designar os objetos à sua volta e para traduzir os pensamentos
formulados sobre eles. Isto é, denominou esses objetos e criou conceito
sobre eles, dando-lhes atributos, características específicas. Este modo de
conquistar o universo desenvolveu-se de maneira parecida àquela pela
qual as crianças aprendem a língua, com uma diferença: as palavras e
suas definições não estavam de antemão preparados e fixados, houve a
necessidade de construí-los.
Da mesma maneira que denominamos e descrevemos as coisas à nossa
volta, também criamos atributos específicos para uma empresa. Não são
só atributos palpáveis, mas os valores que essa empresa encerra em seus
produtos e na sua filosofia, que são construídos lentamente. Assim, o conceito
de uma empresa traduz os atributos dela: suas características e o significado
social das suas atividades e produtos.
Fonte: a autora.

Nesse processo, a informação também ganha caráter de mercadoria. É por meio de


ações de comunicação que se leva ao consumidor o conceito, o sentido, o significado
não só da engrenagem social, mas de cada produto. Há a valorização do discurso
publicitário que entra como ferramenta mediadora dos processos de produção/
desejo/informação/compra, mas também media nossa inserção no ambiente social
(VELHO, 2012).
Vestimos camisetas estampadas de slogans (lembra a letra da música dos
Engenheiros do Hawaii, que vimos na Unidade 1?), chapéus, boinas, botas, echarpes,
cheios de significado. No show da mídia, seja ela dos meios de comunicação seja
nosso próprio corpo, oferecer informação é fundamental. É ela que possibilita a
construção do sujeito, ela é o grande agente no processo de construção de sentido
das sociedades contemporâneas. Os rastros que deixamos pelo mundo estão, enfim,
cada vez mais ligados ao que consumimos (VELHO, 2012).
Pós-Universo 23

Figura 8 - Multiplicam-se os produtos e os desejos

atenção
A relação do corpo com a realidade da moda é tema que vem levantando
muitas discussões na área da semiótica. Há um trabalho muito interessante
que reflete sobre esta questão. Segundo os pesquisadores Clarisse Gomes e
Tarcísio D’Almeida (2012), nosso corpo esteve por muito tempo negligenciado
por questões culturais e, de repente, ganha destaque porque é suporte de
nossa relação com o mundo. Para entender o porquê de a dupla debruçar-
se numa pesquisa entre o corpo, a tecnologia e o consumo, eles têm a ajuda
de semioticistas de renome, como Lúcia Santaella e Helena Katz, ambas
citadas no texto, e que vão refletir sobre a aplicabilidade no entendimento
contemporâneo do corpo o campo da moda.
Fonte: a autora.
24 Pós-Universo

Todo esse processo faz surgir a “desfidelização ideológica”, um modo de pensar único,
segundo Lipovetsky (1989). Porém, o pensador francês lembra que é a diferença, o
espaço de diferenciação entre os indivíduos que vai sustentar nossa sociedade. A
capacidade de escolha de significados, por meio do consumo, vai propor a sensação
de que somos donos de nossas ideias e lutamos no cotidiano para mostrá-las aos
outros. Fazemos isso, por meio do que consumimos, do que apresentamos, por meio
do significado social dos signos que nos apropriamos.

““
[...] longe de remeter a uma lógica individual do desejo, o consumo repousa
sobre uma lógica do tributo e da distinção social. [...] jamais se consome um
objeto por ele mesmo ou por seu valor de uso, mas em razão de seu ‘valor
de troca signo’, isto é, em razão do prestígio, do status, da posição social que
confere (LIPOVETSKY, 2006, p. 171).

Volta-se, aqui, a registrar a proposta de Lipovestsky, mola propulsora das discussões


que tivemos até aqui: a moda não é o objeto da efemeridade. A efemeridade é que
é a mola da sociedade contemporânea, seu dispositivo estereotipador, nas palavras
da Semiótica da Cultura. A moda apresenta-se como ferramenta da engrenagem
social do mundo moderno e hipermoderno, propicia o reconhecimento do sujeito
enquanto parte do seu meio, permitindo-lhe a expressão da individualidade, associada
a uma subjetividade dirigida à realidade que o cerca (VELHO, 2012).
A moda é, enfim, a estratégia que possibilita a expressão do indivíduo neste
modelo de organização social, neste modelo de cultura, neste universo sígnico, na
semiosfera contemporânea.
Pós-Universo 25

Figura 9 - Diferentes produtos apontam para diferentes individualidades

atenção
Lembra-se do que é semiosfera? É o espaço semiótico que disponibiliza
a interação e a produção de significados. Funciona como a biosfera,
aquele ambiente com características específicas e para dar condições à
vida biológica. A semiosfera viabiliza nossa vida na cultura. A semiosfera é,
então, um ambiente com elementos (códigos culturais) disponíveis a serem
acessados e combinados para criarmos nossas representações de todos os
tipos, entre eles, a gastronomia, a moda, a arte, os sistemas de signos que
vão dar suporte à reprodução e à manutenção da cultura.
Fonte: a autora.
26 Pós-Universo

A moda é um processo socioeconômico, que nasce nas camadas menos influentes


da população, a partir do fim da Idade Média. A lógica das tradições é derrubada, o
que vai trazer novos valores para sustentar a produção de sentido, e os indivíduos
são atingidos pelos valores da sociedade ocidental, que nascem ligados à economia
baseada no consumo.
Hoje, em um sistema consumado da moda, a sociedade vê-se fluida, embebida
na aventura da busca pelo novo, seguindo o lema: consumo, logo existo. Arrisco,
aqui, a apontar que o processo da moda – não só do vestuário – é a ideologia mais
significativa da vida contemporânea e sua mais clara linguagem. Isso porque dá
conta de mediar as representações de uma sociedade que se construiu com o foco
para o novo, o efêmero.
Dentre os sistemas modelizantes propostos pela Semiótica da Cultura, o que
de forma mais evidente expressa a alma deste momento histórico é o da lógica do
consumo. Talvez o indivíduo venha encontrando, no seu cotidiano, a única forma efetiva
de manifestação que é a própria moda; isto é, a urgência de se mostrar incorporado
ao ambiente social leva-o ao consumo, e essa atitude constrói, em seu cotidiano,
mais que um patrimônio material, confere seu próprio sentido no mundo. A moda
é sua linguagem.
atividades de estudo

1. A dinâmica da Alta Costura é transformada com o surgimento de outro modelo de


criação e divulgação das coleções. Você sabe qual é? Escolha, entre as alternativas
a seguir, a resposta a esse desafio:

a) A inserção no ambiente social.


b) O monopólio da inovação.
c) O prêt-à-porter - ou pronto para vestir.
d) O pós-guerra.
e) As tendências do ano e a confecção.

2. O surgimento do fenômeno da moda ganha seus primeiros contornos no final do


século XIV. Socialmente, há a ruptura que vai modificar as relações das pessoas com as
outras e com as coisas. O que é a base desta transformação? Assinale a alternativa
correta:

a) Surge em consequência das características da natureza humana que sempre


demonstrou gosto pelas novidades.
b) É estimulada pelo gosto das pessoas em relação ao adorno e pela distinção.
c) Acontece por uma ruptura com a forma de socialização que estava lastreada na
tradição e passa a ser baseada no novo.
d) Nesse momento, desfaz-se o culto às novidades, assim como a imitação dos
modelos presentes e estrangeiros.
e) O processo dá-se devido à recusa pela relação com os inovadores contemporâneos
e a volta à contemplação do que possuíam os nossos.
atividades de estudo

3. Vimos, na Aula 1, que a engrenagem da moda surge a partir de um novo ambiente


cultural, que passou a aceitar a possibilidade da mobilidade social. Escolha, entre as
alternativas seguintes, aquela que não explica o cenário descrito pela sentença
anterior:

a) O acesso aos bens culturais que surgiam naquele período instaurou o embrião
da sociedade de consumo, de um povo que não era mais servo, era empregado.
b) Por meio da apropriação dos objetos, dos bens culturais, do acesso às referências
do novo modelo de vida, os indivíduos passaram a organizar-se e se mostrar à
sociedade, a partir do que consumiam.
c) Vestindo-se e consumindo da mesma forma que os nobres, o indivíduo reforçava
a sua posição de servo.
d) Lipovetsky lembra que entre as primeiras mercadorias disponíveis neste novo
cenário estão os elementos do vestuário.
e) Os burgueses foram inserindo diferenciações pequenas aos costumes e às
novidades, fazendo com que a roupa se transformasse num dos primeiros objetos
de expressão da liberdade dos sujeitos.
resumo

O surgimento do fenômeno da moda ganha seus primeiros contornos no final do século XIV.
Socialmente, há uma ruptura que vai modificar as relações das pessoas com as outras e com as
coisas. A base desta transformação é a ruptura com a forma de socialização que estava lastreada
na tradição e passa a ser baseada no novo, surge o interesse pela relação com os inovadores
contemporâneos em detrimento dos valores, das crenças e dos hábitos que possuíam os nossos
ancestrais.

Esse movimento vai redundar na possibilidade da mobilidade social. O acesso aos bens culturais
que surgiam naquele período instaurou o embrião da sociedade de consumo, de um povo que não
era mais servo. Por meio da apropriação dos objetos, dos bens culturais, do acesso às referências
do novo modelo de vida, os indivíduos passam a organizar sua vida e mostrar-se à sociedade, a
partir do que consumem.

A conformação da moda como processo definitivo dá-se na metade do século XIX. A indústria
do vestuário cresce e surge o fenômeno da Alta Costura, em 1858, com a fundação, em Paris,
da maison de Worth. A produção artesanal sai da casa das nobres e burguesas para as mãos de
costureiros de renome, que produzem modelos inéditos. O vestuário conhece o modelo de
produção em série, sugerido pela revolução industrial e a sazonalidade surge como regra para o
lançamento das coleções desenhadas para exibição em grandes desfiles.

A dinâmica da Alta Costura é transformada com o surgimento de outro modelo de criação e


divulgação das coleções: o prêt-à-porter - ou pronto para vestir, que vai possibilitar ao indivíduo
a escolha da sua vestimenta a partir da oferta de um enorme volume de produtos e shapes.

Assim, surge, definitivamente, a moda como linguagem, porque esta se torna a estratégia que
possibilita a expressão do indivíduo na cultura. Consumo, logo existo!
referências

GOMES, C.; D’ALMEIDA, T. Corpo, Tecnologia e Consumo: por uma compreensão a partir da moda.
In: COLÓQUIO DE MODA, 8., 2012, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Senai Cetiqt, 17 a 20 de
setembro de 2012. p. 1-16.

LIPOVETSKY, G.; ROUX, E. O luxo eterno: idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.

______. O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.

VELHO, A. P. M. O Fenômeno Semiótico da Moda: uma leitura sob o viés da Escola de Tártu-Moscou.
Iara: Revista de Moda, Cultura e Arte, v. 5, p. 150-163, 2012.

REFERÊNCIAS ON-LINE

1
Em: <http://www.historiadigital.org/resumos/resumo-invasoes-e-reinos-barbaros/>. Acesso em:
13 abr. 2018.

2
Em: <http://theredlist.com/wiki-2-23-1249-1250-view-before-1900-profile-charles-frederick-
worth-4.html>. Acesso em: 13 abr. 2018.

3
Em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Alta-costura>. Acesso em: 13 abr. 2018.

4
Em: <https://omundovestido.wordpress.com/tag/lipovetsky/>. Acesso em: 13 abr. 2018.

5
Em: <http://www.audaces.com/o-que-e-pret-a-porter/>. Acesso em: 13 abr. 2018.

6
Em: <http://www.revistas.usp.br/signosdoconsumo/article/view/42766/46420>. Acesso em: 13
abr. 2018.
resolução de exercícios

1. c) O prêt-à-porter - ou pronto para vestir.

2. c) Acontece por uma ruptura com a forma de socialização que estava lastreada na
tradição e passa a ser baseada no novo.

3. c) Vestindo-se e consumindo da mesma forma que os nobres, o indivíduo reforçava


a sua posição de servo.

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