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o mundo de lonesco
EUGENE IONESCO
Tradução de Delson de Almeida
A SOCIEDADE que procurei pi nt ar em " A C ant or a Car eca" é uma soc iedad e perf eita ,
quero di zer o-nde todos os prob lemas sociais est ão .r éso lvidos . Inf elizment e est a não
é a real i dade. A peç a .t ratà de um mun do onde os pr obl em as econôm icos são co i-
sas do passado, um univ er so sem mi st ério, no qual tudo corre cal mame nte, pelo meno s
para uma parte da hum anidade. Não há dúvida de que êste é o mundo de amanh ã. ' N a
Améri ca, Rús sia , China , Áfri ca e etc. , a fronteira da c iênc ia e industrialização deve fin al-
m ente ati ng ir uma es tabilid ade e sat isfação soc ial.
E m " A C ant or a Car eca", que é uma peça co mpletamente irrea l,
o nde sob ret udo me interessei mai s em reso lver simpl esme nte problemas -t eat rais, algumas
pes soa s t êm vi sto uma sát ir a à so ci edade burg uesa, uma crítica à vida na Ingl at erra e ou-
tras coisa s mais . N a ver dade , se é criti ca de algu ma co isa, deve ser de tô das as soci e-
dades , de tôdas as lin guagen s, de todo lugar-comum - uma paródia do comportamento
humano e, por consegu inte, do t eat ro t ambém. E stou pensan do t anto no te atro co merc ia l
c om o no teat ro de Brecht. P or outro lado, acr edi to que ' é jus t amente quand o vemo s o
últim o dos pr oblemas econômicos e luta s de c lasses ( se pos so apro vei ta r-m e de um do s
mais cruciantes luga res-co mun s de nossa era) é que veremo s também que ist o nad a re-
solve, na verd ade nos sos pr ob lemas estã o apenas co meça ndo .
Não podemos mais evi t ar de pergun t ar-no s o que estam os fa zendo
aq ui na t erra , e como, não ten do um profundo conhe cim ento de nosso destino, podemos
suportar o pêso esm agador do mundo material.
Ês te é o " ete r no pro blem a" se alg um dia ex is t iu um, porqu e
vi ver s ig nifica alie nação . Ou tros problema s, mesmo aq uêles do teat ro Brech t iano, s õme n-
t e confu nde m o verdadeiro sig nificad o da alien açã o - send o êste o t ema de B rec ht.
Q uan do não há mais ín cent iv o par a se ser m au e todos são bo ns , o que fa remo s com
noss a bo nda de, ou nossa não-p er icul osid ade , no ssa não-vo racidade , ou nossa derra deira neu-
tralid ad e? Os person agens em " A Cantora Careca" não t êm ódi os nem desejos con scien-
tes ; êl es estão saturad os. Mas aquêles que são inconscientemente alien ados nem mesmo
sabem que est ão satu rados . Ê les tê m a vaga sensação e daí a exp losão f inal - qu e é intei ra-
mente in útil, porq uanto os per son agens e situ açõe s são amb os estát ico s e im ut áveis e tudo
t ermi na o nde começo u.
N a minha peça t rat ei o proble ma côm icamente, po rq ue o drama
hum ano é tão abs urdo qua nt o doloros o. A segunda par te de " O Novo Inqui lino" é tal vez
menos côm ic a, ou talvez não , dependendo do diretor. De qualquer modo, tudo é a me s-
ma c&,isa: comi cidade e tragicidade são simpl esm ente dois . asp ectos de situação idêntica.
. O mundo não met af ísi co de hoje tem . destruíd o ,todo ' mis tério; e
o cham ado "teat ro ci entíf ico " , o te at ro de politicas e propag and a, antipoé tico e aca dê mic o,
te m depri mid o a humani dade, ali enando a ins ondável terceir a dimenção que . fa z um ho-
mem comp let o. O t eat ro de ideo logias e t eses,. pr opon do so luções políti cas pretend endo
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salvar a humanidade , na verda de não salvam ningu ém.
Não desejo sal var a hum anidade - desej ar salv á-Ia é mat á-Ia -
e não há soluç ões. Ter a consciê nci a di sto é a única solu ção saud ável.
Alguns t êm comparado Brecht a Shakespeare , o que me parec e
pura loucura. Neste momento, na Franç a, há diversos autores muito mais importantes do
que Brecht - entre os quais Gh elderode, Beckett, Jean Genet, Vauthie r e mesmo o
Sart re de " E nt re Quatro Paredes" - porque êles interrogam o estado completo do ho-
mem e nos oferec em prov as ' concretas de que o hom em é mais do que um s imples
anima l soc ial; os grandes auto res são t rág icos e todo gran de dram a é insuportáv el. Qu and o
R ic ardo II é assassi nado em sua ce la, vejo a morte de to dos os re is na t erra, te ste mu-
nho a agon izantes pr ofa nação e ruína de t odos os valores e civi li zaç ões . E stá além do
nosso contrôle e, ent retant o, é verda dei ro. Eu própr io me consid ero um R ei morib un do .
N ão há alter nat ivas; se o hom em é t rági co, êle é r idíc ulo e ato rmen t ado, cômi co na rea-
l ida de e, revelando o seu ab sur do, pod e-se executar uma espéc ie de tragé dia . N a verdade
penso que o hom em deve ser ou inf eliz (metaflsi camente in f eliz) ou es t úpido. Freq üente-
mente pr efiro escrever peças sôbre coi sa al g uma , do que sôbre problemas secundár ios
(social , pol ítico, sexual , et c.). Não há aç ão em " A Cantora Car eca" , simp lesm ente o
mec an ismo tea tral f unci onando num vazio. M ost ra um efê mero aut om ati sm o t ransform ado
em peda ços e reunidos em uma ord em incorreta, tanto quanto homens automáticos fa -
lando e se comportando mecânicam ent e, e ass im il ustra cômicamente o vazio de um
mundo sem met afísicas e uma humanidade sem problemas.
Em " A s Cade iras " procurei tratar mais diretam ente com os temas
que me obce cam ; com o vazio, com a fru stração , co m êst e mundo , ao me sm o te mpo ve- .
loz e cr ucian te , com o desespêro e a morte. Os perso nagens que usei não são completam ente
côn sci os de seu desenra izamento esp ir it ual , mas o sent em .i nst i nt iva e emocio nal mente.
S entem-se perdid os no mundo, alg o está faltan do que , par a seu pesa r, êles não podem suprir .
. Por " direta mente" quero dize r de acô rdo com as regras da co ns-
tru ção trági ca ( ou côm ica e trág ica ao mes mo t em po) - mas usa ndo o que posso cham ar
de t eatro puro , que não prog ri de através de uma trama e assu nt os pre det er mi nados , mas
at ravés de um i nt enso cr esc ime nto e reveland o fas es de est ados emoci onais . A ssim sen-
do te ntei dar à peça a f or ma cl ássi ca. A credi to que a f ina lidade da " avant -garde" deveri a
ser redescobrir - não inventa r - no seu ma is puro est ado, as formas perm anentes e
os ideais esquecidos do teatro . Dev emos desviar-nos dos lugares-comuns e nos livra r de
um tradicionalismo obstinado, devemos redescobrir a única tradição verdadeira e viva .
N ão me gabo de ter sido bem suced ido nisto, mas outros o serão e mostrarão que t ôda
verdade e t ôda realidade é cl ássi ca e eterna.
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Conversando
sôbre
Shakespeare
'T EMOS FOCALIZADO, em " Cam inhos da Cultura " , quase que excl usivamente
aut ores con tempo râneos. Hoje,' por ém , analisa mos pela pr ime ir a vez, um " autor c lás-
sic o", g raças à oportun id ade que t ivemos de c onversar com um erud ito , espec ia lizado
em Sha kespe ar e, que est eve recent emente entre nós. Trata-se do profess or JAMES MAC-
MANAWAY , da Sh akespe are Assoc iation of America e da Folger Sha kesp eare Library, de
Washington . Convidado por iniciativa do D epartamento de Inglês da Faculdade de Filo-
sofia, sob os auspícios da ' Un iversid ade do Bra sil e do Departamento de Es t ado Ameri -
cano, o- professor Macm anaway pronunciou perante numeroso público reunido na sede da
Un iversid ad e, uma ' sér ie de co nfe rênc ias sôbre a o bra e a per sonali dade de WILLIAM
SHAKESPEARE .
Durante um curto in tervalo entre uma preleção e outra, pudemos
trocar idéi as com êste" S hakespeare S cholar" e conhecer al g uns de seus pontos de
vista a res peito dessa f igura magna de t ôda a liter atura ocident ai. ' N otamos que o pro -
fessor que nos visi tou mostrou g rand e reserva pera nte as tent at ivas ma is recentes de
encarar sob ângu los novos o mundo da dramatu rg ia shakespe ar eana e rel utou em aceitar
inter pre taç ões novas de certas inten ções de sua obra. O profes sor M acm anaway é bas-
tante conservador no to cante ao po eta de Stratford, do qual mantém uma imagem quase
ideal, como ver ificam os no decurso da nossa brevíss ima entrevista . No ent ant o, ser á
melho r conhecerm os su as idéias , expres sas por suas palavras:
- Prof esso r M acm anaway: c om o o senhor co mp reenderá f àci lm ente,
num a cur t a ent revist a a ser publ icada por um matutino de grand e c ir cu lação , não podemos
abordar aspectos demas iado detalhados da obra de Sh akespeare. D evemos, portanto, li-
mitar-nos a perguntas genéri cas , que pos sam in teress ar a um número maior de leitores ,
dei xando os te mas ma is eruditos par a as revis tas especi ali zadas como a " S hakespeare
Qu at er ly " , da q ual o senh or é um dos red atores . P erdoe -nos por tanto , a su perfic ia lida de
de nos sas pergunt as e perm it a-m e formul ar a pr imeira: De modo geral , nos países que
não se f ala a hng ua ingl êsa - nos qua is, naturalmente, Sha kespea re con stitui um valor
cultural vivo , lido e representado . constantemente - at é pessoas cultas ref er em-se às vê-
zes a um a rep r esentação de Sh akesp eare com certa apr eensã o: é um " c láss ic o", ire mos
aborrecer-nos dur ante a peça? Outros, hostis a tudo que não se t enha produzi do neste
sécu lo, dão de omb ros e exc lam am : o que te rá Sh akesp eare ,para nos dizer? Ê le morreu
há quase 4 0 0 anos... O senhor, na qualid ade de er udi to em ass untos eli zabeta nos, pode -
rá res ponder- nos at é que po nto Slí akespe are é atua l'P. As gerações presentes, da era at ô-
mi ca e de vôos interplanetários, pod erão apreender o conteúdo das suas obras , como as
gerações anteriores?
.:.-- 'S hakespeare vem sendo represe nt ado atua lmen te em t odo
mund o. Agora mais do q ue nunc a, se suc edem as per formances de suas peças em t odos
os países . Há um interêsse viví ss imo por êle. P or quê? Porque sendo um aut or cl ássi-
co , êle di fere essenci almente dos outros autores modernos , que vêem a vid a
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sob um pr isma pessoal, realist a, descrevend o a vi da co rr iq ueira , de todos os dias. Sh a-
kespe are , ao co nt rári o, segu indo a tradição c lássica, pro põe-se a relatar uma hist ór ia, a
hist ória de um grande perso nagem, most ra nd o o decurso da açã o, qual o êrr o fund amen-
ta i por êle comet ido ou quais os fatôres do De sti no inexoráve l que det erminam a sua
queda e a sua morte. A s obras cl áss icas elevam os es pecta dores aci ma do nível estreito
das suas lides di ári as, de sua s al egrias , preocupações e mis érias cot idianas , reveland o-n os
uma ima ge m da gran deza hum ana em seus mom ent os supre mos . Co mo nas t ragé dias gr e-
gas , o R ei L ear comete tol ices ( does fool is h th ing s) , cegado pelo poder e imped ido de
reconhecer a verdade objetivame nte . V emos po rtanto o choque de duas pai xões : a arnbi -
ção desmesurada das fil has e a vaid ade extrema do R ei. D urante o desenrol ar da t ra g é-
di a, o R ei L ear apre nde pela pri meira vez, a se nti r piedade pelo sofrimento alheio, depois
de sofrer, êle próp rio, na ca rne e no espírito . A sua grandeza co nsiste em pode r elevar·
se' ac ima de sua próp r ia tra gédia pessoa l e transcender as suas li mit aç ões hum anas.
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DA VOCAÇÃO
(C A RT A A UMA JOVEM)
LOUIS JOUVET
Tradução de Ce 5 a r To z z i
Senhorita:
D izeis-me: sou uma desco nh ecida para vós.
N ad a de desc ulpas, é êste o esta do idea l para se cr iar em re lações
humanas: es sa sol idão ju stifica nossa prof issão.
Interrogan do-m e sôbre vossa vo caçã o, o emb ara ço em mim provocado
não ,é menor do que aqu êle em que vos encontrais. Quereis pedir con selho . a um " verda-
deiro art ist a" . N ão est ou ce rto de sê-lo. T ão só me . esforço par a ser um com ed iante .
H á mu ito niss o me emp enho e a apro vação do públi co,' conq uanto persuasi va, não dá 'a
mim gar ant ia de que eu seja um " verdadeir o comediante".
Noss a pro fissão , não d olv ideis, não passa de um disf arc e do que
somos. É o t ri unfo do lôgro. O utro dia, uma senhora a quem dirigia eu cumprim entos
banais , disse-me em tom afoito , ' esqu ecendo-se, sem dúvid a, de minh a ocup ação: «Oh! o
senh or não est á send o sincer o, faz com édi a!» Qu edei-m e um pouco mortif icad o, de s úbito
pr ivado de eloqüê nc ia. O carro pr ossegu ia sua ma rcha, a co nver sa am aino u, fi quei olhan-
do a paisage m. Is so levou-me a pensar num quadro que, por seu tu rno, me fez reco rdar
de um amigo que é pintor. L embrei-m e de uma anedo ta.
Um menino espi a um pintor, sentado diante de seu cavalete, palh eta
na mão. O pincel , diligent e, vaie vem , da palheta à tel a e vi ce-ver sa. Tudo se . mos t ra
inf or me, na co nfusã o aind a de um prim eiro esb ôço, quando as côres derra madas sô bre
a palheta e sôbre a pin tura par ecem per mutar-se. A criança ac om panha os gest os co m
curiosi dade cr escent e, com o se segui sse uma br incadeira . Ap ós lo ngo perí od o de ate nçã o,
apon tand o suces sivam ente a palhe ta e a t ela e unindo a palavra ao gest o, indaga êle:
«Por f avor , senhor, é com "i st o" que o senhor fa z " ist o" , ou 'é com " ist o" que o se nhor
faz " isto"?»
S egundo me escrevei s, disp ond es de um " desejo ar dente", de uma
sen sibi lid ad e plena de mati zes e de um físic o q ue julg ais, co m po uco sin cera mod ést ia,
" passável".
Portanto , é com " ist o" que pr et endeis f azer " ist o", qual seja:
Satisfazer vossa neces sid ade perm anente de evasão e encarnação.
Compor, ca da dia , ind ividualid ade nova,
C essar de ser vós mesma.
Nã o ter uma vid a única, senão múlti plas outras.
Cri ar per son ag ens sempre diver sos , co nferi nd o-l hes person al id ade in-
ten sa e viv a, fa zê-los se nti r, amar , od iar , sempre de maneira outra.
«P oder rir, dizei s-me, concluindo, os risos de vossos personagens ,
sofrer-lhe s os sofri mento s, as lágrim as, no f ito de comu nica r aos esp ect ad or es, tão pr o-
fundame nte quan to em vós o sent ís , a mes ma f elic idade ou o mesm o des es pêro. »
Nã o é a primeir a vez que ouço , nem que leio tais prop ósitos. E coa m
em mi m, .pois os possuí ante s de vós .
É t ão prazeiroso comover -se!
Entretanto , permiti -me diz ê-lo , vossa " s incer idade" não é ainda outra '
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coisa que pretensão, aplauso ou complacênc ia de vós mesma, aspiração da ,apr ovação
alheia. Vossa "sinceridade" , por ora , não é senão te ndência, gôsto em vos enga narde s,
do que são dotados , igualmente, especta do res, comed ia ntes e auto res .
" Ela" , esta Sin cer idade, é que nos reune, nos organ iza a to do s
para em pree nder mos essa " busca do lôgro" , es sa tentativa da aventu ra incom preensível
da "pos se e esbul ho de si mesmo" , que é o te at ro.
U m dos segredos da ca rreira de come dia nte e, outro ss im, do
verdadeiro es pectador cons iste em despojar-se essa sinceridade: o que é para ser co nsu-
ma do sem egoismo.
Não se co nquista a personalidade senão à fôrça de imperso nalidade.
P erg untais-m e: qual o vosso co nselho?
Imag inai meu emba raço!
O uço vossa r épli ca: «Mas, se sois comediante , como descobristes
vossa vocação ?»
Nã o se fale de vocaçã o quant o a comediantes. S ó os poetas ,
excl usi vament e, a possuem.
A vo cação é par a nós uma mi stu ra po r demais duvidosa de tô da
es péc ie de sentim entos de mod o al g um nobres 't odos êles, lo nge disso. N ão acredito
t ão pouc o em pure za de vocação, mesm o de ' sant os. Vocação é result ad o. Provém de
gost os, amb içõ es, desejo s t ão pouco puro s porque se ma nifes ta m em id ade de tudo que
é apet ite, quando ai nda em verda de não po demo s julgar de nossa ca rrei ra, nem de nós
me smos. Voca ção não resulta senão da prát ica. A pós nume rosos anos de car reira, apó s
seus sof ri ment os, suas dece pções, medi das as im pr evi sívei s dificuldades, é que se af ir ma,
se preci sa uma dec isão que então se poderá nomear vocação . Não passa de esco lha
persistente. R ecomp ensas verda deiras por ela propi c iadas são interiores tôdas e bem tar dias.
Qua nto a mim, ver dadeiramente não vos saberei dize r como te nho
feito t eat ro. Não está assinalado em minha infâ ncia . Não houve predesti nação . D eparei-
me um dia no teatro , numa sala, em seguida, num palco: disso me assombro ainda , o
que de modo al gum me aflige, antes me agrada e satisfaz. Assomb ra r-se é o que há de
mais estimável, mais ditoso fia vida. C on sciênc ia do que se desejou e cometeu, advindo
do fundo de nós : é isso viver. R esta o aban dono a êsses sentimentos, acei tação da con-
seqüência dêsses, fide lida de a êles . Consiste a liberdade na aceitação do destino , no
dóci l c umprimento das exigênc ias de uma car reira. /
A deus, Senhor ita, decidi -vos, agi, acompanham-vos os meus vot os.
P ossai s 'viver no acôrdo com vossos desejos, no assombro de vós mesma e, se é vossa
a aleg ria em fazer teatro , sem pre vos des lumb re is com vossos personagens.
J . L. Barrault
S
E E XISTE par a o artista , qual seja êle , mom ento s de eufori a, de entus iasmo , de
embriag uez mesmo , há tam bém , e co mumen t e, dur os mom entos de per t ur bações , de
inq ui etudes , de angú st ia e de desespêro .
• ' " O est udo do belo é um duelo no qual o art ista c r ia terror antes
de ser venc ido», di sse Beaudelaire na " C onf issão do Artista".
Todos os art istas, sejam êles pintores, músicos, escultores, poet as,
conhecem e aprendemêst es momentos de depressão, êsses bruscos momentos de inverno
ou melhor essas vertigens durante as quais o solo parece desap arecer.
É Ingres chorando de desesp êro, em pro fundos so luços , diante
de sua tela .
Êste desesp êro , t odos o ' sente m, estou bem certo, mas nem todos
o demon stra m. En tã o, c hega- se ao desgôs to de si me sm o.
T ais mo men t os de dep ressã o me tê m fei t o, a miúd e, pensar em
um m ot or q ue não est ivesse em br eado. Em ta is moment os de dép r ess ão o art ista t arn -
bé m se af oga ; é afoga do pelo fog o.
. C re io que só ' a disper são pode fazer nascer tais est ado s - mai s
f'àc ilmen t e a dispersão pela ocio sid ade que pelo excesso de trabalho.
Ora, se há uma arte que se ac he expo sta a êste peri g o, é o teatro .
O caso de um pi nto r é s imples . Ê le está só , so li tár io em seu
at eli er, di ante de sua t ela e de sua palh et a, não te ndo de cuid ar senão de si mesm o (o
que não é nada , reco nheço-o).
O cas o de um poeta é ainda mais simp les. Ê le est á mais que
só , arqui-so.
M as o caso do tea tro parece um desafi o à A rt e; s im , um perigoso
desaf io à Arte. E sta cena que faz lembrar uma pr aça púb lica onde se encontra m tôdas as
artes, cada uma pro curando se des tac ar, e t endo como obj etivo um f ut uro pr óximo e ir re-
mediá vel que só tom ar á sua verd adeira form a di ant e de uma assembl éia bem mais con si-
derável : o P úblico.
Isto parece provocação, heresia.
A Arte, a pr ior i, implica o in dividual e não o coletivo. O fam ~so
exemp lo das catedrais não é just o. Lá. tal capi tel é co nf iado a t al in divíduo, que por si
só , como mestre da obra, o compõe ; mas , como seria mau , um capitel ou um baixo re-
lêvo que f ôsse con fia do às im ag in ações múlt iplas e cont radi tórias de vários esc ultores ao
mesmo te mpo . Que fraude! Que co nf usão!
Po dei s ima gina r vários amante s apa ix onados , ama ndo ao me sm o
t empo a mesma mulh ér? Todo s juntos , perd ido s de am or, ao mesmo t em po , em tôrn o
des ta mulh er. Que conf usão!
E , no enta nto, seg uida me nte , no t eat ro...
S em dúvida por esta avidez co leti va da q ual não pode ser separad o,
o teat ro é a mais dispersa de tôdas as artes, aq uela q ue é mais ameaçada de impurezas .
Um dia, An dré Gide, a propósito de uma c o nf erê nc ia deJacques
C opeau, escreveu em seu " J our nal" : " Seu imenso esfôrço f icou sem relação di reta com a
época. Era cont ra ela que êle lutava co mo devia fa zer todo o bom art ista. M as, na A rte
Dram áti ca exis te ist o de te rrível que é depende r do público, fa zer apê lo ao público, co ntar
com êle. Fo i is t o que me fez vo lta r at rás, per suadindo-m e cada vez mai s que a verdad e não
est ava do lado da maioria. Cop eau defendend o-se, tr abalh ava por uma elit e. Êl e queria levar
à perf eição , ao estil o, à pur eza, uma arte essenci almente impura e que dispen sa tu do ist o.»
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E, no ent retanto , G ide não pô de jamai s li berta r- se t otal mente do
Teat ro , o que foi bem melhor para nó s.
Qu an do é vít ima dêst es mo ment os de depress ão , o art ist a de teatro
t em o direito de se pergun t ar se o teatro é verd ad ei ram ent e uma arte.
V ou fa zer -vos uma co nfi ssão: isto me acontece u. E u quas e renun-
c re r, Ma s acresce nt o logo: isto não me acon tecerá mais, pois a f é, eu a reenc ontrei. O
T eat ro é uma art e-uma, arte pura - necessári a e i nd epende nt e.
P erm it i-me con tar como essa certe za sobreveio .
H aviam-me pedido para montar no Stad Ro land Garr os um espe-
t áculo ao ar livre, composto de " Os Supl ic ant es" de Ésq uilo. e de uma peça de A ndr é
Obey sôb re o esporte, inti t ula da "S OO metros". Eu ti ve a idéi a áe ped ir a Henri de
Montherl ant umas palavras par a o pro gr ama. O autor de " Onze diante da Porta Dou rada"
m e parec ia .o mais quali fic ado para apresénta r um tal program a. Para mi nha decepção,
Montherlant recusou, dizend o-me que par a êle o t eatro era um a ar t e inú t il. Qu e to dos os
seus sen tidos , sua im agin ação , est avam satisfeitos pelas outras arte s e que o Teatro não
podia ser senão uma ra mif ic açã o secun dária de vulg arização.
C omo me defendesse falando de R ac in e, êle acrescentou que
pr eferia cem vêzes ler R ac in e em casa , pois poderia par ar ond e quisesse , reler qualquer
trecho e que jamais algum at or, nenhum cenarista, nenhum diretor ser ia capaz de lhe
apr esentar tão belo espetáculo como o imaginado por êle lendo R ac ine . Que ser hum ano
de hoj e poderia aproximar-se da beleza de um Hipólito? Que m poderia melhor diz er os
versos que, pela leitura , seus pr óprios olhos etc ...
D ei xei-o int eira mente t ranst ornado .
Fiqu ei desespera do e perguntei- me se o T eatro seria verdadei ra-
ment e uma art e.
P ara que f ôss e uma ar te, seria necess ár io que me desse alg uma
coisa que nenh uma outra pudes se da r.
A pintura, a escu ltu ra, as artes plást icas em sum a, sat is faz iam -m e
os olh os .
A mús ica me s ouvi dos.
A po es ia minha ima gi naç ão.
Fu i até à ar te cu lin ár ia ea s emp adas de camarã o sati sf aziam meu paladar
F iquei louco e desespera do, não havia realm ent e mais lugar par a o tea tro.
P rati cava, ent ão , uma profi ssão inút il, impura , vulga r,de seg und a mão.
E u, 'que tanto hav ia sonhado cons agrar- me ao B elo!
Ei s que eu me des enc aminhara. Er a necessário recomeçar tu do .
E ra o deses pêro!
Ora, um belo dia, tudo se diss ipou e a luz vei o.
Meus sent idos estavam sat isf eitos pela s outra s ' arte s, ma s só um
de cada vez.
Um quadro ; a vi st a, mas a vis ta só.
Depois um concê rto; a audi ção , mas somente a aud ição.
N unca os do is jun tos e simultâneam ente . O que qu er dize r que nu-
ma ex posição se est á surdo, e, num concêrto , cego ou em tod o caso ass im o desejaríamos
( o que nos evitari a ouvir as tolice s ditas em vo lta de um quad ro , ou às vêzes a vista dos
músicos que têm o ar de se aborre cer num concêrto) .
Nun ca, ao mesmo tempo, a vista e a audi ção , de ond e esta impressão
de reconstituição, de evoc ação , de lem br ança que nos dá um quadro ou um trecho de mú-
sica ; eu não falo dos maestro s; os maest ros não lembram nada ; estão lá.
Aperc ebi-m e que só a percepção sim ultân ea da vista e da aud ição
. me dav am a reconstituiçã o real do pr esente.
Se bem que te nha f eit o uma cruz sôbre o t eat ro, dur ante algu m
tempo, eu experimen ta ra a neces sid ad e de inventar uma ar te i ndependente das outras artes,
uma arte q ue tocass e, ao mesm o te mpo, a audi ção e a vi st a e que reconst itu ísse o Presente.
O Present e, a P res enç a; o " Vir a ser " , o Movim ento. Aperc ebi-m e
(og o que não havi a inv ent ado co is a alg uma , m as havia volt ad o às ori ge ns do T eatro. M inha
F é tinha sido reencont rada. .
Q ue quer ei s: " com o a truta eu g osto de sub ir a corrente" .
12
Idade Média Período El i zab etano Séc. XVII R estaura ção
A IMPORTÂNCIA DO
ESTILO NO FIGURINO
NORAH LAMBOURNE
E S T A N D O planej ado o esquema das cô res para o f igurino, o' passo seguinte a ser
dad o ser á o esti lo e a forma . O des enho do figurino (como · qualquer .trabalho de
arte) é feito da união entre a côr e a forma, coma possível adição de acessórios
e enfeites . Contudo, como nenhum figurino individual é feito antes do estudo da côr, o
estudo da época vem antes de qualquer sugestão par a o figurino.
Cada época, mesmo a noss a, tem seu est ilo característico. No
caso de roup as mod erna s, há uma tend ênc ia para a mudança fr eq üente, visto que nossas
roup as são mai s t rans it óri as do que as ant igas , pelo que se pode julgar de inf or mações
con temporâneas e quad r os. En tretanto , as car acterís t icas da form a permanecem constan-
tes por períodos ma iores. É essa forma ess enc ial que dá ao figurino teatral .seu sabor
peculiar, .dita as man eiras e movimentos do ato r e conv ence o público do est ilo da époc a,
que nunca poderia ser ericontrádo só nos enfeites e acessórios aplicados ocasiona lmente,
causando um êrro fundamental na forma. Mesmo dentro de uma época as variações da
forma básica podem ajudar a dar característ icas a um figurino individual , mas é da
maior importância te r noções da si lhueta em que. se vai construir. Quando uma peça de
- estilo est á sendo discutida é trabalho do f igurinista fazer estudos sôbre a peça no maior
número poss ível de fon t es que encontrar e est udá-Ias e analisá-Ias sob todos os aspectos ,
de mod o a f or mar a est rut ura bá si ca . N ão é suf iciente saber só alguma coisa sôbre a
li nha dos mo ldes e seu cort e - o f ig urin ista deve procurar saber o que vai por bai xo
das rou pas para ampli ar a form a: espartilho,· enchiment os, anquinhas, anágu as ,·cintas . Os ..
sapa tos e botas .que serão usados ta mbém ocupam luga r de destaque, não só para com-
pôr o personagem , mas para dar confôrto ao ator. N ão há nada mais inconfortável que
usar-se um traje do século XV com um par de sapatos da époc a atual, quando o calçado-
certo seri a um par de sapatos rasos, ou então uma roupa de anquinhas com sap atos
sem sal t os . Al ém da f alt a de confôrto a atriz teria uma f ig ura sem graça e grote sca.
13
Depois ' de dissecado o estilo O' desenhista . então transpõe os fi-
gur inos par a o te at ro e para determinada produção. O f igurino correto de época - correto
até nos mín imos detalhes - muitas vêzes não é adequ ado para o teatro e pode at é ser
feio e i mp raticá vel.
E xis te uma linh a boa e outra má. em tô das as épocas. e faz
parte do tra balho do figurin is ta selec ioná-Ias e ajustá-Ias para o pa lco . Um f igu rino tea-
trai é a co mbinaçã o. como já vimos. da côr com a forma do est il o. com uma f inal id ade
- vest ir o ator confortàvelmente. ajuda r a equilibrar o personagem , e f azer parte de um
esquema geral que une tôda a produção. O figu rino pode ou não ser bon ito êle mesmo.
Pode acontecer que a linha da época 'seja de liberadamente fa lseada para aj udar à ca racte rtzac ãc . :-
Cons iderando q uais as partes do figu rino que o desen hista deve
exagerar e dar ênfase , temos primeiro a cab eça, ombros e braço s, porque, se bem que
t ôda a silhueta sej a de importâ nci a, os mov imentos de cabe ça e b raços são os qu e cha -
ma m a at enção do espect ador na maior parte de qualquer represe nta ção. • M uita co isa
pode-se habi lment e imag inar para um adereço de cabeça . o qual. a liado aos movim entos _
da mesma , to rna-se parte da individualida de do ator, Isso é especialmen te verdadeiro na
coméd ia.
Para os movimentos dos braços deve ser dada uma atenção es-
pecial: uma ma nga com um corte diferente , ou então com um determinado enfeite ( mesmo
numa figura estática da qual o espectador não desprende a at enção).
O ato r que tenha muita a ção no palco precisa de mais consideração
- a forma do, seu vestuário deve perm it ir grande liberd ade de mov imentos e qualquer
-e n fe i t~ necess ár io não deve embaraçar seus ges tos. B asta olh ar para um f igurino bem
desenhado de um balle t para se convencer dis to. Ajudará muito ao fi g uri ni sta se, antes de
desenhar qualquer co is a, olh ar um ensa io co rrido para t er idéia das marcações da peça.
• E lemen tos de com édia pod em pron tamen te ser ach ados nas f ormas
de qualquer estilo. U ma ligeira exageração na f or ma inteira , ou ent ão de det al hes, aj uda
mu ito a caracterização cômica do ator - um homem gordo dentro de uma roupa aperta -
da ou um homem pequeno com uma roupa cujas mangas tapem-lhe as mãos, causará
imediatamente r iso na platéia.
Em peças de fantas ia, pantom imas . bail es de másc aras , contos
de fadas e outras coisas do género, o figurinista pode dar larga à imag i nação.
A fina lidade dos desenhos das ro upas f ei tos no pap el é ser
bastante escl arecedora. Não será necess àriamente um t raba lho de ar te - sua f unç ão é
mostrar a combinação da forma e côr e deve ser de tal modo ' que a cos tureira possa
reprodu zir ' o traje. Muitos figurinistas fazem dêsses est udos um verdadeiro traba lho de
ar te. Mas o essencial é que os desenhos sejam pr óprios para o palco . O figurinista
amador deverá se preocupar somente com essa parte: quanto à beleza dos desenho s vir á
com a prática e a experiência .
14
Cenários
SVEN ERIK SKAWONIUS
T r a d u ç ã o de Joel de Carvalho
C
O M O PROCESSO de criação artística, a produção teat ral é um caso - únic o: joga
com várias dimens ões e combina diferentes contribuições pessoais.
Quem quer que tenha se aplicado seriamente à cenografia sabe
como é fascinante lidar com o palco como um espaço que , além das três dimensões
_ . alt ura , largu ra e profund idade - possui uma quarta - o tempo.
A ação dram ática é acompanhada pelo jôgo de formas e côres .
O drama progride e a cena se transforma. Luz e movimento
expressam a passagem.
A personalidade do ator, seus movimentos, a luz , música, tudo
tem influência no resultado final da produção.
A partic ipação de vári as artes no espetácu lo é uma l ição objetiva
de verdadeiro traba lho de equ ipe .
O cenógrafo não trab alha sozinho . Imediatamente apó s o te xto é
o diretor quem tem a palavra.
"La parole crée le décor, comme le reste", disse Lugné-Põe ,
criador do Théàtre Libre por volta de 1890.
Em princípio, as possibilidades técnicas da cenografia não
mudaram desde então.
Muitos dos cen ários são baseados na " moldura" do teat r o
barroco e no seu efeito esteroscópico de profundidade.
Esta mod alidade de profundidade foi largamente usada pelas compa-
nhias, essas que excursionavam nos primeiros anos dêste século . Foi a época dos pintores.
A esta seguiu-se a era dos técnicos.
Um mundo de conquista técnicas - o ciclorama e seus compli-
cados processos de iluminação e de projeção , máquinas fantásticas para mudan ças de
cenário em tôdas as direções - tudo isso trouxe novas possib ilidades de criação . A luz
elét ric a que pode ser dir igida, colo rid a, intensi f icada ou dim inuida , tornou a terce ira di-
mensão uma realidade viva . O palco adquiriu vo lume.
As conseqüências naturais de t udo isso .f orarn desenvolvidas por
Edward Gordon Craig e Adolphe Appia , que criaram um novo tipo de cena: elementos
tri-dimencionais modelados pela luz.
Entre êsses do is extremos oscila a cenografia moderna .
Assim como o ornamento mais simples é um ponto, o mais sim -
ples cen ár io é a luz de um spot e uma rotunda . Outros element os podem ser ad ic ionados
- uma linha, talvez duas ou três. O nível do palco pode ser modificado com dif erentes
planos articulados por escadas. Podem-se utilizar como fundo simples elementos.
O ritmo pode ser intensificado em têrmos visuais e de tempo.
Pode ser acentuado por meio de quadros que mudam ràpidamente como no cinema .
A ação dr amática pode ser desenvolvida através das vár ias partes
de um cenário simultâneo , como no teatro med ieval. Dessa maneira vol tamos à forma
cl ássica da unidade de t em po e espaço.
Podemos ir ma is longe ' ai nda e vo lt ar à origem do te atro - a
15
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16
TEATRO DE BONECOS
Começamos a transcrever do livro de
Ma ria Clara Machõdo (Como Fazer Tea-
trinho de Bonecos) esgotado, uma série
de artigos sôbre fantoches. Neste núme-
ro iniciamos pelo palco e pela histôria .
o palco
O PALCO mai s s imples é fe it o num vão de por ta , numa ja nela, ou em qualqu er
ar mação imp rovi sa da de mesa s e cob ertores. O i mportante é ter uma bo ca de ce-
na e pode r esc onder os arti stas que manip ulam os bon ecos. Para um g rupo que
queir a lo comov er-se são necess ár ios palcos portáteis e desmontáveis .
. E xi st em os palcos peq uenos col oca dos em mesa ou cô rno da, e
ex is tem OS pal cos grand es , f ix os . Por ci ma da arm ação de madeira é indicada lo na ou
qualq uer outra fazenda que não seja ' trans par ente.
, Cenários: Os cen ários devem ser o ma is simples possíve l. A
aten ção do especta dor deve ser atraída ma is para o jogo de ce na do que par a os
ce nár ios , poi s êstes servem apenas para suge rir lugares e si tua çõe s. O f undo pode ser
fe it o de papelão ou madei ra compe nsa da. Pod e-se f azer tamb ém um de madei ra e os ou-
tro s t odos de papel, presos à ma dei ra. O ce nári o de madei ra servi rá de base; ser á pin ta-
do co m a tin t a da esp écie usad a nas cabeças das pers onag ens.
Rompimentos: São peda ços de cenário (pa ra as saíd as e entrada s
dos bonecos) postos na fre nte do cen ário de f undo. A distâ nc ia da bôca de cena ao
cen ário de fundo deve permit ir que os mánipu ladores se virem à vontade em cena.
Posição: O manipulador deve trabalhar de pé. Nos palcos pequenos ,
de mes a, êle poderá trabalhar ajoelhado. NUNCA SENTADO.
. É mui to i mportante a posição do bon eco . É a pos ição do boneco
que define a açã o, portanto, deve ela ser exata . Três prin cípios são ind isp ensáveis :
. 1) O co t ovelo do mani pulador deve conservar-se durant e a exi bição
à alt ura da boca de cena. A isso , êle se hab ituará fàcilme nte .
~ . S e o bon eco fo r menor e o manip ulador tiver um bra ço mu ito g rande ,
é cla r o que o cotove lo tem que f icar mais baix o, e neste caso , a al tu ra ini c ial deverá ser mantida.
2) O man ipu lador deve mexer com a mão e não co m o br aço .
3) As entradas e saídas são fe itas pelos lados e não por bai xo.
Iluminação: As mesmas regras de ilumi naç ão para teatro são
aplica das ao s fa nto c hes. Nos palcos portátei s, uma só lâmp ada, na part e de dentro da
abert ura de cena , será suficiente . Nos palco s maiores a distrib ui ção pod e ser melhor.
L âmpadas pod em ser co locadas em ci ma do palco (numa das vare tas que o at ravessem) ,
dos lados, emba ixo da boca de ce na. P apel celo fa ne, ou lantern as , serv irão par a mudar
a co r, dando a im press ão de anoitecer, ama nhec er, etc ..
Efeitos Especiais: A lém do papel cel of ane co loca do em ci ma das
lâ mpadas ( com a devid a pro te ção de papelão ou meta l para evi tar que peg ue fogo) exis-
t em outro s pequenos t ruques de t eatro, que muito col aboram no sucesso de cada peça:
Pequenos buracos debruado s de negro, no cenário de t rás, dão a
i mpressão de piri lampos, se, por trás , no es curo , acend ermos e apag armos uma lant er na.
Uma por ção de açúc ar com me ia porção de colo rat o de po tássio
17
( uma col her de sopa ) bem mi stura do s num recip ien t e
de vi dro, dão um li ndo ef eito de fu maça azul , quando
ace sos no escu ro, num a cena de transfor mação , de br u-
xar ia, por exemp lo .
Um pedaç o de zin c o sacudi do,
dá a idéia de uma t rovoad a.
, U ma caixa de f ósforo s e um
elástico em volta : puxando -se e larga ndo-se o elástico,
te m-se o coaxa r de sapo.
Do is copo s de galali te , bati dos
um de enco nt ro ao outro , pelo lado aberto, dão o trote
ou um ga lop e de caval os .
N as narin as de um dragão, de
um leão ou de qualquer out ro anima l fe roz adapte um
t ub o de bo rr ach a de fil t ro bem comprido . No momen to
dese ja do, fume um cigarro e dê as baforadas pelo tubo .
Is so dará grande impressão de f erocidade.
. Música:, O ideal para teatro de
fantoch e são os instrumentos de percussão: tambo r ,
tri ângulos, reco -recos , marimb as, etc. Discos podem ser '
usados mas não produzem o mesmo efeito. Em geral,
dão a impressão de uma música que não tem nada a
ver com o espetácu lo. Soam falso e nunca poderão
acom panhar a represen t ação , po is sendo a improvisação.
de momento co isa indi sp ens ável num espetác ulo de bo-
neco s, os discos abso lut am ente não poderão acompa-
nhar os bonecos . J á o t ambor e os outros ins trum entos
de perc ussã o, parecem orquestra de fantoches. Vi ol ão ,
pia no , ou qu alqu er outro ins trumen to , pod em ser util izados .
a história
,
'U ma hist ór ia de fa ntoche~ deve ter as segui nte s q ualidad es, t ôd as
indispensáveis: a) -Ação rápid a; b) Di álogos curtos ; c) Po ucas per son ag ens em cen a.'
Cada ges to no teatro de bon ecos deve ter uma .significação ; ne-
nhum é i nút il. P ar a mar ion et es a fio , a maioria das peça s do teatro c lás si co se adapta
per feita me nte; para os f antoches , no enta nt o, devem ser c ria das' pecinhas especi alm ente
esc rita s, em que sej am resp eitadas as cond iç ões ac im a menc ionad as . Um diálogo com -
prido cansa o público. Um á aç ão contada e não viv ida tamb ém cans a. A liás isso é regra
gera l de teatro. O palco não. é luga r on de se narre uma históri a, m as um ' lugar ond e se
v ive uma história. N o t eatro de fantoches só é permitido viver uma história.
Mui tas hi st ór ias de carochinha se adapt am perfeitamente ao s bo-
neco s. Chapeuzinho Verme lho é a primeira delas, por sua fácil montagem, ação rápida e
variad a, e sua encantadora história , tão querida das crianças . Aconselhamos ao novo
marionetista a começar por ela.
A característ ica mais ' marcante do fantoche é o grotesco. Os
f ant oches não serão bon s art istas se não fizerem r ir . Grandes co rrerias , pancadarias ,
sust os, desma ios, são fat ôres sempre presentes num bom teatrinho de bonecos. Com
fac ili dade, po de-se inventar mu itas histór ias curtas e engraçadas.
É mu ito importa nt e criar uma personagem qu e sempre apar eça
em t odo s os espet áculos. N a F ranç a, Guignol se t orn ou tão f amoso qu e deu o nom e ao
pró prio g ênero de teatro. Ê le est á se mpre pres ent e, fazendo co nfu são, ou salvando alg uém
de gran des perigos i magi nário s. No nosso grupo,~ cri amos o Prof ess or B igode, muito sa-
bi do, fei o , mas grand e hero i de g ro tes cas fa çanhas. Êle é o dono do te at ro, muit o vaido-
so de seus bigodes, anuncia tô das as peça s, dis tr ibu i conselhos e bal as, conv ers a co m
as c rianças, fi ca zang ad o se qualq uer co is a não vai in do bem , ped e si lênci o. Ao mesm o
18
tempo é sério e brincalhão , am igo e confidente . Às vêzes tom a parte nas peças para
grande alegr ia do públ ico.
Daremos em seguida algumas idéias para os espetáculos.
No Curso: Dois bonecos em cena com ,c ubos na mão pod em
ajudar as cr ianç as a contar, a som ar, a dim inuir. O boneco pergunta, as crian ças respon-
dem. Os bonecos escondem os cubos , as crianças contam os restantes, ,o di álogo pode
ser improvisado pelos professôres conforme as necessidades .
Podem ser criados na escola dois t ipos de bonecos : um que seja
hero i dono de t ôdas as qualidades, e outro, que possua. todos os defe itos . Em t ôrno dê-
les, vár ias histórias podem ser inventadas no espfrito da vida escolar.
o médico
(Farsa de Luce Hinter, tirada de uma comé-
dia de Moliêre, traduzida de "Collection
Feu et Flemme "; ' éditions Fleurus, Paris.)
PERSONAGENS
Pedro , lenhador.,
Maria , sua mulher
O mensa g e iro do re i
O rei
A filha do rei
1.0 ATO
I?ano
2.0 ATO
CE NÁRI O - P a lácio do rei. (A princesa está recostada, num canto, sofrendo. O rei
a nda de um lado para o outro, aflitíssimo. De vez em quando pára, olha a filha e suspira).
REI - O men sageiro es tá dem o rando muito... (Torna a andar). Estou ouvindo um barulho.
MENSAGEIRO (falando baixo) - Senhor Rei , eu vos .t rago um famoso médico. Mas
êle tem uma man ia esqu isita. S ó tr at a dos doentes quando a pa nha muito.
(Neste momento a filha começa a andar, mas cai de novo).
REI (aflito) - E ntão, pau nêle, de pressa!
PED RO - Mas, Rei, não se i na da de medicin a .
REI - Não sab e, não? Ah!... (Para o mensageiro). Bata nê le... vamos ...
PEDRO - Ui... ui... ui... (Êle faz gestos, contorções, de tal maneira que a filha do
rei começa a rir).
-FILHA DO REI - Ai, me u Deus! De tanto rir, a espinha ' sa iu de minha gar ganta!
PEDRO - S en hor Re i, vossa filha já está boa . Agora de ixa-me voltar par a cas a.
REI (solene) - Ainda não . Ainda não. Você mere ce uma boa recompensa.
PEDRO- (à parte) - Ai, será que êle s vão co meç ar a me bater de novo? (Alto). Não ,
se nho r Re i, muito o brigado . Estou muito co ntente de ter prestado um ser viço à pr in-
cesa. Ag ora ... quer o... voltar.
REI (enérgico) - Aind a nã o. Mens ageiro, dê a êste gr ande médico uma bôlsa che ia de
ouro , e o ac om pa nhe até sua ca s a .
ME NSAGEIRO - Sim , s enhor.
PEDRO - Muito obrigado ... muito obriga do . Mas pref iro que o mensageiro não me
ac ompa nhe. Prefi ro ir sàz inho (à parte).
Co mo dói a g ente ap anh ar ! pro meto nunc a mais bat er na Ma ria!
(Maria aparece, abra ça Pedro e saem os dois, muito contentes).
P an o
FIM
21
JOOpS DRAMÁTICOS
Improvisação sôbre
o tema de Ali-Babá
CHARLES ÁNTONETT I
Tradução de Carmen Silvia Murgel
DESENVOLVIMENTO DO 'TEMA
IMPROVISAÇÃO FALADA
um rrururno de técn ica, produzirão algum resultado que, mais ou menos válido, deverá ser
anotado, sempre que possível, no momento da criação. Obter-se-á, assim, diferentes su-
gestões, ' uma sem int erêsse, outras apresentando algum valor. Pode acontecer que nada
de bom e aproveitável se obtenha, literariamente falando. Nesse caso, considerar-se-á o
~ trabalho feito como um exercício que não leva a uma realização concreta e, nesses limi-
Jes, não se terá perdido tempo de estudo.
Se, ao contrário, ' descobrir-se nas notas tomadas alg uma qualidade
poética, será necessário começar um trabalho extremamente delicado de "dar um estilo",
tomando-se extremo cuidado em apenas corrigir os trechos de pouca clareza do texto de
maneira a respe itar a poesia espontânea dos improvisadores, se ela fo i manifestada. .
Inúmeras experiências foram feitas com Ali-Baba, nos ambientes
os mais diversos. Aqui vai publ icado um dos resultados obtidos, feito por meninos e me-
ninas , de 14 a 17 anos, de um centro de aprendizagem parisiense.
Ainda uma vez, lembramos aos leitores que são experiências que
poderiam ter sido muito mais desenvolvidas.
TODO MUNDO
E NINGUÉM
Do auto da Lusitânia{ . de GIL VICENTE
(Transc:rito do 1.0 nümero, a pedidos)
ANÁLISE
Um homem rico e outro pobre encontram-se no meio de um
caminho e indagam-se mutuamente o que buscam nesta existência; em tôrno de suas
respostas dois demônios tecem comentários irônicos e trocadilhos , pois o homem . pobre
chama-se NINGUÉM e busca tudo que há de bom e honrado, enquanto o rico TODO
MUNDO procura satisfazer apenas sua vaidade; o que leva os demônios a concluir que
"NINGUÉM busca consciência e TODO MUNDO dinheiro».
- IDÉIA
A vaidade e a cobiça da humanidade sobrepujando a virtude, a
honra e a verdade.
MECANISMO
Êste diálogo vive de graça, ritmo e malícia dos intérpretes.
PERSONAGENS
Todo Mundo (rico mercador); Ninguém (pobre); Belzebu e Dina-
to (dois demônios).
ASPECTO
Forma - auto (é uma cena do Auto da Lusitânia). Cenários -
cortina de fundo , preta , praticáveis. Costumes e roupas - medievais.
QUEM PODE MONTAR
GrupOs amadores, colégios , clubes.
COMO MONTAR
Pode-se fazer uma adaptação do linguajar da época, facilitando
a compreensão; a peça tem muita plasticidade e a música da época (existem muitas
gravações) nos parece imprescindível.
PÚBLICO
Todos os públicos.
OCTÁVIO UNS
N B
NA COMPOSiÇÃO dêste auto, que é tirado quase que palavra por palavra
do Evangelho segundo São Lucas, foi utilizada a tradução da Bíblia Sa-
• • grada por Antônio Pereira de Figueiredo, . editada em 1864 no Rio de
Janeiro por B. L. Garnier, Livreiro editor, e aprovada por mandamento de S. Excia. Revma .
o Arcebispo da Bahia.
P ar a cenarios , figurinos , marc ações , ilum inação etc. , será de grande proveito um a consulta
aos pintores do quattrocento - ver espec ialmente Fra Angel ico, Fra Filippo L ipp e,
Giotto, P iero dell a F rancesca, Botticelli, G iovanni Be llini , Luca S ig norelli, Ghirllandajo , etc ..
Os S antos , nes t e aut o, devem ter uma lin ha h ier át ica, f r ia, superi or , aut o-suf ic ient e; não
são S an tos pie dosos nem adoci ca do s das image ns de primeira-comunhão. S ão inst rumen-
t os de um Deus que fala por suas bôcas. Não se procurará naturalidade po is o que não
são é naturais , êsses S antos. T an to êles quan to os narradores devem ser irnpes soals e
antes devem atemori zar do que ag rada r.
I
Personagens
R amp a ligando o palco à p lat éia. D e cad a lado da rampa , de fren te para o púb lico , f ica m
os N arradores, que lerão o tex to qu e fi car á sôbre esta nt es de m úsi ca. No pa lco , um
. pra ticável colocado ao f und o. A í, salvo na Adoração , apa rece rão os A njos. Um estrado
que servi rá para Z acarias oferecer ince nso e ond e sempre f ic ar á a S agrada F amíl ia. O
al ta r de of erece r ince nso . Para a cena da Hosped ari a, m esa s. banqu etas, to alhas ad am as-
ca da s, fruteiras , c ris tais , etc.. U ma manjedoura. E tc ..
28
,
QUADRe;> II
Ação: Ilumina-se a casa de Zacarias e Isabel, no .set or D do
palco . Zacarias e Isabel.
29
•
Isabel:
Assim me f êz o Senhor nos dias em que êle pôs os olhos s ôbre mim para acabar com
o meu oprób r io entre os homens .
Ação: M úsic a. Pal ~o es curo, luz sôbre o 1.0 N arrador. Setor E
do palco: ca sa de M ar ia. O An jo Gabri el aparecerá no pr at ic ável dos Anjos, do lado D.
1.0 Narrador:
Es t ando Isabel no sexto mês , foi envi ado por Deus o Anjo ' Gabrie l a uma cid ade da
Gali léia chamada Na zareth , a uma virg em desposada com um var ão que se ch amav a José,
da casa de D avid. O nome da virgem era M ari a.Entrando po is o Anjo ond e ela est ava, disse-lhe:
Ação: Luz partindo do Anjo em direção a M ari a. (Anunciação) .
Anjo Gabriei:
Deus t e sa lve, altamente favorec id a! O Senhor é contigo , benta és tu entre as mulheres!
2.0 Narrador:
Ela por ém ao ouvir estas pal avras 'pert urbou-se muito e dis corria pensat iva que saudação
seri a esta. Então o Anjo lhe 'disse:
Anjo Gabriel:
Não temas, Maria. Achaste graça diante do Senhor, Conceberás no teu ventre e darás
à luz um filho a quem ch amarás J esus. Êste será grande e será ch amado Filho do AI,
tíssimo e o Senhor Deus lhe dar á o tro no de seu P ai e reinará eternamente e o seu
reino não terá fi m.
Maria :
Como se f ar á isso, po is eu não conheço varão? !
Anjo Gabriel:
O E spírito Sant o des cer á sô bre t i e a virtude do A ltíss imo t e envol verá da sua sombra.
E por is t o mesmo o ' S ant o q ue . há de nascer de t i será c hamado F ilho de Deu s. Isabe l,
tu a par enta , tam bém ela con ceb eu um f ilho na sua velhice e já está no sexto mês a que
era ch amada esté r il. Porque ' a Deus nada é im possível!
Maria:
E is aqui a escrava do S enhor. Faç a-se em mim segundo a sua pa lavra!!
Ação: G ran de paus a. A luz só f ocali za M ari a q ue perm ane cer á
imóvel , estát ica. Qu an do o N ar ra dor com eça: "naqueles dias", M ari a sai do pa lco e
começa sua cam inh ada para a casa de Isabel. M úsi ca. Luz cai em res is tência at é bl ac k-
out t ota l.
1.0 Narrador:
E naquel es dias, levantando-se Maria (Maria sa i) foi às montanhas , a uma cidade de
Jud á, at ravessou campos e serr as e à sua passagem cantavam os pássaros. No reg ato
era mais cristalina a ' ág ua par a matar sua sêde. Assim ta mb ém a natureza em fes ta se
alegrava por ver Maria. Entrando em casa de Zacarias, M aria saudou Isabel.
Ação: (N arrador não interrompe sua fala .) Ilumina-se a cena ao
final de "por ver Ma ria". Casa de Isabel e Zacarias. S eta r O do palco. Maria e de-
mais obedecem às marcações sugeridas pelo Narrador. .
1.0 Narrador:
Isab el ouviu a sauda ção de M aria , o menino deu saltos em seu ventre e Isabel f icou
c heia do Espírito Sant o. Brado u em voz alt a e disse:
Isabel:
Bend ita és tu entre as mulheres e bento é o fruto de teu ventre! E donde a mim esta
d it a que venha visitar-m e a que é Mã e do meu Senhor? Porque, M ar ia, assi m que che-
gou ao s meus ouvidos a voz da tu a saudaçã o, logo o men ino deu sal tos de praz er no
meu vént re, Bem -avénturada aquela que cr eu que se hão de cump r ir as coi sas que da
par te do S enhor t e foram dita s. '
30
"
"
QUADRO III