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RESUMO: Este trabalho pretende convidar o(a) leitor(a) a vivenciar parcialmente como se
deu o processo de composição da obra coreográfica Élice, que estreou em novembro de
2016 em Brasília/DF e é inspirada no universo musical da cantora Elis Regina. A obra
configura-se como um primeiro experimento dos procedimentos artísticos desenvolvidos
pelo autor em sua pesquisa de Doutorado em andamento no PPGAC/UFBA. Profundamente
inspirados pela prática somática do Body-Mind Centering® (BMC), alguns princípios desses
procedimentos são enfatizados e compreendidos como uma forma de corporalizar o
aprendizado motor e expressivo. Assim, por meio de uma escrita performativa, em que os
cinco diafragmas corporais sugeridos pelo BMC: pélvico, torácico, peitoral, vocal e craniano
são vivenciados, sugere-se que as reflexões sobre o processo de composição sejam
compartilhadas pela prática e não somente pela observação. Metodologicamente, esta
pesquisa se afina com as propostas da prática como pesquisa, forjando formas maleáveis de
desenvolver pesquisa acadêmica em arte.
ABSTRACT: This article invites the reader to partially experience the composition
process of dance performance Élice, which premiered in November 2016 in
Brasilia/DF, and is inspired by the musical universe of Brazilian singer Elis Regina.
Such work figures itself as a first experiment of the artistic procedures developed by
the author in his doctoral research in progress in PPGAC / UFBA. Deeply inspired by
the somatic practice of Body-Mind Centering® (BMC), some principles of these
procedures are emphasized and understood as a way to embody expressive and
motor learning. Thus, through performative writing, in which are experienced the five
body diaphragms suggested by BMC (pelvic, thoracic, pectoral, vocal, and cranial), it
is suggested that the reflections on the composition process may be shared through
practice and not only through static observation. Methodologically, this research
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tunes itself with the proposals of Practice as Research, forging malleable ways to
develop academic research in/with art.
Fonte: acervo pessoal. Foto: Tom Lima.
●Observe como você está agora; como está sua postura? Quais partes do seu corpo
estão mais soltas e quais partes estão mais esmagadas? Como está sua respiração? Ela flui
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confortavelmente por todas as partes do seu ser? (no momento em que você se faz essas
perguntas, mudanças provavelmente já começam a ocorrer em seu campo somático);
●Sente-se em uma posição tranquila (o intuito é deixar o seu tronco na posição
vertical);
●Feche uma de suas mãos em forma de punho e coloque-a na palma da outra mão à
frente do seu corpo. Assim, uma mão em punho se encaixa na outra mão em formato de
concha, formando um acoplamento côncavo-convexo. Evite pressionar, busque um
equilíbrio tensional. Sinta a suavidade desse contato de mãos “macho-fêmea”;
●Inspire profundamente pelas narinas e expire suavemente pela boca em diálogo
com este posicionamento de tronco (vertical), mãos (acopladas) e braços organizados à sua
frente, mais ou menos na altura do plexo solar;
●Observe um movimento sutil de condensação e expansão que talvez já tenha
surgido em suas mãos. Este movimento é próprio de nossas células, enquanto realizam as
trocas de diversas categorias entre meio interno e externo imersas em seus fluidos
característicos.
●Assim que você começar a perceber essa resposta condensação/expansão em suas
mãos, perceba quais outras partes do seu corpo são afetadas por este movimento;
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●Você percebe uma conexão pulsante onde? Na sola dos pés? Em seu tórax? Em seus
ombros? Em seu assoalho pélvico? Em seu pescoço? Em sua cabeça? Onde?
●Leve sua atenção para este novo local (seja ele qual for) e possibilite a ampliação do
movimento de condensação e expansão;
●Vá mudando sua atenção de uma parte corporal para outra, afetando-se por este
movimento respiratório;
●Independente das partes corporais escolhidas por você, tome um tempo para
passar em algum momento pelas solas dos pés, assoalho pélvico, diafragma torácico,
ombros, pescoço e cabeça (não necessariamente nessa ordem);
●Como está a sensação em suas mãos neste momento?
●Solte as mãos, fique em pé, se quiser, e perceba seu corpo como um todo nesse
movimento de condensação e expansão, de forma geral e específica (partes e todo);
●Como seria direcionar a sensação de condensação e expansão para dentro de
algumas articulações? Como joelhos, quadris, tornozelos, cotovelos, punhos?
●Quais reverberações você sente a partir dessa experiência?
●Qual o seu desejo agora? Acalmar-se? Movimentar-se? Dançar? Caminhar?
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●Em termos de movimento, invista um tempinho em uma rápida (ou demorada)
pesquisa de movimentos a partir dessa sensação que você tem agora, neste momento;
●Quando achar que deve, encontre uma pausa, volte à calma, respire
tranquilamente;
●Encontre uma boa posição para você neste momento, talvez deitado, talvez
sentado, talvez em pé...
●Perceba a diferença de seu estado agora e antes dessa experiência. O que mudou?
O que resistiu? O que se abriu? O que se fechou?
●Se tiver vontade, faça um desenho sobre suas sensações, ou escreva umas palavras,
ou um texto, ou grave um depoimento;
●Compartilhe a experiência com outra pessoa. Pode ser comigo, se desejar (olhar e-
mail de contato nas notas de fim);
●Agradeço-lhe por sua disponibilidade em experimentar esta prática antes de
adentrar nas reflexões do processo composicional que desenvolverei neste trabalho
A proposta acima é um exercício de somatização seguido de improvisação em dança
para exploração de movimentos inspirado nos princípios do Body-Mind Centering® (BMC)
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(COHEN, 2015) sobre os cinco diafragmas corporais: pélvico, torácico, peitoral, vocal e
cranial. Acrescentei as palmas das mãos, as solas dos pés e as articulações sinoviais como
possibilidades de expandir a ideia de diafragmas corporais (em conexão com práticas
marciais orientais).
Diafragmas são estruturas que demarcam os limites entre nossas cavidades
corporais, em diferentes níveis, dos pés à cabeça. Além disso, eles garantem a conexão da
1 Somatization is the process by which the kinesthetic (movement), proprioceptive (position), and
tactile (touch) sensory systems inform the body that it (the body) exists. In this process, there is a
witness, an inner awareness of the process.
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parte anterior do corpo com sua parte posterior (frente-trás/trás-frente), além de lado-lado
e cima-baixo, integrando a realidade do movimento tridimensional à postura e à mobilidade
(COHEN, 2014). Regular os processos fisiológicos da respiração por meio da reorganização
rítmica dos diafragmas corporais é um convite para que lidemos com a pulsão de nossa vida
no espaço-tempo. A mim, esta atividade proporciona estados específicos de impulsos
criativos em arte. Mas, antes de tudo, traz uma presença contemplativa de estados
meditativos (DILLEY, 2015). Os princípios da referida experiência somática em processos
exploratórios de somatização informaram especialmente a composição da primeira cena da
obra coreográfica discutida aqui.
Princípios de movimento e procedimentos criativos
“Apoio precede movimento” e “apoio orgânico precede a iniciação da respiração, a
qual precede movimento” são princípios básicos do BMC que permeiam todas as
possibilidades de exploração de movimentos que esta prática somática proporciona a seus
praticantes. Além disso:
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Figura 4 – Cena Arrastão: ascensão e queda
Referências
COHEN, Bonnie Bainbridge. Breathing & Vocalization Manual. Textos escritos de 1988 a
2006. EUA: The School of Body-Mind Centering, 2014.
DILLEY, Barbara. This Very Moment: teaching, thinking, dancing. Boulder/CO/USA: Naropa
University Press, 2015.
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HASEMAN, Brad. Manifesto pela pesquisa performativa. In: Silva CR, Felix D,
Silveira D, Sueyoshi HI, Boito S, Amalfi M, et al. Resumos do Seminário de
Pesquisas em Andamento PPGAC/USP. São Paulo: PPGAC, Escola de
Comunicação e Artes/USP, p. 41-53, 2015.
KRAUSS, Rosalind. Sculpture in the expanded Field. October, vol. 8, spring, p. 30-
44, 1979.
QUILICI, Cassiano. O campo expandido: arte como ato filosófico. Sala Preta, São
Paulo, v. 14, n. 2, p. 12-21, 2014.
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Docente do Curso de Licenciatura em Dança do Instituto Federal de Brasília – IFB. Doutorando em
Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, orientado por Maria Albertina Grebler.
Mestre em Arte Contemporânea pela Universidade de Brasília. É dançarino, coreógrafo, educador
somático e coordena o grupo de pesquisa e extensão CEDA-SI – Coletivo de Estudos em Dança,
Educação Somática e Improvisação. Contato: diego.pizarro@ifb.edu.br
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