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A Estratégia gradualista como antessala do conservadorismo.

Ao longo da primeira década dos anos 2000 havia no Brasil todo um clima de
euforia por parte significativa das esquerdas com os chamados “governos
progressistas da América Latina, no plano ideológico o maior entusiasta dessa
perspectiva é sem sobra de dúvida o sociólogo Emir Sader, que a época era o
principal intelectual vinculado ao PT, para este os governos petistas romperam em
pelo menos três aspectos essenciais com o neoliberalismo, ao focar sua ação em
“políticas sociais redistributivistas não na austeridade fiscal, por seu papel na
integração regional contrário aos tratados de livre comercio e pela retomada do
papel do Estado como indutor da economia rompendo assim com a concepção de
Estado mínimo típica do neoliberalismo, portanto, para Sader essas “características
constituem o eixo do modelo pós-neoliberal comum a todos os governos
progressistas da América Latina”[1]. No entanto, já na segunda década dos anos
2000, vários companheiros têm apontado para o surgimento de uma “ofensiva
neoliberal-conservadora” que colocou em “cheque “os governos progressistas na
América Latina.

A emergência de uma nova direita o bolsonarismo 1 aí incluso, fez a esquerda


ligar o sinal de alerta, a partir de 2015 com as manifestações de massa da extrema-
direita brasileira que ocuparam às ruas pedindo o impedimento da Presidente Dilma
a esquerda denunciava por parte dessa a utiliza de métodos fascistas. Do ponto de
vista ideológico essa nova direita teria os seguintes pilares fundantes: o anti-
comunismo, entendido como combate ao “marxismo cultural 2” aplicado pelos
governos petistas em suas gestões, o fundamentalismo religioso, com destaque
para a teologia da prosperidade, o conservadorismo nos costumes e o ultra-
liberalismo em economia.
1
No caso do Bolsonarismo o pseudo-nacionalismo se mescla com o ultra-liberalismo, fundamentalismo
religioso e o anti-comunismo.
2
A suposta teoria do marxismo cultural se insere dentro das teorias conspirativas e paranoicas da extrema-
direita brasileira que identifica em autores como Gramsci, Marcuse, Adorno etc. Um abandono das lutas de
classe pela tomada do poder de forma armada e violenta por uma nova estratégia de transformação calcada na
busca pela hegemonia cultural da sociedade exercida dentro das instituições estatais e da sociedade civil.
Para Marx as ideias se tornam força material quando se apoderam das
massas, esse foi o caso com a extrema-direita que a partir crise do petismo soube
utilizar das novas tecnologias da informação agitar e propagandear sua visão de
mundo ganhando a adesão de parte considerável das camadas médias e dos
setores populares. Essa ideologia reacionária encontrou solo fértil para se
desenvolver ao longo dos governos encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), e se consolidaram como fenômeno de massas com o fim do consenso burguês
estabelecido entre os governos de pacto social petista e os setores do capital
monopolista.

Reconstituiremos de forma breve como estava ancorado o pacto social


petista. Para Iasi a concertação social encabeçada pelo PT se manifestava na
conjuntura como uma “hegemonia burguesa fundada no apassivamento de setores
da classe trabalhadora, operada pelo transformismo de uma direção- o Partido dos
Trabalhadores (PT) - constituída nas lutas sociais que fez uma profunda inflexão,
primeiro ao centro e, depois, amoldando aos limites da ordem burguesa” [1]

Essa hegemonia se sustentou a partir de um pacto social entre a “pequena


burguesia política” capitaneada pelo PT e por setores do capital monopolista. A
forma política adequada a este pacto foi a “democracia de cooptação 3”, um misto de
democracia restrita com políticas sociais focalizadas que visa a “adesão das
camadas proletárias e das massas urbanas e rurais à ordem burguesa ainda que
oferecendo pouco em termos de direitos e acesso a bens e serviço”. (IASI,20140)

No entanto, o pacto social petista com os setores do capital monopolista trazia


no seu bojo um conjunto de contradições que gerava tensões permanentes, pois,

[…] a ordem monopolista e imperialista exigia a


contrarreforma do Estado e seu saneamento financeiro, o que
implicava na política de superávit primários, a responsabilidade fiscal,
o equilíbrio monetário e outros elementos que levavam,
necessariamente, ao garroteamento das políticas públicas e dos

3
Termo cunhado por Florestan Fernandes.
investimentos necessários em uma infraestrutura pensada no sentido
das reais necessidade da maioria da população. [Idem]

O pacto social tinha essa dupla tensão ao mesmo tempo tinha que garantir as
condições de acumulação e reprodução do capital monopolista e realizar um
conjunto de ações localizadas para combater a miséria absoluta. Para viabilizar o
pacto seria necessário “o desenvolvimento de um mercado de consumo massas”
(IASI,2014) tornado possível a partir de uma política de liberalização de crédito,
isenção fiscal para linha branca, política de empréstimos a setores monopolistas etc.
Visando evitar convulsões sociais o modelo se mantinha a partir de um “reformismo
fraco” e do transformismo das direções da organizações de cúpula dos
trabalhadores, tal modelo passava longe de ser o estado indutor da economia das
experiências sociais democratas clássicas.

O que possibilitou a ascensão do conservadorismo no Brasil? De onde este


provém? Pensamos que essa resposta se encontra nos limites de uma estratégia
aplicada por um certo partido que chegou no governo central e operou a
desconstrução da consciência de classe no Brasil.

Ao final da década de 70 com a crise da autocracia burguesa o movimento


operário se levantou realizando várias greves, gerando uma consciência de classe
reivindicativa, que ao se desenvolver em consciência em si, se constituiu em partido
político elaborando uma nova estratégia política que se propunha a crítica radical da
estratégia nacional democrática vinculada ao PCB, essa nova estratégia chamada
de democrática e popular tem como uma de suas ideias fortes a noção de “acumulo
de forças.

Para Iasi o acumulo de força é um dos muitos mitos desta estratégia, que nos
permite compreender a ascensão do conservadorismo no país. Vejamos.

Um dos mitos da estratégia democrática popular é o acumulo


de forças. A ideia geral é que por não haver condição de rupturas
revolucionárias, nem correlação de forças por mudanças estruturais no
sentido do socialismo, a democratização da sociedade e as reformas
graduais iriam criando as bases políticas para o desenvolvimento
gradual de uma consciência socialista de massa. O mito do acumulo de
forças só se sustenta renovando-se ao infinito, isto é, nunca estamos
prontos, nunca há a correlação de forças favorável, nunca o nível de
consciência das massas e dos trabalhadores chega à necessidade da
conquista do poder. O problema é que agindo desta forma criam-se as
condições para que de fato nunca estejam dadas as condições. No
entanto, a questão é ainda mais séria. Os defensores do acumulo de
forças acreditam piamente que os patamares de consciência não
regridem, isto é, a consciência de classe desenvolvida nos anos oitenta e
noventa ficaria ali no ponto onde chegou e iria se tornando massiva em
consequência do andamento positivo das ditas reformas. Nesta leitura, se
ainda não temos uma consciência revolucionária, que já coloca a
necessidade da conquista do poder, teríamos a generalização gradual de
uma consciência em si, digamos democrática, disposta a manter o
patamar das conquistas e reagir quando estes estão ameaçados. [ 3]

Para os ideólogos da estratégia democrática e popular como ficou


demonstrado a consciência da classe trabalhadora se desenvolve de forma linear, o
que eles não compreendem ou não querem compreender é que existe uma dialética
em que os trabalhadores hora se levantam contra a ordem estabelecida, hora se
amoldam a essa mesma ordem. É essa dialética entre a negação/amoldamento
pode ser esquematicamente resumida assim: a consciência, em um primeiro
momento se expressa como senso comum ou consciência reificada amoldada à
ordem, onde o indivíduo introjeta a realidade percebida objetivamente em uma
subjetividade que constituirá seu universo ideológico, compete a instituições como a
família, escola, universidade etc. reforçar essa concepção de mundo que será
introjetada pelo indivíduo na forma de senso comum.
A superação desta alienação inicial se dá quando os valores assumidos e
introjetados pelo indivíduo se chocam com a realidade material, que pode leva-lo a
revolta é neste momento da consciência que a revolta pode encontrar outras
particularidades semelhantes que podem se fundir criando as possibilidades para
uma consciência reivindicativa, como foi o caso das greves da década de 70.
Os limites desta forma reivindicativa suas contradições podem levar está a se
desenvolver para uma consciência revolucionária (para si), ou retornar à alienação
inicial da qual partiu só que agora em um novo patamar. Neste sentido, a estratégia
democrática e popular fez a consciência de classe regredir. Vejamos.

A estratégia gradualista e o governo de pacto social que dela


deriva, desarmam a consciência de classe forjada nas décadas
anteriores e criam uma situação na qual a consciência dos
trabalhadores reverte-se novamente em alienação, em serialidade,
fortalecendo o senso comum. A consciência de classe dos
trabalhadores pressupõe uma clara definição do inimigo, como dizia
Marx, para que os trabalhadores se vejam como uma classe que
pode representar uma alternativa universal para a sociedade, outra
classe tem que se expressar como um empecilho universal, um
entrave que precisa ser superado; ou como dizia Freud, só é possível
manter alguns em união quando se dirige o ódio para outros. O pacto
social e a política da pequena burguesia procura diluir as
diferenciações de classe, em outras coisas, como a enganosa ideia
de nação. Ocorre que a consciência de classe não é uma
naturalidade sociológica, de forma que cada classe tem a
consciência que lhe corresponde, mas ela se forma na ação política
desta classe e, em grande medida, pala forma política que assume
sua vanguarda. Uma ação política classista gera um forte sentimento
de pertencimento e identidade de classe, uma política diluída de
cidadãos, consumidores, parceiros, e outras gera indiferenciação,
permitindo que se imponha a inércia da visão de mundo própria da
sociedade dos indivíduos em livre concorrência. [4]

Essa consciência “revertida em alienação” foi muito bem explorada pela nova
direita, que que com seus aparelhos de hegemonia ocuparam de forma compete as
redes sociais, somando ativismo virtual com grandes manifestações de rua, (a que
se ressaltar o apoio da grande mídia). Paulatinamente esses setores foram
“acumulando forças” passando a instituir um novo senso comum conservador em
alguns casos até mesmo reacionário. Por ironia da história a estratégia política que
visava avançar à consciência dos trabalhadores rumo a transformação social,
produziu exatamente o contrário, ou seja, os valores da ideologia neoliberal,
competividade, meritocracia, individualismo, necessidade de manutenção da ordem
etc. os portadores materiais destes valores como é de costume foram os setores
médios com respingos nos setores populares é aqui que aparece a figura do “pobre
de direita”. De acordo com Marx.

Em todas as épocas, os pensamentos dominantes são os


pensamentos da classe dominante, ou seja, a classe que é o poder
material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder
espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios para a produção
material dispõe também, dos meios para a produção espiritual. As
ideias dominantes são a expressão ideal das relações materiais
dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como
ideias: portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe
a classe dominante, as ideias do seu domínio. [5]

Se uma organização que se propõe revolucionária não transforma a realidade


material, essa mesma realidade material, se impõe sobre a consciência dos
trabalhadores. Se a nova forma não supera o conteúdo anterior, o conteúdo anterior
reinstitui a antiga forma, assim o senso comum progressista dos finais da ditadura
retroagiu e deu lugar a um conservadorismo que se tornou a justificativa ideológica
do golpe jurídico-parlamentar- midiático de 2016, pavimentando o caminho para a
ascensão e vitória da extrema-direita nas últimas eleições.

. Os petistas caíram na ilusão de que a burguesia era monogâmica, e que o


casamento entre o PT e as classes dominantes seria permanente, ledo engano,
bastou a crise do capital para desfazer essa ilusão amorosa. Como é bem
tematizado por Marx uma das tendências do capital é a “tendência a queda da taxa
de lucro”, levados pela concorrência os capitalistas são obrigados pela dinâmica
inerente da acumulação capitalista a investir cada vez mais em capital constante
( maquinas, instalações etc.), em detrimento do capital variável( Força de trabalho)
essa lei gera uma super acumulação em um setor da produção, alterando a
composição orgânica do capital levando a queda da taxa de lucro, pois, somente o
capital variável produz valor e mais-valor, para reverter essa situação a fim de
recuperar sua taxa de lucro o capital aplica um conjunto de contra-tendências,
dentre elas : aumento da exploração do trabalho, rebaixamento dos salários,
barateamento do capital constante, utilização do exército industrial de reserva para
pressionar salários para baixo, busca de novos mercados, aumento do capital em
ações. Essas medidas contra tendenciais são aplicadas pelo estado, aqui cai por
terra a segunda ilusão da estratégia gradualista a de que o estado pode mudar seu
caráter de classe a depender de quem o ocupa, pois, independente da forma
(democrática, monarquia constitucional, parlamentar etc.) na ordem burguesa o
estado é sempre o estado do capital- a classe que é economicamente dominante é
politicamente dominante no aparelho de estado.

Se com a crise da autocracia burguesa nos finais da década de 1970, as


classes dominantes encontraram como solução para acomodar as demandas dos
trabalhadores uma forma política pautada na democracia de cooptação que conciliou
acumulação capitalista com políticas sociais focalizadas, na presente conjuntura ao
que tudo indica o capital necessita reconfigurar a autocracia burguesa. Mauro Iasi
em estudo recente chamado 5 teses sobre a formação social brasileira, chega a
essa conclusão. Vejamos.

A conclusão, […] é que a base econômica que se esperava


ser a base para o processo de democratização da política converteu-
se na base que exige a negação dessa forma democrática e
reatualiza as bases da autocracia burguesa naquilo que lhe é
fundamental, isto é, uma ordem que encontra sua legitimidade nos
estreitos limites daqueles que dela se beneficiam, restando aos
demais a imposição violenta dos meios coercitivos e a intensificação
dos mecanismos explicitamente ideológicos que encobrem e
justificam a ordem social existente. […]. Por isso, estamos
convencidos que para os interesses burgueses, a democracia de
cooptação é preferível à ditadura aberta. No entanto, não se trata de
preferências, mas de necessidades. A ordem democrática cumpriu
seu papel, mas as demandas e necessidades da acumulação de
capital agora exigem o sacrifício da ordem democrática no altar da
valorização, e os sacerdotes se empenham em convencer os fiéis
que é para sua salvação. [ 6]
Neste sentido, ao que tudo indica a possibilidade de uma ditadura aberta do
capital está posta pela própria dinâmica da acumulação capitalista em nosso país.
Como caracterizar a forma com que se revestirá a autocracia burguesa no Brasil?
Para alguns companheiros estamos em franca escalada fascista, mesmo não sendo
similar ao fascismo clássico das décadas de 20 e 30, o movimento neofascista
brasileiro é a resposta das classes dominantes para as contradições da sociedade
brasileira. Penso, que é preciso aprofundar essa questão, coisa que faremos em um
próximo texto.

Referências

[1] SADER, Emir. 10 anos de governo pós-neoliberais no Brasil.


Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Blog/Blog-do-Emir/10-anos-de-
governos-pos-neoliberais-no-Brasil/2/27172

[2] IASI, Mauro. As manifestações de massa e a dimensão estratégica.


Plinio Sampaio Jr. (Org) Jornadas de junho- A revolta popular em debate. Instituto
Caio Prado Jr. 1ª edição: junho de 2014.

[3] ________Senso comum e conservadorismo o PT e a desconstrução


da consciência de classe. Disponível em:
https://blogdaboitempo.com.br/2013/04/25/senso-comum-e-conservadorismo-o-pt-e-
a-desconstrucao-da-consciencia/.

[4] _________ De onde vem o conservadorismo? Disponível em:


blogdaboitempo.com.br/2015/04/15/de-onde-vem-o-conservadorismo/.

[6] ________Cinco teses sobre a formação social brasileira ( Notas de


estudo guiadas pelo pessimismo da razão e uma conclusão animada pelo otimismo
da prática. Texto-base da mesa de abertura do 12º Seminário do Serviço Social da
Cortez Editora (6 de maio de 2018), originalmente publicado na Coleção Carlos
Nelson Coutinho, volume IV, organizado pela professora Sara Granemann, pelo
PPGSS da ESS da UFRJ (2018) e alterado para esta publicação.

[5] -MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo:


Centauro, 2002.

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