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Introdução
O objetivo do presente trabalho é o de analisar historicamente, de acordo com as
limitações dadas, o modo em que a educação escolar brasileira relacionou-se com o
sistema de trabalho capitalista, compreendo a educação escolar a partir de dois eixos
principais: a relação entre capital produtivo e capital improdutivo (falsos custos) e a
função da escola enquanto sistema de ensino.
Dessa forma, tenta-se afastar de análises que se pautam em temas em detrimento
de categorias, cujo esforço é o de entender o funcionamento da escola como sistema e,
conseqüentemente, negar conceitos de cunho liberal que se pretendem universal.
Quando se pontua pela afirmação da relação entre sistema produtivo e escola, para em
seguida compreender o trabalho improdutivo dentro da escola estatal, passa-se a
relacionar as diversas formas de educação, dentre elas a escolar, como um dos
instrumentos de hegemonia da burguesia sobre o proletariado. E vice-versa, apesar do
Estado ser burguês, o acúmulo de forças para a mudança mais geral da correlação de
forças faz parte da perspectiva tática do proletariado.
Tentar-se-á demonstra que atualmente as intervenções na educação são baseadas
na crença da cidadania, desconexas de um projeto de poder que procure revolucionar a
sociedade para a construção de um novo modo de produção. Tais intervenções políticas
negam a principal categoria de análise existente: o trabalho enquanto instrumento de
transformação da natureza por parte do homem. Se o trabalho deixa de ser a categoria
central, a exploração de uma sociedade de classes sociais desaparece no plano
ideológico, pois se não é o trabalho que gera valor, não há exploração do homem pelo
homem. Temas como democracia, professor reflexivo, aluno crítico, cidadania são
alçadas à categorias analíticas na educação, o que traz o prejuízo para o entendimento
2
Portanto, a escola somente tem sentido a partir dos mecanismos que a relacionam com
as relações de produção existentes e o desenvolvimento das forças produtivas.
Diante disto, a mercadoria da escola produzida pelo professor, em síntese, é o
conhecimento, que é constantemente produzido no seio do processo educativo, portanto,
é uma produção social, mas tem sua apropriação feita de forma privada, diferente e
desigual, dependendo do lugar de classe que o indivíduo ocupa. A escola somente tem
sentindo na reprodução do modo de produção, entendida sob dois aspectos: a
reprodução da força de trabalho e das forças produtivas, o que significa coadunar-se
com as mudanças e as transformações das forças produtivas e submeter à força de
trabalho a tais transformações; e a reprodução ideológica, que incidi na inculcação da
ideologia da classe dominante às classes dominadas. Entretanto, o conhecimento não se
separa do professor, e portanto não ocorre o processo de alienação que produz o
feitichismo da mercadoria,2 pois não se pode comparar o professor a um trabalhador em
sentido formal, como a um operário. 3 Por conseguinte, o único mecanismo (produto)
que liga a escola e o professor aos aspectos do modo de produção existente é o
conhecimento, e não o aluno, o professor, a didática, a aula etc., como é colocado por
teorias de cunho iluminista ou liberal-conservador, que tem como objetivo a
mistificação pedagógica da escola e do próprio capitalismo.
Como o modo de produção vigente é o capitalista, a escola tem o intuito de
reproduzir o modo de produção capitalista através da reprodução da força de trabalho
submetida ao desenvolvimento das forças produtivas correspondentes com o atual
estágio do capitalismo, e de persuadir ideologicamente os indivíduos sob uma dada
representação superestrutural da estrutura capitalista, que é a burguesa. Segundo
Althusser (1985, p. 58)
a reprodução da força de trabalho não exige somente uma reprodução
de sua qualificação mas ao mesmo tempo uma reprodução de sua
submissão às normas da ordem vigente, isto é, uma reprodução da
submissão dos operários à ideologia dominante por parte dos
operários e uma reprodução da capacidade de perfeito domínio da
ideologia dominante por parte dos agentes da exploração e repressão,
de modo a que eles assegurem também ‘pela palavra’ o predomínio da
classe dominante.
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geral e universal. Mesmo muito tempo após a Revolução Neolítica, responsável pela
fixação do homem na terra, necessitou-se de um amplo desenvolvimento das forças
produtivas posterior ao elementar controle da produção de alimentos para que surgissem
no seio da estrutura classes sociais.
Esse amplo desenvolvimento resultou no que Marx chamou de sociedades
asiáticas, do qual resulta do elo entre comunidade abstrata e comunidades locais,
abrindo espaço para a formação de um governo central sob uma produção também
centralizada. Em tal modo de produção, necessitou-se de funcionários especializados,
pois se passou a fazer obras públicas que ligassem a comunidade abstrata a
comunidades locais, o que só foi possível devido a um desenvolvimento das forças
produtivas que significou a criação de excedentes e a não existência da propriedade
privada, uma vez que era monopólio do Estado. Com o tempo a sociedade abstrata
sobrepôs-se às comunidades locais, formando estrutura apta à propriedade privada,
como a posse particular da terra e posteriormente a apropriação desigual da renda.
Assim sendo, a passagem de uma sociedade que criou uma casta de funcionários para o
Estado para uma sociedade baseada na propriedade privada designou os fundamentos do
modo de produção escravista.
A educação nada mais fez do que acompanhar o desenvolvimento das forças
produtivas, criando uma força de trabalho apta a realizar o trabalho que produzisse e
reproduzisse o modo de produção. Na sociedade comunista primitiva a educação era
geral e universal, cuja especificidade visava à universalidade da produção. Com a
formação de uma casta de funcionários, a educação antes fundamentada no específico
de uma universalidade passou ao particularismo de uma educação não mais universal.
Com o modo de produção escravista a passagem é completada, e do específico da
universalidade, passou-se ao particularismo da apropriação privada. A produção do
conhecimento continuava sendo universal, mas sua apropriação tornou-se privada,
relacionada à perpetuação de um estado de sociedade dividida em classes sociais.
Na Grécia o trabalho escravo foi o alicerce da produção, o que possibilitou a
criação de uma aristocracia desvinculada do trabalho manual. Nessa sociedade já havia
uma clara divisão entre trabalho manual e intelectual. Enquanto que aos escravos era
reservado o trabalho manual e produtivo, a aristocracia ligava-se somente ao trabalho
intelectual e ao ócio. A aristocracia vinculava-se à ciência e à filosofia, o que era
6
Têm-se duas conseqüências a indicar com esse processo, uma de ordem política,
outra de ordem econômica: a primeira foi a necessidade de remodelação do projeto
iluminista de hierarquia das capacidades independente da origem de classe, o que não
significou abandoná-lo, projetando um sistema de ensino reprodutor para o conjunto da
sociedade embasado na individualização constante, tanto do “sucesso” quanto do
“fracasso” individual e social; a segunda é que agora existia capital suficiente para
construir um Estado condizente com as necessidades de acumulação ampliada do
capital, imobilizando capital produtivo para formar capital improdutivo, cujo objetivo
não foi outro senão o de formar um aparato repressor e ideológico para o modo de
produção capitalista, em nível cada vez mais internacional, amparado na divisão
internacional do trabalho. No capitalismo concorrencial, à época de Marx e Engels, o
primeiro movimento foi o de imobilizar capital produtivo em improdutivo em virtude
das necessidades oriundas da luta de classes entre burguesia e proletariado. Se a policia
e o exercito nacional foi o eixo repressor, a escola foi o principal eixo ideológico. Marx
(1983, p. 97) sobre isto diz:
O próprio processo de reprodução implica funções improdutivas.
Trabalha tão bem quanto outro, mas o conteúdo de seu trabalho não
gera valor nem produto.5 Ele mesmo pertence ao faux fais 6 da
produção. Sua utilidade não consiste em transformar uma função
improdutiva em produtiva, ou trabalho improdutivo em produtivo.
Seria um milagre se semelhante transformação pudesse ser efetuada
mediante tal transferência de função. Sua utilidade consiste muito
mais em que uma parte maior da força de trabalho e do tempo de
trabalho da sociedade seja imobilizada nessa função improdutiva. 7
dadas e com a burocracia estatal. Tal divisão, por sua vez, somente pode ser explicada
pelo fato do sistema de ensino fundamentar-se na divisão social do trabalho, cuja lógica
é o aumento da produtividade a partir da coesão entre desenvolvimento das forças
produtivas, capital produtivo-processo de trabalho e mercado industrial de reserva de
mão de obra. A divisão social do trabalho, bem como a coesão citada, são as
determinantes do sistema de ensino burguês. Achar que é possível superá-la pelo
próprio sistema de ensino, recorrendo a aspectos essencialmente pedagógicos, é uma
crassa ilusão iluminista que em nada corresponde com a realidade. Como diz Freitag
(2005, p. 54),
os investimentos educacionais vistos no contexto da reprodução
ampliada precisam ser compreendidos como investimentos em capital
variável, que tornará mais eficiente investimentos em capital
constante, aumentando com isso a produtividade do processo de
produção e reprodução capitalista.
O atual sistema brasileiro de ensino burguês: diretrizes gerais do ensino dadas pela
imobilização do capital improdutivo em favor do capital produtivo
Nos primórdios da instrução pública ainda em meio a Revolução Burguesa, a
educação pretendia-se universal, baseada na crença das capacidades naturais dos
indivíduos, harmonizando a sociedade entre os que têm capacidade para a
intelectualidade e os que têm para o trabalho manual, independente da classe social a
qual pertencia, e não entre os que detêm os meios de produção e os que não detêm
restando vender sua força de trabalho para poderem reproduzir suas vidas. Como se viu
essa perspectiva compreendia a reprodução do novo modo de produção e o
derrocamento do antigo modo de produção feudal, fundamentada ideologicamente na
predestinação sobrenatural dos indivíduos. Assim, a educação burguesa rompeu com o
predeterminismo religioso, mas não com o predeterminismo solipsista e individualista
fechado no próprio indivíduo. Portanto, a igualdade burguesa é antagônica à igualdade
feudal, e por isso não é universal, pois não ataca a apropriação privada da produção.
O que os teóricos burgueses formularam foi uma sistematização cuja lógica é a
do realinhamento ideológico do que é escola e indivíduo. Na filosofia burguesa, o
indivíduo está em primeiro plano, no qual é o que é devido a ele próprio. Contudo, o
indivíduo é condicionado pelas suas relações sociais e pelo modo que está inserido no
processo de trabalho existente. O indivíduo “obtém” somente o que as relações que o
condicionam o permitem, inclusive o referido “sucesso” escolar.
Mas convém analisar o modo que se deu à criação e o desenvolvimento do
sistema de ensino no Brasil e como tal sistema sempre atendeu os interesses da
burguesia brasileira no primeiro momento e da burguesia internacional no segundo
momento, a fim de pontuarmos sucintamente as atuais diretrizes do sistema de ensino
brasileiro.
O Brasil colonial fundamentava-se em um modelo exportador de matérias-
primas para a metrópole portuguesa. Isso fez com que o Brasil não criasse um parque
industrial, acompanhando mecanicamente, de acordo com os interesses da metrópole, o
14
desenvolvimento econômico, social e político que ocorria na Europa. Esse fato histórico
marcou não somente a história das políticas governamentais brasileiras em fomento à
industrialização, mas também as políticas de educação e as discussões de teóricos da
área.
No Brasil colônia a educação de forma sistematizada deu-se com os jesuítas. Foi
uma educação estatal, pois refletia os interesses da metrópole e dos dirigentes da coroa
portuguesa no Brasil. Exemplo disto é a forma em que ocorreu a educação jesuítica, que
se focava nos índios em detrimento dos negros. Após a consideração por parte da Igreja
Católica que os negros não possuíam alma e os índios sim, cabendo catequizá-los, os
jesuítas no Brasil refletiram tal decisão (obviamente com exceções). Não se pode deixar
de citar que a decisão da Igreja refletia os interesses econômicos de comercialização das
companhias de uma nova mercadoria (o escravo) e de produção dos senhores de escravo
(trabalho escravo). Para isso, o escravo para ser mercadoria deveria ser coisificado, caso
contrário não poderia participar do mercado de troca de mercadorias.
Conseqüentemente, os jesuítas no Brasil apenas estenderam seus entendimentos do
caso, não os educando, afinal se os escravos se apropriassem dos conteúdos que faziam
com que um ser humano deixasse de ser animal (de acordo com a filosofia cristã, a
hegemônica na época), como que os escravos continuariam a ser coisas e, portanto
mercadorias? 8
O que se pode referendar é que a educação jesuítica preocupava-se fortemente
com a reprodução ideológica, até porque o nível técnico exigido para o trabalho na
monocultura era mínimo. Com o desenvolvimento tecnológico e das forças produtivas
no Brasil a preocupação com a técnica nos próprios conteúdos ministrados aumentaram.
O fato é que no Brasil colônia a técnica foi secundária, uma vez que a preocupação
sempre foi a formação da classe dirigente, inclusive dos futuros jesuítas.
O quadro mudou com a reforma pombalina e posteriormente com a abertura dos
portos e a queda do decreto que proibia o Brasil de possuir máquinas, que o impedia de
construir um parque industrial e tecnológico. A mudança do trabalho escravo para o
trabalho assalariado foi outro fator importante, senão o preponderante, o que fez com
que surgissem instituições e fortalecesse o Estado como um todo. Essa mudança
corroborou-se pelo advento do capital industrial baseado em novos processos de
produção e circulação de mercadorias que, frutos da acumulação após a primeira
15
Como projeto de nação, a educação passou a ser vista pela elite aristocrática e
pela nascente burguesia brasileira como algo fundamental e até mesmo em alguns
momentos fundante do desenvolvimento da sociedade brasileira, da passagem de um
país rural para um país urbano, de um país agrário para um país industrial. Nesse
sentido na década de 20 do século passado passou a ocorrer uma grande discussão
acerca da educação escolar e da forma que se poderia impulsionar através dela o
desenvolvimento da sociedade brasileira. É o contexto em que foi produzido em 1932
por alguns intelectuais o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: a reconstrução
educacional no Brasil, ao povo e ao governo, manifesto em que se consubstanciaram os
anseios da nascente burguesia industrial brasileira. Princípios postos na Revolução
Burguesa foram contemplados, como laicidade da educação e do Estado,
obrigatoriedade do ensino, universalidade, etc.
Apesar de refletir os interesses da burguesia industrial foi um documento
importante, pois ainda neste momento a educação, além de atender poucas pessoas,
sendo que as poucas escolas estatais atendiam somente os filhos das elites agrária e
industrial, era em grande parte empreendida pela Igreja através das escolas filantrópicas
e confessionais, pois a instituição da república fez somente com que os filhos da
burguesia saíssem do raio de atuação da Igreja, mas não fez com que a Igreja perdesse
sua influência na função de reprodução ideológica no âmbito da sociedade brasileira
pós-colonial. Pode-se dizer que o processo pelo qual a burguesia européia passou em
relação ao binômio Estado e Igreja iniciou-se no Brasil quase cem anos depois. O
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problema é que a impressão é que ainda não terminou, como atesta a atual LDB, que
ainda declara o ensino religioso obrigatório para o Estado e optativo para a criança.
O documento teve desdobramentos políticos importantes, dentre eles a
construção da Universidade de São Paulo em 1934 para a formação também de
professores e a inclusão na ordem do dia da educação ser abarcada pela maquina estatal
propriamente dita, isto é, financiada pelo Estado. Não obstante, princípios pré-
deterministas postos do corolário burguês estão contidos, como a construção de uma
sociedade baseada na hierarquia das capacidades. Se o objetivo era a universalidade, há
a necessidade de compreender que a universalidade ali discutida era a burguesa,
portanto, a universalidade de condições de uma sociedade de classes, uma
universalidade que no fundo objetivava a reprodução da apropriação privada. Prova
disto foi a inserção dos testes psicológicos, “atestando” quem tinha “condições”
cognitivas para o trabalho manual e quem tinha para o trabalho intelectual.
Após a tomada de poder de Vargas em 1930 e após o Manifesto em 1932 – aliás,
a pedido do próprio Vargas em uma reunião da ABE (Associação Brasileira de
Educação) – foi estabelecida na Constituição de 1934 a necessidade de formar um Plano
Nacional de Educação, dando caráter nacional à educação escolar. Também foi posto o
sistema de financiamento nos moldes atuais de repartição entre os entes federativos
(União, Estados e Municípios), a obrigatoriedade na instrução primária “e o ensino
religioso” tornou-se “facultativo” (FREITAG, 2005, p. 90).
Em 1937, em pleno Estado Novo, houve mais dois pontos importantes para a
constituição da educação brasileira enquanto sistema direcionado para a reprodução do
modo de produção capitalista, que é a introdução do ensino profissionalizante e a
obrigatoriedade “das indústrias e dos sindicatos criarem escolas de aprendizagem na
área de sua especialização para os filhos de seus empregados e membros” (FREITAG,
2005, p. 90). Vargas e Gustavo Capanema (ministro da educação) de fato foram os que
iniciaram a formação em nível nacional do sistema de ensino brasileiro propriamente
burguês, pois além de ter atendido a necessidade de reprodução ideológica através das
aulas de moral e civismo, colocou-o para formar a força de trabalho à luz do
desenvolvimento das forças produtivas. Não havia espaços de formação de mão de obra,
cabendo a escola fazê-la. O sistema de ensino tornou-se no Estado Novo mais
sistematizado e orgânico ao modo de produção capitalista.
17
de vista da forma não seja nos moldes de outras mercadorias diferentes da mercadoria
conhecimento. Marx chama estas mercadorias de “formas de transição”.14
Também é importante apontar que a Lei 5.540/68 somente pode ser analisada a
partir do que se chama de acordos MEC/USAID, que também teve seus desdobramentos
em outros níveis de ensino. Os acordos MEC/USAID não ficaram na reforma no ensino
superior, mas se estenderam em reformas no ensino fundamental e médio. Em 1971 foi
promulgada a Lei 5.692, que modificou estruturalmente o ensino até então, pois
determinou, por exemplo, a extinção das disciplinas de Geografia e de História, que
foram substituídas pelo ensino de Estudos Sociais e a transformação do então ensino de
2º grau em ensino profissionalizante. A conseqüência foi a diminuição da qualidade do
ensino fundamental estatal, com a respectiva valorização do ensino particular, e a
conseqüente elitização do ensino universitário através do vestibular e do rebaixamento
dos conteúdos ministrados no ensino estatal, 15 que impedem até hoje o acesso de grande
parte da população à universidade estatal. Mas o fio norteador das políticas oriundas dos
acordos MEC/USAID e da lei especificamente foi o da massificação de técnicos
formados no ensino médio, objetivando tanto a formação da força de trabalho
minimamente qualificada para as forças produtivas dadas pelos equipamentos de
segunda mão importados dos grandes Estados imperialistas, quanto a formação de um
amplo mercado de reserva para as indústrias brasileiras e internacionais. Convém
salientar que foi nesta lei, de forma mais definida, que se promulgou a constituição de
uma instituição para a busca de recursos não estatais para escola, que é, a saber, a APM
(Associação de Pais e Mestres). A intenção é tão clara que a formação desta instituição
vem na seção de financiamento da lei. Pode-se dizer que a APM foi a primeira fundação
de direito privado na educação escolar, e esta experiência é fundamental para os futuros
projetos empreendidos pelos mais diferentes governos burgueses nas diferentes esferas
do sistema de ensino, pois foi algo projetado nacionalmente.
Outra coisa importante que norteou nesse período as políticas educacionais e que
se estende aos dias atuais foi a necessidade de rebaixamento do nível dos
conhecimentos ministrados, o que faz parte de uma lógica mais ampla do que a mera
discussão pedagógica na academia, secretarias e professorado. Isso sempre acontece
quando a população quebra uma barreira burocrática dada pela divisão entre trabalho
manual e intelectual no sistema de ensino, pois em seguida criam-se reformas baseadas
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forma, pois, segundo Freitag (2005, p. 202), se o objetivo foi o de treinar e inserir de
forma mais orgânica um segmento do proletariado no processo produtivo, por outro
encontrou a competição desenfreada dos empresários da educação na busca de
“clientes”, o que acabou se traduzindo em cursos abaixo do que governo e burguesia
esperavam, já que na busca de alunos novos os cursos não tinham pudor em eliminar
matérias, diminuir bruscamente a carga horária etc., algo muito próximo ao que ocorre
hoje com os cursos à distância. Por isso toda reforma é uma correlação de forças, não
somente entre burguesia e proletariado, mas entre as frações da burguesia e do próprio
proletariado.
O fato de no começo do século XX os objetivos da burguesia serem o
financiamento estatal e no começo do século XXI a privatização não é uma contradição.
Pelo contrário, é explicada pela conjuntura da reprodução ampliada em seus devidos
contextos. Se no início do século passado o objetivo da burguesia brasileira era o de
formar uma superestrutura ideológica, agora o intuito é o de reorganizar o Estado em
meio à reorganização produtiva do capital sob o neoliberalismo, o que implica na
diminuição das políticas sociais de longo prazo e de objetivos mais definitivos em
virtude da necessidade de “transformar” trabalho improdutivo em produtivo.
Exatamente por isso as políticas compensatórias não são uma contradição, pois em
algum momento a renda recebida entrará no processo de circulação e de produção
através do consumo de meios de subsistência. 16
Justamente, as políticas de focalização em detrimento daquelas de
universalização passaram a dar as diretrizes ideológicas e práticas da educação
brasileira, como a LDB 9.394/96, e a Lei 9.424/96, o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. A Lei
9.424/96 caracterizou-se pela focalização dos investimentos no ensino fundamental de
1ª a 8ª séries em detrimento de investimentos em educação infantil, ensino médio,
supletivo, ensino profissionalizante e ensino universitário (graduação e pós-graduação).
É com esta diretriz que o ensino médio avançou rumo ao sucateamento, provocando em
alguns Estados reformas curriculares drásticas, que retiraram conteúdos de ensino
científico para inserir conteúdos não científicos, muitas vezes ministrados por ONGs. O
ensino universitário, principalmente o federal, foi sufocado pela retirada constante de
financiamento, enquanto que a rede particular de ensino superior expandia-se e se
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Considerações finais
Há algumas conclusões sobre a educação escolar de uma forma geral e o modo
como atua em uma sociedade capitalista monopolista como a brasileira:
A primeira conclusão é que a relação da educação com a existência de classes
sociais está na separação cada vez maior da relação ontológica entre educação e
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trabalho. Quanto mais se avança em uma sociedade baseada em classes sociais, mais a
educação desvincula-se do trabalho, o que faz com que a educação seja algo existente
para explicar e dar organicidade ao que é condicionado pelo modo de produção.
Segundo, há uma relação entre capital produtivo e capital improdutivo que se dá
não somente pela formação de uma estrutura improdutiva, mas necessária à reprodução
simples e ampliada do capital produtivo, porém também pela “transformação” do capital
improdutivo em produtivo – capital produtivo e capital improdutivo são contrários mas
não necessariamente antagônicos.17 Isto faz parte da reorganização do sistema produtivo
e conseqüentemente do Estado que se iniciou nos fins dos anos 70 e que perdura aos
dias atuais, conhecido como neoliberalismo.18
Terceiro, na fase de monopólio do capital, diferentemente do capitalismo
concorrencial, a educação escolar modifica seus conteúdos na reprodução ampliada,
pois além de seguir a lógica da menor imobilização do capital improdutivo em favor do
produtivo através do aumento de trabalho produtivo em detrimento do improdutivo,
atende a outro, que é obviamente sua funcionalidade ideológica. Se antes tal
funcionalidade era dada pelas relações de trabalho taylorista-fordista compreendida pelo
processo de trabalho capitalista, agora a funcionalidade ideológica concorre por
intermédio das relações de trabalho toyotistas, que se fundamentam em outros
mecanismos de regulação das relações de trabalho (just in time, por exemplo). O eixo
central da reprodução ideológica mudou. Agora, a centralidade do processo educativo
na escola se dá pela educação da empregabilidade, no qual o empreendedorismo, a
resolução de problemas pelo voluntarismo e a idéia de participação popular através da
cidadania perpassam os trabalhos nos documentos oficiais do MEC e das diversas
secretarias estaduais e municipais de educação, e logicamente, da academia.19
Surgem modismos pedagógicos que atendem essas premissas, como a pedagogia
do empreendedorismo, ou pedagogias voltadas para a criação de uma ideologia de
resolução de problemas nos moldes das fábricas centradas no indivíduo, mesmo
possuindo o trabalho coletivo como fundamento. Inúmeros são os exemplos de atuação
de ONGs que oferecem cursos com dinheiro estatal voltados a essa perspectiva.
Também inúmeras iniciativas surgem nas instâncias governamentais em diversas
secretarias no sentido de implementar tais pedagogias, no qual o objetivo é a
flexibilização através da relativização dos conhecimentos.
24
Referências
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ideológicos de estado (AIE). 9ª Ed. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura
Viveiros de Castro: introdução crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1985.
CORNFORTH, M. Introdução ao materialismo dialético: o materialismo dialético..
Tradução de Maria Helena Lopes. Lisboa, Estampa, 1976.
FILHO, C. Imperialismo. Tomo III. Rio de janeiro: Calvino Filho Editor, 1952.
FINN, D.; GRANT, N.; JOHNSON, R. Democracia Social, Educação e Crise. In: Da
ideologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores S.A., 1980.
FREITAG, B. Escola, Estado e Sociedade.7ª Ed. São Paulo: Centauro, 2005.
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Ática, 1985.
_________________. Apresentação. In: O Capital: crítica da economia política.
Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. Livro. I. Vol. I. Tomo I. São Paulo:
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LENINE, V. I. Materialismo e Empiriocritismo: notas críticas sobre uma filosofia
reacionária. Edições Avante! – Edições Progresso: Lisboa – Moscou, 1982.
____________. Imperialismo, etapa superior do capitalismo. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000022.pdf
____________. O Estado e a Revolução. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000019.pdf
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Tradução de Regis Barbosa e
Flávio R. Kothe. Livro. I. Vol. I. Tomo I. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
27
18
A terceirização é um exemplo dos atuais mecanismos de acumulação no neoliberalismo, que é uma empresa formada para
trabalhos normalmente improdutivos, mas que por ser uma empresa, que é paga com dinheiro estatal que em algum
momento saiu do capital produtivo em seu processo de produção e de circulação, há a transformação do serviço de um
faxineiro, por exemplo, em mercadoria. A transformação de trabalho improdutivo em produtivo é direcionada e amplamente
incentivada pelos mais diferentes mecanismos estatais. É um processo que acontece em toda a máquina estatal, inclusive a
educação. Nas universidades isto se dá pelo advento das fundações de direito privado, que passam a cobrar mensalidades e
assim auferem lucros com o capital fixo dado pelo próprio Estado, pois normalmente os cursos são dados nas próprias
instalações das universidades estatais.
19
Infelizmente devido aos limites do presente trabalho, não há possibilidade de se adentrar de forma mais detida na relação
entre relações de trabalho do processo de trabalho capitalista atual com as mudanças teóricas no âmbito da Pedagogia.
Fazem-se necessárias pesquisas que tenham por objeto tal relação, pois a hipótese aqui defendida é que há uma relação
intrínseca. Tal relação é subsidiada na análise da relação na história da educação, particularmente o exposto sobre as
políticas da educação na ditadura militar pautadas no tecnicismo pedagógico.
20
Disponível no site oficial www.psdb.org.br