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ESTADO DO CEARÁ

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
GABINETE DESEMBARGADOR FRANCISCO BEZERRA
Processo: 0044880-18.2012.8.06.0001 - Apelação
Apelante: Maria Eunice Brandão
Apelado: Época Engenharia Importação Comércio Ltda

EMENTA: PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE ENTREGAR COISA CERTA


C/C COBRANÇA DE MULTA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PEDIDO DE ANULAÇÃO DA DECISÃO POR
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. RECONHECIDO. AFRONTA AO ART. 93, IX,
CRFB/88 E AOS ARTS. 11 E 489, DO CPC/2015. NÃO APRECIAÇÃO DOS PRINCIPAIS
PONTOS DA CAUSA E DA MAIOR PARTE DOS PEDIDOS. INFRA/CITRA PETITA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS
À ORIGEM.
1. Ao magistrado compete manifestar-se sobre a integralidade dos pedidos
contidos na exordial, bem como sobre eventuais preliminares arguidas pela parte
requerida, sob pena de proferir ato decisório citra petita.
2. O juiz é livre para decidir de acordo com o seu convencimento extraído das
provas e atos do processo, não estando adstrito ao rigorismo de nenhuma fórmula
ou requisito pré estabelecido. Todavia, essa liberdade é limitada pela necessidade
de motivação de seus julgados, sob pena de nulidade. Art. 93, inc. IX, CF e Arts.
11 e 489, do CPC/2015.
3. Uma vez constatada a inexistência/carência de fundamentação quanto a
qualquer um dos pedidos acolhidos, ou até mesmo a contradição entre as razões
adotadas para decidir, a nulidade da decisão é medida que se impõe.
4. Sentença anulada. Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Agravo de Instrumento, em que


figuram as partes acima referidas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da 4ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, a unanimidade, em conhecer do
recurso de Apelação, para LHE DAR PROVIMENTO, tudo nos termos do voto do
Desembargador Relator.

Fortaleza, 04 de fevereiro de 2020

FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE


Presidente do Órgão Julgador

RELATÓRIO
Cuida-se de apelação cível interposta por MARIA EUNICE BRANDÃO,
em face de sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca
de Fortaleza/CE, nos autos de Ação de Obrigação de entregar coisa C/C reparação de
danos em desfavor de ÉPOCA ENGENHARIA IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA.

Na parte dispositiva do referido decisum, o MM. Juiz de Piso assim se


manifestou:

“DIANTE DO EXPOSTO, (I) indefiro a preliminar de revogação da gratuidade judiciária,


(II) indefiro os pedidos liminares e (III) julgo improcedente a ação. Condeno a
promovente ao pagamento das custas processuais e dos honorários sucumbenciais,
estes no valor de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais), consoante art. 85, §2º, do
NCPC, visto que, mesmo sendo beneficiário da gratuidade judiciária, essa prerrogativa
não afasta a possibilidade de condenação no ônus sucumbencial, a teor do que
preceitua o art. 98,
§3º, do NCPC. Entretanto, a exigibilidade ficará suspensa e só poderá ser promovida se,
no período de até 5 anos, o demandado comprovar alteração da condição econômica da
demandante, de modo a demonstrar a possibilidade de satisfação desse débito sem
prejuízo do sustento pessoal ou familiar.

Irresignada com a decisão de fls. 144/152, a parte apelante apresentou o


apelo de fls. 155/166, onde alega em síntese que: a) restou admitido pela própria
empresa promovida, ora recorrida, que o prazo contratual para a entrega do imóvel era
31/12/2011, como consta de sua Contestação às fls. 85 dos autos; b) a promovida não
apresentou um único argumento para justificar seus atrasos na entrega do imóvel em
litígio, tampouco argumentos “pertinentes”; c) a demandante, ora recorrente, não
demonstrou nos autos os meios de que dispunha para efetuar o pagamento da parcela
que viria a ser financiada pela Caixa Econômica; d) a decisão do Juiz de Primeira
Instância, encontra-se viciada, posto que fundamentou informações que não constam
dos presentes autos, e que por tal razão, não há como subsistir, sendo passível a
anulação do decisum.

Requer, assim, o provimento do presente apelo, para anular a sentença


proferida pelo juízo de piso ou, subsidiariamente, a reforma da decisão Apelada.

Contrarrazões às fls. 170/189.

É o que importa relatar.

VOTO
É consabido que o procedimento recursal exige o preenchimento de
pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do
recurso interposto. Portanto, torna-se imperiosa, num primeiro momento, a análise dos
pressupostos recursais, em razão de constituírem a matéria preliminar do
procedimento recursal, ficando vedado ao Tribunal o conhecimento do mérito no caso
de não preenchimento de quaisquer destes pressupostos.

Tais pressupostos são classificados como intrínsecos (cabimento,


interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de
recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo). Os
pressupostos intrínsecos estão atrelados ao direito de recorrer, ao passo que os
extrínsecos se referem ao exercício desse direito.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente


Apelo e passo agora ao deslinde meritório.

Cuida-se de apelação cível interposta por MARIA EUNICE BRANDÃO,


em face de sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca
de Fortaleza/CE, nos autos de Ação de Obrigação de entregar coisa C/C reparação de
danos em desfavor de ÉPOCA ENGENHARIA IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA.

Irresignada com a decisão de fls. 144/152, a parte apelante apresentou o


apelo de fls. 155/166, onde alega em síntese que: a) restou admitido pela própria
empresa promovida, ora recorrida, que o prazo contratual para a entrega do imóvel era
31/12/2011, como consta de sua Contestação às fls. 85 dos autos; b) a promovida não
apresentou um único argumento para justificar seus atrasos na entrega do imóvel em
litígio, tampouco argumentos “pertinentes”; c) a demandante, ora recorrente, não
demonstrou nos autos os meios de que dispunha para efetuar o pagamento da parcela
que viria a ser financiada pela Caixa Econômica; d) a decisão do Juiz de Primeira
Instância, encontra-se viciada, posto que fundamentou informações que não constam
dos presentes autos, e que por tal razão, não há como subsistir, sendo passível a
anulação do decisum.

Requer, assim, o provimento do presente apelo, para anular a sentença


proferida pelo juízo de piso, pois, segundo a parte Apelante, a referida decisão do juízo
de piso se encontra viciada, posto que fundamentou informações que não constam dos
presentes autos, ou, subsidiariamente, a reforma do decisum.

Compulsando os autos, verifica-se que assiste razão a irresignação da


parte Recorrente, merecendo acato o pleito recursal, conforme passaremos a expor.

Perlustrando a sentença recorrida, verifica-se que o juízo a quo não


analisou os fatos, documentos juntados e pedidos iniciais da parte Autora, pois traz
fundamentos não condizentes com os dos autos.

Da análise detida dos autos, pode-se verificar que a decisão primeva traz
fundamentos genéricos sobre contratos de compra e venda de imóveis, cujas obras
atrasam, ensejando demandas processuais, mas não faz valoração jurídica do que
efetivamente foi apresentado pela parte Autora e pela parte Ré na respectiva ação, a
qual tipificou o que se encontra descrito no art. 489, III, do CPC/2015.

O juízo de piso traz em parte de sua decisão os seguintes argumentos:

[…]

Ocorre que as Empresas Imobiliárias, ao efetuarem e venda de imóveis, costumam fixar


nos contratos o denominado prazo de tolerância, segundo o qual se estabelece o poder
do vendedor prolongar, por um tempo razoável, a entrega do imóvel para após o prazo
de entrega, sem a incidência de ônus, sob o fundamento de que a experiência tem lhes
mostrado que nos empreendimentos dessa natureza ocorrem incidentes sociais,
trabalhistas e tributários que lhes acarretam ingerências que exigem uma dilação do
tempo para a conclusão da obra sem caracterizar atraso na construção.

Diante disso, a jurisprudência brasileira, da qual sou partidário, interpreta que essa
conduta é juridicamente aceitável, sob o fundamento de que esses empreendimentos
estão sujeitos a diversos fatores que causam circunstâncias que impedem a finalização
da obra no tempo originalmente fixado, de modo que o prazo de tolerância é permitido,
mas reputa-se indigno a entrega do imóvel para após essa extensão, sendo tolerado a
extensão em até 180 dias. […]

De modo que, a extrapolação do prazo de 180 dias não é juridicamente aceitável, salvo a
existência de situações restritas de caso fortuito e força maior que inviabilizem a entrega,
cabendo ao juízo averiguar detidamente os motivos que dessa extensão para medir a
eventual aceitação ou denegação dessa extensão.

Apreciando a pretensão autoral, verifica-se que a requerida se comprometeu em


entregar o imóvel aos requerentes em abril/2013, com um prazo de tolerância de
180 dias, portanto até outubro/2013, entretanto, até o ajuizamento desta ação
(21.11.2012) e no decorrer deste processo, mencionado imóvel não foi repassado.

Com efeito, o atraso da entrega de mencionado bem por 180 dias da data fixada é
juridicamente aceitável, conforme as razões acima expostas, contudo, a
extrapolação desse prazo exige apreciação dos motivos.

Ocorre que os argumentos lançados pela requerida para justificar referidos


atrasos são pertinentes, pois a demandante não demonstrou os meios de que
dispunha para efetuar o pagamento da parcela passível de financiamento, que
totaliza a quantia elevada de R$ 79.920,00.

Em suas razões, a requerente alega que a Caixa Econômica Federal gerou


obstruções contra a requerida, entretanto a demandante, não só não efetuou
minimante a prova desse ato, como informou que o seu nome estava negativado, o
que me leva a crer que as restrições da CEF estão contra a pessoa da requerente,
de modo que a impossibilidade de financiamento pela requerente dos valores
remanescentes estão demonstrados.

Portanto, a situação dos autos é clara quando se constata que a requerida não
entregou o imóvel no prazo fixado, entretanto essa omissão decorreu do fato da
requerente não dispor de condições financeiras para efetuar o pagamento da
parcela restante que totaliza grande parte do valor contratado, não podendo o
judiciário legitimar a entrega de um bem para quem não demonstrou dispor de
capacidade financeira para o seu total adimplemento.

Nessas circunstâncias, entendo que o presente caso torna inviável todos os


pedidos formulados pela requerente, demonstrando-se tratar-se de uma situação
de resilição unilateral, onde a requerente só possui o direito de ser ressarcida das
quantias despendidas, contudo como deu causa ao evento, cabe-lhe o dever de
perda do percentual de 25% sobre os valores pagos. […]

De bom alvitre ressaltar, antes de concluir, que, como os pedidos formulados nesta ação
não possuem nenhuma referência quanto essa questão da rescisão contratual, deixarei
assentadas essas conclusões para uma eventual pedido posterior de restituição dos
valores pagos. (Grifo nosso).

Percebe-se, claramente, que a parte grifada acima não condiz com a


realidade dos autos.

Verifico ainda que o juízo primevo não analisou os fatos de forma correta,
pois a parte Autora narra em sua peça inicial (fl. 05) que:

“No fim de maio de 2012, a Autora entrou em contato com a Sra. Germana Pereira
Costa, funcionária da Época Engenharia, via telefone, questionando o por quê da demora
na assinatura do financiamento com a Caixa Econômica Federal, sendo informada de
que a Época Engenharia estaria com seu nome inscrito nos cadastros de
inadimplentes do SERASA, e teria que resolver esta pendência antes de formalizar
contrato com a Caixa e chamar todos os compradores para assinar contrato de
financiamento bancário.”

Analisando o referido trecho acima, narrado pela Autora na exordial e


verificando os fundamentos do juízo a quo na sentença recorrida, pode-se aferir que o
magistrado interpretou erroneamente os fatos trazidos aos autos pelas partes, pois, ao
proferir a decisão, simplesmente disse que a Requerente (Apelante): “informou que o
seu nome estava negativado, o que me leva a crer que as restrições da CEF
estão contra a pessoa da requerente, de modo que a impossibilidade de
financiamento pela requerente dos valores remanescentes estão demonstrados.”

Ora, em nenhum momento nos autos, por nenhuma das partes, foi dito
que a Autora estava com o nome negativado ou com seu nome inscrito nos cadastros
de inadimplentes, pelo contrário, a parte Autora foi quem disse que a empresa
recorrida, “Época Engenharia, estaria com seu nome inscrito nos cadastros de
inadimplentes do SERASA, e teria que resolver esta pendência antes de formalizar
contrato com a Caixa […]”.

Ademais, é apontado ainda pela Recorrente que o juízo a quo não


apreciou todos os pedidos iniciais, muito menos justificou/fundamentou o porquê de
não ter analisado; inclusive, a Apelante reproduz os pleitos (fls. 23/25) que não foram
apreciados, os quais sejam:

• A reparação integral dos danos materiais sofridos pela Apelante, a ser pago em
uma única parcela, referente à devolução em dobro da quantia indevidamente
cobrada e paga a título de atualização monetária pelo INCC – Índice Nacional de
Custos da Construção, desde 31/12/2011 até a efetiva entrega das chaves à
Recorrente;

• A condenação da Apelada ao pagamento de multa legal prevista no Art.35, § 5º da


Lei 4.591/64, no importe de R$14.709,38 (quatorze mil setecentos e nove reais e
trinta e oito centavos), correspondente ao percentual de 50% sobre a quantia
efetivamente paga em virtude da referida contratação;

• A reparação dos danos materiais referentes aos alugueis pagos desde a data do
inadimplemento, qual seja, 31/12/2011, até a efetiva entrega das chaves à
Recorrente;

• A reparação integral dos danos morais sofridos pela Consumidora recorrente,


conforme discriminação detalhada às Fls 24 dos autos;

• Incidência de juros e correção monetária na forma da lei em vigor, nos= valores


devidos à Apelante;

• Seja a Apelada compelida a entregar a unidade imobiliária contratada


desembaraçada, concluída e acabada, conforme memorial descritivo do
empreendimento, IMEDIATAMENTE, ou em prazo razoável a ser estabelecido por
esta Corte, sob pena de multa a ser fixada por este Tribunal, em ambos os casos;

O fato do juízo de piso não ter analisado a maioria dos pedidos autorais,
faz com que a decisão se torne nula, posto que estaríamos diante de uma sentença
infra/citra petita, sendo, inclusive, matéria de ordem pública. Neste sentido, cito:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013266-91.2012.8.08.0048. APELANTE: BANCO BRADESCO


FINANCIAMENTOS S/A. APELADO: FERNANDO ARMELAU. Apelação adesiva.
APELANTE: FERNANDO ARMELAU. APELADO: BANCO BRADESCO
FINANCIAMENTOS S/A. RELATOR: DESEMB. SUBST. FÁBIO BRASIL NERY.
ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL PRINCIPAL E ADESIVO – AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE
DOCUMENTO CUMULADA COM PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL E
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – NULIDADE DE SENTENÇA INFRA PETITA –
POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO – RETORNO DOS AUTOS À
INSTÂNCIA DE ORIGEM – PREJUDICADOS OS RECURSOS DE APELAÇÃO
PRINCIPAL E ADESIVO INTERPOSTOS. 1 – É nula na sentença que não apreciou
todos os pedidos elencados na inicial, apreciando apenas um deles como se
cautelar preparatória fosse, embora seja incidental. 2 – Segundo entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, em caso de sentença citra petita, o Tribunal, de
ofício, pode anulá-la, determinando que outra seja proferida. 3 – Acolhida preliminar
de nulidade de sentença citra petita. Prejudicados os recursos de apelação principal e
adesivo interpostos. VISTOS, relatados e discutidos, estes autos em que estão as partes
acima indicadas. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, na conformidade da ata e
notas taquigráficas que integram este julgado, à unanimidade de votos, ACOLHER DE
OFÍCIO preliminar de nulidade de sentença citra petita, a fim de que os autos retornem à
origem para devida apreciação do julgador de primeira instância e, por conseguinte,
JULGAR PREJUDICADOS os recursos de apelação principal e adesivo interpostos, nos
termos do voto proferido pelo E. Relator. Vitória (ES), 21 de outubro de 2014. DES.
PRESIDENTE DES. RELATOR (TJ-ES – APL: 00132669120128080048, Relator:
ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON, Data de Julgamento: 21/10/2014,
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/10/2014)

Há de ressaltar ainda, que os referidos pedidos autorais que não foram


apreciados pelo juízo primevo, não podem ser analisados/apreciados neste grau de
jurisdição, consagrando o princípio da causa madura, tendo em vista que a respectiva
sentença se encontra nula em razão de incongruências que violaram o art. 489, § 1º,
incisos II, III, IV, do CPC/2015.

Salienta-se também, que a apreciação dos pedidos inciais, neste grau de


jurisdição, sem terem sidos analisados pelo juízo de primeiro grau acarretaria flagrante
supressão de instância, tendo em vista que o magistrado a quo em nada se
pronunciou sobre os pleitos acima reproduzidos.

A jurisprudência pátria já tem entendimento consolidado a respeito da


supressão de instância, a qual, neste mister, faço transcrição de alguns enxertos, in
verbis:

Agravo de Instrumento. Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Liminar deferida.


Veículo não localizado. Pedido de gratuidade de Justiça. Matéria ainda não
apreciada pelo juízo 'a quo'. Agravo não conhecido nesta parte sob pena de
supressão de instância. Decisão agravada que determina que a devedora fiduciante
indique o paradeiro do veículo, sob pena de aplicação de multa de 20% do valor da
causa, nos termos do artigo 77, IV, e § 2º, do NCPC. Impossibilidade. Afastada aplicação
da multa por ato atentatório à dignidade da justiça. Não há previsão legal para a
intimação do devedor para indicar o paradeiro do veículo, sob pena de multa por
litigância de má-fé, por se tratar de medida contrária ao princípio constitucional do devido
processo legal. Decisão reformada. Recurso parcialmente conhecido e, na parte
conhecida, provido.
(TJ-SP 21980270220178260000 SP 2198027-02.2017.8.26.0000, Relator: Francisco
Occhiuto Júnior, Data de Julgamento: 30/11/2017, 32ª Câmara de Direito Privado, Data
de Publicação: 01/12/2017)
Agravo de instrumento. Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Liminar
concedida para busca e apreensão do bem. Mora caracterizada. Manutenção do bem em
poder do devedor: excepcionalidade. Comprovação da imprescindibilidade para
desenvolvimento das atividades produtivas. Inexistência. Cobrança de encargos
abusivos. Discussão impertinente no âmbito desta ação. Pretensão à aplicação da teoria
do inadimplemento substancial. Pedido de gratuidade de Justiça. Matérias ainda não
apreciadas pelo juízo a quo. Agravo não conhecido nesta parte sob pena de
supressão de instância. Recurso conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido.
(TJ-SP - AI: 21992474020148260000 SP 2199247-40.2014.8.26.0000, Relator: Francisco
Occhiuto Júnior, Data de Julgamento: 27/11/2014, 32ª Câmara de Direito Privado, Data
de Publicação: 29/11/2014)

Agravo de instrumento. Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Pedido de


concessão dos benefícios da justiça gratuita efetuado na petição de interposição do
recurso do agravo: concessão, apenas para fins deste recurso. Pretensão, no mais, que
deve ser solicitada em primeira instância. Pretensão à aplicação da teoria do
inadimplemento substancial. Matéria ainda não apreciada pelo juízo a quo. Agravo
não conhecido nesta parte sob pena de supressão de instância. Manutenção do
bem em poder do devedor: excepcionalidade. Comprovação da imprescindibilidade para
desenvolvimento das atividades produtivas. Inexistência. Mora da fiduciante e
propositura de ação de busca e apreensão do veículo automotor. Devedora que solicitou
autorização para depositar a importância das prestações em atraso. Impossibilidade.
Pagamento integral da dívida: Prestações vencidas e vincendas. Necessidade. Exegese
do § 2º, do art. 3º do Decreto-lei nº 911/69, com as alterações introduzidas pela Lei nº
10.931/2004. Precedentes jurisprudenciais. Recurso improvido. Na atual sistemática (Lei
10.931/2004), e orientação do C. STJ, não cabe a purgação da mora apenas das
prestações vencidas, após o ajuizamento da ação de busca e apreensão, pois a
oportunidade para tanto é facultada ao devedor no período da notificação que antecede o
ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente. Por
purgação da mora se entende o pagamento das parcelas vencidas, vincendas e
encargos no prazo de cinco dias após a execução da liminar.
(TJ-SP - AI: 20215794820158260000 SP 2021579-48.2015.8.26.0000, Relator: Francisco
Occhiuto Júnior, Data de Julgamento: 26/02/2015, 32ª Câmara de Direito Privado, Data
de Publicação: 03/03/2015)

Desta Douta Corte:

APELAÇÕES RECÍPROCAS. SENTENÇA IMPROCEDENTE DO PEDIDO DE BUSCA E


APREENSÃO. CASSAÇÃO DA LIMINAR ANTES DEFERIDA. CONTRATO DE
FINANCIAMENTO DE VEÍCULO GARANTIDO POR ALIENEAÇÃO FIDUCIÁRIA. EM
SEDE DE CONTESTAÇÃO O REQUERIDO PROVA O ATRASO NO PAGAMENTO DA
15ª PARCELA DIANTE DA TRAMITAÇÃO DE PROCESSO NO JUIZADO ESPECIAL.
DIVISADO O POSTERIOR ESTADO DE ADIMPLÊNCIA ANTES DA PROPOSITURA DA
AÇÃO MEDIANTE COMPROVAÇÃO. NADA OBSTANTE, INSISTE A AUTORA NO
PROSSEGUIMENTO DAS MEDIDAS. CONDENAÇÃO EM LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ EX
OFÍCIO. POSSIBILIDADE. RESPALDO LEGAL. RESVALO PONTUAL DA DECISÃO
SINGULAR SOMENTE QUANTO A ORDEM DE SATISFAÇÃO DA MULTA, POR
ATRASO NA ENTREGA DO VEÍCULO, PELO QUE MERECE O DECOTE. DAÍ O
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DA AUTORA E NÃO CONHECIMENTO DO
APELO DO REQUERIDO DIANTE DE INOVAÇÃO RECURSAL 1. Rememore-se o caso.
A instituição financeira ingressou com a demanda de busca e apreensão, sob o
fundamento de que o Requerido não teria pago, aos 23.06.2014, a Parcela nº 15 do
contrato de alienação fiduciária em garantia para a aquisição de veículo. Desta feita,
alega que notificou o devedor por meio de protesto judicial. Contudo, em sede de
Contestação, o Promovido apresenta o pagamento da dita Parcela nº 15, aos
02.09.2013, às f. 50, antes do ajuizamento da presente ação e não o fez tendo em vista
processo no Juizado Especial, pelo que ainda acostou a cópia da sentença do referido
processo, às f. 38/39. Em tal provimento jurisdicional foi declarada a inexistência de
débito do Promovido em relação ao autor pelo mesmo fato subjacente aos autos. Eis a
celeuma. 2. O Apelo da Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S. A., às f.
183/190, levanta a tese de que a decisão combatida é extra petita, pelo que merece ser
anulada ou reformada. Realmente, a Busca e Apreensão tem como escopo único e
exclusivo a retomada do bem ante a comprovação de sua mora do devedor fiduciante. 3.
No entanto, verifica-se que o Magistrado Primevo além de cuidar o objeto da demanda,
foi além e inseriu na sentença tópicos relativos a litigância de má fé, a reparação pelos
transtornos sofridos pelo Requerido e determinou o pagamento de multa pelo atraso na
entrega do veículo. É nessa perspectiva que será destravada a causa. Pois bem. 4.
Litigância de má fé e a respectiva reparação: No ponto, verifica-se que o ilustre
Magistrado Singular, à vista do contexto dos autos, especialmente, ante ao fato de que a
Parte Autora ingressou com a Busca e Apreensão do veículo do Requerido, mesmo
quando inexistente a sua condição de inadimplência, como predicado indispensável para
o manejo da medida. Nada obstante, ainda que sinalizado e provado o pagamento da
prestação nº 15, a qual estava em aberto face a pendência de processo do Juizado
Especial, e a sua posterior satisfação antes da propositura da presente Busca e
Apreensão, mesmo assim a instituição financeira não cuidou de reconhecer o equívoco e
prosseguiu no feito, de modo a ignorar a impertinência do uso da via e persistir no erro.
5. Desta feita, sensível ao aspecto, o Juiz Primevo condenou, de ofício, a Autora por
Litigância de Má Fé. Sendo assim, de acordo com os preceptivos legais, a condenação
em litigância de má fé, de maneira ex ofício, encontra ressonância jurídica, bem como a
providência de reparação ante à constatação. Desta feita, andou bem o nobre Julgador,
daí porque, nesses quesitos não se vislumbra o julgamento extra petita. A título
ilustrativo, precedente do STJ. Nesses aspectos, nada a reparar. 6. Satisfação da multa
pelo atraso na entrega do veículo: D'outra banda, quanto à ordem de satisfação da multa
arbitrada pelo Juízo a quo diante do atraso na entrega do veículo, a sentença incide em
resvalo pontual. É que, como já se disse, doravante n'outras palavras, providências
diversas e estranhas à busca e apreensão exorbitam o estreito e curto objeto da via, pelo
que merece o pronto decote, sob pena de vício no julgamento. 7. No que toca ao Apelo
do Requerido (Djalma Batista da Silva), às f. 200/206, o qual se consubstancia apenas
no pedido de compensação dos débitos recíprocos e a quitação da dívida restante da
alienação judiciária, tal não merece sequer ser conhecido. 8. De plano, verifica-se que a
tese recursal é nova, pois que, em momento anterior, o aspecto do Apelatório foi tocado
e nem poderia de vez que descabe tal discussão no bojo de busca e apreensão. E tal
perspectiva é notória diante da simples conferência das peças de resistência, desde a
Contestação até o Recurso, ora sob julgamento. No ponto, consigne-se que a iniciativa
representa uma surpresa dentro do contexto dos autos, o que, por si só, já é odioso,
ainda mais quando as premissas recursais sequer passaram pelo crivo da instância
primeva. 9. Assim, funesta a medida adotada, pelo viés da surpresa, o que é
repelido pelo ordenamento jurídico, ainda mais quando da vigência do Novo CPC,
quanto sob a ótima da supressão de instância, de vez que a matéria não foi
agitada para conhecimento, análise e
julgamento no 1º grau de jurisdição. No ponto, paradigmas do colendo STJ. Sendo
assim, o pleito não pode sequer ser conhecido. Entendimento contrário subverteria a
ordem jurídica posta e conferiria um elastério sem paradeiros a demanda de limites
certos e bem definidos. 10. Nada obstante, restam facultadas, pelo ordenamento jurídico
pátrio, vias alternativas para o conhecimento, processamento e julgamento do pedido
recursal em voga. 11. NÃO CONHECIMENTO do Apelo do Requerido (Djalma Batista da
Silva), às f. 200/206, de vez que representativo de inovação recursal e o PROVIMENTO
PARCIAL do Recurso da Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S. A., às f.
183/190, somente para decotar do julgado singular a ordem de satisfação da multa pelo
atraso na entrega do veículo que fora objeto de busca e apreensão. ACÓRDÃO Vistos,
relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Desembargadores integrantes da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do
Ceará, por unanimidade, Não Conhecimento do Apelo do Requerido e Provimento
Parcial do Recurso da Autora, nos termos do voto do Relator, Desembargador Francisco
Darival Beserra Primo. Fortaleza, 21 de agosto de 2.019. DESEMBARGADOR
FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO Presidente e Relator
(Relator (a): FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO; Comarca: Sobral; Órgão
julgador: 2ª Vara Cível da Comarca de Sobral; Data do julgamento: 21/08/2019; Data de
registro: 21/08/2019)

DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA


E APREENSÃO. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULO. DECRETO
LEI 911/69. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DETERMINANDO A BUSCA E APREENSÃO
DO VEÍCULO EM FACE DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DO AGRAVANTE.
CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR. PRELIMINAR DE JUSTIÇA GRATUITA
DEFERIDA. PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA. DESCONTO DE JUROS
E ACESSÓRIOS SOBRE AS PARCELAS VINCENDAS. PRECEDENTE DESTA 3ª
CÂMARA DE DIREITO PRIVADO. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO
ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL PELO STJ (RESP 1.622.555/MG) ALEGADA PELO
AGRAVANTE. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO MAGISTRADO A QUO.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REFORMA PARCIAL DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
A QUO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Cinge-se a
controvérsia sobre Agravo de Instrumento no qual o agravante visa reformar a decisão
interlocutória a quo que, proferida nos autos de Ação de Busca e Apreensão, concedeu a
antecipação de tutela determinando a busca e apreensão do veículo objeto da lide, em
razão da inadimplência do agravante na quitação das parcelas relativas ao Contrato de
Financiamento firmado entre as partes. 2. As partes celebraram Contrato de
Financiamento com Garantia de Alienação Fiduciária (nº 33920569) do automóvel
marca/modelo Novo Gol Trendline 1.0, cor branco, Chassi 9BWAA45U6FP104065 e
placa PMF 8849, ano/modelo 2014/2015 no valor de R$ 25.441,44 (vinte e cinco mil,
quatrocentos e quarenta e um reais e quarenta e quatro centavos), a ser pago em 60
(sessenta) parcelas mensais e consecutivas de R$ 672,87 (seiscentos e setenta e dois
reais e oitenta e sete centavos). Ocorre que o agravante encontrava-se em atraso no
pagamento da parcela nº 11, situação que ensejou o ajuizamento, pelo Banco agravado,
da ação de busca e apreensão do veículo financiado em decorrência do inadimplemento
contratual. Atualmente, está em atraso no pagamento das parcelas nº 23, 24, 26 e 27,
havendo quitado as demais prestações vencidas. 3. O agravante se enquadra na
condição de pobreza, não possuindo condições econômicas para arcar com as despesas
do processo. Preliminar de gratuidade judiciária deferida. 4. Agravante sustenta a
aplicação da teoria do adimplemento substancial em contrato de alienação fiduciária de
veículo, regido pelo Decreto-Lei 911/69, visto que efetuou o pagamento de 49 das 60
parcelas devidas (extrato bancário às fls. 170-174), totalizando a quitação de 81,66% do
valor total financiado (realizou o pagamento das parcelas 28 a 53, ao passo que as
parcelas 54 a 60 ainda não estão vencidas). 5. Salienta-se, contudo, que o magistrado a
quo não revisionou o contrato bancário em espécie, tampouco adentrou no direito
material de resolução do contrato pelo credor por inadimplemento de parcela ínfima pelo
devedor, objetivo esse precípuo para invocação da teoria do adimplemento substancial,
ora suscitada pelo agravante. Assim, não tendo sido a questão analisada pelo
magistrado de primeiro grau, sobretudo por ter sido a medida liminar concedida com
base no art. 3º do Decreto-Lei nº 911-69, deixo de examinar a questão, por risco de
supressão de instância. 6. O art. 3º, §2º, do Decreto Lei nº 911/1969, condiciona a
restituição do bem apreendido livre de ônus ao pagamento da "integralidade da dívida
pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial". 7. Ocorre
que, na constituição da "integralidade da dívida" apresentada pelo Banco credor na
petição inicial (fls. 07-12), conforme dispõe o art. 3º, §2º, do Decreto Lei nº 911/1969, não
deve haver a cobrança de juros e demais acréscimos sobre as parcelas vincendas, sob
pena de malferimento ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, positivado
no art. 884 do Código Civil. 8. O art. 52, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, é
claro ao dispor que, nos casos envolvendo concessão de financiamento, quando houver
liquidação antecipada do débito, total ou parcial, deve ser assegurado ao consumidor a
redução proporcional dos juros e demais acréscimos, o que não foi constatado nos
cálculos realizados pelo Banco na petição inicial. 9. No presente caso, a pretensão do
Banco consiste no pagamento do valor de R$ 34.156,67 (trinta e quatro mil, cento e
cinqüenta e seis reais e sessenta e sete centavos), para purgação da mora pelo devedor,
contudo o referido montante é superior ao devido, pois realiza um somatório das
parcelas vencidas e vincendas (fls. 41-43), acrescendo sobre esse valor os juros e
demais acréscimos. 10. Assim, deve a decisão interlocutória ser, portanto, parcialmente
reformada, para determinar o pagamento da "integralidade da dívida" com a redução
proporcional dos juros e demais acréscimos sobre as parcelas vincendas, a teor do art.
52, §2º, do CDC. 11. Recurso conhecido e parcialmente provido. ACÓRDÃO: Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acorda a 3ª Câmara Direito Privado do Tribunal de
Justiça do Estado do Ceará, por maioria, em conhecer do recurso para dar-lhe parcial
provimento, nos termos do voto da Relatora. DESEMBARGADORA LIRA RAMOS DE
OLIVEIRA Relatora (Relator (a): LIRA RAMOS DE OLIVEIRA; Comarca: Sobral; Órgão
julgador: 2ª Vara Cível da Comarca de Sobral; Data do julgamento: 14/08/2019; Data de
registro: 14/08/2019)

(Grifos nosso).

Além de ter sido demonstrado pela Recorrente o patente erro do juízo a


quo, por se tratar de matéria de ordem pública, este julgador observa a premente
necessidade de anulação da decisão quo, notadamente, pela ausência de
fundamentação que norteia o referido decisum, a despeito do imposto no art. 93, IX, da
Constituição Federal de 1988.

Acerca dessa exigência legal com relação às decisões judiciais, os


juristas Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz discorrem que:
"(…) do ponto de vista subjetivo, a motivação da sentença tem por escopo imediato
demonstrar ao próprio juiz, antes mesmo do que às partes, a ratio scripta que legitima o
ato decisório, cujo teor se encontrava em sua intuição.

Visa, ela, outrossim, a persuadir o sucumbente ou o condenado da justiça do


decidido, mostrando-lhe que o resultado do processo não é fruto de sorte ou do
acaso, mas de verdadeira atuação da lei sobre os fatos levados à cognição judicial
e comprovados, com a especificação da norma aplicável ao caso concreto.
E, por outra vertente, as razões de decidir importam também, permitir o controle
da sentença, para que se possa estabelecer a exata dimensão do conteúdo da
vontade do juiz e, consequentemente, para a verificação dos limites objetivos do
julgado." (citados por Celso Ribeiro Bastos e Ives Granda Martins, na obra Comentários
à Constituição do Brasil, 4º vol.., ed Saraiva 1997, pag.50).

A motivação das decisões judiciais, sejam finais ou não, é um dos pilares


do Estado Democrático de Direito, posto que dá condições plenas aos jurisdicionados
de verem suas contendas resolvidas, a partir dos princípios e normas do ordenamento
jurídico, fugindo de situações que lembram os Estados Autoritários. À evidência, em
decisões pautadas sem quaisquer fundamentações, a nulidade é a sua consequência
natural.

Ensina Uadi Lammêgo Bulos que "Modernamente, o princípio da


motivação das decisões judiciais é concebido como garantia de ordem política ou
garantia da própria jurisdição. Agora, o pórtico constitucional já não se dirige, apenas,
às partes e aos juízes de segundo grau, mas também à comunidade como um todo,
que, tomando conhecimento do teor de uma decisão, poderá verificar se o juiz foi
imparcial em uma sentença, se decidiu com conhecimento de causa" (Constituição
Federal anotada, 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 947).

Só o conhecimento das razões de decidir podem permitir que os


interessados recorram adequadamente e que os órgãos superiores controlem com
segurança a justiça e a legalidade das decisões submetidas à sua revisão (José Carlos
Barbosa Moreira, Temas de Direito Processual, Segunda Série, p. 86, Saraiva).

Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do


Recurso Especial 177992/CE, relatado pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira, julgado em 01.09.1998:

“(..) a motivação das decisões judiciais reclama do órgão julgador, pena de


nulidade, explicitação fundamentada quanto aos temas suscitados. Elevada a
cânone constitucional, apresenta-se como uma das características incisivas do processo
civil contemporâneo, calcado no due processo law, representando uma garantia inerente
ao Estado de Direito. É nulo o acórdão que mantém a sentença pelos seus próprios
fundamentos, por falta de motivação, tendo o apelante o direito de ver
solucionadas as teses postas na apelação. Todas as decisões judiciais devem ser
fundamentadas, ainda que algumas delas de modo conciso.”
Não há, assim, no ordenamento jurídico pátrio, espaço para as decisões
não fundamentadas ou apenas aparentemente motivadas. Ademais disso, o julgador
“tem que ingressar no exame da situação concreta posta à sua decisão, e não limitar-
se a repetir os termos da lei, sem dar as razões do seu convencimento." (Curso de
Direito Processual Civil. Vol. 2. ed. JusPodivm: 2007, p. 236).

No caso em exame, imperioso se faz concluir pela nulidade da decisão


objurgada, uma vez que o juízo primevo não expôs os motivos de fato e de direito que
o levaram a ter uma conclusão de que o atraso na entrega do imóvel é justificável, bem
como pelo fato de não ter apreciados inúmeros pedidos Autorais, como demonstrado
anteriormente.

Afirma ainda, a Recorrente, que até os dias de hoje o imóvel não foi
entregue, sendo que, conforme análise do contrato juntado, a entrega deveria ter sido
em 31 de dezembro de 2011 e o magistrado de piso não trouxe argumentos para
justificar o referido atraso.

Salienta ainda, conforme demonstrado pela Recorrente, que o juízo a quo


sequer observou o valor a ser financiado pelo banco, a qual seja, R$ 100.000,00 (cem
mil reais) e não R$ 79.920,00 (setenta e nove mil novecentos e vinte reais), como
disse na sentença à fl. 150.

Tal conduta violou o comando do inciso I do art. 489 do CPC, posto que é
dever do juiz analisar as questões de fato e de direito, e pelo que se observa, o
magistrado a quo não analisou de forma correta os fatos.

Destarte, não basta ao magistrado a decisão da lide, seja em seu caráter


definitivo ou incidental, pois incumbido-lhe é o dever de motivar suficientemente essa
decisão, justamente para segurança das partes, decidindo nos limites do que fora
levado a julgamento, mas sopesado pelos ditames do direito.

Assim, o entendimento jurisprudencial é pacífico acerca do assunto em


análise:

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - SENTENÇA - AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO DO


PONTO CENTRAL DA CONTROVÉRSIA - VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO - INFRA
PETITA - DECRETAÇÃO DE NULIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 458, II, DO CPC E
ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. - À sentença elaborada sem a devida
fundamentação impõe-se a decretação da nulidade, por ausência de requisito
essencial, nos termos do art. 93, IX, da CF/88 e art. 458, II, do CPC. - Na motivação
da sentença, deve o magistrado apreciar as questões principais suscitadas pelas partes,
apreciando o cerne da controvérsia. - A sentença deve apreciar todas as questões que
lhe foram submetidas pelas partes, sendo certo que a omissão quanto a uma delas a
caracteriza como infra petita e leva à sua nulidade. - Preliminar acolhida. - Sentença
anulada. (Apelação nº: 100270714231910011 TJMG, Relator(a): HELOISA COMBAT,
Julgamento: 24/03/2009, Publicação: 17/04/2009).”

INDEFERIMENTO DA INICIAL – DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA – CASSAÇÃO DA


SENTENÇA – RETORNO DOS AUTOS AO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. - A
constituição Federal, mais precisamente em seu art. 93, IX, contempla a
necessidade de fundamentação das decisões judiciais. Do mesmo modo, o art. 458,
II, do CPC dispõe que constitui requisito essencial à sentença o fundamento em que o
juiz analisará as questões fáticas e de direito. Assim, resta patente que a ausência de
fundamentação enseja a nulidade da sentença, por infrigência aos mencionados
dispositivos legais. (Apelação nº 1.0231.08.105223-6/001 – TJMG – Relator:
Desembargador Elpídio Donizete – Publicação: 08/08/2088).”

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO REVISIONAL.


AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA. NULIDADE. Ausentes os requisitos
do artigo 458 do CPC, bem como em observância ao preceito constitucional,
indispensável a presença, na sentença, das razões de convencimento do
magistrado, com a adequada análise das questões de fato e direito, sob pena de
nulidade. Não tendo a decisão singular apresentado a necessária fundamentação,
merece acolhimento a preliminar ventilada pelo apelante, com a conseqüente
desconstituição da sentença. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO E
DESCONSTITUÍRAM A SENTENÇA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70050426485,
Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro,
Julgado em 07/11/2012)

PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE DA DECISÃO


AGRAVADA. Tratando-se de decisão interlocutória, o juiz pode exarar sucintamente
os fundamentos fáticos e jurídicos que formaram seu convencimento. Dessarte,
conquanto sucinta, existente a motivação, não há falar em ofensa à norma contida
no inc. IX do art. 93 da Constituição da República. No caso em tela, contudo, o juízo
de origem não fundamentou a decisão agravada, impondo-se, assim, seja anulada
a decisão. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70051015477, Décima Sexta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em
02/10/2012)

“O art. 93, IX, da CF exige que o acórdão ou decisão sejam


fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame
pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos
os fundamentos da decisão.” (AI 791.292-QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgamento em 23-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010, com repercussão geral.). No
mesmo sentido: AI 737.693-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-
2010, Primeira Turma, DJE de 26-11-2010; AI 749.496-AgR, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 18-8-2009, Segunda Turma, DJE de 11-9-2009; AI 697.623-AgR-ED-
AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-6-2009, Primeira Turma, DJE de 1º-7-
2009; AI 402.819-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-8-2003,
Primeira Turma, DJ de 5-9-2003.

Convém lembrar, conforme acentuado pela Ministra NANCY ANDRIGHI:

“que esse pressuposto de validade da decisão judicial – adequada fundamentação – tem


sede legal e na consciência da coletividade, porque deve ser motivada toda atuação
estatal que impinja a aceitação de tese contrária à convicção daquele que está
submetido ao poder de império da Administração Pública, do Estado. Também, por isso,
seu berço constitucional está no art. 93, inciso IX, o qual não distingue o tipo de
provimento decisório" (cf. AgRg no REsp 251.049/SP, julgado em 13/06/2000, DJ
01/08/2000, p. 246)

Com efeito, o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, assim dispõe:

“Art. 93. Omissis.

[…]

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e


fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo
não prejudique o interesse público à informação; […]”

Nessa mesma linha raciocínio, reproduzo os preceitos do artigo 489 e


seu §1º do Código de Processo Civil de 2015, verbo ad verbum:

“Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do
pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento
do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe
submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela


interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua


relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto


de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em


tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus


fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela
parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação
do entendimento. (Grifo nosso).

Observa-se, pois, que na casuística, os termos utilizados na decisão não


revelam efetivamente fundamentos sucintos e nem de modo objetivo que tenham
relação direta com os fatos, causa de pedir e pedidos inciais, pois não foi enfrentado
todos os argumentos deduzidos no processo, capazes de resolver o mérito.

Portanto, entendo que deve ser acolhido o pedido da parte Recorrente,


para anular a sentença recorrida pelo fato dela não se encontrar em conformidade com
os ditames processuais, pois o juízo a quo não analisou os fatos de forma correta,
posto que não enfrentou todos os argumentos deduzidos no processo, trouxe
argumentos/conceitos genéricos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão,
bem como deixou de apreciar inúmeros pedidos autorais.

Ante as razões delineadas, conheço da presente apelação, para, no


mérito, DAR-LHE PROVIMENTO à pretensão recursal, anulando a sentença de
primeiro grau, por carência de fundamentação e pelo fato do juízo a quo não ter
apreciado a maior parte dos pleitos autorais, bem como determinando o retorno dos
autos à origem, para que magistrado de piso aprecie fundamentadamente a
integralidade dos pedidos das partes.

É como voto.

Fortaleza, 04 de fevereiro de 2020

DESEMBARGADOR FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE


Relator

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