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E-MAIL: avenan@deb.uminho.pt
INTRODUÇÃO
A vinha é um agroecossistema em que a productividade da videira é maximizada pela
intervenção do Homem, através de diferentes práticas vitícolas. Seres vivos
heterotróficos, como insectos e fungos, também estão presentes, mas a sua incidência
é limitada pela acção humana, através de tratamentos fitossanitários. Os fungos
desempenham um papel importante neste ecossistema, como consumidores de
recursos vivos (patogénicos da videira), e como decompositores (saprófitos). A vinha
está constantemente exposta aos propágulos fúngicos presentes no ar e no solo, donde
advém a contaminação das videiras. Dadas as condições adequadas, os fungos podem
infectar as uvas e causar perdas na produção por podridão, ou podem produzir nas
uvas metabolitos secundários, como micotoxinas. O papel das micotoxinas nos
agroecossistemas ainda não é bem conhecido, apesar de existirem várias teorias sobre
as suas funções. Sabe-se que em ambientes onde várias espécies competem entre si
pelo substrato, as micotoxinas podem ser determinantes para estabelecer a micoflora,
e apresentar uma vantagem competitiva para o fungo que as produz. Por outro lado,
algumas micotoxinas tem actividade insecticida, e pensa-se que são um modo de
defesa dos fungos contra a predação por insectos (Bhatnagar et al., 1992).
Foram detectadas no vinho e sumos de uva várias micotoxinas, sendo os tricotecenos
e ocratoxina A (OTA) os mais relevantes para a saúde humana. A contaminação do
vinho com tricotecenos parece ser ocasional (Pitt & Hocking, 1997), mas a OTA tem
sido detectada com frequência nestes produtos. A OTA tem propriedades
nefrotóxicas, nefrocarcinogénicas, teratogénicas e imunossupressoras. Foi descrita em
vinhos pela primeira vez em 1995 (Zimmerli & Dick, 1995). Deste então, a sua
presença em vinhos foi reportada por diversos autores, com maior frequência e níveis
mais elevados em vinhos oriundos de países do sul da Europa e norte de África, com
climas mediterrânicos (Otteneder & Majerus, 2000; Zimmerli & Dick, 1996). Esta
micotoxina é produzida por espécies de Penicillium e Aspergillus. Na tentativa de se
conhecer e compreender a micoflora das uvas portuguesas, com destaque para as
espécies produtoras de OTA, estudaram-se durante os anos 2001 e 2002 onze vinhas,
distribuídas por 4 regiões demarcadas, Vinhos Verdes, Douro, Alentejo e Ribatejo,
como indicado na Figura 1. Foram analisados 10 cachos de uvas em cada vinha em 3
estádios de maturação das uvas: bago ervilha, pintor e bago maduro (no momento da
vindima). As uvas foram plaqueadas em DRBC e os fungos detectados foram isolados
e identificados, e a capacidade das estirpes de Aspergillus produzirem OTA foi
avaliada. As estirpes foram conservadas na Micoteca da Universidade do Minho
(Santos & Lima, 2001).
N
Vinhos Verdes
Douro
Ribatejo
Alentejo
Tabela 1. Fungos filamentosos detectados nas uvas entre Junho de 2001 e Setembro
de 2002 [Total de uvas analisadas: 3150 bagos]
70
60
50
Bago ervilha
40
30 Pintor
20 Vindima
10
0
ia
s
a
r
m
ge
iu
re
ar
iu
ar
ne
ni
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or
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A.
ci
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rb
Al
tis
do
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ca
ry
ga
la
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A.
Bo
re
ag
80
70
% de bagos colonizados
60 Alternaria
50 Cladosporium
40 Botrytis cinerea
30 agregado A. niger
20 A. carbonarius
10
0
Verdes Ribatejo Douro Alentejo
CONCLUSÕES
Os fungos produtores de ocratoxina A presentes nas vinhas portuguesas são A.
carbonarius e algumas estirpes agregado A. niger, pertencentes aos Aspergillus
negros. A incidência destas espécies nas vinhas está relacionada com o clima, tendo-
se observado as frequências mais elevadas destes fungos em vinhas de climas
mediterrânicos, quentes e secos no verão. A. carbonarius e A. niger são saprófitas, e
só conseguem penetrar nas uvas caso haja danificação nas películas, não conseguindo
infectar bagos não danificados. Estes fungos, devido aos seus esporos negros, resistem
à exposição solar e chegam a ser dominantes no momento da vindima, quando existe
maior disponibilidade de açúcares e outros nutrientes nas uvas. O conhecimento das
espécies produtoras de ocratoxina A presentes nas vinhas é importante para
estabelecer o risco de contaminação das uvas com OTA, mas deve-se salientar que a
presença de espécies produtoras de micotoxinas nas uvas não determina a presença da
micotoxina por si só. Outros factores, bióticos e abióticos, estão envolvidos, que
necessitam de ser estudados para que se possa intervir no agroecossistema de forma a
prever e evitar a produção de metabolitos indesejados nos produtos cultivados.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio da União Europeia, Programa Qualidade de Vida
(QoL), Acção chave 1 (KA1) sobre Alimentação, Nutrição e Saúde; número de
contracto QLK1-CT-2001-01761 - Wine-Ochra Risk. R. Serra é bolseira da Fundação
para a Ciência e Tecnologia: referência SFRH/BD/1436/2000.
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