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O USO DA PINTURA E O INCENTIVO À ANÁLISE LITERÁRIA NO ENSINO

DE LITERATURA
uma experiência no Colégio Militar de Juiz de Fora.

Karina de Freitas Silva - CMJF


karina_jrj@yahoo.es

O Ensino de Literaturas Brasileira e Portuguesa no Ensino Médio tem sido um dos pontos
mais relevantes de discussão quando se trata de motivar o aluno para a leitura. Os professores que
ensinam Literatura na rede pública sempre se queixam do quão difícil é lecionar o conteúdo.
Atribuo essa dificuldade a dois aspecos importantes: o currículo e o prazer da leitura.
Em primeiro lugar, o currículo de Literatura apresenta contradições quando pensamos o
seu ensino na rede pública de Juiz de Fora inserida no contexto do processo seletivo para ingresso
na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). São dois contextos opostos que devem ser
analisados a fim de compreender os problemas do ensino de Literatura e logo poder propor
algumas soluções a partir de experiências vivenciadas em salas de aula.
A UFJF propõe uma abordagem para a Literatura diferente daquela estabelecida nas
escolas públicas de um modo geral. O programa de Literatura do Vestibular e do Programa de
Ingresso Seriado Misto (PISM) compreende como raiz definidora da matriz de competências de
Língua Portuguesa e Literatura, embora não apresente nenhuma afirmação objetiva sobre o
conteúdo específico de Literatura, o fato de que entender um texto “(enquanto discurso) implica
conhecer, além de um código lingüístico específico (a Língua Portuguesa, seus recursos
gramaticais, seu léxico), o mundo que nos rodeia (o legado da herança e da experiência cultural),
as pessoas com quem se interage e as situações específicas dessas interações”1. Logo, isso significa
que passa ser indesejável tratar a linguagem como objeto de memorização e repetição, mas que,
tampouco, significa uma total liberdade. É indispensável sim a “transmissão” do domínio de
determinadas categorias básicas e de uma terminologia específica à participação nesse campo do
saber, mas a nomeação, a classificação dessas categorias não deve constituir-se como um fim em
si mesmo.

1
Fragmento extraído do link PROGRAMA, no endereço eletrônico <
http://www.ufjf.br/redirect.php?url=http://www.vestibular.ufjf.br/>. Acesso em 15 de setembro de 2005.
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Compreendendo o ensino de Literatura como uma grande prática da linguagem, a


Universidade acredita que o que se espera do aluno é o “domínio das práticas sociais de
linguagem, ou seja, a versatilidade para se expressar de diferentes maneiras em acordo com
distintos cenários interativos; a compreender os diferentes discursos produzidos, de forma escrita
ou oral, na sociedade”2. Assim, a fim de operacionalizar a avaliação a ser realizada pelo processo
seletivo, propô-se uma matriz estruturada a partir de agrupamento de gêneros discursivos,
“entendendo como gêneros os diferentes e inumeráveis tipos de textos que circulam na sociedade,
como: notícia, carta, texto científico, romance, crônica, receita.... São cinco os agrupamentos
propostos: NARRAR/RELATAR, ARGUMENTAR, EXPOR, INSTRUIR e ‘POETAR’”. Em
cada um desses agrupamentos se propôs dois campos de competências: um é o domínio das
estratégias de leitura e escrita dos diferentes gêneros e o outro o domínio de recursos lingüísticos
utilizados na construção dos diferentes gêneros.
Nesse sentido, no âmbito da Literatura, o que se espera do aluno é que este seja capaz de
identificar, analisar e empregar estruturas textuais dos diferentes domínios de gêneros. Logo, não
faz sentido uma cobrança sistematizada de estilos de época que exija do aluno um conhecimento
literário específico e minucioso com ênfase na memorização de informações, mas antes a busca
para que o aluno preparado para o ensino superior seja capaz de ler, entender e analisar os
diversos textos literários.
A contradição entre a proposta da UFJF e o currículo das escolas públicas fica evidente
quando observamos nestas uma persistência em manter uma grade curricular que, aparentemente,
incentiva o didatismo pautado na memorização e repetição de informações acerca dos diferentes
textos literários. O que notamos é uma insistência das escolas em manter a separação entre
Língua Portuguesa, Literatura e Redação como disciplinas que não estabelecem relação entre si.
Mesmo os livros didáticos de Literatura, em sua maioria, reproduzem o modelo de divisão
apresentando como etapas de compreensão do conteúdo o contexto histórico do movimento
literário, características gerais do estilo de época, autores relevantes, apresentando, neste último
caso, biografia resumida e fragmentos de textos.
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) preconizem o
interacionismo entre estas disciplinas, persiste-se no modelo clássico proposto para o ensino de
Literatura. Desde sempre, quando a Literatura foi incluída no currículo do Ensino Médio, se

2
Idem.
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propôs o seu estudo a partir de um pensamento da tradição, que podemos dizer que tem suas
raízes no pensamento Renascentista, período de ruptura definitiva da escrita em relação à oralidade e a
consagração de uma concepção de literatura baseada no conceito de modelo. A Literatura era, então,
vista como um instrumento capaz de permitir ao homem dominar a erudição e de atuar
publicamente.
Com o avanço dos estudos acerca da estética da recepção, na década de 60, quando
ficaram evidentes os estudos de Jauss, Barthes e Iser, notou-se a necessidade de considerar o
texto como um objeto inacabado, a espera de ser atualizado. Ele possui sentidos múltiplos e, em
cada leitor, suscitará sensações diferentes. Isso me faz recordar uma fala do poeta Ferreira Gullar
durante o colóquio “Relendo a poesia dos anos 70 aos dias atuais”, realizado no anfiteatro do
Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) no último dia 15 de setembro. O ilustre poeta
afirmou: “Só se aprende poesia lendo poesia”. Essa frase adquire um sentido muito específico no
estudo acerca do ensino de Literatura, posto que nos remete ao pensamento de que só podemos
ensinar Literatura a nossos alunos se trabalhamos diretamente com o texto.
Sob esse ponto de vista o currículo de Literatura do qual dispomos se torna controverso e
nos deixa numa “corda bamba”, pois não sabemos de fato o que considerar como mais relevante
no cumprimento de nossa profissão: se preparar o aluno para se tornar o universitário pretendido
pela UFJF ou se apresentar o programa do currículo da escola que adota um estudo sistematizado
dos estilos de época. Como conciliar o ensino sistemático dos estilos de época, posto que deve
cumprir o programa estabelecido pelo sistema escolar, e a vontade de preparar o aluno para o
ingresso na Universidade?
O Colégio Militar de Juiz de Fora (CMJF), contexto no qual me insiro, passa por situação
semelhante à maioria das outras instituições de ensino da rede pública no que se refere ao ensino
de Literatura, contudo apresenta avanços na forma de conceber o ensino de Literatura. Essa
disciplina de Literatura, especificamente, é lecionada durante os três anos do Ensino Médio
(EM). O Colégio segue o currículo proposto pela Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial
(DEPA), órgão de apoio técnico-normativo do Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP),
incumbido de superintender as atividades do Ensino Preparatório e Assistencial, no âmbito do
Exército Brasileiro. Todo o programa a ser ensinado durante o ano letivo está normatizado no
Planos de Disciplina (PLADIS), documento que expõe o assunto, seus objetivos específicos e
número de aulas a ser lecionado. Posto que o CMJF integra o Sistema de Ensino dos Colégios
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Militares do Brasil que visa preparar os alunos para a carreira militar, optou-se por oferecer um
currículo unificado que atendesse ao sistema como um todo. Dessa forma, no 1º. Ano do EM,
deve-se enfatizar um estudo das Literaturas Portuguesa e Brasileira desde o Trovadorismo até o
Arcadismo. Já no 2º. Ano do EM, estuda-se do Romantismo até o Pré-Modernismo e, no 3º. Ano,
todo o período do Modernismo e as poéticas contemporâneas.
Para sanar o problema da conciliação do conteúdo proposto no PLADIS com o
estabelecido pelo Programa de Ingresso Seriado Misto (PISM) e do Vestibular da UFJF, o
Colégio oferece aos alunos um horário de complementação de estudos realizado no turno
vespertino, quando tem contato direto com o programa específico cobrado pelo processo seletivo
que não faz parte da grade curricular do Sistema de Ensino dos Colégios Militares do Brasil.
Como o PLADIS apresenta uma permanência dos objetivos clássicos de ensino de
Literatura, não há como, imediatamente, remeter ao estudo sistemático dos estilos de época, e não
imaginar que todo esse conteúdo só poderia ser apresentado, em tempo hábil, a partir de um
processo de transmissão de conhecimento, pelo qual o professor passa ao aluno as informações
mínimas a fim de que o aluno seja capaz de memorizar algo sobre vida e obra de cada um desses
escritores.
Se o currículo parece não facilitar a nossa vida, temos de buscar soluções para tornar o
ensino de Literatura mais prazeroso e eficiente para a vida do aluno. Fato é que não essa ou
aquela fórmula para lecionar Literatura, há experiências de sucesso e insucesso que nos fazem
optar sobre a melhor maneira de ensinar o conteúdo. O aspecto mais relevante que encontro no
ensino de Literatura e que inicialmente apontei como sendo o segundo fator que nos leva a
refletir mais sobre como lecionar a discplina de Literatura é o fato de lidarmos diretamente com o
gosto de leitura do educando. Os tempos mudaram, isso é fato, mas não acredito que o problema
da desmotivação do aluno para a leitura esteja justificado apenas na superexposição do
adolescente às novas mídias e ao universo de imagens. Contudo, acredito que o fato da
desmotivação do aluno para a leitura se deve muito mais à interpretação equivocada dos estudos
pedagógicos.
Trabalhar o contexto do aluno não significa deixar de apresentar-lhe outras linguagens e
formas de expressão. Em outras palavras, não se deve deixar de ensinar-lhe os clássicos para
apresentar apenas textos de linguagem mais clara que esteja próxima da do aluno. Parece-me
errônea qualquer discussão que coloque em dúvida o ensino dos textos clássicos no Ensino
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Médio. Os alunos devem ter contato com todas as formas de linguagem, e lembro novamente a
fala de Ferreira Gullar: “só aprendemos poesia lendo poesia”.
Se assim é, melhor é ensinar nossos alunos a ler poesia, a ler o texto, e isso só
conseguimos se de fato lemos o texto no original, se o levamos para a sala de aula e discutimos o
texto, não apenas interpretando-o como também analizando-o. Trabalhar com o gosto de leitura é
algo me parece, num primeiro momento, impraticável.
O gosto pela leitura é particular, ou seja, cada aluno terá um gosto distinto para a leitura.
Uns gostarão mais de ler textos clássicos, outros livros de auto-ajuda, já outros preferirão nunca
ler. Um público tão diversificado exige um pouco de senso do professor para compreender que o
fato de o aluno não gostar de ler um texto clássico não é o fim do mundo, logo não significa dizer
que nossos alunos sejam incultos. Temos sempre que ter como norte o fato de que a nossos
alunos os textos clássicos lhes são apresentado, massivamente, a partir do 1º ano do EM. Durante
toda a etapa do Ensino Fundamental, todo o seu contato com os livros clássicos são, na maioria
das vezes, através de adaptações. Tamanho não será seu susto, quando logo nos primeiros meses
do EM tomar contato com as cantigas e os sonetos camonianos.
Assim, o primeiro passo para motivar os nossos alunos a lerem os textos literários é
compreender o universo onde se inserem. E isso não significa entrar no seu universo de
linguagem como se qualquer outra forma de expressão estivesse aquém de sua compreensão. O
aluno é capaz, nós que, muitas vezes, o julgamos “desprovidos” de poder de compreensão do
texto.
Então, trabalhar com a Literatura requer, principalmente, mostrar para o nosso aluno que
a importância de se estudar os textos literários está no fato de poder compreender a construção de
nossa cultura, de entender as épocas passadas, de viajar pelos outros tempos, e, assim,
compreender o momento presente. A Literatura é uma outra forma de expressão que deve ser
conhecida e vivenciada pelo sujeito.
Pensando sob essa ótica, considero inevitável a compreensão acerca do que é o texto
literário para que possamos trabalhar adequadamente com os nossos alunos. Wolfgang Iser, no
artigo “A Interação do Texto com o Leitor” (1979), afirma que todo texto é plurissignificativo,
múltiplo, repleto de diferentes culturas e o seu sentido é determinado pelo leitor através do
preenchimento dos vazios presentes no texto. O teórico Roland Barthes, no ensaio “A morte do
autor”, define o texto como “um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam
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escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, saídas dos mil
focos da cultura” (1968, p. 68). O texto feito de escrituras variadas que se dialogam entre si
apenas é atualizado na figura do leitor.
Essa escrita múltipla é determinante para fazer do texto literário um labirinto repleto de
vazios, lacunas, indeterminações a serem preenchidos pelo leitor que o dobra e o desdobra,
relacionando um a outro fragmento. Todas as referencialidades presentes na obra perdem seu
contexto original e adquirem outro, tornando-se vazios a serem reconstituídos pelo leitor. A
interação entre texto e leitor é gerada na comunicação, no decorrer da leitura, pelos vazios
deixados pelo autor na obra. Como o receptor não vive uma relação com o texto no qual possa
retirar uma certeza explícita, a interação ocorre quando o leitor busca compreender os códigos
fragmentados no texto.
O leitor preenche essas lacunas por meio de representações que constituirão o sentido da
obra. Os vazios são indicadores dos segmentos dos textos que conectados permitem a formação
do objeto imaginário. Segundo Wolfgang Iser (1996), a conectabilidade entre os fragmentos do
texto, interrompida pelos vazios, determina um número de possibilidades indefinidas de leitura e,
de acordo com a combinação dos esquemas, exige decisão do leitor. As conexões dos textos são
combinadas pelo receptor através de seu repertório de leitura. O teórico acrescenta que os vazios
do texto tanto serão preenchidos pelo repertório do leitor como pela sua estratégia de leitura.
O ato de leitura é marcado por um processo associativo que ativa o conhecimento do
leitor. Os esquemas textuais dialogam culturas diferentes oriundas da inclusão de texto de outros
autores. A atualização neste caso, reside no leitor que relaciona o texto com outras obras, com
outros discursos e imagens. É nesse processo de conexão do texto com outros documentos,
somado a seu repertorio de vida e leitura, que o receptor dá significação ao texto.
Logo, lidamos com dois pontos relevantes, o repertório de leitura e o processo
associativo. Quanto ao repertório de leitura, geralmente, lecionamos para alunos que possuem um
grau baixo de leitura, não são bons leitores. Como nosso objeto de ensino é o texto, os alunos
tendem a não gostar da aula de Literatura pelo fato de oferecermos a ele algo que não está no
universo dele. Permeado por um mundo de imagens, prefere a leitura de textos rápidos,
manchetes, textos que supram sua necessidade imediata. Os alunos buscam eliminar de suas
vidas o texto literário, mas não porque queiram, mas por não lhes haver sido oferecida a
possibilidade de estar em contato com obras da Literatura.
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Como não tem esse referencial de leitura não conseguem formar um bom repertório de
leitura que lhe favoreça o processo associativo que lhe facilitará determinar um sentido para o
texto. É preciso, então, levar o aluno a reconhecer o caráter da significação do texto. Dessa
forma, um texto só existe verdadeiramente quando lido. O ato de leitura sempre implicará
atualizarmos a escrita do amor, além de apropriarmos de parte de seu conteúdo e a ele juntarmos
outros que são associados na memória.
Defendendo esse ponto de vista, acredito que uma das soluções possíveis para o processo
de ensino-aprendizagem de Literatura é justamente o uso de imagens. Essa crença, fundamentada
nos estudos de Iser e Barthes, leva-me, então, a trabalhar com a pintura como importante
elemento facilitador no ensino de Literatura, possibilitando ao aluno desenvolver, por um
processo associativo, de uma maneira mais agradável, um repertório de leitura que,
consequentemente, o leve a gostar de ler.
No Colégio Militar de Juiz de Fora, decidimos apresentar uma nova forma de aprender
Literatura que pudesse, cumprindo o PLADIS, expor um ensino que fugisse à sistematização da
Literatura a partir dos estilos de época. Na realidade, continuamos a seguir a seqüência dos estilos
de época, mas propomos estudá-los através dos textos. O Colégio adota o livro Curso de
Literatura de Língua Portuguesa, de Ulisses Infante, cujo objetivo é “colocar no centro da aula de
Literatura o próprio texto literário, transformando-o em ponto de partida e ponto de chegada das
atividades de leitura e análise” (2001, p. 03). Assim, a escolha do livro foi acertada, pois já
facilita muito o desenvolvimento de novas práticas no ensino de Literatura.
Utilizamo-nos, então, da pintura, pela primeira vez, durante o estudo do Trovadorismo.
Depois de introduzir o estudo de Literatura, discutindo a importância da arte na sociedade e
ensinando-lhe a realizar a análise da forma poética, iniciamos o estudo acerca do Trovadorismo.
Foram apresentadas iluminuras que apresentavam as seguintes temáticas acerca do
Trovadorismo:
1. Iluminura da Crónica de Inglaterra, de Jean Warrin, representando a batalha de
Aljubarrota. Em agradecimento pela vitória portuguesa, D. João I mandou erguer o mosteiro de
Santa Maria da Vitória, vulgarmente conhecido por mosteiro da Batalha. A batalha de
Aljubarrota foi objecto de uma célebre descrição na Crónica de D. João I, de Fernão Lopes.
2. Escola medieval. A ensino medieval estava estreitamente ligado à Igreja, apresentando,
assim, o teocentrismo como grande marca da sociedade feudal.
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3. Os mosteiros medievais desempenhavam um importante papel cultural. Aos monges


copistas cabia a tarefa de cópia dos manuscritos. Nos mosteiros funcionavam também escolas,
contribuindo para a difusão da cultura medieval.
4. Iluminura representando jograis — um dos elementos de animação do convívio
cortesão. É-lhes atribuído um importante papel na difusão da poesia galego-portuguesa.
5. Iluminura representativa da cantiga de amor
6. Iluminura mostrando mulheres medievais a fiar e o cenário doméstico era frequente em
alguns tipos de cantigas de amigo.
7. Iluminura da cantiga de amigo.
O estudo das imagens possibilitou traçar todo o panorama do Trovadorismo sem que
fosse necessário apresentar o movimento literário de forma sistematizada. Pela primeira imagem
formulamos hipóteses de como se deu a formação de Portugal. As batalhas representativas na
França que permitiram que os franceses fugidos do Sul do país migrassem para Portugal levando
a tradição das cantigas. A segunda e a terceira iluminura levou-nos a estabelecer um paralelo
entre a escola, a cultura e a religião, apresentando o teocentrismo como o grande pensamento da
época. A partir do estudo do radical da palavra “cantiga”, foi apresentada a quarta imagem que
trazia os jograis e seus banjos, ilustrando a poesia cantada.
A quinta dipunha de uma imagem representativa das cantigas de amor apresentada
simultaneamente com a sexta imagem de cantigas de amigo. Após compararmos as imagens e
discutirmos aspectos específicos dessas pinturas, durante um diálogo longo, verificamos que as
destinadas a ilustrar as cantigas de amor apresentavam cores muito vivas (vermelho, por
exemplo), aproximação entre os amantes, o ambiente palaciano, a sensualidade explícita. Já as
cantigas de amigo, notamos que as imagens eram mais claras, havia a presença da natureza e o
afastamento dos amantes. Enfim, pela apresentação de uma outra imagem pudemos observar o
ambiente palaciano, discutindo características do ambiente, aspectos morais, sociais e políticos da
sociedade feudal.
Desse momento em diante passamos a estudar as cantigas. Levei uma compilação de
textos através das quais pudemos verificar todas as informações aprendidas através da imagem.
Selecionei cantigas de Pero da Fonte, Martin Codax, Afonso X, dentre outros. O resultado foi
bastante satisfatório e, desde então, sempre busco trabalhar com as imagens de modo a favorecer
a aprendizagem. Para os alunos é fundamental a visualização, posto facilita a criação do processo
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associativo. O aluno consegue reconhecer a imagem no texto. No entanto, o uso da imagem não
deve ser abusivo nem tampouco significar uma substituição do texto literário. Ao contrário, este
deve ser nosso grande objeto de estudo na sala de aula.
A imagem é apenas a facilitadora, é um instrumento que favorece o aluno desenvolver
suas habilidades associativas. Mas meu intuito segue sendo a formação do repertório de leitura,
oferecer ao aluno novas formas de expressão que lhe permita interagir com novos tipos de texto.
Assim, a leitura do texto original torna-se um fator relevante quando se quer despertar o gosto
pela leitura. Devemos levar para nossas salas o maior número possível de textos.
Trabalhar o texto requer, então, desenvolver todo um projeto de análise do texto. Isso
significa não ensinar ao aluno como interpretar, mas analisar o texto. O aluno precisa aprender a
significar o texto, preencher as lacunas nele existentes. A leitura do texto literário, assim, não
pode se reduzir a uma interpretação mínima identificando no texto apenas algumas características
do movimento literário.
A análise do texto literário requer um trabalho com a linguagem. Desde a primeira
atividade foi exigida do aluno uma estrutura mínima de elaboração de parágrafo que analisasse o
texto poético. Assim era solicitada a construção do parágrafo padrão que tivesse uma estrutura de
introdução, desenvolvimento e conclusão. Na introdução, o aluno deveria apresentar o texto,
mencionando nome do texto, autor e temática abordada. No desenvolvimento, a leitura do texto,
mostrando aspectos relevantes de acordo com o objetivo das questões propostas. E a conclusão
seria o fechamento do parágrafo, determinando uma constituição coerente e coesiva da análise.
A importância da análise literária é fato concreto quando comparamos a evolução da
escrita e do processo reflexivo do texto realizado pelos alunos. Em março deste ano foi solicitado
que os alunos, a partir da leitura do poema Traduzir-se, de Ferreira Gullar, considerando o título,
discutissem o conceito de arte contido no poema. Um dos alunos redigiu a seguinte resposta:

Aluno: O poema baseia se na dualidade do eu-lírico demosntrando a dualidade na


arte. Ele estabelece o diálogo da tradição com a ruptura quando diz que uma parte
dele é todo mundo (o tradicional) e outra parte é a solidão (sua originalidade, o
não, a ruptura). Estabelece também o diálogo da razão e da emoção (Uma parte de
mim pesa, pondera/ outra parte delira), e da rotina com o inesperado (Uma parte
de mim almoça e janta/ outra parte se espanta). No fim o autor relaciona as duas
partes discutindo o conceito de arte no sentido de transformação de todos estes
diálogos e a interpretação da realidade.
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Notamos que o texto apresenta uma análise correta acerca do poema, com uma boa
elaboração do texto. Essa atividade foi realizada quando já havíamos iniciado esse processo de
análise dos textos literários, contudo, observamos ainda uma resposta bastante incipiente. O
avanço é perceptível no decorrer do ano letivo e os alunos vão adquirindo pouco a pouco a
capacidade de elaborar melhor uma tese sobre o texto lido, sendo capaz de estabelecer
associações entre os diferentes textos trabalhados em sala de aula.
Já em agosto foi pedido que, após a leitura de três fragmentos de textos teóricos sobre a
visão de amor platônico, os alunos discutissem a concepção neoplatônica em Camões, bem como
a comprovassem no poema Alma minha gentil que te partiste. O mesmo aluno respondeu à
questão mostrando-se mais amadurecido quanto ao processo de reflexão do texto.

Aluno 1: Na lírica de Camões encontram-se elementos referentes à


Antiguidade Clássica, pois o movimento literário ao qual Camões pertence
buscava suas razões nessa época. Sua maior influência é a valorização da
racionalidade.
No campo amoroso, nota-se na lírica camoniana a influência do
neoplatonismo, resultando na constante tensão entre o amor carnal
(emoção) e o amor espiritual (razão). Camões opta pelo amor espiritual,
acreditando que assim possa atingir o mundo inteligível, para isso, Camões
se utiliza freqüentemente da visão idealizada da mulher.
No poema Alma minha gentil que te partiste, o eu lírico denostra a
elevação da mulher, ao afirmar que ela está no céu, como no verso Se lá no
assento etéreo, onde subiste, demonstrando assim, sua idealização por ela.
Demonstra também sua opção pelo amor espiritual, influência platônica,
demonstrada nos versos Não te esqueças daquele amor ardente/ Que já
nos olhos meus tão puro viste.

Notamos uma melhora muito grande no texto desse aluno. Ele já apresenta uma maior
elaboração de suas idéias e é capaz de utilizar-se corretamente dos elementos coesivos e de
recursos argumentativos. No decorrer do ano, o intenso trabalho com o texto e de motivação das
associações, verificamos a considerável melhora no texto dos alunos. É necessário, então, que o
aluno não apenas intérprete mas leitor crítico o texto, que seja capaz de refletir o sentido do texto.
Para concluir o texto preciso estabelecer uma ponte, novamente, do ensino de Literatura
com o processo seletivo para ingresso na Universidade Federal de Juiz de Fora. Para trabalhar
com o livro Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo, leitura obrigarória para o PISM 1, os
alunos desenvolveram uma pesquisa que englobava o estudo dos prefácios, epígrafe, bem como a
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temática, a caracterização da mulher, o uso de figuras de linguagem, a construção de imagens, a


estrutura formal dos poemas de cada uma das três fases do livro. Foi solicitado que para cada
uma desses itens fosse desenvolvido um texto coeso que discutisse o tópico em cada uma das
fases.
Atualmente, desenvolvemos um trabalho monográfico sobre o livro Helena, de Machado
de Assis, segundo livro obrigatório do PISM 1. A intenção do trabalho é permitir que o aluno seja
capaz de elaborar uma tese sobre o livro lido, tornando-se um leitor crítico. Embora a atividade
esteja em andamento, os alunos receberam bem a proposta, o que me leva a crer que estou indo
por um bom caminho e que, por isso, posso sentir-me satisfeita por formar leitores críticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTHES, Roland. O prazer do texto.


_______. O Rumor da Língua. Trad. Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988.
_______. S/Z: uma análise da novela Sarrasine de Honoré de Balzac. Trad. Léa Novaes. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: MEC/ Semtec, 1999.
ISER, Wolfgang. A Interação do Texto como Leitor. In A Literatura e o Leitor: Textos de
estética da recepção. (org. Luiz Costa Lima). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 83-132.
_______. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Vol. 1. Trad. Johannes Kretchmmer.
São Paulo: Ed. 34, 1996.
Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

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