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19/04/2020 ConJur - "Il Terzo Contratto" — Uma nova categoria de contratos empresariais?

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DIREITO CIVIL ATUAL

"Il Terzo Contratto" — Surge uma nova


categoria de contratos empresariais ?
30 de julho de 2018, 8h30 Imprimir Enviar

Por Carlos Alberto Garbi

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A publicação deste artigo se deve ao honroso


convite da Rede de Pesquisa de Direito Civil
Contemporâneo, coordenada pelos ministros do
Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão,
Antônio Carlos Ferreira e Humberto Martins e LEIA TAMBÉM
pelos professores Ignácio Maria Poveda Velasco, DIREITO CIVIL ATUAL
Otavio Luiz Rodrigues Junior, José Antônio Peres Novo regulamento europeu reforça a
Gediel, Rodrigo Xavier Leonardo e Rafael Peteffi proteção dos dados pessoais?
da Silva. Sem dúvida o privilégio não é maior do que a responsabilidade de
DIREITO CIVIL ATUAL
ocupar este espaço frequentado pelos juristas e estudiosos da Rede. Espero
Fotografia é arte? Uma 3x4 de alguns
que a minha contribuição seja útil.
problemas jurídico-artísticos
Na doutrina italiana, com Roberto Pardolesi[1], que cunhou o termo terzo
DIREITO CIVIL ATUAL
contratto no prefácio do livro de Giuseppe Colangelo[2], se passou a
Novo regulamento europeu é reforço
observar que a contratação entre duas empresas, quando uma delas é
na proteção dos dados pessoais?
dependente economicamente da outra, reflete uma categoria de contrato
que não se identifica com o contrato clássico (primeiro contrato), aquele DIREITO CIVIL ATUAL
caracterizado pela presença de partes igualmente informadas e com livre Entre o Direito Civil e o Eleitoral: e os
capacidade de escolha. Essa contratação também não se identifica com o direitos da personalidade?
contrato de consumo (segundo contrato), que é marcado pela presumida
DIREITO CIVIL ATUAL
vulnerabilidade de uma das partes em razão essencialmente da deficiência
Lei obriga informação sobre evolução
de informação. Cuida-se de uma realidade diversa — um terceiro contrato (il
de preços dos serviços públicos
terzo contratto) —, para a qual o regime dualista apontado não oferece
resposta adequada. É um novo personagem que surge no horizonte e que DIREITO CIVIL ATUAL
deve ser visto muito proximamente[3], como parte da fenomenologia e STJ avança na delimitação do
disciplina atual dos contratos entre empresas.[4] adimplemento substancial (parte 2)

Em geral a doutrina hoje classifica os contratos, de forma unitária, a DIREITO CIVIL ATUAL
despeito da variação designativa, em contratos business-to-business (B2B) e
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19/04/2020 ConJur - "Il Terzo Contratto" — Uma nova categoria de contratos empresariais?

business-to-consumer (B2C), contratos negociados e não negociados, STJ avança na delimitação do


contratos individuais e estandardizados, contratos paritários e não adimplemento substancial (parte I)
paritários, e contratos com simetria ou não de poderes, revelando,
fundamentalmente, a distinção entre a contratação individual e a
contratação de massa, bem como a distinção entre a contração negociada e a Facebook Twitter
contração não negociada.[5]
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Bem anota Giuseppe Amadio que a classificação referida, assim como a
norma que regula a respectiva contratação, tem como objeto de observação
a atividade (não somente a posição ou o papel das partes no negócio, quanto
à modalidade do exercício da autonomia negocial) e a efetividade da
contratação, considerando no plano normativo o confronto entre o contrato
de direito comum e o contrato de consumo. Do ponto de vista teórico, a
distinção se faz entre o contrato que é celebrado com ou sem acordo de
vontades.[6]

A classificação feita pela doutrina nestes termos passa em boa medida pela
forma de exercício da autonomia privada e se reflete na dualidade de
tratamento da tutela contratual. Esse dualismo, entre contrato de consumo e
contrato de direito comum, revela que a lei labora: (i) de um lado, com um
modelo de contrato inteiramente negociado, entre partes que se encontram
em condição de igualdade, e que reclama o máximo de liberdade e o mínimo
de intervenção do legislador e do juiz, em favor da autonomia privada; (ii)
de outro lado, com um contrato (de consumo) no qual se verifica uma
disparidade de instrumentos e de informações, não negociado plenamente e
marcado pela assimetria de forças, que reclama o máximo de controle do
legislador, especialmente no momento formativo, e admite em grau maior a
intervenção judicial.

Quando se unificou o direito privado nas codificações, o que ocorreu no


Brasil com o Código Civil de 2002, o regime geral dos contratos (empresariais
ou não) também foi unificado. Destacou-se desse regime geral a contratação
nas relações de consumo, o que polarizou o direito contratual em duas
categoriais bem definidas. Sucede que a afeição do jurista à categorização do
direito o levou a perder a percepção para outras realidades não
compreendias nos modelos conhecidos, o que se refletiu no paradigma do
direito contratual orientador da tutela adequada.

Esses dois polos definidos no direito contratual não alcançam, seguramente,


todas as categoriais contratuais que, em razão das suas especificidades, não
se ajustam a esse dualismo[7]. Como exemplo da não adequação às
categorias definidas, Roberto Pardolesi lembra que os contratos financeiros
(bancários), embora compreendidos nas relações de consumo, devem ser
regulados não só do ponto de vista da tutela do consumidor, contratante
fraco e pouco informado, mas também do ponto de vista da estabilidade e
segurança do sistema financeiro. Não cabe aplicar a esses contratos
rigorosamente o regime das relações de consumo, diante de outro valor
presente nesta relação igualmente digno de tutela. Também não é o caso de
aceitar o modelo clássico liberal para regular essa contratação. Outro
exemplo de Pardolesi está nos contratos relacionais, hoje bem conhecidos na
doutrina brasileira, órfãos de um regime jurídico próprio, cuja regulação
não pode se dar com a aplicação de regras dos contratos típicos e
instantâneos, como a compra e venda, diante dos efeitos decorrentes da
duração das relações entre as partes.[8]

O contrato de franchising, que tem no franqueado a parte fraca da relação,


sujeita às condições previamente estabelecidas pelo franqueador, a respeito
das quais há restrita margem de negociação, é outro exemplo de contrato

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que não se ajusta ao referido dualismo. Cabe incluir também o contrato de


distribuição e os contratos de rede de empresas. A esses contratos não
podem ser aplicadas indistintamente a regulação e a tutela própria dos
contratos negociados, porque, embora celebrados entre empresas, é fácil
perceber que um deles (por exemplo o franqueado) está em situação
absolutamente diversa do ponto de vista da simetria dos poderes de
negociação.

São hipóteses contratuais que não se identificam com as matrizes colocadas


no sistema dualista ou, propriamente, não se identificam com as categorias
de direito contratual com as quais o jurista se habituou.[9] Em comum a
essas relações está a assimetria de poderes e a vulnerabilidade de uma das
partes. Diversamente das relações de consumo, a assimetria de forças (entre
partes empresárias) nos contratos não é necessariamente um problema
jurídico se ao empresário havia alternativa e liberdade de contratação. O
desequilíbrio se revela patológico para o direito somente quando decorre do
abuso decorrente da dependência econômica.

Pode-se dizer, portanto, que a assimetria nas relações de consumo é de


natureza informativa, porque nesse ponto reside fundamentalmente a
vulnerabilidade do consumidor, enquanto nos contratos empresariais, nas
situações de dependência entre empresas, a assimetria decorre, não da
incapacidade de negociar, mas da falta de alternativa.

A consequência do referido binário tratamento legislativo é a fragmentação


da unidade do paradigma contratual, ponto sobre o qual, como afirma
Giuseppe Amadio, não se discute na doutrina. A questão que se coloca hoje é
como reordenar o sistema na busca do paradigma perdido[10].

É justamente entre estes dois polos — contrato liberal clássico e contrato de


consumo — que se investiga essa terra di mezzo (terra do meio), uma área
intermediária na qual está o chamado terceiro contrato. A hipótese dessa
figura se amolda a um contrato entre empresários com capacidade de
negociação. Todavia, se verifica de um lado da relação o empresário fraco
(débil), que se coloca em situação muito próxima do consumidor nas
relações de consumo, quando se olha somente para a assimetria de poderes
e a vulnerabilidade da parte. É uma nova categoria de contratante débil,
como afirma Pardolesi.

Na próxima semana a publicação da segunda parte deste artigo aborda essa


nova categoria de contrato.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de


Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto,
Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT e UFBA).

1 Na página eletrônica de LUISS – Università Guido Carli,


[http://docenti.luiss.it/pardolesi/research/working-papers/] pode ser
encontrado o link para “Una postilla sul Terzo Contratto”, de Roberto
Pardolesi, ou diretamente em: http://www.law-
economics.net/workingpapers/L&E-LAB-FIN-07-2008.pdf.

2 L' abuso di dipendenza economica tra disciplina della concorrenza e diritto


dei contratti. Un'analisi economica e comparata. Editora Giappichelli, 2004.

3 Gregorio Gitti e Gianroberto Villa. Il Terzo Contratto. (Introduzione). Ed. il


Mulino, 2008, p. 7.

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4 Vale registrar a observação de Rita Marsico: “Trattasi di una recentissima


fattispecie dai contenuti normativi ed applicativi ancora incerti e che non ne
garantiscono, ad ora, portata dogmatica, nonostante stia acquisendo sempre
maggiori consensi nel panorama civilistico”
(https://www.filodiritto.com/articoli/pdf/2010/11/le-nuove-frontiere-della
dottrina-civilistica-il-terzo-contratto?_id8=3 – acessado em 24.05.2018).
Mesmo quando não invocada a nova figura, a doutrina reconhece a
existência de um vazio na hipótese de um contrato entre empresários.
Ernesto Capobianco, justifica esse vazio pelo fato de que, diante de uma
relação contratual entre empresas, sujeitos profissionalmente organizados e
melhores árbitros dos próprios interesses, não haveria de se imaginar
necessária a intromissão judicial para decidir sobre a justiça do contrato
(Lezioni sul contratto. G. Giappichelli Editore – Torino, 2014, p. 172).

5 Giusepe Amadio. Il terzo contratto. Il problema. Op. cit., p. 10.

6 Op. cit., p. 10-11.

7 Bem a propósito a precisa observação de Eros Roberto Grau e Paula


Forgioni no sentido de que “o contrato não é um instituto único, porém um
feixe de institutos jurídicos (os contratos)”, de forma que as regras aplicáveis
aos contratos são diferentes (O Estado, a empresa e o contrato. Malheiros
Editores, 2005, p. 16).

8 Conclusioni. Op. cit., p. 336-337.

9 O problema desse dualismo vem a tona quando a doutrina defende a


distinção entre contratos de consumo e contratos empresariais. Paula A.
Forgioni ressalta que o direito comercial e o direito do consumidor são
regidos por princípios peculiares diversos, submetendo-se a lógicas
apartadas. A distinção destas duas espécies de contratos é imperiosa para
que não se faça a indevida aplicação de princípios de um ramo do direito a
outro. Diz a autora: “Torna-se premente resgatar os contratos comerciais
para impedir sua absorção pelo consumerismo e o aviltamento da
racionalidade própria do direito empresarial” (Contratos Empresariais.
Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 37). A advertência da autora é
exatamente no sentido de que não se pode emprestar o regime de uma
categoria de contratos a outra. A advertência se mostra pertinente quando
se verifica que não há um regime adequado para separar os contratos
empresariais do modelo clássico-liberal de contratação, o que revela a
insuficiência das duas categorias polarizadas no direito contratual.

10 No Brasil, assim como na França e Itália, esse sistema binário é


instrumentalizado pela edição de um Código do Consumidor, ao contrário do
sistema alemão, que incorporou no próprio Código Civil a disciplina da
relação de consumo a partir da reforma do BGB de 2001/2002, unificando o
direito das obrigações.

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Carlos Alberto Garbi é mestre e doutor em Direito Civil pela PUC-SP. Pós-doutorando pela
Universidade de Coimbra em ciências jurídico-empresariais. Desembargador aposentado
do Tribunal de Justiça de São Paulo. Consultor e advogado. Professor e Chefe do
Departamento de Direito Privado e Social da FMU-SP.

Revista Consultor Jurídico, 30 de julho de 2018, 8h30

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