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36298/gerais2019120106
Abstract
This article analyzes the social representations about the origin of homosexuality presented by men who claimed to
have changed their sexual identity. This is an exploratory, cross-sectional study with a qualitative approach. Four men
over the age of eighteen years were interviewed. The instrument was based on a semi-structured interview script. Data
were systematized based on a thematic content analysis, revealing four categories: 1. Poor family structure. 2. Sexual
abuse in childhood. 3. Pleasurable homosexual experiences. 4. Action of spiritual entities. All discourses sought to
justify and/or delegitimize homosexuality by arguing that it is unnatural and/or exclusively caused by environmental
factors. In addition to the appropriation of elements of psychoanalytic and psychological theories, a strong anchoring
of religious values about homosexuality was observed. It is believed that the search for the legitimization of this
1
Universidade Federal do Espírito Santo, Barra de São Francisco, Brasil. E-mail: odacyrroberth@gmail.com
2
Universidade Federal do Espírito Santo, Barra de São Francisco, Brasil. E-mail: cristinasmithmenandro@gmail.com
Roberth Moura da Silva, O. et. al. 63
discourse may pretend to justify the positions and behaviors related to the decision to change sexual orientation.
Keywords: Homosexuality. Ex-gay. Social representations.
sua vez, só se manifestou em relação a esse forma como dois dos entrevistados referiram-se
assunto em 1999, apesar de já em 1975 a ao seu processo de transformação, e por
homossexualidade ser considerada pela semanticamente abarcar a experiência de todos,
Associação Americana de Psicologia uma preferimos adotar “mudança da identidade
orientação sexual e não um distúrbio ou uma sexual” a “reorientação sexual”.
doença psicológica. Apesar disso, “esta celebrada No relatório Report of the APA Task Force
despatologização da homossexualidade não foi on Appropriate Therapeutic Responses to Sexual
capaz de resolver todas as questões que longos Orientation, a APA (2009) mostrou que a
anos de pertença a códigos punitivos, listagens de orientação sexual envolve pelo menos três
aberrações e perversões e finalmente a um componentes: o comportamento sexual, a atração
repertório nosológico ‘cientificamente’ sexual e a identidade sexual. O relatório traz
estipulado, tinham instalado” (Leal, 2004). diversas pesquisas (Beckstead, 2003; Carrillo,
Diante desse panorama, tomando como 2002; Diamond, 2003, 2008; Diamond & Savin-
referencial a Teoria das Representações Sociais – Williams, 2000; Dunne et al., 2000; Fox, 2004;
TRS (Moscovici, 2011), tivemos como objetivo Gonsiorek, Sell & Weinrich, 1995; Hobinch,
analisar as teorias e justificativas sobre a origem Konik, Williams, & Crawford, 2004; Kinsey et al.,
da homossexualidade apresentadas por 1948, 1953; Klein et al., 1985; Masters & Johnson,
indivíduos que mudaram de identidade sexual e 1979; McConaghy, 1987, 1999; McConaghy,
compreender o comportamento social de “deixar Buhrich & Silove, 1994, 1980; Thompson &
de ser gay”, tendo por base uma rede de Morgan, 2008, citados pela APA, 2009) que
significados construída em torno da indicam que existe um conjunto de indivíduos
homossexualidade. que se envolvem em práticas sexuais com pessoas
Optou-se pela adoção do termo do mesmo sexo mas que não se reconhecem ou
“identidade sexual” para se referir à mudança dos se identificam como LGB, da mesma forma que
participantes deste estudo da condição de existem gays e lésbicas que se envolvem
homossexual para heterossexual. Embora sexualmente com pessoas de outro sexo e não se
bastante controverso, especialmente em alguns identificam como bissexuais ou heterossexuais.
segmentos da militância LGBTQIA,+3 que Dessa forma, ainda de acordo com o mesmo
afirmam não existir identidade sexual, mas sim relatório (APA, 2009, p. 30),
orientação sexual ou identidade de gênero, a
escolha do termo foi feita, pelo menos, por dois [...] a orientação sexual refere-se aos
padrões sexuais, românticos e afetivos de
motivos. Primeiro, porque ele já vem sendo usado
um indivíduo e ao desejo por pessoas
na literatura, inclusive em trabalhos que versam baseado nas características sexuais e de
gênero dessas pessoas. A orientação
sobre sexualidade e Psicologia Social (APA, 2009;
sexual está ligada a impulsos fisiológicos
Gomes & Serôdio, 2014; Pinho & Pulcino, 2016; e sistemas biológicos que estão além da
escolha consciente e envolvem
Silva & Pereira, 2010). Segundo, porque foi a
sentimentos emocionais profundos,
3
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queers, não se identificam com as pessoas pertencentes ao
Intersex, Assexuais. O “+” abarca os indivíduos que grupo LGBTQIA.
como “se apaixonar”. A identidade quadro de significações que o grupo tem. Sendo
sexual refere-se ao reconhecimento e
assim, a objetivação transforma aquilo que era
internalização da orientação sexual e
reflete a auto-exploração, a novo e desconhecido em familiar. O segundo
autoconsciência, o auto-reconhecimento,
processo, a ancoragem, trata do agrupamento
a participação e a afiliação em grupos,
cultura e autoestigma. A identidade dessas novas ideias e imagens a um assunto
sexual envolve formas públicas e
similar. É a incorporação, após alguns ajustes,
privadas de auto-identificação e é um
elemento-chave na determinação de desse novo objeto às categorias já existentes.
decisões relacionais e interpessoais, pois
Dessa forma, novas imagens se juntam àquelas
cria uma base para a formação de
comunidade, apoio social, modelos de que já existiam e, em decorrência disso, o
papel social, amizade e parceria. (APA,
entendimento que se tem da realidade
2003; Jordan & Deluty, 1998; McCarn &
Fassinger, 1996; Morris, 1997; Ponticelli, circundante sofre mutações, fazendo emergir,
1999; Wolkomir, 2001)
então, novos conceitos (Trindade, Santos &
Almeida, 2014).
Sobre a representação social dos
Pereira, Torres, Pereira e Falcão (2011),
homossexuais, Scardua e Souza Filho (2006, p.
em uma pesquisa realizada com seminaristas
483) afirmam que
católicos e evangélicos, encontraram relação entre
as crenças sobre a origem da homossexualidade e
Muito além da esfera conceitual há um
conhecimento compartilhado o tipo de preconceito apresentado pelos sujeitos
socialmente sobre este tema, que
entrevistados. O estudo concluiu que “a forma
possibilita práticas entre indivíduos e
grupos. Ou seja, tomamos como base a como seminaristas expressam as suas atitudes em
noção de que a homossexualidade é
relação aos homossexuais está associada às suas
construída socialmente e só pode ser
entendida dentro de um contexto social e representações sobre a homossexualidade” (p.
histórico dinâmico. Tal multigrupalidade
74).
existente nas sociedades contemporâneas
engendra múltiplas formas de ser, ver, Nesse mesmo sentido, um estudo sobre
compreender, representar, praticar,
as formas de preconceito contra homossexuais
comunicar, vivenciar, enfim, debater a
homossexualidade. entre universitários realizado por Lacerda, Pereira
e Camino (2002, p. 175) apontou que “as variáveis
A Teoria das Representações Sociais se
que mais contribuem para a ancoragem social do
ocupa da construção do saber por parte das
preconceito dos estudantes contra os
pessoas leigas, no seu cotidiano (Moscovici,
homossexuais são as explicações atribuídas à
2011). Dois processos fundamentais ocorrem na
homossexualidade”. De acordo com a análise
produção das representações sociais: objetivação
realizada, os estudantes não preconceituosos
e ancoragem. Objetivação é o processo pelo qual
foram aqueles que aderiram a explicações de
ideias abstratas são transformadas em imagens
cunho psicossociológicos sobre a origem da
concretas. Do saber científico (universo reificado)
homossexualidade, enquanto os preconceituosos
algumas informações são privilegiadas em
sutis buscaram explicar a homossexualidade
detrimento de outras. Essas informações passam
partindo de causas biológicas e psicológicas. Os
por um processo de simplificação e dissociação
preconceituosos flagrantes, por sua vez,
do seu quadro teórico original e são associadas ao
apresentaram uma adesão mais forte às esta pesquisa e de indicação de terceiros. O local
explicações ético-morais e religiosas. da coleta foi escolhido pelo participante, e
Apesar de haver literatura científica que primou-se pela escolha de um espaço que
discute, sob o prisma de diferentes teorias, a permitisse conforto para que ele se expressasse e
violência do discurso por trás do comportamento também que permitisse a manutenção da
de “deixar de ser gay”, existe uma carência de tranquilidade e do sigilo. Foram incluídos na
estudos que abordem o fenômeno pela óptica das amostra os sujeitos que mudaram de identidade
representações sociais. Assim sendo, a realização sexual há pelo menos seis meses, e que se
deste estudo justifica-se por apresentar uma dispuseram a falar sobre o tema abordado.
perspectiva que possibilita ampliar a O instrumento utilizado na coleta de
compreensão da forma como os dados foi um roteiro semiestruturado de
indivíduos/grupos apreendem e transformam o entrevista que explorou questões tais como:
saber científico existente sobre as causas da primeiras experiências sexuais, descoberta da
homossexualidade, e como esse saber, apropriado homossexualidade, inserção social,
e transformado afeta as práticas sociais desses relacionamentos interpessoais e fatores
indivíduos, reforçando a estrutura violenta intervenientes na decisão da mudança de
contida nesses discursos excludentes. identidade sexual.
A pesquisa foi aprovada por Comitê de
Método Ética em Pesquisa da instituição à qual os
Trata-se de um estudo exploratório, de pesquisadores estão vinculados sob o parecer nº
corte transversal e abordagem qualitativa 1.579.301/2016.
(Gaskell, 2013). Participaram deste estudo quatro Os dados foram analisados segundo a
indivíduos do sexo masculino, com idade superior técnica de Análise de Conteúdo (Bardin, 2009). O
a 18 anos, que declararam ter sua identidade material foi sistematizado a partir de uma análise
sexual alterada de homossexual para de conteúdo temática realizada em três etapas:
heterossexual. A amostragem utilizada foi pré-análise, exploração do material (codificação)
intencional. A realização de entrevista com esse e tratamento dos resultados (inferência e
quantitativo de participantes deu-se devido à interpretação). Nos resultados, inicialmente
escassez de sujeitos encontrados que se apresentaremos uma caracterização geral dos
encaixavam no perfil procurado e na dificuldade participantes. Em seguida estão sistematizados os
de acesso a essa população (dentre os poucos dados relacionados à definição da
encontrados, não foram todos que aceitaram falar homossexualidade e às explicações de como ela se
sobre sua experiência). Apesar dessa limitação, origina. Na discussão buscou-se estabelecer, à luz
acredita-se que o número de entrevistados foi da TRS, uma articulação entre os achados desta
suficiente para trazer informações relevantes pesquisa e a literatura, levando com consideração
capazes de responder aos objetivos da pesquisa. os objetivos a que nos propusemos.
Os participantes foram localizados a
partir de contatos do pesquisador responsável por Resultados
O Quadro 1 foi elaborado com o intuito participantes, utilizamos nomes fictícios que eles
de apresentar uma caracterização dos mesmos tiveram a oportunidade de escolher.
entrevistados. Para garantir o anonimato dos
homossexualidade, ou seja, de que ela é produto representações sociais que fazem parte do
da interação tanto de influências biológicas universo social desse grupo. Uma das funções das
quanto de influências do meio. representações sociais é justamente permitir que
Diante desse panorama, pergunta-se: por “os atores sociais adquiram os saberes práticos do
que o conflito ideológico em torno da origem da senso comum em um quadro assimilável e
homossexualidade é tão feroz? Por que estando compreensível, coerente com seu funcionamento
as mesmas informações científicas disponíveis cognitivo e os valores aos quais eles aderem”
para todos, distintos grupos apropriam-se de (Abric, 2001, p. 28).
forma totalmente oposta desses conhecimentos? A partir do momento que esse novo
A teoria das Representações Sociais parte da conteúdo é esquematizado, criando-se um núcleo
premissa de que o conhecimento científico não é figurativo do objeto, o que antes era abstrato,
apreendido da mesma maneira por todos os agora torna-se concreto. Em outras palavras, após
grupos sociais. Na gênese das representações a naturalização desses novos fragmentos de
sociais, estão envolvidos dois processos: informações acerca da homossexualidade,
ancoragem e objetivação (Trindade, Santos & retirados do universo reificado, esse novo
Almeida, 2014), processos que ocorrem conhecimento se tornará expressão da realidade.
simultaneamente e que têm o objetivo de trazer Essa será “A verdade” defendida pelo sujeito ou
para o sistema cognitivo do indivíduo pelo grupo que é guiado pelos mesmos princípios
informações que lhe são novas, desconhecidas e que ele.
ameaçadoras. Por esse motivo, segundo Fry e Carrara
Acredita-se que esses grupos, no (2016), alguns militantes e ativistas LGBTQIA+
processo de apropriação do conhecimento, no insistem em interpretar a influência biológica
qual algumas informações são privilegiadas e como determinação, para assim conferir
outras minimizadas ou simplesmente ignoradas, legitimidade genética às suas identidades sexuais.
selecionaram, consciente ou inconsciente, aquelas De modo semelhante, o grupo de conservadores
informações sobre o objeto que estavam de continua negando as influências biológicas e se
acordo com seu sistema de categorias apegam a inúmeras outras evidências, também
influenciado por crenças/dogmas religiosos. apresentadas pela ciência (Natividade 2006), para
Informações radicalmente divergentes daquilo conferir legitimidade ao seu discurso e adequar
que eles já acreditavam dificilmente conseguiria se essas novas informações trazidas ao seu sistema
inserir nesse sistema, visto que a inserção de de crenças e valores.
novas informações sobre esse objeto se dá em No caso dos sujeitos deste estudo,
função da inserção social desses sujeitos. acredita-se que a busca pela legitimação do seu
Sendo assim, presume-se que só seriam discurso, além de promover uma imagem social
incorporados no sistema de significação do grupo positiva de si e negativa daqueles que
os novos conceitos ou informações acerca da permanecem na “prática homossexual”, pretende
homossexualidade disponíveis na ciência que não justificar as tomadas de posição e os
entrariam em conflito com as outras
comportamentos relativos à decisão de mudar de permaneça como você é’ e ‘estamos aqui pra te
identidade sexual. ajudar a sair do lamaçal / poço / inferno do
É interessante ressaltar que tanto nossos homossexualismo’” (Maranhão, 2015, p. 54).
entrevistados quanto os autores cristãos que Em um estudo que analisou o discurso
discutem a homossexualidade (Calvani, 2010; presente em sites e blogs que se propunham a
Craig, 2010; Ellens, 2011; Proença, 2008; Santos, ajudar homossexuais a “abandonar” a
2003; Stoot, 1993; Viula, 2010, dentre outros) homossexualidade, Silva e Menandro (2016)
reforçam a crença no caráter construtivista da encontraram a mesma estrutura explicativa para a
homossexualidade e no caráter essencialista da natureza homossexual. Natividade (2006), em
heterossexualidade. Para eles, a uma análise realizada em textos normativos
homossexualidade trata-se de uma construção identificados em um mapeamento do universo
social desviante, enquanto a heterossexualidade é editorial evangélico e de material on-line,
a condição natural do homem. Na lógica identificou algumas afirmações recorrentes sobre
defendida por eles, todo ser humano nasce a homossexualidade. O seu estudo mostrou que a
heterossexual; suas experiências e escolhas ao homossexualidade, segundo as perspectivas
longo da vida é que vão definir se assim ele pastorais evangélicas, é uma antinatureza, um
permanece ou se desvia do caminho traçado pela problema espiritual e, sobretudo, trata-se de um
natureza divina. comportamento aprendido.
O modo particularmente cristão de Além da defesa de posicionamentos que
compreender e explicar a homossexualidade vão ao encontro dos discursos analisados por
encontrado no relato dos participantes deste Natividade (2006), Silva e Menandro (2016),
estudo vai ao encontro do que Maranhão (2015) também encontraram outras explicações para
chama de teologia cishet-psi-spi. Para ele “a origem da homossexualidade tais como possessão
teologia cishet-psi-spi se fundamenta em demoníaca, excesso de exposição a materiais
pressupostos da cisnormatividade e da pornográficos, mãe dominadora, pai ausente e até
heteronormatividade, amparados em influência do desejo dos pais em ter filhos do sexo
pressupostos das áreas psi e concepções oposto. Para os autores, muitos homossexuais
associadas à espiritualidade” (p. 54). O autor apropriam-se de discursos dessa natureza e
acredita que essa teologia, além da cis- “acreditando no poder de predição destes fatores,
heteronormatividade e a procuram encontrar o ponto inicial onde sua
psicologização/psiquiatrização, se baseia na sexualidade ‘desviou-se dos caminhos da
pecadologização da homossexualidade, normalidade’ para, a partir daí, realizar um
compreendendo-a como aberração, perversão, exercício de regressão e tentar começar de novo”
abominação e possessão demoníaca. Para ele, essa (Silva & Menandro, 2016, p. 7).
concepção é claramente expressa em frases ditas Reforçando a todo momento a ideia de
pelos cristãos direcionadas às minorias sexuais, que a homossexualidade é construída por
tais como “‘devemos amar o pecador, mas odiar inúmeros fatores, todos ambientais, os
o pecado’, ou ‘venha como está, mas não participantes, assim, justificam para si e para
quem os inquere que é possível mudar, pois conclui que a homossexualidade não é
acreditam que tudo que não é biologicamente biologicamente determinada, pois se fosse, a
ordenado, tudo que foi processo de influência alegada mudança não teria meios para se
social, é passível de alteração. concretizar. Além da possibilidade de serem
O modo particular como os sujeitos do socialmente valorados por voltarem a fazer parte
grupo investigado neste estudo representam a da “normalidade”, também são gratificados por
homossexualidade também pode influenciar poderem ser usados como instrumento de
diretamente os comportamentos e atitudes que refutação das crenças contrárias à ideologia do
eles direcionarão aos homossexuais. Um estudo grupo dominante.
realizado por Pereira, Torres, Falcão e Pereira Conforme Abric (2011), além da função
(2013) sobre representações sociais acerca da identitária e da função de saber, as representações
origem da homossexualidade revelou que os também têm a função de orientação e de
indivíduos que baseavam suas crenças em justificação de comportamentos. Ao se conceber
preceitos religiosos, moralistas ou psicológicos, a homossexualidade como a manifestação de uma
apresentaram maior predisposição a apoiar sexualidade antinatural ou como afronta à criação
políticas discriminatórias contra homossexuais, divina, pode advir daí práticas excludentes e
tais como o casamento entre pessoas do mesmo discriminatórias em relação aos componentes
sexo e a adoção de criança por esses casais. Esse desse grupo. Práticas essas que serão
dado revela-se preocupante, na medida em que posteriormente justificadas com base nessa
quanto mais se difundem e se cristalizam diferenciação intergrupal.
representações de cunho construcionista e
religioso acerca da gênese da homossexualidade, Considerações Finais
mais a sexualidade hegemônica ganha força para Embora haja divergência e contradições
se tornar um potencial cerceador de direitos das entre algumas opiniões dos entrevistados, o
minorias sexuais. consenso mais forte entre eles é do caráter
Ao mesmo tempo que a representação socialmente determinado da homossexualidade.
compartilhada por esse grupo permite que eles Essa característica parece estar entre as mais
expliquem e interpretem sua realidade, ela importantes, inclusive por sua contribuição na
possibilita a criação de uma identidade social atribuição de sentido aos demais elementos
positiva, não só para o grupo sexual hegemônico, caracterizadores.
que reserva para si o privilégio de não ter se Este estudo mostrou o evidente processo
“desviado da normalidade”, mas principalmente de simplificação e dissociação de informações
dos respondentes, que, ao decidirem mudar de retiradas do quadro conceitual científico acerca da
identidade sexual, são lidos socialmente como homossexualidade e a associação ao
“prova viva” ou como argumento irrefutável de conhecimento prévio trazido pelos participantes,
que seria possível realizar a mudança por meio do em especial o conhecimento derivado da moral
esforço. Logo, partindo das alegações de que foi cristã. Tal como ocorre na objetivação, no
possível mudar por esforço próprio, o grupo processo de assimilação, acomodação e
representações identificadas neste estudo serviu Craig, W. L. (2010). Apologética para questões difíceis
da vida. Edições Vida Nova.
para apoiar o discurso que apregoa a possibilidade
de mudança de identidade sexual e legitimar a Ellens, J. H. (2011). Sexo na Bíblia – novas
considerações. São Paulo: Fonte Editorial.
prática de “abandonar a homossexualidade”.
Fogel, G. I., Lane, F. M., & Liebert R. S.
Mesmo considerando haver uma (1989). Psicologia Masculina – novas
transformação sociocultural em relação à perspectivas psicanalíticas. Porto Alegre:
Artes Médicas.
proliferação de informações acerca da
Fry, P., & Carrara, S. (2016). “Se oriente, rapaz!”:
homossexualidade, por meio de novelas, séries, Onde ficam os antropólogos em relação
filmes ou discussões televisivas, parece que os a pastores, geneticistas e tantos “outros”
na controvérsia sobre as causas da
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queira tornar mais rígida a barreira que protege (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto,
imagem e som: um manual prático (11a ed.,pp.
seu status dominador. Contudo, acreditamos que 64-89). Petrópolis: Vozes, 2013.
a promoção do constante debate sobre o tema Gomes, I. S., & Serôdio, R. G. (2014). A
possa promover o acesso dessas minorias a seus homofobia perspetivada à luz da
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