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As masculinidades de homens negros gays em Salvador da Bahia

John Andrew Mundell


Mestrando em Estudos Étnicos e Africanos (PosAfro)
Centro de Estudos Afro-Orientais, Universidade Federal da Bahia

RESUMO

Este trabalho investiga as múltiplas masculinidades de homens negros gays em Salvador, Bahia
em esferas como a família e nos espaços homossociais. Para tanto, alguns aspectos foram
enfatizados, como estudos sobre identidades masculinas na diáspora africana e homens
nordestinos, a presença LGBTTTI em Salvador, relações etno-raciais no namoro e na
homossociabilidade e famílias brasileiras com filhos gays. A importância deste trabalho é
colaborar para uma maior reflexão sobre a inter e intrapluralidade da masculinidade negra e o
homem negro gay em Salvador. Durante a investigação, foi realizada, através da convivência,
uma pesquisa de campo com 10 homens negros gays soteropolitanos, assumidos e não-
assumidos, na faixa de 20-42 anos de idade, observando sua conceituação de suas próprias
masculinidades e identidade sexual, bem como as alheias.

Palavras-chave: Masculinidade; negros gays; identidade sexual; família negra;


homossociabilidade.

I. Apresentação
Além das fronteiras construídas pelo exoticismo e turismo em Salvador, existe uma
cidade não exibida nos postais onde, apesar de ter uma maioria popular de pessoas que se
identificam como “pretas” ou “pardas” no censo―afro-descendentes―, há diferenças sociais
magnanimamente negativas ligadas à tez mais escura, principalmente a falta de acesso aos bens
necessários para a sobrevivência como, por exemplo, segurança, infra-estrutura, saúde e
educação pública eficazes. Além destas populações serem constantemente segregadas
institucionalmente pelo governo e pela sociedade branconormativa, procuro saber quais são as
circunstâncias dos indivíduos nestas populações aos quais também pertence a outra identidade
minoritária, como à não-heterossexualidade. Quens são? Quais são suas atitudes? E suas
famílias? O que pensam dos seus filhos homens negros, cobrados pela sociedade, então pela
família frequentemente, a serem machos, quando “acabam se tornando” gays? Deste modo, este
estudo, como pedaço de um estudo maior, pesquisa a identidade dos homens negros gays na
capital baiana, sua relação, seja tranquila, seja turbulenta, com a própria família e a construção e
a performance de suas masculinidades em vários meios.
Meu argumento constituirá de, primeiro, uma revisão pequena da literatura sobre as
masculinidades da diáspora africana, no Nordeste e em Salvador, a presença LGBTTTI (lésbicas,
gays, bissexuais, transgêneros, transsexuais, travestis e inter-sexos) em Salvador, seguida pelo
perfil, em ordem, de cada um dos dez sujeitos que observei e entrevistei para, depois, tirar umas
conclusões sobre o grupo apresentado, buscando paralelismos entre suas identidades,
experiências e masculinidades.

II. Teorias do homem, do negro, do gay e do homem negro gay: revisão de literatura
O pai dos Estudos do Homem, Gilmore (1990), declara que a masculinidade é quase um
prêmio pelo qual os meninos lutam contra a sociedade, que “homens de verdade são feitos… não
nascem” (1990: 14) e que a feminilidade é mais um “atributo” natural (Albuquerque Júnior,
“Mulher de casa…”: 11; Gilmore, 1990), tal observação à qual discordo, pois, qualquer gênero é
avaliado, só de outras formas entre homems e mulheres, pela efetividade de sua performance,
tanto masculino quanto feminino. Ao meu ver, como pesquisador e homem, além de ser
outorgada pela visão do outro, a masculinidade é tudo que o homem faz, pensa e sente enquanto
mantém a ideologia que segue sendo homem, isto cada um dos dez sujeitos afirmando em
entrevista, embora também envolva a opinião do outro da sua performance.
Estas masculinidades tem uma inter- e intra-pluralidade nos homens; não há só uma
masculinidade nem para a sociedade toda nem para o indivíduo, apesar de haver uma idealização
do homem utópico, Albuquerque Júnior (Máquina) afirma, no exemplo do Nordeste, onde o
homem é cobrado a manter um monte de características, entre elas, a severidade, a honra e a
brutalidade, tanto que se torna óbvio que nenhum homem perfeito existe. Concordo com Butler
(1990), uma das fundadoras da teoria queer, que aquelas posturas históricas e antropológicas que
compreendem gênero como uma relação entre sujeitos socialmente constituídos em contextos
específicos são preferidas. Isto é, em vez de ser um atributo fixo em uma pessoa, gênero deve-se
ver como um aspecto fluido que oscila e muda em diversos contextos e tempos (ibid; Nixon,
1997). Nixon concorda então diz: “…não há nenhuma verdadeira essência de masculinidade
garantida nem por Deus nem pela natureza à qual nós poderíamos apelar em analisar as
identidades de gênero dos homens” (1997: 301).
As masculinidades plurais que existem de um homem para outro, bem como as diversas
dentro de um só indivíduo, nos hierarquizam entre si: quem é mais ‘homem’, conforme as
normas sociais, é mais poderoso (Nixon, 1997). O negro, nesse caso, chega a ser caracterizado
por “poucas essênciais, fixadas na Natureza por uns poucos caraterísticas simplificadas” (Hall,
1997: 249), quer dizer, estereotipado no início de contato histórico com o branco e leva esse peso
até hoje em dia; assim, desta maneira, a masculinidade do homem negro, têm sido e continua
sendo, tanto pelas sociedades ocidentais e ocidentalizadas quanto pelas academias delas,
sistemática e violentamente reduzida aos confins do seu corpo e, por extensão, simbólica e, às
vezes, literalmente ao seu sexo: seu pênis. Porém, devido ao tamanho geralmente maior do pênis
negro, esta ‘masculinidade maior’ é vista, pelo branco, como excessiva e ameaçeadora e tem que
ser encurtada, enquanto tudo isso, fetichizada e posuída, mas sempre negada (Hall, 1997). Com
tal posse, exemplificada frequentemente como violenta, a construção da masculinidade branca é
realizada pela destrução da masculinidade negra, a criação da branquitude ao demonizar a
negritude, o motivo disto sendo a falsificação do corpo negro masculino como um perigo, e
então “a eroticização subjacente que sempre então imagina aquele corpo como um lugar para
prazer transgressivo” (bell hooks, 2003: 79).
Aqui no Brasil, dentro de um patriarcado capitalista de supremacia branca neocolonial, o
corpo negro masculino continua sendo percebido como a personificação do conceito “bestial,
violento, pênis-como-arma, hipermasculino” porém virou o “sítio para a personificação do
desejo de todo mundo” (bell hooks, 2003: 78-79). E, dentro do contexto de homens negros em
Salvador, Bahia, Pinho (2012) relaciona estas ligações entre gênero e violências física e
institucional a bell hooks (2003). A violência e “estigma de barbarismo e selvageria se ligam ao
espaço simbólico da representação da identidade negra masculina” (Pinho, 2012: 2). Pinho
declara que o negro brasileiro, e no contexto do artigo, o negro baiano, é totalmente reduzido ao
corpo dele, à sua pele e músculos, por causa da obsessão branca pelo imago dele, em
concordância com outros acadêmicos.
É por este meio—o corpo—que Suely Messeder (2009) tenta desconstruir a
masculinidade do homem negro jovem da periferia de Salvador. Conforme a autora, existe uma
racialização da masculinidade cuja performatividade pública “promove uma ruptura da
performatividade de gênero, de forma mais intensa e inesperada quando se trata de homem
branco” (ibid: 60). Esta ruptura insinua a redução da masculinidade do homem negro ao seu
sexo em que, por exemplo, no homoeroticismo, o mais comum seria o mais escuro de tez atuar
como o penetrador, uma vez que, para os sujeitos que reportaram, era provável que o mais claro
fosse o penetrado, com certas exceções. Seguindo na mesma linha, a ‘bicha’ negra
“desestabiliza o modelo patriarcal falocêntrico – do negro homem viril” (ibid: 92). Este
estereótipo do ‘negão’ viril permanece entre os sujeitos de Messeder e até um demonstra
indiginação ao imaginar um ‘negão’ sendo penetrado. Portanto, prossegue a autora, “o negro do
Brasil tem uma possibilidade mais reduzida de afirmar superioridade em um sistema pautado
pela supremacia de brancos: no entanto, o negro destaca-se pelo mito de virilidade, mito que
reforça outro sistema de supremacia, o de gênero” (ibid: 93).
E no caso dos LGBTTTI negros, eles pertencem às comunidades imaginadas negra e gay
respectivas, tanto quanto devem pertencer à sua própria comunidade imaginada, porém, não
existe. Eles são habitualmente explusos da comunidade negra então assimilados na comunidade
gay, liderada por brancos. Conforme Muñoz (1999) e Collins (2005), há uma presunção comum
nas sociedades ocidentais e ocidentalizadas que todos os negros são heterossexuais e que todos
os LGBTTTI são brancos. O negro gay, a lésbica negra… eles não existem, por, como já foi
dito, serem ligados à natureza e à naturalidade. Assim, o racismo e o heterossexismo só se
constrastam em que a negrura é claramente identificada enquanto a orientação sexual não o é
(Collins, 2005). Collins continua: a pressunção da heterossexualidade, junta com sua tolerância
da homofobia, não impõe nenhuma censura naqueles que fazem comentários homofóbicos em
público. Aqui, como em qualquer sociedade ocidental ou ocidentalizada, defendem Alexander
(2006) e Collins (2005), os homens lutam com a performance da masculinidade e o que é ganho
ou perdido ao aderir a certas expectativas.
No caso dos homens negros gays em Salvador, Bahia, a masculinidade branca, ou a
brancura em geral, onde status como um gay branco pode ser a única coisa que lhe diferencia do
resto da população empoderada pode suavizar a dureza de sair do armário (Collins, 2005). Mas
os negros não têm essa opção. Deste modo, os homens negros gays são menos prováveis de
declararem sua homossexualidade e, tampouco, de se considerarem completamente assumidos.
Seja como sua identidade for representada, todo corpo, especialmente o corpo do negro no
Brasil, é acometido por símbolos que sinalizam diversas identidades fora de seu controle e seus
desejos; são símbolos que criam desconhecimentos (Alexander, 2006). São esses
desconhecimentos que chamam a atenção das sentinelas e inquisições e nem a performance
consegue controlá-las.
III. Policiando a franga: os homens
Aqui, nesta parte, apresentarei os dez sujeitos e algumas observações sobressalentes
realizadas em entrevista e também informalmente, especialmente em espaços sociais, ressaltando
especialmente suas falas, seus comportamentos e suas moralidades em linha com algumas das
teorias supracitadas para depois serem discutidos na seção das conclusões.
1) Arthur: Tem 23 anos, baixa renda e mora no bairro do Uruguai na Cidade Baixa de
Salvador, uma região, em sua maioria, historicamente periférica da cidade. Tem segundo grau
completo, trabalha em vendas, está solteiro, é agnóstico mas frequenta às vezes uma igreja
evangélica com os pais, então também uma casa de espiritismo e alguns terreiros de candomblé.
Arthur é, sobretudo, o sujeito que conheço melhor por proximidade com ele e sua família. É,
também, um dos únicos sujeitos que é assumido à família, porém a situação não sempre foi fácil,
pois, vários tios e primos zoavam ele na infância por andar só entre meninas, falar com uma voz
mais fina e gesticular, chamando-o de ‘Arthurete’. O pai alcoólatra batia nele (e na mulher, eles
se separando depois de uns anos) por não se comportar como homem enquanto criança; a mãe
também batia nele pela mesma razão mas depois da família zombar do filho dela, começou a
protegê-lo. A conversão da mãe ao evangelicismo não tem servido na aceitação da sexaulidade
do filho que se assumiu aos 15 anos, embora Arthur admita que ainda têm uma boa relação mas,
com a família, escolhe não compartilhar tanto a vida pessoal dele e, em eventos familiares, se
acostuma a sumir. Apesar disso, Arthur sente à vontade frequentando boates, bares e festas gays
com amigos diversos, inclusive um tio gay, mas nunca se interessou na cultura da sauna. Com
uma preferência por “morenos gordinhos masculinos, mas é só uma questão de química” e,
apesar da percepção da família de ele ser mais afeminado, prefere ser ativo (penetrador) por
questão de gosto, embora sinta mais tesão por passivos (penetrados) dominadores. Sente que há
muito preconceito contra homens negros gays se referindo a uma fala dirigida a ele: “Já é preto e
ainda é viado?” Considera-se “macho”1 embora outros, familiares e amigos, não o considerem.
2) Bryan: Tem 20 anos, baixa renda, também mora no Uruguai como Arthur. Tem
segundo grau completo, é promotor de merchandising, está solteiro, e é evangélico não-

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Os termos macho―e seus eufemismos, plantado, discreto, etc.―e afeminado, são falas êmicas, ou seja, vocablos
cotidianos que, embora talvez sejam pejorativos em certos contextos, os ‘nativos’ os utilizam para se descrever e
descrever os outros. Deste jeito, eu os empregarei daqui por diante, entre aspas, quando ditos por um sujeito.
Porém, essas palavras podem ser problemáticas, como disse Bryan: “A degeneralização já começa da palavra:
afeminado e macho. Não existe essa coisa de… Só porque uma pessoa é mais carinhosa, uma pessoa é mais
cuidadosa, ela vai ser afeminada. Ou porque uma pessoa é mais rígida, mais severa, mais forte, vai ser máscula.”
praticante. Abandonado pela mãe aos seis anos de idade, que depois voltou tarde na
adolescência, Bryan foi criado principalmente pela avó, e um pouco pelo pai que ficou
emocionalmente afastado. Sempre andou entre poucas pessoas ou sozinho por causa de costume
na infância. Nunca verbalizou sua sexualidade à família, apesar de “sim, nas atitudes” ao levar
namorados em casa e eventos familiares; e apenas a mãe aparece apoiá-lo com respeito à
sexualidade. Não tem preferências de cor, nem outras físicas quanto ao namoro; no entanto,
todos os namorados têm sido brancos. Afirma uma versatilidade em todos os aspectos―sexual,
social e de gênero―e acha que todos devem ser assim porque ajuda a não criar normas falsas nas
relações. Sai pouco em meios gays, mas quando sai, sai entre amigos para “curtir e só”; ele se
sente mais solto, sem a necessidade de policiar seu comportamento no trabalho. Ele não se
considera nem macho nem afeminado senão “normal porque todos somos iguais”.
3) Marivaldo: Tem 27 anos, baixa renda, e mora no bairro praieiro e periférico da Boca
do Rio. Formado em Administração de uma universidade pública, está desempregado mas
trabalha às vezes de recepcionista, é casado (tem união civil) com um homem afro-estadunidense
e é agnóstico. Criado no Cabula e muito amigo da irmã mais nova tanto que se assumiu primeiro
para ela, aos 16 anos, e só para a mãe oito anos depois; o pai foi se afastando tanto dele e da irmã
quanto da mãe durante a infância e agora não está muito presente, embora saiba da sexualidade
do filho (e não aprova). Antigamente frequentava mais boates, e especialmente saunas, porque o
“sexo era fácil”, comentando também que sua tez escura ajudou ele a pegar mais homens naquele
meio. Prefere homens negros pelo senso de consciência racial mútua que têm como ele e sente
que pode ser mais carinhoso sem expectativas. Admite de haver sido “antigamente afeminado
para explorar” e gostou do fato que sentiu que pôde ficar “mais à vontade de falar coisas que
nunca falei antes”, porém ele hoje em dia se considera “macho” embora tenha amigos que ele
considera sê-lo um pouco mais do que ele por serem “mais brabos, rudes”.
4) Gerson: Tem 42 anos, é da classe média baixa e mora no bairro central da Federação.
Tem o segundo grau completo, é carteiro, casado (não civilmente) com homem branco que é
tenente da Polícia Militar de Salvador, foi criado católico e se identifica atualmente como
espírita. Teve uma infância extremamente dura, sendo um de cinco filhos, testemunhando a
submissão da mãe aos xingamentos do pai, sem os confortos de uma vida mais opulenta e
também sexualmente assediado quase todos os dias pelos dois vizinhos homens desde os dez
anos de idade (mas Gerson diz que ele quis), depois se mudando a São Paulo para trabalhar logo
ao fazer os 18 anos. O pai, até hoje em dia, é muito distante emocionalmente e Gerson só
mantém uma amizade com uma irmã que sabe da sua sexualidade e seus relacionamentos. Os
outros irmãos também sabem, alguns fazendo comentários na ausência de Gerson, mas nunca
lhes foi verbalizado. No trabalho, é assumido, então mais solto, e até brinca com os colegas
“falando putaria”. Frequenta boates e bares gays com um círculo diverso de amigos homens
onde se mantém como o mais “macho” deles, ele sendo o mais escuro. Tem uma história de três
relacionamentos de longo prazo, todos com homens brancos, pois, ele os prefere. É sexualmente
ativo citando um prazer de ser agressivo nas relações e cumprir as expectativas que a sociedade e
os parceiros lhe impõem, pois, ele afirma que o estereótipo lhe ajuda a conquistar as pessoas e o
marido na cama, um policial, de quem ele curte figurativamente tirar o poder ao penetrá-lo.
5) Adriano: Tem 23 anos, é da classe média alta e mora no bairro central de Brotas, mas
foi criado no periférico do Pau da Lima. É graduando em Odontologia em uma universidade
particular, trabalha com eventos, está namorando um estrangeiro hispano e foi criado católico
mas não é praticante. Na infância, sua família era pobre, o pai batia na mãe dele, sumiu e nunca
mais voltou deixando ela criar o único filho sozinha. Tem uma boa relação com a mãe mas
respeitam a privacidade um ao outro, mesmo que ela já perguntou se ele era gay, ele negou, me
disse, porque “não era coisa dela”. Adriano não frequenta espaços homossociais gays e tem
poucos amigos gays, a maioria sendo enrustida, ele se classificando como o mais macho, mas
“não machão”, pois, não gesticula tanto, se veste de uma forma conservadora e fala “como
homem”. Mencionou que não tem preferência de cor, porém os namorados e parceiros casuais,
inclusive o presente, que é hispano, têm sido brancos, e ele prefere ser passivo sexualmente.
6) Gregor: Tem 25 anos, baixa renda e foi criado e mora no bairro da Boca do Rio.
Formado em História de uma universidade pública, é professor em escola pública, está solteiro e
é católico praticante. Teve uma infância protegida por ser filho único, exacerbada pelo fato de
que seu pai não estava presente fisicamente embora tenha uma “relação cordial” com ele hoje em
dia. Sempre foi vítima de bullying na escola por ser de tamanho menor, pela voz mais fina e
pela gesticulação, os colegas chamando-o de “bicha” e “viado” e excluindo-o das brincadeiras
gerais. Pela religião da família, a homossexualidade nunca foi aceita porque “isso não é de
Deus”, como diz a avó de Gregor, mas quando uns amigos da família se assumiram, foram
aceitos como pessoas em vez de pecados. Por medo de rejeição, mantém sua identidade no sigilo
ao redor da família e até com o melhor amigo homem que é heterossexual e que lhe perguntou,
afirmando que, se Gregor fosse gay, não haveria problema. Tem um círculo de amigos gays, a
maioria afro-descendente, Gregor sendo o mais escuro, com quem ele sai às vezes para boates e
bares onde ele sente mais à vontade para soltar risada, gesticular e falar do jeito que ele quiser
sem ser julgado. Ele se caracteriza como um homem carinhoso, “nem macho, nem afeminado”,
prefere outros assim também embora tenham que ser “discretas”.
7) Guilherme: Tem 20 anos, é da classe média baixa, foi criado no bairro de Tancredo
Neves e atualmente reside em São Caetano, dois bairros periféricos de Salvador. É estudante
técnico em Radiologia, está desempregado, está solteiro e foi criado como testemunha de Jeová
mas não professa nenhuma religião. Teve uma infância “tranquila… feliz” com a grande
exceção do pai que bebia, xingava e batia nele, na mãe e na irmã; o pai sempre ficou distante.
Não está assumido para a família dele, a religião como o maior obstáculo, mas para alguns
amigos, gays e heterossexuais. Entre os amigos, ele tende a ser o mais escuro e o mais “macho”
porque os outros tem certos “trejeitos de mulheres”. Não se sente “discriminado” mas sabe que
“o preconceito contra homens negros gays é muito forte”, por isso se policia mais, admitindo ao
fato de se acostumar a se fechar em certos contextos e meios então a se soltar em outros.
8) Nando: Tem 28 anos, é da classe média e mora no bairro histórico do Bonfim, na
Cidade Baixa. É mestre em Estudos Culturais e trabalha como produtor cultural, está namorando
e se considera “católico apostólico baiano”―frequenta a missa mas simpatiza com o candomblé.
Teve uma infância “normal, feliz” embora sempre fosse encorajado a ser mais masculino pela
infância por causa da gesticulação e a voz mais fina, as pessoas lhe perguntando: “você é homem
ou é sariguê?” Lembrou, aos 10 anos, quando o pai lhe criticou por cruzar as pernas. Nunca
verbalizou sua sexualidade à família mas disse que eles devem suspeitar, pois, nunca escondeu
nenhuma amizade nem relacionamento, até beijando amigos homens na bochecha frente aos pais.
Daí mencionou um grandíssimo problema com uma das duas irmãs que mantém preconceitos
muito fortes contra a homossexualidade e como isso tem sido psciologicamente difícil para ele,
me mostrando uma dificuldade de conversar sobre o assunto. Porém, na faculdade, no trabalho e
entre os amigos, sempre teve uma postura “relaxada” com sua identidade. Em parceiros, prefere
homens negros “plantados” mas, em questão da sua própria masculinidade em geral, se considera
“metrossexual” e admite que muda, dependendo do contexto.
9) David: Tem 30 anos, é da classe média e mora em Stella Maris, um bairro praieiro
geralmente mais rico. É formado em Design Gráfico, trabalha como designer industrial, está
solteiro e foi criado como católico mas está sem religião hoje em dia. Teve uma infância feliz,
jogando bola com o irmão e os outros meninos na rua e frequentando a praia. O pai não estava
tão presente por causa do trabalho e a mãe prestava mais atenção ao marido do que aos filhos
fazendo com que os dois ficassem um pouco ausentes emocionalmente. Fez todos os ritos da
igreja católica na infância e a religião da mãe complicou a questão da sexualidade para ele.
David não está assumido menos aos amigos mais próximos que também são gays, e para o irmão
apesar de não conversar abertamente de sua vida romântica com ele. Frequenta boates gays onde
pode se soltar mais, mas ainda mantém uma postura estóica―“não rebolo”―apesar de ser menos
do que a no trabalho e com a família. Já havendo tido dois namorados negros, sente mais tesão
por brancos, altos e que não são muito afeminados mas que se entregam a ele.
10) Renato: Tem 20 anos, baixa renda e mora no bairro periférico, historicamente ligado
ao movimento negro em Salvador, da Liberdade. Tem segundo grau completo, é modelo, está
namorando e é evangélico. Teve uma infância “ótima, brincando, brigando, fazendo tudo”,
brincava com mulheres mas nunca conheceu o pai, assim fundando uma relação muito profunda
com a mãe que era muito nova quando o teve. Na adolescência, trastornado pelas falas na igreja
evangélica que ele frequentava, Renato citou muitas dificuldades psicológicas se aceitando e se
preocupando com os outros o aceitarem; chorava muito e “não conseguia dormir”. Daí,
aterroizado por medo, se assumiu para a mãe dele aos 18 anos―“ela aceitou numa boa”―e não
para mais nenhum parente. Só tem três amigos heterossexuais aos quais ele verbalizou a
sexualidade dele, ainda fazendo comentários sobre o corpo de mulheres passando quando está
entre amigos da rua que não sabem dele. Tem alguns amigos gays que também sabem embora
ele raramente frequente meios gays como boates e festas. Antigamente “não gostava de homens
negros” como parceiros mas já vai se sentindo mais atraído por eles. Descrevendo sua própria
masculinidade, falou que se policia em todos os lugares “para não dar pinta”, mas quando ouve
uma música que ele gosta, em casa ou na boate, ele tende a “soltar a franga”.

IV. Conclusões não-finais


Neste estudo, tenho apresentado um pouco da teoria sobre as masculinidades, inclusive as
negras, as gays e as negras gays, seguido por dez perfis brevíssimos dos homens negros gays que
participaram, com seu consentimento. Infelizmente, os perfis em cima, por falta de espaço, não
conseguem ilustrar tanto os detalhes de cada indivíduo, cada um com sua história intrigante e
única. Porém, aqui nesta última parte, pretendo sumarizar as semelhanças entre esses dez casos,
algumas delas que não foram mencionadas em cada perfil por serem ubíquos.
Cada homem se considera assim: homem. Cada homem também caracterizou um “bom
homem” como “honesto”, “fiel”, “respeita os outros”, “tem caráter” e se caracterizaram também
de tal jeito, embora reforçassem, em falas posteriores, que era para o homem ser mais rígido,
forte, másculo, honroso, viril e estóico, de acordo com as normas cobradas pela sociedade
brasileira, nesse caso, a soteropolitana. Nenhum se considerou “afeminado”; os mais próximos a
isso sendo Nando (“metrossexual”), Bryan (“normal”) e Gregor (“nem macho, nem afeminado”).
Pensando em seu círculo de amigos homens gays, conseguiram pensar em um amigo que “fecha
demais” ou “tem traços femininos” que consideram menos masculino do que eles; no entanto,
nenhum, com a exceção de Marivaldo caracterizando-os negativamente como “mais brabos,
rudes”, conseguiu pensar em um amigo que considera “mais masculino” do que ele. Mantêm
uma mentalidade superior da própria masculinidade e como é vista dentro da roda gay social,
muitos deles sendo os únicos negros ou os mais escuros em um grupo de “bichas fechativas”.
No namoro, ou pelo menos no sexo, todos têm tido uma diversidade étnica de parceiros.
Embora isso, vários declararam ter preferência de cor, seja para outros negros, seja para
brancos/mais claros. Alguns disseram que têm preferência romântico-física pelos homens
brancos, porém, muitos desses lhes faziam e fazem cobranças de acordo com o mito do negro
como voraz, dotado, machão e hiperssexual. Nos casos de Gerson, David, Guilherme, Gregor e
Adriano, indicaram ou insinuaram que seus parceiros brancos lhes cobraram a se
responsabilizarem mais por atos de afeto―iniciativa sexual, falas românticas,
telefonemas―dentro do relacionamento, embora eles também afirmassem seu desejo de fazê-los.
Cada falou da infância e como o pai estava, pelo menos, emocionalmente ausente, se não
fisicamente, inclusive Nando que indicou que o pai “é muito reservado” com ele apesar de lhe
guardar um grande carinho, isto, infelimzente, sendo bastante normal para qualquer
soteropolitano. Alguns pais bebiam demais fazendo com que a violência física e/ou verbal fosse
a norma em casa. Poucos falaram que o pai lhes criticou por alguma brincadeira ou algum
comportamento feminino, todos citando uma variedade de brincadeiras infantis que afirmam,
socialmente, fronteiras masculinas e femininas, brincando tanto com meninos quanto com
meninas―esconde-esconde, corda, bicicleta, gude, baleado, boneco(a), casinha, bicicleta e
futebol. Em muitos casos, as mães eram quens mandavam em casa, organizavam festas,
cuidavam deles, os educavam e assim, formavam seu primeiro conceito da masculinidade.
Relacionamento com irmãos variavam entre solidárias e turbulentas, respeito à sexualidade. E
aqueles que mais lhes encorajavam a serem “mais homens” não eram a família de primeiro grau,
senão tios, primos, e, na vasta maioria dos casos, vizinhos e colegas da mesma idade deles.
Os motivos mais comuns de não estar assumido para a família era “por respeito” e porque
“eles não precisam saber”. Os que estão enrustidos, pelo menos verbalmente, citaram o fato de
sempre haver construído muros de privacidade na vida pessoal, até com a própria família―eles
não se perguntam “essas coisas”. Pressupõem que a maioria saiba de sua sexualidade mas não é
um tópico de conversa. Outros também disseram que desejavam respeitar a família, isto é, a
honra e a imagem pública da família, pelo menos na mente dela, porque sua sexualidade podia
ser concebida como “anormal”. Contudo, declararam que, “se algum dia perguntarem, eu falo”.
Finalmente, eu gostaria de ressaltar um fato que citaram vários dos dez homens,
Marivaldo, Gerson, Renato, David, Guilherme e Adriano: a facilidade de passar por
heterossexual por causa da cor e o poder dos estereótipos. Pelas expectativas de uma sociedade
branco- e heteronormativa como a de Salvador, esses sujeitos supracitados declararam que
acham que podiam, por ter um jeito mais “macho”, como se afirmaram, passar por
heterossexuais nos olhos alheios, assim protegendo-os de preconceito, todos concordando que
existe, especialmente de outros negros, por ser gays. Falaram que, sim, mudam seu
comportamento entre certos contextos como forma de auto-preservação, se policiando mais em
meios familiares e empregatícios do que entre amigos, no namoro e em meios homossociais
gays, e porque acham que é isso que a sociedade deseja visualizar neles: um homem negro
macho―o mítico “negão”. Sua cor serve como camuflagem de uma realidade negativa que se
acostuma a relegar ao branco: a homossexualidade; mas também sofre de uma estigmatização
conforme os mais da história no nosso mundo. É nesse passar, como escreve Alexander (2006),
nesse espaço transitório entre identidades supostamente fixas―negro e gay―que eles
conseguem redefinir o que são as cobranças da branco- e heteronormatividade e reconstruir uma
identificação social entre si sendo através de uma performatividade mudável não como apenas
proteção, por medo, senão como construção de identidades em constante movimento que vão
contra e com as normas e os preconceitos em Salvador (Butler, 1990; Muñoz, 1999).
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ABSTRACT
Masculinities of Gay Black Men in Salvador, Bahia, Brazil
This study investigates the multiple masculinities of gay black men in Salvador, Bahia, Brazil in
the milieux of family and homosociality. For this purpose, some aspects were emphasized, such
as studies about masculine identities in the African diaspora and men in the Brazilian Northeast,
the LGBTIQ presence in Salvador, ethno-race relations in amorous relationships and
homosociality, and Brazilian families with gay sons. The importance of this study is to work
towards a greater reflection about the inter- and intra-plurality of black masculinity and gay
black men in Salvador. A field study was carried out, via familiarity, with 10 gay black men
from Salvador, some out of the closet while others were not at the time of the study, between the
ages of 20 and 42 years old, observing their conceptualization of their own masculinities and
sexual identity, as well as those of others.

Key words: Masculinity; gay black men; sexual identity; black family; homosociality.

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