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Os Impactos Positivos

da Representatividade
LGBTQ
SUMÁRIO
GIOVANNA BILOTTA, HAYKAL MORAGAS,
1. CONTEXTUALIZAÇÃO 5
JU MOURA E NICOLE SCHLANGER
1.1. ADOLESCÊNCIA E INCERTEZA 5
1.1.1. Introdução à Questões de Gênero e Sexualidade 5
1.1.2. Representatividade e Mídia 6
1.1.3. Análise da Relação Público x Conteúdo 9
1.2. REPRESENTATIVIDADE LGBTQ NA MÍDIA 9
1.2.1. Contexto Histórico LGBTQ na Mídia 9
DSG 1004 - PROJETO AVANÇADO ESTRATÉGIA E GESTÃO
1.2.1.1. Internacional 14
1.2.1.2. Nacional 14
1.2.2. Tipos de Representatividade 15
1.2.2.1. Estigmatizada 16
1.2.2.2. Queercoding 17
1.2.2.3. Queerbaiting 17
1.2.2.4. Saudável 18
1.3. ORIGENS DA LGBTQFOBIA 19
1.3.1. Religião 19
1.3.2. Cultura 19
1.3.3. Ciência 20
1.4. RELAÇÕES COM O FEMINISMO 20
1.4.1. Machismo e LGBTQfobia 21
1.4.2. Exploração de corpos e invisibilização 21
1.5. TEORIA QUEER 21
1.6. MOVIMENTO CONTRA REVOLUCIONÁRIO 22
1.7. O SISTEMA ENVOLVIDO 22
1.7.1. Capitalismo 22
1.7.2. Patriarcado 23
2. REGISTRO DA PESQUISA DE CAMPO 24
2.1. MÉTODOS 24
2.2. OBJETIVOS 24
2.3. ENTREVISTADOS 24
2.4. ENTREVISTADOS 25
3. JORNADA DO USUÁRIO 32
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 35
4.1. INSIGHTS 35
4.2. CONCLUSÃO 36
Giovanna Bilotta - gika.bilotta@gmail.com 5. BIBLIOGRAFIA 38
Haykal Moragas - moragasfarage.haykal@gmail.com 6. APÊNDICE 42
Ju Moura - jusomoura@gmail.com 5.1. ENTREVISTAS 42
Nicole Schlanger - ninickole@gmail.com
5.2. QUESTIONÁRIO 60
5.3. IMAGENS 61
PUC-RIO. DEPARTAMENTO DE ARTES E DESIGN - 2020.1
1. CONTEXTUALIZAÇÃO

A pesquisa realizada tem foco em estudar a importância da representação LGBTQ na fase da ado-
lescência, dada principalmente pela mídia. Para isso, estudamos as plataformas mais utilizadas
para entretenimento nessa faixa etária e estudamos os tipos de representatividade LGBTQ ofe-
recidos em seus conteúdos. Dessa forma, apontaremos a relevância desse tipo de conteúdo e o
impacto que causa não só a esses adolescentes, mas a toda a sociedade à qual pertencem.

1.1. ADOLESCÊNCIA E INCERTEZA

Nos baseando na teoria do desenvolvimento psicossocial1, apontamos nosso público principal como
os adolescentes entre 12 e 18 anos de idade. Essa faixa etária, de acordo com o estudo, é caracte-
rizada como a etapa de incerteza e construção de identidade, que se dá pela interação da pessoa
com o meio que a rodeia e também consigo mesma procurando onde se encaixa. Para que essa
fase seja fechada corretamente e o indivíduo tenha saído dela com uma ideia concreta de sua
individualidade, é necessário que as possibilidades para a construção de si mesma tenham sido
exploradas. Com isso, o bloqueio de opção por meio da opressão pode causar diversas sequelas no
desenvolvimento pessoal do adolescente, levando à entrada na vida adulta com uma personalidade
frágil e indecisa, que muitas vezes não sabe impor suas vontades por não saber identificar quais
são elas.

Adolescentes nessa faixa etária procuram experimentar de sua liberdade e, assim, procurar referên-
cias não parentais. O começo do distanciamento de figuras parentais é extremamente importante
na criação de uma identidade diferenciada, agora não mais tão vinculada aos interesses desses
adultos que antes guiavam suas tomadas de decisões. Para isso, o adolescente se volta a pares e à
mídia para conhecer caminhos por onde pode seguir para se tornar a sua própria pessoa, tentando
se refletir em diferentes pessoas ou personagens.

1.1.1. Introdução à Questões de Gênero e Sexualidade

Por conta da formação da maioria das sociedades atuais, as questões LGBTQs ainda são as mais
difíceis de se abordar na fase de exploração. Dada como tabu, a conversa sobre gênero e sexu-
alidade não é abordada em escolas, dada a desinformação sobre educação sexual2 e também é
muitas vezes evitada por pais.

O Brasil apresenta uma morte por homofobia a cada 23 horas3, demonstrando a complicação de um
adolescente encontrar meios de conseguir respostas para as questões levantadas a sua identidade
1 CHERRY, Kendra. Erik Erikson’s Stages of Psychosocial Development. VeryWell Mind, 2018.
2 NUNES, Fernanda; DOMINGOS, Juliana. O debate sobre educação sexual no Brasil. E por que abor-
dá-la nas escolas. 2019.
3 Segundo portal de notícias da Globo, G1.Brasil registra uma morte por homofobia a cada 23 horas,
aponta entidade LGBT. 2019.

5
e sexualidade em um ambiente que tenta reprimir a diversidade a todo custo. A mídia tem um papel fundamental para essa formação, é nela que o adolescente mais busca informa-
ção e se entretém, como aponta pesquisa feita pelo IBOPE5. Juliana Spinelli6, psicóloga, constata que:

Essa realidade alarmante leva o adolescente a procurar sobre esse assunto na mídia. No momento
“(...) podemos destacar a característica de aproximação que a televisão compreende em relação à
em que já se prioriza a busca por referência não parentais, esse tabu distancia ainda mais o filho
realidade. Como instrumento que une som e imagem, parece exibir a realidade e se torna, a partir
dos pais, o que acarreta na dependência do jovem a se basear nas poucas referências encontradas
desse mecanismo, mais próxima dos interesses de crianças que outras instituições socializadoras.”
nos conteúdos que assiste. Dessa maneira, percebe-se que a mídia está especialmente presente
no desenvolvimento das pessoas quando se fala sobre questões LGBTQ, visto a maneira como os
outros núcleos da sua vida podem fugir desse assunto. Entretanto, a mídia atualmente não tem apresentado tanto conteúdo LGBTQ quanto poderia. Ob-
servando dados de comparação de personagens de 126 filmes lançados em 2016 da Glaad7, uma
instituição não governamental que monitora como os LGBTQ são retratados na mídia, constatamos
1.1.2. Representatividade e Mídia como a porcentagem de representações cis-héteros, 82,4%, é superior a LGBTQ.

A representatividade na mídia é de suma importância para a construção da sociedade. Se ver refleti- Figura 2 - Where we are on TV
do no conteúdo que consome é crucial para que haja a confirmação de que sua identidade é válida,
tanto para as pessoas a sua volta quanto para si mesmo. Bradley Bond, professor de comunicação
sobre os efeitos da mídia na socialização, focados com gênero e sexualidade, afirma em sua pes-
quisa4 que casos de suicídio e episódios depressivos na adolescência de pessoas queer tende a
diminuir quando esses jovens se veem representados.

Figura 1 - Estudos da Kantar IBOPE MEDIA

“Internet é a minha principal fonte de entretenimento.”


Jovens de 18 a 25 anos em resposta ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística - IBOPE

Fonte: GLAAD (2016)

Esse fato ocorre pelo distanciamento da normalização de grupos LGBTQ, como afirma as psicólo-
ga Grazielle Tagliamento8:

“A própria indústria cultural colabora muito com isso [homofobia]. Nas novelas e nos programas
humorísticos, o espaço concedido ao homossexual é o do humor. A ausência dessas pessoas em
Fonte: IBOPE (2016) 5 ABEP. Estudo da Kantar IBOPE Media aponta que 44% dos entrevistados consideram a internet sua
principal fonte de entretenimento. 2016.
6 Mestranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP.
4 BOND, Bradley. The Mediating Role of Self-Discrepancies in the Relationship Between Media Expo- 7 GLAAD.Overview of Findings. 2015.
sure and Well-Being Among Lesbian, Gay, and Bisexual Adolescents. 2015 8 Integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia.

6 7
literatura ou outros ambientes é uma violência. (...) Não se cria repertório e quando não se tem 1.1.3. Análise da Relação Público x Conteúdo
isso, não tem uma normalidade.”

O objetivo dessa pesquisa é analisar a relação do público com esse conteúdo. Ao apontar a repre-
E Rafaela Freitas :
9
sentatividade LGBTQ oferecida por essas mídias em questões voltadas para o público adolescente,
faremos um panorama da situação histórica e atual sobre como a sociedade lida com a visibilidade
LGBTQ e como isso é refletido também na própria mídia pelas pessoas que estão por trás da produ-
“Quanto mais cedo as crianças visualizarem que existem outras experiências de afeto, sexualidade
ção. Com isso, pretendemos principalmente afirmar a importância de haver ícones saudáveis para
e de família, mais fácil é para elas entenderem que isso faz parte da realidade (...)”
a reflexão de adolescente nesses personagens e a necessidade da conversa sobre diversidade
sendo abordada nos espaços da vida do jovem.
Em pesquisa realizada pela Superinteressante10 que analisou a presença e evolução dos persona-
gens LGBTQ nas novelas brasileiras, de 2017, é possível observar a disparidade de representativi-
1.2. REPRESENTATIVIDADE LGBTQ NA MÍDIA
dade que acontece dentro do próprio grupo LGBTQ.

Figura 3 - Membros LGBTQ em Novelas O ideal de representatividade é algo complexo para uma comunidade minoritária. “Ser visto” implica
em ocupar espaços destinados a um público maioritário, pressionar autoridades governamentais
por mais direitos e garantir que múltiplas visões de mundo são compartilhadas. Ao educar uma
parcela de espectadores com o intuito de promover empatia, inclusão e igualdade, é possível hu-
manizar os grupos sociais mais marginalizados, promovendo mudança.

Dentro do imaginário LGBTQ, a construção de um personagem queer não se limita à exploração


de corpos: não basta ter um personagem que “pareça” LGBTQ, isso não é realista. A comunidade
queer não possui um rosto definido, ela é formada por pessoas de todas as cores, tamanhos e
castas sociais, sendo irreal utilizar de características rasas para defini-los. Portanto, democratizar a
mídia não se trata apenas de democratizar seu produto, mas sim seu processo de construção: tais
personagens exigem um desenvolvimento tanto histórico como de relações dentro da narrativa, que
reflitam vivências baseadas em pessoas reais, e não em estereótipos criados pelo senso comum.

1.2.1. Contexto Histórico LGBTQ na Mídia

Ao observar a história da representação LGBTQ na mídia visual brasileira e internacional é possível


perceber uma forte ligação entre a criação de leis de diversidade e a representatividade. Entretanto,
Fonte: SUPERINTERESSANTE (2017) também é perceptível a quantidade de programas que tiveram seu conteúdo censurado ou modi-
Por conta da tradição patriarcal enraizada, gays são muito mais representados na mídia, uma vez ficado, em sua maioria pela rejeição por parte do público mais conservador. Isso demonstra que
que estão a vários passos a frente em representações do que outros grupos e gêneros, como afirma muitas vezes, por mais que as leis estejam de acordo com o pensamento político contemporâneo,
uma de nossas entrevistadas, Renata Nolasco, criadora de conteúdo independente. Dessa forma, o povo ainda possui ideais demais retrógrados para absorver esse conteúdo.
uma visibilidade igualitária para todas as classificações que compõem a comunidade LGBTQ se
torna necessária. Por conta disso, optamos por trabalhar com a mídia para procurar como se dá
Com isso em mente, elaboramos uma linha do tempo marcando as principais conquistas dentro do
essa representatividade e como ela pode ajudar os jovens dessa faixa etária.
universo LGBTQ, seja na mídia visual ou nos direitos adquiridos:

9 Doutoranda em Psicologia Social pela UFMG.


10 BERNARDO, André. Infográfico: evolução dos personagens LGBT nas novelas, ano a ano.
SUPERINTERESSANTE, 2017.

8 9
Figura 4 - Linha do Tempo das Principais Conquistas dentro da comunidade LGBTQ

Rebelião de
Stonewall

“Different From the Fim do Código Hays Judith Butler e a Ellen DeGeneres revela
Others” teoria Queer ser homossexual

1800 1900 1960 1970 1980 1990 2000

“O Caso Maurízius” “Assim na Terra “Um sonho a mais” Marta Suplicy “Torre de Babel”
Referências à sodomia são como no céu”
eliminadas do código penal
braileiro

“Mãe de Santo”
“Entre quatro “O Lampião” “Sassaricando”
paredes”
LEGENDA

Internacional Evento Geral “Dancin’ Days” Lei contra


descriminalização de
Brasil Evento midiático orientação sexual

10 11
2011 2013 2016 2018 2019 Previsões Futuras
Streaming continua Maior apoio
“Fina Estampa” Casamento gay é “Liberdade Liberdade” “A força do querer” Homofobia pasa a ser punida na vanguarda popular ao tópico
liberado no Brasil igual crimes de racismo abordando na mídia
diveridade em
seu conteúdo Contratação e
“Amor à vida” popularidade de
Filmes com criadores e atores
personagens diversos
LGBTQ os quais produzindo
não possuem histórias diversas
somente a
sexualidade como Normalização de
Suprema Corte estabelece que pessoas característica vivências plurais
trans não precisam ter passado por central
cirigura para poderem mudar de nome
em documentos oficiais

Fonte:

12 13
1.2.1.1. Internacional Em 1990 tem-se o primeiro beijo gay masculino na novela “Mãe de Santo”. Cinco anos depois, em
1995, Marta Suplicy, política, psicanalista e sexóloga brasileira, propõe o primeiro projeto de lei
acerca de uniões civis homossexuais. Em 1998 ocorre o caso da novela “Torre de Babel”, no qual,
Dentro do cenário internacional, iniciamos nossa contagem com o primeiro filme que teve a homos-
por forte pressão do público, duas personagens lésbicas são removidas da trama configurando o
sexualidade tratada de forma positiva, a obra “Different From The Others”, um filme mudo alemão
estereótipo narrativo “enterre seus gays”12.
de 1919.

Em 2011 é apresentado ao público brasileiro o personagem Crodoaldo Valério, da novela “Fina


Passamos então para 1960, com o fim do Código Hays, permitindo a abordagem do assunto LGBTQ
Estampa”, sendo um dos mais clássicos personagens gays mordomos e afeminados. Em 2013 é
dentro das grandes produções estadunidenses. Em 1969, após uma demonstração de repressão
legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. No mesmo ano, ocorre o primeiro
policial no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque, um bar conhecido como um espaço seguro para a co-
beijo gay na Tv Globo, na novela “Amor à Vida”.
munidade LGBTQ, e, após a invasão e prisão de seus frequentadores, uma série de manifestações
violentas teve início. Tais manifestações foram o que deu início ao movimento pela libertação LGB-
TQ, acarretando em diversas organizações em prol dos interesses da comunidade fossem criados. Em 2016 o público nacional tem contato com a primeira cena de sexo homossexual, em “Liberdade,
Liberdade”, enquanto que em 2018, tem-se o primeiro personagem transgênero masculino, apesar
de interpretado por uma atriz cisgênero, na novela “A Força do Querer”. Também em 2018 a Supre-
Nos anos 70, com Judith Butler, surge a teoria queer, movimento contrário ao feminismo radical
ma Corte estabelece que pessoas trans não precisam ter passado por cirurgia para poderem mudar
TERF11. Nos anos 90, a personagem Ellen, interpretada por Ellen DeGeneres se assume homosse-
de nome em documentos oficiais. Em 2019, é estabelecido que crimes de LGBTQfobia devem ser
xual, seguida pela própria atriz. Tal evento foi de extrema importância para impulsionar a imagem
punidos tais quais crimes de racismo.
LGBTQ, uma vez que ambas personagem e atriz eram favoritas do público e, antes delas, a maioria
dos personagens queer eram de caráter trágico.
1.2.1.4. Previsões Futuras

1.2.1.2. Nacional
O streaming já está na vanguarda sobre criação de conteúdo com representatividade e provavel-
mente continuará assim. Esse fato se torna possível por conta da distribuição em catálogo e diver-
Nossa linha do tempo tem início com a remoção às referências de sodomia do Código Penal brasi-
sidade de conteúdo, com objetivo de fazer grande quantidade de produtos para agradar o maior
leiro em 1830, caracterizando a descriminalização da homossexualidade. Entretanto, seria somente
número de pessoas. Diferente do broadcasting, restrito pelos horários limitados de programação
em 1960 com a telepeça “O Caso Maurízius” que o Brasil veria seus primeiros personagens homos-
para apresentar suas séries e filmes, o streaming pode aproveitar a lacuna no mercado e fazer con-
sexuais masculinos na televisão, seguidos pela novela “Entre Quatro Paredes”, com suas primeiras
teúdo direcionado a públicos minoritários que não ganham essa chance em grandes canais. Netflix
personagens homossexuais femininas, em 1963, ambos na TV Tupi.
e outras plataformas de streaming como Amazon Prime e Hulu tentam cada vez mais criar conte-
údo de apelo universal, se beneficiando das vozes diversificadas para aproveitar da vanguarda na
A década de 1970 é inaugurada com o primeiro personagem homossexual da TV Globo, Rodolfo contratação desses criadores.
Augusto em “Assim na Terra como no Céu”. Em 1978, “Dancin’ Days” é pioneira no uso de persona-
gens gays afeminados em posições de servidão, mordomos, secretários ajudantes, representação
O apelo por conteúdo com representatividade se torna cada vez maior com o apoio popular ao con-
que torna-se clássica nas décadas seguintes, com Everaldo. No mesmo ano, há o lançamento da
teúdo que já existe. A crescente satisfação por séries que apresentam personagens LGBTQ gera
primeira revista homossexual brasileira, “O Lampião”, que viria a perdurar até 1981.
impacto sobre as grandes mídias que não podem ignorar esse fato, tendo de suprir a demanda. Isso
possibilita a maior facilidade na entrada de pessoas antes segregadas a esse espaço de voz, onde
Em 1985, na novela “Um Sonho a Mais”, ocorre o primeiro beijo LGBTQ na televisão brasileira, en- pode compartilhar sua vivência para gerar esse conteúdo inovador.
tre um homem e uma mulher transgênero. Seguido, em 1987, pelo primeiro personagem bissexual,
Laio, na novela “Sassaricando”. A década se encerra, em 1989, com a primeira lei contra a discrimi-
Vê-se a representação saudável ainda muito exclusiva a histórias de amadurecimento, com algu-
nação de orientação sexual, assinada por Mato Grosso e Sergipe.
mas exceções de comédia, nas quais a narrativa é centrada no fato do personagem ser LGBTQ.
Futuramente é possível que haja maior diversidade na colocação de pessoas queer em histórias, to-

12 HULAN, Haley. Bury Your Gays: History, Usage, and Context. McNair Scholars Journal: Vol. 21: Iss. 1
11 Trans Exclusionary Radical Feminist, corrente do feminismo que exclui pessoas transgênero. , Artigo 6, 2017.

14 15
mando papéis em que essa não é sua questão central, deixando essa característica como secundá- que não é LGBTQ. Personagens trans interpretados por atores cis caracterizados como o gênero
ria ao foco. Histórias de ação em que a personagem principal é por acaso lésbica e no final termina oposto apenas perpetuam a ideia de que pessoas trans estão apenas performando como pessoas
com uma esposa, comédias românticas em que ser gay não é uma questão, criar um personagem do outro gênero.
transgênero em uma comédia romântica, abre-se uma gama de opções.

1.2.2.2. Queercoding
Toda a visibilidade criada em torno das questões de gênero e orientação sexual ajudam a normali-
zar a vivência queer. Quando se passa a reconhecer que pessoas LGBTQ são pessoas como aque-
Queercoding é uma denominação para personagens aos quais são atribuídos características liga-
las dentro do padrão social, há a quebra da barreira de repúdio, criando uma conexão do público
das a noção estereotipada comum do que é ser queer, mas que nunca se assumem como tal. Ela
com a obra. Dando aos personagens características humanas e complexidade, isso passa a refletir
se originou com o Código Hays, um conjunto de normas morais estadunidense de censura para
na sociedade a ponto de mudar estigmas: vivências plurais na mídia geram o reconhecimento de
grandes estúdios cinematográficos entre as décadas de 1930 e 1960, o qual vetava temas dados
vivências plurais na vida real.
como “perversos” de serem explorados, incluindo questões LGBTQ. Dessa maneira, personagens
não podiam demonstrar sua sexualidade explicitamente, levando criadores a abordarem tal assunto
1.2.2. Tipos de Representatividade somente escondido nas entrelinhas narrativas.

A representatividade LGBTQ dentro da mídia visual é apresentada de múltiplas formas. Muitas ve- O problema do queercoding ocorre quando essas características são usadas como indesejáveis.
zes o espaço garantido à figura queer é de personagem secundário, raso e simples em essência, Principalmente em filmes13 direcionados ao público infantil, é comum encontrar uma grande quanti-
dando espaço a reprodução de inúmeros estereótipos. Entretanto, já é possível encontrar obras que dade de antagonistas que subvertem o padrão de gênero, usando esses aspectos como manobra
valorizem a vivência LGBTQ. para enfatizar características conformativas dos seus heróis. Exemplos disso são muito explorados
pela companhia Disney14, que cria histórias como de Hércules, o herói, um homem hipermasculino
dentro dos padrões estipulados pela sociedade em contrapartida a Hades, o vilão, um homem afe-
1.2.2.1. Estigmatizada
minado e debochado. Essa tática é vista também em Rei Leão (Simba e Scar), A Pequena Sereia
(Ariel e Úrsula) ou Alladin (Alladin e Jafar).
A representatividade estigmatizada é aquela que gera uma visão nociva sobre a comunidade. Os
motivos por trás de uma representação estigmatizada não são necessariamente má-fé por parte do
1.2.2.3. Queerbaiting
autor, mas também de uma desinformação sobre o personagem criado. Visto que o autor baseia
sua a história por um ponto de vista externo, não compartilhando a vivência da qual escreve, esse
tipo de escrita pode gerar falsas informações sobre a comunidade LGBTQ. Fortalecendo noções O termo Queerbaiting surge dentro do contexto político15, no qual oponentes traziam à tona ele-
preconceituosas ao construir personagens ridículos para alívio cômico ou predatórios, essa repre- mentos da vida pessoal de seus concorrentes e indicavam que tais fatores comprovavam sua ho-
sentação pode ser percebida em duas instâncias: mossexualidade, com o intuito de prejudicar sua campanha. Entretanto, nos últimos nove anos, o
termo teve seu uso apropriado pela internet para denominar a estratégia de marketing pautada na
criação de uma tensão homoerótica entre dois personagens, com a falsa promessa de uma relação
Ou com o intuito de mistificar a figura do LGBTQ, desumanizando-o. Tal estratégia costuma ser
que nunca se concretiza. Essa estratégia é usada tanto para atrair o público LGBTQ, quanto para
muito mais nociva, e caracteriza-se pela intencionalidade dos atos, geralmente resultando em vi-
manter o conservador.
lões estigmatizados. Ou pela falta de pesquisa e entendimento de quem escreve, acarretando em
criações inevitavelmente estereotipadas.
Tal estratégia se ancora em conceitos como Pinkmoney ou Pinkcapitalism, que descrevem um mo-
delo no qual empresas atendem ao mercado LGBTQ não necessariamente por compartilharem dos
Ao basear-se em alegorias de “o que é ser LGBTQ”, ao invés de ouvir as vozes da comunidade,
mesmos ideais, mas para se aproveitar do poder de compra da comunidade. Portanto, quando cria-
abre-se margem ao erro. Sejam esses personagens humorísticos, promíscuos, hiperssexualizados
-se uma situação narrativa na qual não só é indicada a existência de um personagem, mas também
ou insanos, não há problema de esse tipo de personagem existir, e ser LGBTQ, o erro ocorre quan-
a de um relacionamento queer, apenas para ser negada em seguida, seja ao fazer o personagem
do o único representante dentro de uma mídia é feito dessa forma.
13 The Celluloid Closet. Direção: Rob Epstein, Jeffrey Friedman, Estados Unidos: Sony Pictures Classics,
1996.
Outra forma de perpetuação de estereótipos é feita quando temos esse espaço ocupado por alguém 14 MARTINEZ, Ren. Fabulously Fiendish: Disney Villains and Queercoding. Margins Magazine, 2015.
15 Queerbaiting. 21st-Century Interdisciplinary Dictionary, 2016.

16 17
entrar em um relacionamento hétero, tratar a situação como piada ou quando há negação dos au- 1.3. ORIGENS DA LGBTQFOBIA
tores, sem mudar as atitudes dos personagens, torna-se óbvio o uso da alegoria LGBTQ apenas
para ganho financeiro.
A profunda insegurança e medo em relação ao próprio gênero ou orientação sexual pode causar
repúdio à própria identidade, visto a violência contra a população LGBTQ presente nos diversos nú-
1.2.2.4. Saudável cleos sociais e constituições (como no universo familiar, nas escolas, na igreja, na rua, no posto de
saúde, na mídia, nos ambientes de trabalho, na justiça, na polícia), o indivíduo teme a possibilidade
de fazer parte da comunidade queer.
A representação saudável incorpora tanto defeitos quanto qualidades em um personagem com-
plexo com falas e dimensão. Para que um personagem LGBTQ seja bem explorado, é necessário
dar voz a sua personalidade para não ser baseado em estereótipos rasos, tornando-o mais do que Existem muitos estudos e teorias que afirmam as várias origens do preconceito LGBTQ. Debatendo
sua sexualidade ou gênero. A humanização de um personagem acontece quando se atribui a ele diferentes pontos que unidos formam uma visão geral da nossa sociedade, é possível uma análise
aspectos de normalidade, como dificuldades, amores, família, amigos; vivências universais que para a desconstrução de tais discursos de ódio. Entre tais pesquisadores, Judd Marmor16 apresenta
possam conectá-lo com o espectador. Personagens LGBTQ saudáveis demonstram a diversidade três principais fatores que favorecem a homofobia:
de personalidades e vivências que uma pessoa dessa comunidade pode enfrentar, tornando-a o
mesmo que qualquer outro personagem de fora.
1.3.1. Religião

Exemplos dessa representação ainda são muito escassos, mas se apresenta crescente. Ela apa-
A forte doutrinação religiosa sempre foi um dos principais fatores para a LGBTQfobia. A Torá é a
rece em comédias, como Brooklyn 99, na qual o chefe de polícia, Reymond Holt é um homem gay
principal fonte para se analisar a visão da homossexualidade no judaísmo. Nele está descrito que:
negro e, mesmo secundário, apresenta profundidade em personalidade e seus conflitos não se ba-
“Um homem não deve deitar com um homem como ele se deita com uma mulher; isto é uma toeva
seiam somente em sua orientação sexual ou cor de pele. Em termos de protagonismo, se vê ainda
(abominação)” (Levítico 18:22). O que levou a expansão do cristianismo continuar com outras per-
menos personagens LGBTQ, sendo a maior parte deles voltado a histórias de amadurecimento em
seguições a práticas homossexuais.
que adolescente apresentam dificuldade em lidar com sua descoberta sobre sexualidade, como
Kate em Everything Sucks, que sofre em se assumir para os amigos por conta do preconceito.
No império Romano, por questões religiosas a homossexualidade era vista como uma ameaça
constitucional, o que levou ser uma das razões para antigas perseguições e argumentações a favor
A representatividade saudável pode ser muito mais presente em obras quando são contratadas
da condição de sobrevivência e expansão.
pessoas de dentro da comunidade para escrever personagens. Dando voz a essas pessoas para
compartilhar sua histórias com mais direito de espaço de fala, é possível retratar de modo mais
realista personagens LGBTQ. Criadores de conteúdo televisivo infantil, como Rebecca Sugar de A Igreja se posicionou oficialmente em questão a homossexualidade com os escritos de Santo Agos-
Steven Universe, uma das séries pioneiras em questão queer por ser a primeira a mostrar um beijo tinho, que dizia que os órgãos reprodutivos tinham a finalidade natural de procriação e em nenhuma
lésbico, comentam a dificuldade de produzir esse tipo de conteúdo quando os supervisores ainda hipótese poderiam ser usadas para outra forma de prazer, colocando a homossexualidade como
apresentam ideais preconceituosos: pecado. Essa instituição, inclusive, apresenta propostas de “reorientação sexual”, mais conhecida
como “cura gay”17, para extinguir a homossexualidade do indivíduo, implicando essa característica
como uma doença. Dessa maneira, continua a ser reprovada pela maior parte das tradições cristãs
“Havia elementos que não podiamos incorporar por sermos um programa infantil, foi crítico pra mim
pelo mundo, assim como diversas outras religiões.
perceber que pessoas LGBTQ são ainda consideradas impróprias para crianças e famílias, não há
igualdade enquanto isso ainda acontecer”
1.3.2. Cultura
Disse Rebecca em entrevista para o jornal Entertaiment Weekly, confirmando o estigma referente
a essa comunidade. A autora é bissexual e não binária, e diz como foi importante para ela mostrar A ignorância do que seja a homossexualidade surge a partir da construção social do que é o LGB-
sua realidade por meio de personagens empáticos e histórias de aceitação para que sua mensagem TQ. Os estereótipos formados e diferentes questões culturais ainda alimentam esse preconceito.
de igualdade fosse repassada.
16 Psicanalista e psiquiatra americano conhecido por seu papel na remoção da homossexualidade do Ma-
nual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana.
17 EXAMEDAOAB. Entenda o projeto da cura Gay. 2016

18 19
Orientação sexual e identidade de gênero são termos não compreendidos pela maioria da popu la- 1.4.1. Machismo e LGBTQfobia
ção, visto que a visibilidade dada ao tema da diversidade sexual e de gênero ainda é foco de piadas
entre grupos, na mídia, nos programas da televisão e entre outros. Isso gera uma construção nociva
A LGBTQfobia acontece principalmente por conta da rejeição da quebra de papéis sociais. Em uma
de representatividade, que fortalece a marginalização desses grupos minoritários.
sociedade que prega a superioridade masculina e classifica características ligadas a esse gênero
como boas, há a contrapartida na qual características femininas são associadas com fraqueza,
O assunto se torna urgente quando preconceitos, costumes e visões de mundo se voltam contra inferiorizadas. No momento, então, quando um homem “se apropria” do papel feminino ao se re-
cidadãos pelo simples fato de não se identificarem ou não serem percebidos como dentro do pa- lacionar com outro homem, podendo também demonstrar características mais afeminada em sua
drão cis-hétero. Há muito tempo pessoas homossexuais, bissexuais, transgênero e demais, sofrem personalidade como ser mais sensível ou reproduzir uma voz mais aguda, isso é visto como uma
agressões físicas e morais intensas. Essa dinâmica é reforçada por opiniões, crenças, valores he- traição e, dessa forma, esses homens são também inferiorizados como as mulheres cis hétero. Ao
teronormativos e pela falta de informação. aceitar que homens demonstram comportamentos femininos, em tese também se abre uma brecha
para que mulheres tomem para si elementos masculinizados, quebrando as castas de gênero esti-
puladas secularmente.
1.3.3. Ciência

1.4.2. Exploração de corpos e invisibilização


Um exemplo que reforça o preconceito cultural é a medicina, rotulando a homossexualidade como
doença passível de tratamento. Dessa forma, casos como o de Alan Turing, matemático exemplar
condenado por indecência devido à sua homossexualidade em 1952, não eram incomuns. Turing foi O impacto do machismo na representatividade é uma das diferenças na opressão desses dois gru-
convidado a fazer a escolha entre prisão e castração química, optando pela posterior, na qual foi su- pos. Enquanto o corpo da mulher é explorado para perpetuar visões misóginas de mundo, em que
jeito a uma série de injeções de dietilstilbestrol, um estrogênio sintético, conhecido por acarretar na mulheres são escritas para terem papéis sexualizados, os quais não possuem importância além de
redução de libido, impotência e ginecomastia (aumento do tecido mamário). Alan Turing acabou por parecerem bonitas para o apelo masculino, como em filmes clássicos de ação (James Bond 007 e
cometer suicídio em 1954, apenas dois anos após sua convicção. Não somente Turing mas inúme- as “Bond girls”), os indivíduos LGBTQs não têm corpo específico para serem explorados. O artifício
ros outros indivíduos foram condenados por sua sexualidade, em todo o mundo, durante os anos. usado nesse caso, então, é a invisibilização, que comodamente exclui a comunidade LGBTQ da
maioria das obras por simplesmente não reconhecer a existência dessas pessoas. Ao passo que a
luta feminina é para serem representadas como pessoas diversas e competentes, mais do que um
Somente em 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) a removeu da Classificação Internacio-
corpo, a comunidade LGBTQ ainda tem problemas para simplesmente ser abordada pela mídia.
nal de Doenças (CID)18. A transgeneridade só foi deixada de ser considerada doença pela décima
primeira edição do CID em 2018, ganhando a classificação “incongruência de gênero”19 aprovado
oficialmente em 2019, entrando em vigor no começo de 2022. 1.5. TEORIA QUEER

1.4. RELAÇÕES COM O FEMINISMO Queer é um termo de origem inglesa inicialmente usado para toda e qualquer classe marginalizada
britânica: prostitutas, gays, pobres, devedores; que ganhou contexto mais específico voltado para a
comunidade LGBTQ após a prisão de Oscar Wilde20 por crime de sodomia, primeira figura pública
Pode-se ligar o tópico de libertação sexual principalmente de papéis de gênero impostos pela socie-
a ser chamada de queer.
dade tanto à questão feminina quanto LGBTQ. No momento em que os dois grupos são marginali-
zados e há grande porcentagem de mulheres dentro da comunidade LGBTQ, é comum que hajam
similaridades nas dificuldades impostas a esses grupos pelos opressores, que tentem também a A teoria queer de Judith Butler surge nos anos 70 como uma corrente feminista, contrária ao fe-
ser os mesmos. Todas as pessoas que desviam dos padrões sociais e buscam emancipação desse minismo radical. Bebendo de Simone de Beauvoir21, a teoria reforça a ideia dos papéis de gênero
sistema prejudicial a sua liberdade de expressão tem suas características de diversidade oprimidas. como construções sociais performáticas, criadas para a manutenção de um sistema opressor capi-
talista no qual a figura do homem branco cis-hétero é a única beneficiada.

18 History Channel. OMS exclui homossexualidade da classificação Internacional de Doenças.


19 Governo Federal. OMS retira transexualidade da lista de doenças e distúrbios mentais. 2018. 20 History Channel. Escritor Oscar Wilde é preso por relacionamento com filho de marquê.
21 DE BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. 1949.
20 21
1.6. MOVIMENTO CONTRA REVOLUCIONÁRIO o complementa simbioticamente. Nesse sentido, o capitalismo deixa de ser apenas um padrão de
produção econômico e torna-se um processo histórico, social e político.

Um dos movimentos contrários à maior exposição midiática de minorías (não somente LGBTQ) tra-
ta-se do Alt-Right. Ele, traduzido literalmente por Direita Alternativa, comporta uma comunidade de Nessa relação, as minorias não-dominantes só tornam-se algo a ser valorizado quando reconhe-
supremacistas brancos ressentidos pelo avanço dos direitos civis de negros, mulheres e pessoas cidas como um potencial mercado. As rebeliões de Stonewall marcaram o início do movimento de
queer, como afirma reportagem da BCC News Brasil22. Incentivados por discursos de representan- libertação LGBTQ, garantindo acesso e visibilidade a um grupo antes tão marginalizado, sendo o
tes conservadores no poder, e em meio ao contexto de globalização, esse grupo se expressa majo- ponto de partida para uma diminuição na discriminação, aumentando o acesso a empregos antes
ritariamente pela internet, de forma a não concretizar um número específico de participantes, o que heteronormativos. O Pinkcapitalism26 nasce quando a comunidade LGBTQ adquire poder de com-
preocupa a sociedade como um todo, que desconhece a totalidade dessa ameaça. Não somente pra o suficiente (denominado Pinkmoney) dentro de uma sociedade para passar a ser incluída no
isso, outra questão é a grande parte dos acionistas do Alt-Right são jovens23, faixa etária especifi- interesse de companhias.
camente prejudicial ao público trabalhado, uma vez que essa tendência torna-se nociva à liberdade Apesar de tais medidas agregarem e contribuírem para o acesso da comunidade queer a produtos
de expressão durante a etapa da incerteza no desenvolvimento psicossocial. e espaços próprios, eles ainda estão longe de serem ideais. A comoditização27 dos direitos LGBTQ
é um processo perigoso, pois implica na possibilidade de retorno da comunidade a uma categoria
1.7. O SISTEMA ENVOLVIDO desumanizada, uma vez perdida sua capacidade de compra, ou quando associada a outros pre-
conceitos sistêmicos relacionados ao capitalismo: uma mulher negra LGBTQ é invisível comparada
a um homem branco LGBTQ.
Os sistemas de opressão dentro do mundo contemporâneo têm suas raízes historicamente ligadas
à cultura. Sendo eles sistemas individuais, sociais ou institucionais, tais sistemas baseiam-se na
discriminação. Ao sermos assinalados categorias e identidades, entramos em uma classificação: os 1.7.2. Patriarcado
grupos dominantes garantem benefícios e privilégios aos seus semelhantes, considerados dentro
da norma, e aos membros dos grupos não-dominantes é reservada a opressão, caracterizando um O patriarcado como sistema precisa perpetuar papéis de gênero para continuar prosperando. A
preconceito institucionalizado contra minorias, com o intuito de manutenção desse sistema hierár- base do patriarcado se constrói colocando homens e características masculinas como racionalida-
quico. de, frieza, brutalidade e intelectualidade no topo da hierarquia social, repudiando mulheres e desig-
nando características femininas ligadas à emoção, cuidado e sensibilidade como ruins e inferiores.
1.7.1. Capitalismo Essa ideia de gênero binário e morfológico tomava o corpo como classificação final de papéis e
expectativas.

Tendo origem no pastoreio, como apontado por Engels24, a primeira divisão social do trabalho tam-
bém foi o que gerou a primeira divisão da sociedade em classes. Apesar de a separação entre as A comunidade LGBTQ é infligida por esses ideais ao fugir da ideia heteronormativa do que é “cor-
funções do trabalho já existir no sistema nomádico, nele ainda não existiam os conceitos de desi- reto moralmente”. Dessa maneira, de acordo com a advogada Camargo, a repressão da expressão
gualdades sociais. A mudança para uma vida estabelecida, permanente, com uma produção e acú- pessoal dessas pessoas vem quando o comportamento expressado por elas não é o estipulado
mulo do excedente dessa produção é onde nasce a relação entre o dono dos meios de produção e propriamente para seu “sexo”, com isso condenando relações homoafetivas, expressões de gênero
seus empregados, o explorador e o explorado. fora do padrão, etc. A ideia de binariedade repercurtida pelo patriarcado funciona para manter a alie-
nação e a segregação, ignorando as diversas características que englobam gênero e sexualidade,
de acordo com a autora. Com isso, a opressão obriga pessoas a se encaixarem nesses padrões ou
Em um modelo no qual as disparidades já existentes são acentuadas, entende-se a opressão como serem corrigidos por métodos violentos de desumanização.
um mecanismo de manutenção do status quo25. Apesar de os sistemas de opressão não terem sur-
gido com o capitalismo, eles adquirem nesse modelo as características que os constituem hoje. Tal
molde não tem o patriarcado como herança, e sim como necessidade de existência: um aliado que

22 Segundo BCC News Brasil. A extrema-direita está em ascensão nos EUA?. 2017.
23 Reportagem do portal ADL: Fighting Hate For Good. Alt Right: A Primer on the New White Suprema- 26 Pinkcapitalism, ou “Capitalismo Rosa”, é o termo utilizado para designar a incorporação dos discursos do
cy. movimento LGBTQ à economia de mercado, especialmente do modelo de homem gay cis ocidental, branco
24 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 1884. e de classe média alta
25 Status quo é uma expressão do Latim que significa “o estado das coisas”, portanto, manter o status quo 27 Do inglês, commodification, é a transformação de bens, serviços, ideias, informação pessoal e pessoas
implica em manter o estado ou circunstância igual como se encontra no presente momento. em commodities, ou seja, objetos de troca

22 23
2. REGISTRO DA PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa de campo, a qual usamos para enriquecer nossa pesquisa, é uma metodologia de ob- Redes sociais de discussão são plataformas direcionadas a discussão, troca de opiniões e infor-
servação, coleta, análise e interpretação de fatos ou fenômenos dentro de seus grupos, cenários e mações. Estas são bastante usadas pelas comunidade e grupos diversos para manterem contato e
ambientes. Foi uma etapa importante para extrair dados e informações diretamente da realidade do troca de ideias, sendo exemplos dessas plataformas: Amino, Reddit e Facebook.
usuário, assim sendo possível definir melhor as necessidades de quem estamos estudando.

Após realizar essa caracterização, percebemos que redes sociais de exposição são as mais utiliza-
2.1. MÉTODOS das por criadores de conteúdos como meio de autopublicação, por serem mais viáveis e não res-
tringir de forma exacerbada temas e interesses como as mídias tradicionais. A especialista Renata
Nolasco afirmar também, que a internet e o espaço de autopublicação tem aumentado bastante,
Em nossa pesquisa de campo, fomos atrás das plataformas e redes sociais para encontrar ni-
diminuindo a necessidade de recorrer a grandes mídias para buscar representatividades que nem
chos e grupos de dentro e de fora da comunidade LGBTQ com intuito ver o que tem a di-
sempre são as ideias.
zer sobre a mídia. Além de analisar as postagens de longe, como discussões, opiniões, con-
teúdos autônomos, troca de notícia e informação, queríamos entrar em contato com esse
universo mais de perto. Desta maneira criamos um questionário para recrutar alguns jo-
vens e entremos em contato por email com alguns criadores de conteúdo e especialistas.

Figura 5 - Gráfico de Respostas ao Questionário


Com os especialistas, procuramos orientação de pessoas dentro deste universo para compreender
melhor com o que estamos lidando. Criar uma base real e humana com esse contato mais próximo
foi importante para estabelecermos nosso foco e desenvolvermos nossos insights no futuro.

2.2. OBJETIVOS

Nosso objetivo visava em coletar dados dentro da realidade brasileira que acompanharia nossa
pesquisa, além de chamar esses adolescentes e jovens adultas para entender melhor sua vivência
e avanço ou progresso que tiveram ao ter contato com a existência da representação ou a falta dela
durante sua infância, ver mais de perto essa formação até os dias de hoje.

2.3. PLATAFORMAS EM DISCUSSÃO


Para chegar aos entrevistados do público alvo, realizamos um questionário online préviamente para
compreender um pouco mais nossos usuários. Em gráfico de resposta do questionário, pudemos
constatar quais eram as plataformas midiáticas mais usadas pelos jovens e, assim, caracterizá-las Fonte: Questionário Representatividade na Mídia (2020)

de certa forma.

2.4. ENTREVISTAS
Plataformas de exposição são todas as quais o conteúdo passa por uma equipe de aprovação do
produto para só assim ser produzido, levando o conteúdo a atender, em sua maioria, a opinião da
Nossos jovens entrevistados foram recrutados através do nosso questionário, nele pedimos contato
maioria. Exemplos como essas plataformas são: canais de televisão aberta, plataformas de strea-
por email ou whatsapp e fomos atrás de todos que se disponibilizaram. De cinquenta participantes,
ming e jogos eletrônicos de grande empresas.
conseguimos conversar com seis para ir mais a fundo em suas vivências pessoais.

Redes sociais de exposição são plataformas mais abrangentes, na qual a criação de conteúdo
Quanto aos especialistas, procuramos orientação de pessoas dentro deste universo para melhor
independente se torna mais presente, a medida que o conteúdo passa por menos barreiras de
compreendê-lo. Criar uma base real e humana de contato mais próximo foi importante para esta-
aprovação. Exemplos como essa plataforma são: Youtube, Webtoon, Tiktok, Twitter e Instagram.
belecermos nosso foco e desenvolvermos nossos insights no futuro, juntamente aos dados frios.

24 25
Figura 6 - Representação Visual da Pesquisa de Campo “Tem hora que eles querem representar alguma coisa e não sabem como. Fica tão jogado que falta
personalidade nos personagens, eles só servem para estar lá como se fosse cota. Falta persona-
gem bem construído e com representatividade” disse Carolina na entrevista.

Seu contato com a religião mais conservadora fez com que tivesse um pensamento muito LGB-
TQfóbico. Ela comenta isso e reforça que a culpa é da mídia, por ao invés de mostrar a realida-
de, mostra estereótipos de reforço ao discurso de ódio contra a comunidade LGBTQ. Carolina só
desconstruiu esses conceitos com o contato com sua prima lésbica e seu melhor amigo trans.

No seu auto descobrimento, ela aprendeu sobre a assexualidade pela plataforma do tiktok e de tiri-
nhas feitas por artistas autônomos. Por esse motivo, apoia e gostaria de ver mais sobre o tema em
grandes mídias, para se sentir validada.
Cinthia Recruz é uma jovem bissexual de vinte anos que atualmente, em 2020, mora com sua mãe,
padrasto e irmão mais novo. Ela comentou que estava planejando se mudar, porém com a situação
do codiv-19, esse plano ficou para 2021. No momento é desempregada e não estuda, porém tem
o hobby de desenhar e geralmente vende seus trabalhos pela internet. Seu passatempo favorito é
jogar pelo celular e jogar RPG28 com os amigos pela plataforma do Discord.

Dos gêneros de entretenimento, Cinthia comenta que prefere animação e também documentários
na infância por ser uma criança interessada em aprender. Infelizmente, relata que não via muita
representação e essa realidade foi muito prejudicial para a sua etapa de auto descobrimento. Seu
primeiro e único contato na adolescência não envolveu mídia, família e nem a escola: foi através de
uma amiga que assumiu gostar de meninas em uma conversa dentro do seu grupo social.

Fonte: Pesquisa de Campo (2020) Por conta de sua vivência, percebeu o como a representação faz falta, porém, comenta que é preci-
so falar do assunto da maneira correta para não se tornar uma representação nociva, não bastando
utilizar representatividade como cota.
2.4.1 Adolescentes

Seu processo de auto descobrimento foi aos quatorze anos e passou muita negação no início.
Carolina de Assis é assexual, tem vinte anos e está terminando a faculdade de design. Seus pas-
satempos favoritos são desenhar, pintar e customizar bonecas e que, além disso, deixa seu youtube
aberto praticamente o dia todo, geralmente com vídeos de jogos ou críticas de filmes e séries. “Esconder quem você é e não saber ao certo como as pessoas ao seu redor vão agir é uma das
piores coisas que alguém pode passar. Depois que eu admiti como realmente me sentia, as coisas
melhoraram” conta Cinthia em entrevista
Dos gêneros de entretenimento que a chamam mais atenção, ela aponta animação e comédia
romântica, porém comenta também que prefere quando os gêneros se misturam. Para jogos, apre- .
senta um gosto maior por simulação e aventura gráfica. Ivan Luiz Pimentel é não-binário, pansexual, tem dezenove anos e não tem preferência para uso
de pronomes no dia a dia. Estuda design de mídia digital e sua rotina se baseia em fazer trabalhos,
desenhar e ver vídeos no youtube.
Quando perguntamos a ela sobre representatividade, ela comentou sobre uma visão geral da rea-
lidade brasileira, a qual nunca se sentiu representada já que não via sua realidade nos programas,
Dos seus gêneros de entretenimento favoritos, Ivan comenta que animação sempre foi sua pre-
desenhos e jogos. Outro fator discutido foi sobre a questão de representação queer:
ferência, já que as possibilidades narrativas sempre são infinitas. Para jogos, suas escolhas são
28 Role Playing Game, ou jogo de interpretação de papéis no qual há criação de uma narrativa conjunta

26 27
principalmente os que dão liberdade de criação e exploração, especialmente quando podem ser depois o preconceito explícito quando Marianna levou sua namorada pela primeira vez para co-
jogados com amigos. nhecer sua família. Depois de inúmeras discussões, seus pais começam a aceitar sua realidade.

Pâmela Thompson é lésbica, tem 20 anos e estuda letras-francês na UFF. No seu tempo livre tem
O jovem fala um pouco sobre ser co-criador de uma história em quadrinhos na qual o protagonista
o hábito de ler, tocar violão e atualmente começou a gravar vídeos para o seu canal no youtube.
é um jovem gay. Ele aborda o assunto de maneira natural dentro de sua criação:
Ela conta um pouco de suas preferências de gêneros em livros, que são os contos e crônicas, que
costumam ter uma leitura rápida e podem ser lidos a qualquer momento do dia sem a necessidade
“Uma forma muito boa de normalizar ele ser gay, ela ser lésbica, ser transexual é por simplesmente de uma leitura contínua.
ser, não ter um motivo narrativo de ele ser assim, igual na realidade. Tento botar isso nos meus
projetos de quadrinho” disse Ivan na entrevista.
Já em séries e filmes, comenta que costuma maratonar qualquer um que seja original Netflix, geral-
mente comédias românticas ou os que trazem temas que gerem reflexões mais profundas, trazem
Ele passou por dois processos de auto descobrimento: sexualidade e de gênero. A questão da se- questionamentos sobre o mundo e a sociedade atual. No Youtube, ela consome videos de Daily
xualidade se apresentou no ensino fundamental, comentou que foi “tranquilo”, mas precisou pesqui- Vlogs e vídeos relaxantes, que se tornou um hábito antes de dormir.
sar e descobrir sobre sozinho, sem muitas referências. Ele teme como poderia ter sido complicado
se tivesse um grande contato com discursos de ódio.
Seu autodescobrimento ainda está acontecendo, já que pelas palavras dela, isso é uma constante,
estamos nos descobrindo o tempo todo. Mas quando tinha dezesseis anos e se entendeu como
“Não teria acontecido se eu não compreendesse que é algo normal. Então o primeiro contato do lésbica, precisou buscar referências e conteúdos para que se acalmasse, buscava explicações de
assunto para a criança não pode ser de ódio, isso pode causar um sentimento de confusão e ver- como lidar com esses sentimentos que não estavam ali antes. Queria achar em vídeos, filmes, livros
gonha…”, diz ele. e pessoas que falassem sobre a sua realidade:

Em relação ao seu gênero, comenta ter sido uma montanha-russa por não era questão de se acei- “Entrar em contato com alguem que ja tenha passado pelas mesmas dificuldades que a gente
tar, mas medo de ser invalidado e essa insegurança é presente até hoje. passou em algum momento da vida e saber que aquilo vai ser só um momento ruim que um dia vai
acabar” diz Pâmela na entrevista.
Marianna Bilotta é gênero fluido, panssexual e tem dezesseis anos, estudante que usa seu tempo
livre para se dedicar a arte, gosta de cantar, desenhar, pintar quadros e criar textos como poemas. A representatividade influenciou a sua vida seu canal do Youtube. Comenta que uma grande ins-
Ela também comenta que pesquisa bastante sobre universidades de fora do país, pois pretende piração é Mari Morena29, que de tempos e tempos disponibiliza vídeos mostrando seu cotidiano e
estudar no exterior um dia. rotina junto de sua namorada. Pâmela a admira por ser uma maneira de naturalizar essa questão
da homossexualidade, muitas pessoas criam essa distância e veem como algo diferente, quando
Seus gêneros de entretenimento favoritos são musical, animação e comédia romântica. Ela percebe na realidade é bem parecido como a vivência de um casal hétero:
que a fórmula usada em quantidade nos filmes e séries é aquela em que um casal hétero passa
por alguma desventura mas voltam a ficar juntos no final, enquanto a animação tem sempre um “Esses canais me inspiraram a, de certa forma, representar outras pessoas e acolher mais gente
elementos e temáticas mais criativos e diferenciados. da comunidade”.

Falando sobre representatividade, Marianna percebe a falta dela e comenta que quando exis- 2.4.2. Especialistas
te, sempre apresenta o mesmo enredo e artifícios. Já em animação, a indústria entende como
se o conteúdo LGBTQ fosse impróprio para crianças e familiares, deixando de lado principal-
mente representação de transgêneros. A importância da visibilidade na mídia, para ela, é prin- Renata Nolasco é uma criadora de conteúdo independente de 24 anos. Trabalha principalmente
cipalmente ajudar os outros as se sentirem incluídos, justamente por experiência própria. como ilustradora mas também é quadrinista, escrevendo suas próprias histórias. Trabalhou em
diversas parcerias por causas LGBTQ, como a coletânea Sob a luz do arco-íris e Histórias quenti-
nhas sobre sair do armário. Além disso, suas obras autorais também abordam a questão LGBTQ
Seu processo de auto descobrimento teve altos e baixos, disse que você nunca sabe qual vai ser
de forma intrínseca a narrativa, como em Só Ana, na qual a personagem principal é lésbica, mas a
a reação das pessoas a sua volta. Em casa, o assunto não era comentado de início, havendo
29 Youtuber que apresenta vídeos sobre produtos de beleza e temáticas LGBTQ.

28 29
principal trama da história é sobre ela ser uma heroína e as consequências de sua vida dupla. com a vendabilidade de suas matérias. Tanto em conteúdo contratado, quando você deve conven-
cer seus superiores da pertinência dos temas, como no autopublicado, em que você deve encontrar
seu próprio nicho, que se interesse pelo proposto, existem dificuldades a serem superadas:
Ao conversarmos com a autora, pudemos ver um pouco sobre seu processo de criação e como
trabalhava com a sexualidade e gênero de seus personagens. “Acredito que suas histórias, como
autor, sejam um reflexo do ambiente a sua volta”, como diz Renata, é um fator decisivo para se en- “É difícil de construir o trabalho independente, pela militância, existe uma dificuldade de se virar com
tender os problemas com a representatividade na mídia: também não há diversidade no meio dos os próprios recursos, dependendo de anunciantes pra revista. Já as empresas têm muita restrição
criadores. à se associar com marcas e produtos destinados ao público LGBT.”

“Mais importante pra mim do que ler sobre minorias de poder é saber que criadores de minorias de Em seu trabalho, o jornalista também percebeu que a figura do indivíduo LGBTQ é muito estigma-
poder estão escrevendo e sendo lidos, porque isso significa mais do que uma estrelinha de progres- tizada, portanto, torna-se difícil incluir pessoas queer em reportagens cotidianas. Existe uma idéia
sista, significa que uma visão de mundo está sendo compartilhada.” dentro do meio da comunicação de que minorias apenas existem dentro do contexto de minoria:

“Editor mais velho, de 50 anos, tem cabeça fechada, é difícil de propor pauta sobre sexualidade.
Com isso, ela conta como a visão conservadora assimila a inclusão de diversidade, principalmente Falta a naturalização, (...) as redações têm muitos chefes homens héteros, muito fechados.”
LGBTQ, como uma cota desnecessária, já que se foi codificado o padrão de humano como homem
branco cis-hétero, logo todos que saem desse papel precisam de um motivo para terem suas histó-
rias contadas, ainda são vistos como agenda. Entretanto, Felipe ressalta que houve sim uma evolução desde quando se formou:

Renata também comentou sobre como a representação feita de forma estigmatizada pode prejudi- “Editorialmente, houve uma evolução mas tá longe do ideal. É possível pautar aqui e ali uma matéria
car a visão de uma pessoa sobre si mesma: sobre o tema, mas se você colocar com frequência ficam achando que você quer falar sobre um
assunto só.”

“Odiava personagens mulheres, elas eram sempre tão bonitonas e maquiadas e sedutoras e nada
como eu e nada como eu queria ser … por muito tempo me perguntei se isso não era só misoginia
internalizada me fazendo odiar o feminino e me espelhar em mulheres “masculinas”, mas hoje eu
detesto essa classificação. Não existe isso de “mulher masculina”, existem mulheres e suas per-
sonalidades. Eu teria odiado menos a feminilidade se ela não tivesse sido escrita por homens que
consideram feminino uma fraqueza.”

Esse problema se estende a ideia de reduzirem minorias a um papel somente, negando a diversida-
de de identidades. Dessa forma, a ilustradora afirma a importância da autopublicação para a melho-
ra da representação, no momento que as pessoas começam a procurar por representatividade em
trabalhos de artistas LGBTQ do próprio bairro, diminuindo a importância da grande mídia e abrindo
espaço para que ela reconheça a necessidade de contratar esses autores também.

Felipe Martins é um jornalista, professor e especialista em cidadania LGBTQ. Ele se formou em


2003 em jornalismo, passando por veículos como UOL e O Dia, sempre procurando levar pautas
aos seus editores relacionadas à comunidade queer. Dentro desse período redigiu diversos artigos
sobre entretenimento, arte, política, etc. Saindo do jornal, Felipe buscou canalizar esse conteúdo
que fazia enquanto contratado para seu meio de autopublicação, criando a revista Rio Gay Life.

Em nossa entrevista, Felipe comentou sobre a dificuldade de conciliar seus interesses de pesquisa,

30 31
3. JORNADA DO USUÁRIO
Figura 7 - Jornada do Usuário
SEM REPRESENTATIVIDADE

HORARIOS DO DIA 7:00 7:30 - 12:30 13:30 15:00 17:00 00:00

FAZENDO

Acorda cedo durante a Assiste à aula online Almoça vendo televisão Faz os deveres de casa Descansa, mexe nas Deita-se para dormir
semana para presenciar
passado pelos redes sociais
a aula online
professores

Não queria acordar É importante assistir, Por que o LGBTQ Não é a melhor Nada de tão Ser diferente não
mas é muito chato desse filme é o coisa, mas tenho que relevante parece nada bom
Cama confortável vilão? estudar
Algumas matérias Sempre as mesmas Me sinto cada vez
são legais, mas nem Quase não aparece É importante para coisas mais sozinho
todas LGBTQ, e quando aprender
PENSANDO aparece ele é todo Por que eu sou
esquisito assim?

Chateado Normal Chateado Encucado Sem senso de Desconfortável


pertencimento
Cansado Não se sente Concentrado Triste
representado
SENTINDO Solitário

COM REPRESENTATIVIDADE

FAZENDO

Acorda cedo durante a Assiste à aula online Almoça vendo videos Faz os deveres de casa Descansa, mexe nas Antes de dormir lê
semana para presenciar
no youtube passado pelos redes sociais webcomics
a aula online
professores

Não queria acordar É importante assistir, Conteúdo que me Não é a melhor Muitas discussões e Essa comic entende
mas é muito chato representa coisa, mas tenho que conteúdos LGBTQ perfeitamente como
Cama confortável estudar disponíveis online, eu me sinto
Algumas matérias Essa pessoa passou isso é muito bom
são legais, mas nem pelo mesmo que eu, É importante para Esse personagem é
todas que bom que não aprender igual a mim, que
PENSANDO estou sozinho legal
Ainda bem que
existem videos que
apresentam esse tipo
de conteúdo

Chateado Normal Contete Encucado Feliz Representado


Cansado Feliz Concentrado Representado Satisfeito
SENTINDO Senso de vinculo Interessado Aceito

Fonte: Pesquisa de Campo (2020)

32 33
A partir dos nosso dados coletados pelo questionário e entrevistas pudemos montar dois tipos 4. BRIEFING & CONSIDERAÇÕES FINAIS
principais de usuários para a nossa jornada: os que não têm acesso a representatividade e os que
possuem esse acesso.
Por fim, serão expostos nossos insights e nossas conclusões referentes a textos e pesquisas lidas
e analisadas durante o decorrer do projeto. Dessa forma, explicaremos pontos importantes para o
Os que não têm acesso a uma representatividade verossímil, como por meio de pessoas que não desenvolvimento do trabalho como um todo, a importância dele, não só para o jovem mas os impac-
participam da comunidade LGBTQ, podem ter uma dificuldade de conexão com personagem, mui- tos sociais que ele gera, e de que forma pretendemos abordar e trabalhar os temas anteriormente
tas vezes estereotipado e irreal. Dessa forma, o público tem dificuldade de se aceitar pelo medo escritos.
de não ser aceito pela sociedade, visto que os personagens da televisão são rasos e superficiais,
forçados. Com isso, o adolescente sofre diversas sequelas negativas, como podemos observar nos
pensamentos e sentimentos expressados e apresentados na Jornada do Usuário. Nesse caso, o
4.1. INSIGHTS
desenvolvimento psicossocial daqueles na fase da incerteza é afetado, comprometendo a formação
de identidade desses. Às pessoas LGBTQ não são garantidas espaço de fala quanto a assuntos cotidianos por conta da
marginalização das pessoas dessa comunidade.

Os que têm acesso a uma representatividade realista, como por meio de protagonistas reais e de
profundidade psicológica, que efetivamente participam da comunidade LGBTQ, possuem maior O jornalista Felipe comentou sobre a realidade na escolha de pessoas para realizar entrevistas para
facilidade de se conectarem com os personagens que se parecem com o público que os assiste. a mídia jornalística: é comum a preferência àqueles dentro do padrão social para expressar opiniões
Com isso, o adolescente é capaz de encontrar a própria identidade e evoluir com mais apoio da sobre assuntos cotidianos, abafando sua humanidade por não serem garantidas espaço de fala.
mídia, como podemos observar nos pensamentos e sentimentos expressados e apresentados na Essa situação se assemelha a falta de LGBTQs em obras que não sejam focadas em histórias de
Jornada do Usuário. Nesse caso, essa fase do desenvolvimento psicossocial é cumprida e facilitada descobrimento, segregando o discurso queer a somente suas orientações sexuais e de gênero.
pela exposição à personagens mais complexos, formando gerações mais receptivas para com as
diversas identidades sexuais e de gênero.
“A própria indústria cultural colabora muito com isso [homofobia]. Nas novelas e nos programas
humorísticos, o espaço concedido ao homossexual é o do humor. A ausência dessas pessoas em
Todos esse pontos são trabalhados no diagrama, de forma minuciosa: através de ações, pensa- literatura ou outros ambientes é uma violência. (...) Não se cria repertório e quando não se tem isso,
mentos e sentimentos. Sobre as ações, generaliza-se uma rotina de pontos chaves no cotidiano do não tem uma normalidade.”
adolescente em isolamento social. Já sobre os pensamentos, explicita-se como o jovem lida com os
momentos apresentados, e os sentimentos, como ele se sente durante a exposição.
Integrante da Comissão de Direitos Humanos e do Conselho Federal de Psicologia, Grazielle Ta-
gliamento, comenta como essa normalização da pessoa LGBTQ como pessoa é importante, quan-
O esquema sintetiza como os dois casos, de contato e não contato da mídia LGBTQ, afetam o do se resume uma comunidade a uma imagem rasa e estereotipada, sua realidade é menosprezada
dia-a-dia do jovem. Isso se mostra por meio de ilustrações, anotações e símbolos, garantindo a e se dificulta a criação de empatia com o diferente.
compreensão.

A discrepância na representação de homens gays e outras pessoas de dentro da comunida-


de LGBTQ se dá por conta da tradição patriarcal.

A pesquisa realizada pela revista Superinteressante demonstra uma discrepância entre a represen-
tação do público homossexual masculino e o restante da comunidade LGBTQ nas produções de
telenovelas brasileiras. Essa disparidade nasce no momento em que, numa sociedade patriarcal, a
figura do homem já é explorada e desenvolvida naturalmente, portanto, o próximo passo para sua
representatividade seria a exploração da sexualidade, enquanto que a parcela feminina da popula-
ção ainda luta pela visibilidade.

34 35
A tradição de criar personagens “minorias” rasos e sem falas desfavorece ainda mais a nossos dados para dar relevância a propósitos e por fim, ver as visões de futuro desejado no uni-
representatividade LGBTQ, que necessita do desenvolvimento de características e história verso do projeto.
para existir.
Com todas as nossas pesquisas e análises, alcançamos o que seria o nosso objetivo a ser atingido
A diferença na escrita de personagens de grupos oprimidos se dá principalmente por conta da ques- pela solução do projeto: orientar de forma positiva o autodesenvolvimento durante um período de
tão de censura. Por meio da fala da artista Renata Nolasco, na qual ela pontua seu desagrado com busca de referências não-parentais. Isso nos faz pensar em nossos parâmetros, em que utilizare-
a representação de personagens femininas na mídia e a falta total de personagens LGBTQ, pude- mos obrigatoriamente a empatia para alcançar resultados de autoaceitação. Devem-se evitar ao
mos perceber que a construção de representação LGBTQ é ainda menos explorada por necessitar máximo estereótipos e construção de representatividade rasa com o personagem queer sem um
de desenvolvimento no papel do personagem, não só um corpo para fazer-se raso. Para que um enredo mais elaborado, com pouca humanização. Os aspectos desejáveis que não estão direcio-
personagem seja realmente queer, é preciso dar a ele falas e o deixar ter uma voz para contar sua nados diretamente ao nosso objetivo são: criar estilos e narrativas que cativam o público jovem e
história, uma situação indesejada para as pessoas que desejam manter essa comunidade abafada. também que dialogue com um público mais velho, além do conteúdo ser acessível e compartilhável.
A mídia usada como reforço do imaginário social sobre padrões comportamentais, de acordo com
Heloísa Souza, doutora em ciências sociais, explora do corpo das mulheres para manter o ideal de Nossas relevância e impacto, nos quais acentuamos a importância de atingir o objetivo, são criar
submissão e inferioridade, enquanto usa desse artifício para invisibilizar a existência da comunida- um espaço seguro para a exploração da identidade e também um senso de pertencimento e acolhi-
de LGBTQ ao todo. mentos para uma comunidade marginalizada. Caso não exploremos o uso de empatia, existe uma
grande possibilidade de rejeição do público, por conta do contexto social de rejeição ao diferente do
estipulado “normal”. A relevância a curto prazo do projeto é atuar com os adolescentes, no processo
A representação é essencial para a autoaceitação do jovem por meio da reafirmação de sua
de autoaceitação; em médio, visamos o núcleo familiar, para gerar cada vez mais apoio e, por fim,
identidade.
no longo prazo, seria o restante da comunidade, desenvolvendo um ambiente inteiro seguro para a
expressão da individualidade e normalização da diversidade como o comum.
Confirmando os dados do professor em questões LGBTQ Bradley Bond, a entrevistada Cinthia
Recruz comenta como é difícil para ela viver tendo que esconder uma parte importante de si mes-
ma, com medo da reação externa. O jovem, por estar exposto a pressões do sistema para se
adequar a um padrão estipulado, cria barreiras para evitar expressar sua individualidade quando
não se sente em um ambiente seguro. O tabu envolvendo orientação sexual e gênero acarreta em
agravamento dos sentimentos ruins sobre si mesmo, tornando a representatividade na mídia fun-
damental para a reafirmação do adolescente ao se ver refletido. Essa experiência traz conforto e
serve de escape como um espaço seguro. De acordo com a psicóloga Rafaela Vasconcelos Freitas:

“quanto mais cedo as crianças visualizarem que existem outras experiências de afeto, sexualidade
e de família, mais fácil é para elas entenderem que isso faz parte da realidade (...)”.

4.2. CONCLUSÃO

Em nosso briefing, vimos que nossos usuários e stakeholders, isto é, os envolvidos e aqueles im-
pactados com nosso projeto, são os adolescentes, criadores de conteúdo, pais e pares. Dentro da
situação de uso, é possível a solução ser física ou virtual, para ser utilizada em momentos do dia
de lazer, inspiração e busca de acolhimento, com o foco de usuário na fase de desenvolvimento
psicossocial, doze aos dezoito anos.

Em seguida, chegamos em nossos insights, sendo possível ver nossos achados inesperados dentro
de nossa pesquisa, as necessidades e desejos dentro do grupo, histórias individuais que afirmam

36 37
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40 41
6. APÊNDICE personagem favorita do desenho. A diferença é que a Pearl não é feminina para alguém e sua
feminilidade não é construída para o olhar masculino. Eu teria odiado menos a feminilidade se ela
não tivesse sido escrita por homens que consideram feminino uma fraqueza. Hoje, tudo isso tem
6.1. ENTREVISTAS um reflexo muito grande em como eu desenho mulheres. Sobre a questão da sexualidade, ainda é
difícil dizer porque eu não fui uma criança que via LGBTs na mídia. Talvez essa ausência me faça
Renata Nolasco: escrever mais sobre isso hoje, mas, pra ser sincera, nunca pensei muito nesse aspecto. Narrativa
LGBT é algo que entrou mais pra frente na minha vida.

O que inspira seu trabalho?


Por que acha que a questão de gênero é pouco abordada?
Coisas diferentes inspiram trabalhos diferentes. Eu costumava separar meu trabalho em Tiras e
Quadrinhos (hoje, eu não faço mais tiras; ou pelo menos não é meu foco). Tiras partiam de um lugar Se eu te disser pra imaginar uma pessoa, grandes chances vão ser que você vai imaginar um ho-
mais de calor do momento. Algo que me tocou e eu tinha que colocar aquele sentimento pra fora. mem branco. O homem branco foi codificado em nossas mentes como o ser humano padrão. Tudo
Porque nós vivemos no Brasil em 2020, né, esse lugar era constantemente raiva com a política atu- fora disso é uma exceção e precisa ser especificado. E, por precisar ser especificado, muita gente
al. Essa forma de me fazer ouvir acabava coincidindo com as vozes de outras pessoas. Fazer tiras vai achar que você está mais interessado nessa especificidade do que na história (mas qual o motivo
é um rolê meio catártico. Já meus quadrinhos, esses vem da minha vontade de contar histórias que desse personagem ser negro, mulher, deficiente? Qual o seu propósito com essas exceções? Por
eu gostaria de ler. Desde criança eu gosto de me projetar em outros universos e criar novas pes- que não é um homem branco?) Quebrar a construção social do homem branco como representante
soas - aliás, como toda criança, o impulso só não parou depois que cresci -, agora que eu desenho de toda a raça humana é um trabalho cansativo que ainda vai perdurar por muito tempo. Histórias
profissionalmente ter me voltado para quadrinhos parece apenas uma progressão natural. sobre homens são histórias, histórias sobre mulheres são agenda. Enquanto as pessoas pensarem
assim, muitos vão ser repelidos por essas narrativas. Também pesa pra mim que, mesmo quando
nós vemos esse tema abordado, muitas vezes quem está fazendo não é uma parte desse grupo.
Por que acha importante abordar os assuntos de representatividade?
Engraçado que sempre me falam isso de que meu trabalho tem representatividade, mas na maioria
O que acha da falta de boa representatividade lésbica na mídia, principalmente, e maior visi-
das vezes eu nem reparo. Não é deliberado. Eu desenho as pessoas que eu vejo a minha volta e
bilidade gay masculina em comparação à outras sexualidades?
conto histórias que eu conheço. Na primeira vez que me apontaram que a Ana é negra, deficiente e
lésbica como se eu tivesse montado isso para atender uma agenda eu tomei um susto. Ela é negra E normalmente quando tem lésbicas é fetichizado, né? Não existe só um motivo para isso. Socieda-
porque a maior parte da população brasileira é e a história se passa no Brasil, ela não tem uma de misógina e misoginia internalizada de mulheres, a ausência de personagens femininas comple-
perna porque é relevante na construção de seu passado na história, e ela é lésbica porque o mundo xas na mídia, a própria fetichização de relações lésbicas... Nossa, muito pano pra manga. Se nós já
já contou histórias de romances hétero o suficiente e eu não tenho interesse em escrever mais um. temos que lutar para ter UMA personagem de destaque na trama, logo DUAS e fazer elas virarem
Acredito que suas histórias, como autor, sejam um reflexo do ambiente a sua volta. Se você só lê um CASAL. A representação de homens gays está vários passos na frente, nós já vemos muitos
histórias de homens brancos héteros, você vai ver homens brancos héteros representados. Mais homens na mídia, a escada para os homens é a sexualidade representada. Mulheres ainda estão
importante pra mim do que ler sobre minorias de poder é saber que criadores de minorias de poder lutando para serem vistas e terem falas e serem parte da narrativa mesmo sendo hétero.
estão ESCREVENDO e SENDO LIDOS, porque isso significa mais do que uma estrelinha de pro-
gressista, significa que uma visão de mundo está sendo compartilhada.
Como foi escrever dois trabalhos diferentes incluindo personagens LGBTQ? Qual foi a dife-
rença de abordagem entre um quadrinho de ação e outro focado justamente nesse assunto?
O que você achava da retratação da mídia quanto à diversidade quando era criança e no que A Ana é só a Ana, sua sexualidade está no meio de uma série de acontecimentos na história, não é
acha que isso te afeta hoje em dia? algo que eu passei muito tempo refletindo ou que eu me demore muito na história explorando. Essa
Eu odiava personagens mulheres. Tinha asco. Nojo. Nossa, ódio. Elas eram sempre tão bonitonas e é a Ana, essa é sua namorada, Deusa. É isso. Vida que segue, a trama anda, é posto de forma
maquiadas e sedutoras e nada como eu e nada como eu queria ser. Me lembro de ficar totalmente natural e sem rodeios. Não tenho interesse em escrever romances heterossexuais, então a decisão
obcecada pela Jade de As Aventuras de Jackie Chan quando era criança porque ela aventureira, já estava tomada quando eu decidi que ela ia estar em um relacionamento amoroso. Já em Histó-
forte, engraçada, enfim, ela era um modelo para mim. Eu estava bem mais interessada em artes rias Quentinhas eu refleti bastante sobre a experiência LGBT para o Túlio, não queria fazer feio.
marciais do que em maquiagem com meus 13 anos de idade. E por muito tempo me perguntei se Quis abordar como você pode estar completamente oblívio a sua própria sexualidade até alguém
isso não era só misoginia internalizada me fazendo odiar o feminino e me espelhar em mulheres te sacudir - ou ignorado ela até que não dê pra ignorar mais. Como bissexual, foi muito divertido de
“masculinas”, mas hoje eu detesto essa classificação. Não existe isso de “mulher masculina”, exis- escrever. Acho que a principal diferença é que em Só Ana sua sexualidade é um detalhe na história
tem mulheres e suas personalidades. Pearl (Steven Universe) é extremamente feminina e é minha que não faria a menor diferença se ela fosse hétero e estivesse saindo com um cara (exceto pra

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lésbicas, grande diferença para a lésbicas), e em Histórias Quentinhas eu tive que falar especifica- as empresas têm muita restrição à se associar com marcas e produtos destinados ao público LGBT.
mente sobre a vivência LGBT, é intrínseco à narrativa.

Você sempre quis trabalhar esse tema de representatividade dentro do jornalismo ou foi uma
Qual a importância de incluir artistas dentro dessa comunidade para criação de personagens necessidade de abordagem que você percebeu ao longo dos anos?
LGBTQ? Romantismo do jornalista escolher a profissão como forma de mudar o mundo, gay negro periférico,
Acabei já falando sobre isso nas outras respostas. A importância é garantir que uma visão de mundo sempre viu como uma forma de ajudar na forma de transformação social, cada trabalho conta pra
está sendo representada, não apenas como o mundo vê aquelas pessoas. A forma como você se vê dar visibilidade com o poder que a mídia tem. Sugeriu o blog pra revista. A temática foi por vivência.
e o mundo te vê são completamente diferentes, então é claro que como um hétero escreve LGBTs
e como LGBTs se escrevem é diferente. Antes de falarmos sobre “qualquer um pode escrever o que
Você acha que tinha mais dificuldade de abordar esse tema no início da sua carreira?
quiser sobre qualquer um”, é importante garantir que as pessoas possam escrever suas próprias
histórias. 2005 não tinha Facebook, aplicativo de relacionamento, as pessoas ainda eram muito mais no ar-
mário, madureira ruazinha é um point LGBT da zona norte, era muito difícil darem entrevista, não
queriam se expor, hoje em dia as pessoas querem aparecer, dar entrevista, junta galera. Mudou o
Como você acha que fãs e pequenos artistas ajudam na evolução da representatividade da aspecto de conseguir as pessoas para falarem.
grande mídia?
Meu sonho é que as pessoas parem de procurar representatividade nas mãos de grandes mestres
Editorialmente, houve uma evolução mas tá longe do ideal. É possível pautar aqui e ali uma matéria
da indústria e comecem a consumir o produto do LGBT do seu bairro. Ele vai falar muito mais pra
sobre o tema, mas se você colocar com frequência ficam achando que você quer falar sobre um
você do que Hollywood. Eu não sei se a produção de pequenos artistas influencia a grande mídia,
assunto só. Editor mais velho (50 anos) tem cabeça fechada, é difícil de propor pauta sobre sexu-
mas eu sei que a autopublicação e espaços exclusivos na internet tem crescido bastante e diminu-
alidade. Falta a naturalização, tem que entrevistar as pessoas diversas para conseguir dados de
ído a importância da grande mídia para que as pessoas se vejam representadas. Hoje, um autor
entrevista variados também. As redações tem muitos chefes homens héteros, muito fechados.
LGBT não precisa ter publicado um livro sequer por editora para se manter com literatura. Talvez
esse seja o impacto. Os espaços que criamos na ausência de voz na grande mídia tem crescido
tanto que eles não podem mais nos ignorar e acabam nos contratando para nosso público. Você ainda dá o curso sobre representatividade? Como foi essa experiência? No que você
acha que esse seu trabalho beneficiou a comunidade?

Felipe Martins: Na verdade foi mais um workshop, não dou mais.

Você podia contar pra gente um pouco do que você faz? História: Falta de diversidade nos meios de comunicação, empregados de grande maioria brancos,
de classe média. A Coca-cola divulgou seu “grupo de diversidade” e todos eram jovens brancos que
Eu escrevo sobre o tema a pelo menos uns 15 anos, me formei e terminei a graduação tem um bom
pareciam irmãos. onde estava a diversidade? Resultado que se vê na mídia nos meios de comuni-
tempo e desde então pelos veículos por onde passei tentei levar a pauta, blog, materiais artigos,
cação é de falta de diversidade dentro das empresas, elas continuam cometendo erros porque elas
forma de canalizar pelo jornal o que já fazia como contratado agora como dono do meu próprio na-
não têm diversidade dentro do seu corpo.
riz, Rio gay life como site viável financeiramente, continuando a fazer conteúdo de cidadania mas
viável comercialmente, não tinha nada no mercado, com ajuda do namorado designer. Continuando
a falar sobre cidadania. Foram experiências maravilhosas, o tempo de estudante e de professor eu vi a evolução da socie-
dade, principalmente dos jovens. Estudei na mesma faixa e a única vez que eu vi falarem sobre
homossexualidade nos 4 anos de graduação foi numa aula de técnicas de entrevista e ele levava
E qual a diferença que você percebeu de quando você faz um material contratado e indepen-
um aluno a frente para ser entrevistado por todos os alunos e um deles falou abertamente sobre
dente?
homossexualidade dele e foi uma das poucas vezes que o assunto surgiu, as pessoas não sa-
Estabilidade financeira e segurança do contratado, pra quem começa trabalho independente, você biam como abordar. Voltar ministrando uma aula sobre isso, vendo que agora ha um conhecimen-
é desconhecido, suporte do jornal pras pautas com abertura e com quem quisesse entrevistas to pleno sobre transsexualidade, interssexualidade, não bianrismo que é mais difícil de entender
(matérias de cidade, repórter para jornal, sugerir pautas) x trabalho do blog independente difícil de porque é um assunto mais novo. as pessoas estão mais por dentro do tema. o público das duas
conseguir os meios para conseguir as infos, locomoção tudo mais; é difícil de construir o trabalho faixas o público em sua maioria eram LGBTI, os alunos héteros não compareceram ao workshop,
independente, pela militância, é difícil de construir o trabalho independente, pela militância, existe é uma pena que a população hetero continua tratando o tema ainda com muito desinteresse.
uma dificuldade de se virar com os próprios recursos, dependendo de anunciantes para revista. Já

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Como você acha que faz diferença quando é uma pessoa de dentro da comunidade escre- ordene do seu preferido ao que menos gosta? Disserte.
vendo sobre esse assunto? Eu gosto muito de comédia romântica, fantasia, suspense, mas não suspense que dá susto, MUSI-
Vai existir sempre uma diferença, dependendo sempre do nível de envolvimento e de do tempo que CAL, amo musical, animação e romance. Não gosto muito de ação, não gosto muito de documen-
ele tem pra fazer a matéria. Jornalismo hoje em dia é feito rápido que nem fast food, para lançar tário, e nem dramas pesados, mas assisto de vez em quando, ficção científica não é muito a minha
matéria. Os repórteres foram vendo com o tempo que não tem mais carro de ir a campo para apurar, praia.
tendo que fazer pelo telefone, caindo a qualidade e o resultado final, e não tendo já um envolvimen-
to com o tema as chances de você errar no texto aumentam.
Como era essa preferência na infância? Que tipo de conteúdo gostava de assistir e porque?
Se mudou, me conta porque?
O que você acha de como empresas usam a imagem do LGBTQ na publicidade?
Na infância eu gostava muito de ver animação, eu via o que tava passando na Disney e no Disney
Eu acho que a publicidade segue um padrão para todas elas, que é o cis-heteronormativo. Isso vem
Jr, mas não peguei muito, e no Disney XD, eram os canais que eu mais via. Eu não via muito Ni-
ganhando discretas mudanças nos últimos anos, mas os corpos que são retratados são basicamen-
ckelodeon e nem Cartoon. Também via muito novelinha pra criança, tipo Violeta, desenho animado
te os mesmos, dos homens brancos. Ainda falta aquela palavra, que já está batida, diversidade e
e os filmes que eu tinha em casa.
pluralidade. Se teve um caso emblemático, que a diversidade foi retratada em uma propaganda do
Banco do Brasil, e que o governo atual resolveu censurar ela. É isso, ainda falta muito e o caminho
é longo. A publicidade entende que existem corpos que vendem e corpos que não vendem, então Quais seus personagens favoritos? Você se identifica, se vê representada em algum deles?
cria esse padrão vendável. Eu não tenho um personagem favorito mas normalmente eu simpatizo mais com personagens que
Ainda temos que ver os novos meios, como Instagram, que apesar de darem novas vozes e possi- têm mais camadas, aqueles que não são unidimensionais. E principalmente na mídia e tal eu gosto
bilidades de pronunciamento, a propaganda segue com maior número, você tem que influenciar. Es- muito das personagens femininas no geral, mas eu também simpatizo com muitos personagens
ses números estão nas mãos de pessoas brancas, que por terem mais facilidade de comunicação e masculinos. E eu não sou muito aquela pessoa que se apaixona do vilão da história, não sou aquela
de uma câmera mais adequada a produção de conteúdo, então continua a repetir esse ciclo vicioso. fangirl do vilão, mas eu muitas vezes gosto do antagonista, às vezes ela é mais interessante que a
protagonista, gosto de personagens secundários, não gosto muito de badboys revoltadões, gosto
de personagens que mostram as emoções.
O que te inspira a continuar fazendo esse trabalho, apesar das adversidades?
O que me inspira é uma percepção de que, sem falsa modesta, tem muitas poucas pessoas fa-
zendo realmente um trabalho de diversidade no segmento LGBT em mídia. Se você for nas O que você acha que há e que falta na representatividade no geral dos conteúdos que assis-
páginas de LGBTI em geral, vai ver um conteúdo homogêneo. A timeline do Facebook, Ins- te?
tagram, é dominada por imagem de pessoas brancas. Eu fujo dessas regras e tento fazer um Bom, sobre representatividade, nos últimos anos tem crescido muito a quantidade dos persona-
trabalho que contemple realmente a diversidade com corpos diferentes e com todas as letras gens, a representatividade no geral, tem aumentado muito o espaço pra esse tipo de debate, isso é
da nossa população. Por isso ainda acho que sou útil a fazer o meu trabalho de mídia LGBTI. algo muito bom, que eu acho muito legal, que ainda faltam em algumas séries, em alguns produtos,
que falta uma certa representatividade também, mas eu to muito feliz com como isto tem crescido,
ADOLESCENTES a quantidade de personagens mulheres, LGBT, negros.

Cecília Diniz Você produz conteúdo independente seu?


Se a pessoa já tem experiência, perguntar: Como foi?

Queria que você me contasse um pouco sobre quem é você, sua idade, se estuda alguma Sim, eu as vezes desenho um pouco, mas o que eu mais faço é escrever, eu escrevo bastante,
coisa e o que costuma fazer no seu tempo livre. e posto minhas obras no Tumblr, obras não, minhas fanfics no Tumblr e no AO3 que é o Archive
of Our Own, que é onde eu posto. Eu já fiz uma fanfic muito grande, de 20-24 capítulos no Spirit
Olá, meu nome é Cecília Diniz eu tenho 17 anos e moro com minha mãe, minha avó, minha bisa e
Fanfics e essa fanfic teve uma quantidade boa até de visualizações, não foi assim nossa como ela
minha gata. No meu tempo livre gosto de ler na internet, ficar no Youtube, jogar The Sims que eu
bombou, mas foi uma quantidade boa até, eu fiquei bem feliz, e foi uma experiência boa pra mim
gosto bastante, ficar no Twitter, escrever e desenhar.
compartilhar com outras pessoas algo que eu gosto de fazer, me fez crescer bastante.

Dentre os gêneros de entretenimento (ação, aventura, comédia, comédia romântica, docu-


mentário, drama, fantasia, ficção científica, suspense, terror, musical, animação, romance),

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Você está envolvido com a comunidade LGBTQ? Conhece, tem amigos, faz parte? informada, realmente não sabia nada.
Sim, eu estou envolvida na comunidade LGBT, eu sou bissexual, esse é o meu envolvimento. Mas
eu tenho amigos que são, eu tenho familiares que são, eu conheço bastante gente na minha escola, Como foi/está sendo seu processo de autodescobrimento?
no meu ano, principalmente pessoas bissexuais, ou homossexuais, mas eu conheço outras pesso-
Eu to gostando muito, aos quinze anos que comecei usar as redes e a ver os tópicos LGBT, que foi
as assexuais, “transsexuais”.
quando eu realmente comecei a me descobrir e entender.

Você se lembra, do primeiro, ou de um dos primeiros contatos que teve com o tema?
Em que você acha que a representatividade possa ter te ajudado?
Olha, eu não lembro da primeira vez que tive contato com esse tema porque foi uma coisa que a
A representatividade me ajudou muito por conta de uma personagem de um jogo que me ajudou a
minha discutiu muito abertamente, minha mãe comigo, então eu sempre soube da existência dessa
descobrir esse lado em mim, descobrir essa característica minha.
comunidade, mas na minha época quando eu era pequena não era algo tão debatido quanto hoje
em dia. Então por exemplo acho que os meus primos mais novos tão tendo muito mais contato com
esse tema do que eu, mesmo que a minha mãe tenha conversado comigo, o mundo tá mais maduro
pra isso agora. Pâmela Thompson

Você tem o costume de discutir pautas sobre diversidade? Feminismo? LGBTQ? Cor? Você Queria que você me contasse um pouco sobre quem é você, sua idade, se estuda alguma
acha importante que haja essa troca? coisa e o que costuma fazer no seu tempo livre.
Eu discuto muito essas pautas, principalmente com a minha mãe e minhas amigas, é onde eu mais Meu nome é Pâmela Thompson, eu tenho vinte anos, estudo letras francês na UFF e no meu tempo
converso, todos os tipos de pautas, feminismo, LGBTQ, racismo, essas coisas todas, eu discuto livre eu tenho hábito de ler, tocar violão e atualmente gravar vídeos para o meu canal, que nasceu
muito, principalmente, como eu não sou negra eu não tenho tanto lugar de fala para discutir essa a pouquinho tempo.
questão racial, mas apesar de eu ser muito mente aberta sobre isso eu não tenho a vivência de
como é. Mas sobre ser LGBTQ e ser mulher eu tenho mais propriedade pra falar e debater com as
minhas amigas. Você disse que gosta de ler, você tem alguma preferência de gênero? Se sim, teria como você
me dizer os que mais gosta e os que menos gosta, se possível explicar por que essa escolha.
Eu tenho uma preferência e gêneros sim e geralmente são contos e crônicas, porque eles costu-
Alguma vez esses temas foram abordados na sua escola, pelos seus pais ou psicólogo? mam ser mais rápidos pra ler, ou seja, eu posso pegar pra ler em qualquer momento da rotina e eu
Com que frequência? não necessariamente preciso ter uma leitura contínua, eu posso ler um conto no começo do livro,
Na escola pelos próprios alunos eles são muito abordados principalmente nas aulas as vezes um depois pular para algum do final, voltar para algum do meio, enfim. Não tem nenhum gênero que eu
professor puxa um assunto ou um aluno puxa um assunto, na minha aula de filosofia a gente discute gosto menos, na realidade eu sou bem aberta pra qualquer gênero literário, mas eu não tenho tanto
bastante sobre feminismo principalmente, na minha aula de geografia o meu professor fala muito costume de ler tanta coisa assim de terror, mas adoro suspense e às vezes fica difícil desvincular
sobre racismo, a pauta que é menos discutida sinceramente é a pauta LGBTQ, mas, infelizmente é um do outro.
a que menos se discute porque é algo que o mundo ainda não aceita tão bem, a escola meio que
não, ela sempre “apoiou” as pessoas que são LGBTQ mas ela nunca chegou a debater o assunto.
Além dos livros, você costuma consumir conteúdos audiovisuais? como desenhos, séries,
filmes, vídeos.
Você costuma discutir sobre esses tópicos na internet? Existem espaços específicos pra Sim, eu costumo consumir bastante conteúdo audiovisual, eu diria que é até minha segunda maior
isso? Com que frequência você interage? fonte de lazer além da leitura. Não assisto tanto desenho, mas série e filme assim eu consumo di-
Eu vejo muita discussão sobre isso no Twitter e eu participo, me informo, e no Tumblr e acho muito reito. Série eu costumo maratona qualquer original Netflix, os filmes que mais me interessam ou são
importante que tenha esses espaços pra se discutir, principalmente o Twitter porque é lá onde eu comédia romântica ou aquele tipo de filme que te bota pra pensar e que tem um plot twist no final, eu
tenho contato com uma das comunidades que eu menos tinha informação sobre antes de me infor- adoro um filme de suspense. Vídeo eu consumo bastante, principalmente no Youtube, como Daily
mar, que é a comunidade “transsexual”, porque eu não sou, eu sou cis e não tenho nenhuma amiga Vlogs e vídeos mais relaxantes sobre rotina, inclusive é um hábito que eu tenho antes de dormir.
que é, tirando um familiar, então, tenho muita dificuldade ainda em saber, em me informar sobre al-
guns tópicos, então não é dificuldade, mas eu to ainda me aprimorando e evoluindo, e aprendendo
mais, porque eu era muito mal informada antes, não que eu fosse preconceituosa, eu era só mal

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Quando você era mais nova, seu gosto era o mesmo de atualmente ou houve uma mudança? com muito preconceito, como algo extremamente diferente e distante, quando na realidade é bem
Se houve essa mudança, foi por algum motivo específico? parecido com a vivência de pessoas hétero, por exemplo. Esses canais me inspiraram a, de certa
Teve mudança sim, acho que principalmente por causa da maturidade. Conforme eu fui envelhe- forma, representar outras pessoas e acolher mais gente da comunidade.
cendo, eu comecei a me engajar mais com movimentos sociais, ter uma consciência social e polí-
tica mais ativa, isso fez com que eu buscasse no audiovisual algo que me representasse também. Atualmente você discute um pouco sobre a temática em seu canal, mas existe outros espa-
Quando eu era menor, eu gostava de desenhos infantis, essas coisas que não tinham tanta reflexão ços na internet que você discuta temáticas de representatividade, seja LGBTQ, feminismo,
profundas e, hoje em dia, esses filmes que quebram a cabeça me trazem uns questionamentos cor, entre outras? E você acha que essa troca de conhecimento é importante para a socie-
sobre o mundo e a sociedade de um jeito mais profundo. Eu acho que quando eu era menor eu não dade?
seria capaz de me interessar por isso.
Eu confesso que já discuti mais de outras formas, mas hj em dia tento evitar um pouco. Eu acho
que as redes sociais não são um ambiente muito saudável pra falar sobre essas temáticas, princi-
Pelo amadurecimento houve essa necessidade de achar algo que te representasse, o que palmente depois das eleições de 2018. As pessoas estão muito reativas em completos extremos,
você diz com te representar? parece que o mundo virou um interruptor que só pode assumir um lado ou outro. Então, eu particu-
Eu acho que a gente tá se descobrindo o tempo todo constantemente e quando eu tinha dezesseis larmente tento evitar, lógico que eu acho que é super importante discutir essas coisas, mas a gente
anos, quando me entendi como lésbica, precisei começar a procurar algum tipo de conteúdo que tem que entender também qual é o ambiente que a gente tá e com que tipo de pessoa a gente tá
me explicasse um pouco melhor como lidar com esses novos sentimentos que tinham aparecido, se falando, se não a gente acaba recebendo ofensas gratuitas e não conseguir nenhuma troca. Nin-
estava tudo bem ser homossexual. Quando eu digo representar, é eu poder enxergar no conteúdo guém se escuta e não vira um diálogo, vira uma troca de ofensas, então eu estou evitando.
audiovisual outras pessoas que são como eu sou, entender que elas levam uma vida normal e que Só complementando que, nesse momento específico que tá o cenário político, além da sociedade
a gente passa por alguns tipos de dificuldades, mas não é o fim do mundo. É importante a gente en- do brasil em um modo geral, eu acho que a gente tem que discutir com quem está disposto a ouvir.
trar em contato com alguém que já tenha passado pelas mesmas dificuldades que a gente passou Não é que você precise se isentar de dar uma opinião em uma rede social, mas saber que é melhor
em algum momento da vida e saber que aquilo vai ser só um momento ruim que um dia vai acabar. dar sua opinião em um espaço seguro, ao invés de falar com qualquer pessoa que você não co-
Então, essa questão da representatividade surgiu pra mim nesse aspecto, o amadurecimento me nheça e que você não saiba como pode reagir. Eu costumo fazer mais com grupos de amigos, com
trouxe por uma necessidade de sobrevivência quase, parece intenso falar isso mas foi como eu pessoas que eu conheça e que sei qual é o posicionamento. Por um lado, isso é ficar na própria
me senti, eu precisava achar em vídeos, em filmes, em livros, pessoas que falassem sobre minha bolha, mas ao mesmo tempo é o lugar onde eu me sinto segura.
realidade também.

Você me disse que sua busca começou aos 16 anos, mas antes disso, temáticas de represen-
E achar esse tipo de conteúdo foi algo tranquilo ou houve alguma dificuldade em achá-lo? tatividades foram expostas para você na escola e/ou dentro de casa?
E como foi seu primeiro contato com o conteúdo apresentado, que tipo de experiência foi? Não, antes eu não tinha tido acesso e ninguém tinha me apresentado uma temática parecida. Pre-
Principalmente no ano de 2016, foi um ano que misturou muito esse tipo de conteúdo. Então eu, cisou ser uma busca pessoal minha.
particularmente, não senti tanta dificuldade de achar. O primeiro vídeo que abriu portas assim, para
eu encontrar outros conteúdos, foi o da Loui Ponto falando sobre uma pegadinha que estavam fa-
Você se sente confortável dizendo quais foram as causas para essa procura? Algum proble-
zendo na época de contar para a mãe que era lésbica. Ela problematizou isso, claro, realmente é
ma, série, livro...
uma questão super discutível e até desnecessária de fazer. Esse foi o primeiro canal que começou
a me mostrar uma realidade mais próxima da minha. Daí por diante, eu comecei a descobrir outros Bom, eu comecei a procurar porque eu queria entender o que eu faria depois que eu me entendesse
canais de maneira mais natural, não lembro exatamente como foi, mas tem muito isso de ter convi- como lésbica. Eu queria saber como tinha sido o processo de outras pessoas para contar para a
dado dentro de um canal, acho que um foi levando ao outro e agora eu sigo um monte. família, se foi algo natural, como as pessoas reagiram. Lógico que cada um vai reagir de uma for-
ma diferente, mas eu queria ter pelo menos uma noção de como falar e isso me ajudou bastante a
me aceitar, digo, eu mesma. É um processo quando você se entende LGBTQ e você precisa lidar
Você acha que o contato com esses canais te influenciaram a criar o seu? Ou teve algum com isso; primeiro com você mesmo e depois falar com os outros se você quiser. Então eu busquei
motivo diferente? conteúdos com esse intuito.
Influenciaram quase que diretamente. Eu sigo um canal da Mari Morena e ela tem dois objetivos de
conteúdo: um é fazer vídeo explicando tratamentos capilar, enfim, e o outro foco dela é justamen-
Em que você acha que a representatividade possa ter te ajudado?
te mostrar a rotina com a namorada. Isso é incrível, é super relaxante e meio que naturaliza essa
questão da homossexualidade que já é uma coisa natural mas que algumas pessoas ainda veem A representatividade me ajudou com certeza a fazer com que eu não me sentisse só, eu acho que esse

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é o grande poder na realidade, das lutas sociais, da representatividade de qualquer minoria. Por mais Você está envolvido com a comunidade LGBTQ? Conhece, tem amigos, faz parte?
que o nome já diga que você é uma minoria, não quer dizer que você é fraco. A representatividade foi Estou sim! Eu sou bi! Tenho igualmente amigos bi, gays e trans!
fundamental para que eu pudesse encontrar outras pessoas que tinham a mesma vida que a minha,
os mesmos sentimentos, os mesmo conflitos e, principalmente, para que eu me sentisse amparada.
Você se lembra, do primeiro, ou de um dos primeiros contatos que teve com o tema?

Cinthia Recruz Me lembro a primeira vez que ouvi sobre isso: foi com algumas amigas comentando sobre gostarem
de outras meninas e até então eu nunca havia tido nenhum contato, seja por mídia ou qualquer
coisa. Minha reação na época foi de achar que elas eram muito novas para terem certeza sobre a
Queria que você me contasse um pouco sobre quem é você, sua idade, se estuda alguma
sexualidade delas.
coisa e o que costuma fazer no seu tempo livre.
Eu me chamo Cinthia, tenho vinte anos de idade.Atualmente, moro com minha mãe, meu padrasto
Alguma vez esses temas foram abordados na sua escola, pelos seus pais ou psicólogo?
e meu irmão mais novo; estava tentando sair de casa esse ano mas, por conta da pandemia, os pla-
Com que frequência?
nos não deram certo. Eu gosto bastante de desenhar e jogar joguinhos bobos de celular, atualmente
ando jogando bastante RPG com alguns amigos meus pelo Discord. Nunca comentaram sobre, comigo! Eu basicamente “descobri sozinha”.

Dentre os gêneros de entretenimento (ação, aventura, comédia, comédia romântica, docu- Como foi seu processo de autodescobrimento?
mentário, drama, fantasia, ficção científica, suspense, terror, musical, animação, romance), Muita negação e choro! Eu lembro quando tinha quatorze anos, de sentir coisas que eram mais que
ordene do seu preferido ao que menos gosta? Disserte. amizade por uma amiga próxima e negar totalmente até não aguentar mais e esses sentimentos ex-
Animação, musical, romance, comédia romântica, comédia, documentário, aventura, fantasia, dra- plodirem. A Confissão veio como uma explosão no peito mas de certa forma foi um alívio! Esconder
ma, suspense, terror, ação e ficção científica. quem você é, sobre não saber ao certo como as pessoas ao seu redor vão agir, é uma das piores
coisas que se pode passar. Depois que eu admiti como realmente me sentia, as coisas melhoraram.

Como era essa preferência na infância? Que tipo de conteúdo gostava de assistir e por que?
Você acha que a representatividade possa ter te ajudado ou não foi algo que teve acesso?
Se mudou, me conta por que?
Não tive acesso algum sobre isso! Na verdade, acho que só comecei a ver esse tipo de coisa nos
Basicamente só animação; eu dificilmente me interessava por programas que tivessem pessoas re-
últimos anos!
ais. Documentário sempre me interessou também como criança, porque eles são bem informativos
e eu gostava muito de aprender. Hoje em dia, eu não me interesso muito por documentários mas
ainda assim gosto, só é mais difícil de sentar pra ver já que a maioria são bem longos. Já o amor por Carolina de Assis
animação ainda continua o mesmo e qualquer filme nesse estilo vai chamar minha atenção.
Queria que você me contasse um pouco sobre quem é você, sua idade, se estuda alguma
Quais seus personagens favoritos? Você se identifica, se vê representada em algum deles? coisa e o que costuma fazer no seu tempo livre.
Eu gosto muito da Rose de Steven universo, é uma personagem que a galera não gosta muito e Eu tenho vinte anos e faço faculdade design. Gosto de desenhar, fazer Custom Dolls e basicamente
eu acabei simpatizando porque me identifiquei. Para mim pareceu que toda a história dela foi con- pinto coisas; gosto de customizar tudo pela frente. Eu não moro sozinha, moro com minha mãe e
tada pela visão de outras pessoas e a gente nunca ouviu de verdade o lado dela da história. Eu mais duas pessoas
sempre tento ver todos os lados possíveis das situações, por quê alguém age daquele jeito, o que
fez ela fazer tal coisa, então para mim, personagens nesse estilo acabam sendo meus favoritos! Que tipo de entretenimento você consome? Qual seus favoritos?
Eu costumo ver muito Youtube, ele está sempre ligado. Vejo muito vídeo de customização, game-
Você acha que há falta da representatividade no geral dos conteúdos que assiste?
plays e críticas de algumas séries que assisto. Eu acho muito legal quem faz crítica construtiva, que
Eu acho que a representatividade vem crescendo bastante nos últimos anos mas, na minha opinião,
realmente faz sentido.
é preciso saber como representar, tem que saber como falar do assunto e em certos casos é melhor
não incluir do que representar de forma errada. Então pra mim não falta muita representatividade,
mas sim falta representatividade certa! Dentre os gêneros de entretenimento (ação, aventura, comédia, comédia romântica, docu-
mentário, drama, fantasia, ficção científica, suspense, terror, musical, animação, romance),
ordene do seu preferido ao que menos gosta? Disserte.

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Animação, comédia romântica, musical, fantasia, documentário, aventura, ficção científica, comé- Você se lembra do primeiro, ou de um dos primeiros contatos que teve com o tema?
dia, suspense e terror por último. Romance depende muito. Se for romance colegial clichê, bem Pessoalmente eu não lembro, mas sei que comecei a aprofundar por conta desse meu amigo. Eu
Disney Channel, está junto com comédia. Romance com muito +18 está no final, junto com terror. vi mais coisas e com tempo eu fui percebendo que existiam pessoas que não estavam nesse este-
Eu gosto muito de histórias com gêneros misturados, que tem um pouco de cada coisa. Sobre ter- reótipo da comunidade. As comunidades de cosplay e de desenho também me ajudaram muito a
ror e suspense, amo saber as histórias por trás porque são sempre muito bem construídas, só não conhecer e entender um pouco mais.
consigo assistir e vivenciar pessoalmente. De jogos, eu gosto muito de simulação, com histórias que
são quase um filme e quebra cabeças tipo escape.
Você costuma discutir pautas de minoria e diversidade? Acha que é importante?
Sim, acho importante, principalmente para mostrar esse lado. É muito legal quando os dois lados
Como era essa preferência na infância? Que tipo de conteúdo gostava de assistir e por que?
tão abertos e dispostos a conversar. Eu pessoalmente não saio tomando frente nestes movimentos,
Se mudou, me conta por que?
eu não gosto, mas acho interessante consumir.
Não mudou muito, eu continuo gostando mais ou menos dos mesmos estilos e até reassisto
os que já assisti. Eu assistia muito filme educativo, veja; sou filha de educadora então ela colo-
Alguma vez esses temas foram abordados na sua escola, pelos seus pais ou psicólogo?
cava para eu assistir no meu tempo livre. Vários foram documentários que continuo gostando.
Com que frequência?

Quais seus personagens favoritos? Você se identifica, se vê representada em algum deles? Em escola e em casa foi “zero”, mas em psicólogo já. Não foi uma experiência boa, já que eu
sou diagnosticada com ansiedade e TDA e ela cismava muito com os motivos de eu não na-
A Rapunzel do Enrolados! Me identifico na questão de insegurança e do medo de como é “lá fora”
morar ninguém e porquê não tinha amigos. Eu falava muito desse meu amigo e ela insistia
mas mesmo assim tendo a vontade de descobrir tudo. Também gosto do Adrien, do Miraculous La-
que eu estava apaixonada por ele. No caso da época, ele não tinha se aberto como trans, en-
dyBug: ele é bem complexo por conta do passado dele e pelas emoções intensas, gosto muito dele.
tão ficou falando que eu gostava de uma garota. Pra mim é muito confuso, eu não sabia que
Deku de Boku no Hero é incrível por querer salvar todo mundo, se importantando com os outros mesmo
era assexual e ela me perturbava todas as sessões por uma resposta. Isso a levou a comen-
que ele se machuque. Ele realmente quer ser um herói completo e acho isso muito legal. Basicamen-
tar sobre pacientes dentro do espectro LGBT e comecei a me sentir mal até sair da psicóloga.
te, gosto de personagens tímidos que começam a quebrar essa barreira, já que me identifico muito.
Por um lado foi até bom: eu comecei a pensar “se eu gostasse de garota, seria tão ruim assim?”.

Você acha que há falta da representatividade no geral dos conteúdos que assiste?
Você acha que a representatividade possa ter te ajudado ou não foi algo que teve acesso?
Sim, uma coisa que acho muito engraçada é que eu não sou minoria e mesmo assim não me sentia
Sim, “cara”, principalmente porque eu não sabia que a assexualidade existia. Descobri por conta
encaixada. Nunca tinha personagem “padrãozão” brasileiro. Eu sinto muita falta de representação,
de tirinhas e por conta do Tiktok. Existem pessoas como eu e está tudo bem, não preciso de uma
principalmente quando só percebo ser forçada. Tem hora que eles querem representar alguma coi-
atração romântica sendo adulta e vejo como isso é normal.
sa e não sabem como, os personagens só servem para estar lá como se fosse cota. Falta persona-
gem bem construído e com representatividade. Eu sei o quanto faz falta porque já fui extremamente
homofóbica, na intensidade de reproduzir que gay é pecado e vai pro inferno. Eu tinha essa cabeça, Ivan Luiz Pimentel
quando era criança, e na adolescência eu falava que “gosto de gay, mas não precisa ser legalizado.
Não tenta falar que é normal, isso é escolha sua”. Dá pra ver como faz falta quando eles tratam Queria que você me contasse um pouco sobre quem é você, sua idade, se estuda alguma
essas pessoas como se fossem “um E.T.”. Uma das minha séries favoritas, o Príncipe e o Dragão, coisa e o que costuma fazer no seu tempo livre.
tem sido minha preferência justamente por isso, eles tratam de forma normal. A representatividade Eu moro com os meus pais, estudo design de mídia digital na PUC-RJ. Minha rotina se baseia em
é boa quando ela é tratada como qualquer outra coisa; ressaltar sem “furdúncio” porque quem é fazer trabalho e, nos poucos horários livres, eu desenho vendo animações.
preconceituoso só vai ter mais motivo para criticar. De jeito natural, fica mais fácil das pessoas en-
tenderem: “Olha não é grande coisa”.
Dentre os gêneros de entretenimento (ação, aventura, comédia, comédia romântica, docu-
mentário, drama, fantasia, ficção científica, suspense, terror, musical, animação, romance),
Você está envolvido com a comunidade LGBTQ? Conhece, tem amigos, faz parte? ordene do seu preferido ao que menos gosta? Disserte.
Eu sou assexual mas ainda estou me descobrindo. Me considero mas não entro de cabeça na co- Animação é meu gênero favorito, sempre tive essa queda. As possibilidades de história são infinitas.
munidade, sigo muitas pessoas no Tiktok. Meu melhor amigo é trans e minha prima é lésbica, o que De resto ação, aventura e comédia, filmes de heróis; eu adoro. Documentários e ficção: depende,
me ajudou muito no processo de normalizar. se me prender eu gosto, mas caso ao contrário, não tenho interesse. De resto, eu não sei, nunca me
chamaram muita atenção. Geralmente tem um ou outro como “IT” e “Corra” que eu curto também

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Como era essa preferência na infância? Que tipo de conteúdo gostava de assistir e por quê? se é certo ou errado. Quando a opinião desrespeita a existência de alguém, deixa de ser opinião.
Se mudou, me conta os motivos?
Gostaria de dizer que mudou mas, não. Ainda é na maioria animação. Alguma vez esses temas foram abordados na sua escola, pelos seus pais ou psicólogo?
Com que frequência?

Quais seus personagens favoritos? Você se identifica, se vê representada em algum deles? Na realidade, são assuntos que entraram em discussão recentemente, mas a princípio eu não sei
Personagens favoritos eu tenho bastante, geralmente é por conta de como o personagem é es- falar sobre especifico, já falei um pouco nas outras perguntas.
crito. Como não existe tanta representação em personagem que tem protagonismo, são mais
de fundo, é difícil dizer… Um exemplo muito bom é Steven Universe, porque mesmo sendo para Como foi seu processo de autodescobrimento?
criança, eles pegam esse fator da não-binariedade e colocam de maneira não polêmica, bem Na realidade eu tive dois, o primeiro sobre ser bi e foi bem tranquilo, já estava dentro da nor-
normal. Gostaria que mais disso fosse implementado em programas, principalmente infantis. malidade do assunto. Não tem muito tempo que eu estava me questionando de gênero, foi
Acho que de favoritos com representação, seriam as gems desse desenho em geral. uma montanha-russa, já que não-binário agênero é difícil. Não em questão de me aceitar, mas
medo de me invalidar. Até hoje não deixo claro para as pessoas com medo de ser julgado.
Você produz conteúdo independente? Já teve alguma experiência com representatividade,
como tentou abordar? Você acha que a representatividade possa ter te ajudado no autodescobrimento?
Eu sou co-criador de uma história em quadrinho 100% independente. O protagonista é um
personagem gay, mas o jeito que tentamos abordar esse assunto é simplesmente não fa- Com certeza, sem sombra de dúvida. Se não existisse em mídia, eu teria entrado em conflito. Nem
zendo um “big deal” disso. É extremamente importante terem uma identificação, mas tam- imagino como seria sem.
bém acho que, às vezes, é um pouco repetitivo toda história que aborda personagens LGB-
TQ só pelo fato de serem LGBTQ. Sempre são eles enfrentando problemas por serem gay,
Você acha que o machismo e movimentos de Alt right tem a ver com LGBTQ?
o que eu acho bom, mas não tem que ser sempre isso. Uma forma muito boa de normalizar é
ele ser gay, ela ser lésbica, ser transexual por simplesmente ser, e não ter um motivo narrati- Eu acho que a questão do machismo é muito prejudicial a liberdade do mundo LGBT, principal-
vo de ele ser assim, igual na realidade. Tento botar isso muito nos meus projetos de quadrinho. mente quanto a homens afeminados... pessoas de masculinidade tóxica não costumam aceitar
esse “mundo gay” em geral e isso, infelizmente, pode resultar na agressão física às pessoas LGBT.
Você está envolvido com a comunidade LGBTQ? Conhece, tem amigos, faz parte? Os movimentos Alt-right não prejudicam apenas o LGBT, mas tudo o que é considerado “minoria”
socialmente. (Por mais que eu não me sinta bem com esse termo, mas enfim). Porém, não dá pra
A princípio sim. Hoje em dia é difícil dizer quais amigos são hétero-cis a esse ponto, ninguém quer se en-
negar o fato de que movimentos alt-right são contra a liberdade de pessoas fora do padrão, seja por
volver muito na comunidade por própria invalidação, como acontece com os bissexuais. A comunidade é
orientação sexual, gênero, cor da pele e etc... então impacta diretamente.
acolhedora, mas como tudo, tem suas partes ruins que não devemos passar pano, não vou me aprofundar.

Você se lembra, do primeiro, ou de um dos primeiros contatos que teve com o tema? Marianna Bilotta
No lugar onde eu fui criado, em Magé, as pessoas não aceitavam muito essas coisas. Vendo tan-
to ódio, eu normalizei esse preconceito. Ao passar do tempo, apesar disso, eu vi que não era Queria que você me contasse um pouco sobre quem é você, sua idade, se estuda alguma
assim: foi no ensino fundamental que eu tive essa busca por me autoconhecer fazendo que eu coisa e o que costuma fazer no seu tempo livre.
descobrisse a bissexualidade. Não teria acontecido se eu não compreendesse que é algo normal.
Meu nome é Marianna Bilotta, moro com meus pais e minha irmã mais velha, estudo no colégio
Assim, o primeiro contato do assunto para a criança não pode ser de ódio, já que pode causar
PH, na filial de Botafogo. No meu tempo livre costumo desenhar, cantar, pintar quadros e pesquisar
um sentimento de confusão e vergonha… espero que eu esteja conseguindo me expressar bem.
sobre universidades fora do país, além de me encontrar com minha namorada.
O problema é essa criança, ao se descobrir, não conseguir se aceitar.

Dentre os gêneros de entretenimento (ação, aventura, comédia, comédia romântica, docu-


Você costuma discutir pautas de minoria e diversidade? Acha que é importante?
mentário, drama, fantasia, ficção científica, suspense, terror, musical, animação, romance),
Na realidade, esses debates têm que ser debatidos por quem entende do assunto, além de eu não ordene do seu preferido ao que menos gosta? Disserte.
achar que deva ser debatida no geral. É um absurdo o tema ser, por exemplo, racismo. “Vamos
Dentre os meus gêneros de entretenimento favoritos estão musical, animação e comédia romântica,
debater o racismo, porquê? Qual o sentido?” Você só está abrindo espaço para os racistas darem
que apresenta para bem ou para mal uma história que você já sabe o que vai acontecer, sempre é
opinião, isso não é válido. Outra situação é ter um foco específico dentro do tema, não questão
um homem e uma mulher que se apaixonam de repente,acontece algo que separa eles e no final

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eles acabam voltando. A animação sempre tem uma coisa nova, que cria enredos e problemas dife- Essa exposição me fez pensar sobre a possibilidade de gostar de garotas.
renciados como por exemplo Monstros SA. Musicais me atraem por sempre estar ligada a música,
acaba que musicais como Noviça Rebelde Hairspray abordam situações históricas que também me Alguma vez esses temas foram abordados na sua escola, pelos seus pais ou psicólogo?
interessam. Com que frequência?
Meu grupo de amigos tem costume de falar sobre feminismo, comunidade LGBTQ. As duas escolas
Como era essa preferência na infância? Que tipo de conteúdo gostava de assistir e por que? que frequentei faziam debates sobre isso, além de rodas próprias dos alunos. Houve até um caso
Se mudou, me conta por que? em que uma professora cometeu transfobia e os próprios alunos levaram como problema para a
Minha preferência na infância já eram animações e musicais por motivos diferentes. Tudo era muito direção. Em casa quando eu era pequena, antes de me descobrir, não falávamos desse assunto,
cativante, mesmo que você não entendesse a história, mas os elementos te fazem se conectar com meus pais sempre tentaram evitar. Eu me identifiquei com minhas amigas e levei essa pauta para
a obra. dentro de casa, tudo estourou quando levei minha namorada pra casa.
Não costumo discutir esse tópico na internet. Acabo falando algumas coisas nas minhas redes so-
Quais seus personagens favoritos? Você se identifica, se vê representada em algum deles? ciais mas não saio tanto dos grupos de feminismo on-line da escola.
Meus personagens favoritos são de Gravity Falls, incluindo Bill Cipher, o vilão que consegue ser
astuto e carismático para manipular os outros. Meus outros personagens favoritos são de Steven, Como foi seu processo de autodescobrimento?
incluindo a Garnet como um ícone LGBTQ, vendo que foi um marco a Cartoon deixar passar esse Meu processo de descobrimento teve altos e baixos. Você nunca sabe qual vai ser a reação das
tipo de coisa (como aconteceu também com o beijo da princesa Jujuba e Marceline de Hora de pessoas a sua volta, as vezes você acaba assustando alguém. Quando fui contar para meu melhor
Aventura), a Garnet foi uma obra de arte expressando o amor entre mulheres e como o amor con- amigo sobre isso, ele falou “não esperava que você fosse assim”, com o tempo ele foi se acostu-
segue superar tudo, o que me inspira e me representa. mando com a ideia. Em casa tive brigas com a minha mãe, várias discussões quando ela tentava
me manipular para parar de namorar a Clara. Agora tudo está mais fácil, um ano depois.
Você produz conteúdo independente? Já teve alguma experiência com representatividade,
como tentou abordar? Você acha que a representatividade possa ter te ajudado ou não foi algo que teve acesso?
Sim, produzo conteúdo independente. Desde pequena sempre fui muito ligada ao desenho e manei- A representatividade ajuda as pessoas principalmente na autoestima. Por exemplo, antes de lança-
ras de me expressar, aprendi tudo com minha irmã e meu primo. Esse conteúdo progrediu comigo, ram a Barbie diversidades, as pessoas ainda tinham uma visão muito forte da garota perfeita alta,
refletindo o que eu sentia no momento. Além disso também faço textos: poemas falando sobre di- magra, loira, curvilínea. Elas queriam se espelhar naquilo, mesmo que não se identificassem. A
versos assuntos, tanto de ódio e raiva quanto amor. representatividade te dá opção de ficar bem consigo mesmo e isso acaba trazendo melhor sua acei-
tação; antes disso você se sente anormal, um monstro. Isso acaba também ajudando na sociedade
em si, que ainda é muito fechada e muitas vezes deixa grupos separamos de LGBTQ, héteros, em
Você acha que há falta da representatividade no geral dos conteúdos que assiste?
que LGBTQs são errados. A representatividade te faz sentir mais incluído.
Acho que falta representatividade nas obras live action. Muitas vezes o programa em si, seja lá o
que for, só da representatividade pro que é o óbvio: comédias, romance, drama; acabam sempre
usando os mesmos artifícios de enredo. Animações também mostram esse problema pelo público
que acha que crianças e famílias não devam ver essa representatividade LGBTQ, sem falar da cul-
tura trans, que acho que até agora não vi nenhum exemplo.

Você está envolvido com a comunidade LGBTQ? Conhece, tem amigos, faz parte?
Sim, estou envolvida com a comunidade. Tenho uma namorada gênero fluido, o que eu também
sou; tenho amigos homossexuais e a maioria das minhas amigas são bissexuais ou lésbicas; tam-
bém tenho dois amigos trans, então a comunidade está muito presente na minha vida.

Você se lembra, do primeiro, ou de um dos primeiros contatos que teve com o tema?
Um dos meus primeiros contatos com o tema deve ter sido com Steven Universe ou com as me-
ninas da minha sala no sétimo ano, quando eu também fiquei com uma menina pela primeira vez.

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6.2. QUESTIONÁRIO Figura 9 - Briefing

6.3. IMAGENS

Figura 8 - Mapa de Stakeholders

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