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INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

INTRODUÇÃO
À CIÊNCIA
POLÍTICA

SUMÁRIO 1
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

LISTA DE FIGURAS

> FIGURA 1 - Parthenon 10


> FIGURA 2 - Acrópoles 11
> FIGURA 3 - Sistemas políticos 19
> FIGURA 4 - Processo eleitoral 23
> FIGURA 5 - Filósofos 28
> FIGURA 6 - Platão 30
> FIGURA 7 - Aristóteles 31
> FIGURA 8 - Cícero 33
> FIGURA 9 - Atenas (Grécia) 36
> FIGURA 10 - Coliseu, Roma (Itália) 37
> FIGURA 11 - Bandeira comunista 43
> FIGURA 12 - Vladimir Lênin 55
> FIGURA 13 - Esplanada dos Ministérios – Brasília/DF 59
> FIGURA 14 - Parlamento britânico 59
> FIGURA 15 - Grupos de pressão: partido político 60
> FIGURA 16 - Bússola 68
> FIGURA 17 - Nicolau Maquiavel 88
> FIGURA 18 - Dominação, política, burocracia 90
> FIGURA 19 - Estátua de Juan Domingo Perón 92
> FIGURA 20 - Urna eletrônica 105
> FIGURA 21 - Ideologia 107
> FIGURA 22 - Ideologia na visão materialista (dominação) 110
> FIGURA 23 - Igualdade jurídica (visão liberal) 113
> FIGURA 24 - conceito de igualdade (visão materialista) 116

2 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

SUMÁRIO

UNIDADE 1 1 O QUE É POLÍTICA? 9


1.1 CONCEITUANDO O TERMO POLÍTICA 9
1.1.1 SURGIMENTO DA POLÍTICA 11
1.2 O OBJETO DE ESTUDO DA CIÊNCIA POLÍTICA 16
1.3 A TEORIA POLÍTICA 17
1.4 O FUNCIONAMENTO DOS SISTEMAS POLÍTICOS 19
1.4.1 GOVERNO TOTALITÁRIO 20
1.5 DEMOCRACIA 21
1.6 A AUTOCRACIA 22
1.6.1 CONCEPÇÃO DE POLÍTICA NA ATUALIDADE 23

CONCLUSÃO 25

UNIDADE 2 2 POLÍTICA E TEORIA POLÍTICA: DO PASSADO AO PRESENTE 27


2.1 SURGIMENTO DA POLÍTICA 27
2.1.1 SOFISTAS 28
2.1.2 PLATÃO 30
2.1.3 ARISTÓTELES 31
2.1.4 MARCO TÚLIO CÍCERO 33
2.2 A POLÍTICA NA ANTIGUIDADE ORIENTAL E CLÁSSICA 34
2.2.1 EGITO 35
2.2.2 GRÉCIA 36
2.2.3 ROMA 37
2.3 O GOVERNO MONÁRQUICO NA IDADE MÉDIA 38
2.3.1 MONARQUIA ABSOLUTISTA 40
2.3.2 MONARQUIA PARLAMENTAR 41
2.4 SISTEMAS POLÍTICOS ECONÔMICOS 42
2.4.1 CAPITALISMO 43
2.4.2 SOCIALISMO/COMUNISMO 43

CONCLUSÃO 46

SUMÁRIO 3
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

SUMÁRIO

UNIDADE 3 3 OS OBJETOS DA CIÊNCIA POLÍTICA 48


3.1 DA FILOSOFIA À CIÊNCIA POLÍTICA 48
3.2 PRINCIPAIS TEMAS ABORDADOS 50
3.2.1 O ESTADO 50
3.2.2 O PODER 51
3.2.3 SISTEMAS POLÍTICOS 52
3.3 ABORDAGENS METODOLÓGICAS 52
3.3.1 ABORDAGEM PLURALISTA 53
3.3.2 ABORDAGEM MARXISTA 54
3.3.3 PERSPECTIVA MICROPOLÍTICA 57
3.4 PROCESSOS POLÍTICOS 58

CONCLUSÃO 61

UNIDADE 4 4 ESTADO MODERNO 63


4.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NOÇÃO DE ESTADO 63
4.2 FENÔMENOS SOCIAIS, POLÍTICOS E ECONÔMICOS DE FORMAÇÃO DOS
ESTADOS MODERNOS 65
4.2.1 ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL 66
4.2.2 GRANDES NAVEGAÇÕES 67
4.2.3 REFORMAS RELIGIOSAS 69
4.3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E FILOSÓFICOS DOS ESTADOS MODERNOS
71
4.3.1 JUSNATURALISMO: MODELO CONTRATUALISTA 72
4.3.1.1 O ESTADO DE NATUREZA 73
4.3.2 CONTRATO SOCIAL 74
4.3.3 ESTADO CIVIL 75
4.4 ESTADOS MODERNOS 76
4.4.1 MONARQUIA ABSOLUTISTA 80

CONCLUSÃO 82

4 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

SUMÁRIO

UNIDADE 5 5 O PODER POLÍTICO 84


5.1 O PODER POLÍTICO 84
5.1.1 O QUE É PODER? 85
5.1.2 TIPOS DE PODER 86
5.1.3 PRINCIPAIS FONTES DE PODER 87
5.2 O PODER POLÍTICO NA CONCEPÇÃO DE MAQUIAVEL 88
5.3 A DOMINAÇÃO POLÍTICA 90
5.4 O PODER E AS ELITES 92

CONCLUSÃO 95

UNIDADE 6 6 CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA POLÍTICA 97


6.1 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA 97
6.1.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS 99
6.1.2 PRINCÍPIOS TEÓRICOS 99
6.1.3 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NA ATUALIDADE 101
6.1.3.1 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL 101
6.1.3.2 A CRISE DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA 102
6.2 DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO 103
6.2.1 DEMOCRACIA NA ANTIGUIDADE 103
6.2.1.1 CRÍTICAS AO MODELO DEMOCRÁTICO 104
6.2.2 DEMOCRACIA NA ATUALIDADE 105
6.3 IDEOLOGIA 106
6.3.1 ORIGENS DO TERMO 107
6.3.2 DIFERENTES CONCEPÇÕES DE IDEOLOGIA 108
6.3.2.1 CONCEPÇÃO POSITIVISTA 108
6.3.2.2 CONCEPÇÃO MATERIALISTA 109
6.3.3 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO 110
6.4 IGUALDADE E LIBERDADE 112
6.4.1 LIBERDADE E IGUALDADE NO PENSAMENTO LIBERAL 112
6.4.2 LIBERDADE E IGUALDADE NA PERSPECTIVA MATERIALISTA 115

CONCLUSÃO 117

SUMÁRIO 5
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

SUMÁRIO

GLOSSÁRIO 118

REFERÊNCIAS 119

6 SUMÁRIO
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ICONOGRAFIA

ATENÇÃO ATIVIDADES DE
APRENDIZAGEM
PARA SABER

SAIBA MAIS
ONDE PESQUISAR CURIOSIDADES
LEITURA COMPLEMENTAR
DICAS

GLOSSÁRIO QUESTÕES

MÍDIAS
ÁUDIOS
INTEGRADAS

ANOTAÇÕES CITAÇÕES

EXEMPLOS DOWNLOADS

SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

UNIDADE 1
OBJETIVO
Ao final desta unidade, esperamos
que possa:

> Demonstrar o histórico do campo da Ciência


Política.

> Esclarecer o objeto de estudo da Ciência Política.

> Analisar a concepção política na atualidade.

> Discutir os sistemas políticos na atualidade.

8 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

1 O QUE É POLÍTICA?
A questão política tem se tornado um tema cada vez mais presente na vida dos brasi-
leiros. Contudo, muitas vezes, ainda é analisado sob uma ótica que não condiz com
a concepção acadêmica e filosófica em torno do tema. Esta unidade tem o objetivo
de apresentar uma breve contextualização histórica e subsidiar análises científicas
sobre o termo política, além de analisá-la sob uma ótica filosófica no passado e no
presente.

1.1 CONCEITUANDO O TERMO POLÍTICA

Todos nós, em algum momento da vida, já praticamos e nos perguntamos o que


é política e o que ela interfere nas nossas vidas. Essas indagações nos ajudam a
compreender a organização de poder e sua relação com a sociedade em que vivemos.
A política está em tudo a nossa volta, faz parte do nosso dia a dia e pode ser consta-
tada em diferentes relações sociais. O objetivo desta unidade é elucidar esse tema,
que está em alta até mesmo nas redes sociais.

Em nossa sociedade, é muito comum que as pessoas associem política apenas aos
partidos políticos, mas essa compreensão reduz a grandiosidade desse campo do
saber. A política se relaciona não apenas aos partidos políticos, mas a todas as rela-
ções sociais. A política é um dos objetos de estudo das ciências sociais e a conceitua-
ção elucidada por Dias (2013) nos ajuda a compreender que:

A ciência política é uma ciência social que estuda o exercício, a distribuição e


a organização do poder na sociedade. Como ciência social, procura estudar
os fatos políticos, que envolvem tanto acontecimentos e processos políticos,
como o comportamento político que se expressa concretamente na intera-
ção social. Dentre outros temas, descreve, por exemplo, os processos eleito-
rais, a resposta da população às decisões políticas tomadas pelas autoridades,
a constituição e a dinâmica dos partidos políticos e dos grupos de pressão, os
impactos das mudanças políticas e suas consequências, a organização das
diferentes formas de governo, as funções exercidas pelas autoridades no in-
terior do Estado, o processo político da tomada de decisões que afetam a
sociedade global, as diferentes relações de poder entre indivíduos diversos,
a ação dos grupos de influência, a evolução do pensamento político. (DIAS,
2013, p. 01).

SUMÁRIO 9
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

A partir das reflexões de Dias (2013), é possível inferir a complexidade e grandiosi-


dade que envolve a questão política, pois ela está muito além da mera associação
aos partidos políticos. Um breve passeio pela história permite compreender esse
complexo conceito, pois foi na antiguidade grega que filósofos e estudiosos desen-
volveram esse campo de pensamento e reflexão.

Dizer especificamente onde surgiu a política não é uma tarefa fácil ou possível, pois
pode-se notar que as relações políticas se estabeleceram há muitos séculos, embo-
ra nem sempre cunhou-se esse termo para dizer sobre relações ou mesmo foram
propostas abordagens teóricas para explicar esse fenômeno.

Os estudiosos compreendem que, para existir relação política, é preciso que tenha-
mos, no mínimo, duas pessoas. Contudo, eles são divergentes ao apontar o que seria
essa política, pois, enquanto para alguns a relação entre duas ou mais pessoas já
pode ser considerada uma relação política, para outros, é preciso mais que isso.

Esse desacordo se dá pelo próprio conceito. Sendo a política uma das nossas diver-
sas atividades humanas, duas pessoas já seriam suficientes para exercê-la. Mas se
formos analisar a política a partir de um contexto histórico e científico, podemos
dizer que tal como a conhecemos na atualidade, ela teve suas origens na antiguida-
de, mais precisamente na Grécia Antiga.

FIGURA 1 - PARTHENON

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

10 SUMÁRIO
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1.1.1 SURGIMENTO DA POLÍTICA

O termo política está relacionado à palavra polis, que significa “cidade” na Grécia
antiga. Contudo, sua simbologia não se restringe à palavra cidade, também está
associada à coisa pública. Assim, podemos dizer que a política surge na Grécia, assim
como a filosofia e a ciência. Isso não significa, porém, que não houvesse ciência, filo-
sofia ou política antes dos gregos, significa que esses foram os primeiros povos a
conceituar essas terminologias.

FIGURA 2 - ACRÓPOLES

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

É interessante destacar que alguns estudiosos compreendem que, tendo em vista


que o conceito de política está associado a governar e exercer poder, ele não teria
sido empreendido em outras épocas, em virtude da monarquia que prevalecia como
um poder central e, muitas vezes, o rei era considerado um próprio enviado de Deus
para governar os povos, não sendo, por isso, exercido o diálogo, que é uma das ações
fundamentais para a política.

SUMÁRIO 11
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

O desenvolvimento da filosofia e da ciência levou ao surgimento da política na medi-


da em que já não era mais possível governar um povo apenas utilizando justificati-
vas de cunho religioso ou baseado em mitos de criação. Era preciso construir refle-
xões mais embasadas que justificassem e permitissem a criação e organização dos
governos, dando início a uma nova concepção em torno da divisão do poder.

Aristóteles, ao escrever a obra Política, fomentou esse debate, que permanece


presente até os dias atuais, como um espaço de compreensão das relações de poder.
Dias (2013) destaca que:

Aristóteles considerava o homem um zoon politikón (animal político), defi-


nindo-o assim: só “porque o homem vive na polis – e porque a polis vive nele
– que o homem se realiza como tal”. Ao utilizar “animal político” para definir
o homem, Aristóteles exprimia a concepção grega da vida. “Uma concepção
segundo a qual a polis era a unidade constitutiva indecomponível e a dimen-
são suprema da existência. No viver ‘político’ e na ‘politicidade’ os gregos
viam não uma parte, ou aspecto, da vida, mas seu todo, sua essência.” Por
outro lado, “o homem ‘não político’ era um ser deficiente, um ídion, um ser
carente (significado original do nosso termo ‘idiota’), cuja insuficiência con-
sistia justamente em ter perdido (ou em não haver adquirido) a dimensão e a
plenitude da simbiose com sua polis” (DIAS, 2013, p. 2).

Na concepção de Aristóteles, a política está diretamente relacionada ao poder.


Assim, fazer política é uma forma de exercitar o poder a partir da arte de governar.
Essa ação requer um equilíbrio entre as demandas e os interesses da sociedade, não
apenas em uma esfera coletiva, mas também individual.

Aristóteles foi um filósofo grego de grande destaque. Ele viveu entre os anos
384 a.C. e 322 a.C. e formou-se na Academia de Platão, renomado filósofo.
Além da filosofia, Aristóteles também se dedicou ao estudo da física, meta-
fisica, da moral, da ética, entre outros. Seus estudos tornaram-se um marco
e influenciaram diferentes gerações de pensadores.

Aristóteles acreditava que o Estado deveria ser uma associação de homens iguais
visando ao bem-estar comum. Esse bem-estar comum seria tudo aquilo que

12 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

garantisse a sobrevivência na vida cotidiana dos cidadãos, desde que um não inter-
visse na sobrevivência do outro. A garantia dos direitos de cada cidadão seria prote-
gida na forma da lei. Assim, nenhum cidadão teria mais ou menos direito que o
outro, ou se beneficiaria de alguma forma em relação ao outro.

É interessante destacar que, na Grécia, o conceito de cidadania não era como o


conhecemos hoje. Na atualidade, todas as pessoas são consideradas cidadãs de
direitos e deveres e, por isso, estão protegidas por uma série de leis que visam garan-
tir a integridade e a dignidade do cidadão. A Grécia antiga, por sua vez, não consi-
derava toda a sua população como cidadã. Mulheres, escravizados e estrangeiros
não eram reconhecidos como tal. Essa definição de cidadania estava presente até
mesmo na cidade de Atenas, que exigia um modelo político parecido com o que
definimos como democracia na atualidade.

Aristóteles, como já citado, compreende o homem como um animal político que,


para se realizar como um sujeito de direitos, precisa estar inserido em uma socieda-
de, pois é na vida em sociedade que ele tem a oportunidade de crescer e se aprimo-
rar como um sujeito político. Assim, a política seria algo natural na vida de todos os
homens. É importante ressaltar, aqui, que essa ideia se referia apenas aos homens,
tendo em vista que as mulheres não eram consideradas cidadãs de direito.

Na concepção desse filósofo, a política e o poder se completam na arte de governar,


sendo que, para Aristóteles, ele poderia ser desenvolvido de distintas maneiras: na
monarquia, como o governo de somente um; pela aristocracia, na qual o governo é
exercido por uma coletividade influente; ou através da politeia, que seria uma forma de
república com o intuito de atender aos interesses e demandas da maioria dos cidadãos.

Iniciamos nossa abordagem citando a concepção política de Aristóteles na antiguida-


de grega, porém, ele não foi o único pensador que se realçou no estudo desse campo
do pensamento. Maquiavel, por exemplo, constrói outras reflexões sobre o papel do
governador em uma sociedade e como ele deve lidar com a questão do poder.

Na obra de Maquiavel, intitulada O Príncipe, o autor atesta que a engrenagem da


política é a luta pela conquista e pela continuidade do poder, apresentando novas
reflexões sobre o papel e a autoridade do governante em uma sociedade. Nessa
obra, é possível, ainda, compreender algumas técnicas consideradas essenciais para
o bom governo, conforme destaca Dias (2013):

SUMÁRIO 13
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Com O Príncipe, deixa-se de pensar o político a partir desse horizonte me-


tafisico, moral ou teológico, partindo-se do pressuposto de que possui certa
autonomia e cujo eixo são as relações de poder e sua conservação; a política
passa a ser entendida como um conjunto de técnicas, táticas e estratégias
em função do poder. Desse modo se inicia o realismo político, premissa para
a construção da ciência política. (DIAS, 2013, p. 3).

A obra de Maquiavel é fundamental para que possamos refletir como a questão do


poder modifica-se ao longo do tempo nas sociedades. Enquanto Aristóteles defendia
um governo que deveria ser eleito para representar os interesses do povo, Maquia-
vel dizia sobre a importância desse representante agir com autoridade e ser temido
pela população, para seu poder ser validado e aceito pela sociedade.

Nicolau Maquiavel nasceu e viveu na Itália entre 1469 e 1527. Foi filóso-
fo, poeta, historiador, diplomata e músico. No campo da ciência, dedicou-
-se à compreensão do que seria a política, o Estado e como os homens se
comportavam diante dessas instituições. Para compreender um pouco
sobre as formas de pensar desse estudioso, recomendamos a leitura da obra
O Príncipe, na qual ele expõe, de forma didática e ampla, sua compreensão
sobre o poder e como ele deve ser exercido nas sociedades.

Além de Maquiavel e Aristóteles, é interessante citar outro grande pensador de desta-


que, que teve o intuito de compreender as relações entre Estado, poder e sociedade:
Karl Marx. Para esse filósofo, a questão econômica deve ser analisada em conjunto
com as relações sociais, pois ele destaca como essa questão gera a divisão da socie-
dade em classes distintas. Dias (2013), ao refletir sobre o pensamento de Karl Marx,
destaca que:

Outra importante contribuição à teoria política veio de Karl Marx (1818-1883),


cujas ideias influenciaram decisivamente o século XX. A principal contribui-
ção de Marx é a sua visão materialista da história, que dá primazia ao econô-
mico na explicação das mudanças que ocorrem em outras esferas, como a
da cultura e a da política. Para Marx, a análise política é superficial se não vem
acompanhada de uma abordagem sobre os determinantes histórico-econô-
micos, pois qualquer sistema de produção que ocorreu no passado apresenta
relações sociais de produção específicas e determinada distribuição do pro-
duto econômico, e isto tende a explicar as mudanças que possam ocorrer
tanto na política como na cultura. (DIAS, 2013, p. 3).

14 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Ao compreender que política e questão econômica devem ser estudadas em conjun-


to, Karl Marx propôs uma reflexão em torno do materialismo histórico e deu início a
uma das correntes de pensamento mais completa e respeitada até os dias atuais.

Marx tem muitos admiradores, mas também tem muitos críticos. No entanto, o que
ambos admitem é que suas reflexões foram complexas e grandiosas, permitindo
uma compreensão não apenas das relações sociais apresentadas no passado, mas
também daquelas que vivenciamos no presente. O que faz com que uns odeiem e
outros amem Marx não é sua teoria propriamente, mas os caminhos indicados por
ele para a construção de um novo modelo de sociedade.

Karl Marx nasceu na Alemanha, em 1818, e faleceu em Londres no ano de


1883. Foi um importante filósofo e sociólogo, além de dedicar-se à luta revo-
lucionária. Desenvolveu teorias sobre as questões econômicas e sociais.
A principal obra de Marx é O Capital, cujo primeiro volume data de 1867.
Um estudo grandioso e complexo. Para compreender as formas de refle-
xão desse importante pensador, indicamos a obra O Manifesto do Partido
Comunista, escrito em coautoria com Friedrich Engels e publicado, à época,
como um panfleto em nome da causa operária. Devido a sua característica
de falar com multidões, a obra apresenta um texto de leitura fácil e dá subsí-
dios para quem tem interesse de conhecer um pouco mais sobre o trabalho
desse importante pensador.

A partir desse breve histórico sobre importantes teóricos que se dedicaram a estu-
dar e a refletir sobre a questão da política e do poder nas sociedades, temos a opor-
tunidade de perceber diferentes campos de investigação nessa área. Enquanto para
Maquiavel o governante deveria ser soberano e elaborar com astúcia estratégias
para estabelecer o seu poder, Marx compreende que a questão econômica é de
extrema importância e deve estar presente nessa análise em torno do campo polí-
tico, para que possamos compreender verdadeiramente as relações estabelecidas
nas sociedades.

SUMÁRIO 15
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

1.2 O OBJETO DE ESTUDO DA CIÊNCIA POLÍTICA

A Ciência Política surgiu somente no século XIX como campo de estudo e, a partir
desse período, cresceu consideravelmente e chegou ao século XXI como um impor-
tante campo de investigação científica. Com base nessa área do conhecimento,
temos a oportunidade de explorar um pouco mais sobre a sociedade em que vive-
mos e as relações sociais.

A Antropologia e a História também se consolidaram como campo de estu-


dos científicos no século XIX. Isso não significa, contudo, que antes dessa
teorização não havia História ou Antropologia, significa que foi nesse sécu-
lo que se pôde consolidar um trabalho já realizado em outros períodos da
História; e se conseguiu construir as bases necessárias para a promoção do
estudo científico. Heroto, por exemplo, é considerado o primeiro historiador,
sendo que viveu na Grécia antiga, berço da política e filosofia.

A Ciência Política tem como propósito estudar os acontecimentos que se relacionam


à organização e à estrutura dos diferentes sistemas políticos e suas formas de exer-
cício do poder. Suas investigações baseiam-se em estudos científicos que buscam
construir argumentos sólidos e precisos.

Essa área pode ser vista como uma disciplina que busca compreender os diferentes
fenômenos ligados aos sistemas políticos, investigando suas estruturas e construin-
do reflexões sobre a sociedade em que vivemos. Para isso, estuda os sistemas de
governo, os comportamentos que as pessoas têm diante das estruturas de poder e
todas as formas de relação social.

Contudo, definir o que é Ciência Política não é uma tarefa tão simples. Nem
mesmo os estudiosos têm uma única definição para esse campo do saber. Dias
(2013) revela que:

16 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Conforme Duverger, há diferentes concepções sobre o objeto de estudo da


ciência política. Entre as grandes posições-limite há alguns que defendem
que a ciência política é a “ciência do poder”, enquanto para outros é a “ciência
do Estado”, havendo diversas posições intermediarias. O que há de comum
entre todas as definições de ciência política é a concordância de que o estudo
do poder é a questão central da disciplina. (DIAS, 2013, p. 8).

A partir desses apontamentos, podemos inferir que o campo de estudo da Ciência


Política tem o poder como tema central de análise. Mesmo apresentando divergên-
cias no que seria esse campo de estudo, os profissionais concordam que a questão
do poder é fundamental.

É interessante destacar que a questão do poder não deve ser associada apenas aos
estudos, pois o poder está em diferentes estruturas da sociedade. É preciso olhar
para a Ciência Política como um campo que investiga a manifestação do poder nas
diferentes relações sociais, e não apenas nas relações estabelecidas entre cidadãos e
Estado, conforme destaca Dias (2013):

De qualquer modo, como vimos, a ciência política como ciência do poder é


mais abrangente que considerá-la como ciência do Estado, e, nesse sentido,
hoje predomina o entendimento de que é o poder seu objeto central de es-
tudo. E, nesse sentido, engloba o estudo do Estado como importante mani-
festação do poder político. (DIAS, 2013, p. 12).

Assim, a partir dessa breve análise, podemos concluir que existem muitas divergên-
cias no que tange à definição do que seriam os objetos de estudo da Ciência Políti-
ca. Contudo, mesmo em meio a essas divergências, podemos afirmar que o poder
aparece sempre presente nessas análises.

1.3 A TEORIA POLÍTICA

Por meio da viagem que fizemos à Antiguidade, agora poderemos fazer uma análi-
se sobre como a política dos dias atuais se aplica em nossa sociedade moderna.
Existem diversos pensadores que buscam explicar isso, entre eles, podemos citar:
Augusto Comte, Thomas Hobbes, John Locke, Maquiavel, Karl Marx, Emanuel Kant,
Max Weber e muitos outros. O fato é que são muitas as maneiras de se pensar a polí-
tica e várias formas de aplicá-las, tudo vai depender da sociedade que a engloba.

SUMÁRIO 17
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Essa discussão e essa busca constante por uma política que atenda aos interesses
de determinada sociedade já duram mais de dois mil anos e isso só nos mostra que
vamos continuar a ter mais discussões acerca do tema, pois a política é o reflexo da
sociedade: inquieta e mutável.

O que devemos levar em consideração ao estudar a política e seus teóricos é que


sempre podemos nos apegar a ideias e modelos políticos, mas a teoria tem que
dialogar com o nosso presente e com a sociedade a qual pertencemos.

A filosofia política moderna é uma reunião de diversos teóricos que, ao longo desses
mais de dois mil anos, estudaram e tentaram compreender quais as formas de apli-
cá-la na sociedade. Assim, a maneira de governar está em constante reorganização,
pois, assim como a sociedade, está sempre em busca de novos interesses. É impor-
tante levarmos em conta que o objetivo dessas incessantes ponderações referentes
à efetividade da política tenta estabelecer um vínculo entre os interesses dos gover-
nantes e os anseios do povo.

Os teóricos da filosofia política tentam esclarecer a conveniência em se ter o poder


do Estado como um regulador das necessidades da sociedade. Existem muitas dúvi-
das ainda hoje sobre qual é o papel do Estado na vida das pessoas e qual é a atribui-
ção de suas ações na vida de cada indivíduo. Cada movimento social busca aplicar
o limite e o poder do Estado de acordo com suas posições ideológicas. Nem sempre
uma sociedade tem seus anseios alcançados, pois, para isso, existem diversos fatores
que devem ser levados em consideração, principalmente se os governantes estão
engajados em atender a esses anseios.

Um governo deve se preocupar com o bem-estar da maioria, procurando atender


aos interesses também da minoria, para que todos possam conviver de maneira
harmônica e tolerante.

18 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

1.4 O FUNCIONAMENTO DOS SISTEMAS


POLÍTICOS

FIGURA 3 - SISTEMAS POLÍTICOS

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

O Estado necessita de meios para exercer o poder. Para tanto, ele dispõe de siste-
mas políticos, que são as formas de se governar, nas quais estão inseridas as regras
de cada sistema de governo. Assim, o Estado busca uma organização e legitimidade
diante da sociedade e, se existe uma determinada diretriz de organização estatal,
as autoridades políticas podem exercer a força física e exigir obediência com base
nessas diretrizes. Com isso, o sistema político dita suas regras e tem o sistema econô-
mico a seu favor, por exemplo, as organizações legislativas e as judiciárias. Assim,
vamos discorrer sobre as diferentes especificações de como funciona cada forma de
governo, para melhor entendimento da temática.

SUMÁRIO 19
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

1.4.1 GOVERNO TOTALITÁRIO

Os governos totalitários são definidos pela concentração do poder na figura do


governante, no qual tem sempre um líder que é colocado na condição de salvador
da pátria, pai da nação. Temos em nossa história episódios recentes de governos
que fizeram uso desse sistema. No início do século XX, sistemas de governos como
o populismo, o fascismo e o nazismo possuíam essas características em relação aos
seus líderes, além de forte censura e repressão ao seu corpo social.

Uma característica do sistema político totalitário é que o Estado, sob o comando de


um salvador da pátria, um único indivíduo, ultrapassa seus limites em relação ao
bem comum, ao convívio em sociedade e se sobrepõe na vida particular de cada
indivíduo. Assim, o Estado regula a vida social de cada pessoa, inclusive praticando a
força quando é contestado.

O totalitarismo é estabelecido pelo acompanhamento do autoritarismo. Os cidadãos


expostos a esse sistema não têm participação efetiva nas políticas sociais do Estado
e normalmente não se identificam com a ideologia de seus líderes, mas são forçados
a acreditar que essa figura do líder os levará a alcançar o bem-estar social devido ao
aparato que o cerca. Nesse aparato estatal, está incluído o uso de propagandas de
massa, as quais são difundidas pelos meios de comunicação, que são controlados
pelo Estado.

Ao longo da história, tivemos exemplos de regimes totalitários de direita e de esquer-


da. Poderemos analisar suas diferentes características. Os regimes totalitários de
direita têm o apoio da burguesia e se baseiam no capitalismo. Além disso, têm um
forte discurso moral, envolvendo, muitas vezes, a religião e a cultura da sociedade. Já
nos regimes totalitários de esquerda, temos a abolição da propriedade privada em
prol do coletivo, nacionalização dos meios de produção industrial e agrícola, distan-
ciamento da religião da esfera política, tendo como base ideológica o socialismo.

Nas duas vertentes de totalitarismo, podemos perceber características comuns: adora-


ção ao líder; partido de massa e opressão aos opositores; monopólio do poder; intensa
repressão a políticos divergentes; patriotismo; intensa presença de propaganda estatal;
antidemocrático; militarismo; mandato do líder por tempo indeterminado; controle dos
meios de comunicação; disseminação do medo na sociedade, entre outros.

20 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Adolf Hitler foi o ditador responsável pela implementação do Nazismo na


Alemanha. Ele nasceu em 1889, na Áustria. Chegou ao poder por meios
democráticos, mas, ao assumir a liderança da Alemanha, tornou-se o dita-
dor do país e levou o mundo à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Vale
lembrar que o Nazismo foi responsável pelo assassinato de aproximada-
mente 6 milhões de indivíduos, principalmente judeus. Os nazistas se inti-
tulavam como a terceira saída, sendo críticos ao marxismo da esquerda,
mas também não concordavam com todas as práticas da direita. Na prática,
reproduziu o que havia de pior nos dois lados e ainda conseguiu fazer um
regime mais cruel, caraterizado, pelos alemães, como um regime de extre-
ma-direita.

1.5 DEMOCRACIA

A palavra democracia é de origem grega, e tem como significado “poder que vem
do povo”. Um lugar democrático é aquele que escuta e dá autonomia para que
as pessoas decidam as ações dos governantes e seu futuro político. Existem duas
maneiras de operação desse regime político: democracia direta ou representativa.

[...] por democracia entende-se uma das várias formas de governo, em par-
ticular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos,
mais de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo às formas
autocráticas, como a monarquia e oligarquia. (BOBBIO, 2000, p. 7).

Na Democracia Direta, cada cidadão tem voz ativa na participação da vida pública,
sem a necessidade de quem os represente. Com o passar do tempo, foi aumen-
tando o crescimento populacional e foi ficando cada vez mais inviável praticar esse
tipo de democracia, que foi dar lugar para a Democracia Representativa, na qual,
como o próprio nome já sugere, o cidadão elege mediante o voto, uma voz para
representá-lo.

SUMÁRIO 21
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

A Democracia tem como base três aspectos importantes:

• Estado de direito: existência de leis que garantam uma convivência recíproca


e cortês à sociedade e ao Estado. Ou seja, o cidadão possui direitos e deveres
diante da sociedade.

• Participação política: os cidadãos são os responsáveis por decidirem o futuro


de sua nação mediante a representatividade do voto. Não somente nas elei-
ções, mas exercem a cidadania por meio de referendos, plebiscitos e manifes-
tações públicas.

• Divisão do poder político: Existência dos três poderes (Executivo, Legislativo


e Judiciário) e que sejam independentes entre si. Dessa maneira, não há a
centralização do poder nas mãos de um único governante.

1.6 A AUTOCRACIA

Esse sistema de governo é parecido com o totalitarismo, pois o poder é exercido por
um único governante, um único detentor do poder, porém não há uma ideologia
específica. Autocracia possui origem grega e tem como significado “governar por
si próprio”, ou seja, os anseios da sociedade não dizem nada para seu líder, que está
preocupado somente com as suas convicções.

Nessa figura do líder, está concentrada toda a administração estatal, e ele detém
todo o controle das estruturas governamentais; sua jurisdição é livre para tomar
todas as medidas.

Como vimos, a democracia e o totalitarismo, em seus princípios, são antagônicos:


enquanto o sistema totalitário baseia-se em uma política de exclusão das minorias,
na democracia, o Estado procura atender à maioria e dar suporte para os anseios da
minoria, visando igualar a todos.

No Brasil, temos arraigado em nossa estrutura política feridas intensas vindas de


governos marcados pelo autoritarismo. Isso faz com que nossa democracia ainda
esteja tímida e caminhando lentamente para que possamos alcançar o bem-estar
social para a maioria dos brasileiros.

22 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Contudo, concluímos que, mesmo tendo violações em nossa frágil democracia,


temos ainda um longo caminho a percorrer com a conscientização das pessoas e
com a educação para que a sociedade possa ter de fato uma democracia justa e
isenta; e seus três poderes, independentes.

1.6.1 CONCEPÇÃO DE POLÍTICA NA ATUALIDADE

FIGURA 4 - PROCESSO ELEITORAL

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Nossa atualidade está cada vez mais marcada pelo descaso ou pela polarização
política por grande parte da nossa sociedade, como também por uma parcela dos
próprios políticos. Existe um grande descontentamento em relação à política no
nosso país, pois ela é meticulosamente assombrada com as atitudes dos políticos,
especialmente dos ruins.

Porém, o homem é um indivíduo essencialmente político. Em todas as nossas ativi-


dades cotidianas, exercemos a política. Nossas ações cotidianas são determinadas
por decisões ideológicas. Nessa perspectiva, quando optamos pela omissão, estamos
dando ao outro a oportunidade de escolher para nós, ou seja, é abrir mão da nossa

SUMÁRIO 23
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

representatividade e do nosso papel de cidadão. Em nossa vida cotidiana, somos


seres políticos atuantes, pois nos relacionamos com os familiares, com os amigos,
com os colegas de trabalho, enfim, integramo-nos à sociedade e ao Estado. E, como
indivíduos pertencentes a um Estado, temos direitos e deveres perante a sociedade.

Dessa forma, não podemos relegar a política simplesmente como ato de ir às urnas,
pois ela é exercida no nosso dia a dia. Fazemos política quando escolhemos deter-
minado produto no supermercado, devido ao preço ou à qualidade; quando saímos
com os amigos e damos nossa opinião sobre um assunto; ou mesmo quando esta-
mos discutindo sobre futebol. A política está presente em todos os aspectos do nosso
cotidiano.

Na atualidade, temos visto cada vez mais grupos tentando se apropriar daquilo que
lhes faz falta em relação à omissão do Estado. Para exemplificar, podemos apontar
o movimento negro, que ficou relegado pelo poder público em distinção de outro
grupo étnico, europeu e elitizado. Temos também o movimento feminista, que luta
contra o machismo arraigado em nossa sociedade, que trata a mulher com discrimi-
nação e violência. E, ainda, a luta do movimento LGBT por dignidade, respeito e direi-
tos. Para finalizar, podemos citar a luta de milhões de trabalhadores rurais sem-terra
em um país em que o agronegócio mata, explora e desmata.

Enfim, temos muitos exemplos de lutas por representatividade de minorias. Nossas


ações e omissões perante essas demandas do Estado nos fazem refletir e nos posi-
cionar sobre nossa visão política diante da sociedade e da vida. Tudo que diz respeito
ao bem comum e à coletividade dizem respeito à política.

24 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

CONCLUSÃO
Nesta unidade, tivemos a oportunidade de visitar o passado e perceber como a polí-
tica se faz presente em nossa história e em nosso cotidiano. Vimos que, desde a
Grécia Antiga, já tentávamos ajustar um modelo político para as nossas necessida-
des, mas percebemos também que não é tão fácil assim, pois cada sociedade tem
suas peculiaridades e é difícil um sistema que agrade a toda uma sociedade. Percor-
remos por teóricos da Teoria Política, como Aristóteles, Maquiavel, Karl Marx, e anali-
samos a maneira de se pensar a política por eles. Estudamos, ainda, os diferentes
modelos políticos experimentados por nossa sociedade ao longo da nossa História.

Analisamos os pilares dos Governos Totalitários, da Democracia e da Autocracia, e


pudemos perceber que nossa sociedade precisa encontrar uma forma democrática
de governo, no qual as minorias também façam parte da agenda dos governantes e
que realmente se busque uma sociedade mais justa, tolerante com as diferenças e
igualitária para todos os cidadãos, independentemente de partidos políticos.

SUMÁRIO 25
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

UNIDADE 2
OBJETIVO
Ao final desta unidade, esperamos
que possa:

> Promover um breve histórico da questão política ao


longo do tempo.

> Identificar o surgimento da política na antiguidade.

> Provar as características políticas do passado e do


presente.

26 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

2 POLÍTICA E TEORIA
POLÍTICA: DO PASSADO AO
PRESENTE
No Brasil, o termo política sempre aparece associado a governo ou a partidos políti-
cos; no entanto, esse termo é muito mais amplo. Nesta unidade, será proposto um
breve passeio pela história da humanidade, investigando o conceito de política ao
longo dos tempos com o intuito de apresentar como cada sociedade, em seu tempo,
tratou dessa questão e construiu sua história de poder e as relações entre as pessoas
em sociedade.

2.1 SURGIMENTO DA POLÍTICA

O conceito de política é muito extenso. Pode-se dizer que a política, como conhece-
mos na atualidade, teve suas origens na Antiguidade, mais precisamente na Grécia
Antiga.

Diversos estudiosos tentaram explicar tal conceito a partir de diferentes pontos de


vista. Algumas correntes filosóficas, como a dos sofistas, e teóricos como Platão, Aris-
tóteles e Cícero analisaram a política a partir de um contexto histórico e científico.

Para compreender melhor esse cenário, serão abordados a seguir importantes movi-
mentos e filósofos que contribuíram para a conceituação do termo política como
conhecemos na atualidade.

SUMÁRIO 27
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

2.1.1 SOFISTAS

FIGURA 5 - FILÓSOFOS

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Na Grécia Antiga, havia uma liberdade que permitia que intelectuais pudessem
se organizar e promover reflexões. Tais reflexões, por sinal, deram origem à filoso-
fia. Contudo, é interessante destacar que não existiu um único movimento filosó-
fico, mas, sim, várias correntes de pensamento apresentando ideias e teorias diver-
sas para explicar o mundo, a sociedade, os fenômenos da natureza, enfim, todos os
aspectos da vida social.

É certo que algumas ideias filosóficas tinham mais abrangência que outras. Também
podemos dizer que algumas nem ao menos chegaram a ser divulgadas e que havia
uma disputa entre as correntes de pensamento. É necessário que todo esse emara-
nhado de relações seja observado para ser possível compreender a grandiosidade
do pensamento grego.

28 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Na Grécia Antiga, havia uma diversidade de pensamentos que deu origem a diferen-
tes linhas de reflexão filosófica. Dentre elas, vamos destacar os sofistas, que, segun-
do Dias (2013):

(...) caracterizavam, mais do que por terem ideias comuns, por uma identida-
de de pontos de vista e pelo emprego do mesmo método. Os mais notáveis
dentre eles foram Protágoras, Górgias e Prodico. Eles rechaçavam a ideia de
uma verdade universal e os princípios abstratos da justiça. Acreditavam que
“o homem é a medida de todas as coisas”, e que cada indivíduo pode definir
e estabelecer, de acordo com as suas crenças e desejos, o que é direito. Ao
negar a existência de normas fixas, que regem a conduta humana, atacavam,
por sua vez, os princípios racionais da natureza, que constituíam a base da
moral e da filosofia gregas (DIAS, 2013, p. 20).

O termo sofista faz referência à palavra sabedoria. Percebe-se, nesse período, que
os sofistas gregos começaram a se organizar em posições políticas predefinidas e
passaram a tratar a temática da política como uma arte, uma especialização para
os cidadãos que quisessem se destacar no mundo político e alcançar o poder. Era
como uma escola, na qual os estudantes, vindos de famílias abastadas de toda a
Grécia, pagavam para serem introduzidos no mundo político e aprendiam com seus
tutores a arte da oratória, da filosofia, da retórica, bem como ciências e uma série de
áreas de estudo para que ampliassem seus conhecimentos acerca do Universo.

Para eles, o homem precisava da intervenção do Estado por meio de sua força, para
controlar os cidadãos, pois acreditavam que o homem era naturalmente mal e que
as desigualdades sociais o levavam para a desobediência civil. Defendiam ainda que
um governo era constituído da união dos fracos para defenderem-se dos mais pode-
rosos ou, então a união, dos fortes para dominar os cidadãos mais fracos.

SUMÁRIO 29
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

2.1.2 PLATÃO

FIGURA 6 - PLATÃO

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Esse grande filósofo grego foi um dos pioneiros a dar corpo e forma para a concep-
ção de política. Discípulo de Sócrates, Platão tinha uma visão de que o Estado deve-
ria ser justo e agir de forma abstrata na vida de seus cidadãos, tornando a individua-
lidade harmoniosa para todos, diferentemente dos sofistas, que acreditavam que o
Estado deveria interferir na vida dos cidadãos, nem que para isso fosse preciso o uso
da força.

Platão, ao longo da sua vida, se aprofundou no tema da política e escreveu diversas


obras para explicar sua concepção de como ela deveria agir na vida das pessoas. Uma
das obras que mais teve destaque foi A República, na qual Dias (2013) destaca que:

A origem do Estado se encontra na diversidade dos desejos e necessidades


humanas e na cooperação necessária para satisfazer a estes fins. Através de
uma analogia ética e fisiológica entre a natureza humana e a estrutura do
Estado, baseada na separação de três capacidades distintas: razão, valor e de-
sejo, chega à conclusão de que o Estado se desenvolve através de três classes
importantes: agricultores, que satisfazem às necessidades materiais da vida
humana; guerreiros, que protegem os trabalhadores e garantem a seguran-
ça territorial do Estado, e magistrados, que regem a comunidade para que
se realize o bem-estar geral. Cada indivíduo tem sua posição em uma classe
determinada do Estado, segundo suas aptidões (DIAS, 2013, p. 21).

30 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

O principal objeto de estudo de Platão eram os governantes; por isso, ele não dava
muito destaque aos cidadãos comuns e seus ofícios, preocupando-se em explorar o
perfil dos aristocráticos, considerados o governo dos sábios, o modelo ideal de Estado.

Ele defende que os governantes possuam virtudes, tais como sabedoria, coragem,
temperança e justiça, e que a educação tenha papel fundamental para que se
tornem guardiões e filósofos para que executem bem a sua função.

Como tema central de sua obra, propunha a discussão em torno do conceito de justi-
ça e de sociedade ideal e explorava as diferentes formas de governo. Platão também
discutia os tipos de governo e seus modelos – monárquico, democrático, aristocrá-
tico, tirânico, timocracia (que é uma espécie de falsa aristocracia, que pode incluir
outros setores da sociedade, como o militar, por exemplo) e oligarquia (o governo
dos ricos). Platão defendia ainda que a tirania era a pior forma de governo.

Por fim, notamos que o objeto de estudo de Platão não era só a política e seus
formatos, mas também a ética, a cidadania e a educação principalmente, pois
somente por meio de orientação e conhecimento é possível a construção de uma
sociedade com homens de bem, capazes de zelar uns pelos outros e com grande
senso de justiça.

2.1.3 ARISTÓTELES

FIGURA 7 - ARISTÓTELES

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

SUMÁRIO 31
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Discípulo de Platão, Aristóteles tem uma visão bem diferente de seu mestre em
alguns pontos. Para ele, adepto da prática e da lógica, o sistema político deve ser
independente das outras disciplinas, inclusive da ética.

Ele defende a ideia de que cada governo se adapte ao seu povo, que não existe um
modelo único de governo que se adéque a todos e que cada sociedade, alimentada
por seus anseios, deve se basear em um sistema político que busque o bem-estar
social para seus cidadãos. Para ele, essa é a tarefa máxima da política.

Aristóteles parte do princípio de que todo homem é um ser político e que existe
naturalmente para a vida em comunidade. A consequência disso é que também
somos criados para atuar politicamente, ou seja, para participar sempre da vida uns
dos outros, seja na família, na escola, em nossa comunidade, em nossa cidade ou no
nosso país; em suma, em qualquer lugar ao qual pertencemos e/ou atuamos como
sujeitos políticos. Segundo Dias (2013):

Aristóteles encontra a origem do Estado nos esforços do homem para satisfa-


zer seus desejos e necessidades individuais. A sociedade entre o homem e a
mulher para a perpetuação da espécie, do amo e do escravo para a produção
de alimentos, dá nascimento à família ou comunidade doméstica. Enquan-
to os homens se contentavam em levar uma existência pobre, satisfazendo
suas necessidades mais elementares, não se tornou necessário uma socie-
dade política. Mas quando desejaram uma vida melhor, foi necessário reunir
aquelas comunidades domésticas em uma entidade superior, com extensão
adequada, a cidade-estado, a polis (DIAS, 2013, p. 24).

Na opinião de Aristóteles, quando nos distanciamos da vida em sociedade, torna-


mo-nos uma besta, pois, para ele, a vida, de fato, só tem algum sentido se for em
comunidade.

Em sua obra, ele distanciará o Estado do governo. Para ele, o Estado é o corpo da
sociedade; nele, reúnem-se as leis e as questões ligadas ao convívio comum de todas
as pessoas. Já o governo está relacionado aos governantes, aos que exercem o poder
perante os cidadãos.

Enfim, o filósofo defende o direito à propriedade privada e à existência da escravidão.


Sua observação acerca da sociedade está condicionada ao tempo em que viveu e
estudou. Vale lembrar que Aristóteles foi o preceptor de Alexandre, o Grande; dessa
forma, podemos perceber sua influência e prestígio.

32 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

2.1.4 MARCO TÚLIO CÍCERO

FIGURA 8 - CÍCERO

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Mais conhecido como Cícero, foi um filósofo e estudioso dos pensadores gregos.
Viveu na Grécia por um período, no qual ficou fluente na língua, o que possibilitou o
estudo das obras dos grandes pensadores gregos. Quando Cícero retornou a Roma,
ingressou na vida pública.

Até então, Cícero era conhecido como grande linguista, tradutor e filósofo, e tinha
algum prestígio e respeito por ser um bem-sucedido advogado. Porém, queria
ingressar na política e, assim, participou de grandes eventos da história política de
Roma, como as guerras civis, que abriram caminho para o Império. Foi um grande
defensor da República e escreveu duas obras principais no campo político: Das Leis
e Da República. Nessas obras, Cícero classifica sistema político assim como Aristó-
teles, que o divide em aristocracia, monarquia e democracia. Segundo Dias (2013):

SUMÁRIO 33
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

De acordo com ele, o Estado é a consequência natural dos institutos sociais


do homem. Vê no Estado uma instituição política distinta da sociedade em
geral; pois destaca igualmente uma separação entre o Estado e o governo,
reservando a autoridade política suprema ao povo, entendido como um todo,
e considerando o governo como um agente de sua vontade. Define a repúbli-
ca como a reunião dos homens “que tem seu fundamento no consentimen-
to jurídico e na atualidade comum”. Considera que os homens se reúnem
devido a seu “instinto de sociabilidade e para a vida errante, mas com uma
disposição que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o
apoio comum” (DIAS, 2013, p. 27).

Cícero defende que a sociedade deve se manter fiel à lei natural, ou seja, não se deve
tomar nenhuma ação contra as leis da natureza. Sua filosofia política vai de encon-
tro com as ideias de Platão, que se utiliza da justiça para dar legitimidade ao Estado.
Dessa maneira, ele define as ideias para encontrar uma base de apoio à fundação do
Império, compreendendo a existência do poder que Roma possui. Sua obra, em um
primeiro momento, não causa muito impacto nas estruturas políticas de Roma, pois
esta cidade passava por uma turbulenta transição política.

Sua obra e seu pensamento ficaram enraizados nos juristas posteriores a ele e nos
primeiros escritores cristãos, pois ele deixou como legado a importância da socieda-
de em se apoiar com confiança em um Estado de Direito baseado em uma lei geral
que seja comum a todos os cidadãos e que sejam respeitadas as liberdades indivi-
duais de cada um.

As obras de Cícero mantiveram, durante grande parte do Período Medieval, uma


ideia oculta de liberdade, tornando-o um dos precursores dos ideais liberais. Vamos
fazer uma pequena viagem ao mundo antigo para conhecer melhor suas estruturas
políticas e saber como essas sociedades tão distintas umas das outras estabeleciam
suas leis e como era a forma de governo de cada uma.

2.2 A POLÍTICA NA ANTIGUIDADE ORIENTAL E


CLÁSSICA

A primeira concepção do termo política como conhecemos foi pensada na Grécia


Antiga, mas não eram somente os gregos que se preocupavam com essa temáti-
ca. Os egípcios e os romanos, povos muito avançados culturalmente, também se
ocuparam em encontrar uma forma de governo compatível com sua cultura e seus
costumes.

34 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Veremos a seguir como essas localidades concebiam a ideia de política e como seus
sistemas políticos foram se modificando ao longo de suas histórias.

2.2.1 EGITO

Nessas terras, localizadas no continente africano e banhadas pelo rio Nilo, desenvol-
veu-se uma grande civilização: a egípcia. Essa ocupação iniciou-se ao final do Neolí-
tico, quando indivíduos (hamíticos, semitas e núbios), procurando se estabelecer
num lugar para agricultura e caça, se organizaram no entorno do rio Nilo procuran-
do por um terreno fértil que os mantivesse alimentados. Logo se deu um grande
crescimento populacional devido à abundância do rio, que, graças à grande quan-
tidade de água que disponibilizava à população, deixava as terras férteis e produti-
vas. Dessa maneira, logo se formaram pequenas comunidades no entorno do Nilo.
Essas sociedades, em um primeiro momento, eram descentralizadas e viviam como
pequenos agrupamentos.

Com o crescimento populacional e a ampliação das atividades de caça, pesca e


agricultura, surgiram pequenas aldeias conhecidas como nomos. Nesses nomos
ou aldeias, era aceita uma concepção político-administrativa única, que tinha suas
decisões tomadas por um líder chamado nomarca. Por meio do desenvolvimento
dessas aldeias e com o aumento populacional, passaram a surgir várias necessida-
des, como construção de canais de irrigação ao longo do rio e outras providências
sobre a vida em comunidade.

Assim, das aldeias – que antes eram simples – começaram a aparecer as primei-
ras cidades do Vale do Rio Nilo. Ao mesmo tempo, era fundamental uma organiza-
ção política mais complexa e atrelada às necessidades de seus cidadãos. Surgiram,
então, dois Estados distintos: o Alto Egito, localizado na região sul, e o Baixo Egito, na
região norte, que abrangia o todo o Vale do Rio Nilo.

No Alto Egito, quem governava era o faraó Menés, que unificou os dois Estados e
colocou os nomarcas sob seu controle. Sob o comando do faraó Menés, o Antigo
Egito tornou-se uma monarquia centralizada formada por súditos subordinados ao
poder do faraó. Com isso, todas as atividades eram controladas por ele, que obrigava
seus súditos a trabalharem em prol dos interesses da monarquia. Os súditos, nada
satisfeitos com a situação, questionavam com frequência o poder dos faraós. Após
um período de estabilidade, devido à grande pressão sob o faraó, o poder foi descen-
tralizado novamente.

SUMÁRIO 35
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

A história política do Antigo Egito foi marcada pela instabilidade e pela centraliza-
ção do poder nas mãos de um único governante. Por terem sofrido com invasões de
diversos povos, as influências culturais dos egípcios são únicas e fascinantes.

2.2.2 GRÉCIA

FIGURA 9 - ATENAS (GRÉCIA)

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

A Grécia Antiga, palco de grandes filósofos e estudiosos da política, não era um país
unificado. Muito pelo contrário, Esparta e Atenas, por exemplo, apesar de terem em
comum a língua, algumas leis e costumes, eram inimigas mortais.

As polis gregas possuíam estruturas políticas e organização social próprias; assim


sendo, viviam de forma autônoma e independente.

Nas duas cidades-estados, aqueles que eram considerados cidadãos, com exceção
das mulheres, dos escravos e dos estrangeiros, tinham participação ativa na política
e nas decisões da sociedade. Apesar de serem governados de fato pelos aristocratas
(nobreza), todos os cidadãos podiam participar da vida política emitindo opiniões,
e aqueles que se recusavam em participar da vida política eram vistos como seres
inúteis, incapazes de oferecer algo de bom para o bem comum.

36 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

O sistema político adotado na Grécia era a democracia. Em Atenas, por exemplo, a


democracia atingiu seu apogeu no governo de Péricles, durante o século V a.C. Esse
ciclo ficou conhecido como Período Clássico.

Porém, com as conquistas da cidade-estado de Atenas, que começou a expandir seu


território e a conquistar outros povos, a ira de Esparta foi provocada, pois também
queria conquistar outros territórios. Dessas disputas territoriais nasceram dois grupos
rivais: a Liga de Delos, que eram os atenienses, e a Liga do Peloponeso, que eram os
espartanos. Por meio dessas disputas, as duas cidades-estados começaram a ficar
enfraquecidas. Esparta, que era governada pela aristocracia, estava determinada a
não se deixar comandar pelos atenienses. Por sua vez, Atenas, também poderosa
guerreira, estava disposta a impor suas ideias e princípios.

Enfim, os espartanos aumentaram sua ofensiva sob os atenienses, que viram sua
soberania sucumbir. Esparta inicia, então, o domínio de toda a Grécia.

2.2.3 ROMA

FIGURA 10 - COLISEU, ROMA (ITÁLIA)

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

SUMÁRIO 37
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Roma foi, sem dúvida, uma das civilizações que mais impactou o mundo ociden-
tal. Teve sua história política demarcada por três períodos: Monarquia (753-509 a.C.),
República (509-27 a.C.) e Império (27 a.C. - 476 d.C.). Esses ciclos da história romana
possuem características próprias, que certificam a evolução socioeconômica e polí-
tica dessa sociedade.

Na Monarquia, um rei era visto como uma criatura divina, enviada pelos céus, que
governa de forma a centralizar todo o poder em suas mãos. As outras camadas da
sociedade eram compostas por plebeus e patrícios. Nesse período, existiram sete
monarcas, que acumulavam os poderes executivo, judicial e religioso. O único poder
que fugia das mãos do rei era o legislativo, que estava concentrado nas mãos do sena-
do, composto por anciãos que podiam ou não vetar as leis impostas pelo monarca.

Já na República, no lugar do rei havia a figura dos cônsules, que eram eleitos pelos
patrícios. Os patrícios eram a minoria da população, mas tinham muita influência na
política, visto que vinham de famílias abastadas de toda a Roma. Nesse período, o
senado ganhou mais soberania e era responsável pelas finanças públicas, pela admi-
nistração e pela política externa. O poder executivo, que antes era exercido pelos
monarcas, na República era exercido pelos cônsules e por representantes da plebe,
que era a maioria da população. Esse período ficou marcado pela luta dos plebeus
por maior participação na política e melhores condições de vida.

Por fim, no Império iniciou-se um período de certa calmaria em Roma, que estava
preocupada com a expansão de seu Império e teve como principal líder Júlio César
e, depois, Augusto. Júlio César foi um ditador adorado pelo povo e tomou medidas
para reorganizar a política em Roma. Ele nomeava e vigiava os governantes para que
esses não prejudicassem os cidadãos.

2.3 O GOVERNO MONÁRQUICO NA IDADE MÉDIA

O período compreendido como Idade Média foi longo – durou aproximadamente


mil anos – e a principal característica foi a união entre religião e política. Na verdade,
a política nesse período ficou atrelada à religião. Também chamada de Idade das
Trevas, a Idade Média iniciou-se no século V e teve como principal marco inicial o fim
do Império Romano no ano de 426.

38 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

A principal forma de governo nesse período foi a monarquia, principalmente na Euro-


pa. Nesse sistema, o rei ou monarca governava como chefe de Estado. Não havia elei-
ções e predominava a hereditariedade, ou seja, passava-se o poder de pai para filho.

Outra característica importante do período foi o papel exercido pela Igreja Cató-
lica, que dominava a esfera religiosa. Como única detentora do poder espiritual
das pessoas, a Igreja interferia diretamente no modo de pensar, de governar e no
comportamento social na Idade Média. Grande possuidora de terras e de pessoas de
boa vontade trabalhando para ela, a Igreja era uma instituição muito rica e poderosa.

No período compreendido como Baixa Idade Média, o poder dos reis era fragmen-
tado, pois existiam muitos reinos, e os países como conhecemos hoje ainda não exis-
tiam. A organização social baseava-se em uma comunidade que vivia no campo e
que tinha na agricultura seu meio de subsistência. Predominava o Feudalismo, e a
sociedade sentia-se ligada apenas a uma cidade, a um feudo ou a um reino, e não a
um país, como nos dias atuais.

A formação e a consolidação das monarquias e da centralização do poder na Europa


iniciaram-se a partir do século XI, mas elas atingiram o auge nos séculos XIV e XVI.
Esse processo ocorreu de forma lenta e deu origem aos países europeus que conhe-
cemos hoje.

A estrutura social nesse período era condicionada à suserania, ou seja, o suserano era
o dono das terras e “dava” um lote de terra ao vassalo, que era um camponês pobre
que dependia da terra para sobreviver. O vassalo, mediante juramento, oferecia sua
mão de obra e fidelidade ao suserano. Existiam vários suseranos, e o mais poderoso
deles se tornava rei.

Existiam, então, quatro grupos sociais: reis, burguesia, nobres e vassalos. Todos os
poderes jurídico, econômico e político estavam concentrados nas mãos dos susera-
nos, também chamados de senhores feudais.

A partir do século XIV, o feudalismo começa a sucumbir, passando a surgir monar-


quias mais consolidadas, de cunho mais nacionalista e autoritária. Na Inglaterra,
Espanha e França, ocorreu uma consolidação da autoridade do rei perante a nobre-
za com o auxílio do clero. A Igreja Católica teve papel fundamental nesse proces-
so, visto que, atrelada ao poder autoritário do rei, que tinha a fé dos súditos como
moeda de troca, buscava uma maneira de cada vez mais se manter no poder. Essas

SUMÁRIO 39
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

novas monarquias buscavam uma centralização do poder e da organização admi-


nistrativa e social.

Por meio dos pensamentos de Aristóteles e Platão, essas novas monarquias busca-
vam legitimar sua autoridade suprema com a criação de estados organizados poli-
ticamente e com forte aparato militar. Um teórico que se destacou nesse período,
principalmente por seu pensamento político, foi Nicolau Maquiavel, autor de O prín-
cipe (1513). Em sua obra, dividiu os capítulos e elaborou uma teoria de como deve
proceder o rei com seus súditos, seus aliados, seus inimigos e com as finanças de
seu reino. Tal teoria serviu como base para modelar a estrutura governamental dos
tempos modernos.

Nicolau Maquiavel

Nascido no dia 3 de maio de 1469 em Florença, na Itália, Nicolau Maquiavel


foi um dos teóricos da ciência política, sendo reconhecido como fundador
do pensamento da ciência política moderna. Em sua obra O Príncipe, de
1516, o autor dedica-se a explicar o funcionamento do Estado. Ele traça o
perfil de como deveriam ser os governantes e apresenta, a seu ver, a forma
como os reis deveriam se comportar para expandir seu poder.

Veremos a seguir os diferentes sistemas de Monarquia, bem como os tipos de orga-


nização política de cada um deles.

2.3.1 MONARQUIA ABSOLUTISTA

A Monarquia Absolutista, como o próprio nome diz, é um sistema que tem como
marca o poder absoluto do rei, ou seja, todo o poder se concentra nas mãos de uma
única pessoa, de maneira absoluta; não há outras pessoas ou instituições (exceto a
Igreja Católica) que participem das decisões do reino. Assim, nesse contexto, não há
uma divisão de poderes como em uma democracia; o rei é o único responsável pelas
decisões jurídicas, sociais e econômicas.

40 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Nesse modelo de governo, apenas um rei governa por vez, por meio da hereditarie-
dade e do direito divino. O direito divino, assegurado pela Igreja Católica, consistia em
fazer com que os súditos acreditassem que o rei e seus descendentes eram enviados
por Deus, que estavam ali para fazer valer a vontade divina, e que não poderia haver
questionamento das decisões do monarca, pois o divino o iluminaria para tomar as
devidas decisões para o reino. Assim, todos os súditos deviam fidelidade absoluta ao
rei, que, por sua vez,, em contrapartida, detinha a prerrogativa de julgar e legislar a
seu bel-prazer. Nesse cenário, ir contra o desejo do rei ou questioná-lo era uma atitu-
de passível de punição severa.

O poder do rei era tão imensurável que os súditos, em algumas localidades, chega-
vam a suplicar que ele beijasse um doente para que fosse curado.

Ao longo de todo o tempo em que vigorou o absolutismo monárquico, vários teóri-


cos legitimaram ou criticaram esse sistema de governo. Alguns deles são: Nicolau
Maquiavel, Jean Bodin, Thomas Hobbes, entre outros.

A Monarquia Absolutista entrou em declínio na Europa a partir da Revolução Fran-


cesa de 1789. A burguesia, que antes apoiava o regime absolutista, foi a principal
camada social interessada em exterminá-lo.

2.3.2 MONARQUIA PARLAMENTAR

Diferentemente da Monarquia Absolutista, na Monarquia Parlamentar, que, inclusi-


ve, é uma das formas de governo adotada em vários países na atualidade, o rei não
governa. Ele possui o cargo de chefe de Estado, porém, está condicionado ao Poder
Legislativo, que é chamado de Parlamento, e ao Poder Executivo, que, na maioria
dos casos, é representado pelo primeiro ministro.

Todas as decisões são tomadas pelo Parlamento, que é responsável pelo funciona-
mento do Estado e regula não só a vida da sociedade, como também a do rei e de
sua família. Nesse contexto, a família real tem um papel mais ligado à representa-
tividade do que ao poder. Claro que são munidos de prestígio e poder, porém, não
podem ditar como será a sociedade, pois, para isso, existem o Parlamento e o primei-
ro ministro, que são quem governam de fato por meio de legislação específica de
cada país. Dessa forma, o poder é distribuído, e cada um tem um papel definido na
sociedade, não sendo possível que uma só pessoa dite como serão as regras do jogo.

SUMÁRIO 41
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Nas Monarquias Parlamentares da atualidade, a representatividade e o poder do


monarca são limitados, e quem tem o poder de gerir o Estado e a vida da família real
é somente o Parlamento, que é responsável por representar a soberania popular.
Alguns países regidos por meio da Monarquia Parlamentar atualmente são: Ingla-
terra, Bélgica, Suécia, Dinamarca e Espanha.

2.4 SISTEMAS POLÍTICOS ECONÔMICOS

Como vimos até aqui, existem várias formas de governo, assim como diversas formas
econômicas de gerir o Estado.

O sistema político-econômico de cada Estado é o responsável pela organização da


economia de cada nação, bem como pela forma como se desenvolvem suas relações
com os trabalhadores e os meios de produção. É certo que, por mais que não seja-
mos ou tentamos não ser consumistas, o consumo faz parte da sociedade moderna.

Se você vai se casar ou se mudar, precisará de bens de consumo, como


geladeira, fogão etc.; se não quer depender do transporte público, certa-
mente vai querer adquirir um carro. Todos esses objetos são bens de consu-
mo, e o sistema político de cada país é que define quem terá acesso a esses
bens. As relações de trabalho e o consumo são definidos pelo sistema polí-
tico-econômico praticado pela sociedade.

Nesse contexto, um sistema econômico pode ser definido como a forma econômica,
política e social pela qual está organizada uma sociedade. As relações entre os bens
de consumo, o direito à propriedade, a gestão da economia, os processos de circu-
lação das mercadorias, o desenvolvimento tecnológico e a divisão do trabalho serão
determinantes para a adoção de um sistema político-econômico específico.

42 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

2.4.1 CAPITALISMO

É um sistema político-econômico caracterizado pela soberania do capital, ou seja,


os detentores do capital (burguesia) controlam os meios de produção e a circulação
dos bens de consumo, sendo também responsáveis por controlar a vida do traba-
lhador. Esse sistema é predominante na sociedade moderna e tem como princi-
pal característica a desigualdade social, a ganância, a destruição do meio ambiente
e a escravização do tempo do trabalhador para enriquecimento de uma pequena
parcela da burguesia.

À medida que a burguesia cresce, isto é, o capital, desenvolve-se também o


proletariado, a classe operária moderna que só pode viver sob a condição de
encontrar trabalho e que só o encontra quando o seu trabalho aumenta o
capital (MARX; ENGELS, 1988).

Esse sistema político-econômico surgiu na Europa após a queda do Feudalismo e se


estabeleceu de forma predominante após a Revolução Industrial. Existem três tipos
de capitalismo: financeiro, industrial e comercial. Todos têm em comum a proprie-
dade privada, o acúmulo de capital, fé no lucro, divisão de classes econômicas e
exploração da mão de obra do proletariado.

2.4.2 SOCIALISMO/COMUNISMO

FIGURA 11 - BANDEIRA COMUNISTA

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

SUMÁRIO 43
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Socialismo é um sistema político e econômico que se baseia na igualdade. Esse


sistema de governo propõe a divisão de todas as riquezas da nação para provimento
de todos; por isso, o socialismo preconiza a distribuição igualitária de renda, a sociali-
zação dos meios de produção, a extinção da propriedade privada e, principalmente,
a tomada do poder por parte do proletariado.

No sistema socialista, o principal objetivo é acabar com a divisão da sociedade, ou


seja, extinguir as classes sociais. Assim, tudo que for do Estado passa a ser dividido
por todos, de forma justa e igualitária.

O socialismo teve início no século XVIII como forma de se contrapor ao capitalis-


mo. A primeira nação a experimentar esse regime político e socioeconômico foi a
Rússia, em 1917, após a Revolução Russa, momento em que o governo monarquista
foi destituído do poder e se instaurou o socialismo. Após a Segunda Guerra Mundial,
outras nações aderiram ao regime socialista ao redor do mundo. Existem hoje
alguns países que adotam esse regime, como: República Popular da China, Repúbli-
ca Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte), República de Cuba, República
Socialista do Vietnã e República Democrática Popular do Laos.

O primeiro teórico a cunhar o termo socialismo foi Conde de Saint-Simon (1760-1825),


economista e filósofo francês. Ele se preocupou em criar um regime socioeconômi-
co que fosse mais justo e igualitário para todos, no qual todas as pessoas recebessem
de forma equivalente por sua força de trabalho.

Os ideais defendidos no comunismo, que tem como principais teóricos Karl Marx e
Friedrich Engels, já eram encontrados em obras da Antiguidade Clássica. Platão, em
A República, já havia proposto uma sociedade que abolia a propriedade privada.

Com a Revolução Industrial, a partir do século XIX, o contexto econômico e social dos
países europeus foi alterado. A população começou a migrar do campo para a cida-
de em busca de emprego, mas encontrou apenas exploração e miséria, pois o siste-
ma capitalista estava em pleno desenvolvimento. Os patrões exploravam a mão de
obra dos trabalhadores e não os remuneravam de forma justa. Era comum encontrar
crianças trabalhando nas fábricas, que eram lugares insalubres. Para contrapor esse
sistema de exploração, surgiram, então, algumas correntes ideológicas para tentar
pensar uma sociedade sem o sistema capitalista. Uma dessas alternativas seria o
comunismo, que é a base da teoria marxista.

44 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Para os idealizadores dessa teoria, que assistiam às injustiças sociais contra o proleta-
riado, a história sempre fora marcada por uma luta de classes, na qual os mais ricos,
em todas as épocas da história, lucravam com a miséria das classes mais pobres.
Para eles, os capitalistas eram a classe opressora que dominava e escravizava a classe
oprimida, da qual faziam parte os trabalhadores. Em uma sociedade que tem como
modelo socioeconômico o capitalismo, as classes são representadas pela burgue-
sia, que se refere àqueles que detêm os meios de produção e, por consequência,
boa parte da riqueza gerada. O proletariado, que são os trabalhadores, nada possui
de riqueza material e tem sua própria mão de obra vendida como mercadoria ao
proprietário do capital, os burgueses. No capitalismo, portanto, o proletariado é a
mercadoria dos burgueses, ou seja, os trabalhadores são submetidos à balança do
mercado e às oscilações de preço como qualquer mercadoria.

O socialismo marxista sugere a extinção da propriedade privada, defende a socializa-


ção dos meios de produção e o fim da divisão de classes e propõe que tudo que for
produzido seja de bem comum a todos. Para Marx e Engels, quando a classe traba-
lhadora entender que ela é a engrenagem que move todo o capital, estará pronta
para assumir o poder e governar de forma justa para todos, banindo de vez o Estado.

SUMÁRIO 45
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

CONCLUSÃO
Nesta unidade foram apresentados os processos históricos em torno da concepção
de política, assim como formulações sobre teoria política.

Ao longo da história, filósofos e importantes movimentos surgiram para tentar


compreender a política e criar um sistema político satisfatório. Além disso, foi apre-
sentado um histórico sobre a política na antiguidade oriental e clássica, abordando
as formas como os povos desse período idealizavam a política e como seus sistemas
políticos se transformaram ao longo do tempo. Além disso, foram demonstrados os
sistemas de governo monárquico e os tipos de organização política de cada uma
deles.

Também foram abordados os sistemas políticos econômicos atuais – capitalismo,


socialismo e comunismo –, que são as formas de gerir os recursos econômicos do
Estado.

46 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

UNIDADE 3
OBJETIVO
Ao final desta unidade, esperamos
que possa:

> Diferenciar filosofia política e ciência política.

> Definir os principais temas.

> Analisar as principais abordagens e seus


pressupostos.

SUMÁRIO 47
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

3 OS OBJETOS DA CIÊNCIA
POLÍTICA
O pensamento político se desenvolveu de forma gradual. As mudanças espaciais
e temporais trouxeram consigo mudanças epistemológicas, que são fundamentais
para uma compreensão adequada dos processos políticos e de sua intelectualiza-
ção. Essas questões serão abordadas de forma sintética durante toda a unidade.

3.1 DA FILOSOFIA À CIÊNCIA POLÍTICA

Nem toda forma de pensamento político pode ser considerada como uma expres-
são da ciência política. No geral, os pensadores que debatem os temas concernentes
à política ou são filósofos ou cientistas. A linha que separa essas duas formas é um
tanto quanto tênue, contudo há formas simples de fazer essa diferenciação. Uma
linha do tempo faz-se relevante para explicitar a questão.

O primeiro ponto da linha a ser explorado é o pensamento de Maquiavel (1469-1527),


situado na primeira metade do século XVI. Seu pensamento podia ser encarado
como filosofia política, e seus debates eram travados numa Europa pré-moderna,
onde os principais países que conhecemos hoje ainda não haviam se unificado (é o
caso da Itália, que era dividida em vários principados, dentre os quais estava Florença,
terra natal de Maquiavel). A principal contribuição de Maquiavel foi a dessacralização
da política; em outras palavras, seus esforços para demonstrar como um governante
deve agir para manter seu governo acabou por mostrar que a política é uma ativida-
de essencialmente humana.

O próximo ponto dessa linha é a filosofia desenvolvida pelos contratualistas Hobbes


(1588-1679), Locke (1632-1904) e Rousseau (1712-1778), que levantaram o debate acer-
ca da natureza da política e trouxeram muitas contribuições para os pensamentos
sobre as sociedades humanas. Em poucas palavras, pode-se dizer que, para Hobbes,
o homem viveria em estado de guerra permanente na natureza, sendo necessária
a ascensão de um órgão centralizador do poder. É nesse momento que as pessoas
assinariam o contrato social dando origem ao Estado. Enquanto para Locke o

48 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

homem nasce com o direito natural à sua propriedade (o próprio corpo e o produto
do próprio trabalho). Nesse caso, a emergência do Estado (a partir do contrato social)
teria a função de garantir que cada um pode manter sua propriedade.

Já para Rousseau, o homem nasce livre e dotado de piedade, ao passo que o conví-
vio social o corrompe. O contrato social, nesse caso, deveria garantir que nenhum
homem se sobreponha a ponto de escravizar o próximo. Esses três filósofos foram
de grande importância para o desenvolvimento do pensamento político, pois foram
os primeiros a tocar em temas fundamentais, como a propriedade privada e a igual-
dade entre os homens, temas que serão de importância central na discussão sobre
as abordagens predominantes na ciência política.

O próximo ponto é o pensamento de Montesquieu (1689-1755), que desenvolveu em


sua obra uma apresentação bem refinada da divisão dos poderes dentro de um
Estado. A divisão entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário foi de suma
importância na constituição do Estado Moderno. A ideia de uma parte do Estado ser
responsável somente por criar leis, enquanto outra fração ser responsável por inter-
pretar e, por fim, outra ser responsável por executar, foi fundamental para a instala-
ção dos Estados democráticos.

Uma questão fundamental ao diferenciar-se um pensamento filosófico de um


pensamento científico é o método empregado na construção de tal pensamento.
Toda investigação científica deve estar baseada em um método que seja passível de
falseabilidade, ou seja, que possa ser contestado e até provado como inadequado. Já
os construtos filosóficos não têm tanto rigor acerca do método, o que não o desqua-
lifica, somente o torna um conhecimento de outra ordem, até mesmo porque a
racionalidade é a base do pensamento filosófico.

Não há dúvidas de que os pensadores discutidos até aqui são filósofos políticos, e
não cientistas políticos, afinal as discussões sobre a natureza humana dos contra-
tualistas não são passíveis de falseabilidade. Além do fato de que a ciência, da forma
como é conhecida hoje, ainda não existia. Todavia, entraremos em um pensamento
limiar entre a filosofia e a ciência política.

Karl Marx (1818-1883) foi um dos criadores do socialismo científico. Sua obra é grande
e diversa, conquanto, em meio a seus escritos, encontramos teorias que são de gran-
de importância para o pensamento político no geral. Marx não chegou a desenvolver

SUMÁRIO 49
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

uma teoria geral do Estado de forma coesa, mas, segundo Carnoy (1988), podemos
extrair três pontos de sua obra que cumprem a função dessa teoria. O primeiro
ponto relevante é a ideia de que o Estado emerge das relações materiais de produ-
ção; em outras palavras, o Estado não tem existência per se, “ele não paira no ar”.
Nesse sentido, as relações materiais de produção formam a base da sociedade e, em
última instância, determina a forma da política. Em decorrência disso, chegamos ao
segundo ponto: as relações sociais de produção de nossa sociedade são cindidas em
classes (dominantes e dominadas). Essa divisão também afeta o âmbito político. O
Estado é visto como um instrumento de dominação da burguesia (nome genérico
das classes dominantes) sobre o proletariado (nome genérico das classes trabalha-
doras). O último ponto é referente à violência física. Na obra de Marx, já podemos
encontrar a ideia de que uma das funções básicas do Estado é exercer repressão físi-
ca sobre camadas dominadas da sociedade.

3.2 PRINCIPAIS TEMAS ABORDADOS

A pluralidade de assuntos discutidos pela ciência política é limitada, por este motivo
podemos identificá-los de forma a categorizá-los. Basicamente, podemos dizer que
a ciência política se aplica sobre três objetos principais, que são: o Estado, o poder e
os sistemas políticos.

3.2.1 O ESTADO

Os fenômenos relacionados ao Estado estão no cerne da ciência política. Suas mani-


festações têm sido observadas desde os primórdios da filosofia política. Todavia, é
com a emergência de uma forma de conhecimento baseada em um método passí-
vel de ser submetido a testes aplicáveis que seus potenciais teóricos são desenvolvi-
dos. Segundo a definição de Dias:

A unidade social básica na qual vivem as pessoas na atualidade é o Estado


nacional, que se apresenta como corporação territorial de um povo constitu-
ído como nação, por urna organização social complexa que se realiza através
de um ordenamento jurídico que envolve toda a vida social, e se estabelece e
descansa em um aparato de poder, independente e soberano. Cada unidade
política tem o nome de Estado ou Estado nacional (DIAS, 2013, p. 49).

50 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

É necessário ter em mente que as noções de Estado e nação são complementares,


porém diferentes. Enquanto o Estado está voltado para as questões legais e distri-
butivas da influência no interior de determinada sociedade, a nação se volta para o
pertencimento e para as características comuns de determinado povo.

Da mesma forma, devemos diferenciar Estado de governo. O Estado é formado por


órgãos fixos, cujas funções variam desde sua organização burocrática até a repres-
são social pelo uso da força. O governo, por sua vez, é composto por órgãos móveis
responsáveis por gerir a máquina estatal financeira, social e econômica.

3.2.2 O PODER

As questões relativas ao poder também são de importância central no seio da ciên-


cia política. Encarado como temática principal por grande parte dos cientistas polí-
ticos da atualidade, o poder deve ser visto como uma manifestação essencial no
desenvolver de qualquer sociedade. O poder pode ser entendido como uma relação
social em que há atores sociais que impõem determinada conduta e aqueles que a
obedecem. Segundo Dias:

O poder sempre implica relação, é a capacidade de decisão sobre o outro.


O poder constitui uma relação social. O indivíduo encontra-se com o poder
quando a sua conduta não é decidida por ele mesmo, mas uma decisão to-
mada por outro que é capaz de determinar seu comportamento. Na relação
com o outro, pode-se encontrar urna situação de inferioridade, de igualdade
ou de superioridade. O poder supõe uma relação específica de superioridade
(DIAS, 2013, p. 30).

Deve-se entender que o poder pode ou não ser aceito por aqueles que estão subme-
tidos à sua influência. Caso o poder seja aceito por parte dos dominados, diz-se que
há legitimidade. Caso o poder não seja aceito, não pode haver legitimidade. O poder,
quando exercido de forma legítima, também pode ser chamado de dominação.

Quando um grupo de pessoas (reunidas por interesses comuns e dotadas de coesão)


detêm muita influência sobre o poder de determinada instância, dentro de uma
sociedade, tal grupo é chamado de elite. As elites podem ser de cunho religioso,
econômico, político, etc. É importante salientar que todas as elites exercem influên-
cia no setor político, independentemente de estarem relacionadas diretamente com
o Estado.

SUMÁRIO 51
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

3.2.3 SISTEMAS POLÍTICOS

Os sistemas políticos são conjuntos de órgãos, agentes e instituições intra, inter e


extraestatais. O conceito de sistema político está intimamente ligado às relações
do Estado com outros poderes no seio da sociedade. Sua aplicabilidade se dá devi-
do às alterações dos quadros social e político que decorreram desde a ascensão do
Estado Moderno. Dentro do sistema político, instituições, como os partidos políti-
cos, os sindicatos e os movimentos sociais (independentemente de sua orientação)
ganham grande importância no cenário político.

O termo foi adotado dentro da ciência política principalmente por aqueles que
consideraram que o Estado não era mais suficiente para explicar a diversidade de
fenômenos que norteiam a política, ao passo que o poder inclui uma gama de rela-
ções que extrapolam os alcances da política.

Há também alguns autores que vão criticar a noção de sistema político, pois, assim
como a noção geral de sistemas, ela tende a desistoricizar os processos que configu-
ram as relações apresentadas.

3.3 ABORDAGENS METODOLÓGICAS

As influências ideológicas sobre a produção científica são vistas de formas diferentes


segundo cada abordagem. Fato é que nenhuma delas está isenta de alguma forma
de visão de mundo. O positivismo foi a única corrente de pensamento que acredi-
tou de forma veemente que poderia produzir uma ciência totalmente neutra, o que
se tornou uma falácia, ao passo que o caráter conservador se mostrou evidente em
grande parte dos teóricos positivistas. Dessa forma, pode-se classificar as correntes do
pensamento juntamente com as ideologias dominantes. Existem três ideologias que
se destacaram ao longo do tempo: o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo.

Dentro da ciência política não é muito diferente. Apesar de muitas vezes os nomes
das correntes não traduzirem diretamente suas ideologias, podemos encontrar seus
pressupostos claramente em seu interior. Como dito anteriormente, o positivismo
está diretamente associado ao conservadorismo; o marxismo está diretamente rela-
cionado ao socialismo; e o pluralismo está diretamente relacionado ao liberalismo.

52 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Atualmente, o positivismo encontra-se em uma fase de retração. Não existem muitas


correntes científicas que utilizam de seus pressupostos, o que não quer dizer que a
corrente conservadora esteja retraída. Todavia, o positivismo não se encontra em sinto-
nia com a parcela social que aceita suas ideias. Por esse motivo, não haverá grandes
esforços para demonstrar o desenvolvimento dessa vertente assim como nas outras.

3.3.1 ABORDAGEM PLURALISTA

O pluralismo é a corrente da ciência política considerada dominante dentro dos


países de capitalismo desenvolvido. Sua premissa básica seria que as democracias
são constituídas por uma pluralidade de grupos de interesse que, juntamente com
os cidadãos, produzem políticas públicas. Essa premissa está diretamente ligada à
ideia de que os indivíduos são o núcleo principal da sociedade e, portanto, devem
ter garantido o direito de agir livremente. Segundo essa visão, o governo pretende
servir ao povo, à vontade de sua maioria, mesmo que às vezes isso não seja possível.

As ideias pluralistas foram fortemente influenciadas pela filosofia política de John


Locke e pela teoria econômica clássica de Adam Smith. Ambos são considerados
os pais do liberalismo. Locke desenvolveu a primeira forma de liberalismo político,
enquanto Smith desenvolveu as ideias do liberalismo econômico. É preciso reforçar
que mesmo sofrendo influência, nem todas as ideias desses autores são aceitas para
o pluralismo, pois, nas palavras de Bobbio:

(...) o pluralismo se distingue da teoria da separação dos poderes, que propõe


a divisão do poder estatal, não em sentido horizontal, mas em sentido ver-
tical. Distingue-se igualmente o Estado pela subtração à sua ingerência de
algumas esferas de atividade (religiosa, econômica e social, em geral), onde
os indivíduos possam desenvolver livremente sua própria personalidade. Dis-
tingue-se, finalmente, da teoria democrática que vê o remédio na participa-
ção mais ampla possível dos cidadãos nas decisões coletivas (BOBBIO, 1998,
p. 928).

Apesar dessas diferenças, o pluralismo não é contraditório com nenhuma dessas


ideias. Afinal, a premissa de que os indivíduos são os agentes mais importantes da
sociedade e que a propriedade privada é direito básico dos mesmos indivíduos, é
compartilhada pelas três perspectivas.

Há ainda dentro do pluralismo um movimento crítico encabeçado por Schumpe-


ter. Nessa perspectiva, nem todos os indivíduos estariam num par de igualdade ou

SUMÁRIO 53
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

racionalidade (essa ideia vai totalmente contra a premissa liberal de que a raciona-
lidade econômica é característica inerente ao indivíduo). Então, deveria se erguer
uma elite capaz de reger o governo de forma a realizar a função do Estado.

A participação dos cidadãos, nessa perspectiva, é vista de uma forma mais pessimis-
ta. Segundo Carnoy (apud Schumpeter):

Schumpeter levantou alguns pontos específicos sobre participação política


e democracia. Primeiro, não existe algo tal como o bem-comum unicamen-
te determinado, com o qual todas as pessoas poderiam concordar ou deve-
riam ser levadas a concordar pela força do argumento racional; o bem-comum
está destinado a significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Segundo,
mesmo se as opiniões e desejos dos cidadãos individuais fossem dados per-
feitamente definidos e independentes, com os quais o processo democrático
operaria, e se todos atuassem, a partir deles, com uma racionalidade e uma
exatidão ideal, isso não implicaria necessariamente que as decisões políticas
resultantes desse processo, com base no material bruto daquelas vontades
individuais, representassem qualquer coisa que em qualquer sentido convin-
cente pudesse ser chamado de “a vontade do Povo”. Terceiro, os cidadãos são
normalmente mal informados ou desinteressados pelos problemas políticos,
exceto em relação àqueles que os afetam diretamente, economicamente. Nes-
sas situações, antes de agir no sentido de bem-comum, eles agirão com base
nos interesses próprios, individuais (CARNOY apud SCHUMPETER, 1988 p. 50).

Pode-se concluir que o pluralismo é uma abordagem política que se apresenta de


múltiplas formas. Todavia, nenhuma delas se afasta totalmente de seus principais
pressupostos, nem de suas influências teóricas. Esse movimento é de grande impor-
tância a todos aqueles que pretendem entender o funcionamento dos Estados,
independentemente de suas filiações teóricas.

3.3.2 ABORDAGEM MARXISTA

As ideias de Marx influenciaram fortemente uma abordagem da ciência política. Essa


corrente é chamada de marxismo e dentro dela podem-se encaixar muitas corren-
tes científicas e filosóficas. Contudo, nos atentaremos somente àquelas que têm
ligação com a ciência política. São três correntes que merecem atenção. A primei-
ra é o marxismo russo, cujo principal representante é Lênin (1870-1924). A segun-
da é a corrente gramsciana, cujas ideias se baseiam na obra de Antonio Gramsci
(1891-1937). Por fim, o estruturalismo francês, cujo principal nome é Nicos Poulantzas
(1936-1979).

54 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Chama-se de marxismo russo as ideias dos líderes da Revolução Russa de 1917, dos
quais se destacam Vladimir Lênin, Leon Trotsky (1879-1940) e Rosa Luxemburgo (1871-
1919). A revolução de 1917 é um marco na história política mundial, sendo o primeiro
país a se declarar socialista. Graças a isso, o pensamento de Lênin sobre o Estado foi
dominante dentro do marxismo até a década de 1960. O Estado, nesse contexto, era
tido como peça fundamental no processo de transição do capitalismo ao socialismo.
Partindo da visão de que o Estado representa a fração armada da burguesia, que
torna física sua dominação, Lênin aponta que para alcançar o socialismo é preciso
tomar o Estado por meio de uma revolta armada. Segundo Carnoy:

Pode-se dizer que o principal objetivo de Lenin em O Estado e a Revolução


não era descrever a essência do Estado burguês em si, mas estimular uma
estratégia específica para a revolução socialista. Essa estratégia tinha duas
partes: a primeira, a derrubada do Estado burguês; e a segunda, a transição
ao socialismo. Como já afirmamos, a derrubada do Estado, conforme definida
por Lenin, exigia uma revolução armada; uma confrontação direta da força
armada burguesa com a força armada do proletariado (CARNOY, 1988, p. 80).

FIGURA 12 - VLADIMIR LÊNIN

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Assim, pode-se concluir que a visão russa acerca do Estado se consolidou devido à
revolução de 1917 e serviu ao propósito de guiar as ações dos dirigentes soviéticos
mediante a conformação social que se configurava naquele momento.

Outra corrente de grande valia dentro do marxismo é a gramsciana. A sistematiza-


ção da teoria marxista voltada para a ação política feita por Gramsci foi de grande

SUMÁRIO 55
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

importância para o marxismo quando a influência soviética passou a enfraquecer.


Em sua visão, a noção de Estado foi ampliada para toda e qualquer atividade (práti-
ca ou teórica) usada pela classe dominante para manter sua dominação e/ou atingir
o consentimento por parte dos dominados. Desse modo, pode-se separar o Estado
em duas grandes áreas. A primeira é chamada de sociedade política (ou Estado em
sentido estrito), já a segunda é chamada de sociedade civil.

Um conceito-chave na obra de Gramsci é o de hegemonia, que, em suma, signi-


fica: “(...) nos termos de Gramsci, significava o predomínio ideológico dos valores e
normas burguesas sobre as classes subalternas” (CARNOY, 1988, p. 90). Esse concei-
to é fundamental para a compreensão do funcionamento da sociedade civil, pois é
nela que se desenvolvem as práticas de consolidação da hegemonia.

Para melhor compreensão do que é a sociedade civil para Gramsci, é preciso analisar
a metáfora predial. A ideia de que a sociedade é dotada de uma estrutura (formada
pelas relações materiais de existência) e uma superestrutura (formada pelas rela-
ções políticas, jurídicas e ideológicas) está presente nas obras de Marx e Gramsci.
Contudo, há uma diferença básica que deve ser observada. Para Marx, a sociedade
civil se encontra localizada na estrutura, enquanto para Gramsci ela está localizada
nas superestruturas.

A noção Gramsciana de sociedade política aproxima-se muito das concepções de


Marx e Lênin acerca do Estado (por esse motivo, chamamos também a sociedade
política de Estado, em sentido estrito), que o consideram como um instrumento de
força física da classe dominante. Todavia, essa característica repressiva do Estado
não é central para Gramsci, pois:

Ele incorporou também o aparelho de hegemonia no Estado, bem como a


sociedade civil, e, por essa razão, ampliando-o além do conceito marxista-le-
ninista do Estado como um instrumento coercitivo da burguesia. Portanto,
o Estado é, simultaneamente, um instrumento essencial para a expansão
do poder da classe dominante e uma força repressiva (sociedade política)
que mantém os grupos subordinados fracos e desorganizados (CARNOY,
1988, p. 98).

A última corrente marxista que será tratada é conhecida como estruturalismo. Essa
corrente, que foi dominante nos círculos intelectuais franceses da década de1960,
entrou no campo do marxismo pelas mãos de Louis Athusser (1918-1990), mas foi
Poulantzas (um de seus seguidores) que aplicou a junção das ideias marxistas com

56 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

as estruturalistas ao campo da política. A premissa mais básica dos estruturalismos


aponta que toda práxis humana é determinada por estruturas subjacentes, que, em
última instância, esvaziam a potência individual.

A teoria de Poulantzas se desenvolve em torno do Estado e da luta de classes. Em


sua visão, o Estado está enraizado nas relações materiais de produção, pois repre-
senta o funcionamento das classes no âmbito da política. Esse é um caráter fixo do
Estado, ou seja, todo Estado é caracterizado por sua ligação com os meios de produ-
ção. Mas a forma e as funções específicas que o Estado desempenha não são fixas,
e sim variam conforme a modulação das relações de classe. O Estado é o campo de
disputa das frações de classe dominantes (chamadas também de blocos no poder),
contudo há uma “autonomia relativa” que confere ao Estado o papel de mediador
entre as diferentes classes (dominantes e dominadas) quando a ordem capitalista
está ameaçada. Em outras palavras, o Estado capitalista não é somente o Estado da
classe capitalista, mas, principalmente, o Estado da ordem capitalista.

O Estado, para Poulantzas, tem um papel ativo na luta de classes, que é exercida
de formas diferentes entre classes dominantes e dominadas. É creditada ao Estado
a função de criar os sujeitos/indivíduos que não se veem nem no produto de seu
trabalho, nem em sua posição de classe. Esses indivíduos atomizados são reagrupa-
dos pelo sentimento de pertencimento da nação. Esse processo tem consequências
diferentes entre as diferentes classes; enquanto a classe trabalhadora é minada e
fragmentada, a classe capitalista se consolida como modelo social e toma para si o
controle do Estado.

É possível dizer que existe uma abordagem marxista coerente (enquanto corrente
de pensamento), pois os autores que se apropriam dos conceitos de Marx, em geral,
mantêm o cerne de suas obras nas questões levantadas por Marx. O que não é possí-
vel é considerar todas as versões do marxismo como uma unidade homogênea, como
foi visto nas breves apresentações deste tópico; existe grande variedade de posiciona-
mentos teóricos dentro do marxismo, em especial na sua aplicação à ciência política.

3.3.3 PERSPECTIVA MICROPOLÍTICA

Existe dentro da ciência política uma abordagem, que embora seja minoritária, tem
de ser citada. É aquela chamada de micropolítica, que afasta suas observações das

SUMÁRIO 57
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

macroestruturas do Estado e se volta a entender o funcionamento dos poderes que


se desenvolvem nas instâncias mais locais da vida social. Pode-se notar que o objeto
dessa abordagem se afasta totalmente do Estado e é totalmente calcado no poder.
Entre os nomes que se enquadram nessa perspectiva podemos destacar Michel
Foucault (1926-1984), que desenvolveu uma noção de poder descentralizada, que
não parte de nenhuma essência ou conceito fechado, um poder relacional.

3.4 PROCESSOS POLÍTICOS


Os processos políticos estão diretamente relacionados com o State Building, ou seja,
com o percurso de formação do Estado, seus órgãos e suas relações entre elementos
constitutivos (o povo, o poder e o território). Neste tópico, serão apresentados breve-
mente os elementos formadores dos processos políticos, que são: o Estado, o gover-
no e os grupos de pressão.

É preciso ter em mente que Estado e governo, apesar de aparentarem ser uma coisa
só, são distintos e cumprem funções diferentes. Enquanto o Estado é marcado pelas
relações poder/povo/território e pelos diversos graus de autonomia de seus órgãos, o
governo carrega em si a propriedade de gestão do poder. Existem inúmeras classifi-
cações dos tipos de Estado e formas de governo; sendo assim, trabalharemos com a
simplificação realizada por Dias (2013).

São identificadas duas formas básicas de organização estatal: a organização simples


e a organização composta. Os estados organizados de forma simples são dotados de
um poder central, que rege todos os seus elementos. Nesse tipo de Estado, não há
divisão entre estados e municípios. Os Estados organizados de forma composta se
originam da união de diferentes centros de poder que se vinculam socialmente; eles
podem se unir em federações ou confederações. As federações são uniões de unida-
des políticas cuja autonomia é relativa, estão subjugadas a um poder central; já as
confederações são formadas por unidades autônomas e independentes, unidas por
acordos internacionais.

Os governos, no geral, podem ser classificados como presidencialistas ou parlamen-


taristas. Os governos presidencialistas são aqueles cujo poder executivo é centraliza-
do nas mãos de um governante (o presidente) e o poder legislativo é bicameral, ou
seja, dividido em duas instâncias de decisão (no caso brasileiro, as instâncias são: a
câmara dos deputados e o senado).

58 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

FIGURA 13 - ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS – BRASÍLIA/DF

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Os governos parlamentaristas são aqueles cujas atribuições do executivo e do legis-


lativo são atribuídas ao parlamento. Nesse caso, o chefe de Estado é totalmente
separado do governo e sua função é meramente representativa ou integradora; seu
poder político é limitado e não há possibilidade de integração das chefias de Estado
e governo.

FIGURA 14 - PARLAMENTO BRITÂNICO

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

SUMÁRIO 59
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Os grupos de pressão são organizações sociais que influenciam, direta ou indireta-


mente, na tomada de decisão dentro dos Estados.

FIGURA 15 - GRUPOS DE PRESSÃO: PARTIDO POLÍTICO

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Podem ser organizações estritamente políticas (como os partidos políticos) ou orga-


nizações da sociedade civil (como os sindicatos e associações), que possuem canais
de acesso à área política.

60 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

CONCLUSÃO
Foi possível compreender que a ciência política é dotada de pluralidade, tanto em
seus objetos como em suas abordagens. A filosofia política é de grande importância
para o desenvolvimento político. As temáticas ao redor do poder, do Estado e dos
sistemas políticos, apesar de também serem tratadas por outras áreas do conheci-
mento, são tidas como os objetos de estudo da ciência política. As abordagens plura-
lista (ligada à ideologia liberal) e Marxista (ligada à ideologia socialista) são dominan-
tes nesse campo do conhecimento. E, por fim, a formação dos Estados, dos governos
e os grupos de pressão são os agentes que compõem os processos políticos.

SUMÁRIO 61
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

UNIDADE 4
OBJETIVO
Ao final desta unidade, esperamos
que possa:

> Identificar e descreva as origens históricas dos


Estados Modernos no Ocidente.

> Interpretar e analise as formas de organização


social como processos históricos localizados no
tempo e no espaço.

> Identificar e debata abordagens teóricas e


filosóficas acerca das origens dos Estados
Modernos.

> Analisar fatores sociais, políticos e econômicos


essenciais para o surgimento e consolidação dos
Estados Modernos.

62 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

4 ESTADO MODERNO
À medida que o Estado se torna uma forma de organização fundamental e mais
comum no mundo contemporâneo, surge em nós também a necessidade de
compreender suas origens histórias, filosóficas e sociais. O que é um Estado? Como
ele surge? Como se consolida e perpetua? Existem outras formas de organização
humana? Estado por que e para quem? São vários os questionamentos que podem
surgir em nossa mente quando deixamos de acreditar que o Estado é algo natural,
que sempre existiu e sempre existirá. Ao longo desta unidade, buscaremos respon-
der a algumas dessas perguntas e também criar possibilidades para um pensamen-
to crítico e um questionamento perpétuo acerca dessas invenções.

4.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NOÇÃO DE


ESTADO

Conforme lançamos os primeiros questionamentos acerca das origens dos Estados,


nos deparamos com diferentes interpretações e compreensões acerca desse fenô-
meno. Alguns autores enfatizam as vantagens competitivas dessa forma particular
de organização política, enquanto outros enaltecem as transformações sociais, insti-
tucionais e econômicas, que posteriormente se tornaram possíveis. Todavia, discutir
o Estado é discutir o político.

De acordo com Adauto Novaes, o Estado se apresenta como expressão do poder e,


portanto, negação da política, porque se põe em uma instância exterior e acima da
sociedade, isto é, como esfera capaz de mediar as relações sociais de modo a esta-
belecer o bem comum. Por sua vez, a política, no sentido original e forte do termo,
jamais se confunde com o Estado, pois ela é natureza e essência, isto é, uma inven-
ção permanente dos homens, que não depende de nenhuma autoridade superior
ou exterior, e que por meio dos conflitos incessantes entre o pensado e o impensado,
abre-se à experiência da indeterminação (NOVAES, 2003). Qual é, então, questiona o
autor, a política do Estado/nação?

Historicamente explicáveis, Estado e Nação parecem ter um destino comum:


criar uma ideologia dos tempos modernos, que é o conceito de soberania
(nacional ou popular). É este conceito que dá conteúdo concreto à ideia de
Estado, que supõe a existência de uma vontade comum dos indivíduos e,

SUMÁRIO 63
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

portanto, unidade ideal: é isso que atribui coerência e legitimidade ao poder


do Estado: a soberania “racional e necessária” que emana da vontade do povo
– “realização histórica do Espírito” – e da nação. O Estado é, na expressão de
Hegel, a organização concreta do Espírito de um povo, do qual é a revelação.
O Estado é, portanto, a forma visível da soberania, que, por isso mesmo, atri-
bui-se o poder de resolver à base da violência, quando a ideologia falha, qual-
quer conflito surgido na sociedade, uma vez que povo e Estado representam
a mesma realidade, isto é, “vontade comum” e “unidade racional”. Negação
da multiplicidade do múltiplo, o Estado é a expressão lógica do Um, que se
separa do corpo e da sociedade, tornando-se uma instância exterior e supe-
rior (NOVAES, 2003, p. 17-18).

Essa compreensão do Estado como ideologia e personificação de soberania nacio-


nal, perpetrado historicamente por meio da violência, tem um longo percurso histó-
rico e filosófico. É característico da própria filosofia moderna considerar o Estado
como um “artifício”, embora possa ser discutido se os humanos são ou não, por
natureza, criaturas sociais. Hobbes, Locke e Rousseau iniciaram a tradição moderna,
que avalia os Estados como fruto de um acordo entre seus membros. Por outro lado,
filósofos contemporâneos, como Francis Fukuyama (2011), rejeitam a ideia de Esta-
do de Natureza atribuindo às crenças religiosas (elemento de legitimação) um fator
decisivo sobre as organizações sociais tribais. Assim, na Europa, resumidamente, a
Igreja Católica, ao recuperar as obras clássicas da Idade Antiga, permitiu o desenvol-
vimento do direito canônico e o primado do direito.

Se por um lado pode-se afirmar que as origens dos Estados-nações encontram-se


na modernidade europeia, dar-lhe um conceito é extremante difícil, pois seus múlti-
plos significados alteram-se conforme as demandas do tempo e dos espaços. De
acordo com Cabral Moncada (MONCADA In HORTA, 2010, p. 29), aquilo que chama-
mos de Estado Moderno nacional e soberano não é senão uma das formas ou figu-
ras da vida política. Para Miguel Reale, “o Estado surge quando um povo, alçando
certo grau de evolução ou certo estágio de integração social, se declara livre, afirma
perante os outros povos a sua personalidade, e se provê de meios capazes de tradu-
zir essa afirmação no domínio concreto dos fatos” (REALE, ANO, p. 33). Portanto, o
conceito de soberania é um ponto fulcral do Estado Moderno.

A primeira ideia de soberania aparece em “O discurso da servidão voluntária” (1576),


de Etienne La Boétie, obra na qual o autor faz uma crítica profunda ao poder tirânico
– o “Um” – suportando aquilo que mais tarde seria nomeado dessa forma, de modo
que mesmo sem nunca ter usado este termo é considerado um dos pensadores
mais importantes do século XVI. No mesmo momento, Jean Bodin (1530-1596) escre-
via “Os seis livros da República”, no qual definitivamente o Estado é compreendido

64 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

como “potência soberana” (NOVAES, 2003, p.18). Em “Teoria geral do Estado”, cinco
elementos constituem um Estado: soberania, povo, território, governo e finalidade.

Conforme ensinam Ferreira e Ferreira (2009), o Estado é constituído por: um gover-


no, capaz de ordenar as relações sociais; um atributo de soberania, inerente à sua
própria instituição; um povo, sob sua tutela; um território, espaço sob o qual o poder
é exercido; e uma finalidade, que define a razão da organização política.

Saiba mais

A Teoria Geral do Estado (TGE) está relacionada à história do Estado na


modernidade, sendo, portanto, uma explicação deste. Sua base experimen-
tal é o próprio Estado Moderno, mais especificamente o Estado Constitucio-
nal, que surge após a Revolução Francesa (1789).

Leitura complementar:

BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

DALLARI, Dalmo. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva,


1993.

4.2 FENÔMENOS SOCIAIS, POLÍTICOS E


ECONÔMICOS DE FORMAÇÃO DOS ESTADOS
MODERNOS

São vários os fatores que permitiram o desenvolvimento dos Estados-nações no alvo-


recer da modernidade. Isoladamente, nenhum deles consegue explicar um fenô-
meno tão complexo e polissêmico, mas, como partes de um todo, eles nos ajudarão
a identificar e analisar acontecimentos históricos paradigmáticos para o nascimento
de uma nova era no Ocidente. O desenvolvimento do Estado como o conhecemos

SUMÁRIO 65
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

está intimamente ligado ao nascimento do capitalismo na Europa, à expansão marí-


tima e às reformas religiosas. Longe de encerrar os debates acerca das razões que
conformam a modernidade, as análises aqui apresentadas servem como referência
primária às questões que se seguem.

4.2.1 ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL

As configurações do Estado atendiam às necessidades de um sistema também


nascente na Europa moderna: o sistema econômico capitalista. Assim, a análise
apresentada a seguir baseia-se na interpretação marxista das formas de desenvolvi-
mento pré-capitalistas europeias, mais precisamente o caso inglês.

Em “O capital”, de Karl Marx (1818-1883), apresenta a teoria acerca das formas de


acumulação primitiva de capital na Europa responsáveis pelo desenvolvimento do
capitalismo. De acordo com o autor, a acumulação primitiva diz respeito ao proces-
so anterior à acumulação capitalista. Assim, a destruição das formas medievais de
organização social, econômica e política são o ponto de partida dessa análise.

O sistema capitalista pressupõe a dissolução entre os trabalhadores e a propriedade


dos meios pelos quais se realizam o trabalho. Quando a produção capitalista se torna
independente, não se limita a manter essa dissociação, mas a reproduz em escala
cada vez maior. O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no proces-
so que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um proces-
so que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e
converte em assalariados os produtores diretos (MARX, 1968, p. 830).

Portanto, a acumulação primitiva seria um processo histórico, que dissociou o traba-


lhador dos meios de produção na pré-história do modo de produção capitalista.
Assim, amadureceram duas novas formas de capitais: o capital usurário e o capital
mercantil. Além disso, com as grandes navegações e a descoberta de ouro e prata
nas Américas espanhola e portuguesa, assim como o estabelecimento de um siste-
ma colonial, fazem prosperar o comércio e os monopólios capazes de assegurar a
concentração de capitais na Europa Ocidental.

66 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

As riquezas arrancadas pela Europa por meio da pilhagem (saques), da escravidão


e do massacre dos povos nativos refluíram para a metrópole, nas quais transfor-
maram-se em capital. Também os títulos de dívida pública, o tráfico de escravos, o
arrendamento de terra, o sistema colonial, as práticas protecionistas (mercantilis-
mo), e os monopólios comerciais foram importantes bases de acumulação primitiva.
Desse modo, devastando terras e pessoas no continente e fora dele, desenvolveu-se
o modo de produção capitalista.

SAIBA MAIS

Karl Marx (1818–1883) foi um filósofo e revolucionário socialista alemão. Suas


obras em economia estabeleceram as bases para as compreensões atuais
acerca das relações trabalho e capital. “O manifesto comunista” e “O capital”
são as obras de maior destaque desse grande pensador do século XIX.

Assista também: “O jovem Marx”, Raoul Peck (2016).

4.2.2 GRANDES NAVEGAÇÕES

Algumas das principais circunstâncias que deram ensejo ao início das viagens
marítimas no século XV couberam aos mercadores empenhados em atividades
comerciais cada vez mais intensas. Com isso, o desenvolvimento de novas tecnolo-
gias e conhecimentos geográficos, ainda que imprecisos ou confusos, contribuíram
para que se manifestasse um vivo interesse pela exploração de outras regiões do
mundo. Nesse sentido, o desenvolvimento do pensamento científico, a invenção
das caravelas, o resgate da astronomia, o surgimento de uma disciplina e organiza-
ção de trabalho nas embarcações marítimas, assim como os imaginários acerca do
novo mundo, foram fundamentais para impulsionar o homem recém-saído da era
medieval rumo à modernidade.

SUMÁRIO 67
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

De acordo com Janaína Amado e Luiz Carlos Figueiredo (1992), em “No Tempo das
Caravelas”, enfrentar os oceanos para saber o que havia depois deles, navegar por
diversas rotas desde o Ocidente até o Oriente foi tarefa demorada. As chamadas
grandes navegações constituem um processo de mais de um século – desde a
conquista de Ceuta (1415) – que implicou uma acumulação de conhecimentos e
territórios às nações europeias. Essa árdua e coletiva tarefa envolveu grandes capi-
tais governamentais e particulares, inúmeras vidas humanas, resultando no desen-
volvimento de uma mentalidade moderna, voltada para o conhecimento, para a
valorização da experiência, da ciência e da técnica, e ao encontro de novos cenários
econômicos e culturais.

FIGURA 16 - BÚSSOLA

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Enquanto o resto da Europa achava-se envolvida nos efeitos da crise do século XIV,
Portugal dava o pontapé inicial da expansão marítima. Esse empreendimento tinha
como objetivo encontrar novas rotas comerciais com o Oriente. Contudo, não foi
apenas isso que impulsionou os portugueses às navegações, sendo que diversos
fatores explicam sua proeminência, como a localização geográfica privilegiada, o
domínio de equipamentos e técnicas de navegação, o contato com textos e rela-
tos de viagens, principalmente dos chineses, e o aumento do poder econômico dos
mercadores, assim como da realeza.

Os desdobramentos das conquistas e colonização da América transformaram a


Europa terminantemente. No que diz respeito aos aspectos políticos, econômicos e
sociais dessas mudanças, podemos resumi-los em:

68 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

I) fortalecimento e crescimento dos Estados que tomaram a frente da expansão


marítima como consequência da criação de novos mercados e o aumento dos
lucros;
II) d
 eslocamento do eixo econômico da Europa para os portos no Atlântico;
III) r enovação cultural e desenvolvimento de novas técnicas e saberes;
IV) domínio e massacre dos povos originários do continente americano;
V) a supremacia da cultura europeia por todo mundo.

4.2.3 REFORMAS RELIGIOSAS

As reformas religiosas que ocorreram a partir do século XVI só podem ser compreen-
didas a partir da análise do contexto e das mudanças que se operavam na Europa
Ocidental. Nesse sentido, pode-se dizer que elas são resultado de diferentes conflitos
políticos, econômicos e sociais que varreram o continente naquele período, e que,
somadas à exploração do Novo Mundo e, portanto, ao desenvolvimento do capitalis-
mo moderno, conformam as mudanças de mentalidade necessárias à conformação
dos Estados Modernos.

Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564), precursores do protestan-


tismo, foram os primeiros teóricos dessa nova forma de se viver a fé, para além dos
dogmas e das estruturas da Igreja Católica. Nos idos dos séculos XVI, a sociedade
europeia vivia uma crise religiosa, pois, além do sofrimento das pessoas comuns com
os abusos da Igreja – como a venda de indulgências e as devastadoras consequên-
cias da Inquisição –, a concentração de toda autoridade do mundo temporal nas
mãos do Papa não facilitava as manobras políticas e econômicas dos Estados em
formação. Portanto, uma breve análise desse fenômeno histórico e político denomi-
nado Reforma Protestante visa apontar os caminhos que levaram à formação dos
Estados Absolutistas na Europa.

Sendo um ultra-agostiniano, Martinho Lutero via o homem como indigno e não apto
a seguir as leis de Deus, sendo que, por sua natureza decaída, este viveria em uma
prisão, amaldiçoado e escravo do pecado. Também não havendo nada nos homens
que agrade a Deus, ou que Ele queira, encontramo-nos diante do impasse da salva-
ção. Para se desvencilhar desse entrave, Lutero explicou que Deus havia criado dois
governos: o espiritual e o secular, ou seja, o Reino de Deus e o Governo do Mundo.
Mas, para compreendermos essa dualidade, é necessário identificar a distinção que
o teólogo fez entre os cristãos e os não cristãos.

SUMÁRIO 69
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

De acordo com Lutero, nenhum homem nasce cristão, ele se torna um por meio de
sua fé, sendo justo e totalmente integro, porque “[...] os verdadeiros cristãos têm o
Espírito Santo em seus corações, que os ensina e os leva a amar todas as pessoas,
a não tratar ninguém de modo injusto e a suportar prazenteiramente as injúrias,
até mesmo a morte” (LUTERO In HÖPFL, 2005, p. 12). Enquanto isso, os não cristãos
seriam os injustos, maus e pecadores e, portanto, submetidos à lei e impedidos de
expressarem sua iniquidade, sendo que o mundo constitui-se em sua maioria de
não cristãos. Portanto, o reino de Deus serve àqueles que acreditam verdadeira-
mente em Deus e, por isso, não necessitam de leis ou príncipes, pois agem espon-
taneamente na justiça; sua função é moldar os verdadeiros cristãos e os justos. Já o
governo do mundo existe porque os não cristãos necessitam de leis para conserva-
rem-se em paz e permanecerem quietos, de modo a reprimir os maus e impedi-los
de agir de acordo com suas inclinações.

Apesar de as leis terem sido criadas para os injustos e pecadores, Lutero nos diz que
todos devem obedecê-las e submeter-se à Espada, pois os bons devem ser exemplo
aos primeiros, pois “[...] como um verdadeiro cristão, enquanto se encontra sobre a
Terra, vive para seu próximo e o serve, e não para si mesmo, faz coisas que não são
em seu próprio benefício, mas das quais seu vizinho tem necessidade” (LUTERO In
HÖPFL, 2005, p. 20). Entende-se, com isso, que a submissão deve ser total e de todos.

Para o teólogo francês João Calvino, o reino de Deus, ou reino espiritual, é um dos gover-
nos aos quais a humanidade está submetida: o governo espiritual. Ele rege a alma e o
interior do homem e diz respeito à vida eterna. Já o reino político diz respeito ao gover-
no civil que rege o mundo, cujo âmbito é o estabelecimento da justiça. Assim, em Cris-
to, o cristão pertence a um reino espiritual, mas enquanto cidadão que está no mundo,
deve se submeter às suas leis. Por outro lado, devido à sua origem divina, as autorida-
des civis teriam direito à obediência em geral, mas dos cristãos em particularmente.

Segundo o teólogo, conforme suas leituras em Paulo, “[...] todo poder existe por deter-
minação divina e que não há nenhum poder que não esteja estabelecido por Deus”.
Ele prossegue e afirma que “[...] os príncipes são ministros de Deus, encarregados de
honrar aqueles que agem corretamente e executar a vingança de sua ira contra os
que praticam o mal” (CALVINO In HÖPFL, 2005, p. 79).

Entende-se, portanto, que Lutero e Calvino foram mais do que teóricos de uma nova
prática religiosa, mas influências de uma nova forma de governar, que começava

70 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

a ganhar força na Europa. As implicações políticas da Reforma Protestante estão


na refutação da ideia de a Igreja possuir poderes de jurisdição, além da crítica ao
pressuposto de que o clero constituía-se em uma classe distinta e com privilégios
específicos. Desse modo, cria-se um vazio de poder e abre-se caminho para a figura
radiante do príncipe, e principalmente novas bases de legitimação do poder.

SAIBA MAIS

Martinho Lutero (1483–1546) foi um monge agostiniano e teólogo germâni-


co de destaque da Reforma Protestante. Suas “95 Teses” (1517), como poste-
riormente ficaram conhecidas, apregoadas na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg, são consideradas o primeiro ato público e notório no desenvol-
vimento das reformas religiosas do século XVI e XVII. Acusado de heresia e
excomungado da Igreja, forneceu as bases para o nascimento da corrente
luterana.

João Calvino (1509 – 1564) foi um teólogo francês também de suma impor-
tância para a Reforma. Suas ideias criaram uma corrente dentro do protes-
tantismo, o calvinismo, que rapidamente espalhou-se pela Europa.

Assista também: “Lutero”, de Eric Till (2003).

4.3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E FILOSÓFICOS


DOS ESTADOS MODERNOS

Várias teorias buscam explicar e justificar a origem dos Estados. Além da perspectiva
contratualista – mais consolidada em termos históricos –, diversos outros pensado-
res e correntes filosóficas poderiam ser mencionados. Todavia, para nossos objetivos,
isto é, identificar e analisar os fatores que conformam o Estado na modernidade,
nos deteremos nas teses contratualistas (Teoria Positiva do Estado). Ainda assim, é
possível afirmar que o Estado é um fenômeno original e histórico de dominação, o

SUMÁRIO 71
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

qual é conformado pelos modos de produção que o engendram. Portanto, o Esta-


do, em sua primeira versão (absolutista), nasce das necessidades do capitalismo em
desenvolvimento na Europa, na passagem da Idade Média à Moderna. Logo, não
se pode falar em continuidade evolutiva do Estado, pois são as condições socioeco-
nômicas que fazem emergir as formas de dominação necessárias à hegemonia da
classe dominante (STRECK; MORAIS, 2006, p. 28).

4.3.1 JUSNATURALISMO: MODELO CONTRATUALISTA

De acordo com Streck e Morais, em “Ciência política e Teoria Geral do Estado”, a visão
instrumental da tradição contratualista do Estado aponta essa instituição como cria-
ção artificial dos homens, isto é, instrumento da vontade racional dos indivíduos que,
na busca de determinados fins, marcam as condições de sua criação. Essa perspec-
tiva, advinda da escola jusnaturalista contratualista, é essencial para a compreensão
da trajetória dos Estados Modernos europeus e suas estruturas institucionais, pois
este modelo de Estado baseia-se na valorização do indivíduo como agente racio-
nal de sua organização política e, consequentemente, colabora com a alteração dos
valores morais da sociedade moderna.

O contratualismo moderno foi uma vertente filosófica que floresceu do século XVI
ao XVIII. Suas estruturas básicas podem ser resumidas na transposição entre Esta-
do de Natureza para o Estado Civil, mediada pelo Contrato Social, estabelecendo,
portanto, uma teoria acerca das origens do Estado, assim como dos fundamentos
do poder político (acordo de vontades). De acordo com os autores acima citados,
para a escola contratualista, o Estado Civil nasce como um artifício da racionalidade
humana, com a finalidade de remediar as carências inerentes ao Estado de Natu-
reza, construído, portanto, como hipótese lógica negativa ou como fato histórico
remoto. Logo, o contrato surge como fundamento de legitimação de um Estado já
existente e como base de construção de um sistema jurídico. Assim, afirma Ricar-
do Guanabara (2009), que o Estado, na teoria jusnaturalista, seria portanto, fruto da
vontade racional dos homens, resolvendo um problema essencial que se colocava
na época: “[...] se os indivíduos são soberanos, justificar-se-ia a necessidade de forma-
ção dos Estados nacionais como forma de organização originada na vontade sobe-
rana do homem, na razão e no cálculo dos custos e benefícios da transferência da
soberania” (GUANABARA In FERREIRA. et al., 2009, p. 17).

72 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

4.3.1.1 O ESTADO DE NATUREZA

Para muitos filósofos, a ideia de um Estado de Natureza constitui uma hipótese


lógica negativa, isto é, sem ocorrência real, sendo, portanto, uma abstração que
serve de justificação a uma sociedade política organizada. Resumidamente, o
Estado de Natureza seria a contraface do Estado Civil, um estágio pré-político e
social; mas isso não significa dizer que os homens viviam em “estado selvagem”.
Mas é importante ressaltar que não há uniformidade no que diz respeito às condi-
ções do Estado de Natureza.

Para os filósofos Thomas Hobbes (1588-1679) e Spinoza (1632-1677), por exemplo, este
seria um estado de guerra, insegurança e domínio dos mais fortes sobre os mais
fracos. Em contraposição, em “Discurso sobre a origem da desigualdade” (1755),
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) descreve a trajetória do homem em sua condi-
ção de liberdade até o surgimento da propriedade e, consequentemente, do esta-
belecimento do Estado Civil. Trata-se de uma história hipotética necessária para a
compreensão da “natureza das coisas. A frase que abre “O contrato social” (1762) nos
dá uma ideia da noção rousseauniana do estágio primitivo da humanidade, no qual
os homens seriam livres e iguais.

John Locke (1632-1704) também compreendia o Estado de Natureza como um esta-


do de tranquilidade social, embora, afirmasse que

[...] Ainda que naquele estado o homem tenha uma liberdade incontrolável
para dispor de sua pessoa ou posses, não possui, no entanto, liberdade para
destruir a si mesmo ou a qualquer criatura que esteja em sua posse [...]

E para evitar que todos os homens invadam os direitos dos outros e que mu-
tuamente se molestem, e para que a lei da natureza seja observada, a qual
implica na paz e na preservação de toda a humanidade, coloca-se, naque-
le estado, a execução da lei da natureza nas mãos de todos os homens, por
meio da qual qualquer um tem o direito de castigar os transgressores dessa
lei numa medida tal que possa impedir a sua violação (LOCKE In WEFFORT,
2008, p. 91).

Entretanto, seriam muitas as dificuldades de um Estado de Natureza no qual cada


homem é juiz em causa própria, resultando em um Estado de Guerra, no qual um
tenta subjugar o outro sob seu poder.

SUMÁRIO 73
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Quando os homens vivem juntos conforme a razão, sem um superior comum


na Terra que possua autoridade para julgar entre eles, verifica-se propria-
mente o Estado de Natureza. Todavia, a força, ou o desígnio declarado de for-
ça contra a pessoa de outrem, quando não existe qualquer superior comum
sobre a Terra a quem apelar, constitui o estado de guerra; e é a necessidade
de semelhante apelo que dá ao homem o direito de guerra mesmo contra
um agressor, ainda que este esteja em sociedade e seja igualmente um súdi-
to. [...] A falta de um juiz comum com autoridade coloca todos os homens em
um Estado de Natureza; a força sem o direito sobre a pessoa de um homem
provoca um estado de guerra não só quando há, como quando não há um
juiz comum [...] (LOCKE In WEFFORT, 2008, p. 91).

4.3.2 CONTRATO SOCIAL

Em todos os autores citados, percebe-se uma fissura na organização social primitiva,


de tal forma que surge a necessidade de se estabelecer as condições para a tran-
sição do Estado de Natureza para o Estado Civil. O contrato social trata-se de um
pacto que os homens estabelecem entre si, de modo a se verem livres dos inconve-
nientes do estágio de natureza.

Sinteticamente, pode-se dizer que, para Hobbes, o contrato social é resultado do


pacto firmado entre os homens para preservarem sua vida, já que no Estado de
Natureza reina a guerra permanente. Logo, os homens despojam-se de suas liber-
dades para receberem segurança do Leviatã (Estado). A base jurídica, para tanto,
seria uma lei natural (lex naturalis), isto é, um preceito geral que proíbe o homem de
destruir sua vida ou privar-se dos meios para sua conservação.

Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os


homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: Que um homem con-
corde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere
necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direi-
to a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a
mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo
(HOBBES In WEFFORT, 2008, p. 60)

Quando n’O Contrato Rousseau questiona-se acerca das condições nas quais o
homem perde sua liberdade, ele busca, na verdade, resolver o problema da legiti-
midade dessa mudança paradigmática. De acordo com Milton Meira do Nascimen-
to, o que se pretende é estabelecer as condições de um pacto legítimo, no qual os
homens, após perderem sua liberdade natural, ganham a liberdade civil. O contrato
seria uma forma de alienação sem reservas, na qual cada associado entregaria seus
direitos em favor da coletividade. Afirma o filósofo francês:

74 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Portanto, se afastarmos do pacto social aquilo o que não constitui a sua essência,
acharemos que ele se reduz aos seguintes termos:

“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supre-
mo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como
parte indivisível do todo.”

Logo, ao invés da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação


produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a assem-
bleia de vozes, o qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua
vida e sua vontade. A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras,
tomava outrora o nome de cidade, e hoje toma o de república ou corpo político, o
qual é chamado por seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando
é ativo; autoridade, quando comparado a seus semelhantes. No que concerne aos
associados, adquirem coletivamente o nome de povo, e se chama particularmente
cidadãos, na qualidade de participantes na autoridade soberana, e vassalos, quan-
do sujeitos às leis do Estado. Todavia, esses termos frequentemente se confundem
e são tomados um pelo outro. É suficiente saber distingui-los, quando empregados
em toda a sua precisão. (ROUSSEAU, 2002, p. 25-26).

Para Locke, o homem nasce livre e desfrutando perfeitamente de suas liberdades e


privilégios advindos da lei da natureza, mas o estabelecimento da comunidade políti-
ca só se torna possível quando seus membros renunciam ao “próprio poder natural”,
passando-o às mãos da comunidade: “[...] Os que estão unidos em um corpo, tendo
lei comum estabelecida e judicatura para a qual apelar, com autoridade para decidir
controvérsias e punir os ofensores, estão em sociedade civil uns com os outros [...]”
(LOCKE, Ob. cit., p. 96).

4.3.3 ESTADO CIVIL

As diferentes compreensões acerca do Estado de Natureza, assim como das razões


para o estabelecimento do contrato social, certamente têm como consequência
diferentes interpretações do poder, de sua legitimidade e do Estado Civil.

Para Hobbes, a passagem para o Estado Civil se estabeleceria por meio de um contra-
to social fundamentado em uma lei natural, que impulsiona os homens a buscarem
a preservação da própria vida. Entretanto, não basta que exista uma fundamenta-
ção jurídica, mas é necessário que exista um Estado armado e capaz de obrigar os
homens ao respeito.

SUMÁRIO 75
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade,


ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mes-
mas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeita-
das, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para
a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem
a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a
ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quan-
do tem vontade de respeitá-las e quando pode fazê-lo com segurança), se
não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança,
cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria
força e capacidade, como proteção contra todos os outros (HOBBES In WEF-
FORT, 2008, p. 61).

De acordo com Renato Janine Ribeiro, Hobbes conclui que o Estado é a própria
condição para haver uma sociedade. Consequentemente, o governo, sendo a condi-
ção para que os homens vivam em paz, deve ser ilimitado. É importante destacar que
o soberano não assina o contrato – que é firmado entre os súditos. Nesse momento,
ainda não existe um soberano, ele surge após o estabelecimento do pacto e disso
resulta sua isenção de qualquer obrigação.

O tema da propriedade privada é, portanto, fundamental para a compreensão das


análises supracitadas. Ele mostra a crescente preocupação da filosofia com o anti-
quíssimo problema da desigualdade entre os homens, além de marcar tradições
teóricas a esse respeito. Outrossim, Locke afirma em “Dois tratados sobre o governo
civil” (1681): “O objetivo grande e principal, portanto, da união dos homens em comu-
nidades, colocando-se eles sob governo, é a preservação da propriedade.” (LOCKE, ob.
cit., p. 99).

Para Rousseau, a fundação do corpo político se dá mediante a alienação total dos


indivíduos, sendo o Estado, em seu corpo administrativo, o responsável pela reali-
zação dos fins a que se destinou o contrato. Entretanto, como ensina Milton Nasci-
mento, o governo, para o filósofo francês, seria um funcionário do poder soberano
(povo), limitado e não autônomo. Assim, qualquer forma de governo que venha a se
estabelecer deverá submeter-se ao poder soberano do povo.

4.4 ESTADOS MODERNOS

A formação dos Estados Modernos europeus se insere em um contexto de desenvolvi-


mento do capitalismo e, portanto, de profundas alterações nas relações políticas, econô-

76 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

micas e sociais. Durante a Idade Média, a Europa dividia-se em diversos reinos, nos quais
o poder político se subdividia entre reis, senhores feudais e os governos das comunas.
O processo de fortalecimento das monarquias nacionais iniciou-se no final desse
período após inúmeras revoltas camponesas, o desenvolvimento do comércio e
a ascensão da burguesia, assim como o enfraquecimento do poder dos senhores
feudais. Também a criação de um exército unificado, o desenvolvimento de uma
burocracia cada vez mais especializada, a instituição de uma legislação única e de
um sistema tributário nos permitem traçar as conjunturas desse novo paradigma de
organização social: o Estado nacional soberano.

De acordo com João Carlos Brum Torres (1989),

A ideia de soberania é resultante doutrinária, mas também um instrumento,


de um longo processo de concentração e centralização do poder [...]. O que
significa dizer que para falar de Estado Moderno é necessário o fim da insta-
bilidade decorrente da rivalidade entre as grandes casas dinásticas, a recusa
terminante das injunções das autoridades religiosas nas questões propria-
mente políticas, assim como a superação das estruturas dualísticas típicas do
que os alemães denominam de Ständestaat. Portanto, que o rei seja efetiva-
mente imperator in regno suo, não reconhecendo nenhum poder terreno su-
perior ao seu em todas as questões políticas, está a propriedade fundamental
da soberania e também o primeiro pré-requisito à concepção moderna de
poder estatal (TORRES, 1989, p. 47).

A esses processos se ajuntam construções doutrinárias que refletem as transforma-


ções políticas e, consequentemente, buscam legitimar as novas formas de domi-
nação. Nesse sentido, as noções de público e privado se reconstituíam conforme a
centralização do poder aumentava, o aparelho burocrático se ramificava e as finan-
ças públicas se estabeleciam. Também a noção de soberania foi resultado de uma
doutrina e instrumento de um longo processo de concentração e centralização do
poder, possíveis devido ao desenvolvimento de forças de fixação e centralização
geográfica, ao afastamento do príncipe das redes de vassalagem e à consolidação
de seu poder frente aos nobres, assim como a Igreja Católica.

Comunas: as comunas eram cidades autônomas e tinham autoridade para


regular o comércio, instituir impostos, controlar a justiça local, etc.

SUMÁRIO 77
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

À ideia de soberania, junta-se a pretensão de teóricos, como Bodin, em compreen-


der o soberano como fonte de toda lei e, portanto, absoluto. O mesmo está em
Leviatã, de Hobbes: a celebração do pacto, no qual todos e cada um, transferem
a um homem ou assembleia, o direito de se autogovernarem, se constitui o Esta-
do. Para ambos, a existência da comunidade depende da instituição de um poder
vertical fruto da abstração de vontade dos particulares, que, portanto, institui uma
ordem universal e compulsoriamente reconhecida. Nos dois autores, a ênfase está
na proeminência e separação do elemento estruturante do corpo político, que
passa a súdito.

De acordo com Torres, essas construções doutrinárias são reflexos de processos polí-
ticos nos quais constituía-se um espaço público.

Neste plano reconstituía-se um domínio público graças à afirmação sempre


crescente no poder real, o desenvolvimento de um aparelho burocrático dife-
renciado, o estabelecimento de finanças efetivamente públicas e assim por
diante. Este novo domínio, porém, se efetivamente vai progressivamente es-
vaziando a relação pessoal de vassalagem, forma fundamental das relações
propriamente feudais, nem por isto se organiza como o terreno no qual inte-
ragem os cidadãos. Ao contrário, ao vassalo sucede não cidadão, mas o súdito
(TORRES, 1989, p. 53).

A elucidação da natureza desse novo espaço público, no entanto, exige a compreen-


são de dois processos essenciais em sua constituição: a despatrimonialização do
exercício do poder e a despersonalização do poder público.

A expressão despatrimonialização, inspirada na categoria de análise weberiana de


patrimonialismo, quer dizer da substituição progressiva das rendas dos senhores
feudais por impostos, tendo por base a despesa governamental.

Ademais, também é preciso entender as modificações sobrevindas na natureza e


no sentido dos serviços prestados pelos agentes administrativos do Estado. Esse
processo, cuja face fundamental é, no âmbito jurídico, uma nítida separação entre
público e privado, no administrativo, a constituição de uma burocracia nacional, no
militar, a formação de um exército permanente sustentado pelos cofres públicos,
e no financeiro, a demarcação clara entre bens públicos e privados do governante,
foi uma construção secular variante conforme os tempos e lugares que tornaram
possíveis a consolidação das estruturas estatais, seja pela difusão da justiça real, pela
regularização da tributação, pela burocratização dos instrumentos do governo ou
pela distribuição administrativa.

78 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Outra dimensão importante do processo de despatrimonialização do poder é cons-


tituída pelas finanças públicas, assim como a sobreposição da justiça real e o conse-
quente rebaixamento das justiças senhoriais.

Em relação ao processo de despersonalização do poder, João Carlos Torres afirma a


importância da consolidação dos princípios de sucessão dinástica e de inalienabili-
dade do domínio real:

Assinale-se que a teoria da continuidade dinástica, apoiando-se na ficção


legal da unidade de pai e filho, como fundamento presumido da continui-
dade do domínio na sucessão em direito privado, visava abolir o interregno,
assegurando assim que, mesmo ao nível do corpo natural, o rei não morreria
nunca (TORRES, 1989, p. 71).

Dessa maneira, o problema da legitimidade dinástica assumiu duas soluções:

I) jurídica e laica, categorizada por Johannes de Terra Rubeam, para qual o funda-
mento da sucessão dinástica é o costume e lei fundamental do reino;

II) teleológica, denominada doutrina do direito divino dos reis, na qual se combi-
nam a ideia de superioridade natural de uma casta – fundamentada na leitura de
São Paulo: “non est postestas nisi a Deo” (não há poder que não venha de Deus)
– e o caráter divino da investidura (São Gregório), cujos expoentes máximos são
Jacques Bossuet e Jean Bodin.

Patrimonialismo: conceito desenvolvido pelo sociólogo Max Weber (1864-


1920) com o objetivo de caracterizar uma extensão da estrutura de domina-
ção patriarcal na qual esfera pública e privada se confundem quase indis-
tintamente.

SUMÁRIO 79
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

SAIBA MAIS

Jacques Bossuet (1627-1704): bispo e teólogo francês, teórico da doutrina do


direito divino dos reis, sendo sua principal obra “La Politique tirée de l’Écritu-
re sainte”, publicada em 1709.

Jean Bodin (1530-1596): jurista e professor francês conhecido principalmente


por ter desenvolvido a ideia de soberania, que legitimou as monarquias abso-
lutistas do século XVI.

4.4.1 MONARQUIA ABSOLUTISTA

De acordo com Torres (1989), o Estado Absolutista não é uma forma de Estado Moder-
no, pois neste é essencial a distinção entre o poder político e seu titular, sem o qual
não existe uma esfera efetivamente pública, estranha ao patrimonialismo. Contu-
do, outros autores, como Streck e Morais (2006), consideram os Estados Absolutistas
como primeira expressão dos Estados Modernos. Sem causar polêmica, serão apre-
sentados suplementos para uma análise e caracterização dessa forma histórica de
organização do poder político, que deve ser compreendida como um fator localiza-
do no tempo e no espaço.

A formação dos Estados Modernos é um processo de longa duração, que progrediu


por vias sinuosas num processo de permanências e rupturas. Isso nos sinaliza para
a necessidade de nunca olhar os processos históricos como evolutivos e lineares.
As instituições políticas não progrediram no período de formação do Estado Moder-
no na direção de desvinculação clara entre poder político da figura do governante e
da administração pública de seus titulares (despersonalização); na verdade:

Pode-se mesmo dizer que, ao contrário, à medida que o poder real se con-
solida, isto é, uma vez assegurada a independência completa das injunções
papais, quebrada e absorvida a alta nobreza, constituído um aparelho admi-
nistrativo centralizado e relativamente eficaz, ele tende a ser repersonalizado
(TORRES, 1989, p. 72).

80 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Portanto, mesmo nas fórmulas absolutistas, subsistem elementos de despersona-


lização. Assim, o notamos na doutrina dos dois corpos do rei, na qual o rei é dupla-
mente caracterizado por um corpo humano e pessoal e a uma existência pública
e política, componentes do corpo místico do rei. Logo, quando Luís XI diz: “Eu sou
a França”, ou Luís XVI afirma: “O Estado sou eu”, joga-se com essa dualidade. Não
obstante, elas também revelam a tentativa de obter poder sem contestações. Assim,
afirma Kantorowicz:

De modo que o rei tem um corpo natural, adornado e investido com o domínio e
dignidade reais; e não tem um Corpo natural distinto e dividido por si próprio do
ofício e dignidade reais, mas tem um corpo natural e um corpo político reunidos e
indivisíveis; e estes dois corpos são incorporados numa pessoa e fazem um corpo,
não diversos, isto é, o corpo corporativo no corpo natural, et e contra o corpo natu-
ral no corpo corporativo. De modo que o corpo natural por esta conjunção do corpo
político a ele (o qual o corpo político contém o corpo, o governo e a majestade reais)
é engrandecido e pela dita consolidação tem em si o corpo político (KANTOROWICZ
In TORRES, 1989, p. 74).

Assim, a dimensão corporativa e abstrata do reino não desaparece ao ser atribuí-


da ao rei, pois ele próprio passa a ser uma realização da dignidade do rei, ou seja,
o rei se torna uma espécie de corporação formada pela articulação de todos os
membros da Coroa, com a corporação individual e sucessiva, haja vista a continui-
dade da dignidade real, que não sofre descontinuidades nem é alçada sequer com
a morte do soberano.

Conforme José Carlos Brum Torres, em relação à pretensão absolutista em absorver


todo o corpo político no corpo do rei, o que a história mostrará é que justamente a
representação do corpo ampliado do rei será investida na burguesia, numa luta polí-
tica na qual será construído o corpo da nação, primeiramente como realidade irre-
dutível ao corpo real e, depois, como representação incompatível com ele.

A formação estatal que começa a adquirir clareza nos Estados Absolutistas é resulta-
do do processo combinado de soberania, despatrimonialização e despersonalização
do poder. Assim, ressurge o domínio público, o qual passa a definir positivamente a
abstração Estado Moderno, referida como “[...] inevitável ficção de que esta instância
abstrata representa e em algum sentido incorpora, congrega e une a multiplicidade
diversa que é formado o todo social” (KANTOROWICZ In TORRES, 1989, p. 76).

SUMÁRIO 81
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Assim, salienta o autor que o Estado é abstrato porque se apresenta como lugar
institucional em que uma comunidade real encontra unidade e identidade: “A
abstração está em que unidade, medida e identidade encontram-se fora da vida
social efetiva, determinando-se como uma projeção autonomizada da sociedade
que retorna sobre ela para sintetizá-la, regrá-la e dar-lhe figura” (KANTOROWICZ In
TORRES, 1989, p. 77).

CONCLUSÃO
Sendo o Estado uma forma de organização fundamental e cada vez mais comum no
mundo contemporâneo, surge em nós a necessidade de compreender suas origens
históricas, filosóficas e sociais. Conforme verificamos, apesar de haver uma polisse-
mia de sentidos para a noção de Estado, este pode ser compreendido como um
constructo histórico localizado na Idade Moderna europeia. Em Teoria Geral do Esta-
do, a tríade povo, território e soberania caracteriza este fenômeno original e histórico
de dominação, o qual é conformado pelos modos de produção que o engendram.

O desenvolvimento do Estado está intimamente ligado ao desenvolvimento do


capitalismo, pois como bem observou Karl Marx, o processo de acumulação primiti-
va de capital reorganiza a antiga sociedade medieval dando origem à modernidade.
Nesse sentido, observa-se o surgimento de práticas mercantilistas, o nascimento da
classe burguesa, novas formas de exploração do trabalho e a colonização das améri-
cas. Há também uma renovação de saberes e tecnologias, além de um deslocamen-
to de mentalidades.

O Estado, em sua versão absolutista, nasce das necessidades do capitalismo em


desenvolvimento, e justifica-se na visão instrumental da doutrina contratualista
como criação da racionalidade humana, concedida na chave estado de natureza e
estado civil. Estas compreensões embasam o fortalecimento das monarquias nacio-
nais a partir do século XVI, enquanto avança a ideia de soberania, a teoria de separa-
ção entre público e privado e o direito moderno.

82 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

UNIDADE 5
OBJETIVO
Ao final desta unidade, esperamos
que possa:

> Descrever conceitos essenciais junto aos estudos


acerca do poder e da política.

> Identificar distintas teorias e pontos de vista acerca


desses conceitos.

> Debater sobre nossa sociedade atual.

SUMÁRIO 83
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

5 O PODER POLÍTICO
O estudo das diferentes relações de poder permite uma compreensão ampla em
torno da organização da nossa sociedade e dos indivíduos. Ao longo da unidade
serão apresentados importantes intelectuais que se propuseram a compreender
essa questão. Suas teorias serão analisadas à luz do contexto histórico do passado e
do presente, permitindo uma reflexão sobre a estruturação do poder na atualidade.

5.1 O PODER POLÍTICO

Quando se busca compreender a conceituação de “poder”, antes de tudo, deve-


-se ter em mente que estamos diante de um conceito que não se isola nos deba-
tes acadêmicos; pelo contrário, o poder está presente nas relações humanas desde
os primórdios de sua existência, sendo considerado um de seus mais importantes
processos de socialização.

Apesar de o poder estar presente em toda a estrutura e relação social, há, no entan-
to, uma espécie de hierarquia que, por meio do poder, difere um grupo social do
outro. Apesar dessa hierarquia que divide os grupos, outro tipo de poder, no entan-
to, é considerado superior e comum a todos os grupos sociais: o poder político. Este
pode ter a função de organizar a sociedade ou simplesmente exercer a dominação
de um grupo sobre o outro, sendo soberano em relação aos demais poderes. Sua
aceitação ou legitimidade se dá pelo fato de ser necessária para a organização social.

Observando o poder em seu caráter abstrato, torna-se mais fácil a aceitação de suas
regras impostas. No entanto, vale pontuar que o poder é exercido por pessoas físicas
reais que determinam a ação dos demais.

Outro ponto importante a ser destacado em relação ao poder é que, de fato, de


tempos em tempos, este grupo dominante tem seus indivíduos substituídos por
outros, que têm a função de manter as regras do poder, sendo perpetuadas ao longo
do tempo. Esse grupo é chamado de elite (DIAS, 2013).

84 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

5.1.1 O QUE É PODER?

Quando se afirma que exercer o poder é um processo social, estamos dizendo que
esse grupo detentor do poder determina ou modifica ações de outros grupos.

O poder está diretamente relacionado às práticas culturais, uma vez que estabele-
cem o que têm ou não valor social para o grupo. Seja qual for o elemento, atividade
ou crença atribuídos como importantes para o coletivo, estes serão utilizados como
formas de poder sobre os demais, sendo que aqueles que dominam tais elementos
são também os indivíduos mais valorizados.

Além disso, para que existam relações de poder, é necessário que haja mais de uma
pessoa, grupos ou organizações, uma vez que o poder intermedia relações sociais,
sejam elas de caráter econômico, cultural, familiar, militar, entre outros. Na prática,
são compreendidos como: poder econômico, poder cultural, poder familiar, poder
militar etc. Podemos assim dizer que na sociedade existem vários tipos de poder,
assim como vários atores sociais. Por outro lado, coexistem também diversos tipos
de enfrentamento que representam uma “parte fundamental da vida social, cons-
tituindo-se de fato no pleno exercício da vontade e da liberdade” (DIAS, 2013, p. 30).

Para alguns pesquisadores, o poder tem sua origem na coação, uma vez que sempre
se pressupõe a capacidade de se decidir sobre o outro. Neste processo social, obvia-
mente, estamos diante de uma relação em que um demonstra superioridade em
relação ao outro ou aos demais. Essas situações sociais, portanto, estabelecem víncu-
los de dependência, sendo benéficas ou prejudiciais para os atores sociais envolvi-
dos. Segundo Reinaldo Dias (2013, p. 30), “a base essencial do poder está na submis-
são e no conformismo dos membros do grupo sobre o qual atua”.

Outros estudiosos, para facilitar a compreensão acerca da ideia de poder, o asso-


ciam ao dinheiro, uma vez que aquele que o tem exerce ação de autoridade frente
aos demais.

Autoridade – segundo Talcott Parsons (1970, p. 105), autoridade pode ser


compreendida como “a qualidade politicamente crucial de um status numa
estrutura social”. Já o poder é definido pelo autor como “a capacidade de
um sistema social para mobilizar recursos para atingir metas coletivas”.

SUMÁRIO 85
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Em resumo, Dias (2013) define poder como:

A maior parte dos cientistas sociais compartilha da ideia de que poder é a


capacidade para afetar o comportamento dos outros. O poder pode ser con-
siderado um meio que o grupo ou indivíduo tem de fazer com que as coisas
sejam realizadas por outros indivíduos ou grupos [...] No entanto, o poder po-
lítico na realidade não é urna coisa, como possa parecer, que pode ser objeto
de posse, mas constitui uma relação entre pessoas. (DIAS, 2013, p. 32-33)

O poder, então, é legitimado por aqueles que não o têm, mas o aceitam, o
reconhecem e o cumprem.

5.1.2 TIPOS DE PODER

Segundo Aristóteles (2005), três tipos de poder podem ser apontados em nossa
sociedade, com base na observação dos diferentes indivíduos que se beneficiam do
exercício do poder:

1) Do pai sobre os filhos.

2) Do senhor sobre os escravizados.

3) Do governante sobre os governados.

Em contrapartida, conforme as ideias de Norberto Bobbio (2000), os tipos de poder


identificados em nossa sociedade são:

1) P
 oder econômico – aquele que tem posses modifica as ações dos demais.

2) Poder ideológico – aqueles com mais influência nas ideias expressas alteram o
comportamento dos outros.

3) Poder político – possui instrumentos que exercem força de coação em relação aos
demais indivíduos e possuem todo tipo de arma para isso.

86 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

5.1.3 PRINCIPAIS FONTES DE PODER

As principais fontes do poder são a força e a autoridade. Mas dificilmente são exer-
cidas isoladamente, pelo contrário, quase sempre estão associadas em diferentes
graus, pondo em prática suas leis sobre os indivíduos ou grupos.

Em primeiro lugar, em relação à força, esta é compreendida como uso ou ameaça


de coerção física. Esta coerção é posta em prática por uso de armas de tipos varia-
dos, como a força física, o uso de uma arma de fogo, o status econômico ou capital
cultural e intelectual.

O maior detentor desta força é o Estado, que tem garantido o monopólio e os meios
necessários para sua organização. A força é uma das características mais importan-
tes do Estado, que a utiliza para garantir sua vontade frente à população.

No que se refere à autoridade, podemos dizer que esta se manifesta como certo tipo
de direito adquirido e estabelecido para que decisões sejam tomadas e ordenadas
ao outro. Ou nas palavras de Dias (2013):

Compreendemos autoridade como um direito estabelecido para tomar de-


cisões e ordenar ações de outrem. Dito de outro modo é a legitimação do
poder através da incorporação de conteúdo jurídico e/ou moral, ou seja, nor-
mas ritualizadas nos costumes ou codificadas no direito. Essa legitimidade
assenta-se sobre o consentimento durável e tendente a unanimidade entre
os membros de uma sociedade ou de um grupo social. (DIAS, 2013, p, 34).

A autoridade, no entanto, conforme defendido por pesquisadores como Giovani


Sartori (1965), não deve ser entendida como oposta à democracia, justamente pelo
fato de que é interesse daquele que foi eleito, por exemplo, a redução do poder, e
não a sua conquista.

No entanto, foi Max Weber que mais contribuiu no campo dos estudos sobre auto-
ridade, identificando três tipos distintos já bastante conhecidos e estudados pelos
cientistas sociais: as autoridades tradicional, carismática e burocrática (ou racional).

1) Autoridade tradicional: como o nome sugere, este tipo de autoridade se dá pelo


uso de crenças, por causas ligadas à tradição e normas sagradas. Esta não ocorre
pelo uso da força ou de leis; são seguidas naturalmente por aqueles que a legiti-
mam, pois fazem parte do costume. Exemplo: monarquia.

SUMÁRIO 87
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

2) Autoridade carismática: este tipo de autoridade ocorre por meio do carisma e


das qualidades daquele que a exerce (líder). O carisma pode ser por uma imagem
de sabedoria, santidade. Inclusive, sua natureza, segundo Weber, quase sempre é
religiosa e pressupõe estabilidade e durabilidade. Exemplo: heróis guerreiros.

3) Autoridade burocrática: esta autoridade é posta em prática baseada na posi-


ção ou cargo que determinado indivíduo ocupa. Ou seja, exercerá tal autoridade
enquanto permanece em tal cargo. É legítima, pois estabelecida por lei, seu prin-
cípio legitimador. Quando pensamos na autoridade burocrática estamos diante
de organizações do Estado e seus distintos cargos de poder. Tais organizações
também constroem uma estrutura hierárquica de poder quando tais cargos se
encontram em diferentes níveis. Exemplo: sociedade contemporânea.

5.2 O PODER POLÍTICO NA CONCEPÇÃO DE


MAQUIAVEL
FIGURA 17 - NICOLAU MAQUIAVEL
Muito do que entendemos hoje como
teoria política tem suas raízes nas ideias de
Nicolau Maquiavel, em sua obra O Príncipe,
onde são feitas reflexões acerca do Estado,
bem como seu uso do poder.

Nicolau Maquiavel – nasceu em Florença,


Itália (1469-1527). Faz parte da corrente filo-
sófica do Humanismo Cívico. Formou-se na
Universidade de Florença, sendo uma espé-
cie de diplomata em sua cidade. Foi preso,
torturado e, ao longo do período de isola-
mento, desenvolveu suas ideias sobre reali-
dade e estabilidade do Estado. Uma de suas
obras mais importantes, O Príncipe (1532),
Fonte: SHUTTERSTOCK. Niccolo Machiavelli face por-
trata da ética e sua ligação com a política. trait on Italian lira banknote close up macro, father
of modern political science. Disponível em: <https://
www.shutterstock.com/pt/image-photo/nicco-
lo-machiavelli-face-portrait-on-italian-790980118?src=-
6UAVSxQla8SVap2upKLrvQ-1-1>. Acesso em: 18 out. 2018.

88 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Maquiavel rompe com a tradição medieval quando analisa a política de maneira real,
e não mais relacionada com a religião e a moral. Vale lembrar que, naquele tempo,
política, religião e moral eram termos inseparáveis. Segundo Maquiavel, política era
uma espécie de técnica a serviço do poder.

Em relação à obra O Príncipe, Dias (2013) explica:

Em O príncipe, oferece um estudo da dinâmica de governo, dos meios e cir-


cunstâncias que conduzem a obtenção e manutenção do poder, além de
mostrar os erros que podem ser cometidos e como evitá-los. Defendeu que
para se ter êxito com o poder todos os meios se justificam. No período em
que Maquiavel escreve, a Itália estava dividida em diferentes reinos, ducados
e repúblicas, marcada por profundas divisões, rivalidades e corrupção. Neste
contexto, considera que a debilidade italiana só podia ser superada através do
Estado, e ao observar a unidade existente em outros países justifica a monar-
quia absoluta como a única forma possível de a Itália superar sua condição [...]
O príncipe, constitui-se num manual prático para governar e manter o poder
sem cair nas armadilhas das quais o gênero humano é capaz. De acordo com
Maquiavel, a religião e a moral podem ser utilizadas para consolidar o poder,
mas para o seu funcionamento não são necessárias. Embora sejam imorais,
os fins políticos justificam sempre os meios empregados. (DIAS, 2013, p. 37)

Ou seja, Maquiavel explica os modos de se obter poder, assim como mantê-lo.


Expõe possíveis erros ao longo deste processo, buscando evitá-los. Segundo o histo-
riador, todos os meios são justificáveis para se garantir o poder. Além disso, a moral
e a religião são desnecessárias para o funcionamento da política, apesar de serem
utilizadas na consolidação do poder. Suas ideias, como mencionamos, são frutos da
observação prática, realística e objetiva da realidade política.

Outra consideração importante acerca do comportamento humano e sua relação


com a política é sua afirmação de que entre ser amado ou temido, um líder deve
ser temido, uma vez que, segundo Maquiavel, o amor nos conduz à confiança e, por
consequência, ao desrespeito, ao contrário do temor.

Este fato alimenta sua argumentação de que em alguns momentos é necessário o


emprego da violência e da crueldade, uma vez que sempre existirá uma razão para
isto.

SUMÁRIO 89
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

5.3 A DOMINAÇÃO POLÍTICA

FIGURA 18 - DOMINAÇÃO, POLÍTICA, BUROCRACIA

Fonte: SHUTTERSTOCK. The hard work of an asian lawyer in a lawyer’s office. Counseling and giving advice and prosecutions about
the invasion of space between private and government officials to find a fair settlement. Disponível em: <https://www.shutterstock.
com/pt/image-photo/hard-work-asian-lawyer-lawyers-office-762545014?src=ndr60PciOrOrPTMdadRA7g-1-2>. Acesso em: 18 out.
2018.

A dominação política ocorre em torno de perspectivas diferentes, de acordo com o


critério adotado para analisá-la.

Numa primeira perspectiva marxista, por exemplo, a dominação tem sua estrutura
na divisão de classes e no poder econômico dos indivíduos. Deste modo, a classe
social que domina os meios de produção será também aquela que exercerá domi-
nação sobre as demais classes.

Numa outra perspectiva, defendida por Marx Weber, nem toda a dominação limi-
ta-se à questão econômica. O filósofo defende que a base da dominação é a exis-
tência de um quadro administrativo, certa burocracia, vista como imprescindível.
Sendo assim, a dominação política é posta em prática por meio da formação desse
quadro administrativo (grupo de pessoas ligadas ao setor), que garante que as leis
sejam cumpridas.

Weber define dominação como “a probabilidade de encontrar obediência à uma


ordem [...] A situação de dominação está ligada à presença efetiva de alguém
mandando eficazmente em outros” (WEBER, 1991, p. 33). Ou seja, a dominação ocor-
re quando um sujeito tem legitimidade e é obedecido pelos demais indivíduos do
grupo.

90 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

O Estado é a maior associação política, sendo que “o quadro administrativo do Esta-


do reivindica com êxito o monopólio legítimo da coação física para realizar as ordens
vigentes” (WEBER, 1991, p. 34). Tais ordens, ou tal dominação, busca sempre a apro-
vação e o reconhecimento social, sendo aplicada por meio da autoridade (racional-
-burocrática, tradicional e carismática).

Weber explica que existem três tipos de dominação política: a racional, também
chamada de burocrática ou legal; a dominação tradicional; e a dominação de cará-
ter carismático.

1) Dominação racional: tipo de dominação posta em prática em razão de sua lega-


lidade, ou seja, por serem garantidas por lei. Em razão disso, os indivíduos apenas
a aplicam, uma vez que são impostas por superiores. É a autoridade com base na
obediência. Exemplo: Estado moderno.

2) Dominação tradicional: este tipo de dominação, como o nome sugere, é posta


em prática em razão da tradição, à devoção ou ao costume, numa relação de fide-
lidade entre aquele que domina e os dominados. Pode ser praticada com quadro
administrativo ou não. Exemplo: patriarcalismo.

3) Dominação carismática: neste tipo de dominação, a autoridade é praticada com


base na devoção, confiança, heroísmo ou outras qualidades que legitimam seu líder.
Há quadro administrativo, e este é escolhido também segundo o carisma ou prestí-
gio dos indivíduos.

Um exemplo da manifestação de dominação carismática no continente


latino-americano é o populismo. Nele, é estabelecida uma relação estreita
entre o líder e a massa, como no caso de Juan Domingo Perón, na Argenti-
na, e Getulio Vargas, aqui no Brasil.

SUMÁRIO 91
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

FIGURA 19 - ESTÁTUA DE JUAN DOMINGO PERÓN

Fonte: SHUTTERSTOCK. Statue of Peron at El Caminito. Disponível em: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/statue-pe-


ron-el-caminito-3674044>. Acesso em: 18 out. 2018.

5.4 O PODER E AS ELITES

É chamado de elite determinado grupo de pessoas em destaque na sociedade.


Este grupo é limitado, fazendo parte aqueles com maior prestígio social, exercendo
determinado tipo de domínio sobre os demais.

Elite – o termo elite origina do latim eligere, que significa eleger, escolher. A
elite é um grupo de pessoas eleitas, ou seja, escolhidas.

Este grupo restrito se une por interesses comuns e, diferente da forma como geral-
mente é usada aqui no Brasil, elite não se refere essencialmente a um grupo de
pessoas com alto poder econômico. O pesquisador Adriano Gianturco (2018) explica
melhor as características da elite:

O termo “elites”, nesse sentido, nada tem a ver com a forma como é geralmen-
te usado no Brasil hoje. Não se refere aos ricos, não é uma questão econômi-
ca, social, cultural. É somente uma questão política, de força. É uma questão
politológica e não sociológica. A elite pode ser composta por um grupo de
revolucionários que tomam o poder, por pobres, por minorias sociais. (GIAN-
TURCO, 2018, p. 21-22)

92 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Alguns grupos recebem o nome de elite, como, por exemplo: no campo da cultura,
a elite intelectual; no campo do trabalho, a elite sindical; no âmbito do Estado, a elite
militar; a elite econômica e também a elite política.

Esses grupos sociais compartilham o fato de terem posse de poder social, tomando
decisões e influenciando outros grupos maiores.

1) Elite política – como nos explica Reinaldo Dias (2013), “a noção de elite no âmbi-
to político divide quem exerce o poder de quem é governado, uma minoria que
detém o poder e uma maioria que lhe obedece” (DIAS, 2013, p. 44-45).

2) E
 lite social – depois, no âmbito social, explica que:

Toda elite social (econômica, cultural, intelectual, sindical, religiosa, militar


etc.) tem possibilidade de exercer pressão ou participar do processo de toma-
da de decisões políticas; neste caso essa elite se transforma em elite política.
Desse modo, qualquer elite se politiza quando toma posição a favor ou con-
tra o poder oficial, assumindo e exibindo uma atitude política. (DIAS, 2013,
p. 45)

Ou seja, elites militares, econômicas, sindicais, religiosas, intelectuais são sociais,


essencialmente, mas podem se manifestar como políticas, dependendo de sua
organização e interesses.

Em outras palavras, considerando o sistema político, os donos do poder político é a


elite governante. As demais elites envolvidas neste sistema possuem força política,
ou seja, têm capacidade de influenciar, mas não são titulares deste poder. Nas pala-
vras de Dias (2013, p. 45), “o que as elites políticas não governantes têm é um poder
social com forca política, um poder social que se politiza pela sua interação com o
poder oficial, que é o único poder político”.

No campo dos estudos sociais, algumas teorias vêm sendo discutidas em torno da
ideia de elite:

1) Teoria das Elites – Gaetano Mosca (1858-1941) e Vilfredo Pareto (1848-1923): segun-
do esta teoria, toda sociedade é composta por uma maioria comandada e uma
minoria dotada de poder. O poder político, portanto, pertence sempre a este grupo
restrito. É a teoria das elites que pressupõe a oposição: massa versus elite.

SUMÁRIO 93
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

2) A Teoria de Mosca – Gaetano Mosca (1896): segundo Mosca, toda comunidade


possui duas classes de pessoas: os governantes, encarregados de cumprir as leis e
funções políticas, sendo que ao mesmo tempo monopolizam o poder usufruindo
de inúmeras vantagens; e os governados, um grupo composto pela maioria das
pessoas, comandados pela elite de modo legal ou não.

SAIBA MAIS
A Teoria de Mosca acerca da sociedade, elite e poder encontra-se expressa
na obra Elementi dí scienza política, publicada pela primeira vez em 1896.

3) Teoria de Pareto – Vilfredo Pareto (1902): esta teoria diz respeito às ideias de Pare-
to, influenciado por Gaetano Mosca, mas que se torna distinta por defender a desi-
gualdade natural entre os homens, independente de sua função ou atividade. Foi
Pareto também que utilizou pela primeira vez o termo elite, definida como uma
classe superior às demais, geralmente formada por indivíduos com maior poder
econômico e político. Ainda segundo o autor, toda sociedade possui uma elite, e
esta permanece sucessivamente no poder, uma vez que é frequentemente subs-
tituída por outros indivíduos, sucessivamente. Este movimento é chamado de
Teorema de Pareto.

A Teoria de Pareto pode ser estudada na obra Systétnes socialistes, de


Vilfredo Pareto, publicada em 1902.

4) Teoria de Wright Mills – Wright Mills (1968): este estudo foi desenvolvido com base
na observação da sociedade estadunidense, sendo que, historicamente, é cons-
truída por um restrito grupo de três setores da elite: política, economia e exército.
Estes seriam diretamente ligados e se fortalecem por meio dos instrumentos de
poder.

94 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

CONCLUSÃO
O estudo do poder, sobretudo do poder político, torna-se fundamental nos tempos
atuais por permitir que cada vez mais tenhamos domínio suficiente dos discursos
e ideias que circulam em nossa sociedade. Desta maneira, este conhecimento não
interessa apenas em sua dimensão teórica, mas, sobretudo, em sua aplicação práti-
ca e cotidiana por nós cidadãos.

Vimos que o poder político é posto em prática por meio da força e/ou da autoridade,
sendo que a autoridade é uma espécie de status, e a força, um sistema que colo-
ca em movimento, por meio de recursos diversos, as regras do sistema político ou
metas coletivas.

Estudamos os distintos tipos de poder conforme a orientação de Aristóteles e Norber-


to Bobbio. Depois, os três tipos de autoridade: tradicional, carismática e burocrática.
Força e autoridades são, portanto, fontes do poder político. Em seguida, estudamos
a concepção de poder político segundo a concepção de Maquiavel (1532).

Foi possível aprofundar os conhecimentos acerca da ideia de dominação política,


conforme as ideias de Max Weber e seus três tipos: dominação racional, dominação
tradicional e dominação carismática.

Estudamos também o conceito de “elite”, sendo que são distintas as elites políti-
ca e social. Estudamos, ainda, algumas teorias relacionadas à sociedade e às elites:
formação das elites, quem a compõe, como atua, entre outras informações. Estas
teorias são: Teoria das Elites, de Gaetano Mosca (1858-1941) e Vilfredo Pareto (1848-
1923); A Teoria de Mosca, de Gaetano Mosca (1896); Teoria de Pareto, de Vilfredo Pare-
to (1902); e Teoria de Wright Mills, defendida por Wright Mills (1968).

Dessa forma, foi possível aprofundar no conhecimento acerca de conceitos impor-


tantes para os estudos sociais, como: poder político, autoridade, força, dominação,
entre outros, com o objetivo de que você, aluno, possa não só dominar esses concei-
tos, mas também refletir criticamente acerca deles, sempre buscando a associação
prática com nossa realidade social.

SUMÁRIO 95
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

UNIDADE 5
OBJETIVO
Ao final desta unidade, esperamos
que possa:

> Explicar o conceito de representação política


e identifique os princípios teóricos que o
fundamentam.

> Descrever as diferentes modalidades de


representação política na atualidade.

> Identificar o conceito de democracia e suas


apropriações na Antiguidade e no período
moderno.

> Identificar os pressupostos que garantem o


funcionamento dos sistemas democráticos.

> Identificar e diferenciar a concepção de ideologia


na perspectiva liberal e materialista.

> Reafirmar o conceito de igualdade e liberdade.

> Descrever os princípios de igualdade e liberdade na


perspectiva liberal e materialista.

96 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

6 CONCEITOS
FUNDAMENTAIS NA
POLÍTICA
A política é algo que afeta diretamente a vida de todos nós; por isso, conhecer o bási-
co sobre o tema é extremamente importante se quisermos ter a consciência daquilo
que acontece na nossa sociedade. Mas, para compreender os aspectos inerentes ao
meio político, é necessário conhecer alguns de seus conceitos fundamentais, para
que possamos influenciá-la de maneira mais adequada.

Por isso, no primeiro tópico desta unidade, serão apresentados os significados de


representação política, procurando identificar as diferentes construções e possibi-
lidades de participação – ou não – dos cidadãos na vida pública. Diretamente rela-
cionado ao termo anterior, no segundo tópico será discutido o conceito de demo-
cracia, enquanto regime político, pontuando suas apropriações no mundo antigo
e as transformações sobre seu entendimento a partir da modernidade até os dias
de hoje. No terceiro tópico, será definido o termo ideologia, fazendo-se um resgate
histórico sobre as origens dos termos e suas diferentes interpretações e aplicações.

Liberdade e igualdade são termos associados a todos os itens anteriores, a partir de


duas concepções distintas, a liberal e a materialista, e também serão apresentados
nesta unidade.

6.1 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

De que forma estamos participando das decisões políticas que influenciam direta-
mente no modo em que vivemos? Além de oferecer subsídios teóricos que auxiliam
na compreensão do funcionamento dos mecanismos políticos, entender o conceito
de representação política nos permite refletir sobre os próprios modos de atuação
de que a sociedade dispõe sobre aqueles que a representam.

Para iniciar a discussão, é essencial ter consciência que o conceito de representa-


ção política diz respeito à sociedade política e o poder. Entretanto, a representação

SUMÁRIO 97
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

política é atribuída de sentidos diversos, que, além de se distinguirem no espaço,


modificam-se também ao longo da história.

Os diferentes ideais de representação política são utilizados para justificar o esta-


belecimento do poder em diferentes tipos de regimes políticos. Dessa forma, pode-
mos entender que o ato de agir e atuar politicamente por interesse ou em nome
de alguém buscou se legitimar por meio de princípios e fundamentos também
distintos.

A “vontade divina” era a justificativa de muitos regimes absolutistas durante o Anti-


go Regime. Era a chamada “busca do bem comum e na vontade geral” nos governos
republicanos e/ou democráticos, ou se definindo por meio de um contrato social, no
qual a constituição das liberdades e autoridades são pensadas de forma desigual,
como propunham os contratualistas.

Antigo Regime é um sistema político, social e econômico desenvolvido no


final da Idade Média. Caracterizado principalmente pela centralização do
poder nas mãos de um governante, por uma sociedade dividida em esta-
mentos, no qual há pouca mobilidade social, e por uma intensa influência
do Estado nas relações econômicas.

Contratualistas são pensadores que estudam a origem e o estabelecimento


do poder – enquanto forma de governo – e sua relação com a ordem social.

A modernidade é o período no qual surgem as mais influentes concepções de repre-


sentação política, exercendo papel importante nas atuais estruturas de poder. Antes
de discorremos sobre os múltiplos sentidos e concepções relacionados ao presente
conceito, é importante levar alguns pressupostos históricos, a fim de contextualizar
nossa abordagem.

98 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

6.1.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

A ideia de representação política está presente desde a Antiguidade Ocidental, com


os gregos – exercida de forma direta por aqueles que eram considerados cidadãos
atenienses – e romanos – numa organização em que alguns legislam e governam
em nome de todos.

Apesar de levar em consideração as contribuições de uma análise histórica das repre-


sentações políticas desenvolvidas e praticadas pelas sociedades antigas e medievais,
nosso foco recai, principalmente, sobre os significados e fundamentações que lhe
foram conferidas a partir da modernidade.

A noção de representação política, segundo Reinaldo Dias (2013), está intrinseca-


mente associada ao conceito de democracia moderna. Dessa forma, a formação e
a consolidação da teoria de representação remetem aos ideais jurídicos e políticos
desenvolvidos a partir da Revolução Francesa. Evidente que indícios dessa noção de
representação política moderna já tinham sido notados em períodos anteriores.

Durante a Idade Média, na Europa, surgem assembleias estamentais que in-


troduzem o princípio representativo. Essas assembleias eram consultivas e
incorporavam novas categorias sociais, principalmente de origem urbana, e
que eram representadas por delegados de setores privilegiados das cidades.
O representante representava junto ao rei, a cidade ou o estamento que o de-
signava e estes eram os limites de sua representação, quer do ponto de vista
territorial como social. [...]. Com o tempo, essas assembleias foram adquirindo
a capacidade de condicionar ou autorizar o recebimento de impostos, o que
significava uma limitação política do monarca. (DIAS, 2013, p. 177-178)

Enfim, representação política é um conceito unívoco, constituído por uma multipli-


cidade de ideias e construções teóricas. Vamos agora conhecer algumas delas.

6.1.2 PRINCÍPIOS TEÓRICOS

As reflexões desenvolvidas acerca do conceito em discussão colocam em evidência


o antagonismo entre autoridade e liberdade.

A primeira reflexão sobre a representação política foi desenvolvida por Thomas


Hobbes no século XVII. A concepção do termo para Hobbes está centrada na autori-
dade. Para o autor, há um contrato entre o governante e os governados, no qual os
últimos abrem mão de sua liberdade em troca de segurança.

SUMÁRIO 99
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente
a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição so-
bre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua
própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de
sair daquela miséria condição de guerra que é a consequência necessária
(conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um
poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os por medo do casti-
go, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza [...].
(HOBBES, T. Das causas, geração e definição de um Estado. In: Leviatã. São
Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 103)

O autor parte da ideia de que o estado de natureza humana é um estado de guerra


de todos contra todos, ou seja, uma situação de selvageria. Para sanar essa condição,
surge a ideia do contrato social. Nesse caso, o Estado é entendido como uma criação
humana, com o propósito de representar os indivíduos. Logo, essa autoridade insti-
tuída representaria os anseios da sociedade que governa.

Hobbes defende, assim, a implementação de um Estado Absolutista, capaz de


garantir a segurança dos indivíduos, sugerindo que o soberano faça aquilo que satis-
faça seus representados, e não a si próprio.

Outro importante teórico a ser mencionado é John Locke, que vai ampliar a noção
de representação política, inserindo os ideais de liberdade e igualdade entre os indi-
víduos. No entanto, Locke acredita que a soberania residia no povo, e não no sobera-
no, defendendo a representação político-parlamentar.

Se o legislativo ou qualquer parte dele compõe-se de representantes esco-


lhidos pelo povo para esse período, os quais voltam depois para o estado or-
dinário de súditos e só podendo tomar parte no legislativo mediante nova
escolha, este poder de escolher também será exercido pelo povo. (LOCKE,
1973, p. 101)

A participação na política contaria com a atuação da população, que escolhe


seus representantes devidamente autorizados para legislar de acordo com seus
interesses.

Enquanto um modelo de engendramento de agentes que devem incorporar o inte-


resse público e, dessa forma, representar a coletividade, o filósofo Jean Jacques Rous-
seau nos apresenta uma proposta de participação diferente. Para o autor, a ideia de
representação é inviável em um regime que se considera democrático.

100 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

No momento em que o povo se encontra legitimamente reunido em corpo


soberano, cessa qualquer jurisdição do Governo, suspende-se o poder exe-
cutivo e a pessoa do último cidadão é tão sagrada e inviolável quanto a do
primeiro magistrado, pois onde se encontra o representado não mais existe o
representante. (DIAS, 2013, p. 177)

Rousseau acreditava que a vontade geral não podia ser representada, sugerindo
que a democracia deveria ser exercida de forma direta e participativa. Ou seja, sua
proposta era desenvolver um sistema em que a assembleia de cidadãos assumiria
diretamente o governo (DIAS, 2013).

6.1.3 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NA ATUALIDADE

Diferentes autores e cientistas políticos teorizaram diversas modalidades de repre-


sentação política no mundo contemporâneo, mas, segundo Dias (2013), o modelo
atual de representação política surgiu com o advento do Estado Liberal, e pode ser
caracterizado a partir de três modelos distintos:

De acordo com a teoria da soberania nacional, esta é una e indivisível, e a


NACIONAL nação, consequentemente, não pode exercer sua soberania senão por meio
de representantes.

A concepção de representação livre (o mandato representativo) é entendida


como aquela não condicionada por compromissos ou limitações dos repre-
LIVRE
sentados, ou seja, implica na autonomia dos representantes, que não estão
sujeitos a instruções que determinem sua atuação.

O desenvolvimento do princípio de representação política propriamente


PARLAMENTAR dito estão diretamente relacionado com a consolidação do parlamento, cuja
vontade se identifica com a vontade geral.

No entanto, mais importante que identificar e caracterizar estas diferentes formas é


refletir sobre a crise da representação política na atualidade.

6.1.3.1 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL

Diferente de outros países, a formação política do Brasil teve início tardiamente,


levando em consideração os séculos na condição de colônia portuguesa. Além disso,
historicamente, a noção de “representação política” inexistia na prática, já que a elite
social representava a si mesma politicamente. Até mesmo o processo que culminou
com a proclamação da República no Brasil não contou com a participação popular.

SUMÁRIO 101
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

A representação política deixou de ser um privilégio das elites econômicas somente


a partir da Era Vargas.

O livro conta a história do processo que culminou com a Proclamação da


República no Brasil, identificando os grupos sociais que participaram ativa-
mente desse movimento que não tem caráter popular.

Segue bibliografia: CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de


Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

O cenário estabelecido pós Constituição de 1988 efetivou o modelo de democracia


participativa. As leis, na teoria, deveriam resguardar além do direito de liberdade de
expressão e a participação nos processos políticos, que envolvem a administração
do bem público e da vida social. Mas o que é possível perceber é a presente crise que
rege o atual sistema.

6.1.3.2 A CRISE DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Por meio de um breve olhar sobre o atual cenário político brasileiro, é possível notar
um esgotamento das formas de representações tradicionais. Tal indício tem como
consequência imediata uma notória desconfiança sobre o sistema democrático.
Segundo Dias (2013), são sintomas dessa desilusão:

[...] desinteresse pela disputa eleitoral, baixa participação ativa nos partidos
políticos, diminuição do interesse pelas questões políticas etc. Isto nos leva a
identificar que há uma tendência de diminuição do papel de dois importan-
tes instrumentos da democracia: o parlamento e os partidos políticos. (DIAS,
2013, p. 187)

Logo, há uma falta de conexão entre a sociedade, os atores e as instituições respon-


sáveis por atender aos interesses daqueles que os elegeram. A influência – e os inte-
resses – dos meios de comunicação, que estão cada vez mais presentes no debate
político, intervém diretamente na formação da opinião pública e na constituição da
imagem dos políticos perante a sociedade.

102 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Além disto, os partidos políticos já não se apresentam como instrumentos adequa-


dos para levar ao Estado as demandas da sociedade, e, muitas vezes, são criados
exclusivamente para lançarem determinado candidato (DIAS, 2017).

Esse espaço de participação pode ser ocupado por novos atores políticos, como é o
caso dos movimentos sociais. No entanto, ao longo dos anos, muitos desses movi-
mentos se institucionalizaram, formando novos partidos.

O percurso da implementação de modelos representativos no Brasil é permeado de


contradições e repleto de pontos que ainda devem ser revistos e melhorados. Mas,
mesmo com esses problemas, não devemos negar os avanços efetuados ao longo
da história. A ideia de representação política foi decisiva no desenvolvimento dos
sistemas democráticos, conceito esse que será abordado a seguir.

6.2 DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO

Democracia e participação são conceitos intrinsecamente associados. Tanto que


o modelo democrático de governo, hoje, se constitui como uma ideia unânime e
indiscutível.

[...] se não for pelos seus méritos, é por exclusão, tornando-se comum afirmar
que “não é perfeita, mas é o melhor que temos”, e este tem sido o objetivo
almejado pelas novas comunidades que ingressam no sistema de nações for-
mado pela ONU. (DIAS, 2013, p. 173)

Mas, assim como outros conceitos, democracia e participação foram interpretadas


de formas distintas. Por isso, não é algo que pode ser obtido de forma definitiva.
Serão discutidos, a seguir, esses diferentes significados.

6.2.1 DEMOCRACIA NA ANTIGUIDADE

Democracia é um termo de origem grega composto por duas palavras: demo, que
significa povo; e kratos, que significa poder ou autoridade. Refere-se ao regime polí-
tico desenvolvido em Atenas. Logo, um sistema de governo em que todos os cida-
dãos participam das decisões políticas.

SUMÁRIO 103
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Importante lembrar que na Grécia Antiga, especificamente na cidade-


-estado de Atenas, só eram considerados cidadãos atenienses os homens
maiores de 21 anos, excluídos, dessa forma, mulheres, escravos e estrangei-
ros. Assim, a democracia ateniense ainda era um sistema de governo que
contava com a participação de uma parcela mínima da população.

Na Grécia Antiga, o modelo democrático implementado era praticado de forma dire-


ta; assim, aqueles que eram considerados cidadãos podiam participar das assem-
bleias. Segundo Aristóteles (2005), as principais características da democracia são:

• As decisões mais importantes na polis são tomadas em Assembleia Geral por


todos os seus integrantes, que deliberam com toda a liberdade.
• Os cargos que devem ocupar os cidadãos são exercidos somente uma única
vez, durante períodos curtos de tempo, e o acesso a eles é feito mediante
sorteio (pois todos são iguais).
• Todos os cidadãos têm a possibilidade de serem eleitos para os diversos
cargos, e, por sua vez, também são eleitores.

Apesar de ser tida como o melhor – ou menos pior – sistema de governo na atualida-
de, durante a Antiguidade alguns filósofos criticavam essa forma de governo.

6.2.1.1 CRÍTICAS AO MODELO DEMOCRÁTICO

Platão é um dos principais filósofos do período clássico que criticava a democracia


enquanto forma de governo. A crítica do pensador repousa em três argumentos básicos:

• Fragilidade e incapacidade do povo, dotado de juízos que, ao tomar decisões,


deixam transparecer suas emoções íntimas e seus laços pessoais.

• A democracia produz líderes ruins, que governam apenas com o objetivo de


deixar as pessoas contentes; assim, as decisões tomadas carecem de razão e
sabedoria.

104 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

• A democracia pode maximizar a liberdade dos súditos, mas, ao fazer assim,


na verdade, fortalece a tendência à formação de facções, sectarismo e triba-
lismo na política.

6.2.2 DEMOCRACIA NA ATUALIDADE

Segundo Dias, atualmente, a ideia de democracia evoluiu e se identifica, basicamen-


te, com a democracia política que, de um modo geral, pode ser definida como uma
forma de governo em que o poder político não pertence a nenhum grupo determi-
nado e limitado de pessoas ou a uma pessoa, mas, na forma do direito, a todo o povo
(DIAS, 2013, p. 175).

Dessa forma, o exercício da autoridade deve estar prescrito por normas jurídicas,
que têm origem no Poder Legislativo e nos poderes estabelecidos da legitimação
do processo eleitoral, isto é, os atores políticos devem ser escolhidos e controlados
pelo povo. Além disso, todo o processo político deve contar com todos os membros
da comunidade.

FIGURA 20 - URNA ELETRÔNICA

Fonte: SHUTTERSTOCK. Vitoria / ES / Brazil – July 27, 2018: The Regional Electoral Court (TRE) presented earlier this week the Elec-
tronic Ballot Boxes that will be used in the October elections throughout Brazil. Disponível em: <https://www.shutterstock.com/pt/
image-photo/vitoria-es-brazil-july-27-2018-1146947054?src=Bfe2LUjdWbdSHa_T488XqQ-2-9>. Acesso em: 18 out. 2018.

SUMÁRIO 105
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Segundo Robert Dahl (1971), a característica principal da democracia é a capacidade


dos governos em satisfazer as preferências num cenário de igualdade política. Nessa
linha de raciocínio, cabe ao governo assegurar que cada indivíduo possa formular
suas preferências e apresentá-las aos cidadãos, sem que haja algum tipo de discri-
minação por parte do conteúdo ou origem dessas preferências. Para que isso ocorra,
são fundamentais algumas garantias constitucionais, como:

• Liberdade de constituir organizações e aderir a elas.

• Liberdade de expressão.

• Direito de voto.

• Direito de competir por apoio e pelos votos.

• Elegibilidade dos cargos políticos.

• Fontes de informações alternativas.

• Eleições livres e corretas.

• Instituições que tornem o governo dependente do voto e das outras formas


de expressão, de preferência, políticas.

O modelo democrático hegemônico na atualidade é o liberal, constituído por um


modelo de representação política. Mas ainda existem outros conceitos que devemos
compreender e que complementam tanto o ideal de democracia, quanto aos prin-
cípios que regem o processo de representação política.

6.3 IDEOLOGIA

O termo “ideologia” pode ser definido como um conjunto de ideias de caráter teóri-
co e político sobre uma realidade social, cultural e econômica específica. A ideologia
é, então, composta por ideias e visões de mundo que, de certa forma, estão associa-
das a propósitos políticos. Assim, determinada maneira de ver e entender o mundo
pode ser utilizada como mecanismos controladores do comportamento político.

106 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

FIGURA 21 - IDEOLOGIA

Fonte: SHUTTERSTOCK. The concept of the information movement in modern business. Disponível em: <https://www.shutterstock.
com/pt/image-vector/concept-information-movement-modern-business-103607756?src=Zhds-gDAmc2jR4qOHHJfhA-2-93>. Aces-
so em: 18 out. 2018.

Esses conjuntos de ideias têm influência direta no modo como nos organizamos em
sociedade. A ideologia, por exemplo, é algo tão poderoso, que pode fazer com que
pessoas, indivíduos ou grupos sociais se sintam superiores ou inferiores em relação
ao outro. Trata-se também de um dos conceitos mais complexos e difíceis de defi-
nir claramente. Isso sem mencionar o constante mau uso do presente termo nas
discussões políticas do mundo contemporâneo. Com isso, procurar identificar aquilo
que não é ideologia e também pode ser útil para compreender seus vários sentidos.
Vamos entender melhor as diferentes atribuições desenvolvidas ao longo do tempo.

6.3.1 ORIGENS DO TERMO

O conceito de ideologia foi criado pelo político e filósofo Antoine Destutt de Tracy,
no século XVIII. Tracy pretendia elaborar uma ciência das gêneses das ideias, enten-
do-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano com o
meio ambiente (CHAUÍ, 1990, p. 22).

SUMÁRIO 107
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Assim, a proposta inicial era a de entender as ideias a partir de um olhar crítico e


científico, o que forneceria bases para questionar os paradigmas metafísicos e reli-
giosos.

No entanto, o termo fora utilizado de forma pejorativa, ou seja, os ideólogos seriam


pessoas que tratariam com especulações e abstrações, com pouco conhecimento
da realidade política, invertendo a imagem que os ideólogos tinham de si mesmos.
Segundo Marilena Chauí, essa visão negativa teve início com Napoleão Bonaparte
que, num discurso ao Conselho de Estado, declarou:

Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à
ideologia, essa tenebrosa metafísica que buscando com sutileza as causas
primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de
adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história.
(CHAUÍ, 1990, p. 24)

Dessa forma, a ideologia nasceu como uma ciência natural que tratava das ideias
humanas calcadas na realidade. Mas, aos poucos, foi sendo atribuída como um siste-
ma de ideias condenadas a desconhecer sua relação com o real. Por isso, considerar
apenas um único sentido ao termo é algo não só impossível, como inútil. No decor-
rer da história, outros sentidos foram empregados ao termo. A seguir, serão apresen-
tadas algumas dessas concepções.

6.3.2 DIFERENTES CONCEPÇÕES DE IDEOLOGIA

Na modernidade, pensadores como Francis Bacon, René Descartes e Emmanuel


Kant pregavam que a base do conhecimento advém das ideias. É, portanto, na socie-
dade moderna que muitos pensadores passam a dar atenção aos estudos das ideias
como forma de entendimento e expressões humanas com relação às suas vidas e a
seu mundo. Mas, posteriormente, novas concepções acerca do termo serão desen-
volvidas.

6.3.2.1 CONCEPÇÃO POSITIVISTA

Foi com Augusto Comte que ideologia voltou a ser utilizada em um sentido mais
próximo do original. Na verdade, em uma perspectiva positivista, o termo ganharia
dois significados. Pode ser entendido tanto como atividade filosófica científica, que

108 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

estuda a formação das ideias a partir da observação das relações humanas com o
meio, ou como significação dos conjuntos de ideia de uma determinada época.

Positivismo

Corrente de pensamento que propõe ordenar as ciências experimentais,


consideradas o modelo mais viável do conhecimento humano em relação
às especulações metafísicas e teleológicas.

Essa concepção positivista de ideologia acarretou em três consequências: a primeira


definiu a teoria como uma simples organização de ideias; a segunda é que se esta-
belece uma relação autoritária entre teoria e prática; a terceira entende a prática
como um simples instrumento de aplicação automático das regras, normas e prin-
cípios vindos da teoria.

Segundo Chauí (1990), essa concepção de ideologia considera a prática como aplica-
ção das ideias. A autora ainda comenta: “[...] Assim sendo, quando as ações humanas
– individuais e sociais – contradisserem as ideias, serão tidas como desordem, caos,
anormalidade e perigo para a sociedade global [...]” (CHAUÍ, 1990, p. 28).

6.3.2.2 CONCEPÇÃO MATERIALISTA

Já Karl Marx questiona e condena a separação entre as produções das ideias e as


condições sócio-históricas na qual são produzidas. Para Marx, as formas ou modalida-
des de ideologias são determinadas por condições sociais específicas e particulares.

Marx critica radicalmente o idealismo de Hegel, inaugurando uma teoria materialis-


ta da ideologia. Assim, “o modo de produção da vida material condiciona o processo
de vida social, política e intelectual” e “não é a consciência humana que determi-
na seu ser, mas o ser social que determina sua consciência”. De acordo com essa
concepção, as ideologias refletem os interesses das classes dominantes em manter
seus privilégios, ou seja, um instrumento de dominação.

SUMÁRIO 109
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

FIGURA 22 - IDEOLOGIA NA VISÃO MATERIALISTA (DOMINAÇÃO)

Fonte: SHUTTERSTOCK. Vector concept illustration of person manipulating people behind the scenes. Disponível em: <https://www.
shutterstock.com/pt/image-vector/vector-concept-illustration-person-manipulating-people-1017660730?src=b-OnR0KZDvpXOBx-
TIFF2Sw-1-67>. Acesso em: 18 out. 2018.

Ideologia, no pensamento materialista é, então, um conjunto de proposições elabo-


rado, na sociedade burguesa, com a finalidade de fazer aparentar os interesses da
classe dominante com o interesse coletivo, construindo uma hegemonia deste
grupo.

Ora, Marx e Engels mostram que as relações dos indivíduos com sua classe é
uma relação alienada. Ou seja, assim como a Natureza a Sociedade e o Esta-
do aparecem para a consciência imediata dos indivíduos com os poderes se-
parados e estranhos que os dominam e governam, assim também a relação
dos indivíduos com a classe lhes aparece imediatamente como uma relação
de algo já dado e que os determina a ser, agir e pensar de uma forma fixa e
determinada. (CHAUÍ, 1990, p. 76)

Portanto, a ideologia pode ser entendida, de acordo com essa perspectiva, como um
conjunto de ideias falsas, que faz com que os indivíduos não percebam sua própria
realidade.

6.3.3 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO

Foram apresentadas as diferentes maneiras de entender o conceito de ideologia,


visto como uma proposta de estudo das ideias humanas, como ideais desconexos
da realidade social, ou como conjunto de ideias de determinado grupo social que
impõe seu modo de ver o mundo.

110 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Não é nosso objetivo esgotar as discussões em torno dos variados sentidos e signi-
ficados sobre o termo. Mas é possível traçar algumas questões importantes, que
servem para pensar a ideologia e seu papel na atualidade, até porque não existem
pensamentos livres de pressupostos ideológicos, seja para aderir, ou romper com
tais ideias.

Por isso, é importante levar em consideração que o termo ideologia não está asso-
ciado somente a um conjunto de crenças, mas está ligado também a questões de
poder, principalmente na esfera política. Segundo Thompson (1987), estudar ideo-
logia é compreender os modos pelos quais o significado (ou significação) contribui
para manter as relações de dominação. Dessa forma, um poder dominante poderia
se legitimar, por exemplo:

• Promovendo crenças e valores compatíveis com esse tipo de pensamento.

• Naturalizando e universalizando tais crenças.

• Difamando ideias e valores contrários ao estabelecido.

• Excluindo formas opostas de pensamento.

Essas estratégias fazem sentido quando nos remetemos às ideologias dominantes,


geralmente impostas por regimes de governos autoritários. O problema é que nem
todo conjunto de pensamento pertence a um grupo dominante.

Existem também conjuntos de pensamento referentes a grupos que questionam


diretamente as estruturas de poder do espaço que ocupam, com uma fundamen-
tação ideológica própria.

Podemos citar como exemplos alguns movimentos sociais que questionam


estruturas de poder já estabelecidas, como é o caso do movimento negro,
do movimento feminista e LGBT.

SUMÁRIO 111
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

O problema para uma interpretação de ideologia unicamente atrelada à ideia de


poder pode ser sustentado por meio do pensamento de Michel Foucault. Para esse
filósofo, o poder não é algo que está presente apenas nos instrumentos do Estado,
mas sim em uma rede de relacionamento que está presente em todos os aspectos
da vida social.

Nesse sentido, o poder não estaria presente só nas manifestações políticas, e se a


ideologia está relacionada ao poder, e este está presente em toda parte, corremos o
risco de deixar vago o conceito de ideologia. Isso porque seria um termo que pode-
ria ser empregado com inúmeras finalidades distintas, e não teria utilidade como
categoria de análise. Mas isso não impede de compreender o importante papel da
ideologia em diferenciar as lutas que são, até certo ponto, centrais a toda uma forma
de vida social e aquelas que não são.

É importante afirmar que a ideologia tem mais a ver com a questão de quem está
falando o que, com quem e com que finalidade, do que com as propriedades linguís-
ticas inerentes de um pronunciamento (EAGLETON, 1997).

6.4 IGUALDADE E LIBERDADE

No curso da modernidade, os conceitos de igualdade e liberdade, além de serem


princípios fundamentais dos regimes políticos democráticos, também assumiram
diversos significados ideológicos ao longo do tempo. Iniciaremos nossa explicação
do termo explicitando, primeiramente, a perspectiva liberal e os diferentes sentidos
de igualdade e liberdade dela recorrentes.

6.4.1 LIBERDADE E IGUALDADE NO PENSAMENTO


LIBERAL

John Locke é um dos principais pensadores responsáveis por fundamentar o pensa-


mento liberal moderno. Valores de igualdade e liberdade, assim como a vida, a segu-
rança e a propriedade privada, são direitos naturais de qualquer ser humano.

112 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Jusnaturalismo é o Direito Natural, ou seja, todos os princípios, normas e


direitos que se têm como ideia universal e imutável de justiça e indepen-
dente da vontade humana.

Por isso, o ideário liberal defende a limitação do poder político frente ao indivíduo,
ou seja, a liberdade do indivíduo em um estado natural não deverá sofrer qualquer
restrição social. Portanto, a liberdade, de acordo com a perspectiva liberal, é a liber-
dade do indivíduo em relação ao Estado.

Já a igualdade, para a tradição liberal, refere-se à relação dos indivíduos na oposi-


ção entre liberdade e poder. Para Locke (1978) todos são iguais, no sentido de que
ninguém está sujeito à subordinação de qualquer poder ou jurisdição. Quando este
princípio é rompido, as sociedades comportam-se contra os próprios ditames da
razão; nesse caso, a liberdade e a igualdade são quebradas e dissolvidas.

FIGURA 23 - IGUALDADE JURÍDICA (VISÃO LIBERAL)

Fonte: SHUTTERSTOCK. Legal, legally, law. Disponível em: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/le-


gal-legally-law-263665712?src=5ZFLlTzEn7Gjo7KIgGS_sg-1-63>. Acesso em: 18 out. 2018.

A noção de liberdade também pode ser aplicada à esfera religiosa. Assim, o exercício
da fé seria uma escolha livre e individual de uma determinada doutrina, condenan-
do a imposição externa e violenta de conversão a determinado credo. Daí a impor-
tância da tolerância sobre a pluralidade de posições, consciências e expressões.

SUMÁRIO 113
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Já a noção de igualdade pode ser apresentada da seguinte maneira: em um modelo


de democracia liberal, por exemplo, a igualdade se refere à jurisdição comum, e não
à igualdade socioeconômica. “Todos são iguais perante a lei.” Trata-se de um ideal
jurídico de igualdade, e não social.

[...] o princípio da igualdade perante a lei pode se interpretado restritivamente


como uma diversa formulação do princípio que circula nos tribunais: ‘A lei é
igual para todos’. Nesse sentido significa simplesmente que o juiz deve ser
imparcial na aplicação da lei e [...] que todos os cidadãos devem ser submeti-
dos às mesmas leis... (BOBBIO, 2005, p. 40)

Mas é com o cientista político Stuart Mill que encontramos a forma mais completa
da ética liberal acerca dos conceitos de igualdade e liberdade. Para Mill, mesmo um
sistema político democrático poderia conduzir ao tipo de conformidade que poderia
fazer definhar o pensamento livre (MACKENZIE, 2011).

Assim, o valor de liberdade deve ser tratado como liberdade civil, e não como livre
arbítrio. Em outros termos, sua preocupação central é discutir os limites entre a inde-
pendência individual e a legítima interferência da autoridade social. Isso aconteceria
porque o poder informal, imposto pelas maiorias, poderia ser tão autoritário quanto
opressões advindas de um sistema político.

Isso ocorre, observa Mill, “onde a sociedade é ela própria o tirano – a sociedade
coletivamente em relação a cada indivíduo que a compõem – seus meios de
tiranizar não se restringem aos atos que possa executar por mão dos seus
funcionários políticos”. (MACKENZIE, 2011, p. 48)

Para Mill, o livre pensamento dos indivíduos, ou seja, a liberdade de pensamento, é


a única maneira de toda sociedade se aproximar da verdade, ou seja, não justifica-
ria interferir na vida das pessoas, se não for para o bem delas mesmas. Segundo o
próprio autor:

O único fim com vistas ao qual a humanidade tem o direito, individual ou


coletivamente, de interferir na liberdade de ação de qualquer um dos seus
integrantes é a autoproteção. O único propósito para o qual se pode com ra-
zão usar de poder contra qualquer membro da comunidade civilizada é o de
evitar dano a outros. (MILL, 1978, p. 78)

114 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

Podemos, então, afirmar que individualismo, diversidade e racionalismo são os prin-


cipais elementos desse ideal de liberdade. Mas, além da concepção liberal acerca
dos conceitos de liberdade e igualdade, há também outros significados atribuídos
aos termos, que devem ser apresentados.

6.4.2 LIBERDADE E IGUALDADE NA PERSPECTIVA


MATERIALISTA

Diferentemente de outros teóricos tidos como liberais, que atribuíam à propriedade


privada um direito natural e inalienável, Rousseau vê nesta instituição a origem das
desigualdades sociais.

Inicialmente, a noção de liberdade é aquela de que todos os animais comparti-


lham, ou seja, a capacidade natural e individual de movimento e interação com o
meio ambiente. Dessa forma, a instituição da propriedade privada marca a forma-
ção da sociedade civil, da qual a dominação e as desigualdades são características
estruturais.

A consequência para Rousseau é a exploração do trabalho em benefício de um


determinado grupo, não para suprir suas necessidades, mas para ter mais poder e
manter seus privilégios. Nesse caso, as leis e o governo são estabelecidos por estes
grupos dominantes, com o objetivo de proteger suas propriedades.

Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entra-
ves ao fraco e novas forças aos ricos, destruíram irremediavelmente a liberda-
de natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fize-
ram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para lucro de alguns
ambiciosos, daí por diante sujeitaram todo o gênero humano ao trabalho, à
servidão e à miséria. (ROSSEAU, 1978, p. 269)

Portanto, para Rousseau, não se trata de eliminar a propriedade, mas estas devem
estar condicionadas a suprir as necessidades humanas básicas, sendo uma expres-
são da vontade geral, e não de grupos poderosos. Uma sociedade baseada na igual-
dade é aquela na qual a liberdade dos indivíduos manifesta-se no cumprimento das
leis elaboradas por eles próprios.

SUMÁRIO 115
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

FIGURA 24 - CONCEITO DE IGUALDADE (VISÃO MATERIALISTA)

Fonte: SHUTTERSTOCK. Large and diverse group of people gathered together in the shape of a scales icon. Disponível em: <https://
www.shutterstock.com/pt/image-illustration/large-diverse-group-people-gathered-together-352105430?src=G0BxIeQVUohnR-
BK_wsKZyA-1-20>. Acesso em: 18 out. 2018.

A crítica à propriedade privada como propulsora das desigualdades tem continuida-


de na proposta desenvolvida por Marx, mas, no caso específico, a propriedade privada
dos meios de produção. Nesse sentido, para Marx, o conceito de igualdade está asso-
ciado à ideia de que todos têm direito a condições humanas e dignas na vida social.

A liberdade, nesse sentido, está atrelada a essa concepção de igualdade, tendo em


vista que a emancipação das estruturas de exploração e de todas as outras formas de
dominação já faz parte do processo de libertação. Não se trata, portanto, de um esta-
do absoluto do existir humano – fundamentado no direito natural e na livre consciên-
cia. Por fim, igualdade e liberdade, na perspectiva materialista, são valores proces-
suais que se fazem coletivamente com autonomia econômica, política e moral.

Para aprofundar seus estudos, sugerirmos a leituras das seguintes biblio-


grafias disponíveis na “Minha Biblioteca”:

DIAS, Reinaldo. Ciência Política. 2. ed. Atlas, 02/2013.

FLAMARION, Caldeira Ramos. Manual de Filosofia Política: para os cursos


de teoria do estado e ciência política, filosofia e ciências sociais. 2. ed. Sarai-
va, 12/2014.

MACKENZIE, Iain. Política: Conceitos-Chave em Filosofia. ArtMed, 01/2011.

116 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

CONCLUSÃO
Nesta unidade, foi possível identificar, compreender e refletir sobre alguns conceitos
fundamentais para a ciência política. Além disso, pôde-se perceber que os conceitos
aqui abordados possuem significados e interpretações distintas.

A representação política, mesmo com indícios que vigoram desde a Antiguidade,


tem seu modelo mais aceito por meio dos princípios teóricos desenvolvidos a partir
da modernidade, influenciados, principalmente, pelo pensamento liberal.

O mesmo acontece com o termo democracia, apesar de suas origens também reme-
terem ao período antigo, especificamente da cidade de Atenas. Os contornos atuais
desse regime político se desenvolvem na Era Moderna, influenciado pelo processo
revolucionário francês do século XVIII.

Identificaram-se também as características mais elementares e inerentes acerca do


termo ideologia, mostrando que também se trata de um conceito que exprime dife-
rentes ideais, sendo estes liberais ou materialistas. Por fim, foram discutidos os prin-
cípios de igualdade e liberdade a partir das ideias dos pensadores modernos, liberais
e marxistas.

SUMÁRIO 117
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

GLOSSÁRIO
A politeia é um conceito grego que visa explicar uma forma de governo
semelhante à república como conhecemos na atualidade. Nesse modelo, o
poder seria exercido por uma autoridade escolhida pelo povo para atender
aos interesses do povo.

Neolítico - Período também conhecido por Idade da Pedra Polida, compreen-


dida entre 10000 a.C. e 4000 a.C., foi extremamente importante para a evolu-
ção humana, pois foi a época em que nossos antepassados começaram a
utilizar objetos de pedra e ossos de animais para fabricar ferramentas que
os auxiliassem em tarefas cotidianas. Essas ferramentas deram suporte para
que, em um segundo momento, houvesse a Revolução Agrícola, ou seja,
passaram a plantar seu próprio alimento e não somente coletá-los da natu-
reza. Assim, deixaram de ser nômades, passaram a residir em locais fixos e a
viverem uns com os outros, cuidando das plantações.

Feudalismo - Sistema de produção criado a partir da queda do Impé-


rio Romano, que era baseado na relação de servidão do trabalhador rural,
conhecido por vassalo – ou seja, o vassalo era o servo do suserano. Foi um
modelo de organização social que tinha pouca mobilidade social, ou seja,
quem nascia em determinada classe social estava condicionado a perma-
necer nela. No feudalismo, a sociedade era hierarquizada e a nobreza cobra-
va impostos dos camponeses para enriquecerem cada vez mais. O clero,
que era composto por membros da Igreja Católica, era isento de impos-
tos, assim como responsável pela cobrança do dízimo da população. Já os
vassalos trabalhavam no campo ou eram artesãos e pagavam altos tributos
aos senhores feudais. O feudo era composto por uma grande propriedade
rural com um castelo fortificado, bem como por aldeias, terras para cultivo
e bosques.

118 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

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1973.

122 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

SUMÁRIO 123

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