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FORMAÇÃO ECONÔMICA,

HISTÓRICA E POLÍTICA DO BRASIL


Thiara Bernardo Dutra
Veronica Belfi Roncetti Paulino
Presidente da Divisão de Ensino Prof. Paulo Arns da Cunha
Reitor Prof. José Pio Martins
Direção Acadêmica Prof. Roberto Di Benedetto
Gerente de Educação à Distância Rodrigo Poletto
Coordenação de Metodologia e Tecnologia Profa. Roberta Galon Silva
Autoria Profa. Thiara Bernardo Dutra
Prof. Veronica Belfi Roncetti Paulino
Parecer Técnico Prof. Rosana Aparecida Martinez Kanufre
Supervisão Editorial Felipe Guedes Antunes
Projeto Gráfico e Capa Regiane Rosa

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Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão.

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Sumário

CAPÍTULO 1 - O PERÍODO COLONIAL E SEUS DESDOBRAMENTOS


PARA A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 7

Objetivos do capítulo 12

Tópicos de estudo 12

Contextualizando o cenário 13

1.1 Fatores históricos, sociais e econômicos na colonização do Brasil 13


1.1.1 Comércio europeu nos séculos XIV e XV 13
1.1.2 Capitalismo mercantil 14
1.1.3 Lutas sociais dos grupos da sociedade colonial e suas motivações 15
1.1.4 A chegada da família real e suas consequências para a colônia 17

1.2 Sociedade colonial brasileira 18


1.2.1 Colonização: aspectos sociais e econômicos 18
1.2.2 As relações e a organização de produção e o trabalho escravo 20
1.2.3 A divisão administrativa e territorial do Brasil 20
1.2.4 Características do tráfico e do trabalho escravo 21

1.3 Ciclos econômicos no período colonial brasileiro 23


1.3.1 Ciclo do pau-brasil 23
1.3.2 Ciclo da cana-de-açúcar e o modelo social e econômico da produção 24
1.3.3 Pacto colonial 25
1.3.4 Ciclo do ouro 25

1.4 A herança colonial na formação da sociedade brasileira 27


1.4.1 A composição da sociedade brasileira no período colonial 27
1.4.2 A reprodução do modelo de relações de trabalho escravocrata 28
1.4.3 As relações de exploração da força de trabalho e suas consequências 28
1.4.4 Identidade da cultura da produção rural 29

Proposta de atividade 29

Recapitulando 30

Referências 30

CAPÍTULO 2 - A FORMAÇÃO DO ESTADO NAÇÃO BRASILEIRO 32

Objetivos do capítulo 33

Tópicos de estudo 33

Contextualizando o cenário 33

2.1 A formação da população no Brasil para a construção da sua


identidade 34
2.1.1 Origens e diversidade da população africana 35
2.1.2 A população indígena e o processo de aculturamento 37
2.1.3 A instituição do catolicismo como religião oficial no Brasil 38
2.1.4 Características da identidade nacional 39

2.2 Componentes fundantes do Estado brasileiro 40


2.2.1 Aspectos históricos da independência do Brasil: constituição e
organização do Estado brasileiro 41
2.2.2 Diferenças entre Estado e nação 42
2.2.3 A incorporação de símbolos nacionais a partir do modelo europeu 43
2.2.4 Os símbolos da identidade nacional X negação da cultura dos negros 45

2.3 As interpretações do cidadão brasileiro 46


2.3.1 Cidadão brasileiro segundo Gilberto Freyre 46
2.3.2 Cidadão brasileiro segundo Darcy Ribeiro 47
2.3.3 Cidadão brasileiro segundo Sérgio Buarque de Holanda 47

2.4 Pressupostos e aspectos estruturais e organizacionais para


a sociedade brasileira 47
2.4.1 A primeira Constituição Brasileira (1824) 48
2.4.2 O conjunto das estruturas e legislações para legitimação do Estado 49
2.4.3 Interesses particulares e coletivos 50
2.4.4 A lógica do trabalho escravo na lógica do capitalismo mercantil 50
Proposta de atividade 51

Recapitulando 52

Referências 52

CAPÍTULO 3 - AS CRISES DO CAPITALISMO – SÉCULO XX E SEUS


DESDOBRAMENTOS NO BRASIL 54

Objetivos do capítulo 55

Tópicos de estudo 55

Contextualizando o cenário 55

3.1 Aspectos e características das crises do capitalismo 56


3.1.1 Modelos de intervenção do Estado 56
3.1.2 Contradições sobre as crises econômicas e sociais 57
3.1.3 A visão de Caio Prado Júnior sobre a empresa colonial 58
3.1.4 O processo de globalização e o conflito do capitalismo e
estado de direitos 59

3.2 Marcos e trajetórias das crises do capitalismo no final do século XX 60


3.2.1 A crise de 1929 e a Grande Depressão 61
3.2.2 A crise do petróleo de 1970 62
3.2.3 As crises no México e na Argentina na década de 1990 63
3.2.4 A crise norte-americana de 2008 65

3.3 Aspectos políticos, econômicos e sociais no Brasil no século XX 65


3.3.1 República Velha e Estado Novo (1889-1945) 66
3.3.2 Modernização econômica e construção de Brasília (1945-1964) 67
3.3.3 Ditadura militar e Ufanismo Nacional (1964-1985) 69
3.3.4 Processo democrático – 1985 aos dias atuais 70

3.4 Fases e transformações do capitalismo e seus impactos na


realidade brasileira 72
3.4.1 Mercantilismo – Portugal e Espanha 72
3.4.2 Liberalismo clássico 72
3.4.3 Keynesianismo – pós-guerra 74
3.4.4 Guerra fria – capitalismo financeiro e neoliberalismo 74

Proposta de atividade 75
Recapitulando 75

Referências 76

CAPÍTULO 4 - O ESTADO DE DIREITOS NO BRASIL


CONTEMPORÂNEO 77

Objetivos do capítulo 78

Tópicos de estudo 78

Contextualizando o cenário 78

4.1 Fundamentos teóricos sobre a concepção de sujeitos históricos 79


4.1.1 Estratos e prerrogativas da Constituição de 1988 79
4.1.2 Capitalismo e seus reflexos sobre o individualismo x coletividade 81
4.1.3 Conceito de sujeitos e atores sociais 83
4.1.4 A perspectiva da classe social na construção da democracia 84

4.2 A participação de sujeitos no processo de fortalecimento da


democracia 85
4.2.1 Trajetória dos movimentos sociais e populares nas décadas de 70 e 80 85
4.2.2 Espaços urbanos e governança social 86
4.2.3 Orçamento participativo 87
4.2.4 Níveis e categorias de participação 87

4.3 O contexto contemporâneo das políticas públicas 88


4.3.1 A sociedade contemporânea e os problemas complexos 89
4.3.2 O Estado necessário para o Brasil no século XXI 89
4.3.3 Possibilidades de políticas públicas intersetoriais 90
4.3.4 A participação cidadã na concepção e avaliação das políticas públicas 90

4.4 A cultura democrática em formação X desigualdades sociais 91


4.4.1 Mecanismos institucionais de participação social e novos arranjos sociais
após Constituição Federal de 1988 91
4.4.2 Qualificação técnica e política para a efetiva participação social 93
4.4.3 Unidades Federativas diante da Constituição Federal de 1988 94
4.4.4 Transformação política-cultural na direção da democracia 96

Proposta de atividade 96

Recapitulando 96

Referências 96
FORMAÇÃO ECONÔMICA, HISTÓRICA E
POLÍTICA DO BRASIL

CAPÍTULO 1 - O PERÍODO COLONIAL E SEUS


DESDOBRAMENTOS PARA A FORMAÇÃO DA
SOCIEDADE BRASILEIRA
Thiara Bernardo Dutra

7
Compreenda seu livro: Metodologia
Caro aluno,

A metodologia da Universidade Positivo apresenta materiais e tecnologias apropriadas que permitem o


desenvolvimento e a interação entre alunos, docentes e recursos didáticos e tem por objetivo a comunicação
bidirecional entre os atores educacionais.

O seu livro, que faz parte dessa metodologia, está inserido em um percurso de aprendizagem que busca direcionar
a construção de seu conhecimento por meio da leitura, da contextualização teórica-prática e das atividades
individuais e colaborativas; e fundamentado nos seguintes propósitos:
• valorizar suas experiências;
• incentivar a construção e a reconstrução do conhecimento;
• estimular a pesquisa;
• oportunizar a reflexão teórica e aplicação consciente dos temas abordados.

Compreenda seu livro: Percurso


Com base nessa metodologia, o livro apresenta os itens descritos abaixo. Navegue no recurso para conhecê-los.

1. Objetivos do capítulo
Indicam o que se espera que você aprenda ao final do estudo do capítulo, baseados nas necessidades de
aprendizagem do seu curso.

2. Tópicos que serão estudados


Descrição dos conteúdos que serão estudados no capítulo.

3. Contextualizando o cenário
Contextualização do tema que será estudado no capítulo, como um cenário que o oriente a respeito do assunto,
relacionando teoria e prática.

4. Pergunta norteadora
Ao final do Contextualizando o cenário, consta uma pergunta que estimulará sua reflexão sobre o cenário
apresentado, com foco no desenvolvimento da sua capacidade de análise crítica.

5. Pausa para refletir


São perguntas que o instigam a refletir sobre algum ponto estudado no capítulo.

6. Boxes
São caixas em destaque que podem apresentar uma citação, indicações de leitura, de filme, apresentação de um
contexto, dicas, curiosidades etc.

7. Proposta de atividade
Sugestão de atividade para que você desenvolva sua autonomia e sistematize o que aprendeu no capítulo.

8. Recapitulando
É o fechamento do capítulo. Visa sintetizar o que foi abordado, retomando os objetivos do capítulo, a pergunta
norteadora e fornecendo um direcionamento sobre os questionamentos feitos no decorrer do conteúdo.

8
9. Referências bibliográficas
São todas as fontes utilizadas no capítulo, incluindo as fontes mencionadas nos boxes, adequadas ao Projeto
Pedagógico do curso.

Boxes
Navegue no recurso abaixo para conhecer os boxes de conteúdo utilizados.

Afirmação
Citações e afirmativas pronunciadas por teóricos de relevância na área de estudo.

Assista
Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações complementares ou aprofundadas sobre o
conteúdo estudado.

Biografia
Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo
abordado.

Contexto
Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; demonstram a situação histórica, social e
cultural do assunto.

Curiosidade
Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado.

9
Dica
Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada sobre o
conteúdo trabalhado.

Esclarecimento
Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada.

Exemplo
Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto abordando a relação teoria-prática.

Apresentação da disciplina
Você já se perguntou por que o Brasil é caracterizado pela ampla diversidade cultural? De norte a sul, é possível
notar as diferentes formas de manifestações, na música, dança, culinária e religião. Essa diversidade é resultado da
maneira como a nação brasileira se constituiu, a partir da mistura de diferentes etnias: ameríndios, africanos e
europeus, unidos pela realidade da colonização portuguesa na América.

O processo histórico de constituição da nação brasileira tem repercussão na formação da sociedade e da cultura e
na organização econômica e política do Brasil na atualidade. Entender seus desdobramentos, que abrangem a
herança colonialista, a instituição do Estado Nação, os reflexos da crise do capitalismo no final do século XX até a
Constituição e atuação dos sujeitos históricos nos aspectos políticos, econômicos e sociais no Brasil
contemporâneo é essencial para compreender o processo de formação da nação brasileira e a desigualdade
resultante.

O conteúdo apresentado nesta disciplina proporciona um panorama sobre o processo histórico de formação do
Brasil, em sua complexidade social, econômica e política. Assim, propicia a aquisição de conhecimentos técnicos e
científicos que possibilitam a atuação crítica e competente na área do Serviço Social.

A autoria

Thiara Bernardo Dutra

A Professora Thiara Bernardo Dutra é Mestra em História Social das Relações Políticas pelo Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Especialista em Educação Profissional
na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) pelo Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). Bacharel e
Licenciada em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), tem experiência como docente de Tópicos
em História Moderna e Contemporânea e é pesquisadora do Laboratório de História, Poder e Linguagens na UFES.

Currículo Lattes: <lattes.cnpq.br/2631854361642151>.

10
Este material foi elaborado com a finalidade de apresentar um panorama da formação social, política e econômica
do Brasil que propicie melhor compreensão sobre as raízes dos problemas contemporâneos brasileiros. Por isso, é
dedicado a você, aluno!

Verônica Belfi Roncetti Paulino

A Professora Verônica Belfi Roncetti Paulino é Mestra em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES) e Especialista em Psicopedagogia e Gestão Integrada pelo Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino
(IESDE BRASIL). Também é Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Afonso Claudio (FAAC) e em História pela
Universidade Leonardo da Vinci (UNIASSELVI).

Currículo Lattes: <lattes.cnpq.br/3684872539234174/>.

11
Dedico este trabalho a todos os povos africanos e ameríndios escravizados no período colonial. Gratidão por
contribuir de forma significativa e valorativa no processo inicial de construção da nossa nação.

Objetivos do capítulo
Ao final deste capítulo, você será capaz de:
• Compreender os processos sociais, políticos e econômicos que determinaram o processo de colonização
no Brasil, reconhecendo as principais características para a formação da sociedade brasileira.
• Entender a formação da sociedade brasileira a partir de diferentes culturas, unidas pela realidade da
colonização, relacionando-as com as características atuais de desigualdades sociais.

Tópicos de estudo
• Fatores históricos, sociais e econômicos na colonização do Brasil
• Comércio europeu nos séculos XIV e XV
• Capitalismo mercantil
• Lutas sociais dos grupos da sociedade colonial e suas motivações
• A chegada da família real e suas consequências para a colônia
• Sociedade colonial brasileira
• Colonização: aspectos sociais e econômicos
• As relações e a organização de produção e o trabalho escravo
• A divisão administrativa e territorial do Brasil
• Características do tráfico e do trabalho escravo
• Ciclos econômicos no período colonial brasileiro
• Ciclo do pau-brasil

12
• Ciclo da cana-de-açúcar e o modelo social e econômico da produção
• Pacto colonial
• Ciclo do ouro
• A herança colonial na formação da sociedade brasileira
• A composição da sociedade brasileira no período colonial
• A reprodução do modelo de relações do trabalho escravocrata
• As relações de exploração das forças de trabalho e suas consequências
• Identidade da cultura da produção rural

Contextualizando o cenário
Uma questão interessante sobre a formação da sociedade brasileira é o surgimento da noção de pertencimento em
relação ao território colonial. A ideia de brasilidade começou a ser germinada ao final do século XVIII, nos
movimentos que contestavam a condição colonial e buscavam se distinguir dos portugueses, ao se considerarem
mineiros, baianos ou pernambucanos. Não havia consciência nacional, mas, sim, uma noção de pertencimento
regional.

Foi no período de consolidação da Monarquia que surgiu a preocupação com a formação do Brasil, devido à
necessidade de criar uma identidade para a nova nação. Diante disso, quais são as repercussões das origens
coloniais na sociedade brasileira atual?

1.1 Fatores históricos, sociais e econômicos na colonização


do Brasil
O Descobrimento do Brasil em 1500, documentado na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel, foi o
primeiro registro histórico sobre o território brasileiro e marcou sua incorporação ao domínio português. Para
compreender a colonização portuguesa na América, é preciso situar a chegada dos portugueses no processo da
expansão comercial europeia para entender as complexas relações marcadas por interesses econômicos, políticos,
sociais e religiosos que influenciaram a formação do que viria a ser o Brasil.

1.1.1 Comércio europeu nos séculos XIV e XV

No século XIII, as trocas comerciais entre a Europa e a Ásia foram potencializadas, trazendo prosperidade e
transformando a dinâmica social. No entanto, em meados do século XIV, desembarcaram na Europa pessoas e
ratos infectados com a peste bubônica. As mortes e a fome geraram grave crise social e econômica no continente.

A falta de mercadorias, metais preciosos e empregos, no século XV, levou alguns reis a investirem em viagens
marítimas que estimularam o comércio. As expedições marítimas passaram a explorar novas rotas para chegar ao
oriente. Os navegadores se lançaram ao desconhecido oceano Atlântico, iniciando as Grandes Navegações.

13
Fonte: © Archiwiz / / Shutterstock.

Essas navegações contribuíram para o processo de expansão comercial europeia, nos séculos XV e XVI, e para a
descoberta do Novo Mundo. Pela primeira vez, Europa, Ásia, África e América foram interligadas por trocas
econômicas e culturais. Portugal foi pioneiro nas navegações atlânticas por vários fatores, como organização
política centralizada, envolvimento da burguesia mercantil e conhecimento náutico.

Os portugueses não se depararam somente com mercadorias, mas com diversos povos. Sua expansão marítima
portuguesa começou pelo norte da África, e suas embarcações aportaram em diferentes ilhas no oceano Atlântico
e na América, percorreram a costa africana e alcançaram a Ásia. A chegada ao Brasil em 22 de abril de 1500 marcou
a integração do território à expansão comercial europeia.

1.1.2 Capitalismo mercantil

O capitalismo mercantil, baseado no comércio e na expansão marítima, caracterizou-se pela circulação de


capitais, bens e serviços pelas principais cidades europeias, colônias americanas e entrepostos comerciais da
África e da Ásia (WEHLING, 1999). Juntamente com as Grandes Navegações, permitiu a transformação da economia
mundial e garantiu uma posição de centralidade da Europa nas relações comerciais durante a Idade Moderna.

A ideia mercantilista de que a acumulação de capitais gera riqueza atraiu a atenção dos reis e favoreceu o
desenvolvimento do capitalismo mercantil. As estratégias adotadas pelo Estado se baseavam na intervenção
econômica, por meio da balança comercial favorável, do metalismo, do protecionismo e do colonialismo.

14
Fonte: © aekkorn / / Shutterstock.

A colonização do Brasil intensificou a expansão comercial da Europa e contribuiu para a transferência de riquezas
naturais e minerais para o continente, que se concentraram, principalmente, nas mãos dos grupos mercantis,
consolidando a burguesia europeia.

1.1.3 Lutas sociais dos grupos da sociedade colonial e suas motivações

A colonização do Brasil foi marcada por lutas sociais, envolvendo diferentes grupos, interesses e regiões da colônia.
A luta dos africanos e seus descendentes e dos colonos contra a dominação metropolitana marcaram as relações
sociais no período.

Os escravizados resistiram à privação de liberdade e à violência empregada contra eles durante a escravidão, por
meio de diversas formas: o sincretismo religioso e a preservação cultural, o suicídio e o aborto, os prejuízos
causados à produção e a negociação cotidiana. As mais recorrentes e bem-sucedidas foram as resistências
coletivas: atentados, revoltas, fugas e formação de quilombos.

CONTEXTO
No início do século XIX, a escravaria de uma fazenda, na vila de Guarapari, Espírito Santo, se
rebelou contra o novo senhor, assassinou-o e se apossou da fazenda, fundando a República
Negra. Atualmente, existe, no local, a Comunidade Remanescente Quilombola de Alto Iguape
(DUTRA, 2016).

Quilombos foram comunidades de escravos fugidos que se espalharam por toda a colônia e atraíram milhares de
pessoas. O maior e mais conhecido foi o Quilombo de Palmares, localizado em Alagoas, símbolo de resistência e
ameaça à ordem escravista colonial.

15
As tensões entre autoridades metropolitanas e interesses dos colonos acirraram no final do século XVIII. Para
Wehling (1999, p. 337), “[...] o pensamento iluminista, a dependência do Brasil em relação a Portugal e as condições
materiais da Colônia foram aspectos comuns aos movimentos antiportugueses”. Clique nas abas a seguir e
conheça dois exemplos.

Revolução Pernambucana
Eclodiu em 1817. A região vivia um período de crise econômica que foi intensificada pela elevação dos impostos
para custear os gastos com a corte portuguesa no Rio de Janeiro, gerando insatisfação dos colonos e contribuindo
para a organização do movimento. Os revoltosos eram pessoas de camadas populares, padres, militares,
comerciantes e intelectuais desejosos por autonomia em relação à Portugal. Eles derrubaram o governo,
implantaram uma república e uma legislação, e suas ideias revolucionárias se espalharam, de modo que outras
províncias do Nordeste aderiram à revolta. A derrota ocorreu devido a divergências internas e à violenta repressão
das tropas portuguesas.

Inconfidência Mineira
Não se limitou a contestar impostos ou abusos cometidos, como, também, os vínculos de subordinação colonial. O
movimento foi formado por membros da elite mineira que conspiraram contra o governo português, tramando
uma insurreição, que não se concretizou, por ter sido delatada. Os envolvidos foram condenados ao exílio.
Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, era um dos poucos participantes de origem modesta,
recebendo o castigo exemplar. Para intimidar novas conspirações, foi condenado à morte, enforcado e
esquartejado em 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro.

A imagem a seguir mostra o Museu da Inconfidência, localizado em Ouro Preto, em Minas Gerais.

Museu da Inconfidência.
Fonte: © Eduardo Teixeira / / Shutterstock.

Wehling (1999, p. 338) ressalta que, embora contrários ao sistema colonial, “[...] nenhum desses movimentos tinha
como objetivo separar o Brasil de Portugal”.

16
1.1.4 A chegada da família real e suas consequências para a colônia

A vinda da família real para o Brasil se relaciona com o contexto internacional, marcado pelo expansionismo
francês na Europa. A manutenção de relações comerciais com a Inglaterra resultou na invasão francesa à Portugal
e na fuga da corte para o Brasil em 1808. A presença da família real na colônia inverteu os lugares, pois, o reino
perdeu autonomia, em detrimento da colônia, que se tornou o centro do Império Português.

Dentre as ações do príncipe regente Dom João, destacam-se a abertura dos portos às nações amigas em 1808,
extinguindo a exclusividade comercial, e a assinatura do Tratado de 1810, que garantiu vantagens econômicas
aos ingleses. Esse tratado, resultado da pressão inglesa, cujo intuito era ampliar sua participação na economia da
colônia, obteve taxação privilegiada de 15% de imposto sobre a entrada de produtos ingleses no Brasil, como
mostra o gráfico a seguir.

Tarifas alfandegárias para importação de produtos em 1810.


Fonte: DIAS, 1986. (Adaptado).

Dom João também promoveu a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e a construção de diversas instituições,
demonstrando o interesse no desenvolvimento científico e cultural e na organização administrativa da colônia. A
imagem a seguir mostra o Jardim Botânico da Cidade, fundado pelo príncipe regente em 1808.

17
Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Fonte: © lazyllama / / Shutterstock.

Em 1815, Dom João elevou o Brasil a Reino Unido e, em 1818, foi coroado rei Dom João VI, diante do falecimento
da rainha, Dona Maria I. Nesse ano, os portugueses expulsaram os franceses, auxiliados pelas tropas inglesas. Com
a permanência da corte no Brasil, eclodiu a Revolução Liberal do Porto, em 1820, exigindo a volta do rei à Portugal.
Com o retorno, em 1821, ele deixou seu filho Dom Pedro como regente do Brasil.

As ações de Dom João VI não amenizaram a insatisfação pela condição colonial. O interesse das elites coloniais
estava em conformidade com as práticas liberais que configuravam o cenário internacional. Ao conceder
autonomia econômica para as elites, as ações do rei Dom João VI aceleraram o processo de independência do
Brasil.

1.2 Sociedade colonial brasileira


O contato entre os europeus, indígenas e africanos, a partir do século XV, resultou na integração dessas culturas.
Pela primeira vez, houve uma troca sistemática de produtos, ideias e valores entre povos que, até então, viviam
isolados. Desse encontro, surgiram “[...] sociedades e culturas absolutamente miscigenadas e sincréticas, no
quadro de uma situação institucional que era colonial” (WEHLING, 1999, p. 49).

Apesar da imposição de um modelo social e religioso pela metrópole aos portugueses, indígenas e africanos, cada
povo trazia consigo suas instituições e visões de mundo. Isso resultou em uma sociedade miscigenada e um
mosaico diversificado de culturas, com a permanência das influências de seus povos formadores e criação de
elementos novos a partir desse encontro.

1.2.1 Colonização: aspectos sociais e econômicos

A colonização portuguesa na América foi marcada pelo choque cultural entre o modo de vida indígena e os
costumes portugueses e se intensificou com a chegada dos jesuítas, ao imporem a fé católica. Algumas tribos
resistiram, defendendo sua identidade e sua terra, e travaram guerras contra os invasores. Outras se refugiaram no
interior ou firmaram alianças com os colonizadores.

O olhar etnocêntrico dos europeus reduziu inúmeras nações de povos nativos ao termo genérico de indígena. O
caráter exploratório da colonização resultou na extinção de vários povos nativos.

18
Fonte: © celio messias silva / / Shutterstock.

Os brancos portugueses formavam a elite, composta por senhores de engenho, negociantes, altos funcionários
régios e a alto clero e tinham seu prestígio e posição social definidos conforme sua posse de escravos.

Os africanos que desembarcam no Brasil foram classificados em dois grandes grupos étnicos. Clique a seguir para
conhecê-los.

Sudaneses Influenciados pela cultura árabe e religião islâmica.

Influenciados pela autenticidade e preservação da cultura africana


Bantos
tradicional.

O quadro a seguir mostra os grupos étnicos africanos no Brasil:

Grupos étnicos africanos no Brasil.


Fonte: WEHLING, 1999, p. 228 (Adaptado).

Havia também homens livres pobres, brancos e mestiços, que prestavam serviços como lavradores, assalariados,
pequenos agricultores, oficiais mecânicos, mascates, tropeiros, servidores públicos e militares.

19
1.2.2 As relações e a organização de produção e o trabalho escravo

Durante a implantação da monocultura açucareira, o trabalho escravo indígena foi utilizado nos engenhos. Mesmo
com a ação jesuítica em defesa dos nativos, até meados do século XVIII, o indígena continuou sendo a principal
força de trabalho nas capitanias alheias ao circuito mercantil-exportador, São Vicente, Pará e Maranhão. Apenas
em 1755, a escravidão indígena foi proibida pelo rei Dom José I.

A base de produção e de relação de trabalho na colônia foi marcada pelo escravismo. A partir do século XVII, os
africanos escravizados passaram a ser a principal força de trabalho nas fazendas açucareiras e realizavam tarefas
no canavial, no engenho e na casa-grande. A presença escrava estava disseminada também nos centros urbanos,
onde prestavam diversos tipos de serviços.

Para Freyre (2003, p. 32), “[...] formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na
técnica de exploração econômica, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na composição social”. Mesmo com
uma economia marcada por ciclos econômicos, o instrumento de exploração do trabalho – o braço escravo – se
manteve ao longo do período colonial.

1.2.3 A divisão administrativa e territorial do Brasil

Entre 1500 e 1530, os portugueses se limitaram a realizar expedições de reconhecimento e defesa do território
conquistado e explorar o pau-brasil. A colonização portuguesa na América se efetivou em 1530, quando foi enviada
ao Brasil uma expedição comandada por Martin Afonso de Souza para a ocupar o território e iniciar a produção de
açúcar.

A seguir, navegue no recurso e conheça mais sobre a colonização no Brasil.

• Capitanias hereditárias
Para tornar os negócios lucrativos, a Coroa portuguesa implantou sistemas de fiscalização e administração
dos colonos e de suas atividades. Sem recursos financeiros para empreender a colonização, adotou o
sistema de capitanias hereditárias, doando lotes de terras aos nobres portugueses, dividindo com a
iniciativa privada os custos da colonização do país.

• Território colonial
O território colonial foi dividido em 14 lotes de tamanhos diferentes e oferecidos aos interessados em
aplicar recursos próprios na ocupação e exploração das terras. Contudo, o sistema fracassou, exceto em
São Vicente e Pernambuco. Para contornar o problema, foi criado, em 1548, o governo-geral, um sistema
de administração centralizado. As atribuições dos governadores-gerais eram a fiscalização e a defesa do
território e a mediação das relações entre colonos e a metrópole. A cidade de Salvador foi a primeira sede
do governo-geral.

• Municípios
Nos municípios, a administração era feita pela Câmara, órgão cuja atribuição era manter a ordem e aplicar
a legislação metropolitana. Seu poder se estendia por todo o território municipal, da vila às fazendas. A
foto a seguir mostra a Casa de Câmara e Cadeia construída em 1762, em Mariana, em Minas Gerais.

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Casa de Câmara e Cadeia em Mariana, Minas Gerais.
Fonte: © GuilhermeMesquita / / Shutterstock.

O Senado da Câmara era composto por três vereadores, eleitos pelos homens bons, donos de terras e escravos que
tinham o direito de votar e ser votados. Um juiz, geralmente nomeado pela Cora, presidia os trabalhos e julgava
processos.

1.2.4 Características do tráfico e do trabalho escravo

A partir de meados do século XVI, a mão de obra indígena foi sendo substituída pela africana, sobretudo, devido à
estrutura comercial montada para efetivar o tráfico intercontinental, que gerava lucros para a Coroa e os
comerciantes portugueses.

Fonte: © Everett Historical / / Shutterstock.

Várias tribos e reinos africanos praticavam a escravidão antes da chegada dos europeus, escravizando seus
prisioneiros de guerra. Mas foi a presença dos portugueses que transformou a prática em empreendimento
comercial e desestruturou sociedades africanas ao passo que consolidou a colonização do Brasil.

21
Entre 1551 e 1850, período de vigência do tráfico negreiro no Brasil, a entrada de africanos teve ritmo de
crescimento constante, chegando ao ápice em seus momentos finais, como mostra o gráfico a seguir.

Estimativa de desembarque de africanos no Brasil – séculos XVI ao XIX.


Fonte: ALENCASTRO, 2000, p. 43.

Mais de quatro milhões de africanos desembarcaram no Brasil, vindos das regiões da Guiné, Angola e Moçambique.
Os principais portos negreiros eram Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Ao desembarcarem, eles eram
conduzidos a um mercado e vendidos como escravos.

Fonte: © Aritra Deb / / Shutterstock.

O trabalho escravo foi utilizado em praticamente todas as atividades econômicas e, apesar da disseminação, suas
características variavam conforme a região. Nas cidades, a escravidão assumiu contornos diferentes em relação ao
campo. Surgiram os escravos de ganho, que trabalhavam em atividades remuneradas e geravam renda a seu

22
senhor; e os escravos de aluguel, que prestavam serviços diversos a outras pessoas. Nas atividades urbanas,
alguns escravos ganhavam uma parte do pagamento dado ao senhor e o acumulavam com o intuito de comprar a
liberdade.

ESCLARECIMENTO
A alforria é o ato pelo qual o proprietário liberta os próprios escravos. No Brasil, durante o
período colonial, a prática foi recorrente nas cidades, onde os escravos tinham condições de
acumular pecúlio e negociar sua liberdade.

A violência sempre esteve associada à escravidão. Os castigos variavam conforme a falta cometida e era uma
prerrogativa legal dos senhores, assegurada pelo direito à propriedade.

PAUSA PARA REFLETIR


Castigos físicos são efetivos? Seria aceitável, atualmente, um gestor castigar fisicamente seus
colaboradores? Práticas semelhantes ainda ocorrem no país?

A resistência escrava foi um traço marcante da escravidão no Brasil. As ações escravas eram tão frequentes que
originaram a figura dos capitães do mato, homens pobres que recebiam pela caça e captura dos fugitivos.

1.3 Ciclos econômicos no período colonial brasileiro


Ao analisar a economia colonial sob a ótica do capitalismo mercantil, Prado Júnior (1973) convencionou dividir a
economia colonial em ciclos. Entretanto, é preciso desfazer a ideia de que um ciclo termina para que outro
comece.

A produção açucareira, por exemplo, foi praticada durante todo o período colonial e, ainda hoje, ocorre no país.
Com momentos de auge e declínio dos ciclos econômicos, traços marcantes da economia colonial foram a
dependência externa, o latifúndio e a escravidão.

1.3.1 Ciclo do pau-brasil

Na fase de reconhecimento do território, entre 1500 e 1530, a presença portuguesa se limitou ao litoral brasileiro e
à exploração do pau-brasil, árvore nativa cuja madeira era usada na fabricação de navios e da qual se extraía um
pigmento vermelho utilizado no tingimento de tecidos, cor considerada características dos nobres e reis.

23
A exploração do pau-brasil foi um monopólio real, pois somente o governo português tinha o direito de extrai-lo e
comercializá-lo. O trabalho, do corte ao embarque, era feito por indígenas, contratados pelo sistema de escambo.
Até o embarque, as madeiras ficavam em feitorias, onde também ocorria sua comercialização. De lá, embarcavam
para a Europa. O ciclo do pau-brasil foi uma atividade rápida e predatória.

1.3.2 Ciclo da cana-de-açúcar e o modelo social e econômico da produção

A cana-de-açúcar foi o primeiro e principal produto de exportação cultivado na colônia.

Fonte: © Yatra / / Shutterstock.

A seguir, clique nas abas e conheça mais sobre a história da cana-de-açúcar.

Primeiras mudas
Foram trazidas para o Brasil por Martin Afonso de Souza, em 1530, que iniciou o plantio e a instalação do primeiro
engenho, em São Vicente. Mas foi em Pernambuco que se encontraram as melhores condições de crescimento da
planta, tornando-se o centro de produção açucareira no período colonial.

Agroindústria açucareira
Envolvia a atividade agrícola, a etapa industrial e a comercialização e se estruturava em latifúndios monocultores,
que eram grandes unidades de produção em que se cultivava apenas um produto voltado à exportação, realizado
por trabalho escravo africano.

Relações sociais
Estas se estruturavam em torno da organização produtiva: no topo da sociedade, estava o senhor de engenho,
proprietário de terras e homens, e, na base, os escravizados, responsáveis por quase todas as atividades
produtivas. Oscilava entre os dois, um grupo de homens livres pobres dependentes dos senhores de engenho.

24
1.3.3 Pacto colonial

O sistema colonial e o mercantilismo deram as bases para o desenvolvimento econômico da colônia. A concessão
de monopólios, privilégios e, sobretudo, a exploração metropolitana, caracterizavam o sistema colonial. Segundo
Prado Júnior (1965, p. 31), o sentido da colonização era econômico, inserido no contexto internacional, no qual a
colonização tinha:

[...] o aspecto de uma vasta empresa comercial [...] destinada a explorar os recursos naturais de um
território virgem em proveito do comércio europeu. E este o verdadeiro sentido da colonização
tropical, de que o Brasil é uma das resultantes.

A função da colônia brasileira era fornecer produtos agrícolas e minerais para a metrópole e, em contrapartida,
importar manufaturados e outros artigos proibidos de serem fabricados na colônia. Essa relação de exclusividade
comercial caracteriza o pacto colonial.

DICA
O pacto colonial, atualmente, é contestado por uma visão que busca entender as relações entre
o Brasil e os outros domínios portugueses. Para compreender esse assunto, leia Antigo Regime
nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa – séculos XVI-XVIII (FRAGOSO; BICALHO; GOUVEIA,
2001).

Parte da historiografia atual sobre o período colonial brasileiro refuta a ideia de pacto colonial. Nas últimas duas
décadas, pesquisas demonstraram que havia um intenso comércio entre os diferentes domínios do Império
português (América, África e Ásia), não sendo algo exclusivo da metrópole. Alencastro (2000), por exemplo,
demonstrou a existência de relações comerciais no trato de escravos realizadas diretamente entre o Brasil e
Angola. Já Sampaio (2001), ao analisar os homens de negócio do Rio de Janeiro, na primeira metade do século
XVIII, confirmou a presença de negociantes cariocas no continente africano.

1.3.4 Ciclo do ouro

A descoberta do ouro no Brasil no final do século XVII está relacionada à expansão bandeirante e ocorreu em um
momento de declínio do ciclo açucareiro. Uma consequência imediata foi o deslocamento populacional de
portugueses e de colonos de outras partes da colônia, sobretudo, do Nordeste, para as minas. A população da
região das minas aumentou cerca de 10 vezes entre o final do século XVII e o final do século XVIII, como mostra o
gráfico a seguir.

25
Variação da população colonial durante o ciclo minerador.
Fonte: BOXER, 2000. (Adaptado).

O aumento populacional vertiginoso contribuiu para o povoamento da região mineradora, entre Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso, favorecendo a formação de um mercado consumidor e a integração econômica entre
diferentes partes da colônia, por meio da abertura de estradas, que abasteciam as minas. Esse processo
intensificou o comércio, contribuiu para a formação de um mercado interno na colônia e levou à transferência da
capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1753.

A riqueza proveniente da extração aurífera permitiu o desenvolvimento artístico e cultural e a diversificação


econômica na região. Esse fato resultou em uma sociedade com relativa mobilidade social, com o surgimento de
uma camada média e produtiva composta por homens livres.

CURIOSIDADE
As construções do século XVIII, principalmente as igrejas, são uma herança do desenvolvimento
artístico e cultural, durante o ciclo do ouro. Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, foi o
principal escultor representante do estilo barroco no Brasil.

Diante da importância da exploração do ouro, houve o reforço do controle fiscal e a transferência de divisas para a
metrópole, por meio da criação de órgãos administrativos e fiscais, voltados ao recolhimento de impostos. Nas
minas, a Coroa portuguesa mostrou sua face mais mercantilista.

26
1.4 A herança colonial na formação da sociedade brasileira
O interesse da Coroa portuguesa na colonização do Brasil era que a colônia fornecesse mercadorias que gerassem
riqueza para a metrópole. O modo como se estruturou a economia colonial apoiada no latifúndio e no trabalho
escravo, na dependência externa e em práticas mercantilistas, marcou a sociedade brasileira.

A vocação agrícola, a concentração de terras, o preconceito racial e contra o trabalho manual, a distinção social, as
divergências religiosas e o apadrinhamento político, por exemplo, são resquícios das regras econômicas, políticas e
simbólicas que marcaram a colonização portuguesa na América.

1.4.1 A composição da sociedade brasileira no período colonial

Durante a colonização, os portugueses impuseram sua língua, suas instituições e sua religião na colônia, no intuito
de criar uma extensão da metrópole. Do encontro de etnias, o resultado foi uma sociedade miscigenada e
diversificada culturalmente, devido à preservação de traços das sociedades matrizes e da criação de novos
elementos.

Fonte: © Elysangela Freitas / / Shutterstock.

PAUSA PARA REFLETIR


Quais elementos da influência indígena, portuguesa e africana você identifica em nossa
sociedade hoje?

27
A migração portuguesa entre a metrópole e a colônia foi moderada, nos séculos XVI e XVII, e se relacionava à
conjuntura interna de Portugal. Durante o século XVIII, com a descoberta do ouro, o fluxo de portugueses foi
significativo, assim como no início do século XIX, com a política de povoamento do interior, que contribuiu para a
migração de portugueses dos Açores e da Madeira.

A entrada de africanos na colônia estava condicionada ao vigor da economia colonial, relacionada aos ciclos
econômicos açucareiro e minerador e à demanda por escravos. Com um fluxo constante, marcado pelas flutuações
do mercado comercial, cerca de 4 milhões de africanos chegaram ao Brasil durante o período colonial.

Mais difícil de precisar, no entanto, foi o processo de incorporação do indígena à sociedade colonial, que acontecia
por intermédio da escravização e dos aldeamentos. Há também que destacar o fator endógeno da composição
demográfica colonial que ocorreu, desde os primeiros momentos da conquista, a partir da miscigenação.

1.4.2 A reprodução do modelo de relações de trabalho escravocrata

A colonização portuguesa na América esteve fundamentada no escravismo, em que todo o sistema produtivo
colonial estava vinculado ao predomínio da propriedade escrava como principal força de trabalho. A legislação
portuguesa legitimava a escravidão e definia o escravo como propriedade com faculdades humanas. A escravidão
definia o lugar dos indivíduos na dinâmica social (DUTRA, 2016).

Como qualquer bem, a norma era possuir escravos, responsáveis por fazer trabalhos pesados e desagradáveis e
gerar renda para seu senhor, cuja atribuição era ordenar as tarefas e manter o controle. A posse escrava era
disseminada, inclusive, entre os mais modestos, ao ponto de ex-escravos se tornaram senhores, um modo de se
distanciarem do estigma da escravidão. Sendo assim, “[...] todos os que podiam faziam uso de escravos em sua
vida cotidiana” (SOUZA, 2014, p. 81).

A predominância do escravismo não excluiu a presença do trabalho livre de brancos pobres, mestiços, negros
alforriados e indígenas aculturados. Diferenciavam-se dos escravos apenas por serem livres, pois, diante de uma
mentalidade escravocrata, esses trabalhadores tinham que se sujeitar à subordinação social e a baixas
remunerações, vivendo no limiar da condição escrava.

1.4.3 As relações de exploração da força de trabalho e suas consequências

A presença do trabalho escravo na estruturação econômica e social da colônia tem reflexos profundos na formação
do Estado brasileiro. Embora a miscigenação seja marca histórica da sociedade, não impediu a ocorrência de
práticas racistas. Debater essa questão é uma maneira de refletir sobre as permanências, buscar valorizar a
população afrodescendente em sua diversidade étnica e combater a discriminação.

Vamos conhecer mais sobre as relações de exploração do trabalho escravo e suas consequências clicando a seguir:

Trabalho manual e escravidão


Na colônia, o trabalho manual chegou a ser relacionado à escravidão devido à disseminação da força de trabalho
escrava. A cor e a função exercida por uma pessoa eram elementos de diferenciação social. Ainda hoje, o trabalho
manual é desvalorizado e relacionado às classes mais baixas da população.

Grupos sociais
O escravismo como forma de produção estabeleceu dois grupos sociais bem definidos: os senhores e os
escravizados. Segundo Souza (2014), a cor da pele era a marca mais evidente do lugar de inferioridade social
ocupada pelo escravo. A associação da cor da pele à escravidão era uma das formas recorrentes de controle social.

Marginalização social

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A marginalização social por causa do preconceito racial ainda é realidade, confirmada pelos altos índices de
violência contra negros. De acordo com o Atlas da Violência, a cada 100 pessoas que sofrem homicídios no Brasil,
71 são negras. Os dados levantados apontaram que os cidadãos negros têm 23,5% a mais de chance de sofrer
assassinato do que os demais. (CERQUEIRA et al., 2009).

Domínio senhorial e negociação


O domínio senhorial e a negociação são outros dois elementos que caracterizaram as relações de exploração da
força de trabalho escravo. Diante dos castigos e abusos, “[...] o escravo aprendia como tornar sua vida menos
difícil, buscando satisfazer o senhor e manter a maior autonomia possível” (SOUZA, 2014, p. 95). Os escravos que
aceitavam a exploração recebiam a proteção do senhor, reforçando os laços paternalistas da sociedade escravista,
que não representavam, necessariamente, a ruptura dos vínculos de dependência e exploração do trabalho.

1.4.4 Identidade da cultura da produção rural

Segundo Freyre (2003), a economia agrária e a organização social se fundamentaram no latifúndio, na monocultura
e na escravidão, de modo que casa-grande e senzala foram os pilares da ordem escravocrata colonial. Na
sociedade rural, cabia ao senhor de engenho o poder político, econômico e simbólico, além de posição social
privilegiada, resultado da posse de terras, escravos e dependentes.

A casa-grande, onde morava o senhor de engenho e sua família, simbolizava o poder senhorial. Na esfera privada,
esse poder era ainda maior. Todos viviam sob o comando do chefe da família e deviam a ele respeito e obediência.
O patriarcalismo configurava a mentalidade aristocrática colonial e se mostrou mais visível no Nordeste.

PAUSA PARA REFLETIR


O que você pensa sobre a mentalidade patriarcal? Ela tem reflexos na sociedade brasileira atual?

Enquanto o sistema patriarcal promovia a submissão e inferiorização de mulheres e crianças, o sistema escravista
demarcava os lugares sociais: senhor ou escravo. Essa organização social tem reflexos até hoje na sociedade
brasileira.

Proposta de atividade
Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu nesse capítulo! Elabore uma síntese destacando as
principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir sua síntese, considere as leituras básicas e
complementares realizadas.

29
Recapitulando
O capítulo apresentou a herança colonial na formação da sociedade brasileira. O processo de colonização se
originou na expansão comercial europeia no século XV. Do encontro de diferentes etnias – europeia, ameríndia e
africana –, unidas pela realidade colonial, formou-se uma sociedade miscigenada e diversa.

Cada povo preservou aspectos de sua cultura, ainda presentes na sociedade atual. Dos indígenas, herdamos o
hábito de tomar banho; dos europeus, a língua portuguesa e, do africano, ritmos musicais, por exemplo O contato
entre portugueses e indígenas, senhores e escravos e colonos e Coroa foi caracterizado pelo conflito de interesses e
lutas sociais.

O escravismo foi o traço mais significativo na formação colonial brasileira, e a mão de obra escrava foi a principal
forma de exploração do trabalho em todos os ciclos e atividades econômicas. Atualmente, segundo a legislação
brasileira, a escravidão é considerada crime e seria um absurdo, para os padrões vigentes, admitir a ideia dos
castigos físicos em uma relação de trabalho.

A escravidão e a grande propriedade foram os pilares da sociedade colonial. A discriminação racial, o


patriarcalismo e a desigualdade social são resquícios desse processo de formação da sociedade brasileira.

Referências
ALENCASTRO, L. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.

BOXER, C. A Idade de Ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira: 2000.

CERQUEIRA, D. et al. Atlas da Violência. São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2019. Disponível em:
<www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/12/atlas-2019>. Acesso em: 12/06/2019.

DIAS, M. A interiorização da Metrópole (1808-1853). In: MOTA, C. 1822. São Paulo: Perspectiva, 1986.

DUTRA, T. Autoridades Coloniais e o Controle dos Escravos: capitania do Espírito Santo, 1781-1821. 2016. 176 f..
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Espírito Santo, Vitória, 2016. Disponível em: <
repositorio.ufes.br/bitstream/10/3548/1/tese_7893_DISSERTA%C3%87%C3%83O_THIARA_BERNARDO_DUTRA.pdf
>. Acesso em: 28/05/2019.

FRAGOSO, J.; BICALHO, M.; GOUVEIA, M. (Orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa
(séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

FREYRE, G. Casa-Grande e Senzala: a formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48. ed.
São Paulo: Global, 2003.

PRADO JÚNIOR, C. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1965.

______. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973.

SAMPAIO, J. Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-
1750). In: FRAGOSO, J.; BICALHO, M.; GOUVEIA, M. (Orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial
portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

30
SOUZA, M. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2014.

WEHLING, A. Formação do Brasil Colonial. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

31
FORMAÇÃO ECONÔMICA, HISTÓRICA E
POLÍTICA DO BRASIL

CAPÍTULO 2 - A FORMAÇÃO DO ESTADO


NAÇÃO BRASILEIRO
Verônica Belfi Roncetti Paulino

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Objetivos do capítulo
Ao final deste capítulo, você será capaz de:
• Analisar como se estabeleceu a nação brasileira, a partir da Independência do Brasil, compreendendo os
aspectos sociais, culturais e políticos que fundamentaram a constituição do Estado Nacional.
• Conhecer as distintas interpretações do cidadão brasileiro, compreendendo como se manifesta a
sociedade brasileira.
• Conhecer os processos estruturais e organizativos, nas origens da formação do Estado Brasileiro,
identificando seus desdobramentos na configuração do Estado na atualidade.

Tópicos de estudo
• A formação da população no Brasil para a construção da sua identidade
• Origens e diversidade da população africana
• A população indígena e o processo de aculturamento
• A instituição do catolicismo como religião oficial no Brasil
• Características da identidade nacional
• Componentes fundantes do Estado Brasileiro
• Aspectos históricos da Independência do Brasil: constituição e organização do Estado Brasileiro
• Diferenças entre Estado e Nação
• A incorporação de símbolos nacionais a partir do modelo europeu
• Os símbolos da identidade nacional X negação da cultura dos negros
• Interpretações do cidadão brasileiro.
• Cidadão brasileiro segundo Gilberto Freyre
• Cidadão brasileiro segundo Darcy Ribeiro
• Cidadão brasileiro segundo Sérgio Buarque de Holanda
• Pressupostos e aspectos estruturais e organizacionais para a sociedade brasileira
• A primeira Constituição Brasileira (1824)
• O conjunto das estruturas e legislações para legitimação do Estado
• Interesses particulares e coletivos
• A lógica do trabalho escravo na lógica do capitalismo mercantil

Contextualizando o cenário
A independência do Brasil se constituiu em um cenário de transição do antigo sistema colonial para o capitalismo,
durante o advento da modernidade no continente europeu, a partir do século XVI. Os elementos desse cenário se
vinculavam à política econômica de diversos países da Europa, cuja base de sustentação se baseava nas práticas
mercantilistas e, por conseguinte, na acumulação de capitais e de transferência de riquezas para a metrópole.

Nesse contexto, o processo de colonização no Brasil, sob o aspecto econômico e político, foi marcado pelo
desenvolvimento da agricultura e do crescimento demográfico. Quais foram os impactos positivos e negativos
desse processo na sociedade brasileira a partir da perspectiva social e cultural?

33
2.1 A formação da população no Brasil para a construção da
sua identidade
A nação brasileira vem sendo constituída em torno de vários aspectos de ordem política, econômica e social.
Historicamente, no período colonial, ocorreu a migração forçada dos africanos para o Brasil, por intermédio do
tráfico humano, e o aculturamento e trabalho escravo desses povos e dos ameríndios.

Aspectos que envolvem o processo de formação da população brasileira.

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PAUSA PARA REFLETIR
Quais povos habitavam o território nacional no período da colonização Brasileira e quais eram
suas condições de vida?

De maneira geral, a cultura, a língua, a religião, os costumes, os valores e a organização social desses povos
reverberaram na formação da população brasileira, compondo a produção mesclada das novas identidades
nacionais, culturais e políticas na sociedade do país.

2.1.1 Origens e diversidade da população africana

No período histórico das Grandes Navegações e de expansão do comércio europeu, os portugueses, ao explorarem
a costa africana, estabeleceram o processo de colonização. Nele, o comércio movido por vantagens lucrativas
gerou a compra e venda de todo tipo de mercadoria, inclusive de seres humanos.

Fonte: © Marzolino / / Shutterstock.

Nesse tipo específico de comercialização de seres humanos, os africanos eram vistos como objetos de valor
lucrativo pelos compradores e vendedores, isto é, a venda de escravos produzia ganhos significativos a esses
comerciantes. Além de serem considerados objetos de pertencimento e de instrumento de trabalho a seus
proprietários, os negros africanos eram classificados pelos mercadores como uma raça inferior e com efeito de
domínio.

Devido à expansão da agricultura canavieira, o tráfico de escravos africanos para o Brasil, autorizado pelo governo,
desenvolveu-se a partir do século XVI e alcançou expressão no século XVIII, desencadeando uma imigração forçada
aos africanos à América. Castro (2008) estima que mais de quatro milhões de africanos provenientes de vários
reinos e monarquias tribais tenham sido trazidos para o Brasil no início desse período.

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Os escravos africanos eram embarcados para o Brasil nos porões dos navios negreiros. As condições do transporte
desses seres humanos eram desprezíveis, indignas e insalubres. Devido a essas circunstâncias, grande parte dos
povos africanos embarcados morria no itinerário da viagem.

Fonte: © Everett Historical / / Shutterstock.

Ao chegarem ao Brasil, os africanos serviam com seu trabalho escravo nas plantações e engenhos. Além da
exploração e da carga de trabalho excessiva, viviam em uma situação deplorável, com alimentação inadequada e
insuficiente e castigos com instrumentos que marcavam e feriam o corpo.

Diante dos maus tratos, os escravos ficavam improdutivos. Com uma expectativa de vida reduzida devido às
condições de trabalho e aos castigos, havia um alto índice de morte dos jovens. Já os que resistiam fugiam,
praticavam suicídio e até assassinavam seus senhores.

Por outro lado, os africanos cativos, por meio de suas manifestações culturais, artísticas e musicais, contribuíram
para o desenvolvimento das mais variadas formas de expressão musical e rítmica em todas as regiões geográficas
brasileiras (FRAGOSO, 1995).

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Fonte: © michael sheehan / / Shutterstock.

CONTEXTO
A cultura dos povos da Região Banta predomina nos “[...] autos populares denominados de
Congos e Congadas, com larga distribuição geográfica no país e nos quais possuem a memória
do Manicongo, título que era atribuído aos Reis do Congo” (CASTRO, 2008, p. 35).

O trabalho escravo dos africanos no Brasil no período colonial era um mecanismo de força de trabalho braçal de
grande valor para os senhores de engenho na produção açucareira.

2.1.2 A população indígena e o processo de aculturamento

No período da “descoberta” pelos portugueses no século XVI, o território brasileiro era habitado por povos
ameríndios. De acordo com Fausto (2007, p. 38), “[...] os cálculos oscilam entre números tão variados como dois
milhões para todo o território e cerca de cinco milhões só para a Amazônia Brasileira”.

Organizados em tribos, esses povos viviam em aldeias distribuídas por praticamente todo o território que forma o
Brasil contemporâneo e se dividiam em grupos linguísticos, entre eles: tupis-guaranis, jê, nuaruaque e caraíba.
Clique nas abas a seguir para conhecê-los.

• Tupis-guaranis
Habitavam o litoral brasileiro, desde o Ceará até a Lagoa dos Patos, no atual Rio Grande do Sul. Seus povos
mais conhecidos são os caetés, carijós, potiguares, tabajaras, tamoios, temiminós, tupinambás e
tupiniquins.

• Jês
No interior do Brasil, viviam os povos jês, identificados como os apinajés, aimorés e xavantes.

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• Nuaruaques
A ilha de Marajó e outros locais da Amazônia eram habitados pelos nuaruaques.

• Caraíbas
Moravam nas regiões próximas ao Rio Amazonas e América Central.

Os povos ameríndios praticavam a agricultura de subsistência, a pesca e a caça, por meio de um domínio e respeito
com a natureza. Com essa configuração do modo de viver dos ameríndios, típica e ligada à natureza, os europeus
os percebiam como diferentes, exóticos e estranhos.

Fonte: © Everett Historical / / Shutterstock.

Desse modo, acreditavam que a cultura europeia era superior, pois se consideravam os povos brancos, civilizados,
cristãos e normais, enquanto enxergavam os ameríndios como primitivos, inferiores, atrasados e a-históricos, isto
é, o outro. Já os índios que não se enquadravam nessa classificação eram considerados aculturados.

Nessa dinâmica, os povos ameríndios colonizados desempenhavam um papel secundário, subalterno, de escravos
e considerados aculturados nas relações sociais e econômicas estabelecidas com os europeus. Além disso, eram
percebidos ora como vítimas, ora como guerreiros ou bárbaros. Nesse contexto, os ameríndios eram invisibilizados
enquanto sujeitos históricos, sociais e políticos pelos colonizadores europeus. Mesmo assim, é notória a
importância da mão de obra de trabalho escravo dos ameríndios considerados aculturados na construção dos
primeiros engenhos de açúcar no Brasil no século XVI, especificamente em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro.

2.1.3 A instituição do catolicismo como religião oficial no Brasil

A disseminação da cultura religiosa compõe o processo histórico da colonização no Brasil. Clique nas abas para
conhecer mais sobre o catolicismo.

Significados e valores religiosos


O catolicismo imprimiu suas marcas repletas de significados e valores religiosos de profissão de fé cristã nos
espaços públicos e no imaginário social: cidades com nomes de santos, igrejas localizadas nos centros das cidades,
altares, imagens e homenagens aos santos, missas, batismos, procissões, sacramentos, eventos litúrgicos, entre
outros elementos que constituem os dogmas cristãos.

38
Formação da mentalidade brasileira
O catolicismo influenciou de forma significativa a constituição da formação da mentalidade brasileira acerca dos
juízos de valores morais entre o sagrado e o profano, o céu e a terra, pecado, bondade, caridade, entre outros
preceitos. Ainda, favoreceu a continuação de diversas tradições africanas e harmonização social, no entanto, essa
defesa tinha como pano de fundo o interesse da manutenção do escravismo como prática natural e da
superioridade da cultura europeia em detrimento da cultura e dos valores dos africanos e ameríndios.

Tendo em vista esses aspectos que envolvem relações de poder e domínio, o catolicismo se tornou a religião oficial
do Brasil.

2.1.4 Características da identidade nacional

A identidade nacional brasileira advém de um processo específico histórico que envolve os elementos de ordem
econômica, política, social e cultural, caracterizando os aspectos que envolvem as relações entre os grupos
dominados e dominantes. A formação do Brasil colonial teve como base a tríade de sustentação econômica:
trabalho escravo, latifúndio e monocultura (cana-de-açúcar, café, entre outros).

Fonte: © Everett Historical / / Shutterstock.

Esses aspectos envolvem a estrutura e a organização a partir da estratificação social na unificação do território
nacional, marcada por desigualdades sociais e diversidade cultural. Dessa forma, a formação da identidade
nacional é caracterizada pelos processos de dominação, impostos pelos europeus, a cultura dos negros e dos
ameríndios. Esse processo de dominação é marcado pelas formas de violência simbólica e física, repressão e
opressão contra as manifestações étnicas e de tradição desses povos.

39
Elementos que envolvem as relações entre os grupos dominados e dominantes na estrutura e organização social
na formação do Brasil colonial.

Sendo assim, o processo histórico de colonização do Brasil envolveu elementos homogeneizadores e legitimadores
de uma ordem social vigente, que caracterizou a identidade nacional. Nessa estruturação, a língua portuguesa foi
oficialmente nacionalizada.

Além disso, houve a unificação dos costumes e valores da época, por meio do estabelecimento das relações
sociais, culturais e econômicas, classificadas como únicas, verdadeiras e padronizadas. Prevaleciam, assim, as
figuras sagradas e a autoridade real da cultura portuguesa em detrimento da diversidade cultural existente.

2.2 Componentes fundantes do Estado brasileiro


A formação do Estado moderno, alcançada nos séculos XV e XVI, articula-se diretamente ao processo de
colonização do Brasil. Nesse contexto, o Estado, a sociedade civil e os mecanismos de poder se configuravam por
meio de um conjunto integrado e indissociável, que penetrava em toda a organização social: comunidades,
famílias, entre outros grupos, passando por cidades, corporações e senhorios, de forma representativa, por meio
do poder político de afirmação da figura do Estado. A articulação desse grupo visava à manutenção da ordem
social por meio de um movimento equilibrado baseado na autonomia limitada nesses diferentes espaços sociais.

PAUSA PARA REFLETIR


Em relação aos mecanismos de poder, quais foram os elementos constituintes do processo de
formação do Estado moderno?

40
Os aspectos que envolviam as relações entre os grupos dominados e dominantes do Brasil colonial estavam
imbricados nos componentes fundantes do Estado.

2.2.1 Aspectos históricos da independência do Brasil: constituição e organização


do Estado brasileiro

Os aspectos históricos que envolvem a independência do Brasil se vinculam ao conjunto de transformações


ocorridas no continente europeu a partir da consolidação do capitalismo. Essas mudanças, operadas na dinâmica
social e econômica, impactaram a estrutura política do regime colonial e do trabalho escravo no Brasil. Esse
processo de constituição e organização do Estado brasileiro se vincula a um conjunto de ações administrativas.

ASSISTA
O filme Carlota Joaquina: princesa do Brasil (CAMURATI, 1995) apresenta elementos abordados
do processo de colonização no Brasil, evidenciado a partir da transferência da Corte portuguesa
para o Brasil.

Elementos do processo de organização do Estado brasileiro.

41
Elementos do processo de organização do Estado brasileiro.

Além disso, o Brasil foi passado para a categoria de reino, isto é, a nação deixou de ser colônia de Portugal, o que
fortaleceu o estabelecimento do governo próprio brasileiro, por meio da estruturação institucional e política.
Assim, a institucionalização e a criação de dispositivos legais estabeleceram os caminhos para a construção e
operacionalização de um Estado soberano como unidade político-administrativa (GOUVÊA, 2008, p. 15), marcando
o início da história do constitucionalismo brasileiro.

2.2.2 Diferenças entre Estado e nação

O processo de construção da nação brasileira se relaciona processo de desmembramento da condição de colônia


de Portugal. Nesse contexto político imperial, a formação da nação brasileira é marcada por guerras de opiniões e
de doutrinas entre os grupos dominantes e rivais que aspiravam construir a pátria. Sendo assim, o período de
estruturação da nação brasileira pós-descolonização, caracteriza-se como “[...] anômico e anômalo, figurado de
ameaça e empecilho à integridade nacional e de exercício informal da cidadania” (BASILE, 2004, p. 98).

A seguir, clique e conheça as diferenças entre Estado e nação.

É possível compreender a nação a partir de comunidade humana, ligada a uma “[...] unidade
Nação étnica, histórica, linguística, religiosa e econômica, delimitada por espaço territorial” (SILVA,
2009, p. 308).

A instituição do Estado soberano brasileiro, por meio da promulgação da Constituição de


1824, instaurou uma ordem social política sobre a sociedade, fundamentada nos princípios
contidos nesse dispositivo legítimo. Dessa maneira, a legitimação do Estado engendra a
Estado instituição política administrativa, revestida de poder e representativa de toda a sociedade.
Sendo assim, o Estado é uma “[...] entidade abstrata que comanda e organiza a vida em
sociedade [...], composta por diversas instituições, de caráter político, que comanda um tipo
complexo de organização social.”

42
Elementos que diferenciam os Conceitos de Estado e nação.

As diferenças entre Estado e nação giram em torno de aspectos políticos, econômicos e geográficos. A nação
corresponde à existência de um território nacional com fronteiras geográficas marcadas, definida por fatores
estruturantes que legitimam a soberania da construção da nação. Já o Estado é caracterizado pela atuação
política, cujas atribuições são de funções de natureza administrativa e jurídica.

2.2.3 A incorporação de símbolos nacionais a partir do modelo europeu

A configuração política instável no contexto do Brasil pós-independente, com a intensificação dos movimentos
separatistas, trazia riscos de fragmentação do território nacional. Diante dessa situação, foi lançado o projeto que
visava à construção de uma identidade nacional para o Brasil, com a justificativa de minimizar o efeito dessa crise
política.

A idealização e estruturação desse projeto partiu do Governo Imperial de forma articulada com o Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (IHGB). Os elementos de base de construção do projeto foram estabelecidos a partir de
dispositivos de reconhecimento próprios de nacionalidade, isto é, símbolos que focavam a grandeza, a confiança e
orgulho nacional aos seus habitantes.

Nesse contexto histórico, a Europa era o modelo de referência de civilização avançada. Dessa forma, o projeto de
construção da identidade brasileira teve como inspiração o modelo europeu, mediante a incorporação do símbolo
gótico ligado à ideia do romantismo medieval europeu.

43
Fonte: © Uwe Aranas / / Shutterstock.

Para atingir esse objetivo, o desenvolvimento do projeto de construção da identidade nacional contou com a
produção de uma historiografia tropical com o apoio da literatura na composição de um cenário medieval
imaginário brasileiro, por meio de narrativas mitológicas, configuradas pelos elementos tropicais da natureza
exuberante e original brasileira:

[...] acreditava-se na época que o Brasil ainda era uma nação jovem, que ainda não alcançara a
maturidade dos países do norte. Pensavam os intelectuais brasileiros que essa situação se corrigiria
com o tempo, era apenas algo transitório, já que o país passava por um processo de avanço intelectual
no período, principalmente pelo advento dos museus, universidades, hortos, e demais institutos
ligados à ciência. (PAZ, 1996, p. 236-248).

CURIOSIDADE
A obra de José de Alencar, apesar de, à primeira vista, conduzir os leitores por cenários
brasileiros que mais parecem a Europa Medieval do que o Brasil tropical, carrega inúmeros
elementos fundadores da identidade nacional nas medidas europeias (DECCA, 2002. p. 96).

Nesse sentido, os símbolos nacionais foram incorporados por meio da caracterização da nação ideal e de
progresso com o entendimento das belezas naturais singulares brasileiras.

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Fonte: © Gustavo Frazao / / Shutterstock.

De acordo com esse ponto de vista, o território brasileiro era marcado por suas paisagens tropicais, exuberantes,
abundantes, repletas de florestas e terras férteis com fartura de caça e pesca, como elementos produtores de
sentido de pertencimento e orgulho, a partir do modelo europeu (PAZ, 1996), que precisavam ser evidenciados
como imagens positivas.

2.2.4 Os símbolos da identidade nacional X negação da cultura dos negros

O arranjo dos símbolos da identidade nacional tinha como pano de fundo as belezas e o clima tropical brasileiro.
No entanto, esses elementos, por si só, não eram capazes de incluir o Brasil na rota do mundo civilizado, pelo
contrário: a nação brasileira era apartada da civilização justamente pela composição da natureza e dos povos.

Fonte: © Everett Historical / / Shutterstock.

45
A lógica constituída da civilização considerada como avançada seguia a negação do mundo natural, a partir da
mensuração, coisificação, quantificação e homogeneização. Além do mais, o progresso europeu se justificava pelos
fatores de caracterização do homem branco e racional e dos aspectos do clima temperado, constituindo a
identidade dessa civilização.

Nesse tocante, o desenvolvimento do projeto de construção da identidade por meio dos símbolos nacionais,
fundamentalmente, necessitava desse modelo europeu. Contudo, com o surgimento das teorias sociais positivistas
de cunho racial, no século XIX, os negros e os indígenas eram classificados e categorizados como seres deficientes e
de cultura inferior. Dessa forma, o projeto de civilização invisibilizou esses povos a partir da negação de sua
identidade e de sua cultura como símbolos nacionais.

2.3 As interpretações do cidadão brasileiro


O conceito de cidadão brasileiro envolve análises complexas por abarcar elementos de invisibilidade, exclusão e
negação de direitos dos indivíduos integrantes dos povos subalternos e dominados. Diante desse cenário, o
exercício político, fator que caracteriza o estabelecimento da cidadania, concentrava-se nas mãos de certa elite,
detentora do poder econômico e político corporativo.

2.3.1 Cidadão brasileiro segundo Gilberto Freyre

Gilberto Freyre (2004), ao retratar o Brasil colonial, apresenta os elementos que integram os aspectos da
organização econômica, social, política e cultura que envolve o processo de constituição colonizadora.

O autor considera a caracterização da família patriarcal como um componente essencial de manutenção da


organização da comunidade social desse período. Além disso, aponta o catolicismo português, por meio dos rituais
litúrgicos, a ancoragem que consolida as bases da política e econômica do colonialismo.

Diante desses aspectos, no conjunto dos indivíduos da organização social no Brasil colonial, o homem branco
português (europeu), por excelência, figura material e simbólica central, autoridade absoluta e militar, patriarca da
família nuclear, proprietário de terras e de escravos e branco, ocupava um lugar de destaque nas relações sociais,
constituindo-se um cidadão com função específica, de direitos e de domínio no processo produtivo.

PAUSA PARA REFLETIR


Com base na concepção de cidadão brasileiro apontada por Gilberto Freyre, qual o elemento
essencial de organização e consolidação das bases políticas e econômicas no Brasil colonial
proposto pelo autor?

Dessa forma, a função desse cidadão, considerado senhor absoluto, era exercer o poder sobre os indivíduos
agregados de classe distinta e subalterna de seu domínio, isto é, os escravos, as mulheres e as crianças ao exercício
de seu mando.

46
2.3.2 Cidadão brasileiro segundo Darcy Ribeiro

Os estudos desenvolvidos por Darcy Ribeiro (1986) focam questões relacionadas aos índios brasileiros, mais
especificamente, aos grupos das tribos que se localizavam no nordeste. A partir da análise de vida desses povos, o
autor propõe uma abordagem cultural, mesclada por raça e cores, que explica a formação multiétnica dos povos
americanos, propondo uma concepção de identidade nacional.

Ao sistematizar a concepção de integração sobre a condição de sobrevivência das populações indígenas, o autor
identifica que “[...] as microetnias se integravam enquanto contingentes residuais após o decréscimo populacional,
a exemplo dos casos de grupos com séculos de contato, vivendo em condições sociais precárias” (RIBEIRO, 1982, p.
248).

Dessa forma, o autor considera esse elemento como um mecanismo de coesão das populações indígenas,
permitindo a sobrevivência dessas microetnias. Ribeiro (1986) destaca vários elementos que concernem às
condições desfavoráveis desses povos, por meio dos aspectos ligados ao decréscimo populacional indígena, as
condições sociais precárias e o extermínio genocida que incide no desaparecimento de diversas etnias.

2.3.3 Cidadão brasileiro segundo Sérgio Buarque de Holanda

Em suas obras, Sérgio Buarque de Holanda (1995) destaca a colonização portuguesa como um elemento
desencadeador dos problemas políticos e sociais nacionais, legitimados pelos processos de aculturamento,
incapacidade e aniquilamento da civilização brasileira:

[...] somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. Podemos construir obras excelentes, enriquecer
nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que
representamos: o certo é que todo fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de
um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem. (HOLANDA, 1995, p. 31).

Sendo assim, o autor minimiza a figura do colonizador como o “senhor das boas causas” nas relações
estabelecidas com os colonizados (escravos). Nessa constituição, enfatiza as disparidades sociais existentes no
Brasil, além do mais, nega a mestiçagem como um meio de fortalecer a democracia.

Desse modo, Holanda (1995) defende que os interesses sociais, culturais e econômicos da maioria da população
dominada devem ser mobilizados a partir da representação dos sujeitos políticos e ativos.

2.4 Pressupostos e aspectos estruturais e organizacionais


para a sociedade brasileira
O sustentáculo da sociedade brasileira, em sua conjuntura política e econômica, baseava-se na manutenção
organizacional das estruturas escravocrata, patronal e clientelista. Além dessas estruturas, soma-se a emancipação
política sem a mobilização popular e a resistência à abolição da escravidão e ao desenvolvimento industrial.

Diante desses pressupostos, os diferentes aspectos que envolvem essa conjuntura se referem, por um lado, aos
movimentos ligados aos interesses e influências políticas dos grupos dominantes, vinculados ao imperador, com o
propósito de obter privilégios. Por outro lado, a legitimação ajustada a ordem política, econômica e social da
sociedade brasileira.

47
2.4.1 A primeira Constituição Brasileira (1824)

A instalação da primeira Assembleia Constituinte do Brasil, com o propósito de elaborar a Constituição do Brasil,
ocorreu em 1823. Composta pelos setores da camada dominante do Brasil (proprietários de terras e escravos,
advogados, militares, funcionários públicos e alto clero), tinha como objetivo consolidar o poder por meio do
Estado a fim de instituir o governo e obter o reconhecimento internacional de nação soberana.

PAUSA PARA REFLETIR


Quais eram os aspectos predominantes da organização social brasileira desse período?

Nessa composição, havia grupos políticos com propósitos divergentes. Clique a seguir para conhecer esses grupos.

Absolutistas
O grupo defendia a soberania absoluta do imperador e era contrário à emancipação política do Brasil.

Conservadores
Defendia um regime monárquico centralizador, sem a participação da sociedade.

Liberais
Defendiam a autonomia da província e almejavam reformas políticas estruturais.

Fonte: © BillionPhotos / / Shutterstock.

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As divergências e descontentamentos emergiram entre os constituintes diante da proposição do projeto
constitucional. Essa situação levou a uma crise entre os grupos políticos, provocando a dissolução da Assembleia
Constituinte, decretado por D. Pedro I. Após esse ato, o imperador constituiu um conselho de Estado para a
elaboração da Constituição Brasileira. Dessa forma, a primeira Constituição Política do Império do Brasil,
outorgada no dia 25 de março de 1824, foi estabelecida pelo imperador Dom Pedro I.

2.4.2 O conjunto das estruturas e legislações para legitimação do Estado

A primeira Constituição Política do Império do Brasil teve como inspiração as experiências da França, Espanha,
Portugal e do Reino Unido no que diz respeito aos tipos de poderes (Moderador, Executivo, Legislativo e Judiciário).

A Constituição era composta de 179 artigos. Seus principais princípios estão listados a seguir (BRASIL, 1824). Clique
nas abas abaixo e confira.

Monarquia Constitucional hereditária como regime político.

Liberdade econômica e de iniciativa.

Oficialização da religião católica.

Direito de propriedade aos aristocratas rurais.

Voto censitário e indireto e comprovação de renda econômica.

Pré-requisitos à eleição de deputados e senadores: comprovação de renda superior e religião católica

O Brasil seria governado por quatro tipos de poderes: Moderador, Executivo, Legislativo e Judiciário. Exercitado pelo
imperador, o poder Moderador garantia amplos direitos ao monarca de intervenção nos demais poderes, bem como
o poder de nomeação de ministros, juízes e presidentes das províncias. O Executivo era operado pelo imperador e
seus ministros, o Legislativo, pela Câmara do Senado e dos Deputados, e o Judiciário, por juízes e tribunais.

Em suma, os elementos que circunscrevem a Constituição de 1824, têm o traço intensificador das desigualdades
entre a população brasileira nesse período histórico. Dessa forma, esse dispositivo legitimou a centralização do

49
poder nas mãos do imperador, constituída por meio de uma estrutura com amplos poderes políticos, reverberando
em revoltas e resistências a essa configuração governamental conservadora.

2.4.3 Interesses particulares e coletivos

Diante das disputas de poder e jogos de interesses entre as elites na conjuntura política e econômica no período
monárquico, as relações internas e externas estabelecidas pelo imperador almejavam unificar o país, a partir de
uma lógica de recusa da participação popular.

ASSISTA
O filme O Cortiço (Ramalho Júnior, 1978) contextualiza os jogos de interesses sem a participação
popular.

Nessa conjuntura, a cidade do Rio de Janeiro se estabeleceu como um contexto estratégico e funcional de ligação
dos arranjos políticos. Frente à política instituída, os mecanismos e estratégias favoreciam os interesses
particulares dos donos do poder, em detrimento ao conjunto da coletividade na sociedade escravocrata.

2.4.4 A lógica do trabalho escravo na lógica do capitalismo mercantil

As transformações sociais e econômicas do período colonial se caracterizam como um processo de transição entre
os modos de vida rural/colonial e escravista na metrópole para a vida urbana mercantil, alterando as relações de
produção e de trabalho dos escravos, cuja função consistia em servir a população da metrópole.

50
Características das transformações sociais e econômicas que incidiram na lógica do trabalho escravo.

Essa transformação aconteceu devido à expansão e materialização do capitalismo. Nesse contexto, iniciou-se o
desenvolvimento e a expansão da indústria e do transporte dos gêneros de consumo. A urbanização passou a ser
um lócus de controle de logísticas de circulação de mercadorias de compras e vendas no mercado interno e
externo.

Logo, o novo modo de produção e das práticas de dominação, bem como da dinâmica econômica, incidiu em
alterações na lógica do trabalho escravo. Dessa forma, houve a necessidade de estruturar as formas de
organização das propriedades, da força de trabalho, da legislação, saúde, entre outros elementos condizentes com
a configuração social.

Frente ao exposto, o trabalho escravo foi intermediado ao trabalho assalariado, no qual a mão-de-obra foi
operacionalizada pela geração de custos aos proprietários das fazendas. Essa nova relação de trabalho impactou
tanto no declínio da produção cafeeira quanto na inviabilidade do pagamento da mão de obra, considerada de alto
valor pelos fazendeiros.

Proposta de atividade
Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu neste capítulo! Elabore um mapa conceitual, com entre 15
e 20 conceitos, mostrando as principais características das relações de poder que foram estabelecidas entre os
grupos dominantes e dominados no processo histórico da colonização no Brasil. Ao produzir seu mapa conceitual,
considere as leituras básicas e complementares realizadas.

51
Recapitulando
Neste capítulo, analisamos o estabelecimento da nação brasileira a partir da independência do país. Destacam-se
na constituição histórica da nação brasileira a migração forçada dos africanos para o Brasil, por meio do tráfico
humano, o aculturamento e o trabalho escravo desses povos e dos ameríndios.

Discutimos também as questões relacionadas à formação da população brasileira, em sua composição cultural,
linguística e religiosa, que impactaram a produção mesclada das novas identidades nacionais, culturais e políticas
presentes na sociedade.

A formação do Brasil colonial foi evidenciada a partir da tríade de sustentação econômica: trabalho escravo,
latifúndio e monocultura (cana-de-açúcar, café, entre outros). Já os elementos da identidade nacional foram
desenvolvidos a partir dos vários aspectos que caracterizaram as relações entre os grupos dominados e
dominantes.

Abordamos, ainda, a formação do Estado moderno, mostrando a configuração do conjunto integrado e


indissociável: Estado, sociedade civil e os mecanismos de poder. Os conceitos de cidadão brasileiro foram
apresentados por meio do mosaico da heterogeneidade social, articulado à estrutura política no século XIX no
Brasil e à concentração do poder nas mãos de certa elite do exercício político.

Vimos também os diferentes aspectos que envolvem a política e econômica no período monárquico mediante as
disputas de poder e jogos de interesses entre as elites e o processo de transição da organização social, rural
/colonial e escravista na metrópole para a vida urbana mercantil, no qual o trabalho escravo foi intermediado ao
trabalho assalariado.

Referências
BASILE, M. O. N. C. O Império em Construção: projetos de Brasil e ação política na Corte regencial. 2004. Tese
(Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2004.

BRASIL. Constituição Política do Imperio do Brazil, de 25 de março de 1824. Disponível em: <www.planalto.gov.br
/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 17/06/2019.

CAMURATI, C. Carlota Joaquina: princesa do Brasil [filme]. Direção de Carla Camurati. Produção de Copacabana
Filmes e Produções. São Paulo: 1995, 100 min.

CASTRO, C. P. Motivos ibéricos, pretextos literários: aspectos modernistas em Raízes do Brasil. In: EUGÊNIO, J. K.;
MONTEIRO, P. M. (Orgs.). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas: UNICAMP; Rio de Janeiro: UdUERJ,
2008.

DECCA, E. S. Tal pai, qual filho? Narrativas histórico-literárias da identidade nacional. Projeto História, São Paulo,
v. 24, 2002. Disponível em: <revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10614>. Acesso em: 10/06/2019.

FAUSTO, B. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do Estado, 2007.

FRAGOSO, J. L. R. Homens de Grossa Aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro
(1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995.

FREYRE, G. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 49 ed. São
Paulo: Global, 2004.

52
GOUVÊA, M. F. S. Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808). In:
FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F; GOUVÊA, M. F. S. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa. Rio
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HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

PAZ, F. M. Na Poética da História: a revitalização da Utopia Nacional Oitocentista. Curitiba: UFPR, 1996.

RAMALHO JUNIOR, F. O Cortiço [filme]. Direção de Francisco Ramalho Júnior. Produção de Argos Filmes. Rio de
Janeiro: 1978. 104 min.

RIBEIRO, D. Os Índios e a Civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. 5. ed. São Paulo:
Cia. das Letras, 1982.

SILVA, K. V. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Contexto, 2006.

53
FORMAÇÃO ECONÔMICA, HISTÓRICA E
POLÍTICA DO BRASIL

CAPÍTULO 3 - AS CRISES DO CAPITALISMO –


SÉCULO XX E SEUS DESDOBRAMENTOS NO
BRASIL
Thiara Bernardo Dutra

54
Objetivos do capítulo
Ao final deste capítulo, você será capaz de:
• Conhecer as características, as fases e as transformações do processo capitalista, reconhecendo seus
impactos na humanidade.
• Entender os marcos e trajetórias das crises do capitalismo no final do século XX, compreendendo seus
desdobramentos no contexto da realidade brasileira.

Tópicos de estudo
• Aspectos e características das crises do capitalismo
• Modelos de intervenção do Estado
• Contradições sobre as crises econômicas e sociais
• A visão de Caio Prado Júnior sobre a empresa colonial
• O processo de globalização e o conflito do capitalismo e estado de direitos
• Marcos e trajetórias das crises do capitalismo no final do século XX
• A crise de 1929 – Grande Depressão
• A crise do petróleo na década de 70
• As crises no México e na Argentina na década de 90
• A crise norte-americana de 2008
• Aspectos políticos, econômicos e sociais no Brasil no século XX
• República Velha e Estado Novo (1889-1945)
• Modernização econômica e construção de Brasília (1945-1964)
• Ditadura Militar e Ufanismo Nacional (1964-1985)
• Processo democrático: de 1985 aos dias atuais
• Fases e transformações do capitalismo e seus impactos na realidade brasileira
• Mercantilismo – Portugal e Espanha
• Liberalismo Clássico
• Keynesianismo – pós-guerra
• Guerra Fria: capitalismo financeiro e neoliberalismo

Contextualizando o cenário
A economia de mercado começou a se formar por volta do século XV, resultado do desenvolvimento comercial
europeu relacionado às Grandes Navegações e aos descobrimentos, que interligaram diferentes regiões do mundo
por meio do comércio.

A partir de meados do século XVIII, com a Revolução Industrial e o surgimento do liberalismo econômico, o sistema
capitalista se consolidou. A organização da economia mundial baseada no capitalismo industrial impactou a
sociedade, ao contribuir para a divisão social em duas classes opostas e complementares: a burguesia e o
proletariado, e a política, visto que o Estado não interferia no processo econômico. Desse modo, a burguesia tinha
autonomia para controlar a economia, a produção, os preços e as relações trabalhistas. Diante disso, quais são as
consequências positivas e negativas da consolidação do capitalismo no mundo contemporâneo?

55
3.1 Aspectos e características das crises do capitalismo
O capitalismo é um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, no trabalho
assalariado, na produção de mercadorias e nas trocas financeiras, cujo objetivo é o lucro. Entre seus princípios,
estão a livre concorrência e o consumismo.

Embora a competição entre as empresas estimule a produção e o consumismo seja responsável pela
movimentação financeira, também são fatores de outra característica do capitalismo: a crise. A livre concorrência
e a falta de regulamentação estatal aumentam a competição industrial e podem gerar superprodução, derrubando
os preços. Do outro lado, a diminuição do poder aquisitivo das pessoas pode contribuir para a retração do
consumo.

Não há uma teoria que aponte a origem das crises, devido à variedade de fatores causadores, mas há concordância
quanto a seu caráter cíclico, alternando entre períodos de recessão e prosperidade. Neste tópico, serão
apresentados os diferentes posicionamentos do Estado em uma economia capitalista e as contradições do sistema
que acarretam crises.

3.1.1 Modelos de intervenção do Estado

Com a consolidação do capitalismo liberal, o Estado passou a interferir no processo econômico só se fosse
necessário garantir o funcionamento do mercado, de modo que era prerrogativa estatal reprimir tudo o que
prejudicasse o ritmo da produção.

Entre as décadas de 1970 e 1990, alguns países capitalistas europeus aderiram à ideia de que cabia ao Estado a
adoção de políticas de bem-estar social. O Welfare State, como ficou conhecido, defendia a prestação de serviços
de educação, saúde, alimentação e habitação, vistos como direitos do cidadão, portanto, era dever do Estado
garanti-los.

Na virada para o século XXI, setores conservadores da economia criticaram o Welfare State por julgarem os gastos
governamentais com políticas sociais excessivos. A ineficiência e os altos gastos da máquina pública eram
criticados por Margaret Thatcher (1925-2013), primeira-ministra do Reino Unido, e Ronald Reagan (1911-2004),
presidente dos Estados Unidos.

56
Margaret Thatcher e Ronald Reagan, em 1983, nos Estados Unidos.
Fonte: Fonte: © mark reinstein / / Shutterstock.

Com isso, vários países adotaram uma prática econômica baseada na diminuição da intervenção estatal nos
serviços assistenciais, relegando-os ao mercado financeiro e às empresas privadas: o neoliberalismo. Foi um
período marcado por privatizações, liberalização da economia e desregulamentação de diversos setores
(principalmente o financeiro), garantindo a livre-circulação do capital. Por outro lado, a longo prazo, as práticas
neoliberais podem resultar no aprofundamento das desigualdades e na ocorrência de crises, apontando as
contradições do sistema capitalista.

3.1.2 Contradições sobre as crises econômicas e sociais

Um dos primeiros a estudar as estruturas do capitalismo foi o filósofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883).
Com a colaboração de outro alemão, o pensador Friedrich Engels (1820-1895), publicou o Manifesto Comunista, em
1848, no qual ambos criticaram o capitalismo e esboçaram proposições sobre o socialismo científico.

Os autores denunciavam as contradições econômicas e sociais que fundamentavam o capitalismo e geravam crises
e defenderam que “[...] a condição essencial da existência e da supremacia da classe burguesa é a acumulação da
riqueza nas mãos dos particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o
trabalho assalariado”(MARX; ENGELS, 2007, p. 11).

Ao se basear na propriedade privada dos meios de produção, o capitalismo criou dois grupos. Clique nos itens e
conheça-os.

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Proprietários
Representados pela burguesia, que visa à acumulação de riqueza.

Proletariado
Composto pelos trabalhadores assalariados, que trocam sua força de trabalho por baixos salários.

A oposição entre esses dois grupos representa uma contradição do sistema capitalista.

Fonte: © gustavomellossa / / Shutterstock.

O valor do trabalho era visto como uma das razões para a desigualdade econômica e social, pois, os proprietários
aumentavam seus lucros, enquanto os trabalhadores recebiam baixos salários. Além disso, a mentalidade
capitalista condicionava os trabalhadores à competição e ao individualismo, que os impedia de formar uma
consciência de classe.

A má distribuição da riqueza gera desigualdade social e pobreza, que, quando intensificadas, diminuem o poder de
compra e a retração do consumo. Essa situação afeta a manutenção da prosperidade do capitalismo, contribuindo
para as crises.

3.1.3 A visão de Caio Prado Júnior sobre a empresa colonial

Ao estudar a formação econômica do Brasil, Prado Júnior (2012) partiu da consideração de que a expansão
europeia foi fruto da ação de empresas comerciais e atribuiu à colonização o sentido econômico:

Será a empresa do colono branco que reúne à natureza pródiga em recursos aproveitáveis para a
produção de gêneros de grande valor comercial, o trabalho recrutado entre raças inferiores que
domina: indígenas ou negros africanos importados. Há um ajustamento entre os tradicionais objetivos
mercantis que assinalam o início da expansão ultramarina da Europa, e que são conservados, e as
novas condições em que se realizará a empresa. (PRADO JÚNIOR, 2012, p. 13).

58
Segundo o autor, a colonização tinha um caráter mercantil acentuado por estar inserida na conjuntura econômica
da época moderna. O aspecto empresarial da colonização está na ideia de que a colônia era destinada a fornecer
matérias-primas e produtos valorizados ao mercado europeu e consumir os manufaturados da metrópole.

PAUSA PARA REFLETIR


Você sabe quais são os principais gêneros exportados pelo Brasil atualmente? E para quais
países o Brasil exporta?

Para o historiador, a visão da colônia enquanto um empreendimento comercial destinado a exportar gêneros
tropicais é um dos elementos fundamentais que influenciaram a formação econômica, social e histórica do Brasil,
caracterizada pela a vocação agrícola.

3.1.4 O processo de globalização e o conflito do capitalismo e estado de direitos

O termo aldeia global é utilizado para se referir ao mundo atual, em que a internet conectou praticamente todos os
lugares e pessoas do mundo. O cenário é resultado da globalização, um conjunto de transformações econômicas e
políticas que promoveu a integração dos mercados mundiais a partir da década de 1980.

PAUSA PARA REFLETIR


Uma decisão tomada na China ou nos Estados Unidos pode afetar sua vida? As novas tecnologias
geram impactos em seu cotidiano?

A globalização está inserida no contexto da Terceira Revolução Industrial, apoiada nos avanços científico-
tecnológicos da microeletrônica e informática e na hegemonia do neoliberalismo. A globalização favoreceu a
ampliação das atividades econômicas, por meio do surgimento de empresas globais – as transnacionais –, das
trocas comerciais entre os países e da padronização cultural.

59
ESCLARECIMENTO
Transnacionais são empresas cujas operações não ocorrem em um único país e cujo capital que
as movimenta procede de investidores de diversas nacionalidades.

Com a transnacionalização dos mercados, houve a adoção de princípios voltados para a desonerar o Estado de
gastos. Clique nos itens para conhecê-los.

Medidas para garantir o livre-funcionamento do mercado.

Limitação de direitos trabalhistas e atuação dos sindicatos.

Redução das despesas estatais em diversas áreas.

A consolidação da globalização e do neoliberalismo geram debates e opiniões divergentes entre estudiosos sobre o
tema. Enquanto uns consideram o Estado um entrave ao livre-mercado e desenvolvimento social, outros apontam
a perda de direitos trabalhistas, a concentração de renda e a redução de investimentos públicos
No processo de globalização, Estados e sociedades se encontram enredados em sistemas mundiais e redes de
interação, diante do crescente aumento dos fluxos de capitais, produtos, serviços e pessoas. A consequência disso
é que acontecimentos locais podem gerar repercussões globais e vice-versa, e os impactos dessa interação
precisam ser considerados no desenvolvimento de políticas públicas.

Ao observar as trajetórias das crises do capitalismo no final do século XX, que serão apresentadas no próximo
tópico, é possível notar os impactos que as crises locais geram na economia internacional.

3.2 Marcos e trajetórias das crises do capitalismo no final do


século XX
O século XX foi marcado por um intenso desenvolvimento industrial e tecnológico. Se por um lado, houve avanços
na medicina, telecomunicações e transportes, por outro, ocorreram guerras e crises econômicas que impactaram a
organização política e social.

60
Ao analisar o período, Hobsbawn (2003) observou que o desenvolvimento do capitalismo ocorreu em duas fases: a
era de ouro, entre 1945-1973 e a década de crise, entre os anos 1970 e 1980.

Neste tópico, serão apresentadas as crises econômicas que ocorreram ao longo do século XX e geraram graves
consequências à economia internacional, como a crise de 1929 e 2008, nos Estados Unidos, a crise do petróleo nos
anos 1970 e as crises no México e na Argentina, na década de 1990.

3.2.1 A crise de 1929 e a Grande Depressão

Ao final da Primeira Guerra Mundial, a Europa estava mergulhada em uma profunda crise. Enquanto isso, os
Estados Unidos despontaram como potência mundial, devido ao avanço tecnológico no pós-guerra, possibilitando
que o país vivesse uma fase de prosperidade, fundamentada na industrialização e no consumismo.

Os Estados Unidos contribuíram para a reestruturação de países europeus no pós-guerra, com a concessão de
empréstimos e a exportação de produtos industrializados. Com a recuperação econômica de alguns desses países,
houve a redução das importações dos produtos americanos. O mercado interno dos Estados Unidos não foi capaz
de absorver as mercadorias produzidas, gerando superprodução.

Os estoques acumularam e isso acarretou queda nos preços e nos lucros das empresas. Diante do quadro de
instabilidade, os investidores venderam suas ações antes que fossem desvalorizadas. Assim, em 29 de outubro de
1929, a crise acirrou com o crash da Bolsa de Nova York, isto é, a queda violenta dos preços das ações, que levou
bancos e empresas à falência e derrubou a produção industrial e agrícola.

O enfraquecimento da economia dos Estados Unidos, por causa dos enormes prejuízos ao mercado financeiro,
causados pela crise de 1929, deu início à Grande Depressão. Foi um longo período de crise que atingiu todo o
mundo capitalista, já que os Estados Unidos eram o centro financeiro. A imagem a seguir mostra homens
desempregados na fila da sopa durante essa época.

CURIOSIDADE
No Brasil, a crise de 1929 teve efeito devastador em todos os setores econômicos e sociais, pois,
o café era seu a base da economia nacional e principal produto de exportação, e os Estados
Unidos, o maior comprador.

61
Homens desempregados na fila da sopa durante essa época.
Fonte: © Everett Historical / / Shutterstock.

A superação da crise ocorreu com medidas intervencionistas do Estado para reativar o setor produtivo e gerar
emprego e arrecadação fiscal. Em 1933, o presidente Roosevelt (1882-1945) iniciou um plano de recuperação
econômica chamado de New Deal. Por meio da conciliação entre interesses públicos e privados, o plano
determinou a construção de obras públicas, controle dos preços e da produção, concessão de crédito e criação de
direitos trabalhistas. Por volta de 1937, a crise começou a ser revertida.

3.2.2 A crise do petróleo de 1970

A década de 1970 foi marcada por crises de diversas ordens que afetaram o desenvolvimento econômico das
potências capitalistas, acompanhadas pelo aumento das taxas de inflação e desemprego. Essa situação foi
atribuída ao petróleo, mostrando a dependência do sistema capitalista em relação a essa fonte energética, desde
sua descoberta no século XIX.

Fonte: © Hiroshi teshigawara / / Shutterstock.

62
Fonte: © Hiroshi teshigawara / / Shutterstock.

Grande parte do petróleo destinado ao desenvolvimento industrial na época era proveniente da região do Golfo
Pérsico, na Ásia. Em 1960, um encontro realizado em Bagdá, reunindo os maiores produtores de petróleo do
mundo, Arábia Saudita, Iraque, Irã, Kuwait e Venezuela, resultou na criação da Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP). Entre seus objetivos, estava protestar contra o baixo valor do petróleo
praticado por empresas petroleiras ocidentais.

Diante da expressiva representação da OPEP na produção mundial de petróleo, a organização definiu medidas
visando ao aumento dos lucros e ao controle do setor. Para isso, aumentou o valor dos royalties pagos pelas
empresas petrolíferas e as oneraram com encargos. Em 1970, quando descobriu que se tratava de um recurso
natural não renovável, a OPEP “[...] elevou os preços do petróleo e, ao mesmo tempo, reduziu sua produção”
(SAES; SAES, 2013, p. 535).

Crescimento do preço do barril de petróleo na década de 1970.


Fonte: SAES; SAES, 2013. (Adaptado).

O quadro demonstra o aumento dos preços do barril de petróleo. Na comparação entre 1970 e 1973, durante o
primeiro choque do petróleo, o valor se multiplicou por quase 6, e, de 1973 para 1979, no segundo choque do
petróleo, o preço triplicou. Ao comparar 1970 a 1979, o petróleo chegou a custar 15 vezes o preço inicial (SAES;
SAES, 2013).

A alta dos preços causou reflexos nos Estados Unidos e na Europa e desestabilizou a economia por todo o mundo.
A retirada dos investimentos americanos dos países subdesenvolvidos, devido à situação, acirrou a crise, fazendo a
economia mundial entrar em colapso.

3.2.3 As crises no México e na Argentina na década de 1990

O histórico dos países latino-americanos é marcado pela instabilidade política e econômica. Na década de 1990,
por exemplo, crises cambiais e bancárias atingiram o México e a Argentina.

A crise no México, em 1994, começou quando o país declarou a desvalorização do peso em relação ao dólar. Isso
acarretou a movimentação dos investidores locais e estrangeiros, gerando especulação financeira e fuga de
capitais. Além disso, a crise cambial arrasou a indústria e a economia mexicana e repercutiu para outros países
latino-americanos, que estavam com desequilíbrio nas contas públicas.

63
ASSISTA
O filme Efeito Tequila (SERMENT, 2010) narra a vida de um jovem corretor da bolsa de valores
que se envolve com negociações financeiras ilícitas no contexto da crise no México.

Essa crise foi ocasionada por fatores políticos e pelo desequilíbrio financeiro, influenciados pelos fatores
apresentados a seguir. Clique nos itens.

Massiva entrada de capital estrangeiro na década de 1990.

Ineficiência das políticas econômicas do governo.

Breve momento de expansão.

Crescimento das forças sociais com o movimento zapatista.

Insuficiente liberalização da economia.

Competição com os produtos importados, com a entrada do país no North American Free Trade Agreement (NAFTA),
ou Tratado Norte-Americano de Livre Comércio.

Já a crise na Argentina ocorreu entre 1999 a 2001, em decorrência da baixa arrecadação fiscal, crescente dívida
externa, sobrevalorização da moeda e equiparação com o dólar no sistema bancário. Esses fatores resultaram na
perda da competitividade e da credibilidade do sistema financeiro, queda no preço das commodities e falta de
investimentos externos, que paralisaram o crescimento econômico.

64
A recessão argentina foi caracterizada pela deflação, isto é, queda no preço dos produtos, diante da valorização
real do dinheiro, contribuindo para a elevação da dívida externa e o desequilíbrio das contas públicas, o que afetou
a estrutura social e econômica do país.

3.2.4 A crise norte-americana de 2008

A hegemonia política e econômica dos Estados Unidos foi abalada no início do século XXI. Diferentemente de 1929,
quando a crise resultou da superprodução industrial, a crise norte-americana de 2008 foi financeira e alavancada
pelo estouro da bolha imobiliária, que quebrou instituições bancárias e reduziu créditos e empregos.

O valor das transações econômicas no mercado imobiliário americano aumentou além de seu valor real, devido à
hipoteca, prática comum no país que consiste em obter empréstimo dando um imóvel próprio como garantia.
Com os juros baixos e o crédito disponível, as pessoas hipotecavam suas casas para investir em imóveis, tornando
o mercado imobiliário bastante lucrativo.

Com o esgotamento da supervalorização dos imóveis, a bolha econômica estourou, acarretando prejuízos que
fizeram a crise se alastrar. O governo aumentou o lucro e reduziu o crédito para controlar o crescimento
inflacionário, o que esfriou o mercado imobiliário e derrubou o valor dos imóveis e causou inadimplência das
hipotecas. Diante disso, a crise ficou conhecida como subprime, termo usado para se referir ao risco eminente de
calote que uma dívida passa a apresentar.

PAUSA PARA REFLETIR


É possível estabelecer relação entre a crise de 2008 e a situação financeira que o Brasil enfrenta
desde 2013?

Outra consequência foi o colapso do sistema de especulação econômica. A desconfiança no mercado contribuiu
para a redução de empréstimos, de créditos e da capacidade de investimento das empresas. Em conjunto, esses
fatores geraram menos empregos, seguidos por demissões e pela queda no consumo e na lucratividade
empresarial. Com a quebra do Banco Lehman Brothers, a crise financeira atingiu seu ápice, levando à queda dos
investimentos e das ações, atingindo principalmente a União Europeia.

Nota-se que ao longo do século XX, as relações econômicas entre os países se intensificaram e, com isso, as crises
ocorridas geraram impactos internacionais. No próximo tópico, serão apresentados os desdobramentos da
conjuntura internacional na organização política, econômica e social do Brasil.

3.3 Aspectos políticos, econômicos e sociais no Brasil no


século XX
No início do século XX, o Brasil atravessou um período de transformações políticas, com a passagem do Império
para a República, que não alteraram a estrutura econômica agroexportadora e social, marcada pela discrepância
entre ricos e pobres e a exclusão de setores marginalizados da população.

65
A consolidação do regime republicano, com economia diversificada e uma legislação que visava garantir direitos
fundamentais à população, como educação, saúde e segurança, ao longo do século XX, deu-se em um contexto
marcado pela instabilidade política e econômica.

3.3.1 República Velha e Estado Novo (1889-1945)

A implantação da República no Brasil ocorreu em 15 de novembro de 1889, por meio de um golpe militar. De 1889 a
1930, o período conhecido como República Velha se dividiu em duas fases. Clique nas abas.

• República da Espada (1889-1894)


Com os governos dos militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.

• República Oligárquica (1894-1930)


Governada pelas elites oligárquicas estaduais e marcada por revoltas sociais.

A exportação do café era a base da economia, fazendo a aristocracia rural ascender ao poder e governar em
benefício próprio. Na base da política oligárquica, estava o coronelismo, isto é, os proprietários de terras
utilizavam seu poder de mando local para manipular as eleições em favor dos interesses de seu grupo. As
oligarquias estaduais de São Paulo e Minas Gerais estabeleceram um acordo e se alternaram no poder, no que
ficou conhecida como a política do café com leite.

ESCLARECIMENTO
A política do café com leite tem esse nome devido à aliança feita entre as oligarquias estaduais de
Minas Gerais, produtora de leite, e São Paulo, produtor de café.

Fonte: © Skynavin / / Shutterstock.

66
Impulsionada pela economia cafeeira, a região Sudeste, durante as primeiras décadas da República, vivenciou um
período de crescente industrialização e urbanização. Isso contribuiu para o aumento populacional nas cidades e a
diversificação da composição social. A burguesia industrial, banqueiros e empresários representavam a classe
dominante, seguidos por operários, comerciantes e profissionais liberais na classe média e desempregados e
pessoas desamparadas na classe baixa.

No entanto, o meio urbano “[...] até a década de 1920 concentra apenas 20% da população brasileira” (DEL PRIORE;
VENÂNCIO, 2010, p. 177). Nesse período, a população brasileira continuou majoritariamente rural, e a agricultura
era a base econômica do país. Enquanto os trabalhadores rurais enfrentavam a insegurança e a miséria, vivendo
sob a dependência de latifundiários, nas cidades, os problemas sociais se intensificavam pela falta de
infraestrutura, elevado custo de vida e desemprego. Tal situação contribuiu para ocorrência de revoltas no campo
e na cidade.

A insatisfação de diversos setores da população, entre os quais, os tenentes, e a disputa entre as oligarquias,
contribuiu para a formação do movimento de 1930, liderado pelo gaúcho Getúlio Vargas, que derrubou a oligarquia
paulista do poder.

Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas ascendeu ao poder e governou por 15 anos. A Era Vargas foi marcada por
avanços econômicos, com investimento na indústria e na agricultura, e sociais, com a criação de leis trabalhistas e
direitos sociais, como o voto feminino e o ensino primário obrigatório. Todavia, essas conquistas se deram num
contexto político ditatorial, o Estado Novo, que refletia o cenário internacional, marcado por governos
nacionalistas e autoritários.

3.3.2 Modernização econômica e construção de Brasília (1945-1964)

A queda de Getúlio Vargas e a reestruturação do regime democrático, em 1945, colocaram o Brasil em uma disputa
política que refletia a conjuntura internacional. A tensão entre ideologias nacionalistas, comunistas e liberais
trouxe mudanças para a política, que, além da elite agrária, passou a envolver interesses da crescente população
urbana, diante da industrialização e urbanização do país.

Os governos foram marcados por medidas liberais e populistas, prática que visa atender a interesses das classes
populares para conquistar seu apoio. Seu maior representante no Brasil foi Getúlio Vargas, seguido pelos governos
de Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubistchek, Jânio Quadros e João Goulart.
No plano econômico, o Brasil se alinhou ao bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos. O governo Dutra foi
marcado pela aplicação de uma política econômica liberal e pela liberação das importações, que causou o
crescimento da inflação, desequilíbrio nas contas públicas e alta no custo de vida.

Para reverter essa situação, Vargas adotou uma política econômica nacional-desenvolvimentista, com
diversificação e crescimento industrial e criação de empresas estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional e a
Petrobrás. Porém, o desenvolvimento industrial e o sucesso da política de intervenção do Estado na economia não
foram suficientes para controlar o aumento da inflação e do custo de vida.

O auge do desenvolvimentismo ocorreu entre 1955 e 1960, no governo de Kubistchek, com seu Plano de Metas,
cuja proposta era desenvolver 50 anos em 5, investindo nas áreas de transporte, energia, indústria pesada e
alimentação. A construção de Brasília, a nova capital, sintetizava essa meta. Com exceção de Vargas, a política
populista de modernização do país esteva ancorada na dependência externa. Assim, o desenvolvimento
econômico foi seguido pelo aumento da dívida externa e da inflação.

67
Fonte: © 061 Filmes / / Shutterstock.

No plano social, a população sofreu as consequências das políticas econômicas, devido ao aumento da inflação,
ilustrado no gráfico a seguir e, consequentemente, do custo de vida.

Inflação anual no Brasil entre 1959-1964.


Fonte: JOFFILY, 1988. (Adaptado).

Outras consequências foram o arrocho salarial e a restrição dos investimentos públicos nas áreas sociais, o que
ocasionou revoltas, greves e manifestações sociais ao longo do período. Os dois últimos governos populistas, de
Quadros e Goulart, foram marcados pela crise e acirramento ideológico, que contribuíram para a queda do
populismo, por meio do golpe militar.

68
3.3.3 Ditadura militar e Ufanismo Nacional (1964-1985)

Em 1.º de abril de 1964, as Forças Armadas assumiram o poder no Brasil e ficaram no governo por 20 anos. O golpe
militar teve o apoio de diversos setores da sociedade, cujo temor era a implantação do comunismo, diante da
crescente mobilização popular no governo de João Goulart. Os militares justificaram a suspensão dos direitos
democráticos, afirmando acabar com a corrupção política e administrativa, desenvolver a economia e restabelecer
a ordem social.

Contudo, “[...] o novo regime começou a mudar as instituições do país através de decretos, chamados de Atos
Institucionais (AI). Eles eram justificados como decorrência do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as
revoluções” (FAUSTO, 2006, p. 465). Na prática, foram instrumentos de força que não obedeciam a norma jurídica
vigente, conferindo aos militares poderes para decretar qualquer medida considerada necessária.

Na economia, começou o plano de desenvolvimento, por meio da industrialização, modernização agrícola,


equilíbrio das contas e controle da inflação. Os mecanismos utilizados foram o arrocho salarial, fim da estabilidade
no emprego, abertura da economia ao capital estrangeiro e empréstimos externos para financiar as políticas
estatais. A imagem a seguir mostra uma das obras do governo militar, a usina Itaipu binacional, construída em Foz
do Iguaçu em parceria com o Paraguai.

Fonte: © Mykola Gomeniuk / / Shutterstock.

Entre 1967 a 1973, a economia cresceu, em um período que ficou conhecido como milagre econômico. A produção
de aço, petróleo, energia elétrica e equipamentos industriais recebeu forte investimento público, o que ensejou o
crescimento das exportações agrícolas, expansão do sistema de crédito ao consumidor, aumento do consumo e
crescimento industrial (FAUSTO, 2006).

Ainda Segundo Fausto (2006), os aspectos negativos do milagre econômico foram principalmente de natureza
social. Isso porque, a política econômica implantada pelo ministro da fazenda Delfim Neto objetivava fazer o
“bolo” crescer para só depois pensar em distribuí-lo. O resultado foi a redução salarial dos trabalhadores com
baixa qualificação, favorecendo a concentração de renda. Outro aspecto negativo foi:

“[...] a desproporção entre o avanço econômico e o retardamento ou mesmo o abandono dos


programas sociais pelo Estado. O Brasil iria se notabilizar no contexto mundial por uma posição
relativamente destacada pelo seu potencial industrial e por indicadores muito baixos de saúde,
educação e habitação, que medem a qualidade de vida de um povo”. (FAUSTO, 2006, p. 487).

69
Distribuição da riqueza nas décadas de 1960 e 1970.
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000. (Adaptado).

O gráfico mostra a concentração de renda durante o período do milagre econômico. A desaceleração da economia
gerou inflação e desemprego. Ainda assim, a população não se manifestava contra o governo, devido à repressão e
censura, mas, também, pela propaganda governamental que supervalorizava suas ações, especialmente
econômicas, e veiculava um Brasil próspero e harmônico, com slogans ufanistas, que aproximavam a população do
progresso da nação.

Ufanismo significa o orgulho de um indivíduo em relação a seu país, relacionado ao patriotismo. O Ufanismo
Nacional foi fomentado no Brasil durante o regime militar, com intuito de que a população desenvolvesse um
sentimento de orgulho nacional, aceitando o governo ditatorial.

3.3.4 Processo democrático – 1985 aos dias atuais

O processo de redemocratização deu início à Nova República em oposição ao regime militar. Seu início ficou
marcado pelo retorno das liberdades civis e pela Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, que
valoriza a democracia e o direitos sociais. Entre 1985 a 2018, José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco,
Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio “Lula” da Silva, Dilma Roussef e Michael Temer governaram o país.

70
PAUSA PARA REFLETIR
Você se interessa por economia ou política? Em sua casa, você e seus familiares costumam falar
sobre esse assunto?

A conjuntura internacional teve desdobramentos na organização política, econômica e social do Brasil, marcada
pela globalização e neoliberalismo. Entre as décadas de 1980 e 1990, os governos enfrentaram fortes crises
econômicas, com o descontrole inflacionário, aumento do desemprego e recessão. Para contê-las, os governos
alteraram as moedas, com o Plano Cruzado (1986) e Plano Real (1994).

O sucesso do Plano Real garantiu a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Foi durante seu governo que o
Congresso aprovou o dispositivo da reeleição, assim, Cardoso ficou por oito anos no poder. Em seu governo foram
“[...] implementadas medidas econômicas voltadas à internacionalização da economia, privatização de empresas
estatais, desregulamentação de mercados e controle dos gastos públicos”. (DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2010, p. 213).

O resultado foi o endividamento externo, o desemprego crônico e a vitória de Lula. Seu governo foi marcado pela
mundialização da economia, aceleração do crescimento do comércio mundial, resultando no desenvolvimento dos
mercados emergente, do qual o Brasil faz parte. Em seu governo, buscou:

[...] diminuir os efeitos negativos da globalização, criando-se formas de proteger o sistema econômico
nacional. Junto a isso, combatem-se as desigualdades, através de políticas de distribuição de renda e
uma série de outros programas sociais. Na última década, essas perspectivas, por assim dizer, foram
centrais nos governos Lula (2003-10). (DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2010, p. 214).

Essas ações contribuíram para mudanças no quadro de exclusão social. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) (2015), a mortalidade infantil e o número de pessoas sem escolaridade diminuíram, enquanto o
acesso ao Ensino Superior, o número de trabalhadores com carteira assinada e os salários pagos às mulheres
aumentaram. Posteriormente, o povo garantiu a vitória de sua aliada, Dilma Rousseff, em 2010.

Rendimento médio de homens e mulheres entre 2003 e 2014.


Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2015. (Adaptado).

71
Seu governo representou um marco histórico no país: foi a primeira mulher eleita para ocupar o executivo. Dilma
deu continuidade aos programas sociais e econômicos de seu antecessor, contudo a recessão econômica mundial
teve reflexos na economia interna. Para reverter a crise, o governo adotou medidas intervencionistas que não
tiveram êxito. A crise econômica acarretou em uma crise política e a insatisfação de diversos setores da sociedade,
que levaram a seu impeachment, em 2016. Seu vice-presidente, Michel Temer, assumiu a presidência, em um
governo marcado por uma política de austeridade econômica, com o intuito de diminuir o impacto da crise
econômica.

Ainda hoje, é possível notar que os problemas que afetavam a República Velha são contemporâneos à Nova
República: desigualdade, miséria, criminalidade, violência, impunidade, corrupção das instituições democráticas e
dependência do capital externo continuam sendo os maiores problemas do país. Diante do panorama apresentado
é possível notar os desdobramentos da conjuntura econômica internacional na realidade brasileira. No próximo
tópico, esses impactos serão analisados, considerando as fases e transformações do capitalismo.

3.4 Fases e transformações do capitalismo e seus impactos na


realidade brasileira
O capitalismo é o sistema econômico vigente na maioria dos países e se consolidou como um modelo de
organização econômica entre os séculos XV e XVI. Esse sistema passou por diversas transformações, sendo dividido
em três fases: comercial, industrial e financeiro. Com isso, alterou as técnicas e modelos produtivos, ocasionando
mudanças também no mercado mundial e na organização interna dos países.

3.4.1 Mercantilismo – Portugal e Espanha

O mercantilismo surgiu como política econômica com a formação dos Estados Nacionais Modernos. Com o apoio
da burguesia interessada no desenvolvimento comercial, o Estado passou a conceder monopólios das atividades
mercantis, regular a economia, estimular o comércio, proteger o mercado nacional, acumular metais preciosos e
promover a exploração de outros territórios por meio da colonização.

Portugal e Espanha são exemplos da política econômica mercantilista, pois foram os primeiros territórios da
Europa a consolidar o Estado Nacional e a se lançar na expansão marítimo-comercial que culminou na chegada
dos europeus à América e no processo de ocupação do continente.

Enquanto a Espanha adotou o mercantilismo metalista, com a extração de ouro e prata de suas colônias, Portugal
adotou todas as estratégias disponíveis. Praticou o mercantilismo comercial, ao revender produtos orientais, a
plantagem, baseada na agroexportação da colônia brasileira e o mercantilismo metalista, durante o ciclo do ouro.

A formação colonial do Brasil coincide com o desenvolvimento do capitalismo comercial, enquanto o ciclo do ouro
favoreceu a acumulação de capital na Inglaterra, contribuindo para o surgimento do capitalismo industrial.

3.4.2 Liberalismo clássico

O liberalismo clássico é uma teoria econômica desenvolvida no século XVIII pelo economista escocês Adam Smith
(1723-1790). Sua teoria defende a não intervenção do Estado na economia, a qual deve se basear apenas nas leis
do mercado, como a lei da oferta e da procura. A intervenção deve ocorrer apenas nos momentos de crise ou em
situações excepcionais.

Nessa perspectiva, se o Estado interferir diretamente na dinâmica econômica, ele pode romper o equilíbrio do
mercado autorregulável, em benefício de uns e prejuízos de outros. Assim, o liberalismo é caracterizado por alguns
pontos. Clique e conheça-os.

72
Liberdade de comércio e de produção.

Livre concorrência.

Liberdade de estabelecer o contrato de trabalho.

Defesa da propriedade privada.

O pensamento liberal do século XVIII foi ao encontro dos interesses ingleses ligados à industrialização, que
desejavam ampliar seus mercados consumidores. Com isso, a Inglaterra se voltou para a América, com o intuito de
acabar com os monopólios comerciais que sujeitavam as colônias às metrópoles. A imagem a seguir ilustra uma
tecelagem na Inglaterra da época.

Tecelagem na Inglaterra da época.


Fonte: © Everett Historical / / Shutterstock.

O interesse inglês na independência das colônias americanas estava em estabelecer relações comerciais diretas
com esses territórios. As pressões inglesas sobre o governo português contribuíram para o fim da exclusividade
comercial, com a Abertura dos Portos às Nações Amigas, em 1808, fator que acelerou o processo de emancipação
do território brasileiro.

73
3.4.3 Keynesianismo – pós-guerra

O economista inglês John Maynard Keynes desenvolveu uma teoria que defendia a intervenção do Estado no
controle da economia nacional, a fim de garantir o emprego: o keynesianismo, adotado por Roosevelt, nos
Estados Unidos, após a crise de 1929. Com base nessa teoria, o presidente implantou o New Deal, um plano de
reestruturação econômica, em que através da interferência do Estado na economia, combateu a crise, garantindo
empregos e direitos sociais.

No Brasil, é possível notar a influência da teoria keynesiana nas políticas econômicas implantadas no governo de
Dilma Rousseff. Para conter os reflexos da recessão mundial, foram implementadas medidas de intervencionistas,
como a redução da taxa de juros, direcionamento de investimentos, elevação de gastos, concessões de subsídios e
controle de preços.

3.4.4 Guerra fria – capitalismo financeiro e neoliberalismo

O capitalismo financeiro é a fase atual do sistema econômico mundial, em que o capital passou das mãos dos
industriais para as organizações financeiras, como os bancos. A especulação financeira e a movimentação da bolsa
de valores passaram a medir o desempenho da economia de um país.

O fim da Guerra Fria e da ordem bipolar, isto é, o contexto mundial de disputa hegemônica e ideológica entre os
Estados Unidos, capitalista e a União Soviética, socialista, representaram o desmoronamento do socialismo e a
consolidação do capitalismo.

CONTEXTO
Em 12 de novembro de 1989, ocorreu a derrubada do Muro de Berlim, um marco histórico na luta
em defesa da democracia, que representou o fim da Guerra Fria e o início da globalização.Em 12
de novembro de 1989, ocorreu a derrubada do Muro de Berlim, um marco histórico na luta em
defesa da democracia, que representou o fim da Guerra Fria e o início da globalização.

Assim, emergiu uma nova ordem mundial multipolar, baseada em um complexo sistema de relações
internacionais, que contribuiu para o processo de globalização. A repercussão dessas transformações na política
acarretou a adoção do neoliberalismo, pautado na restrita intervenção do Estado na economia.

74
Fonte: © Travel mania / / Shutterstock.

As transformações político-econômicas e a consolidação do capitalismo financeiro favoreceram o processo de


industrialização e urbanização dos países emergentes, a exemplo do Brasil e dos Tigres Asiáticos. Isso ocorreu por
meio da implantação de multinacionais atraídas por impostos mais baratos, oferta de matéria-prima, mão de obra
e mercado consumidor.

Proposta de atividade
Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu neste capítulo! Elabore uma apresentação em Power Point
destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir seus slides, considere as leituras
básicas e complementares realizadas.

Dica: utilize imagens para montar sua apresentação e separe o conteúdo conforme os tópicos de estudo.

Recapitulando
A consolidação do capitalismo favoreceu um amplo desenvolvimento tecnológico que trouxe melhorias à vida das
pessoas, mas, por ser alicerçado no lucro e na competição, causa concentração de renda e desigualdade social.

A rede de relações comerciais estabelecidas entre os países em uma economia globalizada faz com que
acontecimentos inerentes à realidade interna dos Estados Unidos ou da China, por exemplo, causem impactos na
vida dos brasileiros. O Brasil, porém, tem uma vocação agrícola que remonta ao período colonial, pois seus
principais produtos de exportação são agrícolas.

Os países passaram por diversas crises ao longo de sua história, que podem repercutir em outros em longo prazo
num sistema financeiro globalizado. Um exemplo é a crise de 2008, nos Estados Unidos, que vem causando
problemas à economia brasileira desde 2013, gerando especulação financeira, aumento dos juros, restrição do
crédito, recessão e desemprego.

75
Referências
DEL PRIORE, M.; VENÂNCIO, R. Breve História do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.

FAUSTO, B. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: USP, 2006.

HOBSBAWN, E. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.

______. Pesquisa Mensal de Emprego. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. Disponível em: <ftp.ibge.gov.br
/Trabalho_e_rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicadores_ibge/2015
/pme_201501pubCompleta.pdf>. Acesso em: 21/06/2019.

JOFFILY, B. Isto é Brasil 500 anos: Atlas Histórico. São Paulo: Grupo de Comunicação Três, 1998.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2007.

PRADO JÚNIOR, C. História Econômica do Brasil. 43. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012.

SAES, F.; SAES, A. História Econômica Geral. São Paulo: Saraiva, 2013.

76
FORMAÇÃO ECONÔMICA, HISTÓRICA E
POLÍTICA DO BRASIL

CAPÍTULO 4 - O ESTADO DE DIREITOS NO


BRASIL CONTEMPORÂNEO
Verônica Belfi Roncetti Paulino

77
Objetivos do capítulo
Ao final deste capítulo, você será capaz de:
• Identificar os fundamentos teóricos sobre a formação do Estado de direito na direção da consolidação
democrática, compreendendo como esses exerceram influência no âmbito das políticas públicas.
• Compreender o processo participativo como condição para a governança pública, estabelecendo as
condições necessárias a serem desenvolvidas.
• Reconhecer a complexidade das demandas contemporâneas, compreendendo alguns aspectos
necessários para o fortalecimento democrático.

Tópicos de estudo
• Fundamentos teóricos sobre a concepção de sujeitos históricos.
• Estratos e prerrogativas da Constituição de 1988.
• Capitalismo e seus reflexos sobre o individualismo x coletividade.
• Conceito de sujeitos e atores sociais.
• A perspectiva da classe social na construção da democracia.
• A participação de sujeitos no processo de fortalecimento da democracia.
• Trajetória dos movimentos sociais e populares nas décadas de 70 e 80.
• Espaços urbanos e governança social.
• Orçamento participativo.
• Níveis e categorias de participação.
• O contexto contemporâneo das políticas públicas.
• A sociedade contemporânea e os problemas complexos.
• O estado necessário para o Brasil no século XXI.
• Possibilidades de políticas públicas intersetoriais.
• A participação cidadã na concepção e avaliação das políticas públicas.
• A cultura democrática em formação X desigualdades sociais.
• Mecanismos institucionais de participação social e novos arranjos sociais após Constituição Federal de
1988.
• Qualificação técnica e política para a efetiva participação social.
• Unidades Federativas diante da Constituição Federal de 1988.
• Transformação política-cultural na direção da democracia.

Contextualizando o cenário
Apresentamos os elementos teóricos que fundamentam a formação do Estado de direito com um esforço de
reflexão acerca da construção democrática no Brasil. Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 é conhecida
como Constituição Cidadã, por reconhecer os direitos sociais dos cidadãos e cidadãs. Quais foram as
movimentações sociais e políticas históricas que levaram à promulgação dessa Constituição?

78
4.1 Fundamentos teóricos sobre a concepção de sujeitos
históricos
O processo histórico de formação do Estado vem sendo configurado na sociedade brasileira por avanços e
retrocessos nos direitos dos cidadãos e na consolidação democrática. Persistem resquícios da tradição política
autoritária, que se expressam pelo controle patrimonialista, burocrático e oligárquico.

Fonte: © Nathalia Segato Tomaz / / Shutterstock.

Esses elementos que compõem o cenário brasileiro influenciam as políticas públicas, por meio da desintegração
social das classes econômicas menos favorecidas. Ainda, geram dificuldades no processo de construção da cultura
da participação dos cidadãos no exercício de seus direitos.

4.1.1 Estratos e prerrogativas da Constituição de 1988

Sob o regime político democrático, a Constituição Federal foi promulgada em 1988, constituindo-se como um
dispositivo de reconhecimento dos direitos sociais dos cidadãos brasileiros. Também conhecida como
Constituição Cidadã, representa um marco no processo de redemocratização no Brasil, tendo em vista o período
histórico político anterior, marcado pela ditadura entre 1964 e 1985.

PAUSA PARA REFLETIR


Qual é a importância do fortalecimento dos movimentos de lutas em prol da construção e
permanência dos processos democráticos e dos direitos sociais?

79
Com o fim do regime ditatorial, os movimentos das forças sociais que não estavam integrados às deliberações do
Estado se fortaleceram na organização e mobilização de construção da democracia no Brasil. No bojo dessa luta,
estava a defesa dos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais dos cidadãos por meio de uma Constituinte
livre e soberana. Essa mobilização, em conjunto com a atuação dos parlamentares constituintes eleitos, ligados à
base sindical e popular, compromissados com as propostas democráticas, exerceram um papel decisivo no
Congresso Nacional Constituinte.

Além dessas forças, cabe enfatizar a mobilização, o acompanhamento e a votação das propostas que dialogavam
em consonância com os anseios da população, exercidas pelos Comitês Pró-Participação Populares na
Constituinte em todo o território brasileiro. Esses comitês adotaram como estratégia a propagação das propostas
populares e democráticas, o que repercutiu no posicionamento a favor das propostas, ambicionando as futuras
eleições, nas bases eleitorais dos deputados e senadores constituintes.

Um elemento central para a compreensão desse processo de mobilização foi o artigo 24 do Regimento Interno da
Assembleia Nacional Constituinte, que assegurou a inserção de propostas populares, ajustadas em emendas. As
proposições foram assinadas por mais de 30 mil eleitores brasileiros, em listas organizadas por, no mínimo, 3
entidades associativas, legalmente constituídas (BRASIL, 1987).

Fonte: © ErenMotion / / Shutterstock.

Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) estabeleceu a República Federativa do Brasil como
Estado democrático de direito. Seus princípios fundamentais estão dispostos no artigo 1.º:

I — a soberania;

II — a cidadania;

III — a dignidade da pessoa humana;

IV — os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa;

V — o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988, [s.p.]).

As diretrizes desses princípios fundamentam a legitimação da democratização do Estado, por meio da conexão
entre a democracia representativa e a participativa. Ambas perpassam o processo político de construção das ações
que abrangem a regulamentação das leis e políticas públicas dos órgãos deliberativos institucionalizados.

80
Já os direitos sociais e garantias fundamentais estão no Capítulo II, nos artigos 6.º a 11.º, como mostra o quadro a
seguir.

Direitos sociais definidos no Capítulo II da Constituição Federal de 1988


Fonte: BRASIL, 1989. (Adaptado).

Esses artigos visam estabelecer as garantias dos direitos sociais dos cidadãos brasileiros, pressupondo a dignidade
humana.

4.1.2 Capitalismo e seus reflexos sobre o individualismo x coletividade

As dinâmicas processadas por meio da globalização, tecidas pelas redes internacionais, não se limitam às
fronteiras de um país (GIDDENS, 2008). São operadas pelo sistema político e econômico do capitalismo, que
influencia a organização e o funcionamento da estrutura social e das relações estabelecidas entre as classes sociais.

81
AFIRMAÇÃO
”A globalização [...] muda a forma como o mundo se apresenta e a maneira como olhamos para
o mundo. O fato de vivermos cada vez mais num 'único mundo', os indivíduos, os grupos e as
nações tornaram-se mais interdependentes” (GIDDENS, 2008, p. 51).

Fonte: © tomertu / / Shutterstock.

O capitalismo é um sistema que define e conduz os processos de organização e produção no espaço social e
econômico, criando os modos de relações entre os sujeitos nos diversos domínios sociais (grupos e instituições).

DICA
Para compreender as dinâmicas operadas no capitalismo, leia O Capitalismo Tardio (MELLO,
2009), que mostra a necessidade da permanente transferência para o setor industrial de recursos
gerados pela agroexportação.

O processo de desenvolvimento do capitalismo industrial, urbano, burocrático e tecnológico, considerando a


formação histórica, política e econômica no Brasil, tem desencadeado um modelo de política para a sociedade e as
pessoas. Assim, ele vem se manifestando, por meio do “[...] monopólio, hegemonia econômica e exploração do
povo” (VASCONCELOS, 2009, p. 52). Essa configuração no Brasil reverbera na organização da estrutura social, na
qual a cultura nacional se classifica por meio de lógicas estruturadas pelo individualismo.

82
Fonte: © Ivan Dragiev / / Shutterstock.

Partindo do ponto de vista social, os aspectos que envolvem o “[...] individualismo como entidade abstrata e
universal” podem ser definidos mediante os elementos constituídos de “[...] seus status e papéis, êxitos
(educacional, ocupacional e econômico), interação entre indivíduos com objetivos similares (GOUVEIA; CLEMENTE,
1998, p. 322), tendo como fundamento os princípios da racionalidade, abstenção, precisão e fragmentação do
conhecimento.

Dessa forma, na cultura individualista, a autonomia, a liderança pessoal e a liberdade desintegram o indivíduo do
grupo no âmbito de sua origem. A partir dessa abordagem, o “[...] Estado é governado através de eleições
democráticas, cujo propósito é manter os direitos individuais e a viabilidade das instituições públicas” (GOUVEIA,
CLEMENTE, 1998, p. 323).

A coletividade, para além dos interesses individuais, tem como princípio o equilíbrio social, no qual o indivíduo é
compreendido com funções e status peculiares. Nessa perspectiva social, “[...] os deveres e as obrigações são
prescritos por papéis, e os indivíduos perdem prestígio se falham em cumpri-los” (GOUVEIA, CLEMENTE, 1998, p.
323).

A participação social e política dos cidadãos por meio da coletividade frente ao Estado de Direito fortalece os
processos democráticos no âmbito do poder público. Contudo, as definições acerca do individualismo e
coletividade apresentados permitem compreender a configuração das dinâmicas estruturadas no contexto da
sociedade atual e considerar as relações de poder estabelecidas entre os diversos segmentos sociais.

4.1.3 Conceito de sujeitos e atores sociais

Na configuração dos processos de transformação na esfera social e histórica em constante mudança, “[...] os
indivíduos concebem e assumem papéis sociais, no decurso de um processo de interação social” (GIDDENS, 2008,
p. 29), movendo as relações humanas imbricadas na ordem social estabelecida, regida por modelos, padrões
normativos, valores em todas as esferas da vida.

Nessa composição social, os sujeitos sociais, nos movimentos de constituição e formação da existência humana,
exercem papéis nas diferentes e múltiplas vivências em grupo, estruturadas culturalmente, socialmente e
politicamente.

83
Fonte: © Scarlette / / Shutterstock.

Diante dessa perspectiva, Dubar (2008) compreende os sujeitos sociais a partir da identidade social dos
indivíduos, na diversidade que integra a composição social. Bourdieu (2018) compreende os sujeitos sociais como
agentes inerentes aos esquemas da estrutura, que atuam nas ações constituídas na sociedade por obrigação.
Nessa concepção, são remodelados em “produtos do mundo social” (BOURDIEU, 2018, p. 149), e não, em
indivíduos isolados no coletivo social.

Por sua vez, o conceito de atores, de acordo com Giddens (2008), é compreendido a partir das habilidades dos
indivíduos “[...] para coordenar os contextos de seu comportamento cotidiano, já que têm um considerável
conhecimento sobre as condições e consequências do que fazem em suas vidas cotidianas” (GIDDENS, 2008, p.
192).

Nessa abordagem, os atores são considerados agentes da ação social, o que significa que a estrutura social não é
determinante e que os agentes não têm autonomia plena. Para Giddens (2008), os atores sociais, a partir de suas
competências, seguem e transformam as ações constituídas no espaço social, no contexto das interações.

Diante das concepções apresentadas, Dubar (2008) aponta os conceitos de sujeitos e atores sociais como
representações classificadas por denominações distintas consideradas como sintomas das maneiras diferentes do
fazer sociológico, tendo como base os aspectos sociais que os caracterizam na estrutura do sistema.

4.1.4 A perspectiva da classe social na construção da democracia

O contexto social, econômico, cultural e político no Brasil a partir de 1985, marcado pela saída dos militares do
poder, reverberou em novas configurações da estrutura social, ingressando a sociedade civil nos movimentos
sociais e políticos coletivos.

Nesse arranjo pós-ditadura, as lutas aglutinadas nos sindicatos ou nos partidos políticos foram deslocadas para
grupos ampliados de atuação social e política, que organizaram movimentos de criação de associações,
instituições, fóruns e Organizações não Governamentais (ONGs).

Nesse sentido, a participação e representação dos movimentos sociais e políticos, ligados aos intelectuais, às
instituições de cultura, educação, religião (catolicismo) e de partidos políticos das classes sociais populares,
constituíram-se como elementos eminentes de mobilização, encorajamento e fortalecimento de atuação dos
sujeitos sociais nos movimentos coletivos, que incidiram na construção da democracia no Brasil.

84
4.2 A participação de sujeitos no processo de fortalecimento
da democracia
No Brasil, a participação é um direito dos cidadãos garantido na Constituição Federal de 1988. A participação
social e política representa um caminho de inclusão e reconhecimento dos sujeitos nos diversos espaços
estruturais de políticas e é fortalecedora do processo democrático.

Fonte: © ProStockStudio / / Shutterstock.

Além disso, favorece práticas políticas, por meio da atuação dos cidadãos, revestidos de responsabilidade pública
diante dos governos e da sociedade.

4.2.1 Trajetória dos movimentos sociais e populares nas décadas de 70 e 80

Os movimentos de organização social e popular coletiva no Brasil, nas décadas de 70 e 80, visavam à busca do
reconhecimento e da inclusão nas bases de tomada de decisão do Estado sobre as políticas públicas, por meio de
mecanismos articuladores de reivindicação.

Nesse caminho, os movimentos sociais, tendo como base o princípio da descentralização do poder e transparência
do Estado, buscavam resolver problemas de natureza social, cultural, econômica e política. Neste período, os
interesses dos movimentos sociais giravam em torno da idealização da distribuição de rendas e de oportunidades.

PAUSA PARA REFLETIR


Quais foram os avanços sociais e políticos no Brasil nesse período histórico, vinculados às
articulações dos movimentos sociais de base?

As reivindicações incluíam o aumento da qualidade de vida e discussões acerca dos processos que envolviam as
políticas de distribuição, fiscalização e transparência dos investimentos públicos, elementos essenciais na garantia
dos interesses coletivos e dos direitos sociais.

85
4.2.2 Espaços urbanos e governança social

Os espaços urbanos pautados pelas lógicas de compreensão das práticas sociais como dimensões econômicas e
políticas, revestidas pelos processos de urbanização das cidades, são territórios demarcados e de reconhecimento
cultural dos grupos sociais estabelecidos por meio de redes de interações, em nível mundial.

Esse processo evidencia a força das relações sociais estabelecidas nos espaços urbanos, que geram o sentimento
de pertencimento no lugar ocupado pelos diversos grupos sociais. Tal constatação demonstra os movimentos de
urbanização operados no Brasil, especificamente nas décadas de 70 e 80. O crescimento demográfico e geográfico
das cidades incidiu em concentrações de populações urbanas, constituindo novas ocupações territoriais,
modificando o cenário das cidades e dos bairros.

Fonte: © SL-Photography / / Shutterstock.

Nas cidades brasileiras, em constante transformação, a precariedade compõe a paisagem. Nesse contexto de
segregação espacial, podem-se observar a miséria social, o desordenamento urbano e problemas referentes às
condições de moradia subumanas, falta de saneamento básico e alto custo de vida.

Diante dessas complexidades, emerge uma categoria de gestão na administração pública e nas configurações
representativas e de participação nas relações articuladas entre os sujeitos sociais e o governo. Um marco dessas
relações dialógicas e das ações políticas e culturais no âmbito da gestão pública no Brasil é a governança social.
Nessa proposta de governo, os processos são constituídos a partir de uma cultura política, na qual há o
reconhecimento, a representação e a negociação dos diferentes por meio da intermediação social, política e
cultural.

Interação da governança social com a cultura política

86
Interação da governança social com a cultura política

A governança social, estabelecida por princípios éticos e de alteridade por meio dos direitos sociais, econômicos,
políticos e culturais, fortalece a cultura política mediante os processos democráticos.

4.2.3 Orçamento participativo

Orçamento participativo é um processo de institucionalização e inclusão da participação dos atores sociais, que
são representados nos espaços estratégicos do governo. Sintomer et al. (2013) o caracteriza como um mecanismo
estratégico de deliberação pública, prestações de conta e tomada de decisões, desenvolvido em espaços públicos
específicos (sessões, fóruns, entre outros), com a inclusão dos sujeitos sociais, cidadão de direitos. Segundo
Fedozzi et al. (2015), esse tipo de institucionalização vem se desenvolvendo em todo o mundo, com destaque nos
países de tradição democrática.

PAUSA PARA REFLETIR


Você participa do orçamento participativo de sua cidade?

Sintomer et al. (2013) destacam a necessidade de discutir de forma pública, no âmbito das cidades, os caminhos de
aplicação orçamentária. Dessa forma, consideram que o processo do orçamento participativo abarca formas de
deliberação e prestações de contas públicas.

4.2.4 Níveis e categorias de participação

Os níveis e categorias de participação, compreendidas a partir da perspectiva de inclusão dos cidadãos nos
processos sociais, abrangem elementos classificados em graus de poder, por meio dos quais os sujeitos sociais
participam nos espaços de tomadas de decisões no desenvolvimento das ações políticas nas esferas públicas.

Com base na ideia de participação cidadã de Arnstein (2002), as categorias que envolvem os sujeitos sociais
compreendem as seguintes. Clique nos ícones e confira.

Não participação (manipulação e terapia).

Níveis de concessão mínima de poder (informação, consulta, pacificação).

Níveis de poder do cidadão (parceria, delegação de poder, controle cidadão).

87
Níveis de participação cidadã
Fonte: ARNSTEIN, 2002. (Adaptado).

Dessa forma, a participação efetiva proposta na categoria de participação cidadã de Arnstein (2002) requer o papel
ativo dos sujeitos sociais nos processos de tomada de decisão nas políticas, favorecendo mecanismos dialógicos
entre os cidadãos e o governo sobre a gestão pública.

4.3 O contexto contemporâneo das políticas públicas


O contexto contemporâneo das políticas públicas no Brasil, permeado pela estrutura social e política, permite
identificar as disputas e tensões na composição do Estado, que desfavorecem os princípios e objetivos da
Constituição Federal de 1988 quanto aos direitos sociais dos cidadãos.

Fonte: AkulininaOlga / / Shutterstock.

88
Nesse cenário, a participação social e política dos cidadãos nos espaços de decisão dos rumos das políticas
públicas é necessária para a defesa e o reconhecimento das propostas e ações que tenham como princípio o
respeito à dignidade humana, focando a superação das desigualdades sociais, históricas, políticas e culturais.

4.3.1 A sociedade contemporânea e os problemas complexos

As transformações na sociedade contemporânea são constituídas por elementos burocráticos e democráticos de


interação entre os sujeitos integrantes da estrutura social. Esses elementos pressupõem o “[...] desenvolvimento
dos sistemas abstratos como produto da existência social” (GIDDENS, 2008, p. 123).

Fonte: © Lightspring / / Shutterstock.

Nesse caminho, a sociedade contemporânea tem sido configurada por labirintos de produção de sentidos gerados
por diferenças, desigualdades e desconexões no que diz respeito à composição da organização social por meio das
formas de “[...] diversidade cultural, diferença entre classes sociais ligadas a industrialização, modos díspares de
acesso à informação e ao entretenimento, segundo as idades e níveis educacionais” (GARCIA-CANCLINI, 2009, p.
227).

O grau de complexidade frente aos problemas sociais, políticos e econômicos existentes na sociedade
contemporânea não pode ser calculado. Diante dessa complexidade, Garcia-Canclini (2009) destaca a ordenação e
a hierarquia dos Estados nacionais modernos, operadas por meio da lógica sistêmica e hegemônica em cada
nação, para estabelecer a língua oficial, culturas padronizadas acima das diferenças regionais e o conhecimento
científico com base nas ciências modernas.

4.3.2 O Estado necessário para o Brasil no século XXI

A concretização dos princípios democráticos e dos direitos humanos e sociais, legitimados na Constituição Federal
de 1988, é possível por meio de políticas públicas revestidas de ações positivadas e efetivas, que são dispositivos
operacionais de condução para o Estado, necessários para o Brasil no século XXI.

89
PAUSA PARA REFLETIR
Quais são as formas de garantia dos direitos humanos no Brasil?

Dessa forma, as novas configurações culturais, econômicas e tecnológicas exigem uma gestão pública voltada aos
direitos sociais e políticos dos cidadãos. Sendo assim, a atuação do Estado requer uma administração voltada para
ações estratégicas de políticas públicas de forma articulada entre o Legislativo, Executivo e Judiciário que deve
objetivar o desenvolvimento democrático da nação em benefício de todos.

4.3.3 Possibilidades de políticas públicas intersetoriais

Na atual conjuntura do Estado social, democrático e de Direito, no qual a representação política no exercício das
funções, políticas públicas sociais é uma estratégia fundamental de desenvolvimento humano, a intersetorialidade
assume uma perspectiva possível de desenvolvimento social e de reversão da exclusão social.

AFIRMAÇÃO
“A intersetorialidade é a articulação entre as políticas públicas por meio do desenvolvimento e
da [...] articulação entre os diferentes setores sociais em torno de objetivos comuns, e deve ser o
princípio norteador da construção das redes municipais” (CAVALCANTI; BATISTA; SILVA, 2013, p.
1-2).

As políticas públicas intersetoriais são mecanismos de [...] implementação das políticas setoriais, visando sua
efetividade por meio da articulação entre instituições governamentais e entre essas e a sociedade civil”
(NASCIMENTO, 2010, p. 96). Segundo Nascimento (2010), essas políticas podem contribuir na integração das áreas
setoriais, gerando reconhecimento dos saberes e das experiências derivadas da participação nas ações coletivas
entre os diversos agentes públicos e sujeitos sociais, bem como os resultados obtidos frente aos problemas sociais,
políticos e culturais evidenciados.

4.3.4 A participação cidadã na concepção e avaliação das políticas públicas

A partir da Constituição de 1988, a participação cidadã nas políticas públicas brasileiras passou a ser um
mecanismo institucionalizado de direito, por meio de movimentos que envolvem os cidadãos nas tomadas de
decisão, levando em conta os interesses de todos na gestão das políticas públicas. Dessa forma, a participação
cidadã tem contribuído para a inclusão da população nos mecanismos estruturais do poder público. No entanto, as
propostas dos instrumentos de participação cidadã têm demonstrado fragilidades, descontinuidades e
inconstâncias no que diz respeito à gestão pública.

90
AFIRMAÇÃO
[...] política pública, diz respeito ao plano das questões coletivas, da polis. O público distingue-se
do privado, do indivíduo e de sua intimidade. Por outro lado, o público distingue-se do estatal: o
público é uma dimensão mais ampla, que se desdobra em estatal e não estatal” (SCHMIDT, 2008,
p. 2311).

Na avaliação de Pinho (2009), o modelo de representação que tem o voto como instrumento de participação dos
cidadãos na vida pública demonstra as fragilidades e descontinuidades administrativas, além da mudança
constante de prioridades ocorridas pela troca de gestores a cada quatro anos.

Dessa forma, ainda segundo Pinho (2009, p. 20), a participação dos cidadãos é necessária, mediante a constituição
de redes de atores sociais incorporados nos processos que envolvem a gestão e avaliação de “[...] políticas
públicas, de modo a fortalecer programas sociais e dar sustentabilidade das ações”.

4.4 A cultura democrática em formação X desigualdades


sociais
O processo histórico de formação política, social e cultural do Brasil, especificamente delineado pelo período de
redemocratização, a partir da década de 80, reverberou na formação do sistema político democrático. Giddens
(2008, p. 427) define a democracia como “[...] um sistema político capaz de garantir a igualdade política, proteger a
liberdade individual, defender o interesse comum, ir ao encontro das necessidades dos cidadãos, promover o
autodesenvolvimento moral e possibilitar a tomada de decisão”.

No entanto, a configuração da estrutura social do cenário nacional tem sido caracterizada por padrões
excludentes, que fragilizam a atuação dos sujeitos sociais na prática política.

4.4.1 Mecanismos institucionais de participação social e novos arranjos sociais


após Constituição Federal de 1988

A regulamentação dos direitos sociais e a instituição dos mecanismos institucionais de participação social no
Brasil, por meio do papel consultivo, deliberativo e fiscalizador dos conselhos no âmbito municipal, estadual e
federal nas diversas instâncias, ocorreram no contexto histórico de redemocratização, isto é, por meio da
promulgação da Constituição Federal de 1988, que ratificou o princípio democrático e o controle social.

91
PAUSA PARA REFLETIR
Quais são os mecanismos de controle social nas políticas públicas no Brasil?

Dessa forma, a participação social operada no âmbito do poder público se dá pelos diversos instrumentos
democráticos legitimados pelos direitos humanos. A transparência, a publicidade, o direito de informação e o
desenvolvimento social e econômico são mecanismos de controle social, monitoramento e fiscalização social no
âmbito governamental (BONAVIDES, 2003). Por conseguinte, os mecanismos de controle social no
desenvolvimento das políticas públicas nos diversos âmbitos do governo devem ter os seguintes princípios. Para
conhecê-los clique nos ícones.

A aplicação dos direitos humanos.

A promoção da igualdade.

O exercício direto da democracia.

92
Participação social e políticas públicas

Os diversos mecanismos de participação popular favorecem o controle social e promovem as práticas


fiscalizadoras e anticorruptivas.

4.4.2 Qualificação técnica e política para a efetiva participação social

O desenvolvimento da qualificação técnica e política deve ser feito por meio de processos formativos das
habilidades que competem à representação social para a efetiva participação social no Brasil. A defesa dos
princípios democráticos, a garantia da qualidade dos serviços públicos prestados a sociedade e o fomento da
fiscalização das políticas públicas são elementos essenciais que garantem a participação social em seu sentido
pleno.

93
Participação social

Ademais, as dimensões que envolvem o processo formativo de qualificação técnica e política dos agentes públicos
e sujeitos sociais (conselheiros) para a efetiva participação e controle social se relacionam aos atos de moralidade,
economicidade, probidade, publicidade e eficiência nos espaços de participação e controle social.

4.4.3 Unidades Federativas diante da Constituição Federal de 1988

As Unidades Federativas diante da Constituição Federal de 1988, de acordo com Veloso (2002) se caracterizam
pelos seguintes atributos. Clique nos termos e confira.

Repartição Repartição de competências efetuadas por uma norma matriz do ordenamento jurídico.

Autonomia Autonomia e igualdade dos estados membros.

94
Participação Participação dos estados membros nas decisões do ente central.

Atribuição Atribuição de rendas próprias às diversas esferas de competência.

Unidades federativas

Dessa forma, a Constituição Federal regulamenta a repartição de competências efetuadas por uma norma matriz
do ordenamento jurídico à forma federal de Estado e estabelece os critérios de repartição de competências e
receitas tributárias.

Veloso (2002, p. 25) define a autonomia como um poder limitado, atribuído “[...] aos sujeitos de direito público
interno de se auto-organizarem, auto-governarem e auto-administrarem, sem a ingerência do Estado Federal
(detentor da soberania)”. Considerando o Brasil um Estado Federal em que a União, os estados, o Distrito Federal e
os municípios ocupam, juridicamente, o mesmo patamar hierárquico, o tratamento jurídico-formal isonômico
abrange todo o território.

Sobre a igualdade, Veloso (2002, p. 28), ressalta que não se constitui de forma integral, “[...] muito pelo contrário,
como decorre do conceito de justiça, limita-se às diferenças axiológicas inerentes a cada ser, seja ele pessoa física,
ou ente de direito público interno”.

Por fim, quanto às questões da repartição de competências e de receitas nos Estados Federais, Veloso (2002)
enfatiza que a existência harmônica dos diversos entes estatais precisa de uma distribuição justa e equitativa de
receitas, que lhes garantam parcelas autossustentáveis, principalmente no que cerne à questão tributária.

95
4.4.4 Transformação política-cultural na direção da democracia

Os diversos desafios do processo de transformação da política-cultural na direção da democracia não podem


impedir que os cidadãos participem dos espaços deliberativos, consultivos e fiscalizadores de políticas públicas,
cujos propósitos são as demandas sociais.

Sendo assim, o fortalecimento da política-cultural ocorre por meio dos canais que possibilitam a participação ativa
dos cidadãos. Trilhar os diversos caminhos que apontam para a consolidação do processo democrático,
orçamento participativo, conselhos, fóruns e até mesmo por meio dos espaços virtuais, move os cidadãos rumo à
transformação.

Proposta de atividade
Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu neste capítulo! Elabore um mapa conceitual, com entre 20
e 25 conceitos, destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir seu mapa, considere
as leituras básicas e complementares realizadas.

Dica: Comece com um termo ou expressão principal, em seguida, conecte esse termo ou expressão a palavras de
ligação, para dar sentido ao texto.

Recapitulando
Neste capítulo, identificamos os fundamentos teóricos sobre a formação do Estado de direito na direção da
consolidação democrática, compreendendo os elementos que compõem o cenário brasileiro e influenciam as
políticas públicas, por meio da desintegração social das classes econômicas menos favorecidas.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu as garantias dos direitos humanos e sociais dos cidadãos brasileiros,
asseguradas por meio de políticas públicas. Além disso, os movimentos de lutas se fortaleceram em busca da
construção e permanência dos processos democráticos e dos direitos sociais, por meio do desenvolvimento de
mecanismos de participação social e política.

Diante da complexidade das demandas contemporâneas, a participação cidadã nas políticas públicas brasileiras,
por meio dos processos de tomada de decisão, é um caminho que contribui para a inclusão da população brasileira
nos mecanismos estruturais do poder público e de fortalecimento democrático.

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