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ÍNDICE

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 04

INTRODUÇÃO 05

PARTE I:
1 O CONTEXTO HISTÓRICO (1932-37) 11
1.1 O contexto histórico internacional 11
1.2 O contexto histórico brasileiro 15
1.3 O Integralismo e o contexto histórico 23
2 O INTEGRALISMO 25
2.1 Integralismo: projeto político ligado a um pensamento conservador 25
2.2 As características do integralismo e sua relação com o liberalismo e
fascismo 29
2.3 Concepção de Estado integralista e sua relação com a sociedade civil 33
3 $GHPRFUDFLDOLEHUDOREMHWRGHGHIHVDGRV³&RQVWLWXFLRQDOLVWDV´ 37

PARTE II:
1 1932-34: RECONSTITUCIONALIZAÇÃO, OS EFEITOS DA GUERRA
CIVIL DE 1932 E O SEU LEGADO NA SOCIEDADE MONTE-ALTENSE A
3$57,5'$$1È/,6('(³$6(0$1$´ 41
1$DQWHVVDODGD³5HYROXomRGH´HRGHEDWHHPWRUQRGD
reconstitucionalização 41
1.2 A Revolução de 1932 e o seu legado para a sociedade monte-altense 42
1.3 A volta do debate acerca da reconstitucionalização 44
1$OLQKDHGLWRULDOGH³$6HPDQD´QRVLGRVGH-34 45
1.5 A reconstitucionalização do país, do estado de São Paulo e as primeiras
eleições 46
2 OS JORNAIS COMO PROMOTORES DOS GRUPOS POLÍTICOS 47
2.1 Preâmbulo ao capítulo 47
26REUHRSHULyGLFR³$6HPDQD´RGHVSRQWDUGR,QWHJUDOLVPRHP0RQWH$OWR
e a afirmação da linha editorial integralista 47
2.2.1 Sobre a fundação do Núcleo Integralista Monte-altense 50
2.2.2 Sobre o catecismo integralista, a difusão integralista, as aulas de civismo, a
simbologia e a ênfase na educação física 52
2.2.3 A defesa e reação integralista perante os difamadores 54
26REUHR3DUWLGR&RQVWLWXFLRQDOLVWDQRMRUQDO³$6HPDQD´ 55
22SHULyGLFR³)ROKDGH0RQWH$OWR´FRPRSURPRWRUHSDQIOHWiULRGR3DUWLGR
Constitucionalista 56
2.3.1 Uma visão rápida e genérica do periódico 57

1
2.3.2 Por uma defesa da liberal democracia e a superação de uma política
³YLFLDGD´ 57
2.3.3 As eleições municipais de 1936 58
2.3.4 A reconstitucionalizaomRGRHVWDGRQDVSiJLQDVGHD³)ROKDGH0RQWH
$OWR´ 61
22SLQL}HVGRV³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´DFHUFDGRVLQWHJUDOLVWDVHR1~FOHR
IntegralLVWDQDVSiJLQDVGH³$)ROKDGH0RQWH$OWR´ 62
2.3.6 Sobre as tentativas de censura ao integralismo em Monte Alto 63
22DQRGHHDFDPSDQKDGRSHULyGLFR³)ROKDGH0RQWH$OWR´SDUDDV
eleições presidenciais 64
2.3.8 A sucessão presidencial e os efeitos do golpe de Estado 65
2.3.9 As implicações do golpe no jornal 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS 68

REFERÊNCIAS 70

2
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos meus professores que, em maior ou menor grau,


contribuíram para a minha formação e para o amadurecimento da minha pessoa
enquanto estudioso das Ciências Humanas.

Agradeço ao Professor Dr. Carlos Henrique Gileno pelo apoio ao


transformar a ideia dessa pesquisa em projeto contemplado com bolsa pela
FAPESP e, consequentemente, neste trabalho monográfico/livro. Fica aqui meu
carinho pelo ilustre profissional e amigo.

Agradeço à minha família pelo apoio infindável, em especial à minha mãe


que sempre acreditou no meu potencial e me incentivou.

Agradeço à minha esposa, Juliana Cristina Terra de Souza, historiadora e


Bacharel em Letras, pelas leituras, valiosas sugestões, críticas e apontamentos
deste trabalho monográfico.

Agradeço a Renan Gilmar Leite, amigo e pedagogo, pelas leituras deste


conteúdo e valiosas sugestões e críticas.

Agradeço aos jornalistas Elton Barrozo e Luiz Felipe Nunes no apoio à


consecução da matéria-prima (fontes) para essa pesquisa.

Agradeço às Novas Edições Acadêmicas pela oportunidade de publicação


do livro.

3
LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SEP: Sociedade de Estudos Políticos;


AIB: Associação Integralista Brasileira;
ANL: Aliança Nacional Libertadora;
UJB: União Jornalística Brasileira;
FUP: Frente Única Paulista;
PC: Partido Constitucionalista;
PD: Partido Democrático;
FMA: Folha de Monte Alto;
PCB: Partido Comunista Brasileiro.

4
Introdução

Monte Alto é uma cidade localizada no centro-norte de São Paulo. Sua


fundação (1881), gênese e formação se enquadram em um momento histórico
marcado pela transição da Monarquia para a República, de uma hegemonia da
economia do café dentro do estado-país e pelo fluxo grandioso de imigrantes1
para o sul-sudeste do Brasil. E é ainda nesse contexto de grande crescimento e
difusão dessa economia, nesse estado, que ela foi elevada a município em 1895
e se instalou comarca em 1929. Sua ocupação e colonização se deram através da
ação de migrantes (nordestinos que vieram tentar a emancipação econômica e
política neste rincão) e imigrantes europeus (italianos, portugueses, espanhóis,
russos, alemães e poloneses) e asiáticos (japoneses, sírios e libaneses). Isto
posto, importante destacar que tais povos imprimiram sua marca e influência no
espaço geográfico2 montealtense, mormente se termos em conta, a criação das
primeiras fábricas na cidade, o desenvolvimento da agricultura e o comércio.
Ademais, obviamente, uma variedade de manifestações e trocas culturais. Logo,
foi nessa MoQWH$OWRTXHGHVSRQWDUDPQDWXPXOWXDGDGpFDGDGRV³7ULQWD´GRLV
JUXSRV SROtWLFRV DQWDJ{QLFRV ³,QWHJUDOLVWDV´ H ³&RQVWLWXFLRQDOLVWDV´ FRP
ideologias, atitudes e modus operandi distintos. Grupos esses que refletem as
dicotomias sociopolíticas tanto nacionais como internacionais do momento.
Basicamente, o objeto de estudo desta pesquisa tem relação com esse cenário,
conjuntura de época e principalmente sobre tais segmentos políticos.
Portanto, o presente trabalho foi idealizado a partir de duas partes. Dentro
da primeira há, de início, um quadro panorâmico; ou seja, uma contextualização
GR UHFRUWH KLVWyULFR LQWHUQDFLRQDO H QDFLRQDO GD GpFDGD GH ³7ULQWD´ GR VpFXOR

1
Este mesmo que aqui traça tais linhas é descendente direto de italianos e portugueses.
2
Muitas indústrias foram criadas por italianos que possuíam experiência em seu país de origem; na
lavoura, baianos e sergipanos eram proprietários das primeiras propriedades rurais. Porém, com a
afluência dos imigrantes, eles se tornaram maioria e exerceram influência marcante e positiva no bom
andamento das mesmas. Quanto ao comércio, sírio-libaneses e portugueses se destacaram e alguns
deles mantém, até hoje, seus estabelecimentos comerciais.
5
XX; dentro desta, procurou-se explicar, a partir de uma análise bibliográfica, o
cenário que emergiu oriundo da conjuntura política, econômica e social da
década. Além, estabelecer nexos entre as vicissitudes do período, dentre elas, o
ocaso do liberalismo e dos governos liberais, o despontar dos grupos de natureza
e ideologia eminentemente conservadora e do Estado interventor em algumas de
suas formas.
Num segundo momento, analisou-se a ideologia do movimento
integralista e as bases do pensamento conservador. A partir da comparação do
discurso e características do primeiro, com as premissas do segundo, afirmou-se
que existe uma relação estreita entre ambos. Destarte, houve a classificação do
IHQ{PHQRGR³VLJPD´FRPRGHQDWXUH]DFRQVHUYDGRUD$GHPDLVDSUHVHQWRX-se
uma concepção ideal de Estado integralista em sua suposta relação com a
sociedade civil.
Num terceiro momento, com o intuito de entender a realidade de época
(cosmus), foi exposta a relação conflituosa do Integralismo com a corrente
ideológica do Liberalismo e a nova ordem constitucional brasileira,
eminentemente liberal de 1934. Nesse intento, valeu-se aqui da análise do
discurso de figuras emblemáticas do integralismo, sobretudo de Plínio Salgado.
Destaque para o caráter combativo do argumento integralista para com o
liberalismo hegemônico de até então.
Num quarto e breve momento, discorreu-se sobre as características,
referências e princípios norteadores da Democracia liberal, modelo político
GHIHQGLGRSHORV³&RQVWLWXFLRQDOLVWDV´SDXOLVWDV
Em regra geral, pode-se afirmar que houve, nesta primeira parte, um
mapeamento do cenário em que VXUJHP ³LQWHJUDOLVWDV´ H ³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´
XPD ³SURVSHFomR´- recuperação da mentalidade de época intentando
compreender aquela realidade ou contexto. Ademais, uma identificação do perfil
dos grupos e a relação deles com a sociedade e ideologia adversária.

6
No que diz respeito à segunda parte, apresentou-se uma síntese de
natureza descritiva do que foi apurado na análise empírica dos jornais A Semana
e Folha de Monte Alto. Atenta-se aqui para o fato de que, em vários momentos,
houve um diálogo com a primeira parte (no qual ± como foi dito atrás± se trouxe
um mapeamento do cenário e uma análise ideológica, sobretudo do grupo
integralista).
Dentre os pontos importantes da segunda parte, destacou-se a descrição
minuciosa dos reflexos da política e fatos relevantes do nacional no universo
municipal, ou seja, a repercussão do macro-espaço político no micro. Por outro
lado, foram expostas a reação e os desdobramentos dos fatos no universo
citadino, como, por exemplo, a Revolução de 1932 e o despontar dos grupos
³,QWHJUDOLVWD´H ³&RQVWLWXFLRQDOLVWD´HP0RQWH$OWR4XDQWRDHVVHV~OWLPRVD
partir dos jornais da cidade, foi apresentado como ambos surgiram, os
protagonistas (atores) da socialização política, a promoção e a popularização dos
grupos; além, a veiculação das ideologias, propostas, debates, controvérsias
HQYROYHQGR ³,QWHJUDOLVWDV´ H ³&RQVWLWXFLRQDOLVWDV´ H D VRFLHGDGH 3RU ~OWLPR
lançou-VH XPD WHVH HQYROYHQGR D SUiWLFD GH XPD ³SROtWLFD UHDO´ SRU SDUWH GRV
³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´HXPD³SROtWLFDLGHDO´TXDQWRDRV³LQWHJUDOLVWDV´
Por final, cabe aqui uma tratativa das dificuldades envolvendo a pesquisa.
Pode-se afirmar com segurança que esta se deparou com inúmeros obstáculos
durante sua trajetória; em especial na segunda etapa, em que se analisou o
conteúdo dos jornais (fontes primárias). Dificuldades e obstáculos esses de
diferentes naturezas. Dentre eles, pode-se citar aqui a falta de dados e
informações sobre os proprietários dos jornais, redatores e articulistas de um
lado; e de outro, o desafio de filtrar textos com posturas indevidas e conteúdos
sem objetividade e imparcialidade. E há também que considerar e ressaltar que,
a partir de 1936, não existem mais edições disponíveis do periódico A Semana.

7
Dessa forma, pelo que se pôde apurar, a partir das informações do jornal 3Folha
de Monte Alto, durante este ano citado, o primeiro se tornou um jornal
clandestino. Por outro lado, no que diz respeito à bibliografia, sentiu-se a falta
de obras que contemplem com profundidade o Partido Constitucionalista. De
todo modo, eis abaixo uma digressão mais pormenorizada das dificuldades.
Uma primeira dificuldade diz respeito à falta de informações a respeito
dos proprietários dos jornais, seus redatores e articulistas. Empreenderam-se
investigações no próprio arquivo municipal, museus, por meio de pessoas
octogenárias e influentes na cidade, e até nas redes sociais. Infelizmente, não foi
obtido sucesso. A única informação coletada é que as famílias deixaram a cidade
e não legaram descendentes e familiares nesta municipalidade. Assim, as únicas
evidências apresentadas a respeito deles, nesta monografia, são as coletadas nos
próprios jornais ou que são captadas e desenvolvidas a partir de intuições
inegáveis.
Prosseguindo, estabelece-se aqui um destaque para aquela em que foi, em
vários momentos, uma prática recorrente: a censura. Dentro do trabalho são
apresentadas situações em que o clima sociopolítico estava em níveis
cataclísmicos (por exemplo, maio e junho de 1932 em São Paulo, capital).
Contudo, pelas páginas do jornal, são veiculadas apenas notícias banais que
destoam do grau de importância imediato, ou seja, das contradições e dissensões
políticas de então. Muitos fatos são omitidos. Dentre eles, ocorridos aqui mesmo
na cidade de Monte Alto e seu distrito de Aparecida.
-iGXUDQWHRSHUtRGRGDIDPRVD³5HYROXomRGH´RMRUQDOA Semana
apresenta várias omissões (motivadas em virtude da censura), falácias,
conteúdos impregnados de retórica ufanista, inverdades e maniqueísmos
envolvendo as partes em conflito e sua divulgação. Parte dessas manchetes e
boletins de guerra é reproduzida de parceiros da capital (isso será analisado em

3
O periódico Folha de Monte Alto, por sua vez, só é lançado em 1935.
8
pormenores ao longo deste trabalho monográfico). Enfim, o jornal traz
inúmeros textos contemplativos, entusiásticos da causa e não proporciona ao
leitor os reais acontecimentos das batalhas ou um razoável balanço do conflito e
das reais condições/situação. Logo, no período, o jornal mais desinformava que
informava.
Outro problema relacionado ao conteúdo dos jornais é que, até a guerra
civil envolvendo paulistas e o governo central, a maior parte dos textos
veiculados foi produzida fora da cidade; são provenientes da UJB (União
Jornalística Brasileira) e repassados para o interior. Assim, obviamente fica
difícil precisar e medir o grau exato de amplitude que essa notícia repercute
dentro do universo citadino. Após o conflito, essa dependência é gradualmente
rompida e muitos textos são produzidos por locais.
Finalmente, afirma-se com segurança que os dois jornais, sobretudo o
Folha de Monte Alto, assumem papéis de panfletários e promotores políticos dos
respectivos grupos (Núcleo Integralista Local e o Partido Constitucionalista
Local). Com isso, a tarefa de filtrar as informações sobre o universo político
municipal se torna ainda mais complexa.

9
10
Parte I

1 O contexto histórico (1932-37)

1.1 O contexto histórico internacional

$ GpFDGD GH ³´ GR VpFXOR ;; IRL XP SHUtRGR GH WUDQVLomR GHQWUR GD
história das nações, sobretudo as ocidentais. Iniciada sob os eIHLWRVGD³JUDQGH
GHSUHVVmR´HVWDFRQMXQWXUDIRLSDOFRGHDFRQWHFLPHQWRVLQLPDJLQiYHLVRQGHXP
sistema ou forma de organização social, política e econômica (até então
hegemônico e incontestável) seria desacreditado e, em seu lugar, instalar-se-iam
novos com nuances totalmente antagônicos ao anterior. O pivô de todo esse
³PDOHVWDU´HVWDULDQDFULVHGHILQVGDGpFDGDGRV³9LQWH´
Controversa e geradora de um dissenso interminável entre economistas,
cientistas políticos e historiadores, a crise gerada a partir da recessão e do
³FUDFN´GDEROVDHPIRLRGHVSHUWDUGDGHSUHVVmRHFRQ{PLFDTXHFRPR
³HIHLWR GRPLQy´ WRUQRX YXOQHUiYHO WRGDV DV HFRQRPLDV LQWHUOLJDGDV GR PXQGR
capitalista e derrubou, uma a uma, de uma forma ou de outra, plataformas e
práticas político-econômicas há muito estabelecidas e governos de natureza
eminentemente liberais. Ademais, propiciou em várias partes, do antes pujante
mundo capitalista urbano, desemprego, fome, estagnação e caos político. Quanto
a este último aspecto, ele se deu muito em função de uma falta de solução,
perspectiva ou receita dos governos (liberais) para combater aquela que foi a
pior das depressões econômicas da história capitalista (HOBSBAWM, 1995).
(P FRQVHTrQFLD D SROtWLFD GH ³(VWDGR PtQLPR´ H GHVUHJXODPHQWDção
econômica, proposta pelo liberalismo clássico, perdia sustentação e passou a ser
desacreditada e combatida em todas as partes por grupos sociais e partidos
políticos. Em seu lugar outras, de cunho notadamente intervencionista e

11
centralizador, foram propostas. Destarte, a depressão obrigou os governos
ocidentais a dar às considerações sociais prioridade perante as econômicas em
suas políticas de Estado. Como bem aponta Eric Hobsbawm (1995), em meio à
depressão não apenas as instituições políticas entraram em colapso, mas todo
sistema de valores liberais:

De todos os fatos da Era da Catástrofe4, os sobreviventes do


século XIX ficaram talvez mais chocados com o colapso
dos valores e instituições da civilização liberal cujo
progresso seu século tivera como certo, pelo menos nas
SDQHV µDYDQoDGDV¶ H µHP DYDQoR¶ do mundo. Esses valores
eram a desconfiança da ditadura e do governo absoluto; o
compromisso com um governo constitucional com ou sob
governos e assembléias representativas livremente eleitos,
que garantissem o domínio da lei; e um conjunto aceito de
direitos e liberdades dos cidadãos, incluindo a liberdade de
expressão, publicação e reunião. O Estado e a sociedade
deviam ser informados pelos valores da razão, do debate
público, da educação, da ciência e da capacidade de
melhoria (embora não necessariamente de perfeição) da
condição humana (HOBSBAWM, 1995, p.113-114).

As opções que visavam a uma substituição dessa hegemonia intelectual e


organizacional política orbitavam pelo marxismo, social-democracia e o
fascismo. Entretanto, das três, ganhou relevância a última. A era do Estado forte
e interventor havia chegado.
2IDVFLVPRHUDWLGRSDUDVHXVLGHDOL]DGRUHVFRPRXPD ³IRUoDQRYD´TXH
surgia como uma espécie de panacéia para resolução dos graves problemas
emanados da depressão econômica da ordem liberal precedente. Sistema
ideológico de matriz totalitária tinha no axioma "5Tudo no Estado, nada fora do
Estado, nada contra o Estado" de seu líder, Benito Mussolini, um de seus

4
Eric Hobsbawm denomina, em sua obra, o período de 1914-1945, compreendido por duas guerras e a
DVFHQVmRGRIDVFLVPRFRPR³HUDGDFDWiVWURIH´
5
³Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato´. Discurso proferido na Câmara
dos deputados italiana no dia 26/05/1927.
12
principais postulados. Além disso, o movimento funcionaria como um
instrumento para fins fundamentais, que propunham a recuperação da
integridade do homem pelas instituições e sua integração à teia institucional das
sociedades (SILVA, 2000). Porém, importante destacar que houve não apenas
um fascismo6 (a despeito da matriz italiana), mas sim várias manifestações
pulverizadas e formas de movimentos particulares com matizes fascistas.
Genericamente, eles compartilhavam nacionalismo, anticomunismo,
antiliberalismo, uma ojeriza aos princípios da Revolução Francesa com outros
elementos não fascistas da direita. Vários desses, notadamente de grupos
reacionários (HOBSBAWM, 1995). Além disso, o viés romântico em que:

Também devemos levar em conta que cada fascismo, apesar


das semelhanças e dos elogios mútuos, sempre defendeu a
plena originalidade histórica e nacional, buscando no seu
próprio solo e céu as origens de suas idéias... Daí o
desdobramento na originalidade nacional (7raça pura) e a
volta para um passado de glórias (SILVA, 2000, p. 123).

A despeito do que fora citado acima, Hobsbawm (1995) sinaliza e adverte


para as questões envolvendo o tradicional e o moderno; uma vez no poder, o
fascismo e, principalmente, o nazismo se empenhavam na modernização e
avanço ideológico8.
3DUDR(VWDGRIDVFLVWDQRVGL]HUHVGHRXWURtFRQH*LXVHSSH5RFFR³ HOH
o Estado) deve presidir e dirigir a atividade nacional em todos seus aspectos.
Nenhuma organização política, moral ou econômica pode permanecer à margem
GR(VWDGR´ Dpud SILVA, 2000, p.132.). Enfim, em uma concepção, o fascismo
identifica em si mesmo valores absolutos; ele deve atuar como potência

6
O próprio Hobsbawm em sua obra distingue três tipos.
7
Adendo meu.
8
Tal premissa destoa daquela de Plínio Salgado, um dos principais idealizadores do integralismo (que
para muitos é uma espécie de fascismo brasileiro) no Brasil. Ele era avesso a qualquer forma de
modernização tecnológica. Para ele, de grosso modo, o integralismo levaria o homem brasileiro de
volta a um estágio pré-capitalista e eminentemente tradicional.
13
expansiva implicando nisso a subordinação e o sucumbir da nacionalidade civil
aos objetivos identificados como nacionais. Assim, o que se constata é um total
desprezo por qualquer iniciativa exclusiva da sociedade civil e o do mundo
privado (idem).
2 SRQWR GH LQIOH[mR QD]LIDVFLVWD QD GpFDGD GRV ³7ULQWD´ GHX-se com a
ascensão de Hitler e o Partido Nacional-Socialista na Alemanha. Em pouco
WHPSR FRP ³PmRV ILUPHV´ WDO JRYHUQR HOLPLQRX R GHVHPSUHJR IH] XPD
parceria com a burguesia nacional e internacional, reprimiu, controlou e
neutralizou o movimento operário e promoveu um crescimento econômico9. Tal
panorama, dentro daquele estado de coisas internacional, funcionou como
espelho e modelo para outros Estados que não conseguiam superar ainda os
efeitos desastrosos da depressão. Em conseqüência, o nazifascismo inspirou
movimentos pelo mundo que resultaram numa derrubada em cadeia de regimes
liberais e uma guinada mundial para a direita:

Em resumo, o liberalismo fez uma retirada durante toda a


Era da Catástrofe, movimento que se acelerou
acentuadamente depois que Adolf Hitler se tomou chanceler
da Alemanha em 1933. Tomando-se o mundo como um
todo, havia talvez 35 ou mais governos constitucionais e
eleitos em 1920 (dependendo de onde situamos algumas
repúblicas latino-americanas). Até 1938, havia talvez
dezessete desses Estados, em 1944 talvez doze, de um total
global de 65. A tendência mundial parecia clara.
(HOBSBAWM, 1995, p. 115).

Ainda tendo Hobsbawm (1995) como referência, pode-se afirmar que a


novidade do fascismo era que, uma vez no poder, ele se recusava a jogar
segundo as regras dos velhos jogos políticos, e tomava posse completamente

9
Digno de nota também que existiram outras de formas de superação da depressão econômica,
QRWDGDPHQWHRFDVRHVWDGXQLGHQVHFRPDSROtWLFDGHPDWUL]³NH\QHViDQD´, o ³1HZGHDO´GH5RRVHYHOW
14
onde podia. Em suma, as condições que potencializaram o triunfo dessa
ultradireita eram:

³(VWDGRV YHOKRV´ FRP VHXV PHFDQLVPRV GLULJHQWHV QmR


mais funcionando; uma massa de cidadãos desencantados,
desorientados e descontentes, não mais sabendo a quem ser
leais; fortes movimentos socialistas ameaçando ou
parecendo ameaçar com a revolução social, mas não de fato
em posição de realizá-la; e uma inclinação do ressentimento
nacionalista contra os tratados de paz de 1918-20
(HOBSBAWM, p.130).

Está claro, segundo o autor, que o fascismo alcançou relevância


internacional em virtude da depressão. Não fosse ela e a inércia dos governos
liberais, o grau de sucesso e abrangência do fenômeno claramente não seriam o
mesmo.
)LQDOPHQWHSRGHPRVODQoDUXP³GLDJQyVWLFRGHpSRFD´HHOHQFDUDOJXQV
pontos importantes nessa primeira parte do trabalho:

1- A receita liberal potencializou a depressão econômica e a crise social;


2- A uma economia política desregulada, com uma organização sócio-
econômica desacreditada, pela grande maioria das pessoas, surgem outras
notadamente intervencionistas. Algumas ainda sob regimes livres e
democráticos; outras com traços autoritários em que o Estado assume a direção
por meio de um centralismo político;
3-Uma grande virada mundial para a direita com regimes totalitários e
conservadores.

1.2 O contexto histórico brasileiro

15
O ano de 1932, na história brasileira, foi marcado por uma conjuntura
política conturbada, em que o país estava sendo presidido por um governo
provisório ±desamparado constitucionalmente- oriundo de um movimento
político ou de uma suposta revolução (FRQKHFLGDSRU³5HYROXomRGH´). Além,
importante destacar que tal governo, em meio a esse cenário, sofria forte
oposição vinda de uma elite oligárquica tradicional, destituída dois anos antes do
poder. Tratava-se de um cenário de rearranjo institucional, em meio a uma crise
internacional (tratada no item anterior), donde houve uma acomodação de novos
e velhos quadros, oriundos da elite, dentro do contexto político, mas que não se
pode entender por uma quebra de status quo (NOGUEIRA, 1998).
Como bem aponta Luís Werneck Vianna (1997), no Brasil, nunca houve,
de fato, uma revolução. O que ocorria naquela oportunidade era que
determinadas elites, sedentas por ascender politicamente, voltavam as atenções
para uma necessidade maior de dinamização e modernização estrutural e social
do país:

As amplas demandas por modernização econômica e social


são acolhidas por setores tradicionais das elites, sob a
liderança dos estados de MG e RS, que, com o apoio de
parte do tenentismo, das camadas médias e da vida popular
nos centros urbanos, iniciam, com a chamada Revolução de
1930, um novo andamento à Revolução burguesa, já agora
sob a chave clássica de uma modernização conservadora
(idem, p. 17-18).

Na esteira deste pensamento, acrescenta-se que:

Os vitoriosos de 1930 compunham um quadro heterogêneo,


tanto do ponto de vista social como político. Eles tinham-se
unido contra um mesmo adversário, com perspectivas
diversas: os velhos oligarcas, os representantes típicos da
classe dominante de cada região do país, desejavam maior
atendimento à sua área e maior soma pessoal de poder, com
16
um mínimo de transformações (...) (ou seja10, assim)
ocorreu uma troca de elite do poder sem grandes rupturas.
Caíram os quadros oligárquicos tradicionais (...) Subiram os
militares, os técnicos diplomados, os jovens políticos e, uma
pouco mais tarde, os industriais (FAUSTO, 2010, p. 326-
27).

Em suma, pode-se de maneira segura afirmar que tal movimento


RUJDQL]DYD XPD PRGHUQL]DomR ³SHOR DOWR´ H VH DUURJDYD XPD SRVLomR GH HL[R
catalisador de forças num empreendimento de reestruturar a nação dentro de
uma ordem (CÂNDIDO, 1984).
Desta forma, com a entrada desses atores políticos, no cenário nacional,
houve uma mudança na forma de fazer política. E essa divergiu flagrantemente
GDTXHOD OLEHUDO  GRV ROLJDUFDV WUDGLFLRQDLV GD ³5HS~EOLFD 9HOKD´ (P VtQWHVH
houve um reforço do executivo, centralização dos poderes nas mãos daquele
SRGHU H D LQWURGXomR GH LQWHUYHQWRUHV RULXQGRV GRV TXDGURV ³WHQHQWLVWDV´ QRV
estados da nação. Dessa forma, impossível entender os desdobramentos de 1932,
GHQWUH HOHV D ³5HYROXomR &RQVWLWXFLRQDOLVWD´ VHP XPD DQiOLVH GD DWXDomR GRV
³WHQHQWLVWDV´HDFUtWica por parte dos segmentos da elite paulista.
2V ³WHQHQWHV´ FRQKHFLGRV SRU VXD DWXDomR SROtWLFD HP -24,
defendiam uma moralização e mudanças dentro da política nacional. Para tal,
pregavam um reforço do executivo, uma revisão constitucional e a
implementação de um unitarismo. Inspirados por Oliveira Vianna e Alberto
7RUUHV HOHV FULWLFDYDP DFHUEDPHQWH R OLEHUDOLVPR H R ³EDFKDUHOLVPR´ FRPR
forma de organização da vida nacional (FAUSTO, 2010). Eram autoritários,
nacionalistas e antiliberais. Serviram de grupo de pressão para Vargas no sentido
de tentar neutralizar o poder político das oligarquias (FAUSTO, 1972). E é partir
GR FKRTXH FRQVWDQWH H RSRVLomR HQWUH ³WHQHQWHV´ H HOLWH SDXOLVWD TXH VXUJH D
FRQKHFLGD³5HYROXomR&RQVWLWXFLRQDOLVWD´HP6mR3DXOR

10
Adendo meu.
17
$ ³5HYROXomR &RQVWLWXFLRQDOLVWD´ p LQGXELWDYHOPHQWH XP REMHWR TXH
gerou e gera muita controvérsia na história brasileira. Emília Viotti da Costa
(1982) ilustra bem tal questão ao enfatizar que os mitos nascidos no calor da luta
dificultaram e dificultam D FRPSUHHQVmR GHVVH SURFHVVR 6HJXQGR HOD ³R
movimento de 32 era senão o desenvolvimento inevitável das contradições da
UHYROXomR GH ´ '$ &267$  S  RX VHMD WDQWR GHQWUR GR JUXSR
situacionista como no oposicionista. Logo, afirma-se isso muito em função de
que a oligarquia paulista, ressentida da marginalização política que sofrera,
questionava tal ordem extralegal; e, principalmente, a natureza dos interventores
inseridos na organização de sua administração política. Ademais, sentiam
ojeriza por serem eles militares. Portanto:

A elite de SP defendia a constitucionalização do país a


partir dos princípios da democracia liberal. Como medida
transitória, exigia a nomeação de um interventor civil e
paulista. A bandeira da constitucionalização e da autonomia
sensibilizou amplos setores da população e facilitou a
aproximação do PRP e PD. Isso ocorreu com a formação da
Frente única em 1932 (FAUSTO, 2010, p. 342).

De fevereiro a julho de 1932 inúmeros fatos ocorrem na capital paulista,


desde a já citada (acima) formação da Frente Única Paulista (PRP e PD), a
aprovação de um novo código eleitoral, a nomeação de um interventor civil em
11
São Paulo, a conflitos entre civis e militares e conseqüentemente o
HPSDVWHODPHQWR GH MRUQDLV ³WHQHQWLVWDV´ QDTXHOD FDSital. Faz-se uso das
explicações do historiador João Paulo Rodrigues (2010) para tentar, de maneira
satisfatória, sintetizar a trama deste conflito:

Definida a base que comporia a campanha capaz de


aglutinar as insatisfações sociais, a Frente Única Paulista
11
Trata-se da morte dos jovens estudantes, em maio de 1932: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo
(MMDC). Essa será a sigla do movimento civil paulista no levante posterior.
18
(FUP) ± união do PD e do PRP, com o apoio de diversas
associações de classe em São Paulo ± investe também na
estratégia de atribuir exclusivamente as dificuldades
HFRQ{PLFDVGRSHUtRGRDRV³UHYROXFLRQiULRV´GHHSRU
conseguinte, canalizar as expressivas insatisfações
populares na direção dos interesses que lhe convinham no
momento: a autonomia de São Paulo, para conquistar a
interventoria, e a Constituição, a fim de redefinir a partilha
do poder em âmbito nacional. Desta feita, a despeito da
ascensão da reação popular espontânea ou da manipulação
arbitrária da classe dominante sobre a sociedade, ao que
parece, já no princípio de 1932 destaca-se uma intensa luta
política no cenário nacional, na qual a burguesia12 paulista
está fomentando os rancores e insatisfações sociais pré-
existentes no espaço público com o intuito evidente de
beneficiar-se deles no momento oportuno. (RODRIGUES,
2010, p.148).

Desta forma, apesar da convergência do Governo Vargas, atendendo em


partes as demandas paulistas, o mal-estar terminou com a eclosão do conflito.
Muito por conta da desarmonia entre as partes, e sobretudo dos segundos pelo
prolongamento do governo provisório do primeiro.
Isto posto, os insurretos de São Paulo objetivavam, a partir de suas
tramas, arrebanhar para o conflito outros estados. Estavam confiantes que no
momento da eclosão do conflito, eles viriam atender à chamada pela volta do
país à ordem constitucional-legal. Entretanto, esse apoio político-militar não
ocorreu e, dessa forma, os paulistas tiveram de mobilizar sua sociedade civil
integralmente para o combate. Segundo Da Costa (1982), a iniciativa veio de
³FLPD´PRELOL]RXDSDUWLUGRVPHLRVGHFRPXQLFDomRDVPDVVDVGHVFRQWHQWHV
facilmente e criou toda uma mística paulista que fomentou um entusiasmo. Em
conseqüência, a visão das demonstrações populares deu às elites a certeza de sua
força. A despeito disso tudo, São Paulo resistiu apenas três meses.

12
Entenda-se de forma ampla.
19
Logo, destaca-se que esse trabalho aborda e trata da questão do civismo
na política brasileira, sobretudo a partir do desdobramento dos efeitos da
³5HYROXomR&RQVWLWXFLRQDOLVWD´ HGR 0RYLPHQWR ,QWHJUDOLVWD13. No que toca ao
primeiro, segundo Marco Antônio Villa (2010), tal levante14 assumiu uma
importância fundamental na representação de civilidade do povR SDXOLVWD ³R
tesouro perdido de 1932 foi a defesa da democracia, de uma constituição
democrática, enfim, de um Estado democrático, isso em um ambiente marcado
SHOR DXWRULWDULVPR WDQWR QD HVIHUD LQWHUQDFLRQDO FRPR QD QDFLRQDO´ 9,//$
2010, p.81). Por outro lado, ao refletir um pouco adiante na história, e ter como
referência 1937, e a ausência de manifestações de indignação públicas, constata-
se que, segundo Antônio Cabral Neto (1997), o autoritarismo recorrente é um
problema à efetivação e continuidade democráticas, no Brasil:

As especificidades (15decorrente da política) brasileiras


traduzem-se na edificação de uma sociedade com pouca ou
quase nenhuma tradição democrática. Nela o
conservadorismo está imbricado, não apenas no aparelho de
Estado, mas atravessa, de ponta a ponta, toda a sociedade
civil. As regras do jogo democrático, definidas
predominantemente pelas elites em função dos seus
interesses particulares, têm dificultado tanto a participação
política mais abrangente da sociedade civil, principalmente
das massas desorganizadas, quanto o acesso aos bens
materiais e culturais socialmente produzidos (CABRAL
NETO, 1997, p. 307).

Enfim, para efeitos de ilustração, foi exposta, nesse parêntese, uma


RSLQLmR TXH DWULEXL DR IHQ{PHQR GH ³´ XP SULQFtSLR de civismo, enquanto
que, na segunda parte, uma impressão genérica da dificuldade de
estabelecimento desse mesmo sentimento em âmbito nacional.

13
O Integralismo não será tratado de maneira aprofundada nesta secção.
14
Classifica-VHDTXLD³5HYROXomR&RQVWLWXFLRQDOLVWD´FRPROHYDQWHSRUVHUDPHOKRUGHQRPLQDomR
possível para o fenômeno.
15
Adendo meu.
20
Retomando o raciocínio, acredita-se que, após tal conflito de 1932, houve
uma harmonização entre a elite paulista e o Governo Provisório. Quanto aos
³WHQHQWHV´IRUDPJUDGDWLYDPHQWHSHUGHQGRHVSDoRSDUDVHXVDQWLJRVVXSHULRUHV
Isso se deu, muito em função, de que este estado (SP) gerava a maior parte da
riqueza nacional e tinha ainda no café seu principal produto de exportação.
Assim, houve um acordo, acomodação de interesses e compromisso entre as
partes. A partir daí, em conseqüência, foi efetivada uma Assembléia Nacional
Legislativa, em 1933, e a promulgação da 3º Constituição Brasileira em 1934.
Neste mesmo ano, outros fatos são dignos de nota. Vargas foi empossado
pelo congresso presidente legítimo do Brasil. Surgiu o Partido
Constitucionalista, formado por personagens do Partido Democrático e de outros
partidos menores; tinha à frente Armando de Salles Oliveira, interventor civil no
estado de São Paulo. Sua principal bandeira política era a defesa do
constitucionalismo, dos princípios da democracia liberal e, sobretudo, o fato de
seus correligionários terem participado ativamente do levante de 32. Por essa
razão, arrogavam-se portadores dos verdadeiros ideais de civilidade da nação e
da memória da legalidade em 1932 (SOUZA, 2010).
Dito isso, ressalta-se que, dentro do breve período da 2º República
brasileira, a luta ideológica entre integralistas e comunistas foi a que mais
chamava a atenção. Assim, relacionando Brasil e mundo, ficava caracterizado o
destoar do regime e constituição brasileira da grande maioria dos países do
mundo. A carta, de matizes notadamente liberais, recebia por parte de muitos
setores da sociedade -antes mesmo de aprovada- uma reprovação, pois divergia
GHFRQVWLWXLo}HVGHSDtVHVGH(VWDGRVLQWHUYHQWRUHVRX³IRUWHV´FRPRRDOHPmRH
italiano (que estavam na moda) ³2V QRYRV WHPSRV SHGLDP JRYHUQRV IRUWHV
como os da Itália, da Alemanha, dD8566RXPHVPRGR³1HZGHDO´DPHULFDQR
Os reformistas autoritários viam no liberalismo uma simples estratégia para
HYLWDU DV PXGDQoDV H SUHVHUYDU R GRPtQLR ROLJiUTXLFR´ &$59$/+2 
p.102).
21
Dentro desse breve período democrático, em que grande parte do mundo
era palco de lutas ideológicas polarizadas no espectro, entre comunistas e
fascistas (com clara prevalência dos segundos), uma quartelada, no Brasil,
possibilitou o recrudescimento do governo Vargas, a depuração de insurretos do
aparelho burocrático e militar e a firme participação do exército no cenário
sociopolítico. Trata-VH DTXL GD ³,QWHQWRQD FRPXQLVWD´ GH  6HXV
desdobramentos, desse evento até 1937, só tomariam vulto. José Murilo de
Carvalho (2008) dá um panorama da conjuntura:

A luta contra o comunismo serviu ainda ao governo para


preparar o fim do curto experimento constitucional
inaugurado em 1934. As revoltas de 1932 e 1935 tinham
possibilitado aos novos chefes do exército, promovidos a
partir de 1930, livrar-se dos radicais e outros oposicionistas
dentro da corporação. Os novos generais (...) tinham uma
visão do papel do exército diferente da dos antigos generais
HWDPEpPGRVµWHQHQWHV¶. Para eles, o exército (...) devia ter
papel tutelar sobre o governo e a nação. Devia ter seu
próprio projeto para o país, um projeto que incluísse
propostas de transformações econômicas e sociais, mas
dentro dos limites da ordem. Era uma modernização
conservadora (CARVALHO, 2008, p. 105).

Finalmente, em 1937, o governo Vargas perpetrou um golpe de Estado


reinstalando uma ditadura no país. Ao contrário de 1930, o Brasil, naquela
oportunidade, dava claros sinais de crescimento econômico em todas as frentes,
sobretudo as estruturais. Ademais, o governo outorgava à nação direitos sociais
e as tão propaladas leis trabalhistas. Isto posto, soma-se isso ao contexto de
época, notadamente marcado por governos autoritários, e teve-se uma nação
passiva tutelada por um Estado paternalista. Como bem salienta Carvalho
(2008), isso prova que a estrutura democrática nacional ainda era deveras frágil.

22
1.3 O integralismo e o contexto histórico16

O surgimento do integralismo e sua receptividade junto à sociedade


brasileira só podem ser entendidos a partir da decadência mundial do
liberalismo, no entreguerras, e as vicissitudes ocorridas na década de 30, no
%UDVLO FRP GHVWDTXH SDUD R FRODSVR GD ³5HS~EOLFD 9HOKD´ D DVFHQVmR GR
JRYHUQR³UHYROXFLRQiULR´GH9DUJDVHRVFRQIOLWRVLGHROyJLFRVGHpSRFD$VVLP
como se arrogou, na época, tal movimento se auto-identificava como único
possível a colocar o Brasil no rumo certo, combater idéias exóticas, dar uma
plataforma ideológica à república e uma resposta satisfatória às necessidades
integrais do Brasil.
Em meio a essa turbulência, o integralismo surgia, em 1932, como
doutrina nacionalista que se amparava em princípios conservadores/
XQLILFDGRUHVFRPR ³'HXV3iWULD H )DPtOLD´ )$8672 7DOILORVRILDGH
vida e projeto político-cultural, de matizes eminentemente religiosos e
regressistas, foram idealizados e lapidados por intelectuais conservadores -com
destaque para Plínio Salgado- a partir da Sociedade de Estudos Políticos (SEP),
que sistematizou tal doutrina e a lançou na forma de Manifesto Integralista com
a fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB). Seu manifesto inaugural (32)
foi:

Uma peça, cujo objetivo político, sendo definido por


6DOJDGR FRPR µSHOR %UDVLO 8QLGR SHOD )DPtOLD SHOD
Propriedade, pela organização e representação legítima e
única das classes; pela extinção dos partidos; pela moral
religiosa; pela participação direta de intelectuais no governo
GD5HS~EOLFDSHODDEROLomRGH(VWDGRVGHQWURGR(VWDGR¶p
uma resposta de caráter nacionalista tradicional, fundada no
FRQYHQFLRQDOLVPR FDWyOLFR TXH µUHDJH FRQWUD D LQIOXrQFLD
dos países capitalistas e (luta) sem tréguas contra o
FRPXQLVPR UXVVR¶ 7UDWDQGR-se, de fato, de um produto

16
As características e parte da ideologia integralista serão tratados na próxima secção.
23
específico de um determinado espaço econômico-político
(CHASIN, 1978, p.142).

Interessante notar, na citação acima, feita pelo autor, que o integralismo, a


despeito das semelhanças e convergências com o nazifascismo, não era um
simples desdobramento do fenômeno europeu; mas sim fruto das condições
objetivas brasileiras (CHASIN, 1978).
Dentro de pouco tempo, a partir da veiculação através dos meios de
comunicação, o integralismo se tornou um movimento de massa disseminado
por várias regiões a partir de núcleos municipais. Em suma, passível de
DILUPDomRTXH³2VLQWHJUDOLVWDVQmRWHULDPH[LVWLGRVHPDFULDomRGHLQ~PHURV
mitos do medo. Para compreender o discurso dos integralistas é fundamental ter
em mente que falavam a um público inseguro, medroso e à espera do grande
OtGHU TXH OKHV RIHUHFHVVH SURWHomR´ )5(,7$6  S   'HQWUR GHVVD
massa, a AIB agregou a seus quadros pessoas sem expressão popular, ou seja,
desconhecidas. Dessa forma, os integralistas direcionavam sua propaganda para
operários, mulheres, jovens, setores quase não representados pelos partidos
existentes até então. Ademais, o integralismo atraiu fortemente setores das
classes médias urbanas e descendentes das comunidades de origem alemã e
também da italiana espalhados pelo país (BERTONHA, 2001).
Em 1934, restaurou-se a ordem legal com a aprovação da nova
constituição. Deste ano até 1937, um curto período, os integralistas tiveram
papel preponderante no que toca à corrosão das bases daquela ordem. O
primeiro ato de destaque se deu no mesmo ano, em outubro, da aprovação da
carta, quando integralistas se digladiaram violentamente com os manifestantes
comunistas nas ruas por questões relacionadas a greves e movimento operário. O
VHJXQGRHPTXDQGRHOHVFRODERUDUDPQDUHGDomRGRIDPLJHUDGR³3ODQR
&RKHQ´TXHUHVXOWRXHPSUHWH[WRSDUDVXVSHQVmRGDVJDUDQWLDVFRQVWLWXFLRQDLVH
o estado de guerra (FAUSTO, 2010). Ademais, outro acontecimento que
também potencializou a ação repressora do governo Vargas foi a mal sucedida
24
Intentona Comunista (já citada), em 1935, uma quartelada organizada pela
Aliança Nacional Libertadora (ANL) e Partido Comunista Brasileiro (PCB), que
foi facilmente reprimida pelo exército. Desde o primeiro episódio citado, houve
uma resposta do governo; ela foi da aplicação de Lei de Segurança Nacional até
o já mencionado rompimento da (curta) ordem constitucional.
Antes mesmo destes fatos, brevemente relatados, digno de nota que, em
1936, a associação integralista atenuou um pouco a radicalidade do seu discurso
(CHASIN, 2010), tornou-se partido político e a figura de seu líder, Plínio
Salgado, foi ventilada à presidência. Por essa época, o integralismo mobilizava
por todo território nacional cerca de quase 200.000 pessoas em seus núcleos.
Com o golpe, tal tentativa foi impossibilitada; pior: o integralismo voltava por
decreto a ser unicamente associação cultural. Em consequência, foi excluído de
toda e qualquer participação política! Sem sucesso, alguns participantes
tentaram ainda um infrutífero golpe em 1938.

2 O Integralismo

2.1 O integralismo: projeto político ligado a um pensamento


conservador.

Efetuadas várias leituras sobre o integralismo, pôde-se, com segurança,


enquadrá-lo como um pensamento político de natureza conservadora, pois, em
sua plataforma ideológica, o movimento visou a um regressismo conservador
HP TXH D LQWHJUDOLGDGH H WUDGLomR FDERFOD GD ³EUDVLOLGDGH´ H GR %UDVLO IRVVHP
protegidas dos perigos da modernidade, potencializada pelo capitalismo liberal
(CHASIN, 1978). Ou como cita Freitas (1998), o integralismo foi um
movimento permanentemente contra-revolucionário, portador das tradições do
passado, e que divulgava na sociedade uma grande desconfiança em relação à

25
liberdade humana de conduta, de escolha e pensamento. Dessa forma, e
seguindo aqui o raciocínio de Bernardo Ricupero (2010), o integralismo seria,
naquele momento, uma espécie de logos conservador que direcionaria a
³SUi[LV´RXVHMDXPSURMHWRFRPYDORUHVHLGpLDVGDTXela natureza objetivando
aplicação, estruturação e rotinização no dia a dia da sociedade. Logo, para
embasar tais postulados, nesta secção, tratar-se-á do que vem a ser um
SHQVDPHQWRFRQVHUYDGRUVHXVLPSXOVRVREMHWLYRVHXPSHTXHQR³GLiORJR´FRP
o as propostas integralistas.
Ao contrário do que aparenta, mesmo dentro de um quadro de
modernidade, um pensamento conservador se processa continuamente, ou seja,
não é estático. Espécie de contra-sistema à modernidade burguesa, ele nasce e
toma forma a partir da universalização da tradição em grupos dentro do coletivo,
nas dadas circunstâncias históricas e sociais:

A ação conservadora (ao menos na esfera política) envolve


mais que reações automáticas de um certo tipo; isto
significa que o indivíduo é consciente ou inconscientemente
guiado por um modo de pensar e de agir que tem por trás de
si uma história própria, antes de entrar em contato com o
indivíduo. Esse contato com o indivíduo pode, em certas
circunstâncias, transformar de alguma maneira a forma e o
desenvolvimento desse modo de pensar e agir; mas mesmo
quando o indivíduo específico não estiver mais ali para dele
participar, o modo de pensar e de agir ainda terá sua própria
história e desenvolvimento autônomos. O conservantismo
político, portanto, é uma estrutura mental objetiva, em
oposição à subjetividade do indivíduo isolado
(MANNHEIM, 1982, p.109).

Dessa forma, ser conservador é muito mais que uma afinidade política; é,
sobretudo, uma forma de pensar e organizar a sociedade a partir da história
particular, na terra e em entidades orgânicas como a família e a religião.
Roberto Stelmacki Jr. (2006), em artigo intitulado: Uma análise a
respeito do pensamento conservador, explora grandes nomes desta linhagem,
26
como Edmund Burke (1729-1797), o já citado Karl Mannheim (1893-1947),
dentre outros. Em meio ao texto, ele apresenta genericamente pressupostos do
pensamento conservador como: a defesa da cristalização de uma ordem social,
econômica e política vigente e a determinação de uma continuidade como valor
soberano. Quanto às mudanças, que elas sejam superficiais, pré-deliberadas e
que tragam o mínimo de efeitos possíveis. Em suma, só são aceitas, na
sociedade de cunho conservadora, se encaradas como instrumentos de
aperfeiçoamento da ordem vigente e que caracterizem a ampliação das bases de
sustentação do status quo.
Karl Mannheim, expoente do pensamento conservador, por sua vez, atenta
para a maneira de proceder, na sociedade contemporânea, de um governo
conservador:

Do ponto de vista conservador, o governante deve tomar


com cuidado o entusiasmo da transformação que muitas
vezes são sugeridos para os negócios práticos do Estado e
deixar-se guiar por precedentes e exemplos que já
funcionaram a contento no passado. Os conservadores
rejeitam as iniciativas de caráter liberal e mantêm forte
respeito por instituições tradicionais, como a família e a
propriedade privada. Por princípio, são adversários das
mudanças súbitas e das inovações e tendem a aceitar as
imperfeições do ser humano como realidades inerentes a sua
natureza, em vez de contar com a possibilidade de
reconstrução e aperfeiçoamento. (MANNHEIM apud
STELMACKI JR., 2006).

Ainda tendo Mannheim (1981) como referência, digno de destaque, em


VXD REUD H SHQVDPHQWR D TXHVWmR GD ³RUGHP´ H VXD UHODomR tQWLPD com os
aspectos deterministas e metafísicos que atuam sobre uma dada sociedade,
amparada em valores conservadores, tais como os religiosos:

O conservador enfrenta a transformação com a ordem. Não


há a negação do movimento constante das sociedades
humanas; ao contrário, ele é naturalizado, as sociedades
27
humanas naturalmente caminham para o progresso, logo
não há necessidade do rompimento da ordem estabelecida,
até porque ela assegura completamente o progresso. Mesmo
que o homem não queira sempre haverá mudança, ela é
inevitável, pois a história é traçada não pela vontade dos
indivíduos, mas por sua evolução natural, contínua e
metafísica. O progresso da humanidade e a finalidade da
vida social estão amparados a um Deus transcendente, que
conduz de fora as ações e intenções humanas. O discurso
conservador incorpora a alienação como um dado
insignificante historicamente (MANNHEIM, 1981, p. 14).

Convergindo com isto colocado por Mannheim, Plínio Salgado (apud


CHASIN, 1978) artífice mor integralista, embasa seus escritos em princípios
metafísicos, em que o a natureza do país seria movida por forças e verdades
naturais da terra e da raça:

O projeto político que Salgado expõe aparece, a seus olhos,


justificado como a decorrência necessária que se pode opor
às verdades articuladas ao nível das realidades do homem e
de seu meio natural. Estas últimas, como já se viu,
independem da atividade humana, enquanto a existência
política real sofre desta. Mas não há rigorosamente espaço
para opções, a não ser entre o campo polar do acerto e do
erro: acerto é harmonizar a ação política às verdades
essenciais da Terra e da raça; erro, qualquer outra
alternativa... Em síntese, o político não transforma as
realidades profundas; sua ação, ou possibilita que estas
realizem suas verdades imanentes irrecorríveis, ou frustra
sua efetivação e causa dano (CHASIN, 1978, p.114).

Assim, na lógica integralista de Salgado, a solução, para os problemas


nacionais, estaria na própria terra e no próprio brasileiro. Ademais, deduz-se, a
partir disso tudo até aqui discutido, que o Estado integral (finalidade última do
integralismo), baseado no princípio da autoridade, seria, na oportunidade, uma
espécie de mediador/ tutelador/ regulador que garantiria a ordem, a harmonia
social e as mudanças sem que uma suposta ordem (integralista) fosse

28
questionada ou fragilizada. Enfim, impedindo que houvesse rupturas e
transformações.

2.2 As características do integralismo e sua relação com o


liberalismo e fascismo.

Dentro das perspectivas de entendimento das Ciências Sociais é notório


que cada localidade, dentro deste imenso planeta, é, por inúmeros fatores,
singular ou ímpar; ou seja, possui particularidades que lhe são próprias. Diz-se
isto em virtude de que um fenômeno naturalmente é típico de um lugar (de suas
condições objetivas). E, ao se expandir para outras localidades, ele assume, no
processo de sua aplicação, alhures, diferentes facetas. Isto posto, salutar
estampar que, para a maioria dos analistas, o integralismo é um simples
desdobramento ou uma cópia do fascismo. Para uma minoria, com destaque para
José Chasin (1978), não. Sendo assim, nesta secção, tratar-se-á das
características do integralismo, sua natureza, o diálogo com o fascismo e as
relações com o seu principal alvo de combate, o liberalismo.
Conforme já foi tratado anteriormente, neste trabalho, o fascismo foi um
fenômeno sociopolítico que surgiu, primeiramente, na Itália, após a 1º guerra
mundial. Representou uma forma de Estado e organização social antagônica à da
maior parte dos países GR SHUtRGR 'H Oi ³H[SRUWRX´ WDO SURMHWR sociopolítico
SDUD RXWUDV ORFDOLGDGHV ³3DUD DOpP GD ,WiOLD RQGH R IDVFLVPR RULJLQRX-se,
espalharam-se movimentos com características próprias, mas com pontos em
FRPXPHPUHODomRj³PDWUL]LWDOLDQD´ )5(,7$6, p. 13). Assim:

Era impossível não reconhecer no Integralismo, porém, uma


série de influências do Fascismo italiano e também de
outros movimentos fascistas europeus. Essas influências
passavam especialmente pelo campo ideológico, como a
doutrina corporativa, a descrença na democracia, a
priorização do Estado em relação à sociedade, etc., mas
29
também se manifestavam em itens aparentemente
secundários, como a mística e a simbologia, em que eram
evidentes as influências do Fascismo italiano na mitologia
do líder, na coreografia das grandes manifestações, na
doutrinação da juventude (na qual a organização dos
µSOLQLDQRV¶ se DVVHPHOKDYD QRWDYHOPHQWH j GRV µEDOLODV¶
italianos), etc. (BERTONHA, 2001, p.89).

Além destes pontos importantes citados por Fábio Bertonha, o


integralismo surgiu como uma tendência de possibilidade de renovação da
política nacional; uma moralização entoada a partir de uma figura autoritária, o
Estado; defendia uma educação militar da sociedade, o catecismo das crianças e
até o uso de parafeUQiOLDV FRPR R XQLIRUPH GR ³VLJPD´ )5(,7$6  
Claramente, elencam-se elementos notoriamente particulares ao fascismo.
Entretanto, existem outros que revelam a particularidade nacional do movimento
ou fenômeno.
Ao contrário dos Estados nazifascistas, o integralismo não aspirava uma
modernização aos moldes capitalistas, com a participação ativa de indústrias no
processo. Como bem salienta Chasin (2010), o integralismo almejava objetivos
distintos como: uma volta a um estágio pré-capitalista, onde existiriam
corporações de ofício que regulariam toda a vida trabalhista; a um Brasil rural,
VHUWDQHMR H IROFOyULFR GH YRFDo}HV DJUiULDV H XPD RGH DR FDERFOR ³-HFD 7DWX´
UHIHUrQFLD GH YDORU GH SHUVRQDJHP DXWrQWLFR GR %UDVLO RX ³WLSR VRFLDO
EUDVLOHLUR´ ³TXH VH Rrigina das realidades econômicas da terra, dos meios
cívicos do território, da formação histórica, filho de todas as raças, subordinado
ao imperativo de uma formação latina e fixado segundo os impositivos de um
PHLRDERUtJLQHLQLFLDO´ &+$6,1S7).
Portanto, o integralismo, a partir de seus criadores17, buscava valores
DXWrQWLFRV REMHWLYRV TXH FKDPDYDP GH ³EUDVLOLGDGH´ 'HVVD IRUPD SRGH-se

17
Plínio Salgado e boa parte dos intelectuais integralistas participaram de uma variante do
modernismo brasileiro da década de 20 numa variante conhecida por verde-amarela. Esta tinha por
características a valorização do nacionalismo e do Brasil rural e folclórico.
30
afirmar que o movimento integralista nada mais é que fruto da década de
³9LQWH´GHWRGDVVXDVYLFLVVLWXGHV, complexidade e:

(D) O aparecimento de novos personagens históricos: o


intelectual cosmopolita (projetado pelo modernismo); o
militar insatisfeito com a corrupção eleitoral (projetado pelo
tenentismo) e o ativista comunista (projetado pelas greves e
pela organização do movimento comunista). Diante dessas
inúmeras tensões políticas que não paravam de aumentar, a
multiplicação de inúmeros personagens históricos colocava
em discussão para toda a sociedade, a necessidade de se
modificar a estrutura econômica do Brasil, responsável por
um quadro social injusto (FREITAS, 1998, p. 32).

Destarte, como defende Chasin (1978), identificar o integralismo como


uma simples forma plena de fascismo é uma generalização deformante.
O integralismo (e antes dele, o fascismo) surgiu em meio a uma crise de
conjuntura do capitalismo internacional na qual o Brasil estava, de certa forma,
envolvido18, pois era, dentro daquela divisão internacional do trabalho,
IRUQHFHGRUGHSURGXWRVSULPiULRVSDUDRVSDtVHV³FHQWUDLV´(PYLUWXGHGisso, o
surgimento do movimento decorreu da necessidade de uma forma alternativa de
governo que objetivasse retirar a nação da crise na qual estava mergulhada.
Crise, que também como vimos, está intimamente relacionada com o liberalismo
e seus desdobramentos em instituições e práticas dentro da sociedade brasileira.
No Brasil, a crítica a essa filosofia e forma de organização social se
iniciou no século XIX, no início da República, adentrou ao século XX com
Alberto Torres (1865-1917) e já na década de 20-30 com Oliveira Viana (1883-
1955). Em síntese, os pontos mais atacados eram o exotismo e contradições dos
valores e instituições liberais aplicados nas diferentes esferas do cotidiano da
nação. Quanto aos integralistas, na leitura daquela intelectualidade, o liberalismo

18
Os efeitos da crise de 1929 variaram de lugar para lugar. Os efeitos, no Brasil, não foram os mesmos
do centro capitalista, pois boa parte de sua população habitava o espaço rural e não participava
ativamente de uma cultura de consumo.
31
representava também a hipertrofia do individualismo, o promotor da dissolução
da moral cristã, a negatividade da razão que questiona a autoridade, a religião e
a fé. Logo, eles identificavam no Estado liberal um ente desvirtuado, indiferente,
que gera anarquia, indisciplina, opressores e que promove a exploração de
alguns poucos homens sobre a grande massa da nação. Portanto, para os
GHIHQVRUHV GR ³VLJPD´ R OLEHUDOLVPR R PHUFDGR DV EROVDV GH YDORUHV H RV
valores libertários eram os grandes FDXVDGRUHVGR³DSRFDOLSVH´VRFLRHFRQ{PLFR
moral e ético que afligiu o mundo desde a Revolução Francesa.
Dessa forma, dentro da ideologia integralista, existia um discurso
antiliberal que permeava os aspectos sociais, econômicos e políticos. Para Plínio
Salgado, o liberalismo teve seu lado mais negativo na incorporação gradativa do
individualismo e materialismo na sociedade. Em conseqüência, gerou a citada
hipertrofia da personalidade e enfraquecimento a coletividade:

Do ponto de vista econômico, ou do ponto de vista cultural


e político, o que se vê no século que se findou é o
ingurgitamento do individualismo. A liberdade, que foi a
senha dos povos na criação dos regimes igualitários, no
anseio das democracias perfeitas, começou, pela amplitude
que se deu ao seu conceito, a insurgir-se contra si mesma,
pela possibilização que facultou ao desenvolvimento da
personalidade isolada, em detrimento do todo coletivo.
(SALGADO apud CHASIN, 1978, p. 358-359).

$VVLPVREDyWLFD³SOLQLDQD´DVOLEHUGDGHVGHQWURGD contemporaneidade
(modernidade), tornaram-se negativas, pois vitimavam a si mesmas num
processo em que se transformavam e degeneravam incessantemente o homem e
a sociedade.
Em síntese, tal qual boa parte da intelectualidade conservadora pelo
mundo, os intelectuais integralistas diagnosticaram um colapso do liberalismo e
da democracia; ou seja, tinham-nas formas de organização da sociedade, da
política e economia desumanizadas que não forneciam mais respostas
32
satisfatórias aos problemas das nações. Eis um fragmento dos manifestos, escrito
por Plínio Salgado, que trata sobre tal questão:

Por que não nos regemos por estatísticas, determinando


tarefas de produção aos povos e efetivando o intercâmbio
entre as nações de uma maneira mais humana? Por que não
substituir a concorrência agrícola, industrial e comercial
pela cooperação agrícola, industrial e comercial? Por que os
países não se auxiliam mutuamente? Nada disso será
possível, pois os governos não são os que governam; quem
manda no mundo são os argentários sem pátria e sem alma.
Os governos nada significam para os países liberais
democráticos, porque, à revelia deles, decidem a sorte dos
povos os cartéis, os monopólios, as bolsas, os bancos
(SALGADO apud CHASIN, 1978, p. 383)

Em seu lugar, propôs-se, dentro dos manifestos e diretrizes integralistas,


um regime em que se restabeleça a autoridade do Estado, o respeito à autoridade
do chefe da nação, a cooperação no trabalho, disciplina, a ordem e
conseqüentemente a harmonia social. E que se assente suas bases na tríade:
Deus, família e propriedade.

2.3 Concepção de Estado integralista e sua relação com a


sociedade civil

Nesta secção, apresenta-se uma breve concepção do que vinha a ser, na


GpFDGD GRV ³7ULQWD´ R PRGHOR GH (VWDGR LQWHJUDOLVWD XP (VWDGR TXH nas
SDODYUDV GH 3OtQLR 6DOJDGR GHYHULD HVWDU QD ³DOWXUD GDV FLUFXQVWkQFLDV´ ³8P
(VWDGR EDVHDGR QD UHDOLGDGH´ H TXH VRXEHVVH TXH ³R FRPEDWH DR FRPXQLVPR
deve ser começado no combate à mentalidade (19OLEHUDO FDSLWDOLVWD´ &+$6,1
1978). Além, um ente superior que deveria ser eminentemente autoritário,
controlador, tutelador, interventor (economicamente), nacionalista, anti-

19
Adendo meu.
33
imperialista e que trouxesse por meio de seus atos uma justiça social. A partir
destes adjetivos ou características, fica evidente que haveria pouco ou nenhum
espaço para a sociedade civil.
Antes de se enveredar por tal análise, importante atentar que de 1930 até
1934 o Estado brasileiro foi presidido extralegalmente, a partir de um governo
provisório que lançava mão de decretos para governar. Como já comentado
anteriormente, trata-se do governo de Getúlio Vargas alçado ao poder em
YLUWXGHGD FRQKHFLGD ³5HYROXomRGH´3OtQLR6DOJDGRSRUVXDYH]RVFLORX
no início, entre apoiar ou combater tal revolução. Por ser avesso a qualquer
forma de quebra de ordem por mobilizações sociopolíticas, primeiramente,
manteve-se fiel ao governo de Júlio Prestes. Entretanto, com o tempo,
vislumbrava -naquela conjuntura e momento político- XP ³YiFXR´ XPD
oportunidade em que ele e seus correligionários poderiam ocupar e dar rumos à
política nacional, a partir da introjeção de um embasamento ideológico
³LQWHJUDOLVWD´3RUWDQWRXPD RSRUWXQLGDGHSDUD UHJHQHUDURSDtVLQWHJUDOPHQWH
Em virtude disso, Salgado e os intelectuais integralistas se valiam de espaços
midiáticos20 para promover as diretrizes e concepções acerca de um futuro
Estado aos moldes integralistas.
E é num desses espaços que as Diretrizes Integralistas foram lançadas.
Nelas, e, em especial nesse fragmento abaixo, podemos identificar algumas das
premissas principais que sustentariam um Estado Integral ideal:

Uma vez organizado o Estado Integral, este não poderá


permitir que se formem fora de seu círculo de ação
quaisquer forças de ordem político-social ou econômica que
o possam ameaçar; nestas esferas da vida nacional tudo
GHYH VHU FRQWURODGR H RULHQWDGR SHOR (VWDGR ,QWHJUDO¶,
explicitando sua grande preocupação ± a intervenção estatal
QD HFRQRPLD µ2 LQWHJUDOLVPR TXHU D GLUHomR GD HFRQRPLD
nacional pelo governo, evitando que o agiotarismo

20
Tais espaços eram o jornal A Razão e o jornal da Legião Revolucionária Tenentista.
34
depaupere as forças da produção, que o trabalho seja
reduzido a uma simples mercadoria sujeita à lei da oferta e
da procura; que o intermediário asfixie o produtor e
esmague o consumidor; que o capitalismo os escravize, cada
vez mais aos grupos financeiros de Londres e Nova Iorque,
não transferindo, como faz o Estado Liberal democrático, a
soberania econômica da nação ao capitalismo burguês, que
permite a orgia dos trustes, cartéis, monopólios, espoliações
de toda a sorte através dos juros onerosos, do jogo da praça,
das manobras com as quais o capitalismo atenta contra os
SULQFtSLRV GD SURSULHGDGH¶ Intervenção estatal que não
LPSOLFD GHVFXLGDU GD GHIHVD GD SURSULHGDGH SULYDGD µ2
Integralismo defende o direito da propriedade até ao limite
imposto ao bem comum, estabelecendo ao lado do direito
também o dever do proprietário. O Integralismo reconhece
na iniciativa privada o fato mais fecundo da produção
econômica, mas para salvaguardar das ambições
particularistas o bem estar e a liberdade do povo brasileiro,
fará a nacionalização dos serviços que por sua natureza não
podem ser explorados com fins de lucro, e que se destinem
ao desenvolvimento da economia nacional e interesse
público, tais como: estradas de ferro, navegação, minas,
fontes de energia e aparelhamento bancário. (SALGADO
apud CHASIN, 1978, p. 147).

Nitidamente antiliberal, tal Estado condiciona, como ilustrado, iniciativas


SULYDGDVGHVGHTXHQmRILUDPR³EHPFRPXP´4XDQWRjVRFLHGDGHHODGHYHVH
moldar e se adaptar aos postulados daquele ente ideal.
Marcos Freitas (1998), por sua vez, aponta um aspecto importante da
organização da AIB que remete ao tipo estrutural de Estado fascista:

Sua estrutura era montada a partir de uma rígida hierarquia


H HUD XPD HVSpFLH GH PLQLDWXUD GR ³(VWDGR ,QWHJUDO´ TXH
defendia (...) (e) servia tanto para controlar um partido
como o governo de um país. Tratava-se de uma instituição
que definia, na forma de milícia, a possibilidade de toda
uma nação funcionar a partir de um único modelo de
autoridade baseada na formação de um único Estado
integral. (FREITAS, 1998, p. 40)

35
Em suma, a burocracia hierarquizada da AIB possuía além do gabinete do
chefe, conselho nacional que dispunha de consultorias e departamentos com
inúmeras subdivisões que iam da propaganda até as milícias (idem). Sem
temeridade, é possível afirmar que a AIB queria fazer do Estado nacional sua
imagem e semelhança.
2XWURGRFXPHQWRTXHDX[LOLDQHVWDHPSUHLWDGDpRSUySULR³0DQLIHVWRGH
2XWXEURGD$omR,QWHJUDOLVWD%UDVLOHLUD´GH1HOHWDPEpPILFDPSDWHQWes
seus propósitos autoritários, paternalistas e de extirpação das oposições (dentre
outros) em relação aos vários setores da nação:

Pretendemos realizar o Estado Integralista, livre de todo e


qualquer princípio de divisão: partidos políticos;
estadualismos em luta pela hegemonia; lutas de classes;
facções locais; caudilhismos; economia desorganizada;
antagonismos de militares e civis; antagonismos entre
milícias estaduais e o Exército; entre o governo e o povo;
entre o governo e os intelectuais; entre estes e a massa
popular. Pretendemos fazer funcionar os poderes clássicos
(Executivo, Legislativo e Judiciário), segundo os
impositivos da Nação Organizada, com bases nas suas
Classes Produtoras, no Município e na Família.
Pretendemos criar a suprema autoridade da Nação.
Pretendemos mobilizar todas as capacidades técnicas, todos
os cientistas, todos os artistas, todos os profissionais, cada
qual agindo na sua esfera, para realizar a grandeza da Nação
Brasileira. Pretendemos tomar como base da Grande Nação,
o próprio homem da nossa terra, na sua realidade histórica,
geográfica, econômica, na sua índole, no seu caráter, nas
suas aspirações, estudando-o profundamente, conforme a
ciência e a moral. Desse elemento biológico e psicológico,
deduziremos as relações sociais, com normas seguras de
direito, de pedagogia, de política econômica, de
fundamentos jurídicos. Como cúpula desse edifício,
realizaremos a idéia suprema, a síntese de nossa civilização:
na filosofia, na literatura, nas artes que exprimirão o sentido
do nosso espírito nacional e humano. Pretendemos criar,
com todos os elementos raciais, segundo os imperativos
36
mesológicos e econômicos, a Nação Brasileira, salvando-a
dos erros da civilização capitalista e dos erros da barbárie
comunista. Criar numa única expressão o Estado
Econômico, o Estado Financeiro, o Estado Representativo e
o Estado Cultural. (...) Para isso, combateremos os irônicos,
os "blasés", os desiludidos, os descrentes, porque nesta hora
juramos não descansar um instante, enquanto não
morrermos ou vencermos, porque conosco morrerá ou
vencerá uma Pátria (MANIFESTO..., 1932).

Ademais, um aspecto dentro da concepção de Estado integralista deve ser


salientado: a da ênfase na autonomia política municipal e o esvaziamento da
esfera estadual. Tal enfoque decorre da forma até então desenvolvida de prática
SROtWLFDQR%UDVLOFRQKHFLGDSRU³SROtWLFDGRVROLJDUFDV´RX³GRVJRYHUQDGRUHV´

Percebia ele (Salgado) que os municípios precisavam de


autonomia político-administrativa para se desenvolverem,
devendo libertar-se da ditadura do governo estadual, das
oligarquias que os dominavam através de falsas eleições de
políticos que agiam apenas por interesses partidários e
pessoais, sem se preocuparem com as necessidades e o
progresso do município. Os municípios deveriam de ser
governados por prefeitos não manobrados pela política
estadual, mas escolhidos conscientemente pela população, e
realmente interessados no desenvolvimento da região, com
um corpo de idéias e um programa de ação em consonância
com a realidade local (CHASIN, 1978, p. 342).

Finalmente, após elencado tais pontos importantes para a compreensão da


concepção de Estado integralista e sua relação com a sociedade, poderíamos
conceituar o Estado (ideal) Integralista como decorrente de um pensamento
político conservador, em que se abre pouca margem de manobra por parte da
sociedade civil; ou seja, a tutela e a regulação oprimem e a inibem. Em síntese,
era este Estado que os integralistas, na década de 30, desejavam edificar no
%UDVLOHPVXEVWLWXLomRDR³DQiUTXLFR´GRSHUtRGROLEHUDO

$GHPRFUDFLDOLEHUDOREMHWRGHGHIHVDGRV³&RQVWLWXFLRQDOLVWDV´
37
Em outras seções deste trabalho já foi exposto o fato de que o Partido
Constitucionalista surgiu da fragmentação do PD e de outras pequenas
agremiações do estado de São Paulo. Assim, desde sua formação enquanto
segmento político, o PC arrogou-se o título de legítimo herdeiro do movimento
que culminou com a Revolução Constitucionalista, em 1932. Ainda, dentro de
um cenário marcado por governos interventores, de diferentes matizes, defendeu
a aplicação de um modelo democrático liberal para o país, a partir da carta
constitucional vindoura.
Em geral, os adeptos da democracia liberal defendem as liberdades
liberais; acreditam que essas são necessárias e essenciais para que se possa dizer
que exista uma democracia:

Sem liberdade de expressão, de associação e assim por


diante, o povo, nas eleições, não poderia dispor das
escolhas que lhe permitem tomar as decisões políticas
básicas. Em suma, as eleições livres são encaradas como
condição necessária para a democracia ² e a democracia
liberal como sua única forma possível (OUTHWAITE;
BOTTOMORE, 1996, p. 181).

Logo:

$ SDODYUD ³OLEHUDO´ DSOLFDGD D VLVWHPDV GH JRYHUQR


costuma implicar uma preocupação com a proteção das
liberdades individuais através da limitação do poder do
governo. A idéia típica é que o poder de um governo
deveria ser limitado, sujeitando-se a regulamentação
através de uma constituição ou carta de direitos. Numa
democracia liberal, portanto, o governo eleito expressa a
vontade do povo, mas seu poder é, não obstante, limitado.
Daí existir, em certa medida, uma forma de democracia
condicional, na qual o poder do povo ² conforme expresso
através de seu governo ² é limitado (OUTHWAITE;
BOTTOMORE, 1996, p. 181).

38
Os teóricos da democracia liberal têm como referência ou parâmetro
autores de diferentes épocas, tais como John Locke (1632-1704), James
Madison (1751-1836), John Stuart Mill (1806-73), Benjamin Constant (1767-
1830), etc. . Quanto ao último, eminente escritor e político francês de origem
VXtoDpOKHDWULEXtGRQRFpOHEUHGLVFXUVR³$OLEHUGDGHGRVDQWLJRVFRPSDUDGD
FRP D GRV PRGHUQRV´ R SLRQHLULVPR GD HODERUDomR GD FRQFHSomR GH (VWDGR
liberal:

Para Constant, a liberdade dos modernos, que deve ser


promovida e desenvolvida, é a liberdade individual em sua
relação com o Estado, aquela liberdade de que são
manifestações concretas as liberdades civis e a liberdade
política (ainda que não necessariamente estendida a todos
os cidadãos) enquanto a liberdade dos antigos, que a
expansão das relações tornou impraticável, e até danosa, é a
liberdade entendida como participação direta na formação
das leis através do corpo político cuja máxima expressão
está na assembléia dos cidadãos (NOBBIO, 1998, p. 323).

Finalmente, pode-se considerar que, a despeito da brevidade, desde o


advento da segunda Constituição Republicana Brasileira de 1934 (perfil liberal),
tem-VHQR%UDVLOXPDFRQILJXUDomRVRFLRSROtWLFDHXP³GHPRV´LQéditos, uma
vez que tal carta possibilitou aos marginalizados enfim participarem de pleitos/
eleições. Destacam-se aqui mulheres e pobres (desde que alfabetizados)21.
Entretanto, de curta duração.

21
Analfabetos, soldados, padres e mendigos não poderiam ter direito ao voto.
39
40
PARTE II

1 1932-34: Reconstitucionalização, os efeitos da guerra civil de


1932 e o seu legado na sociedade montealtense a partir da análise
de A Semana.

 $ DQWHVVDOD GD ³5HYROXomR GH ´ H R GHEDWH HP WRUQR GD
reconstitucionalização

Antes de tratar especificamente dos dois grupos protagonistas, dentro do


recorte histórico e objeto delimitado por esta investigação, abre-se tal
explanação discorrendo brevemente sobre a conjuntura política estadual-
nacional que antecede à reconstitucionalização do Brasil em 1934 e os seus
efeitos no universo citadino montealtense; entretanto, faz-se a partir de uma
leitura crítica do periódico local A Semana.
Como já citado anteriormente, o Brasil vivia, nos idos de 1932, em um
estado de exceção, ou seja, em uma situação de inconstitucionalidade. Dois anos
DQWHV RFRUUHUD D ³5HYROXomR GH RXWXEUR´ HQFDEHoDGD SRU *HW~OLR 9DUJDV H
correligionários oriundos de uma oligarquia dissidente daquela que estava no
SRGHUDROLJDUTXLD³SHUUHSLVWD´SDXOLVWD3HODUHYROXomRVHWHPXPDUXSWXUDFRP
a ordem. Com isso, houve, na leitura de muitos grupos (dentre eles os que são
objeto deste estudo), uma abertura para uma oportunidade de uma renovação
SROtWLFD D SDUWLU GD VXSHUDomR GR ³PRGXV RSHUDQGL´ SROtWLFR GD ³5HS~EOLFD
9HOKD´ SHUPHDGR GH PDQGRQLVPR SDWULPRQLDOLVPR FOLHQWHOLVPR H
oligarquização do poder. Isto posto, encaminha-se para as páginas de A Semana
que, naquela oportunidade, veiculava rotineiramente artigos enfatizando a
importância da reconstitucionalização do Brasil.

41
Nesses artigos, há um constante e intenso trabalho de conscientização
VRFLDODUHVSHLWRGDLPSRUWkQFLDSDUDXPDQDomR³FLYLOL]DGD´HVWDU VREHIHLWRH
regulação de leis que possam trazer uma segurança aos contratos e às pessoas
contra as arbitrariedades de diferentes naturezas. Assim, há uma ampla
mobilização para informar e atrair a sociedade civil para participar do debate em
torno da elaboração da nova carta constitucional. Destes textos, alguns são
escritos por locais que se valem de pseudônimos para assinar suas colunas e
artigos; outros são oriundos da UJB (União Jornalística Brasileira), órgão de
imprensa que repassava textos para reprodução aos jornais do interior22. Dessa
IRUPDHUDFRQVHQVRGHQWURGDTXHODPtGLDTXHD³UHYROXomR´SUHFLVDYDGHXPD
constituinte legítima para não se esboroar. Logo, o que se constata, dessa forma,
p D WHQWDWLYD GH ³SDYLPHQWDomR´ SRU SDUWH GD PtGLD GH XP FDPLQKR SDUD D
redemocratização do país e a volta ao estado de constitucionalidade.

1.2 A Revolução de 1932 e o seu legado para a sociedade


montealtense

Em meio ao período da guerra civil, pode-se constatar pelas páginas dos


jornais uma envolvente mobilização e caldo político em que as entidades (Liga
do comércio e indústria, Grupo Escolar e Prefeitura Municipal) e sociedade civil
de Monte Alto se sensibilizam e manifestam uma empatia pela causa
constitucionalista. Assim, caracteriza-se por parte daquelas um claro rompante
cívico. Entretanto, a partir de quê se lançam tais afirmações? Que bases se tem
aqui para poder afirmar isso?
Eclodido o conflito, o veículo de comunicação apresentava as principais
demandas recebidas pelo município diretamente da capital. Destarte,

22
Curiosamente, muitos são de autoria de Menotti Del Picchia (1892-1988), intelectual paulista que
participou do movimento modernista. Em um deles, o versátil escritor atenta para que a população
fique inteirada dos acontecimentos e se levante contra uma potencial outorga constitucional.
42
sucessivamente, as edições conclamavam e convocavam as pessoas para
comícios cívicos em praça pública ou cine-teatro municipal com personalidades
ligadas ao governo estadual e à elite política citadina; apresentavam boletins do
poder público estadual e municipal; além, lançava os recursos levantados
TXDQWLGDGH HTXHPRVGRRXHILQDOPHQWHFRQYRFDYDRVMRYHQVSDUDR³IURQW´
de batalha. Dessa forma, nota-se a ampla mobilização popular em torno da
causa, uma vez que a cidade participou e contribuiu ativa e decisivamente seja
com voluntários seja com itens variados, como alimentos, matérias-primas,
armas, animais de corte e tração, dinheiro e ouro. Tudo arrecadado e enviado
para São Paulo e outras cidades.
Por outro lado, as edições de A Semana apresentam alguns pontos que
podemos ter como preocupantes. Antes da eclosão do conflito, o jornal, em
nenhum momento, apresentou o clima político cataclísmico que São Paulo
vivera, sobretudo em maio com a invasão dos jornais tenentistas e de Plínio
Salgado e também não noticiou as mortes dos jovens que foram inspiração, a
partir de suas iniciais, para a sigla MMDC. A omissão -supostamente pela
censura- era tamanha que graves distúrbios políticos ocorridos (que ocasionou a
perda de uma vida e prisões), no distrito de Monte Alto, Aparecida do Monte
Alto, foram apenas mencionados superficialmente, em poucas e minúsculas
linhas e sem maiores explicações.
Com o conflito, o jornal passa a atuar como panfletário. Quanto às
notícias do front de batalha, estas eram poucas. Os artigos, vindos de São Paulo,
também eram omissos e carregados de falácias, maniqueísmos, retórica,
inverdades e ufanismo. Infere-se, a partir disso, que tais notícias eram veiculadas
muito em função de manter o ânimo da população exaltado, ou seja, com a
moral elevada. Em muitas situações, como na notícia abaixo, conseguimos
constatar inversões de situação:

43
Amadeu Olivério, intelligente moço montealtense, visitou a
nossa redação, pela tarde quinta-feira última, e depois de
externar sobre a ação do Exército Constitucionalista, na
zona de Itapira, disse que o ânimo de nossas forças é
excellente e que o Exército Ditatorial está em franco
declínio. Asseverou-nos que a munição é farta e que a
distribuição do serviço de campanha é sob rigorosa
disciplina militar e de vivo entusiasmo. Nestas condições é
bem possível que a ditadura brasileira, tenha de render mui
breve, dadas as suas columnas indisciplinadas, influírem
para a debandada constante dos mercenários dictatoriaes (A
Semana, 1932, 158, p.2).

Afirma-se isso tendo em consideração o consenso dentro da historiografia


brasileira e outras inúmeras fontes, que tratam do conflito, que a carência e a
precariedade em todos os sentidos imperavam dentre as forças
constitucionalistas e não dentro do exército brasileiro.
A despeito do insucesso do movimento constitucionalista, pode-se afirmar
que se extraíram, de todo o fenômeno, pontos positivos no que diz respeito à
mobilização popular e civismo. Pelas páginas do semanário é possível captar
uma efervescência política, um envolvimento e uma deferência dos cidadãos às
demandas. Em conseqüência, as edições, daquela data em diante, promoveriam
constantemente conteúdo de caráter político, escrito muitos deles por citadinos.

1.3 A volta do debate acerca da reconstitucionalização

Findada a guerra civil de 1932, em início de outubro daquele ano, e com


ela a resignação paulista perante os fatos, o foco do debate do periódico volta a
ser, deste marco até todo ano de 1933, as eleições para a formação da assembléia
constituinte e o processo de reconstitucionalização do país; a estes, segue em

44
LPSRUWkQFLD D IRUPDomR GD ³)UHQWH ÒQLFD 3DXOLVWD´ 23 e a coesão de todas as
entidades políticas paulistas em torno do objetivo.
Deste modo, segundo os articulistas de A Semana, a futura constituição
deveria ser eminentemente liberal, que visasse pelas liberdades e que garantisse
os direitos individuais dos cidadãos. Quanto ao regime, necessário o
estabelecimento de uma república federativa, donde esta pudesse garantir a
liberdade e autonomia para os estados e que atuasse como um escudo contra as
³LQYLiYHLV´DVSLUDo}HVXQLWDULVWDVHFHQWUDOL]DGRUDV GDGDVDGLVWkQFLDHIDOWDGH
comunicação). Em suma, estamos diante, em fins de 1932, de uma situação de
reconstrução nacional, de um debate sobre quais formas são as mais pertinentes
para o Brasil e sobre as novidades que se abrem a partir da outorga do código
eleitoral da época (voto secreto e possibilidade de voto feminino).

1.4 A linha editorial de A Semana nos idos de 1932-33

Quanto ao perfil ideológico ou linha editorial do jornal A Semana, por tais


evidências antes descritas, pode-se, de início, prematuramente classificá-lo
como de linha editorial liberal. Entretanto, a partir das vicissitudes da conjuntura
histórica nacional e internacional (ascensão e difusão do nazifascismo e
derrocada das democracias liberais), o semanário se torna um paradoxo e uma
contradição, ao flertar e compactuar, às vezes, com medidas ³FHQWUDOLVWDV´ GR
JRYHUQR QDFLRQDO ³YDUJXLVWD´ H GH RXWURV GH VHPHOKDQWH QDWXUH]D $VVLP DR
oscilar e gravitar por elementos de outras correntes ideológicas, difícil
classificar com segurança um perfil ao semanário.
Logo, o ponto de inflexão (que será tratado mais adiante) do jornal será o
despertar e a popularização da ideologia integralista para Monte Alto.
Mormente, se ter em conta a sintonia/identificação do editor deste jornal

23
$VRFLHGDGHFLYLOPRQWHDOWHQVHHVXDVHQWLGDGHVSRUVXDYH]IHFKDUDPFRPD³)UHQWHÒQLFD
3DXOLVWD´HP
45
(Antônio Carlos Villas Boas) com o integralismo. Com isso, há um
compromisso pela difusão e seu catecismo em colunas e notas semanais ao
público24.

1.5 A reconstitucionalização do país, do estado de São Paulo e as


primeiras eleições

A reconstitucionalização do país foi um tema amplamente discutido desde


o fim do levante de 1932 no jornal A Semana. Concluído o processo, em
instância federal, restava aos estados brasileiros deliberarem e promulgarem
suas respectivas leis. Segundo as páginas, e obviamente por quem escreve os
textos, estar sob uma ordem constitucional representava VHU ³FLYLOL]DGR´ 1D
edição de 22 de julho de 1934, o semanário trouxe um texto do General Klinger
sobre a importância da lei para os povos civilizados da Terra.
Em agosto daquele ano, o jornal destacava a proximidade das eleições
estaduais e os fatos inéditos, em nosso estado, da abertura ao voto feminino e do
voto secreto. Importante, sobretudo se ter em mente que o eleitor não seria mais
possivelmente coagido no momento pleito:

Desde que foi promulgada a nova constituição, o Brasil


vive no seio da lei, princípio fulgurante em que a justiça e o
direito congraçados terão amplas finalidades. (...) Com a
Nova República, com certeza será formada a política
partidária nos Estados da União Brasileira, garantida pela
influência da recente legislação eleitoral.
O pleito de outubro virá configurar a excelsitude, porque os
eleitores terão opportunidade de exercerem os seus deveres

24
O integralismo tem sua primeira nota de importância no A Semana de 19 de novembro de 1933
quando uma comitiva de adeptos integralistas dos núcleos vizinhos de Jaboticabal e Taquaritinga veio
apresentar a ideologia e teoria às pessoas desta cidade. Nos pontos importantes da fala do apresentador
reproduzidos em nota, destacam-se: a democracia como algo ultrapassado e integralismo como uma
DGYHUWrQFLDjVPDQLIHVWDo}HVPDOpILFDVGDDWXDOLGDGHGHpSRFDSRUILPIRLGLVWULEXtGRjVSHVVRDV³2
PDQLIHVWRGH´
46
sem coação, embora tenham suas opiniões formadas nas
respectivas correntes políticas (A Semana, 1934, 248, p.1).

No dia 18 de novembro de 1934 o jornal publicou a apuração dos votos na


cidade de Monte Alto e seus distritos (Palmares, Vista Alegre, Aparecida e
Fernando Prestes); havia na cidade25 de Monte Alto 1552 eleitores. Naquela
oportunidade, o Partido Constitucionalista ficou na primeira posição com uma
pequena margem de vantagem ao PRP.

2 Os jornais como promotores dos grupos políticos

2.1 Preâmbulo ao capítulo

A partir da análise dos dois jornais, constata-se que, na conjuntura de


reconstitucionalização e redemocratização brasileira, existia um vácuo
ideológico no ethos político nacional. Assim, objetivamente, surgiram grupos
políticos ansiando preencher esse vazio a partir de suas respectivas ideologias.
7DQWR RV ³LQWHJUDOLVWDV´ FRPR ³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´ GHVHMDYDP LPSULPLU VXD
marca na nova configuração política brasileira que estava se delineando/forjando
QRLQtFLRGRV³7ULQWD´'HVWDPDQHLUDQDYLVmRGRVJUXSRVSROtWLFRVDQWDJ{QLFRV
R%UDVLOSUHFLVDYDGHXPDFRQGXomRXP³UXPR´SROtWLFRGLIHUHQWHGRDQWHULRUH
inovador no que tange a dar conta das novas demandas da sociedade complexa
de então.

2.2 Sobre o periódico A Semana, o despontar do Integralismo em


Monte Alto e a afirmação da linha editorial integralista

25
Só na cidade de Monte Alto. Se somados os distritos, os votos iam além de 3000.
47
Ao observar as edições de A Semana, nos anos de 1934-35, é possível
QRWDUJUDGDWLYDPHQWHDDVFHQVmRGHVSRQWDUGDLGpLD³LQWHJUDOLVWD´QRVHPDQiULR
preenchendo espaço considerável, cativando os escritores do periódico e sendo
assumida como paradigma de linha editorial. Especialmente a partir do segundo
semestre de 1934 matérias e textos de cunho integralista são veiculados pela
mídia. Muitos são reproduzidos de periódicos integralistas da capital; alguns são
escritos por redatores do jornal26; posteriormente, pelo encarregado da
propaganda do núcleo e muitos não tem assinatura (anônimos). De maneira
geral, esses textos, inclusive os assinados pelo pessoal do núcleo, reproduzem a
cartilha prescrita pela sede da AIB e seu manifesto.
Por outro lado, as edições de A Semana também revelam o clima de
instabilidade social, política econômica que o Brasil e o mundo viviam à época.
Instabilidade essa gerada pelos desdobramentos da crise de 1929 e a crise das
liberais democracias. No Brasil, segundo as páginas do jornal, o cenário de
principal atrito se dá entre as ideologias e grupos antagônicos de direita e de
esquerda (Ação Integralista Brasileira (AIB) e Aliança Nacional Libertadora
(ANL) - PCB). Nota-se um clima de apreensão, pois, naquela época, em São
Paulo, capital, aconteceram muitos distúrbios e incidentes entre adeptos das duas
correntes.
No que concerne ao conteúdo dos textos integralistas (a maioria
panfletários), eles expõem a natureza apartidária, conservadora e nacionalista da
doutrina e grupo. Coloca o Integralismo como uma nova força sociopolítica que
traria ordem e serviria como orientadora dos rumos e a elevação do Brasil:

Surge no Brasil a corrente de novas investidas políticas,


desejando a renovação da pátria longe de competições
partidárias, isto é, a unificação de princípios elevados,
visando unicamente o nacionalismo como ideal dessa
geração que desperta reconhecendo os valores (...) como
26
Uma informação importante diz respeito a Manoel Soares, pessoa que escreve artigos para o jornal;
quando da fundação do núcleo local, ele foi nomeado coordenador.
48
doutrina, o integralismo é de fato a única força construtora
para orientação política, porque sua ação se desenvolve no
seio das reivindicações sociais dos povos civilizados (A
Semana, 1934, 243, p. 1).

Enfim, ele desponta como idéia/meta e atuaria como panacéia para o


grande doente, o Brasil. Ademais, muito se trabalha a idéia da integridade da
família cristã como preservadora da ordem e dos bons costumes, a disciplina dos
moços, a educação moral e cívica da criança (pois viam na menoridade a chave
para uma educação ideológica), a revolução espiritual (pois, o integralismo, na
visão de seus articuladores, não traz um programa e sim uma doutrina com
princípios; é como uma ação social para a renovação do pensamento político
nacional e regeneração da nação), o fortalecimento dos aspectos físico, moral e
intelectual do homem, a inclusão de raça e gênero, etc. Em suma, os teóricos
desejavam difundir e incutir nas pessoas valores que proporcionariam à nação
uma maior coesão com atitudes e procedimentos diferentes daqueles liberais,
individualistas e mundanos até então em voga.
'HQWUHRVWH[WRVGR³VLJPD´PRQWHDOWHQVHFKDPD-se a atenção para dois,
em especial, escritos pelo (à época) estudante de direito montealtense, em São
Paulo, Neville Riemma. Pelas linhas de Riemma é possível afirmar que os
integralistas possuíam um projeto político de futuro (com nítidas nuances de
totalitarismo) onde o Estado integral era o escopo. Para ele, em um Estado
integral existiria a necessidade de uma unidade de consciência, pensamento e
identidade. Todos, neste Estado, deveriam participar de uma obra de
reconstrução nacional mediante um princípio que vigoraria no integralismo:
concordata (acordo entre partes; ajuste). Ademais, as crenças seriam admitidas,
³VDOYRTXDQGRQmRFRORFDUHPULVFRDLQWHJULGDGHGDQDomRHDRUGHP´ 9LGH$
Semana, 1935, 284). Em outro momento, o mesmo cita Alberto Torres (1865-
1917) como aquele pioneiro que, em seus escritos, desvelou os males que
DVVRODP R %UDVLO GHQWUH HOHV D REVHVVmR SHOR H[yWLFR 7RUUHV R ³SUHFXUVRU GD

49
UHYROXomRLQWHJUDOLVWD´FULWLFDYDRVSROtWLFRVEUDVLOHLURVSHORGHVYLRGHFRQGXWD
pela finalidade de perpetuação no poder, indiferença para as coisas públicas e
pelo excesso de individualismo; Riemma aponta a abnegação de Torres (em fins
de carreira) à política, a sua manutenção da moral e ética. Profetiza Salgado
como aquele que substituiria a altura o primeiro. Por outro lado, quanto à
política de Estado HPVLGH7RUUHVD6DOJDGRpSUHPHQWH³DQHFHVVLGDGHGHXPD
guinada ao nacionalismo econômico para que este proteja a nação e o seu
SUROHWiULRGDVQRFLYLGDGHVGRFDSLWDOHVWUDQJHLUR´ $6HPDQDS 
Além, uma política corporativa, pois, na sua leitura, o povo não tinha capacidade
FUtWLFD SDUD GLVFHUQLU D ³UHDO SROtWLFD´ )LQDOL]DQGR WDO UDFLRFtQLR VREUH D
³RUDomR´GH1HYLOOH5LHPPDDFDGrPLFRGHGLUHLWRR%UDVLOSRVVXtD³FKDJDV´H
o Integralismo despontava como uma renovação espiritual e panacéia para
erradicação dessas supostas doenças. Para ele, o integralismo era uma ideologia
³JHQXLQDPHQWH EUDVLOHLUD´ H ³RV FDPLVDV-verdes (...) fadados a construir um
%UDVLOQDEDVHGHVXDVUHDOLGDGHV´ A Semana, 1935, 277, p.1).

2.2.1 Sobre a fundação do Núcleo Integralista Montealtense

No que tange à fundação do núcleo integralista de Monte Alto, pode-se


afirmar com segurança que, sem contar a influência que vem dos estudantes
montealtenses na capital, em principal do estudante de direito, Neville Riemma,
os núcleos das cidades vizinhas de Jaboticabal e Taquaritinga tiveram um papel
decisivo na organização e difusão do catecismo integralista nesta cidade. Em
setembro e outubro de 1934, o jornal A Semana veiculou que foram organizados
por aqueles colóquios e desfiles em Monte Alto para orientação e
esclarecimento à população da idéia integralista. Consta no semanário que no
dia 28 de outubro de 1934 aconteceu a primeira reunião do núcleo integralista
local. Nela foi marcante a presença de profissionais liberais, sobretudo
advogados e professores. No jornal ainda são divulgadas propagandas
50
convocando os simpatizantes para que fossem até a sede provisória para
inscrições, esclarecimentos e participação. Assim, tal mês de outubro daquele
ano foi emblemático no que diz respeito à idéia e a causa integralista em Monte
Alto e no jornal.
Nesse mesmo mês ocorreram também as eleições para a Assembléia
Legislativa em São Paulo. Já com coluna permanente, escrita pela comissão
coordenadora, os integralistas criticaram ferrenhamente a nova carta
constitucional, afirmando que a mesma traria em seu bojo a orientação
VHPHOKDQWH H PDO VXFHGLGD GD FDUWD SDVVDGD ³R SULQFtSLR TXH PRYHX D QRYD
constituição republicana foi restabelecer o regimen neste paiz. Agora são
passados os dias de agitação política, mas, perdura a nação brasileira com suas
HQIHUPLGDGHV´ $6HPDQDS $OpPGLVVRRQ~FOHRRULHQWRXVHXV
simpatizantes a não votarem em candidatos de esquerda ou aqueles avessos ao
cristianismo e ao próprio integralismo. Ademais, na observação das edições,
nota-se que a idéia integralista acumulava força dentro do universo popular.
Entretanto, não dá para medir se isso era decorrente de uma moda, curiosidade
ou mesmo identificação. Tudo não passaria de mera especulação da parte deste
que aqui escreve.
Em 1935, o Núcleo Integralista local, segundo as notas, manchetes e a
coluna integralista, estava estabelecido. Dividido em inúmeras secretarias e
departamentos, o grupo tinha à frente personalidades da elite montealtense
(profissionais liberais em sua maioria) na condução das atividades e catecismo
revolucionário.
Em 14 de julho daquele ano aconteceu, no Cine-Teatro Guarany, uma
conferência integralista e a Cerimônia oficial27 de abertura do núcleo integralista
montealtense em que 29 jovens foram prestar juramento e o chefe local foi
tomar posse. Em seu discurso28 de juramento e posse, José Zacharias de Lima,

27
Como relatado anteriormente, o núcleo funcionava provisoriamente desde outubro de 1934.
28
Jornal estampa o discurso na íntegra.
51
empossado chefe do núcleo local, atentou para o perigo comunista, os
desmandos políticos que acometeram e acometiam, naquela conjuntura, a pátria.
&LWD3OtQLR6DOJDGRD³EDQGHLUDGR6LJPD´FRPRDOJXpPTXHYLDDQHFHVVLGDGH
de construir um Brasil forte, a partir de uma revolução de idéias, nos costumes e
na política; que combateria a iniqüidade social, a nocividade da política
SDUWLGiULDHD³WRUSHHREVROHWDOLEHUDO-GHPRFUDFLD´ $6HPDQDS 

2.2.2 Sobre o catecismo integralista, a difusão integralista, as aulas


de civismo, a simbologia e a ênfase na educação física.

Pelas páginas das edições de A Semana, nota-se que sua intelectualidade


se dedicava à causa com muito afinco. Consta que o núcleo atendia diariamente
seus correligionários e aplicava aulas de civismo e seu catecismo ideológico.
Ademais, passeatas e atividades esportivas eram constantemente agendadas na
FLGDGH RX QDV ³VHUUDV´ Cuestas) de Monte Alto. Nessas, a educação física
ganhava destaque, pois, para o integralismo, o homem (num sentido universal
que abrange os dois gêneros) deveria ser forte e belo no seu triplo aspecto:
moral, físico e intelectual29. Em 17 de julho de 1935, a Coluna Integralista
veiculou matéria que nos faz lembrar certa obsessão que orientou por uma época
(fins do século XIX e primeiro terço do XX) a civilização ocidental, a eugenia:

A Ação Integralista Brasileira, compreendendo o alcance


da Educação Physica na finalidade de seu grande
movimento nacional, não descuida de sua propaganda e de
sua aplicação imediata. Trabalhemos pela eugenia do nosso
povo, pela definição étnica de nossa gente (A Semana,
1935, 290, p.1).

A intelectualidade do núcleo integralista montealtense também se


empenhou para colaborar na difusão da doutrina. Visitas ao distrito de Vista

29
(OHPHQWRVHVVHVTXHFRQYHUJHPSDUDR³WLSRLGHDO´DOHPmRSUHVFULWRSHORQD]LVPR
52
Alegre do Alto e Aparecida foram empreendidas para levar ao conhecimento das
pessoas daquele território a ideologia integralista. Portanto, do mesmo modo que
o núcleo de Monte Alto recebeu a influência dos núcleos das cidades vizinhas de
Taquaritinga e Jaboticabal, ele colaborou no processo de difusão da ideologia
para os distritos montealtenses.
Em todas as atividades é possível notar que houve toda uma formalidade e
simbologia prescrita nas cerimônias. O jornal de 1 de setembro de 1935 revela
que, naquela semana, houve comemorações no núcleo muito em função do
recebimento de uma bandeira integralista por Neville Riemma e um grupo de
estudantes integralistas vindos de São Paulo. Todo cerimonial estava revestido
GDV ³RUDo}HV´ D VDXGDomR $QDXr  R KLQR QDFLRQDO HWF . Em 07 de outubro
DFRQWHFHXDQRLWHGRV³WDPERUHVVLOHQFLRVRV´VHXiSLFHVHGHXjVKRUDVIRLR
primeiro aniversário da fundação do núcleo montealtense.
Sobre o quesito religião, em 8 de setembro de 1935, por exemplo, a
coluna trouxe nomes de personalidades integralistas que possuíam religiões
diversas; o intuito era dar a impressão que o integralismo não deveria ser
associado com um movimento clerical exclusivamente católico, mas agregador
de várias religiões cristãs. Entretanto, nesta cidade, o integralismo teve uma
receptividade muito grande entre os católicos.
Outro ponto a se destacar, nessa análise descritiva do núcleo, diz respeito
às mulheres e as divisões departamentais por gênero. A participação feminina,
segundo as notas, foi grande; se tiver em mente que até então, a participação das
mulheres em organizações político-culturais era exígua, interessante admitir que
o integralismo permitiu uma abertura política feminina no cenário:

Continua empolgando toda a nossa cidade, o glorioso


movimento integralista. A chefia municipal não tem
medido esforços para o bom desenvolvimento do núcleo
local.
Fundado há poucos dias o Departamento Feminino, já conta
com elevado número de moças de todas as classes sociais.
53
Na última sexta-feira, 29 (de agosto) do mez p. findo,
houve uma sessão solemne, na séde, em homenagem Às
novas integralistas que nesse dia vestiram pela primeira
vez, a symbolica blusa verde. Diante de considerável
assistência que encheu totalmente a séde e ainda o
espaçosos corredor alli existente, foi dado início a sessão,
cantando todos os integralistas o Hymno Nacional (A
Semana, 1935, 285, p.1).

Dentro das secretarias e departamentos femininos uma mulher, em


especial, assumia uma liderança e chefia: era Dolores Riemma, familiar de
Neville Riemma.

2.2.3 A defesa e reação integralista perante os difamadores

Por todo ano de 1935, principalmente em sua segunda metade, os


integralistas se defendiam a partir das páginas do jornal A Semana de calúnias e
difamações que supostamente eram lançadas por pessoas desta cidade ou de
outras. Precisar a quem eles respondem é impossível (entretanto, possível
apreender que seriam para adeptos das correntes antagônicas). Logo, essas
respostas assumem uma conotação didática, uma vez que os responsáveis pelos
textos utilizavam o jornal para tentar instruir a população do que vinha a ser
³UHDOPHQWH´RLQWHJUDOismo.
Os textos (matérias e colunas) enfatizavam a natureza apartidária do
grupo; segundo eles, os partidos representavam interesses parciais da nação,
enquanto que o integralismo visava atender única e exclusivamente
(integralmente) a nação; ademais, a ideologia não trazia um programa e sim uma
doutrina com princípios. Enfim, o integralismo era visto como uma ação social
para a renovação dos valores, a criação de uma nova mentalidade política e,
sobretudo, uma salvaguarda dos interesses reais da nação brasileira. Enfim, um
projeto para o novo cidadão brasileiro baseado em um tripé sagrado. Veja-se

54
aqui uma resposta do chefe do núcleo local, José Zacharias de Lima, perante os
difamadores. Nela se percebe as nuances do pensamento conservador do grupo:

É deveras interessante a atitude dos inimigos gratuitos do


integralismo no Brasil (...) Em primeiro lugar nos
combatem sem sabermos quaes os motivos dessa guerra
injusta que estamos sofrendo (...) Todos os brasileiros já
estão cansados de saber que não temos inimigos pessoaes e
que não combatemos este ou aquelle partido político, mas
sim o regimen: combatemos a chamada liberal democracia.
(...) Cumpridores fiéis da nossa doutrina, vemos em cada
adversário, mas não um inimigo a combater, mas sim, um
irmão a cathechisar. (...) Não temos dado motivo para
sermos perseguidos, entretanto, vivem por ahi afora a
chamar-nos de periquitos, papagaios, galinhas-verdes, club
de varsea... etc. Porque tudo isso, contra a mocidade
brasileira? (...) Será que quem defende a trilogia bendita de
Deus, Pátria e Família, devem ser achicalhados? (A
Semana, 1935, 286, p.1).

Como resposta ou contra-ataque, os integralistas tinham os liberais


(constitucionalistas e PRP) por aquilo que representava o que havia de mais
ultrapassado, mesquinho, corrupto, individualista e egoísta dentro de uma nação
(alguns fatores convergem para edificar esse argumento integralista; dentre eles,
atenta-se aqui para a crise social e das liberais-democracias ocidentais e a
conseqüente guinada à direita e ou governos com forte cunho intervencionista).
Quanto aos comunistas, um perigo exótico que representava a encarnação do
mal e o desmantelamento da religião, família e moral cristã. Em suma, ambos,
liberalismo e comunismo, deveriam ser combatidos.

2.2.4 Sobre o Partido Constitucionalista no jornal A Semana

Da mesma forma que (conforme irá se tratar mais adiante) o jornal Folha
de Monte Alto não abre espaço para difusão de amplos textos sobre os
integralistas, o homólogo A Semana, por sua vez, e de maneira pioneira, fez o
55
mesmo com os constitucionalistas; o que se constata são apenas breves notas
sobre formação, encontros, reuniões e decisões da sigla. Talvez apenas dois
fatos tenham proporcionado um diálogo e dissenso entre os semanários 30 e os
grupos antagônicos. Vamos a eles.
O primeiro (que se torna um parêntese em nossa análise) diz respeito à
perda territorial (desmembramento) que Monte Alto sofre dos seus (até então)
distritos de Palmares, Fernando Prestes (as duas se tornam cidades emancipadas)
e partes de Ibitirama e Aparecida do Monte Alto. Fruto de um decreto31 do
JRYHUQDGRU ³SHFHtVWD´ $UPDQGR GH 6DOOHV D SHUGD GH VXEVWDQFLDO SDUWH GR
PXQLFtSLRDEDORXDFLGDGHHH[DOWRXRVkQLPRVGD³UHDO´SROtWLFDPRQWHDOWHQVH
Assim, um ator político que não é aqui analisado -o PRP montealtense- atacou
constantemente, em A Semana32, o PC pela suposta medida discricionária
WRPDGDSHORHQWmRJRYHUQDGRU³SHFHtVWD´(PUHVSRVWDD Folha de Monte Alto
deu abertura ao PC local para contra-argumentar ou contra-atacar. Quanto ao
segundo fato, este diz respeito a uma desavença que gerou acusações, réplicas e
tréplicas nos jornais envolvendo um vigário que, supostamente, teria orientado
seus pupilos integralistas a votar no PRP33.
Finalmente, assiste-VH D SRXFR GLVVHQVR HQWUH ³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´ H
integralistas; mesmo porque o PC era pragmático e só dirigia ataques aos
adversários em momentos de campanha política. Genericamente, pode-se
afirmar que foram constatadas poucas polêmicas envolvendo ataques entre os
dois jornais em 1935 (o único em que os dois jornais estão ativos).

2.3 O periódico Folha de Monte Alto como promotor e panfletário


do Partido Constitucionalista
30
A Folha de Monte Alto já havia sido lançada.
31
Pelo decreto lei n 7354.
32
Apesar de condenar a medida do intendente, o Núcleo Integralista Montealtense não toma parte da
TXHUHODSROtWLFDTXHHQYROYHGLUHWDPHQWH3&H353ORFDLVDWRUHVGDTXHODTXHYHUHPRVFRPR³UHDO
SROtWLFDPRQWHDOWHQVH´
33
Vide Folha de Monte Alto (25/07/1935).
56
2.3.1 Uma visão rápida e genérica do periódico

A análise da Folha de Monte Alto é mais complexa comparada ao A


Semana. Lança-se tal afirmativa muito em função de que o periódico assume
uma posição panfletária34 permanente promovendo os interesses do PC e
visando seu sucesso nas eleições. Assim, a mídia propagandeia uma campanha
DWLYD TXH HVWDPSD D ³FKDSD´ R SHUILO dos candidatos constitucionalistas e
manifestações político-ideológicas somente em períodos que antecedem
HOHLo}HV³-iGLVVHDLOXVWUDGDFolha de Monte Alto, que a chapa do PC não podia
ser mais feliz. Constitui-se dos elementos mais representativos da nossa
sociedade, do elemento intelectual da comarca como das classes productoras,
ID]HQGHLURV H FRPPHUFLDQWHV´ )ROKD GH 0RQWH $OWR   S  6HQGR
assim, com isso caracterizado, pode-se afirmar que o jornal possuía explícita
linha editorial de paradigma partidário (ligada ao Partido Constitucionalista).
Dessa forma, ele não se preocupava com questões importantes como
objetividade e imparcialidade na veiculação de manchetes. Isto posto, o desafio
de conseguir distinguir ideologia e pensamento político de pragmatismo político
eleitoral é complicado. Do mais, o jornal se assentava sobre matérias e colunas
inócuas e vazias; ou que chamavam a atenção para a conturbada e perigosa
conjuntura política internacional que se apresentava e vislumbrava.

2.3.2 Por uma defesa da liberal democracia e a superação de uma


SROtWLFD³YLFLDGD´

Pelas páginas do periódico Folha de Monte Alto se percebe a defesa


aberta da liberal democracia e dos valores inerentes. Segundo quem escrevia as

34
Existia uma comissão permanente de propaganda do PC local responsável pela produção das
matérias e panfletos.
57
colunas e matérias, tratava-se do regime mais nobre existente; nobre porque
dava abertura para que o povo tomasse contato com a política, participasse e
HVFROKHVVH VHXV UHSUHVHQWDQWHV -XVWDSRVWR D LVVR RV ³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´ H R
PC, por aquele jornal, intitulavam-se herdeiros do movimento de 1932, um
movimento pró-democracia que lutou pela constitucionalidade da nação. Do
mais, periódico e partido defenderam a superação da política oligárquica
³SHUUHSLVWD´HXPDSURPRomRGHXPD³GHPRFUDFLDEHPSUDWLFDGD´RULHQWDGDSRU
uma ética e moral política. Dito isto, constatou-se que o diálogo e debate
político se travavam com o PRP e não com os integralistas, uma vez que esses
últimos se recusavam a participar do jogo político local, ou seja, das eleições no
município.
Em seus inúmeros ataques ao PRP, o jornal Folha de Monte Alto o
acusava (inclusive o PRP local) de improbidade administrativa, negócios
escusos e manipulação eleitoral. Dessa forma, e a partir do que fora antes citado,
o PC queria passar uma imagem de portador de um novo paradigma de política
democrática, despida ela da era dos vícios oligárquicos da República Velha
³SHUUHSLVWD´ $OpP H VHJXLQGR QHVWH UDFLRFtQLR XPD VXSHUDomR GH XPD IRUPD
elitista de administrar o país, ou seja, uma busca e uma vontade de aproximação
e prestação de contas aos eleitores dos atos tomados pelos
representantes/governantes e a defesa de uma democracia como promotora das
liberdades sociais, direitos naturais, garantias individuais e dos valores
constitucionalistas. Logo, por mais paradoxo que pareça, o periódico, a partir de
VHXV DUWLFXOLVWDV HQWRRX ORDV H DSRQWRX D ³5HYROXomR GH RXWXEUR´ FRPR
necessária para quebra de uma ordem viciada, conduzida ela pelo PRP. Por
outro lado, como apontado acima, o jornal e a comissão de propaganda do PC se
preocupavam muito mais em atacar o PRP a manifestar suas intenções, debater
projetos para a cidade ou uma ideologia política.

2.3.3 As eleições municipais de 1936


58
Em 1936, o periódico Folha de Monte Alto atuou, como fora antes citado,
como panfletário do Partido Constitucionalista na campanha para as eleições
municipais. Nas edições que antecedem ao pleito há mais ataques ao PRP a
manifestações e proposições acerca de um projeto político por parte do partido.
Em todo caso, a plataforma política gravitava pelas virtudes da liberal
democracia, pela idoneidade e ética de seus integrantes sem vínculos com o
PRP. Quanto a este último partido, associavam-no a uma época de iniqüidades e
desmandos políticos. Além, é possível constatar o teor da campanha
³FRQVWLWXFLRQDOLVWD´ a sua leitura dos adversários e a militância em torno do
Partido. Em 05 de março de 19KiXPDPDWpULDLQWLWXODGD³(VFkQGDOR´TXH
WUDWDVREUHRVXSRVWRDOLFLDPHQWRRUJDQL]DGRSRUSROtWLFRV³SHUUHSLVWDV´D3OtQLR
Salgado35 (quando de sua visita a Monte Alto) para estabelecer uma coalizão
integralistas-PRP para eleições locais. Em tom de indignação, a manchete relata
uma proposta absurda rejeitada subitamente pelo líder integralista. Por outro
lado, de forma geral, na campanha do PC, há uma comparação de épocas; um
anseio de promoção política a partir da associação do adversário com uma época
GHH[WUHPDQHJDWLYLGDGHRSUHVVmR³FDEUHVWR´HFRUUXSomRSROtWLFD

Há poucos dias teve a cidade de Monte Alto o prazer de


hospedar o chefe nacional integralista, Sr. Plínio Salgado.
Todo Monte Alto compareceu à reunião onde ouviu com
atenção a oração do chefe nacional.
Foi um belo movimento de civismo do nosso povo, que ali
comparecendo, mostrou os seus grandes sentimentos de
democracia, quaes sejam os de dar aos inimigos do próprio
regimen a mais ampla liberdade de propaganda (...).
No tempo perrepista, em que o voto secreto era postergado
para o plano inferior das idéias mortas e inviáveis,
verdadeiro flagelo social, só pregado pelos inimigos do
UHJLPHQ³GHOOHV´TXHm se abalançaria a ser da oposição e

35
Plínio Salgado fez uma visita de um dia a Monte Alto em meados de 1935 e finais de fevereiro de
1936.
59
muito menos a ser contra o regimen? (Folha de Monte Alto,
1936, 42, p.1).

Findado o período de campanha e pleito, o PC venceu as eleições


estaduais para Câmara dos deputados e governador naquela conjuntura; da
mesma forma, na cidade de Monte Alto não foi diferente: também foi constatada
a supremacia36 ³SHFHLVWD´QDVXUQDV3RUXPDYLWyULDDSHUWDGDR3&YHQFLDQDV
eleições o PRP. Paulo de Campos Gatti foi eleito prefeito, apesar de ter
conseguido menos votos que Dr. Raul da Rocha Medeiros (Logo, isso se deu em
YLUWXGH GRV YRWRV WRWDLV HP TXH RV ³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´ REWLYHUDP TXDVH 
YRWRV GH GLIHUHQoD HP UHODomR DRV DGYHUViULRV ³FDUFRPLGRV´  (QWUHWDQWR DV
eleições não foram isentas de polêmicas. Destacam-se aqui as denúncias
(publicadas no Correio Paulistano) pelo lado do PRP de compra de votos e
LQWLPLGDo}HV GR HOHLWRUDGR SRU SDUWH GRV ³SHFHLVWDV´ SRU RXWUR ODGR QR MRUQDO
Folha de Monte Alto, as eleições transcorreram na mais perfeita harmonia. Dois
vereadores do PC sofreram investigações. Por fim, as candidaturas foram
aprovadas, os dois foram diplomados e tomaram posse.
Finalmente, digno de nota atentar que, apesar de ter sua imagem
denegrida à época por muitos, e de não auferir postos no executivo em âmbito
estadual e neste município, o PRP ainda gozava de relativa importância no
cenário político paulista e municipal. Em Monte Alto obteve votação expressiva.
Quanto aos integralistas, importante lembrar que não participaram do pleito.
Assim, por meio de dados37 relatados anteriormente, pode-se vislumbrar um
pacto nas eleições entre integralismo e PRP. Porém, são especulações a partir de
GDGRVHVSDUVRV0DVTXHSRGHULDUHVSRQGHUDH[SUHVVLYDYRWDomR³SHUUHSLVWD´

36
No que diz respeito a números, naquela eleição de março de 1936, segundo o jornal, 2353 eleitores
votaram no pleito de Monte Alto.
37
Um fato digno de nota é que em 14/03/36 a Folha de Monte Alto SXEOLFDTXHRMRUQDO³FODQGHVWLQR´
(ou seja, que não circula mais como antigamente, de forma legal e transparente) A Semana, associado,
segundo o periódico, ao PRP, veiculou notícias denegrindo a imagem de integrantes do PC local. A
notícia interessa, entretanto, apenas no que toca A Semana, pois não há no arquivo edições deste jornal
no ano de 1936. Outro ponto destacável é que o proprietário até as últimas edições abria muito espaço
do seu jornal para os integralistas.
60
2.3.4 A reconstitucionalização do estado nas páginas de a Folha de
Monte Alto

A reconstitucionalização do estado e a volta do município a uma condição


de legalidade constitucional foi ao que parece um fato de extrema importância e
relevância no meio social. Após seis anos, o estado de São Paulo voltaria a ter
sua própria constituição e o município, sua câmara de vereadores. Assim,
decorrido esse tempo, o país de forma integral poderia, segundo os princípios
que norteavam aquela sociedade, ostentar algo que lhe proporcionaria um grau
civilizacional, sua carta de leis em todas as instâncias.
Em 6 de setembro de 1936 o jornal estampa a data do acontecimento de
posse dos vereadores e prefeito Gatti para o dia 17 daquele mês e ano. Ademais,
a matéria chama a atenção para o que eles entendem como momento singular de
volta a uma plena ordem de constitucionalidade e a conseqüente instalação do
Poder Legislativo Municipal, fruto ela da luta de São Paulo e de seus cidadãos,
no ano de 1932, pela causa constitucionalista:

Fundiu-se, dentro da experiência da memorável campanha


constitucionalista o amálgama de um espírito novo; a
mocidade de agora quer para o Brasil redimido dos erros
dos seus homens, uma pátria iluminada pelos ideais da
moderna mentalidade. A geração moça da terra reponta
marcando uma nova Era para a história do Brasil.
Purificada no calor das cinzas daquelles que tombaram no
campo da lucta porque se offereceram em holocausto para o
bem de São Paulo, porque o fizeram para o bem do Brasil.
(Folha de Monte Alto, 1936, 72, p.1)

Em 13 de setembro de 1936, a matéria veicula a volta do município à


situação de ordem legal, a reconstitucionalização como oportunidade de
redenção dos erros da primeira república e a exaltação aos vereadores eleitos

61
pelo PC como aqueles que defenderão os interesses da Comarca a partir de seus
³KRQRUiYHLV´LGHDLV

2SLQL}HVGRV³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´DFHUFDGRVLQWHJUDOLVWDVH
o Núcleo Integralista nas páginas de A Folha de Monte Alto

A Folha de Monte Alto, em nenhum momento, negou o crescimento das


fileiras integralistas na cidade e a aceitação popular do fenômeno. Logo, apesar
de constatar o crescimento considerável, agia para com o grupo com certa
indiferença, ironia e criticava a natureza da ideologia/práxis integralista como
um todo. Vez por outra, os colunistas do jornal debochavam da postura e
simbologia integralista. Por outro lado, em outros momentos, chamavam a
atenção da sociedade para a natureza extremista do movimento. Em 1 de
novembro de 1936 há uma matéria reproduzida de veículo de comunicação
constitucionalista interessante sobre um discurso do governador Armando de
Salles Oliveira em defesa da liberal democracia e pregando contra ideologias
H[WUHPLVWDV FRPR FRPXQLVPR H LQWHJUDOLVPR  TXH ³OHYDP DV SHVVRDV SDUD R
H[WUHPLVPR´ QR GLVFXUVR GR UHSUHVHQWDQWH Ki XPD rQIDVH na importância e
defesa da participação popular na política democrática. Segundo ele, somente o
regime liberal democrático pode aperfeiçoar a representação. Em 15 do mesmo
mês outra matéria (Bandeira) atentou para o fato de que as liberais democracias
periclitavam no mundo em decorrência de ideologias extremistas e totalitárias.
Quanto ao Núcleo integralista local, este despontava, excepcionalmente,
na Folha de Monte Alto. Pelo que aparenta, o pequeno espaço era fruto de
compra. Dessa forma, poucas notícias eram reproduzidas38. Mas, percebia-se por
elas que o núcleo crescia e continuava ativo. Logo, durante todo ano de 1935-36

38
Em uma dessas escassas notícias, em 30/05/37, saiu uma nota interessante sobre o plebiscito
integralista a respeito da escolha do candidato às eleições presidenciais brasileiras em janeiro de 1938;
a vitória esmagadora foi de Plínio Salgado com 268 votos de 279 válidos. Disso, deduz-se que o
número de votos totais seria o número de adeptos do núcleo local: aproximadamente 300.
62
se notam palestras, festividades e atividades envolvendo o núcleo integralista
(sua natureza é próxima daquelas que antes já comentamos). Entretanto, pelas
páginas do periódico não se percebe textos com o perfil catequista (que o outro
jornal sempre veiculava) contendo ideologia e elementos de defesa do grupo.

2.3.6 Sobre as tentativas de censura ao integralismo em Monte


Alto

Um assunto que não pode se omitir é a censura e perseguição sofrida


pelos integralistas a partir de 1936 pelos órgãos de segurança pública. Dentre
alguns incidentes, em Monte Alto, em 22 de novembro de 1936, o jornal trouxe
a medida do delegado de polícia local sobre a proibição39 GRXVRGDV³FDPLVDV
YHUGHV´ H D DSUHHQVmR H UHSUHHQVmR GH DOJXPDV SHVVRDV TXH SRUWDYDP R
XQLIRUPHTXHFDUDFWHUL]DYDD$,%H³FDPLVDVYHUGHV´

Tendo o chefe municipal do núcleo integralista desta


cidade, pedido ao Dr. Delegado de polícia uma certidão
sobre si é permitido o uso da camisa verde pelos
FRPSRQHQWHV GD ³$omR ,QWHJUDOLVWD %UDVLOHLUD´ SURIHULX V
s. no requerimento apresentado em seu final o seguinte:
³,QGHILUR R SUHVHQWH UHTXHULPHQWR GHWHUPLQDQGR TXH ILFD
prohibido o uso de camisas symbolicas da AIB sob pena de
apprehensão devendo o Sr. Escrivão fazer ao interessado a
LQWLPDomR GR SUHVHQWH GHVSDFKR´ )ROKD GH 0RQWH $OWR
1936, 83, p.1).

Fica caracterizado assim censura à liberdade individual e de expressão.


Porém, na edição seguinte, o jornal veiculou uma nota que informava que
Alfredo Buzaid, juiz de direito de Jaboticabal (integralista), havia impetrado um
habeas corpus em favor dos integralistas.

39
A proibição era balizada na Lei nº 38, de 4 de Abril de 1935, que define crimes contra a ordem
política e social (Lei de Segurança Nacional).
63
2.3.7 O ano de 1937 e a campanha do periódico Folha de Monte
Alto para as eleições presidenciais

De forma geral, por todas as edições do ano de 1937, o jornal continua


propagando os valores liberais e chamava a atenção para a virada autoritária no
mundo, seja pela esquerda ou pela direita. Enfim, para eles o mundo caminhava
SDUD ³D PRUWH GDV OLEHUGDGHV´ $OpP GLVVR SHUFHEH-se que a Comissão de
propaganda do PC voltava a atuar e literalmente a atacar; e dessa vez foi pra
insuflar o nome de Armando Salles Oliveira (1887-1945) para presidente da
República.
Logo, pelo jornal, constata-se a trajetória política e a atuação daquele que
foi um interventor dentro do período de exceção; virtudes e idoneidade são
HVWDPSDGDVSDUDTXHRVOHLWRUHVQmRWHQKDPG~YLGDVDUHVSHLWRGR³GHPRFUDWD´
Salles de Oliveira. Ademais, como era costume dentro daquele regimento
eleitoral, o jornal convocava os eleitores para alistamento nos comitês do PC.
Com isso, pequenos boxes com axiomas democratas e liberais eram estampados
para atrair os eleitores para o comitê do partido de cunho liberal.
Por outro lado, como citado anteriormente, os debates políticos existiam
excepcionalmente, em um ou outro momento. O que mais se constata, nas
páginas dos periódicos, são ataques ao caráter dos adversários e aos postulados
defendidos por aqueles. Em 24 de janeiro de 1937 uma coluna estabelecia mais
que uma relação entre os métodos políticos do PRP e do Integralismo, uma
associação entre eles:

Há uma perfeita identidade de métodos políticos em Monte


Alto entre o PRP e o integralismo (...) Filho acolitado do
PRP, inspiração perrepista para enfraquecer as hostes
aguerridas do Partido Constitucionalista, não poderia o
Integralismo deixar de levar as manhas paternas para
campo de suas atividades políticas (...) PRP de voto a
descoberto: PRP de eleição a bico de pena; de defuntos que
64
ressuscitam nas épocas eleitorais; PRP que não permitia
recursos eleitorais de que agora usam e abusam (...) é o
mesmo Integralismo sem eleição, sem liberdade, sem
idealismo, que ambos pretendem transformar o Estado
numa fazenda, e o povo numa massa amorpha e
inconsciente, em que imperará a vontade incontestada de
um homem, já elevado em vida à categoria de Deus. Não
será preciso que o povo paulista e montealtense venha a
constatar a veracidade de pretender o integralismo nos
escravizar ao seu dogma e à sua vontade, só na vigência do
seu regime, que apenas utopicamente supomos (Folha de
Monte Alto, 1937, 92, p.1).

Foi a primeira vez que o PC criticou veementemente os postulados da


AIB: considerava o integralismo e os integralistas um retrocesso cultural,
autoritários e arbitrários, avessos a toda forma de liberdade e antidemocráticos.
Ademais, em 16 de agosto de 1937, outra coluna obviamente enaltecia o PC e
acusava o governo central de Vargas de dar abertura política a grupos que agiam
contra a democracia e a colocavam em risco; claramente, ele se referia aqui aos
integralistas. Além HP  GH RXWXEUR GR PHVPR DQR ³SROtWLFD FRP µS¶
PLQ~VFXOR´ D Folha de Monte Alto estampou uma coluna que trazia críticas à
abertura dada pelo governo federal a Plínio Salgado. Por final, notam-se
zombarias e acusações, tal como uma que coloca Salgado como potencial
perturbador da ordem pública e regime democrático. Em 26 de setembro, o
jornal associou Salgado a um postulante de monarca absoluto e Oliveira ao
YHUGDGHLUR ³GHPRFUDWD´ Evidências que revelam o perfil eminentemente
panfletário do jornal.

2.3.8 A sucessão presidencial e os efeitos do golpe de Estado

Gradativamente, ao longo do ano da campanha presidencial de 1937,


percebe-se que os ânimos iam se exaltando, conforme se aproximavam as
eleições presidenciais de janeiro de 1938. Além disso, conforme as edições de
65
novembro, o clima de indefinição aumentava; fruto do exacerbar da polarização
ideológica na esquerda (comunista) e na direita (integralista).
Em coluna que dialoga com o momento político de sucessão presidencial
e integralismo, em 11 de julho de 1937, o colunista apontou que dentre os três
FDQGLGDWRV DSHQDV R ³FRQVWLWXFLRQDOLVWD´ HPHUJLD FRPR GHPRFUDWLFDPHQWH
escolhido por seus correligionários; os outros dois eram frutos ou de decreto (no
caso do sucessor de Vargas) ou de um plebiscito fantoche (no caso de Salgado).
Assim, segundo os articulistas de A Folha de Monte Alto, até mesmo na escolha
dos candidatos para eleições democráticas, constataram-se traços de
arbitrariedade e autoritarismo, frutos de uma época de excessos e polarização
ideológica autoritária.
Em 07 de novembro do mesmo ano, o jornal veiculou artigo sobre o
estado de sítio decretado em função da existência de um suposto plano
comunista para a tomada do poder no Brasil (Plano Cohen). Ainda, as matérias
estamparam um clima de alto teor de indefinição sobre se ocorreriam ou não as
eleições presidenciais de janeiro; além, sobre o próprio futuro da democracia
liberal. Finalmente, constata-se naquela edição, pelas suas manchetes e artigos,
que o Brasil estava literalmente em estado de turbulência e desorientação.

2.3.9 As implicações do golpe no jornal

Dentro do caderno de 1937 do arquivo de periódicos, a edição que


sucedeu a de 07 de novembro foi a de 19 de dezembro, caracterizando assim 42
dias de intervalo. Nela, constatam-se os primeiros sinais da censura a que o
periódico foi submetido, pois o mesmo toma uma postura completamente
distinta de até então: de detrator o jornal passa a contemplar a figura de Vargas e
estampa seu perfil na primeira página. Além, veiculou a luta árdua e necessária
do governo federal contra o comunismo. Por outro lado, nota-se uma campanha
massiva de inverdades sobre acontecimentos (por exemplo, os da Espanha
66
envolvendo a guerra civil). Logo, a conclusão a que se chega é que o foco foi
modificado. O combate ao comunismo foi pretexto para imolar a democracia e
as liberdades clássicas.
Quanto às matérias, elas vêm do Serviço de Divulgação da Chefia de
Polícia do Distrito Federal; algo obviamente ditado. Noutras dessas colunas
ditadas, em 25 de dezembro do mesmo ano, atenta-se para o fato de que a
mocidade não pode ser objeto de experimentação política exótica. Demais, há
também uma menção sobre o gesto simbólico (de negar o estadual e afirmar o
nacional) de atear fogo às bandeiras estaduais.

67
Considerações finais

Tendo em mente a curta duração dos grupos que aqui foram objetos de
DQiOLVH^PHQRVGHTXDWURDQRVQRFDVR³FRQVWLWXFLRQDOLVWD´ -37) e três no
integralista (1935-37)} em decorrência do golpe de Estado de Vargas, em 10 de
novembro de 1937, a principal conclusão segura a que se chegou foi de que
estava posta, na conjuntura turbulenta em que ambos existiram, na política local,
uma situação ambivalente de uma política real, praticada no jogo político
democrático a partir de partidos, representação, debate, pleito etc. (pelo lado do
Partido Constitucionalista) e uma ideal, onde um grupo era catequizado e
plasmado no afã de concretizar um projeto político de futuro com fortes teores
teleológicos (pelo lado Integralista).
Assim, o Partido Constitucionalista emergiu nessa conjuntura de
reconstitucionalização como a principal força política dentro do jogo
democrático. Fundado na capital paulista, a partir da dissidência de vários
nomes de vários partidos, com destaque ao Partido Democrático, ele reuniu
políticos jovens, oriundos do comércio, indústria, lavoura e profissões liberais
em Monte Alto. Possuía um discurso renovado e purificador, que aliava
democracia, modernidade, moral e ética. Ademais, a sigla pregava a ruptura da
IRUPD GH DWXDomR SROtWLFD YLFLRVD WtSLFD GD 5HS~EOLFD 9HOKD ³SHUUHSLVWD´ H D
emergência de uma nova prática, balizada na liberal democracia e no
constitucionalismo; logo, que viesse, dessa forma, a proteger os direitos
clássicos, elementares e atender as novas demandas da sociedade. Dessa forma,
DSDUWLUGHWDOSODWDIRUPDSROtWLFDRV³FRQVWLWXFLRQDOLVWDV´FRQVHJXLUDPHOHJHUR
prefeito municipal, a maioria da Câmara Municipal e assumir as rédeas da
política montealtense (sem contar o governador na esfera estadual e a maioria da
assembléia legislativa estadual). Obviamente, em função do golpe e da ruptura
da ordem democrática, impossível tirar conclusões sobre a atuação do partido
como um todo, ou seja, se, na prática, ele se diferenciou do principal adversário
68
QDFRQGXomRGRVQHJyFLRVGDFRLVDS~EOLFD$WHQWDWLYDGH³UHJHQHUDU´DRUGHP
democrática legal durou apenas três anos.
O Núcleo Integralista Montealtense, por sua vez, conseguiu reunir em
torno de si bom número de pessoas que se identificaram com a ideologia
desenvolvida por Plínio Salgado e seus correligionários. Os contatos das cidades
vizinhas e de estudantes montealtenses em São Paulo colaboraram para a
difusão das idéias e o sucesso do núcleo. De forma genérica, pode-se afirmar, a
partir da análise dos dois periódicos, que as pessoas revelaram/manifestaram
uma empatia com o caráter salvacionista, conservador, ordeiro, moralista e
regenerador integralista. Porém, o grupo se fechava em torno de si e, seguindo
as prescrições da AIB, não participou do pleito municipal que compôs a Câmara
e Prefeitura Municipal de Monte Alto em 1936. Portanto, por mais popularidade
e aceitação que os integralistas vieram a possuir, tal fato era vazio dentro de um
processo eleitoral e representativo. Aliás, como pregava a cartilha, o fim passava
pela própria negação da república liberal democrática e a efetivação de um
utópico Estado integral.
Finalmente, a efetivação do próprio golpe, e toda censura que vem na sua
esteira, foi uma negação a cada grupo em particular: seja ao livre jogo
democrático e à pluralidade inerente, seja como à continuidade de um processo
de formação de uma nova mentalidade que tem como fim a unidade de ação e
pensamento! Algo controverso esta última, pois ela, por sua vez, também nega
com que diferenças existam no interior da sociedade. Existia assim uma política
real e uma ideal.

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