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BIOGRAFIA DO DEPUTADO ROMÃO GOMES

ano III – no 12 – maio/junho de 2017

85o ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO


CONSTITUCIONALISTA DE 1932
E AINDA: Cartas dos combatentes; A tribuna da Assembleia, quatro anos depois;
resenha do livro A GUERRA DE S. PAULO
Editorial
Esta edição comemorativa ao 85o aniversário da Revolução, persiste o sentimento de heroísmo, mas
Revolução Constitucionalista de 1932 traz como questões mais administrativas sobre a Revolução
personagem da coluna Compromisso com a Constitucionalista também entram na pauta do
Memória o deputado estadual e combatente de Plenário.
1932 Romão Gomes, homenageado após sua morte Em Documento em Foco, selecionamos
com a denominação de presídio da Polícia Militar. algumas das cartas trocadas durante a Revolução.
No ano passado, a seção Na Tribuna da edição Sob a guarda do Acervo Histórico, fazem parte
especial do Informativo acerca da Revolução de da documentação enviada pelos combatentes
1932 abordou os discursos dos deputados em para solicitar a Medalha da Constituição,
1935, quando a Assembleia honraria concedida pela Assembleia Legislativa
Legislativa reabriu após ter desde 1962.
sido fechada pela Revolução Por fim, a coluna Livros do Acervo conclui
de 1930. Dando sequência, esta edição especial com a resenha do livro A
a presente edição registra os Guerra de S. Paulo, escrito por Manoel Osorio no
discursos de 1936. Quatro calor dos acontecimentos.
anos depois de finda a Boa leitura!

Expediente
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo Textos
Presidente: Cauê Macris Mônica Cristina Araujo Lima Horta; Maurícia Figueira;
1o Secretário: Luiz Fernando T. Ferreira Roseli Bittar; Silmara de Oliveira Lauar;
2o Secretário: Estevam Galvão Thalita Ruotolo Gouveia
Colaboradores
Dainis Karepovs; Françoise Evelyne Aron;
Secretário Geral Parlamentar José Cavalli Júnior; Thaís Santos Pereira
Rodrigo Del Nero Transcrição de documento
Secretário Geral de Administração Thalita Ruotolo Gouveia
Joel José Pinto de Oliveira Revisão
Airton Paschoa
Estagiários
Departamento de Documentação e Informação Lorena Jade; Luara Allegretti; Matheus Matos
Daniel Ranieri Costa
Divisão de Acervo Histórico Imagem da capa
Mônica Cristina Araujo Lima Horta Frente da Carta enviada pelo combatente Moacyr Domin-
Coordenação editorial gues, de São Paulo, Capital, que recebeu a Medalha da
Maurícia Figueira Constituição em 1988

Telefones: (11) 3886-6308/6309


E-mail: acervo@al.sp.gov.br
Projeto gráfico e diagramação Site: www.al.sp.gov.br/acervo-historico
Jair Pires de Borba Junior (Gráfica da Alesp) Tiragem: 250 exemplares

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Compromisso com a memória
Romão Gomes
Em Compromisso com a Memória buscamos no ano de 1925, ascendeu
trazer a público uma breve biografia do coronel à patente de capitão.
Romão Gomes, considerado um dos mais aguerridos Romão Gomes pegou
soldados na Revolução Constitucionalista de 1932. em armas por São Paulo
À frente da Coluna Romão Gomes, única invicta e em combate chefiou,
nas batalhas entre os paulistas e as tropas de Getúlio inicialmente, o pelotão do
Vargas, tornou-se líder entre seus soldados e ainda 1o Batalhão Paulista da Milícia Civil, posteriormente
hoje é reverenciado pelos paulistas. Próximo ao denominado “Coluna Romão Gomes”. Esse pelotão
fim do conflito, quando do armistício, recusou operou durante a revolução inteira sob a estratégia da
dar chancela aos termos de rendição. Exilado em guerra de movimentos, ao contrário do que aconteceu
Portugal, retorna após um ano e é indultado. Em na maioria dos outros setores de combate.
1935, foi eleito deputado estadual de São Paulo, Romão Gomes ficou conhecido como guerreiro
pelo Partido Constitucionalista, como constituinte invicto e grande comandante no curso do
estadual, tendo exercido o mandato até 1937. movimento constitucionalista, ao mesmo tempo
que se bacharelava pela Faculdade de Direito do
A trajetória militar e política Largo São Francisco. Ao recusar-se a reconhecer
Romão Gomes nasceu em São Manuel (SP), no os termos do armistício com a ditadura, foi exilado
dia 27 de junho de 1890, filho de Antônio Gomes e em Portugal, retornando após quase um ano e
Tereza Munhoz. Aluno do Colégio Oswaldo Cruz sendo indultado. Após seu exílio, em 1935, foi eleito
e do Instituto de Ciências e Letras, fez todos os deputado estadual, pelo Partido Constitucionalista,
cursos preparatórios em escola pública. tendo exercido o mandato até 1937.
Ingressou na Força Pública de São Paulo no dia Desempenhou funções de consultor jurídico
13 de julho de 1911. Em 1914, juntou-se ao 2o na Força Pública e foi o primeiro militar a assumir
Batalhão de Caçadores Paulistas. No ano seguinte o cargo de juiz no Tribunal de Justiça Militar do
foi promovido a cabo. Em outubro de 1916 passou Estado de São Paulo.
ao posto de furriel e, em 1917, foi elevado à patente RomãoGomesatuouativamentenaCampanhaPró-
de segundo-sargento. Monumento e Mausoléu ao Soldado Constitucionalista
Em 1o de maio de 1921 matriculou-se no Curso de 1932. As primeiras providências foram tomadas em
Especial do Corpo Escola (que originou a atual 1934, com a criação da Comissão Pró-Monumento,
Academia da Polícia Militar do Barro Branco), onde da qual foi presidente e, posteriormente, vice-
se diplomou aspirante a oficial em 18 de janeiro de diretor, integrada por personalidades de destaque da
1923 e, em agosto do mesmo ano, foi promovido, sociedade paulistana. Um concurso público para a
por merecimento, a segundo-tenente. escolha do projeto foi realizado em 1937. O edital
Como oficial, desde logo se colocou numa exigia que a obra fosse eminentemente arquitetônica e
posição de destaque entre seus companheiros não apenas escultórica, devendo destinar espaço para
de corporação. Professor de armamento e tiro acolher as urnas funerárias dos chamados “heróis
na mesma escola de que há pouco tempo saíra, constitucionalistas”.
lecionou também matemática e organização de Faleceu na cidade de São José dos Campos no dia 11
terreno no curso literário e científico. de janeiro de 1946. Em 9 de julho de 1958, na celebração
Em decorrência de sua atuação durante a dos 26 anos da Revolução Constitucionalista, seus
insurreição chefiada por Isidoro Dias Lopes, em restos mortais foram trasladados para o Mausoléu do
1924, quando atuou na defesa dos Campos Elísios, Soldado Constitucionalista.

Acervo Histórico 3
Por sua bravura, intensa atuação militar e tinham de uma vitória fácil. Em face da resistência
sentimento patriótico, atingiu o posto de coronel, das tropas federais e da omissão de gaúchos e
em promoção post mortem, e o presídio da Polícia mineiros, cuja adesão era esperada, o movimento
Militar “Romão Gomes” (PMRG) recebe o nome transformou-se em uma verdadeira guerra civil,
em sua homenagem. longa e difícil. Foram três meses de combate.
A coluna paulista comandada por Romão
A coluna invicta Gomes, que atuou intensamente na região de São
Como é possível conseguir uma tropa que João da Boa Vista, foi a única invicta nas batalhas
conserve sempre o espírito ofensivo dos entre os paulistas e as tropas de Getúlio Vargas.
primeiros dias, ou melhor, a eficiência cada dia Na divisa entre São João da Vista e Águas
mais aumentada? Muito fácil. Apenas três coisas da Prata, sucedeu uma das mais duras batalhas.
deve fazer o chefe. Alimentar os homens, fazer- Durante seis dias e seis noites os soldados paulistas
lhes justiça, conduzi-los. O que tudo se pode trocaram tiro com a tropa federal. Embora em
resumir nesta expressão: comandar a tropa! minoria, em homens e em armas, os paulistas
[Romão Gomes, (1933)] saíram vitoriosos do embate.
Apesar do êxito na luta, Romão Gomes recebe
Em 7 de julho de 1932, os comandantes ordens para recuar até o vilarejo de Lagoa Branca.
das unidades da Força Pública se reuniram no Sem defesa, as cidades da região logo foram ocupadas
gabinete do coronel Júlio Marcondes Salgado, pelo exército inimigo. Os soldados paulistas se
comandante da corporação, e foram oficialmente revoltam e exigem a mudança do comando.
inteirados do movimento constitucionalista a Romão Gomes assume o comando geral da
irromper no dia seguinte. região e ali mesmo, em Lagoa Branca, inicia o
A realidade desmentiu as expectativas que muitos trabalho de reconquista das cidades tomadas.
Após reconquistar Lagoa Branca, dirigem-se
para Vargem Grande do Sul, entrando na cidade
logo pela madrugada, surpreendendo o inimigo.
Em Pedregulho, um dos principais comandantes
da tropa federal é preso.
Informados de que Romão Gomes e sua coluna
invicta avançavam para recuperar São João da Boa
Vista, os soldados invasores fogem. No dia 12 de
setembro, a cidade é retomada pelos paulistas.
São Sebastião da Grama foi a última cidade
a ser resgatada, em uma das batalhas mais
violentas da região.
Porém, mais uma vez, a Coluna de Romão
Gomes é chamada a recuar para as proximidades
de Campinas onde em 1o de outubro a tropa
recebe a notícia do fim do conflito. São Paulo
havia capitulado.
Referindo-se ao comandante Romão Gomes,
no seu notável discurso proferido em São João da
Boa Vista, Armando Salles de Oliveira, interventor
federal em São Paulo entre 21 de agosto de 1933 e
11 de abril de 1935, assim falou:

Capa do livro A Columna – Herbert V. Levy

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Deixe-me dizer que eu e Romão Gomes falamos
a mesma linguagem e que gosto de apertar as
mãos fraternas que ele invariavelmente me estende
sempre que me ferem um ataque mais rude e uma
injustiça mais viva. Somos, um e outro, soldados de
um mesmo partido. Um e outro temos a mesma
ideia – a de trabalhar pela grandeza de São Paulo.

Romão Gomes no plenário do Parlamento paulista


Ao discursar por ocasião do 105o aniversário da
Componentes da 2a Companhia, em Itapira
Força Pública de São Paulo, Romão Gomes faz um
breve pronunciamento sobre as diferenças existentes
entre o movimento armado que irrompeu em 1924, O movimento armado que irrompeu, nessa
não preparado nas fileiras da Força Pública, com o ocasião, em São Paulo, veio de fora, foi para aqui
propósito de levantar a milícia do Estado contra os trazido por figuras de destaque da revolução,
poderes constituídos, e o movimento de 1932, que que todos conhecem e que eu me permito
pugnava pela reconstitucionalização do País, assim deixar de citar nomes.
discorrendo: Mas foi, sr. presidente, um movimento importado,
não preparado nas fileiras da nossa Força Pública
O SR. ROMÃO GOMES – PC – (...) Não ou dentro da guarnição de São Paulo. O gérmen
poderia, entretanto, silenciar, nesta data, em veio de fora, os seus chefes vieram do Rio, com o
primeiro lugar pelo fato auspicioso de se propósito de levantar a milícia do Estado contra
comemorar, hoje, o 105o aniversário de fundação os poderes constituídos.
da nossa Força Pública e, em segundo lugar, Havia apenas um oficial da Força Pública
por ter o nobre deputado sr. César Salgado comprometido com os iniciadores desse
se referido a fatos históricos, à eficiência e ao movimento, cujo nome foi citado há poucos
desenvolvimento dessa corporação. momentos pelo nobre orador que me precedeu.
(...) (...)
De fato, a Força Pública de São Paulo teve o seu Mas o que desejo frisar aqui é que a Força Pública,
apogeu com a missão francesa, para aqui trazida apesar desta exceção, apesar de alguns elementos
em 1906, e que era composta de figuras de escol terem acompanhado aquele oficial, pelo seu valor
do exército francês, destacadas pela sua cultura militar e pelos seus conhecimentos técnicos,
e capacidade técnica para a instrução de nossa manteve-se fiel ao Poder constituído. Foi a Força
Força Pública, à qual prestaram inestimáveis Pública, portanto, que manteve, nos primeiros
serviços, fazendo-a sair daquele meio antiquado dias, o Governo do Estado, apesar dos combates
em que se achava desde a sua organização, para intensos. Esse pequeno núcleo da Força Pública foi
se tornar uma corporação moderna, instruída, quem sustentou a revolução naqueles dias. A luta,
garbosa e eficiente, como, de fato, provou ser por essa forma, foi violenta, entre elementos da
nos diversos embates que teve com elementos própria Força Pública, a princípio, naturalmente,
que se insurgiram contra a ordem e contra as com a colaboração mais tarde de estranhos.
instituições estaduais e nacionais. [134a Sessão Ordinária, 15 de dezembro de 1936]
Em 1924, a Força Pública se manteve, em sua
generalidade, fiel ao governo, havendo, apenas, RomãoGomesrendehomenagemaoscombatentes
uma pequena exceção ocorrida no Regimento da Força Pública de São Paulo que perderam a vida
de Cavalaria. na Revolução Constitucionalista de 32:

Acervo Histórico 5
O SR. ROMÃO GOMES – PC – Sr. Pública de São Paulo, essa valorosa corporação,
presidente, srs. congressistas, não era propósito que sempre se manteve ao lado dos poderes
meu ocupar esta tribuna, por isso que, nesta constituídos, porque outra não é a sua missão.
Casa, já se manifestaram hoje seletos e cultos Sr. presidente, durante a revolução constitucionalista,
oradores. Atendendo, entretanto, às palavras encontravam-se permanentemente mais de
do nosso nobre colega e meu particular amigo duzentos feridos no hospital dessa corporação.
o sr. Diógenes de Lima, de que não se devem Numerosas são as famílias que perderam os seus
prestar homenagens incompletas, sou forçado chefes e que, se não fosse o amparo da Caixa
a erguer a minha voz e relembrar os nomes de Beneficente da Força Pública, estariam ainda a
companheiros valorosos da Força Pública de mendigar. Graças a essa organização, graças à
São Paulo que também perderam a vida, que solidariedade dos componentes da Força Pública,
também tombaram por esse ideal sagrado, que que tudo fazem para amparar os que militam em
foi a revolução constitucionalista de 32. suas fileiras, essas viúvas estão a coberto de maiores
necessidades e os órfãos não passam fome.
Não é possível esquecermos o nome do coronel Considerando essa corporação como
Marcondes Salgado; não é possível deixarmos essencialmente paulista, tendo-se confundido
de rememorar o nome do capitão Agostinho com os valorosos voluntários que também
Uchoa, do capitão Marcelino da Fonseca, do tombaram no campo da luta, é justo que eu deixe
tenente Almeida Quirini, do tenente Sobrinho e aqui esta impressão e que fiquem constando dos
de muitos outros oficiais, de numerosos soldados Anais desta casa os nomes desses inesquecíveis
e sargentos que sacrificaram a vida nos campos soldados que morreram pela Constituição, pela
de batalha, honrando essa centenária Força grandeza de São Paulo e do Brasil.
[5a Sessão Ordinária, 16 de abril de 1935]

Discursa em favor do projeto de sua


autoria, que visa regulamentar artigo da
Constituição estadual, assegurando o direito
de remoção à professora pública primária,
havendo vaga, quando distanciada do marido
e este exercer cargo público efetivo:

O SR. ROMÃO GOMES – PC – Mas, sr.


presidente, aproveitei-me do ensejo de me achar
na tribuna, nesta hora do Expediente, para
dar esse esclarecimento, tratando, a seguir, de
justificar um projeto de lei que, dentro em breve,
terei a honra de enviar à Mesa.
A Constituição do Estado estabelece no art. 18
que compete à Assembleia Legislativa “decretar
leis orgânicas, para a execução completa da
Constituição”.
E é nesse sentido que vou ter a honra de justificar um
projeto, de autoria do nobre deputado sr. Henrique
Bayma e deste humilde orador, que visa tornar
exequível o art. 112 da referida Constituição.

Mapa de combates da Coluna Romão Gomes

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Quando se debatiam na Constituinte estadual O SR. ROMÃO GOMES – PC – Sr. presidente,
as questões atinentes aos funcionários públicos o Projeto no 113, agora em 1a discussão, visa
em geral, em especial aos professores, tive a premiar o esforço titânico que esses valorosos
honra de apresentar uma emenda ao Projeto de soldados da Força Pública prestaram a São Paulo,
constituição, assim redigida: no momento angustioso em que se debatia
“É garantido o direito de remoção, em havendo assediado por todos os cantos e o seu povo se
vaga, independente de outras restrições, à encontrava sem garantias de espécie alguma. É
professora pública primária que estiver ou vier sobremaneira justa essa medida e, sendo justa, é
a estar distanciada do marido, em pleno regime louvável e digna do nosso reconhecimento.
matrimonial, quando este exercer função pública Dou o meu apoio integral, sr. presidente, ao
de caráter efetivo”. projeto em debate, certo de que ele vai ao
Essa emenda foi recebida com gerais aplausos encontro do desejo geral da população de São
nesta Casa. Depois de conseguir parecer Paulo, por isso que visa atenuar o sofrimento
favorável da Comissão de Constituição e Justiça, das famílias desses valorosos soldados, que serão
entende a douta Assembleia, na sua sabedoria, promovidos ao posto imediato. E, assim sendo,
que se deveria modificar a redação, de modo a se as suas famílias receberão pensão correspondente
tornar menos rígida. Assim, voltando à tribuna, a esse posto imediatamente superior.
sugeri, então, esta redação: [121a Sessão Ordinária, 3 de dezembro de 1935]
“Fica assegurado o direito de remoção à
professora pública primária que estiver ou vier Pedro de Toledo só soube da Revolução
a estar afastada do marido, quando este exercer naquele 9 de julho, quando as tropas já estavam
função pública efetiva”. nas ruas. Por lealdade ao Governo Provisório,
Finalmente, não foi essa também a redação que que o colocara no cargo, pensou em resistir.
se tornou vencedora em plenário e, sim, a atual No entanto, se foi o último a aderir, Pedro de
redação do art. 112 que reza: Toledo esteve também entre os últimos a aceitar
“À professora pública primária será concedida a derrota. O seu inconformismo transparece
preferência para remoção, de acordo com a lei, claramente no último manifesto divulgado pelo
quando se tratar do provimento de vaga verificada governo constitucionalista, nos seguintes termos:
no lugar de residência do marido, exercendo este “Fica encerrada nesta faixa do território brasileiro
cargo público efetivo”. a campanha militar pela restauração do regime
A meu ver, a simples preferência não assegura o legal. Mas o anseio não se sopitará. Comprimida,
direito que tive em vista garantir às professoras a campanha há de expandir-se certamente, por não
casadas com funcionários públicos. Em todo o ser possível que um povo como o nosso persista
caso, como é matéria vencida e não mais se pode em viver num regime de arbítrio”. Romão Gomes
discutir, vamos ver, dentro desse preceito, o que rende homenagem a Pedro de Toledo, por ocasião
se pode fazer de útil em prol desses eficientes do primeiro aniversário de sua morte:
funcionários do Estado.
[117a Sessão Ordinária, 28 de novembro de 1935] O SR. ROMÃO GOMES – PC – (...) Este dia,
primeiro aniversário de sua morte, não podia passar
Subscritor de parecer favorável ao projeto do sem que, nesta Casa, se comemorasse essa data e
deputado Ismael Guilherme, que promove ao se prestasse uma homenagem a esse ilustre morto,
posto imediato os militares mortos em combate homenagem essa tão merecida, pois que outra
na Revolução Constitucionalista de 32, Romão coisa não é senão a revelação de nosso profundo
Gomes assoma à tribuna a fim de manifestar seu reconhecimento pela sua benemerência decorrente
apoio integral à iniciativa parlamentar. dos serviços prestados a São Paulo e ao Brasil.

Acervo Histórico 7
(...) aceitou o grande embaixador Pedro de Toledo
Se não bastassem os serviços por ele prestados o título de governador de São Paulo, outorgado
como embaixador e como parlamentar, para pelo povo em geral, pelo Exército e pela Força
recomendá-lo e relembrar sua existência, Pública, como único remédio.
servindo ela de paradigma a todos nós, temos (...)
ainda os trabalhos relevantes que ele prestou a Batido o exército constitucionalista, foi Pedro
São Paulo e ao Brasil no momento, talvez, mais de Toledo o homem que soube portar-se com
difícil da nacionalidade. a galhardia e coragem, na derrota, que faltam
Sr. presidente, depois da vitória do movimento geralmente aos melhores generais. Não abandonou
revolucionário de 1930, uma série de ideologias o seu posto, depois de desfeito o exército da lei,
começou a se esboçar na opinião pública. Não não fugiu para embaixada. Ele se manteve firme,
havia, propriamente, um credo político novo, ereto, esperando as consequências no palácio da
em torno do qual se congregassem todos os cidade e assumindo a responsabilidade de seu
cidadãos. Combateu-se ato. Foram encontrá-lo ali os
o regime deposto porque homens que o deveriam tirar
se falseavam os princípios do poder. Mas ele caiu de pé,
constitucionais de 1891.
(...) foi Pedro de Toledo o com honradez e firmeza, como
Vitorioso o movimento, homem que soube portar- sempre soube portar-se.
entretanto, como não se com a galhardia e A amizade que conquistou, já
se pregou uma nova pelos seus trabalhos anteriores,
ideologia, era de se supor coragem, na derrota, que já pela conduta retilínea que
que a nação brasileira faltam geralmente aos soube observar durante a sua
quisesse, novamente, gestão, naqueles dias tétricos
melhores generais.
reeditar aqueles princípios de 32, foi tão acentuada, foi tão
da Constituição antiga. viva, que ainda hoje ela perdura
Não se conseguiu fazer isso, de início. Várias no espírito de todos nós e ainda há de perdurar.
ideologias dominavam alguns grupos audazes da Todos admiramos Pedro de Toledo e prova disso
opinião pública e não se coordenando eles numa demos quando voltou do exílio. Foi tão grande e
linha, adotando um credo qualquer, de modo sincera a manifestação que se lhe prestou dessa
que pudessem congregar a maioria dos cidadãos vez, que nenhuma outra se fez até hoje, entre nós,
e fazer-se uma nova constituição, tendo-se em a outra pessoa, que se lhe equipare.
vista essa crença ou esse novo credo, mister se O seu espírito conciliador sempre o manteve
fazia um movimento maior, de modo a nortear a nesse estado de bem-querença.
opinião pública e coordená-la. (...)
Para aqui veio, nesse estado de coisas, o Terminando, sr. presidente, devo frisar que
embaixador Pedro de Toledo, nomeado foi o destemor e exemplo de Pedro de Toledo
interventor em São Paulo. que conseguiu coordenar os diferentes grupos
Logo de início, pôde ele verificar que o ponto de opinião, a que me referi, e formar uma
de vista de São Paulo, sustentado por paulistas caudal poderoso que fizesse sentir ao Governo
e brasileiros que aqui viviam, era no sentido de Provisório haver chegado a hora de convocar a
que se desse ao País uma constituição, a fim Constituinte brasileira.
de que se reconduzisse a nacionalidade para [15a Sessão Ordinária, 29 de julho de 1936]
o caminho da lei, para o respeito do direito, e,
nesse sentido, convicto de que não havia outro Romão Gomes apresenta as razões que o levaram
caminho a seguir, sopesada bem a situação, a acolher reivindicação do comandante do Corpo

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de Bombeiros, tenente-coronel Amaro Sobrinho, Em 1932, a Associação Comercial de São Paulo
no sentido de que fosse apresentado projeto participou, com as demais lideranças paulistas, das
assegurando a exclusividade da cor vermelha aos tentativas de diálogo com o governo, reivindicando
carros dos bombeiros: respeito a São Paulo e a sua autonomia – o que
vinha sendo negado pelo presidente Getúlio
O SR. ROMÃO GOMES – PC – Sr. presidente, Vargas, que revogou a Constituição e centralizou a
há poucos dias, o insigne comandante do administração política e econômica do País.
Corpo de Bombeiros, brilhante combatente do Quando ficou evidente que não havia
fogo que é, o tenente-coronel Amaro Sobrinho, possibilidade de acordo com Getúlio, a ACSP, em
mandou-me, com a carta que passarei a ler, consonância com o sentimento geral da população
vários documentos, por onde se verifica que esse paulista, engajou-se na campanha pela defesa da
distinto comandante Constituinte imediata,
pleiteia uma medida que culminou na
que se me afigura deflagração da
justa, pelos motivos Quando ficou evidente que não Revolução.
que vou expor. havia possibilidade de acordo Por ter assumido
Deseja ele que os toda a responsabilidade
carros do Corpo dos
com Getúlio, a ACSP, em pela participação das
Bombeiros usem a consonância com o sentimento classes empresariais
cor vermelha em sua geral da população paulista, e dos empresários
pintura externa, mas só paulistas na Revolução,
esses carros, sem que
engajou-se na campanha o então presidente
outros veículos possam pela defesa da Constituinte da ACSP Carlos de
usá-la também. É essa imediata, que culminou na Souza Nazareth foi
uma medida técnica, preso e exilado, após
para maior eficiência deflagração da Revolução. a deposição das armas
do valoroso Corpo de pelos revolucionários.
Bombeiros. No pronunciamento
É tradicional, sr. presidente, a cor vermelha nos abaixo transcrito, evidencia-se a participação ativa
veículos das corporações de bombeiros, e, já da Associação durante a revolução.
na capital federal, desde 1915, é expressamente
proibido, a qualquer outro veículo terrestre, usar O SR. ROMÃO GOMES – PC – Sr. presidente,
essa cor em sua pintura externa. o Projeto de lei no 83, cuja discussão acaba de
Dizia eu que nas corporações de bombeiros ser anunciada por V. Exa., merece, sem dúvida
é tradicional a cor vermelha de seus veículos alguma, comentários, dado o papel importante
e exemplifiquei com a capital federal, mas que a Associação Comercial de São Paulo
poderia exemplificar com todos os países do desempenha na economia e na prosperidade do
universo, pois que em toda parte o corpo de Estado e mesmo do País.
bombeiros usa seus veículos com a pintura Por esse projeto, fica o Poder Executivo
vermelha externa. É uma cor característica autorizado a doar a essa entidade um terreno,
dos bombeiros, assim como o branco é uma junto ao Viaduto da Boa Vista, para que ali a
cor característica da Cruz Vermelha. A cor dos Associação Comercial possa construir o prédio
veículos da Cruz Vermelha é internacional, destinado a sua sede.
como universal é a dos bombeiros. (...)
[68a Sessão Ordinária, 30 de setembro de 1936] Nos pródromos da Revolução de 1932 – a

Acervo Histórico 9
23 de maio – por iniciativa da Associação destacar nomes porque todos os que pertenciam
Comercial, foi fechado todo o comércio. Esta à Associação Comercial de São Paulo, e, depois,
medida foi, sem dúvida, de largo alcance, pois fizeram parte do MMDC, praticaram prodígios
veio a fornecer a matéria-prima para se fazer de inteligência, trabalhando abnegadamente e
aquele movimento de opinião que no momento com a máxima eficiência.
se verificou. Foi ela que providenciou o Foi organizado, também, sr. presidente, o cadastro
fechamento do comércio, proporcionando, industrial, por meio do qual o MMDC tinha
assim, a centenas de milhares de pessoas conhecimento das várias indústrias existentes no
participarem daquelas horas sensacionais por interior do Estado, de modo a poder socorrer-
que passava a nossa terra naquele instante. se delas para o preparo do material necessário.
Não fosse isso, não tivesse essa Associação Organizaram-se também as delegacias técnicas,
Comercial tomado tal iniciativa, talvez não que prestaram relevantíssimos serviços durante
tivéssemos a organização de um governo a campanha de 32, bem como vários hospitais
exclusivamente paulista, como o tivemos. de sangue e um corpo de policiais encarregado
Mas, sr. presidente, outros serviços de relevância de manter a ordem na Capital e no Interior
prestou essa Associação durante os dias da luta. durante o período das operações. Organizou-se,
O seu trabalho foi tão intenso e, em alguns ainda, um serviço postal eficientíssimo, enfim,
departamentos, tão perfeito que, estou certo, vários outros serviços foram organizados pela
poderia servir de modelo aos melhores estados- Associação Comercial de São Paulo. Entre estes
maiores de tropas regulares. se destaca sobremaneira o serviço da campanha
Entre outros, posso citar o Departamento de do ouro, que honrou de modo extraordinário
Compras, que visava, não só o abastecimento das os paulistas, porque esse movimento excedeu
tropas, mas a aquisição de material necessário, de de muito a outros semelhantes que têm sido
metais, para a fabricação de munições e cartuchos. organizados em outros países.
A organização do serviço de donativos tinha (...)
em mira auxiliar pecuniariamente a campanha, Dizia eu, então, sr. presidente, que a campanha de
havendo também um departamento destinado ouro excedeu todas as expectativas; a campanha
a organizar o alistamento de voluntários e os dos capacetes de aço foi um serviço relevantíssimo,
batalhões da milícia civil. Organizou-se ainda também levado a cabo pela Associação Comercial
alojamento para as tropas; a assistência geral de São Paulo. O MMDC foi uma espécie de
auxiliava não somente os que estavam em luta, estado-maior das forças em operações. Os seus
mas as famílias dos combatentes. O RCM, serviços foram de tal maneira relevantes que, findo
organização do serviço de transporte, foi órgão o movimento, os préstimos dessa entidade se
de grande importância e que prestou relevantes prolongaram, socorrendo os exilados em Portugal,
serviços durante o desenrolar da campanha. principalmente os exilados pobres, como este que
Criaram-se também oficinas para a confecção de tem a honra de ocupar a tribuna neste momento; e
roupas e fardamentos para os combatentes. não somente os exilados, mas as próprias famílias
(...) destes recebiam a visita e os socorros da Associação
De fato, nosso prezado ex-companheiro, sr. Comercial de São Paulo, através do MMDC.
Carlos de Souza Nazareth, era presidente da Foram tão eficientes a campanha do ouro e a
Associação Comercial naquela ocasião, e todos organização do MMDC que o grande governador
nós sabemos que S. Exa. se desdobrou em Pedro de Toledo considerou esses dois institutos
trabalhos dos mais profícuos em favor da nossa como de utilidade pública, regulamentando-se,
causa. S. Exa. produziu muito, bem como os pelo Decreto no 5.657, o da campanha do ouro,
seus auxiliares, e, nesse particular, não desejo e 5.627, o do MMDC.

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Sr. presidente, a Associação Comercial de Sâo Ninguém mais pedindo a palavra, é encerrada a
Paulo, depois de findo o movimento, colaborou discussão.
eficientemente, coordenando os diferentes Posto depois a votos, é o Projeto no 83 aprovado.
partidos políticos e a antiga Federação de [80a Sessão Ordinária, 15 de outubro de 1936]
Voluntários para a elaboração da Chapa Única.
De modo que vimos assim, em rápidas palavras, Fontes bibliográficas
que os serviços dessa benemérita organização MONTENEGRO, Benedito. Cruzes paulistas: os
tiveram e têm orientadores competentes e que tombaram pela glória de São Paulo. São Paulo,
dignos, não se cingindo ela, simplesmente, Revista dos Tribunais, 1936, p. 9.
aos assuntos que dizem respeito ao comércio
e à indústria, mas, sim, a todos aqueles que Fontes virtuais
interessam a São Paulo e à nação. https://www.youtube.com/watch?v=6O3p86Q-o90

Na Tribuna
O que foi falado no plenário da Alesp, em 1936,
acerca da Revolução Constitucionalista
Na edição do ano passado, de junho/julho de à grande tarefa de realizar as legítimas aspirações
2016, edição de no 7, transcrevemos discursos dos paulistas e da comunhão brasileira.
parlamentares de 1935 concernentes à Revolução Esse mesmo pensamento vibra e transluz no
Constitucionalista de 1932. alto e nobre sentido da caríssima data que hoje
Na presente edição comemorativa dos seus celebramos. Permitiu Deus, ao nosso povo,
85 anos, estampamos novos extratos dos debates a grande fortuna de promugar, a 9 de julho, a
transcorridos no ano seguinte, em 1936, – um ano
após a reabertura das casas legislativas do País,
fechadas que foram pela Revolução de 1930, e
quatro anos após a Guerra Paulista.
Neles a Assembleia rememora o heroísmo dos
voluntários, homenageia os mortos em batalha e
cobra providências do governo a fim de regularizar
o salário atrasado dos militares que participaram
do movimento constitucionalista.
Logo na Sessão Solene de instalação dos trabalhos
legislativos, ocorrida emblematicamente em 9 de
julho, o então presidente da Assembleia Laerte de
Assumpção, do Partido Constitucionalista (PC),
versa sobre o sentido da data:

Essa atmosfera de civismo e trabalho exprime


e assinala a eficiente contribuição de São Paulo,
neste e em todos os campos de suas atividades,
Laerte de Assumpção

Acervo Histórico 11
sua nova lei constitucional. Nove de julho é o sua infinita generosidade, nos reservou a ventura de
dia constitucionalmente fixado para a instalação viver um dos episódios mais emocionantes da vida
anual de sua Assembleia Legislativa. brasileira, em que se revelaram, numa espontaneidade
Aliam-se, na comemoração da imarcescível comovedora e com uma energia desconcertante,
data paulista, evocações indestrutíveis e frutos todas as virtudes de um povo – grande na paz, no
abençoados da jornada de 32. sentido propulsionador do progresso e nas suas
Os brasileiros sinceros já souberam sentir e múltiplas manifestações, e maior ainda na guerra,
compreender a exata significação da suprema na revelação de sua inesgotável capacidade de lutar
data, que a totalidade dos paulistas festeja em e de sofrer por um ideal.
toda a extensão do seu território. (...) São Paulo tem tido, nos quadros da vida nacional,
Nesses frutos e nessas evocações refulge a uma atuação bem nítida e uma responsabilidade
memória dos que se bateram e morreram pela bem definida. Eis por que se sentiu no direito,
causa sagrada. e, sobretudo, no dever, de assumir, em julho de
A eles, aos grandes mortos, a nossa reverência e 1932, a iniciativa de uma atitude de desassombro
a nossa gratidão. e de sacrifício, com o objetivo bem claro de
[Sessão Solene de instalação, 9 de julho de 1936] reconduzir os homens e as instituições às normas
fixas e invioláveis de um sistema constitucional,
No dia seguinte, na primeira sessão, um dos condição que sempre se lhe afigurou indispensável
primeiros discursos dos deputados relembra 32: à existência de um povo consciente e culto e de
uma pátria grande, una e indivisível.
O SR. VALENTIM GENTIL – PC – (...) a [1a Sessão Ordinária, 10 de julho de 1936]
evocação de 32 encontra em nossas almas uma
vibração cada vez mais intensa e mais profunda. E O deputado Alfredo Ellis, do Partido
à medida que aqueles acontecimentos, perdendo o Republicano Paulista (PRP), procedeu a retrospecto
colorido inicial, se apresentam na sua forma natural, dos acontecimentos que levaram os paulistas a se
serena, soberba e exata, nós compreendemos – e rebelarem em 1932:
nisso vai todo o nosso orgulho – que o destino, em
Sr. presidente, no dia 25 de outubro de 1930,
começou a população paulista a sofrer os impulsos
de uma arrancada contra a política que até então
dominava. E, então, verificou-se que o nosso
povo inteiro, sob o látego de pessoas que não
haviam compreendido a nossa psicologia coletiva,
começou a se excitar. Sob dores que se faziam
cada vez mais cruciantes durante o ano de 1931,
a ditadura, infelizmente, não soube compreender
os anseios da nossa população, fazendo com que
governantes exóticos ditassem sua vontade ao
paulista, que sofria com esse estado de coisas. A
sua autonomia já não lhe pertencia mais e o nosso
Estado não possuía mais o direito de se governar,
os nossos eram preteridos e a noite opaca
começou a nos umbrar. As vítimas começaram a
se transformar em mártires.
[1a Sessão Ordinária, 10 de julho de 1936]

Valentim Gentil

12
Um requerimento cujo teor remete à Revolução O deputado Alfredo Ellis elaborou projeto de
foi a primeira votação de 1936: lei propondo a alteração do nome de um distrito
na região de Iguape para Pedro de Toledo. O
Requeremos se consigne na ata dos nossos distrito viria a se tornar município em 1948. Sobre
trabalhos um voto de solidariedade às o projeto, argumentou o deputado:
homenagens ontem prestadas pelo povo de São
Paulo à grande data paulista “9 de julho” e um O SR. ALFREDO ELLIS – PRP – (...) Assim,
outro de profunda saudade ao nobre vulto de no artigo 2o do meu projeto, consubstanciei a ideia
Pedro de Toledo e de todos os mortos daquele da mudança da denominação desse distrito de paz
glorioso movimento. [Prainha, no município de Iguape], para lhe dar o
Sala das sessões, 10 de julho de 1936 nome imortal e glorioso de Pedro de Toledo, que
[1a Sessão Ordinária, 10 de julho de 1936] foi o nosso segundo governador civil, aclamado
pelo povo de São Paulo, tendo sido o primeiro o
Alfredo Ellis relembrou a importância de Pedro vulto aureolado de Prudente de Morais.
de Toledo para a Revolução Constitucionalista, ele Recordo-me bem daquele dia histórico e
que, tendo sido interventor de São Paulo, nomeado inesquecível de 10 de julho de 1932. Então, o
por Getúlio Vargas, em 1932, assumiu a chefia civil perfil alvinitente e enérgico de Pedro de Toledo
do movimento. Declarado governador do Estado, resplandecia como um Pedro eremita, pregando
foi afastado do governo com o fim da Revolução e uma nova cruzada, em prol da nossa liberdade.
morreu em 1935 no Rio de Janeiro. E Pedro de Toledo, sr. presidente, se impôs
definitivamente a todos os paulistas pela sua
O SR. ALFREDO ELLIS – PRP – Foi, então, têmpera e pela firmeza com que soube enfrentar
nesse tumultuar de paixões, nesse 32 de milagres, aqueles dias tumultuosos e luminosos para maior
que surgiu o nosso glorioso 23 de maio, tendo glória do Estado de São Paulo e da nossa gente.
sido criado pelo povo o secretariado, que o nobre (...)
e grandioso Pedro de Toledo sabia sentir o anseio Temos uma dívida imorredoura para com a
do povo paulista. Foi aí que encontramos o nosso memória de Pedro de Toledo, que, por São Paulo,
verdadeiro Moisés para nos guiar; Pedro de Toledo, tudo enfrentou. Ele foi o nosso patriarca, que,
conduzindo o seu povo à salvação, fez o 9 de julho. por nós, tudo ofereceu, no sublime holocausto
(...) Pedro de Toledo, como varão plutarquiano, da hóstia de 32.
continuou até a rezar no evangelho da crença [63a Sessão Ordinária, 24 de setembro de 1936]
arraigada no sentimento paulista, conduzindo-nos
ao 9 de julho imortal. Assim, assistimos àquela Em setembro de 1936, foi apresentado à
arrancada sublime, iniciada nesse dia memorável, deliberação da Assembleia um requerimento
tendo todos nós, paulistas, comungado na taça solicitando homenagens a dois aviadores mortos
homérica do sacrifício. E, ontem, a população do em batalha, com o seguinte teor:
nosso Estado assistiu, comovida e entusiasmada,
com lágrimas, e com vibrações, à tributação Requerimento no 51, de 1936
àqueles que se foram, àqueles que não voltaram e Requeiro, uma vez consultada a Casa, a inserção
àqueles que estão ainda conosco. Abeirando-nos de um voto de profunda saudade e cívica
do túmulo daqueles que se foram e homenageando admiração, na ata dos nossos trabalhos, em honra
aqueles que voltaram, num mesmo sentimento dos intrépidos aviadores José Ângelo Gomes
de paulistanidade, estamos, neste momento, Ribeiro e Machado Bittencourt, heróis legítimos
tributando o maior louro à nossa terra. da aviação militar do Brasil, tombados no campo
[1a Sessão Ordinária, 10 de julho de 1936] da honra, precisamente há quatro anos, quando

Acervo Histórico 13
defendiam as armas revolucionárias de 1932. não pode ter ligações políticas. Ele tem que
Requeiro, mais, sejam comunicadas às famílias dos ser examinado de uma maneira natural, apenas
mesmos as homenagens prestadas pela Casa. levando-se em conta os fatos praticados pelos
Sala das sessões, 24 de setembro de 1936. – que heróis se tornaram.
Machado Florence Não posso fazer diferença no sentido do
heroísmo dos 18 do Forte de Copacabana e
O requerimento foi apresentado pelo deputado aqueles que defenderam, bravamente, o 12o
classista Machado Florence. A legislatura de 1935 foi Regimento, em Belo Horizonte, por ocasião
a única na nossa história a ter, além dos deputados da revolução de 1930. Os 18 do Forte estavam
eleitos pelo povo, deputados classistas, eleitos por animados por um ideal, para eles superior,
determinados segmentos sociais. Machado Florence para eles sincero e certo; os legalistas do 12o
era o representante da Imprensa na Assembleia Regimento, de Belo Horizonte, assim também
Legislativa. Ao justificar seu requerimento, o se apresentavam no cumprimento de seu dever,
deputado evocou a morte dos aviadores: defendendo a última cidadela da legalidade
dentro do Estado de Minas Gerais.
O SR. MACHADO FLORENCE – Sr. [63a Sessão Ordinária, 24 de setembro de 1936]
presidente, mais ou menos em dia triste e escuro
como o de hoje, há quatro anos, no dia 24 de Interessante notar que, decorridos quatro
setembro de 1932, a cidade de São Paulo, vivendo, anos da Revolução, os discursos na tribuna da
então, horas de maior intensidade, recebia, Assembleia não se limitavam apenas a elogios dos
através de comunicados procedentes de Santos, combatentes e a lamentações pelas mortes. Os
a notícia de que haviam tombado, na defesa dos discursos exibem também um lado menos heroico,
ideais pelos quais nos batíamos, naquele trimestre por assim dizer. Em 1933, havia sido instalada uma
de glórias e de dores, os denodados aviadores comissão de sindicância para apurar irregularidades
patrícios José Ângelo Gomes Ribeiro e Mário de em requisições militares referentes à Revolução de
Machado Bittencourt. 1932. O deputado Diógenes de Lima solicitou ao
São Paulo inteiro, sr. presidente, ao receber a notícia, governo informações a respeito desses valores:
sofreu amargamente, levando em conta que, além
do prejuízo material de dois guerreiros do espaço O SR. DIÓGENES DE LIMA – PRP – Sr.
que sucumbiam, existia ainda a dor natural que presidente, srs. deputados, há três meses dirigi à
sempre aparece quando se vê a queda cheia de Mesa um requerimento, que tomou o número 48,
beleza de uma mocidade cheia de heroísmo. solicitando ao Exmo. sr. secretário da Fazenda se
(...) dignasse informar:
Não podemos, sr. presidente, na homenagem “1o) em quanto montavam as importâncias pagas
que hoje fazemos, nesta Casa, determinar apenas e a pagar pelo Tesouro do Estado das requisições
como sendo uma glória paulista os nomes desses militares da Revolução Constitucionalista de
dois aviadores. 1932, em Mato Grosso e Goiás.”
Não, sr. presidente! Eles são glórias legítimas da Pedi eu, sr. presidente, tais informações, que
nacionalidade, e, posso dizer, são figuras mais foram solicitadas em setembro do presente ano,
gloriosas da nossa aviação militar! e não foram dadas até hoje.
(...) A história do mundo, a vastíssima história Decorreram quatro anos desde que tais requisições
universal é cheia de fatos imperecíveis, que, não foram feitas, tempo mais do que suficiente para
obstante o desaparecimento dos seus autores, o Governo do Estado verificar da procedência
pemanecem para todo o sempre nas suas páginas dos pedidos feitos pelos interessados.
maravilhosas. (...) E esse entusiasmo não tem, (...)

14
Pedi mais, sr. presidente, a relação discriminada processos suspeitos; se para isso foi necessário
de todas as requisições, com o respectivo trasladar-me a Mato Grosso, onde percorri,
número de ordem, nome dos interessados, local em companhia do meu prestimoso auxiliar dr.
da procedência, valor declarado, importâncias a Lamartine Mendes, todo o sul do Estado, de Três
pagar e pagas, em quanto importam as reduções Lagoas a Campo Grande, à fronteira do Paraguai,
feitas pela comissão de sindicância nomeada a Porto Esperança e a Corumbá; se me foi dado,
pelo Decreto n 6.045, de 18 de agosto de 1933,
o
nesse lapso, coligir provas as mais diversas para
informação essa que o sr. secretário da Fazenda invalidar a fraude “camuflada” por documentos
podia fornecer no momento. revestidos de todos os requisitos materiais
(...) Essa comissão de sindicância já terminou os de autenticidade; se, ao depois, processos
seus trabalhos há mais de dois anos. Dela fazia examinados de São Paulo, Mato Grosso, Paraná e
parte o ilustre deputado sr. César Salgado, e o Goiás, acompanhados dos respectivos pareceres
seu trabalho já foi, há muito, concluído. e da relação em ordem alfabética e numérica
(...) Pedi, finalmente, dos seus titulares com as
informações sobre se importâncias pedidas e a pagar;
foram instaurados pela a vastíssima história se pude enfim desmascarar os
polícia os necessários universal é cheia de planos de um verdadeiro complô
inquéritos para apurar cuidadosamente organizado
a responsabilidade das
fatos imperecíveis, para um assalto em grande
pessoas envolvidas nas que, não obstante o estilo aos cofres de São Paulo,
falsificações de diversas desaparecimento dos seus não vejo por que a Secretaria da
requisições de Mato Fazenda acha exíguo o tempo
Grosso. autores, pemanecem para de três meses para transmitir as
[124 Sessão Ordinária, 5
a
todo o sempre nas suas simples informações solicitadas.
de dezembro de 1936]
páginas maravilhosas (...) A audácia dos fraudadores
chegou ao cúmulo de fantasiar
O deputado César requisições em nome de pessoas
Salgado, responsável pela citada comissão de e de firmas inexistentes em cidades deste Estado
sindicância, relatou seu trabalho: e de Mato Grosso. E dizer-se que até esses
processos se achavam no Tesouro com ordem
O SR. CÉSAR SALGADO – PRP – De de pagamento quando assumi a sindicância!
fato, sr. presidente, quando interventor federal, (...) Para termos a certeza de que medidas
neste estado, o sr. general Daltro Filho, fui eu imprescindíveis foram tomadas, para que a
surpreendido por um decreto, longamente Assembleia possa verificar quais os recursos
fundamentado de S. Exa., nomeando-me para de que lançou mão o Poder Executivo, por
proceder a rigorosa verificação da legitimidade intermédio da polícia, na apuração de graves
dos processos das requisições militares de 32. responsabilidades, é que também inscrevemos
Dizia o sr. general Daltro Filho, dentre outras no pedido de informações esse item
considerações, que se impunha a sindicância referente aos inquéritos que deviam ter sido
ante a denúncia de graves irregularidades, e até rigorosamente instaurados.
de crimes, que importavam em vultosa lesão ao [124a Sessão Ordinária, 5 de dezembro de 1936]
Tesouro do Estado.
(...) Se a comissão de sindicância, em pouco Os deputados também abordaram a questão
mais de um ano, conseguiu, através de inúmeras dos pagamentos atrasados dos militares que
dificuldades, apurar o mérito de cerca de dois mil participaram da Revolução:

Acervo Histórico 15
O SR. DIÓGENES DE LIMA – PRP – (...) Muitos dos deputados da legislatura 1935-1937
Sr. presidente, decorridos que são quatro anos, haviam participado na Revolução de 1932. No
esses nobres oficiais que foram sacrificar suas trecho a seguir, em que se discute o pagamento
vidas, seu sossego e o seu bem-estar, até hoje dos militares, breves
não receberam o miserável soldo a que fizeram depoimentos nos
jus pelo serviço de campanha. (...) mostram a participação
O SR. ROMÃO GOMES – PC – Os oficiais dos parlamentares na
da ativa, os inferiores e as praças receberam os Guerra Paulista.
seus vencimentos, que se dividem em soldo e
gratificação, durante o movimento armado de O SR. ERNESTO
1932, no fim de cada mês, sem exceção alguma. LEME – PC – Eu
(...) V. Exa. está se referindo, naturalmente, ao desejo dar a V.
terço de campanha e não ao soldo, como disse Exa. apenas um Ernesto Leme

há pouco. esclarecimento: os componentes do batalhão a


O SR. DIÓGENES DE LIMA – PRP – Seja que eu pertencia se recusaram terminantemente
o terço de campanha; o que é certo é que não a receber.
têm recebido. O SR. ALFREDO ELLIS – PRP – Os do
O SR. ROMÃO GOMES – PC – (...) Esse meu batalhão também, o que não se deu com
soldo e gratificação, ou esses vencimentos, os oficiais.
foram pagos pontualmente. Existe ainda o terço O SR. ROMÃO GOMES – PC – Perdão: os
de campanha, que também foi pago a todos os oficiais em sua generalidade são pobres e não
oficiais e praças, e foi feito pontualmente porque poderiam deixar que a fome medrasse em seus
os referidos proventos foram sacados em folha. lares.
O que há é o seguinte: como os quadros da Força O SR. ALARICO CAIUBY – PC – Eu também
Pública foram desdobrados na ocasião, para se nada recebi, durante os três meses que servi na
aumentar o efetivo da tropa, necessário se tornou campanha constitucionalista.
que os oficiais exercessem cargos superiores aos O SR. CINTRA GORDINHO – PC – Aliás,
de sua patente. Assim um capitão que exercia o ninguém foi servir à campanha constitucionalista
cargo de major ou de tenente-coronel, na ocasião, com o intuito de ganhar.
recebeu os vencimentos correspondentes ao seu (...)
posto efetivo. Devo frisar que tais vencimentos O SR. ROMÃO GOMES – PC – V. Exa
absolutamente não foram retardados. Agora, os há de convir comigo que o movimento
vencimentos que lhes cabiam, correspondentes constitucionalista de São Paulo foi um
aos cargo de maior responsabilidade que exercia, movimento contra a União, e, portanto,
e que nada mais são que a diferença entre os contra o poder constituído. Em tais condições,
vencimentos da patente efetiva e os do cargo chegou-se a entender que os pagamentos
transitório — esses vencimentos, ou essa extraordinários não deveriam ser feitos àqueles
diferença é que ficou para ser paga. É verdade que serviram nesse movimento considerado
também que mais de dois terços desses oficiais de rebeldia. Mas eu mesmo, como já afirmei,
já receberam a diferença aludida, sendo que tive ocasião de esclarecer em pareceres que
outros ainda não. Neste particular, S. Exa. o era justo atender à pretensão dos interessados;
nobre deputado sr. Diógenes de Lima tem toda e com esses pareceres concordou a digna
a razão. O que desejo, porém, deixar bem claro, administração da Força Pública e o honrado
é que não se trata de soldo, nem tampouco de Governo do Estado.
ordenado ou vencimentos. [124a Sessão Ordinária, 5 de dezembro de 1936]

16
Documento em foco
Medalha da Constituição – Cartas dos
combatentes de 32
Nesta edição, dedicada a relembrar a história prestou serviços. A partir daí, seria organizado um
da Revolução de 1932, decidimos publicar alguns inquérito com documentos coletados e o histórico
documentos que trazem à tona o lado humano das da atuação do interessado. Estes documentos eram
batalhas, expondo os pensamentos e sentimentos então encaminhados à Comissão da Medalha,
de quem estava nas trincheiras: cartas enviadas por constituída na Assembleia Legislativa.
combatentes durante a guerra paulista. Toda a documentação enviada pelos veteranos
As cartas selecionadas estão sob guarda do ao longo dos anos foi catalogada pelo Acervo
Acervo Histórico da Assembleia Legislativa junto Histórico da Assembleia Legislativa em 2015,
a demais documentos enviados pelos participantes havendo, sob nossa custódia, aproximadamente
da Revolução com a finalidade de receber a 10 mil processos de ex-combatentes e civis que
Medalha da Constituição. Esta Medalha, instituída atuaram em 32 solicitando a Medalha.
por meio da Resolução no 330, de 1962, oriunda do Em 2016, foi realizada na Assembleia Legislativa
Projeto de resolução no 15, de 1959, de autoria do a exposição “Medalhas da Constituição: Visões
deputado estadual Israel Dias Novaes (UDN), foi sobre 32 na Assembleia Legislativa do Estado de São
criada com o intuito de condecorar e homenagear Paulo”, que, além de cartas, reuniu fotos, recortes
os civis ou militares que tenham participado da de jornal e documentos outros pertencentes aos
Revolução de 9 de julho de 1932. combatentes e civis que atuaram no movimento
De acordo com a resolução, qualquer veterano constitucionalista. Atualmente, a exposição pode
de 32 interessado em receber a medalha deveria ser visitada virtualmente através do link: https://
solicitá-la ao comandante da unidade em que www.al.sp.gov.br/acervo-historico/exposicoes/
atuou ou ao dirigente civil sob cujas ordens medalhas/

“Correio Militar do
M. M. D. C.
Papai a bença
Espero que esta vá
encontrar todos gozando de
perfeita saúde.
Eu vou indo bem, um
pouco cansado, pois entrei
num combate de 20 horas
seguidas, o que parece que
não é brincadeira.
Sem outras novidades,
Fim.”

Carta enviada pelo combatente


Antonio Alves Siqueira Jr., de São
Paulo, Capital, que recebeu a Medalha
da Constituição em 1966

Acervo Histórico 17
“Das trincheiras do Setor Norte, 7 de setembro de 1932 porque és única respiração de minha vida, que jamais
Querida Ida, poderei esquecer.
Neste momento o que mais desejo a ti e sua prezada Hoje faz justamente 57 dias que eu me empenhei para
família é saúde e felicidades. Eu aqui presentemente vou a defesa de nossa São Paulo e querido Brasil, e creio que
indo bem. Cara Ida, creio eu que depois de muito tempo, estará para breve o soar de nossa almejada vitória para o
e eu aqui das trincheiras a escrever-te estas poucas linhas bem de todos [ilegível] beija nosso Cruzeiro do Sul.
sinceras, você há de dizer: Será possível que Antoninho Se quiseres me escrever adiante, te mando meu
se lembra de mim ainda? Pois, Ida, poderás crer que nas endereço de trincheira e espero, querida Ida, de ainda
noites de vigília e combate que tive, jamais esqueci de você falar muito contigo na volta de nossa vitória.

18
Carta do combatente Antonio Andreoni, de Campinas,
Sem mais, desejando novamente paz e saúde a você e a sua que recebeu a Medalha da Constituição em 1982

prezada família.
Receba muitas saudades do
Antoninho
Meu endereço até segunda ordem:
Antonio Andreoni Soldado no 151
6o R.I. 2a cia pel. sob comando do Tenente Eurípedes
Simões SILVEIRAS
Não arrepare no papel que é cavado com dificuldade e
escrito em cima de um prato.”

Acervo Histórico 19
Carta recebida por Maria Eulália Botelho
de Moraes Salles, de São Carlos, que atuou
como enfermeira na Revolução de 32,
e enviada por seu esposo, dr. Taylor de
Moraes Salles, também agraciado com a
Medalha da Constituição em 1966

“31 de julho de 1932


Mariazinha querida,
Estamos novamente em Bandeirantes, de volta da Sibéria!!!
E aqui recebi sua cartinha e os cigarros que você me mandou.
É muito útil você aprender enfermagem, porém eu não
gostaria que você saísse de São Paulo. Enquanto você aprende
micróbios, eu estou aprendendo com o sargento Lemos da
Força Pública a lidar com a metralhadora pesada. Já sei
montá-la inteirinha e se tiver um bom municiador, aguento
firme na retranca.
*Fernão Salles, combatente do Batalhão Fernão Dias, que Aceito o seu conselho de não levantar a cabeça, mas não
tinha como comandante o capitão Pietscher, foi morto em combate é preciso – a metralhadora cava os beiços da trincheira e
durante batalha das tropas constitucionalistas na cidade de Ouro vai buscar o camarada. É o que eu penso que aconteceu ao
Fino, em Minas Gerais primo Fernão.”*

20
Nova carta de Antonio Alves Siqueira Jr.

“Correio Militar do M. M. D. C.
Ao sr. tenente coronel Siqueira,
Papai, é o meu maior prazer que estas linhas encontrem
todos gozando de perfeita saúde.
Papai, escrevo apenas para dizer-lhe que na data de
hoje passei a “cabo” “const.” da guarda do 8o Batalhão em
Itapetininga
A bença recomendações aos nossos colegas”

Acervo Histórico 21
Carta enviada pelo combatente
Moacyr Domingues, de São Paulo,
Capital, que recebeu a Medalha da
Constituição em 1988

“Senhorita Yolanda,
Desde o dia em que eu vim outrora para as linhas
de frente, só tenho escrito a você, mas ter resposta
nenhuma. Será porque você não sabe aonde que eu
estou? Não é por falta de eu te escrever. Mas queira
aceitar uns abraços de seu noivo.
Moacyr Domingues, cabo do Batalhão Bahia.”

A exposição “Medalhas da Constituição: Visões sobre 32 está disponível no link


https://www.al.sp.gov.br/acervo-historico/exposicoes/medalhas/

22
LIVROS DO ACERVO
A Guerra de S. Paulo, de Manoel Osorio
Entre os livros pertencentes
à Divisão de Acervo Histórico
sobre o agitado período que
sacudiu São Paulo entre as
décadas de 1920 e 1930, diversos
abordam a revolução encabeçada
pelos paulistas em 1932 pela
reconstitucionalização do País,
então sob o governo Vargas.
Um dos mais polêmicos é A
Guerra de S. Paulo: 1932 – Esboço
crítico do maior movimento armado
no Brasil 1 , de Manoel Osorio,
jornalista e escritor gaúcho.
Publicado em 1933, no calor
dos acontecimentos, como obra
de opinião, Osorio registra que
“este livro não pode documentar
os seus argumentos, visto que
é escrito na ocasião em que os
acontecimentos se desenrolam.
Nós nos limitamos a aduzir o que
a imprensa nos oferece” (p. 151).
Escrito em São Paulo
durante a contenda, faz
contraponto crítico ao ideal
paulista, na grande maioria de
seus argumentos. Exatamente
esse aspecto parece indicar sua
leitura. Sua contemporaneidade
dos fatos pode, talvez, mostrar
outras facetas da São Paulo do Capa do livro A Guerra de São Paulo 1932

início dos anos 30. Política – o livro de Osorio trata, sob o ponto
Sem a visão distanciada no tempo, o autor de vista de um simpatizante, dos problemas que
ainda não tem a percepção dos desdobramentos a revolução de 1930 enfrentou em São Paulo,
do movimento que, apesar de derrotado, acelerou com as dificuldades da implantação daquele
a reconstitucionalização do País em 1934. governo no Estado, passando pelos eventos que
Dividido em duas partes, na primeira – A culminaram com a morte dos cinco jovens que
inspiraram a criação da instituição que persiste
1  Esta obra (São Paulo, Empresa Editora Americana, 1932) está
até os dias de hoje – a Sociedade Veteranos
registrada sob o número AH 28714, disponível para consulta na Divisão de 32 – MMDC, em homenagem a Martins,
de Acervo Histórico da Alesp, de segunda a sexta-feira, das 9 às 19 horas,
exceto feriados. Miragaia, Dráusio e Camargo, mortos em 23 de

Acervo Histórico 23
maio de 1932, e Alvarenga, falecido alguns dias no Rio de Janeiro, e deporiam Getúlio Vargas sem
mais tarde. derramamento de sangue, o que não aconteceu.
A obra evolui em suas observações sobre a Apoiado somente por forças do então Mato
situação política do momento em São Paulo, citando Grosso, São Paulo se vê isolado, cercado pelas
com familiaridade nomes e fatos hoje fartamente forças federais.
conhecidos pela história com a desenvoltura de Osorio abre assim o capítulo “A guerra e a
quem os conheceu pessoalmente. Ditadura”:
Relata, uma a uma, as interventorias federais
e suas dificuldades para governar o Estado, até a Estamos a treze de setembro. A imprensa [de S.
chegada do embaixador Pedro de Toledo, que veio a Paulo] divulga vasto noticiário pelo qual vemos
ser aclamado governador pelos constitucionalistas, o país quase inteiro conflagrado. No Rio Grande
e depois passou para o lado do movimento, fazendo do Sul, (...) em Minas, no Pará, no Estado do Rio
parte de sua liderança. estão em armas muitos mil homens.
Ao longo de todo o trabalho, Manoel Osorio O espírito popular é incapaz de formular juízo
tece observações sobre a índole do povo paulista: sobre a realidade da situação; além disso, o
trabalhador, em quem “vê-se aquela fisionomia seu otimismo continua ao serviço da guerra.
concentrada e quieta”, e que toca seu cotidiano Convenceu-se de que duvidar da vitória é
sem consciência do que se desenrola à sua volta. comprometê-la (...) (p. 147).
De acordo com o autor, essa última característica
favorece o campo aberto à influência da imprensa, Esgotados finalmente os recursos bélicos de São
que, após os primeiros tempos da revolução de Paulo, em 2 de outubro o governo paulista divulga
30, começa a difundir a ideia da necessidade carta de armistício, também reproduzida no livro.
urgente de se fazer uma nova constituição e vai Manoel Osorio assim conclui seu trabalho:
incitando os ânimos no rumo do movimento
constitucionalista de 1932. Encerremos este livro. Nestes dias o espírito do
Na segunda parte do livro – A Guerra – povo está por demais sensibilizado para que se
Osorio mapeia a revolução constitucionalista, escreva com minúcia os episódios da luta. Talvez
que ele chama de “A Guerra de São Paulo”, em outras edições o façamos.
descrevendo manifestações, movimentos e Nesta guerra, entretanto, há uma página que
personagens importantes e suas relações, é impossível se escrever. Nem o tempo, nem
desde alianças militares, movimentos sociais, a inteligência humana, nem a História, com
recuo e desistência de estados que haviam se a pesquisa tantas vezes falha de seus autores,
comprometido a participar; transcrevendo muitos conseguirão interpretar a realidade da abnegação
artigos jornalísticos considerados influenciadores do povo paulista e o heroísmo de seus filhos.
ou fantasiosos, discursos vários para convocação O sangue derramado há de se apagar sobre a terra;
de voluntários, para arrecadação de ouro a fim os ossos, cedendo à fatal transformação dos seus
de financiar o movimento, para estimulação e elementos, desaparecerão; os mutilados, cujos
manutenção do ânimo dos paulistas, realizados males oferecem generosamente perdão aos erros
antes, durante e depois da deflagração do dos que ficaram vivos e sãos, terão no futuro o
movimento em 9 de julho de 1932. prêmio de sua bravura; o exemplo, porém, a mais
O abandono de São Paulo por três estados profunda lição dos povos, cresce e avulta com os
que haviam se comprometido a apoiá-lo prejudica séculos, na memória das gerações.
enormemente as possibilidades de sucesso do O adversário não venceu os combatentes.
movimento. Se unidos, em poucos dias, segundo Esgotou alguns dos seus principais elementos de
os idealizadores, invadiriam o Palácio do Catete, guerra (p. 209).

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