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Em anos anteriores não se podia escrever e publicar sobre o assunto, ainda que
muitos o tenham feito, pois a censura oficial e a repressão das forças de segurança
estavam vigilantes. Vale lembrar, que havia uma interdição oficial de 1971, expressa
depois da execução de Lamarca e Zequinha, para deter qualquer publicação, tratando da
vida ou dos episódios sobre a morte do guerrilheiro e ex-capitão do exército. A
determinação oficial da censura, fora manifestada, pelo presidente Garrastazu Médici, em
22 de setembro de 1971, nestes termos:
Por determinação do presidente da República, qualquer publicação
sobre Carlos Lamarca fica encerrada a partir da presente, em todo o
país. Esclareço que qualquer referência favorecerá a criação de mito ou
deturpação, propiciando imagem de mártir que prejudicará interesses
da segurança nacional (GASPARI, 2002, apud, MARCONI,1971).
A denúncia da tortura
1 De acordo com Maria Helena Moreira Alves, no livro “Estado e Oposição no Brasil (1964-1984)”, a
teoria do “inimigo interno” estava baseada na Doutrina de Segurança Nacional (DSN) e sua definição de
guerra revolucionária, demarcada por fronteiras ideológicas e não territoriais. Assim, postulava a crença na
manifestação de uma infiltração comunista internacional em diversos setores da sociedade, responsável por
fomentar conflitos e dissensos internos e ameaçar a segurança nacional; sendo identificados como
indivíduos, partidos políticos, movimentos sociais e sindicatos, que despontasse oposição ao governo dos
militares.
em torno do vanguardismo e militarismo reinante na organização. De acordo com os
autores do livro, “estava convencido: a VPR era inviável, extremamente vanguardista. A
teoria jamilista negava qualquer espaço para as massas, para o povo, e Lamarca não via
possibilidade de mudanças” (JOSÉ, MIRADA, 1981, p.111). A mencionada teoria
jamilista consistia na defesa da atuação da guerrilheira rural a partir do foco guerrilheiro,
em detrimento nos movimentos de massa e da militância nas cidades.
No relato apresentado na obra, o momento de inflexão ocorreu a partir do
sequestro do embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher. Na ocasião, “o debate interno
do ‘mata-não-mata-o-embaixador’ (sic) foi o ponto de partida de toda uma revisão do
clico da luta armada, e Lamarca sai na frente” (JOSÉ; LAMARCA, 1981, p.106).
Defendia o guerrilheiro, que a VPR devia revisar a forma de luta, mudar a estratégia de
atuação e romper o círculo vicioso que havia criado, ou seja, de prisões de militantes,
torturas e assassinatos, e novos sequestros de embaixadores para libertar os companheiros
presos.
A partir de março de 1971, Carlos Lamarca, desligou-se do comando da VPR, e
passou a integrar o MR-8, identificando nesta organização uma alternativa para continuar
a ação guerrilheira, e, sobretudo, por considerar o papel da mobilização popular no
processo de luta. Na versão apresentada pelos autores, o MR-8, “Apesar de fazer parte da
esquerda armada, reservava às massas algum papel no processo revolucionário. Para ele,
abria-se novamente a possibilidade de ir para o campo, fazer o foco guerrilheiro e libertar
o país” (JOSÉ; LAMARCA, 1981, p.111). Entretanto, naquele momento do ingresso do
principal nome da luta armada na organização, o MR-8, encontrava-se encurralado pela
repressão no Rio de Janeiro, com prisões e assassinatos sob tortura de militantes, a
exemplo, da morte de Stuart Edgar Jones. No livro, relatasse que diante do cenário
repressivo, a organização guerrilheira foi obrigada a deslocar Lamarca para o Estado da
Bahia, a fim de garantir a segurança do ex-capitão (JOSÉ; LAMARCA, 1981, p.111-
112).
No relato dos autores, Lamarca e sua companheira, também militante do MR-8,
Iara Iavelberg, acossados pela repressão no Rio de Janeiro chegaram a Bahia com apoio
da organização. Ela foi encaminhada para Salvador, ele foi acompanhado por um
militante da organização para Brotas de Macaúbas, município localizado no interior do
Estado. Lamarca passaria, então, ajunta-se a José Campos Barreto (Zequinha), Luís
Antônio Santa Bárbara, Olderico Campos Barreto e Otoniel Campos Barreto. Na zona
rural do município eles deviam desenvolver atividades de formação política da população
local.
Todavia, em Salvador, ao longo do ano de 1971, sucederam prisões de membros
e dirigentes do MR-8, submetidos a tortura, foram descobertos aparelhos e pontos de
encontros. Em carta para Iara Iavelberg, transcrita no livro, datada de 1971, Lamarca
escreveu: “11 Ago – A queda do Kid pode alertar a repressão e, se abrir o que sabe, acaba
o que existe no campo. Achamos que não abre, mas passa a existir a insegurança” (JOSÉ;
MIRANDA, 1981, p.148). Depreende-se a partir do relato dos autores, que a prisão e
tortura deste militante foi importante para a repressão localizar Carlos Lamarca no sertão
da Bahia, no Cristalino do Buriti, município de Brotas de Macaúbas, distante cerca de
600 quilômetros de Salvador. “No Buriti a repressão já chegou muito bem-informada. Zé
Carlos, duas semanas depois de preso, havia confirmado a presença de Lamarca na região
e os órgãos de segurança começaram a enviar homens para a área” (JOSÉ; MIRANDA,
1981, p.152).
De modo que, com a localização de Lamarca, se fizeram presente na região
todos os órgãos da comunidade de informação e repressão política:
Ao todo, o major Nilton de Albuquerque Cerqueira chefiava 215
homens, um comando difícil de ser exercido. Havia elementos de todos
os órgãos de segurança do país, cada um perseguindo a autoria da
proeza de matar o Capitão Lamarca (JOSÉ; MIRANDA, 1981, p.154).
Considerações Finais
Referências:
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte e política.
Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas. Vol.1. Tradução: Sérgio
Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987. p.223-232.
GÁSPARI, Élio. A ditadura escancarada. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
JOSÉ, Emiliano; MIRANDA Oldack de. Lamarca: o capitão da guerrilha. 1. Ed. São
Paulo: Global, 1980.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo.
Companhia das Letras. Belo Horizonte. UFMG, 2007.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura
política, 1974-1985. In: O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em
fins do século XX. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Org:).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.