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CAPACETES DE
AÇO
A GUERRA NO SECTOR
NORTE
SAMUEL BACCARAT
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CAPACETES DE AÇO
2
Edição digital e gratuita da obra escrita em 1932
pelo Dr Samuel Baccarat
organizado pela
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Foto 1: Samuel Baccarat anos 30 – ACERVO
GILMAR DOMINGOS DE OLIVEIRA
8
Coordenação Geral e Diagramação
Rodrigo Gutenberg
Organizadores:
Marilina Baccarat, Cássio Martin,
Rodrigo Gutenberg, Tadeu de Monjardin,
Virgínia Helena Quadrado, Camila Giudice.
Ilustrações:
Camila Giudice
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Antes de prosseguir com o proposto até
aqui, gostaria de agradecer...
O apoio que tive e tivemos da Associação
dos Combatentes de Santos, já mencionada na
técnica, na pessoa de seu presidente Dr
Murilo Pinheiro Lima Cypriano. Destacamos o
Sr Gilmar Domingos de Oliveira, Jornalista,
membro do Instituto Histórico e Geográfico
de Santos, 2º Tesoureiro da Associação dos
Combatentes de Santos e que se dedica, há
muitas décadas, como preocupação em sua
vida, cuidar da memória da Revolução de
1932 de Santos. Foi ele que gentilmente
ofereceu, em formato digital, três
importantíssimas fotografias de santistas
que combateram na Revolução de 1932, entre
elas, raras imagens do Dr Samuel Baccarat,
objeto de nosso trabalho. A fotografia do
Dr S. Baccarat nunca havia sido publicada.
Acertadas as medidas de direito autoral,
temos, assim, raras e ótimas imagens de
combatentes santistas de 32 nesta obra
especial.
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dizendo isso já resumo a importância de sua
chancela neste trabalho.
Gratifico a queridíssima Cinthia Amorim que
em uma fase difícil de conclusão desta
obra, trouxe-me o alento e a força para a
conclusão.
Rodrigo Gutenberg
Historiador MMDC
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ÍNDICE
PREFACIADORES CONVIDADOS
CARLOS ROMAGNOLI.........................19
LUIZ FERNANDO DE SOUZA MARCONDES.........21
MARILINA BACCARAT........................25
CAMILA GIUDICE...........................28
CASSIO MARTIN............................30
TADEU DE MONJARDIN.......................31
RAPHAEL BARBOSA..........................33
EDUARDO CÉSAR WERNECK....................36
LUCAS PUPILE.............................38
FILIPE OLIVEIRA..........................41
GILMAR DOMINGOS DE OLIEIRA...............42
SERGIO RIGHI.............................43
MALCOLM FOREST...........................46
CAPACETES DE AÇO
DEDICATÓRIA................. ............47
PREFÁCIO.................................47
CAPACETES DE AÇO.........................48
OS PRIMEIROS DIAS........................49
D. POLITICALHA...........................51
POR UM TRIZ..............................55
OS CHEFES................................57
QUITAÚNA.................................59
VIDA NOVA................................61
RECOMPOSTO O BATALHÃO....................63
UMA NOITE NA IGREJA......................64
A GUERRA, A GUERRA.......................66
PERFIS...................................68
QUEDA DE QUEUZ...........................77
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JOÃO
PINHO....................................79
PINHEIROS................................80
O COMANDO DO SETOR.......................81
SERVIÇO DE SAÚDE.........................83
ATRINCHEIRA..............................84
A BOIA...................................85
PESSOAL DA INTENDÊNCIA...................86
A MUAMBA.................................90
O P.C. ..................................90
A LUTA...................................92
BATISMO DE FOGO..........................95
BOMBARDEIO AEREO.........................95
ENGENHARIA...............................96
O BLINDADO...............................97
OS MORTOS................................97
FERIDOS..................................99
MUNIÇÃO..................................99
OS “PATRIA AMADA”.......................100
ROCHA MARQUES...........................100
RETIRADA DE PINHEIROS...................101
ESPIONAGEM..............................103
EM PINDAMONHANGABA......................104
GUARATINGUETÁ...........................106
OS CHEFES...............................108
AS PECTOS DA CIDADE.....................110
O CAPACETE DE AÇO.......................113
HOSPEDE DO PAES LEME....................114
BOMBARDEIO DE GUARATINGUETÁ.............116
APARECIDA...............................118
ESPIÕES.................................119
FORNECIMENTOS...........................120
O CONVÍVIO..............................122
ARMISTÍCIO..............................131
A REUNIÃO DE GUARÁ......................133
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Caros leitores, vocês estão prestes a
conhecerem ou se aprofundarem numa das
páginas mais espetaculares da história de
nosso Estado de São Paulo e porque não
dizer do Brasil.
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Meu respeito e admiração ao Historiador
Rodrigo Gutenberg pela brilhante iniciativa
de modernizar esta obra singular da
Literatura da Revolução Constitucionalista
de 1932, episódio épico da história deste
Estado.
Dr Carlos Romagnoli
Presidente da Sociedade Veteranos de 32 – MMDC
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Nos capítulos do livro Capacetes de Aço em
que o Dr Samuel Baccarat escreve sobre os
combates do qual participou, me lembra
muito o mesmo estilo do meu avô, há a mesma
euforia, espírito de combate, energia,
inteligência e potência cívica, para reger
o que tocar, é como que se a energia
empregada em 1932 estivesse presente até o
fim de suas vidas.
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DR. SAMUEL BACCARAT
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Em 1915, formou-se na faculdade de
direito do largo São Francisco, em São
Paulo e logo iniciou sua carreira de
ilustre advogado...
Foi deputado estadual pelo PRP, no
biênio 1925-1927. O pai do Dr. Samuel
(Elias Baccarat) era judeu francês e
praticante da religião judaica, assim como
são judaicos todos o Baccarat da
França...
Mas, por ocasião de seu casamento, a
igreja católica apostólica romana,
ajuramentou Elias Baccarat, obrigando-o a
assinar um documento, onde ele se
comprometia a não impedir que os filhos
fossem criados com a doutrina da igreja
católica apostólica romana. De tal modo,
todos seguiram a religião da mãe Ana
Cândida Baccarat...
Em 1934, Dr. Samuel, juntamente com
a esposa Alda Arruda Baccarat, viajou
para a Europa, com o intento de assistir à
festa de canonização de Dom Bosco. Mas,
foi contraído por uma crise de apendicite
e veio a falecer na Clinique Bouchard, em
Marselha, na França, com quarenta e dois
anos de idade...
O translado do seu corpo, para o
Brasil, foi com o avião das forças aéreas
brasileiras e foi sepultado em Santos, no
cemitério Paquetá, com um grande
acompanhamento...
Foi um brilhante advogado, querido e
amparado por todos os irmãos, pois tinha,
apenas, dois anos, quando seu pai veio a
falecer...
25
Tinha o escritório na rua Santo
Antônio, 107 e a sua residência era na
Av. Conselheiro Nébias, 450, em
Santos,SP...
Eu, como sobrinha neta de Samuel
Baccarat, tenho muito orgulho de carregar
o sobrenome Baccarat...
Dr. Samuel lutou na revolução
constitucionalista de 1932 e disso ele
guardava um grande orgulho...
Esse livro, “Capacetes de Aço”, todos
os Baccarat o guardam com muita
altanaria...
E com essa reedição, organizada pelo
professor Rodrigo Gutenberg, a altivez da
família Baccarat vai ser bem maior...
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“(...) A trincheira é um mundo à parte, que
só pode conhecer quem nela penetrou. Tem o
condão de apertar os homens por um vínculo
estreito de solidariedade(...)” Samuel
Baccarat
E assim o fez.
Suas palavras eternizaram estes valorosos
homens, e a atmosfera de um 32 que jamais
veremos novamente. Homens de corações
nobres, vivos em nossas memórias.
Como uma profecia, se marcava a
grandiosidade deste momento nos passos
destes destemidos heróis que colocaram à
disposição seu bem maior, acompanhados pela
entusiasmada e fervorosa paixão da
população que tanto se dedicou ao que
acreditavam. 1932 sempre será grandioso.
Glorificado seja Samuel Baccarat, sua
história e sua luta, recebendo nosso preito
de eterna gratidão. E que sejamos capazes
27
de dignificar seu amor à São Paulo, onde
seu combate clamou “por um futuro maior, de
paz, de trabalho, de igualdade social e de
fraternidade.”
Camila Giudice
Pintora Paulista que retrata a Revolução
Constitucionalista de 1932. Pertence à
família de grandes combatentes, heróis de
32.
São Paulo, 22 de dezembro de 2020.
28
CAPACETES DE AÇO
Dentre vários relatos registrados em livros, CAPACETES DE
AÇO faz parte de um seleto grupo de especial valor, esta
obra rica em detalhes, leva o leitor diretamente ao campo de
batalha, sem deixar passar nenhum fato importante. Neste
livro podemos acompanhar a jornada de Samuel Baccarat desde
o seu primeiro dia de engajamento até os seus últimos passos
na linha de frente. Assim também como outros autores,
que participaram dos combates em 1932, Samuel Baccarat traz
um testemunho fiel de vários acontecimentos, relembra seus
companheiros de luta, sacrifícios e perdas. Valoriza e
demonstra toda sua admiração pelos mais diversos
profissionais, militares e civis, que tanto se empenharam
nesta epopeia de 32. Reconhece e enaltece os demais
Brasileiros, de outros Estados, que abraçaram a mesma causa
e cerraram fileiras como verdadeiros irmãos em armas.
Também confirma a grande diferença entre as forças de
Getúlio Vargas e o Exército Constitucionalista, este que,
mesmo nos seus piores momentos do conflito, nunca deixou de
lutar.
29
Pólvora, cercas, trincheira. O relato do combatente
Samuel Baccarat traz em toda realidade e tensão da guerra
os nobres sentimentos que moveram milhares de voluntários
paulistas, que crente na vitória final contra o regime
ditatorial da República, que como um diálogo com os
mortos, ecoam em nossos tempos atuais suas críticas e
conclusões como vívido combate ainda à ser concluído. As
diversas traições que a pátria mãe em sua organização
positivista e corrupta, que pouco valoriza o sangue e suor
das milhares de almas brasileiras que neste solo sagrado
paulista, se convertem em revolta e fúria contra as forças
ditatoriais, fazendo todo o Brasil e o ordenamento
constitucional se submeterem à ampla revisão, mesmo na
derrota do fogo. As descrições reais e carregadas da
poeira da pólvora e da terra vermelha, castigada pelas
bombas, é um dos muitos trunfos do sábio combatente da
Lei, Sammuel Baccarat, que evoca à vida eterna os
batalhões e seus ideais de libertação e emancipação
política, bélica e econômica da terra; o nível final que
toda nação sabiamente letrada no livro e nas armas, chega
certamente e da qual a própria história aguarda ansiosa. A
leitura de Capacetes de Aço é envolvente, real, fotográfica
na descrição de cenários e detalhes, que partindo da
cidade de Santos passando pela capital para finalmente
chegar ao front nas trincheiras e ninhos de metralhadoras
e canhões, tem o pleno poder de envolver em realismo da
história viva e sangrenta, à reflexão para questões que
permanecem presentes na vida de cada brasileiro e de sua
relação com o ainda cego e elitista em corrupções, governo
federal. A traição mais indígna que São Paulo sofreu
mantém perpetuando dor e sangue não apenas no solo
paulista, este que representa demograficamente um perfil
de todo o Brasil, como também na relação ainda
clientelista e anti industrial tal qual nos primórdios dos
tempos de Vargas. Um modelo que pouco evoluiu em suma desde
a antiga colônia portuguesa, e sempre presente em críticas
dos paulistas, acostumados com o poder industrial da
inovação e mudanças, sedentos por um Brasil
verdadeiramente rico e contemplador de seus filhos, não
somente um carrasco cobrador de injustos impostos e
cultuador de inócuos cargos públicos. Em tempos sombrios e
de pouca inspiração organizacional do Estado, Baccarat nos
convida com realidade viva e força de combate, mão à mão,
homem à homem, bala à bala, à emitir luz aos nossos dias,
formando dialética e memória única que se sobrepõe à
história sem vida e sabotada oficial jamais contada
propositalmente nos currículos escolares, que tanto
manipulam paulistas e brasileiros em um mesmo triste fim.
Capacetes de Aço é uma obrigação nos novos anos que virão
30
à cada brasileiro que deseja se libertar da ditadura
federal e de se emancipar como povo proprietário de facto
de sua terra, cultura, educação e autonomia. Abrindo
trincheira à sabotagem da história e da educação
escravagista, enviando como resposta granadas aos
corruptos e mostrando à eles, mais uma vez, que o poder
emana do povo, mais uma vez representando e lutando por
todos os brasileiros, os paulistas em sua sangrenta linha
de frente. Que fique bem claro que os ideiais aqui
apresentados, continuam bem vivos em nossas linhas de
frente e que muitas gerações ainda virão devidamente
educadas com nossos esforços, para derrotar as forças
ditatoriais e emancipar nosso país à liberdade que tanto
almeja.
31
Há 88 anos atrás o estado de São Paulo protagonizava o
último conflito armado da história do Brasil, uma
verdadeira guerra civil envolvendo brasileiros em ambos os
lados do conflito, cada qual defendendo a sua posição, seja
territorial ou de pensamentos. São Paulo com o apoio do
estado de Mato Grosso liderou esta epopéia, popularmente e
oficialmente conhecida como Revolução Constitucionalista
de 1932, contra a ditadura que começara a ser imposta
pelo governo federal através do presidente Getúlio Vargas.
Os clássicos episódios de guerra ocorreram majoritariamente
nos arredores das fronteiras do estado em várias frentes de
combate: norte, sul, leste e litoral, por meio de ataques
aéreos, marítimos e terrestres. Este episódio da história
do Brasil começara na verdade em 1930 quando o então
candidato derrotado Getúlio Vargas ascende ao poder
através de um movimento armado, justamente um golpe
militar, ainda com as características do Tenentismo,
depondo o então presidente Washington Luiz e impedindo a
posse do candidato eleito Júlio Prestes. Passado todo esse
tempo a Revolução Constitucionalista de 1932 continua
sendo debatida e analisada, seja por pesquisadores,
entusiastas, curiosos, em escolas e, como não podia deixar
de ser, em pleno ano de 2020, por meio de redes sociais
através de grupos e páginas especializadas no assunto.
Nota-se que é um assunto delicado e complexo, o qual se
inicia bem antes de 1932 e mesmo após todo esse tempo
ainda há muitas informações e opiniões diversas sobre as
causas do movimento e seus desdobramentos. A literatura
sobre a Revolução Constitucionalista de 1932 é farta,
incluindo o lançamento de diversos livros sobre o assunto
nos últimos anos que são frutos de pesquisas de vários
autores que provavelmente se basearam em literaturas mais
antigas e próximas aos episódios da década de 1930. Após o
movimento revolucionário vários autores se arriscaram em
contar os episódios do conflito através de diferentes
visões: publicações de vários cabeças e chefes do
movimento como o Cel. Euclydes de Figueiredo, Bertholdo
Klinger, Hernani Donato e outros; publicações de
autoridades das diversas cidades que presenciaram o
movimento revolucionário, como o ex-prefeito da cidade de
Cachoeira, hoje Cachoeira Paulista, o Sr. Agostinho Ramos;
até chegarmos em publicações de autores que estavam ali na
frente de batalha, que vivenciaram os dias desse conflito
armado diretamente dentro de trincheiras combatendo bala a
bala com o adversário e enfrentando as adversidades, como é
o caso de Paulo Duarte e o próprio
Samuel Baccarat.
Escrever o prefácio de uma obra lançada naquela época
por pessoas que vivenciaram e conheceram o movimento
revolucionário a fundo não é uma tarefa fácil, requer muita
responsabilidade para que nada seja distorcido, mas ao
mesmo tempo é uma honra, sendo que aceitei a incumbência
com muito prazer. Samuel Baccarat era advogado, foi
32
deputado estadual por dois anos e na eclosão do movimento
paulista aderiu à causa o mais breve possível. Começou como
milhares de irmãos de causa constitucionalista: como
voluntário e soldado raso. Sua obra “Capacetes de Aço” é de
suma importância para que o leitor possa ter uma visão
privilegiada de um combatente, daquele que esteve no
movimento revolucionário desde o seu início até seu fim e
pôde vivenciar com plenitude o dia a dia das tropas
paulistas. Sua obra é verdadeiramente uma homenagem a seus
companheiros de luta formados através do batalhão Maranhão
e posteriormente o 8º B.C.R. (Oitavo Batalhão de Caçadores
da Reserva), enaltecendo os sentimentos de um povo que
abraçou a causa paulista, sem distinção de camadas sociais,
sem distinção de idade, cor, posição ou preconceito. Velhos
inimigos que esqueceram suas diferenças e partiram ao
front de combate unidos: TUDO POR SÃO PAULO! A obra mostra
uma visão inicial de conflitos e dúvidas que pairavam no ar
na eclosão do movimento e que poucos leitores atuais têm
conhecimento e avança para o lado belo, se assim podemos
dizer, de uma guerra, com o desfile dos batalhões pelas
ruas das cidades a caminho do front de combate, com bandas,
entusiasmo das tropas e da população.
O excelente trabalho descritivo feito por Samuel
Baccarat em “Capacetes de Aço” é aqui reafirmado por este
humilde pesquisador da Revolução Constitucionalista de 1932
que é natural da mesma localidade a qual o 8º B.C.R.
atingiu primeiro e onde Baccarat estava designado: a cidade
de Cachoeira Paulista, no front norte de combates. Desta
localidade o batalhão seguiu por diversas outras
localidades como Queluz, Pinheiros, Lavrinhas, Cruzeiro, a
própria Cachoeira Paulista e Guaratinguetá.
34
Prefácio...
35
à mercê da ferocidade ditatorial”. Lamentável...
36
Pólvora n'Alma
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acontecimentos que precederam o conflito. Tudo neste
livro é proveitoso.
Entretanto, embora pareça, esta obra ilustre não é
apenas um Tratado Histórico, mas também Cultural. Desde a
visão geral que o livro fornece até as entrelinhas e
minúcias nos deixam a par duma movimentação da Grande Alma
do povo paulista. Por isso, peço que se atentem a tudo, a
cada palavra posta, a cada intenção por trás da mesma, a
cada relato. Isto feito, olhem para cada uma das pessoas
ao seu redor, olhem para cada pessoa que ocupe qualquer
uma das funçõe que ocupavam aqueles que Samuel Baccarat
descreveu. Quão diferente estão? Se estiverem, por qual
motivo? Qual será a melhor maneira de serem? Como atingir
este desejo?
Lhes peço isso porque a instituição que fundei e em
que trabalho, a Orgulho de Ser Paulista, leva anos a
tecer ideias culturais. Sabemos que, sem nenhuma exceção,
em todos os povos do mundo, cultura e história são
indissociáveis, simbióticas e parte dessa Grande Alma ou
consciência coletiva dum povo. «Capacetes de Aço»
proporciona a experiência de viajar a um tempo que não
mais existe e analisar, com os questionamentos de hoje,
como, quando e por qual motivo nosso rumo mudou. Se nosso
espírito indômito despertou a luta, esta nos marcou a
pele para toda a eternidade. Sabemos também que nossos
ancestrais fizeram ou julgaram ter feito TUDO por São
Paulo.
Hoje, entretanto, o paulista parece dormir. Após a
derrota de 1932, toda sorte de opressão foi lançada sobre
nós. Enfrentamos humilhações, desonras, escândalos,
roubos, calúnias. Injúrias e difamações e inúmeros outros
sofrimentos. A corda de Brasília, outrora do Rio de
Janeiro, está posta no nosso pescoço e nos é dito para
sermos o que não somos.
Não devemos cair em ilusões e pensar que a luta de 1932
começou ali ou que vencemos a batalha (ou a guerra) no
campo das ideias. Essa narrativa nos foi oferecida como
um prêmio de consolação, que é mais uma maneira de nos
manipular. A luta não começou naquele ano, a luta não
terminou aquele ano. A luta continua. Gerações e gerações
de paulistas virão ou já estão aqui entre nós, sob a
égide do Apóstolo Soldado para lutar pela nossa
liberdade. À Paulistânia não resta muito tempo de
cativeiro. Tal como a onda que fez gritarmos «Tudo por
São Paulo», virá aquela em que diremos «Tudo pela
Paulistânia, sagrada terra dos paulistas», por isso, eu
quero ao Brasil «Tudo é por São Paulo», eu quero dizer a
38
São Paulo «Tudo é por ti», eu quero dizer ao mundo «Vida
Eterna ao povo paulista». O livro que vocês carregam é um
capítulo da longa luta pela liberdade da Paulistânia.
39
PREFÁCIO DO LIVRO SAMUEL BACCARAT
Filipe da C. Oliveira
Colecionador e pesquisador de campo da Revolução de
1932
40
Convidado por Rodrigo Alves Oliveira Gutenberg à comentar o
livro de autoria de Samuel Baccarat , “ Capacetes de Aço “
publicado em novembro de 1932, onde o autor narra sua
participação na Revolução Constitucionalista, quero antes
de mais nada agradecer deferência.
Dentre a farta literatura existente sobre a guerra civil de
1932 a obra do advogado santista falecido precocemente em
1934, pode não ser o mais completo relato de toda a
campanha militar empreendida pelos revoltosos paulistas,
mas, com certeza foi a primeira a ser publicada, pois
encerrados os combates em 02 de outubro, no dia 15 de
novembro o livro já tinha seu lançamento anunciado nos
jornais da cidade de Santos.
E esta urgência no lançamento da obra se justificava.
Afinal o conteúdo do livro, na forma de diário, relatava
fatos e eventos que envolveram grandes contingentes de
voluntários que saíram do litoral santista. Era a história
de vida e morte de uma boa parte dos quase 3.000 homens que
a cidade de Santos enviou para todas as frentes de luta, em
particular a Frente Norte – Vale do Paraíba – SP. Onde
perderam a vida quase metade dos 48 heróis santistas que
não voltaram para casa, e também ocorreram encarniçadas e
mortíferas batalhas.
Samuel Baccarat aparentemente não disparou nenhum tiro em
combate, pois atuou como oficial intendente, cuidando do
abastecimento e organização das tropas, mas certamente
viveu para nos descrever com detalhes interessantes, o dia
a dia destes heroicos guerreiros.
Teve também o privilégio de cruzar com personagens que já
se destacavam e viriam a se projetar na vida política e
social da nossa região e do Estado de São Paulo,
transmitindo para o leitor sua opinião, sem ocultar seu
posicionamento pessoal.
Samuel Baccarat faleceu com apenas 37 anos de idade, um ano
e meio após o final da guerra e do lançamento de seu livro,
mas ainda teve tempo de participar ativamente dos embates
políticos e sociais que começaram a ocorrer neste período
conturbado da nossa história e atuou na formação e criação
de entidades que teriam relevante função nas transformações
que viriam a ocorrer no cenário político paulista.
41
Escrito numa linguagem extremamente clara e objetiva, em
contraste com outras literaturas da época, proporciona uma
leitura agradável que desperta o interesse do leitor da
primeira à última página.
Prof.Sérgio Righi
42
Prof. Sérgio Righi
43
Capacetes de aço
Os Capacete de Aço
44
1932 visto de uma ótica santista. Leitura saborosa para
todos que cultuam nossa memória, nossos ideais.
Malcolm Forest
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46
DEDICATÓRIA
A São Paulo
PREFÁCIO
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depoimentos. Não lhe almejo outro sucesso que não seja a
amizade dos meus companheiros de guerra. Para eles, para os
nossos mortos, para nossa Terra, tive sempre voltado meu
pensamento.
Escrevi sem qualquer apontamento, a não ser os boletins do
Batalhão, sempre tão parcos em elementos, sem poder obter,
sequer, informações ou lembretes. É apenas produto da
memória que, como se sabe, é falha.
Entregando-o á publicidade, quero concitar os moços da
minha terra a servi-la sempre com extremado carinho, para
que possamos legar aos porvindouros uma nação com
patrimônio moral tão solido como o daquela que recebemos
dos nossos antepassados.
CAPACETES DE AÇO
- Alô, Samuel.
- Viva S. Paulo!
- Você já sabe? O ponto de concentração é no quartel de
polícia, á rua S. Leopoldo.
48
agressivo, espalhando o signo da Cruz, emblema de
civilização, pelos mais longínquos sertões da nossa terra.
São Paulo ressurgia.
Tomando canhestramente o fuzil, metidos os pentes de
munição nas cartucheiras, ali ficamos á espera. Esperando o
que, não se sabia bem ao certo. Esperando um ataque, viesse
ele de onde viesse. O mar estava aberto; o Forte de Itaipu
não se definira por nós. Era preciso esperar com
previdência.
OS PRIMEIROS DIAS
49
Pairava no ar uma poeira fina e penetrante, que em breve
gerava uma bronquite em cada um de nós.
Os soldados amontoavam-se, acotovelavam-se sobre as pilhas
de sacos vazios, sobre taboas, sobre tudo, enfim, que
pudesse aguentar um corpo cansado. A guarda se fazia
incessantemente, arma ao ombro, num vai e vem continuo.
Artur Yarman, Carolino Rodrigues, Ladeira, Raposo F.º todos
percorriam as ruas escuras que cercavam o improvisado
quartel, olhar vigilante na escuridão da noite. A cada
momento corria um boato. Um troço de marinheiros,
desembarcados na Ponta da Praia, marchava contra nós; um
grupo de estivadores vinha para o ataque.
Nós estávamos por tudo.
Uma tarde, logo após o estalar do movimento, os boatos
recrudesceram. O quartel ficou impedido e as forças de
rigorosa prontidão. Deu-se um balanço e se constatou que
necessitávamos de mais gente, pelo que alguns saíram para a
rua, num verdadeiro recrutamento. Gente, mais gente para
defesa da cidade! Redigiu-se ás pressas um boletim, que
Reinaldo Gonçalves atiraria do seu avião, pedindo ás
senhoras santistas que nos mandassem seus maridos e filhos
para defender a cidade. Fui levar o original á tipografia
Brasil.
A porta encontrei-me com quatro moços, sendo um deles
solteiro. Expus-lhes a situação e lhes pedi que fossem no
meu automóvel tomar uma arma ao nosso lado. Um sorriso
amarelo esboçou-se nos lábios dos “valentes”.
50
Dentro em pouco a ordem era perfeita, os primeiros oficiais
foram graduados; o batalhão Maranhão surgia garboso para o
primeiro desfile.
O Governo Paulista, na ânsia de mostrar seu nacionalismo
sadio, manifestara o desejo de dar aos batalhões de
patriotas os nomes dos Estados brasileiros. O nosso chamou-
se Maranhão, em homenagem ao comandante Spindola que, filho
do Norte, mostrou-se mais paulista que muita gente nascida
a sombra dos cafezais.
*
* *
D. POLITICALHA
51
serviços, desde a guarda ao quartel até o transporte de
pesados fardos e condução de armas e munições.
Não se podia negar a dois paulistas o direito de tomar
armas pela sua terra, no momento mais crítico da sua vida.
Nenhuma força humana poderia negar-nos o dever de defender
S. Paulo, quaisquer que fossem os nossos credos.
Mas a campanha prosseguiu. Na sede do P.D. (Partido
Democrático) fazia-se alistamento. Anunciava-se abertamente
ser ali um dos centros de conscrição, até que o Major Reis
Jr., no comando militar da Praça, proibiu terminantemente
tal prática, fazendo ressaltar que os partidos estavam fora
de cogitações.
Diversos acordos foram tentados, tudo em pura perda.
Vale a pena narrá-los.
Certa ver apareceu na MILÍCIA (ainda na Imigração), o Dr.
A. Feliciano. Fechou-se na secretaria com alguns dos
responsáveis pela vida da nova entidade. Foi-lhe oferecido
o posto de 2º tenente, para que viesse colaborar em nosso
meio, com a segurança de que nenhum lugar de destaque teria
eu na campanha.
Era poça coisa para muita vaidade!
Afinal o moço fingiu aceitar, marcando-se para o dia
seguinte a vinda de 200 democráticos. No dia seguinte e nos
outro ninguém apareceu.
Uma noite, com ares de Napoleão, lá esteve o Dr. Waldemar
Leão. Correu tudo, examinou, perguntou muita coisa e nunca
mais deu sinal de vida. Mais tarde ficou-se sabendo que
toda essa encenação era destinada a esconder a fraqueza do
P.D.
Uma madrugada ordenou-se que dois caminhões seguissem para
a Capital. Íamos buscar fardamentos, armas e munições.
Leopoldo Braz de Souza, Aldo Rutigliano, Mimi Carvalho,
Luiz Araújo Cintra, Linhares e eu.
O frio da manhã nevoenta cortava até os ossos. Carregados
os carros, fui encontrar-me com o comandante Spindola, que
seguira no auto do Dr. Olivério Amaral. Recebemos, eu e
este brilhante colega, o encargo de sondar o ambiente, para
ver quando seria possível seguir para a frente o primeiro
contingente praieiro.
Fomos procurar o Dr. Altino Arantes, para pedir-lhe que nos
apresentasse ao General Klinger. Momentos após estávamos no
gabinete do chefe militar, que nos recebeu afavelmente. Em
caminho eu havia exposto ao Dr. Altino a situação incomoda
em que nos achávamos em Santos, pedindo-lhe que obtivesse a
interferência do Dr. Morato, para fazer cessar aquela
situação desagradável. Havíamos combinado procurar o
presidente do P.D. Em meio da nossa palestra com o General,
entrou na sala aquele professor.
- Vão vocês falar ao Dr. Morato, ordenou o Dr. Altino.
Fomos e fizemos uma exposição franca. Neste momento o Dr.
Morato apresentava ao General o Dr. Celidonio Filho, “para
52
ficar no gabinete”, como pessoa de absoluta confiança
(dele, Morato, naturalmente).
Ouvidos com atenção, transmitiu o chefe pedeista ao novo
auxiliar de gabinete a solução do assunto. O Dr. Celidonio
Filho já estava senhor da trama. Carregou o senho. Levantou
tremebundo o fura-bolo e disse: - não há nada a resolver. O
caso está resolvido. Os senhores terão a solução em Santos.
Aliás, eu ignoro a existência dessa MILÍCIA, pois nada
comunicaram ao M.M.D.C.
- Perdão, atalhei. Nós não temos nada a comunicar. A
MILÍCIA está comandada por um oficial nomeado pelo Cel
Salgado. Estamos, pois, oficializados.
A conversa terminou aí, com o maior desapontamento do Dr.
Altino, cujo testemunho invocamos naquele momento, para que
não nos faltasse em qualquer tempo. A solução, de fato, não
custou a vir.
Continuando na rota que se traçara, o Dr. Feliciano fora
procurar o Cel Salgado, tentando apossar-se da MILÍCIA. O
saudoso comandante da F. P. deu-lhe um ofício (este fato
foi-me narrado pelo comandante Spindola) para que ele Dr.
Feliciano, se dirigisse ao com. Spindola, em Santos.
É escusado dizer que o papel não chegou às mãos do
destinatário.
Tamanho foi o cerco em volta do Cel Salgado, que este
recorreu ao Dr. Ibrahim Nobre, para que obtivesse a solução
desejada.
Nesta altura chegara a Santos, nomeado Delegado Técnico, o
Dr. Elias Machado, fazendo anunciar que vinha com poderes
“quase discricionários”. Quem esteve nas frentes de combate
e viu o papel importante que as Delegacias Técnicas ali
desempenhavam, MAS EM QUALQUER PARCELA DE MANDO, e, muito
menos, DISCRICIONÁRIO, pode avaliar o ridículo do anúncio
da chegada do ex - Prefeito Municipal, vindo um dia para
Santos no culote do tenente João Alberto, de quem era homem
de confiança. O certo, entretanto, é que o Dr. Elias
Machado quis embasbacar o indígena, tentando passar a
pílula do discricionarismo, até esbarrar na energia serena
do Prefeito Dr. Aristides Bastos Machado, que lhe aparou as
azas.
Certa noite, após os serviços internos da MILÍCIA, fomos à
Polícia Central, em busca de notícias. Eu, Oliverio Amaral
e Uriel Carvalho. Havendo me dirigido ao gabinete do
comando da Praça Militar, ali encontrei o Dr. Ibrahim
Nobre, o Dr. Itapema Alves, o Delegado Técnico, o Dr.
Soares de Melo e o Cel Bemvindo de Melo, que no momento me
foi apresentado. Passamos para uma sala contigua, onde se
começou a falar das divergências levantadas em Santos, a
propósito do alistamento de voluntários, fato esse que
precisava cessar. Estivemos todos de acordo. Ali estava o
Cel Bemvindo, munido de uma portaria do Com. Salgado,
encarregando-o de organizar os batalhões. Ele vinha assumir
53
o comando das forças civis, em Santos. De tal arte, dizia-
se, teriam termo as dissensões locais.
Observei, então, que era preciso esclarecer a posição do
Major Spindola, ao que me responderam que ele continuaria
no lugar em que se achava. Mas a uma observação qualquer,
alguém da roda disse que sendo a portaria do Cel Bemvindo
posterior a do Spindola, a deste estava evidentemente
revogada.
Era golpe!
Dei-me por satisfeito, retirando-me, não sem estranhar o
ter sido chamado para a conversa, eu que era soldado raso,
sem a menor responsabilidade na direção miliciana.
Procurei os companheiros e apressadamente nos dirigimos ao
nosso quartel, onde foram dobradas as sentinelas, com a
recomendação de não deixar passar ninguém, mesmo “que fosse
o General Klinger”, sem ordem do oficial de dia. De caminho
eu havia posto os companheiros ao par da situação,
mostrando que se preparava, na sombra, sob nomes de pessoas
insuspeitas como os coronéis Salgado e Bemvindo, doutores
Ibrahim Nobre e Soares de Melo, uma farsa democrática.
Entendiam “os empreiteiros de obra feita”, que tal arte,
afastado o Major Spindola, facilmente se assenhorariam da
MILÍCIA. Embora muito superficialmente conheça o Cel
Bemvindo, penso hoje que laboravam eles em lamentável
equívoco, pois esse oficial não se prestaria ao papel que
lhe reservavam.
Acordado o comandante Spindola e posto ao correr dos
acontecimentos, quis, no primeiro momento, pôr-se de lado,
julgando ser o pomo da discórdia. Protestamos. Ele teria
nossa inteira solidariedade. A essa altura a tropa toda já
conhecia os manejos democráticos, estando, na quase
totalidade, disposta a sair para outros corpos, caso nos
viesse a faltar o comando do primitivo chefe. Confortado
por inequívocas provas de afeição, o comandante Spindola
reassumiu a posição de lutador invejável que é, e dispôs-se
a resistir. Uriel Carvalho foi ao telefone e comunicou-se
com Ibrahim Nobre. Poderiam vir tomar conta da MILÍCIA.
Trouxessem, porém, bastante gente armada, pois nós
resistiríamos até o último cartucho.
Era a bomba!
Só então verificou o Major Elias Machado que não havíamos
engolido a broma. Ibrahim Nobre pediu a Uriel que fosse
novamente à Central e ali tudo se esclareceu, desistindo o
Cel Bemvindo da missão em que estava.
O golpe falhara...
A campanha de acintes, porém, ainda estava de pé.
Um dia fui ao gabinete do juiz de direito da 1º vara cível,
o valente paulista Dr. J. B. Leme da Silva, onde encontrei
numeroso e seleto grupo. Os drs. Manuel Gomes de Oliveira,
Soares de Melo, Pedro Chaves, Ariosto Guimarães, Renato
Pinho, além dos demais membros de uma famosa comissão de
54
discursadores, que “tinham vindo levantar o moral da
cidade”, ao invés de – todos moços – pegarem de um fuzil,
seguindo para as livras de frente.
De novo foi exposto o problema da pacificação política da
cidade. Declarei que estava por tudo. Dissessem o que
queriam de mim, até o sacrifício supremo de abandonar a
fileira e recolher-me ao meu lar. Alguns acharam isso a
coisa desejada, mais o Dr. Leme da Silva, imediatamente
apoiado pelos demais magistrados, opôs-se tenazmente,
dizendo que seria castigo enorme para quem estava
praticando o “crime” de defender sua terra, com a
reiteração do propósito em que estava, de dar tudo a S.
Paulo. Era dizerem o que queriam.
Nada mais disseram.
Os fatos subsequentes mostraram os verdadeiros intuitos
daquela gente. O Dr. Feliciano foi o mais impenitente
derrotista que Santos hospedou. Obteve a nomeação de um
derrotista impenitente e conhecido inimigo de S. Paulo,
para juiz de paz, provocando dos juízes de direito a
recusa de empossá-lo, o que só foi feito pelo Dr. Lincoln
Feliciano, primeiro juiz de paz e irmão daquele
democrático. Não parou ai o Dr. Feliciano. A censura
telefônica o apanhou em flagrante tentativa de levante
contra S. Paulo, sob o nome de Antonio da Silva. Amigo e
discípulo amado do Sr. Marrei Jr., acaba de solidarizar-se
com este na hora da derrota, renegando as palavras que
dissera e atirando-se de borco aos pés do Sr. Getúlio
Vargas, depois de, anteriormente a 23 de maio, tudo ter
feito para entregar S. Paulo amordaçado ao Sr. Osvaldo
Aranha.
*
* *
POR UM TRIZ
55
No posto de veículos de Cubatão, outra novidade. Estávamos
presos. Nenhum argumento convenceu o guarda. Resolvi
telefonar para a Central, onde atendeu o Dr. João de
Magalhães, que explicou o equívoco. O guarda nos confundira
com o Sr. Mauro Conceição, que devia ser preso como
derrotista, e efetivamente foi. Estávamos livres.
Rumamos para a cidade, tendo ficado, porém, estabelecido,
que passaríamos pela Central. Propôs, entretanto, o Tenente
Romer, que fossemos primeiramente ao quartel da Força
Pública, a rua S. Leopoldo, pois necessitava falar ao
respectivo comandante, Capitão Aranha, daquela corporação.
Chegados, o referido oficial desde logo tomou conhecimento
dos fatos passados em S. Paulo, com o Tenente Romer, lendo
avidamente o despacho lançado no ofício do Major Reis, na
2º Região Militar. Não há negar que, à primeira vista, pelo
menos, a solução da pendência deixava mal o Major Reis Jr.,
cuja ordem de prisão, a Romer, não fora mantida. O Capitão
Aranha, alvissareiro, propôs que antes do Tenente Romer se
apresentar ao Q.G. de Santos, fossem buscar o Cel Índio do
Brasil, a Ponta da Praia, pois, certamente, o Major Reis
Jr., replicaria alguma coisa e eles, ato contínuo,
efetuariam a prisão desse leal soldado. Todos aceitaram.
Nessa altura julguei do meu dever de paulista intervir.
- Os senhores não estão raciocinando bem; a menos que
estejam decididos a trair a revolução.
- Por que?
- Pois é lá razoável que os demais oficiais do Exército
deixem de prestigiar o colega, preso, assim, por oficiais
da F.P.? Pois é razoável que o comandante militar da Praça
seja preso por oficiais que estão sob suas ordens nessa
mesma Praça? Não sabemos que o forte de Itaipu, que vem de
aderir a nossa causa, é a maior segurança de Santos? Como
criar-se, de início, um caso entre o Exército e a F. P.?
56
porém, que deixe o caso em suspenso, com desdouro para o
digno Major Reis Jr.
O Tenente Romer, aliás um moço educado, penetrou na sala do
comando e entregou os papeis. O Major Reis Jr. Estava
assentado em um sofá e leu tudo calmamente. Terminada a
leitura, disse: - considero-me preso. Levantou-se,
naturalmente, o incidente, do qual tomou conhecimento o
General Klinger. Afinal tudo se explicou. Os termos do
despacho lançado o ofício em que se comunicava a prisão do
Tenente Romer eram, de fato, indelicados, indignos de serem
dirigidos ao Major Reis, a distinção personificada. Eram
assim os chefes militares. Quando estendiam-se com a faca e
o queijo na mão, não olhavam para as expressões usadas. O
Chefe do Estado Maior, que despachara o papel, teve,
afinal, de explicar os termos usados e o General, com sua
habilidade e fino espírito, resolveu tudo
satisfatoriamente, com prestígio do comandante de Santos.
E continuamos, ainda, por muito tempo, a ter o Major Reis
Jr. entre nós.
A admiração que me casou o Major Reis Jr., não é uma
impressão de momento. Pude observá-lo durante algum tempo,
verificando sua cultura, inteligência, delicadeza de
sentimentos e, principalmente, seu amor a S. Paulo.
De uma feita recebi no quartel da MILÍCIA, ordem para me
apresentar com meu automóvel ao Q.G. Eu era, a esse tempo,
chauffeur. Chegado, apresentei-me. Devia ir a S. Paulo
conduzindo o Major Reis e o Tenente Nascimento, outro
Militar digno da admiração paulista, filho do nosso Estado.
Em casa do comandante tive “ordem” de entrar. Recebeu-me o
sua senhoria em sua sala de visitas, onde havia uma linda
mobília forrada de veludo amarelo-abóbora. Mandou-me
assentar, ao que obtemperei que não o faria naquela
poltrona, pois, empoeirado como estava, a sujaria.
Respondeu-me aquele chefe:
- Pois sente-se. Se minha mobília ficasse marcada pelo seu
corpo, nunca mais a limparia. Seria a marca de um soldado
paulista. E acrescentou: - Eu seria o homem mais feliz se
terminasse minha carreira neste movimento. Meu anhelo é
morrer defendendo esta sua grande terra.
E foi leal até o fim, quando tantos...
*
* *
OS CHEFES
57
Ao rebentar o movimento, logo após a adesão de Itaipu,
tivemos o comando do Major Loreti.
Homem calmo, afável, nunca dava uma ordem. Pedia que se
executasse um serviço qualquer, com brandura. Foi
comandante do hoje lendário Itaipu, a fortaleza que decidiu
da resistência paulista e que devera ter se tornado o
último reduto constitucionalista.
Do Major Reis Jr. já falamos linhas atrás. Militar culto,
com noção exata das coisas, inteiramente senhor do ideal
por que se batia, foi um ótimo soldado da Constituição.
O Cel Taborda exerceu o comando poucos dias. Assisti sua
chegada ao Q.G. de S. Paulo. Vinha com alguns companheiros,
disfarçado em pescador, pés descalços, cansado ainda da
enorme caminhada que fizera para atingir S. Paulo, guiado
pelo fanal do seu idealismo. Ao atravessar a rua
Conselheiro Crispiniano, para a alfaiataria onde ia tomar
medida para um uniforma, o povo o conheceu, rompendo em
majestosa aclamação, ao valente que de tão longe nos
estendia os braços. O que foi o comandante Taborda, dirá a
crônica dos acontecimentos do sul. Dirá, sobretudo, a
atitude elevada que teve ao rejeitar a Chefatura de
Policia, depois da paz, e dirá, ainda melhor que tudo, a
alta página de civismo que escreveu, ao retirar-se par ao
Rio, recomendando calma e paciência ao heroico povo
paulista. Essas palavras de Brasílio Taborda hão de ser um
dia gravadas em ouro, como gravadas ficaram no coração de
todos nós.
Por fim tivemos o Cel Melo Matos, com quem servi poucos
dias, por ter seguido para a frente Norte. Dos contatos que
tivemos, entretanto, ficou-me impressão de ser um homem
integral. Forte de corpo e de espírito, não se abateu nem
mesmo diante da fatalidade. Mentalidade sadia, leal e
corajoso, a esperança não o abandonou jamais. Conhecida a
atitude da F. P., ele acreditava ser possível resistir no
seu setor, que era o litoral.
Os fatos falam mais que as palavras.
No dia 1 de outubro anuncia-se no Q.G. o Cel Índio do
Brasil, que fora comunicar o imediato recolhimento das
forças de seu comando, que atuavam na região de Xiririca,
juntamente com outras. Era a deserção, quando iam em meio
os entendimentos para a paz. A ordem fora manter as
posições, enquanto se parlamentava.
Assim, porém, não cumpriu o alto comando da F. P., havendo
ordenado ao comandante do 6º B.C.P. o recolhimento acima
aludido. Pois bem, nesse momento, perfeitamente ao par da
situação criada, o Cel Melo Matos transmitia ao comandante
de forças, em Xiririca, o seguinte telegrama, que ficara na
história da revolução como um marco glorioso do nosso
caráter: “Acabo comissiona-lo posto capitão. Autorizo
recompensar dedicações e atos valor. Mais vale morrer livre
que viver desonrado”.
58
Mas tudo estava consumado.
O Cel Melo Matos conservou toda dignidade até o derradeiro
momento. Quando se anunciou que o Cel Herculano de Carvalho
e Silva assumira o governo de S. Paulo, ao invés de ir para
a cadeia, o chefe de Santos reuniu sua oficialidade e, após
exposição franca, libertou cada um dos compromissos
assumidos, dissolvendo o comando.
Se aqui não nascera, era, entretanto, um autêntico
paulista.
*
* *
QUITAÚNA
59
Era a expressiva consubstanciação do nosso fervor cívico.
Mulheres, velhos, crianças, moças, tudo vibrava num mesmo
anseio. As sacadas embandeiradas cobriam os rapazes com as
bênçãos da terra Andradina.
Tudo por S. Paulo!
No largo Marquês de Monte Alegre a forma se desfez. Era
impossível passar.
- A um de fundo!
E lentamente aquela enorme fileira foi-se escoando em busca
dos vagões.
Afinal a partida.
Ouviram-se os clangores do hino nacional. Momento supremo.
Entre os abraços estreitados, coração a coração, nos
derradeiros beijos de despedida de quem partia para a luta
e para a glória, misturavam-se os anhelos de liberdade e de
justiça.
A Cruz Vermelha, Filial de Santos, mandara uma ambulância
completa, sob o comando do Dr. Guilherme Gonçalves.
Era o primeiro carro.
Ao silvar da locomotiva o trem começou a locomover-se. O
enstusiasmo tocou as raias do indescritível.
Viva S. Paulo!...
Vila a Lei!
Viva a Constituição!
A curva do caminho interceptou a visão.
Salve S. Paulo invicto de Feijó e Fernão dias!
Salve terra gloriosa que tais filhos tem! Teus ideais são
imperecíveis, porque não se jugula o pensamento. Há de ser
livre a terra de tão grande povo.
Salve S. Paulo!
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1º COMPANHIA – COMANDANTE - 2º TEN VENEFREDO PRUDENTE DE
TOLEDO;
COMANDANTES DE PELOTÕES - 1º SARGENTO BENTO BRAGA FILHO, 3º
SGT CRISTALINO MESQUITA E 3º SGT MERIVAL EMERICH
*
* *
VIDA NOVA
61
Quando o Comandante Spindola se apresentou, ele estava
assentado a um canto de mesa, olhar perdido, queixo fincado
na mão direita, cotovelo sobre o móvel.
62
O combate se travou duro. A oficialidade pirou. Do Maj
Agnelo não se soube e, muito menos, do Cap Lamengo. O Tem
Venefredo sumiu, deixando sua tropa abandonada em meio do
foto. Este fato está bem determinado no seguinte trecho do
boletim do dia 13 de agosto, do comando da Unidade:
*
* *
RECOMPOSTO O BATALHÃO
63
pela primeira vez me defrontei. Confesso que foi penosa a
impressão que tive. Mais tarde modifiquei inteiramente meu
juízo a respeito desse militar, tendo, mesmo, por ele,
sincera admiração. Eu era ainda soldado. Chegando ao Q,G,
do referido oficial, ele, tomando conhecimento da minha
identidade, fez-me assentar e se dispôs a ouvir-me.
- Pode levá-los; eles aqui nada mais fazer que comer. Nem
guarda dão. Portaram-se no Salto como covardes.
*
* *
64
teve a surpresa de constatar que seu apartamento tinha novo
ocupante. Mas nem tudo estava perdido e, é velha regra –
soldado não se aperta. Uma companhia do Batalhão
Piratininga estava acantonada em Queluz, pois deveria na
manhã seguinte atacar Engenheiro Bianor, recentemente
ocupada pelos ditatoriais. Soubemos que muitos se haviam
alojado na igreja local. A igreja de Queluz é diferente de
todas as outras igrejas que conheço. Confunde-se facilmente
com um armazém qualquer, por ser um prédio de aspecto
comum, no alinhamento da rua. Entramos, Haroldo, Uriel,
Carvalho e eu, os três, a esse tempo, soldados rasos. O
interior do templo estava todo iluminado. Sobre os bancos,
em esteiras, com um conforto acima do normal, os rapazes do
Piratininga, envolvidos em lindos cobertores de
quadradinhos verde-amarelos. A abundância de cômodos era
tamanha, que sobravam duas grossas esteiras, sobre as quais
nos acomodamos deliciosamente, a cabeça apoiada nas
bisacas, agasalhados pelas mantas. Era o meu primeiro dia
de campanha e o dormi em companhia de Uriel. Curiosa
circunstância, porque o meu último dia de luta, em
Guaratinguetá, também dormi com Uriel, lado a lado ao
magnífico palacete do Cel Virgílio Rodrigues Alves. A esse
tempo era ele Capitão e eu 1º Tenente.
Na manhã seguinte tivemos agradável surpresa. Junto de cada
um de nós um capacete de aço. Positivamente Papai Noel
andara por ali, tomando-nos por componentes do Piratininga.
Quem a boa árvore se chega, a boa sombra se acolhe...
65
COMANDANTES DE COMPANHIAS: 2º TEN ESTANISLAU CUSTODIO, 2º
TEN JOAQUIM FERNANDES E 2º TEN JOAQUIM FERNANDES E 2º TEM
ANDRÉ FREIRE, ESTE DA 3º CIA EM FORMAÇÃO;
*
* *
A GUERRA, A GUERRA...
- Capitão, capitão!
- Que é isso, cabo?
66
- Está aí fora, uma força que acaba de chegar e precisa ser
alojada.
*
* *
67
PERFIS
*
* *
SPÍNDOLA
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- Pois para evitar dúvidas futuras, saque vencimentos para
todos os extraviados. Recolher-se-a o dinheiro dos que
estão o dinheiro dos que não aparecem.
Ele retirou-se.
Muitos dias depois (já revogada a ordem anterior)
conversávamos no acampamento, com o Dr Carvalhal Filho,
então incorporado. Eu contei um episódio que se dera comigo
e o Cap Sandim, na retirada de Pinheiros, e que relatarei a
seu tempo. O comandante ouviu, riu-se muito e me perguntou:
*
* *
69
LADEIRA
LEONEL
Era o médico do Batalhão.
Muito moço, clinicava em Capivari, quando estalou o
movimento. Incorporou-se logo e nos seguir até quase o fim,
quando um mal entendido nos privou da sua companhia, com
grande mágoa de todos, não obstante ter sido substituído
pelo gozadíssimo Mario Costa, de quem, a seu tempo,
falarei.
O Leonel tinha uma carinha de criança, imberbe, fisionomia
doce e contemplativa. Era um meigo. Cuidadoso em extremo,
cumpria à risca com os seus deveres.
70
Narrarei um fato para mostrar sua índole boa. Cada vez que
morria um soldado nosso, os outros “ficavam por conta”, o
que significa, ficarem indignados. Morrera Othoniel Marques
Teixeira e tínhamos ido vê-lo ao necrotério. A vista do
companheiro tombado mais ainda nos tocou. Retirávamo-nos
quando Leonel, médico e afeito a essas coisas perguntou-me:
- Baccarat, você ainda tem aquelas laranjas?
- Sebo. Um companheiro morto e você a procurar laranja.
Coma m...
O Leonel não se levantou da posição em que estava, sentado
numa beirada de barranco. Já na rua refleti que tinha sido
por demais grosseiro e daí a alguns minutos voltei,
pretextando saber do enterro. O Leonel ainda estava na
mesma posição e conversamos longamente, como dois bons
amigos que sempre fomos no pouco tempo em que o destino nos
colocou lado a lado. Que ótimo companheiro!
Encontrei-o depois do armistício, em S. Paulo. Estava ainda
fardado e me declarou que só poria roupa de paisano em
Capivari, onde vestira a farda.
*
* *
IRINEU CAMARGO
*
* *
ANTONIO MARQUES
*
* *
LEOPOLDO TEUBER
71
Dizia-se que Leopoldo era comissário de café em Santos.
Cara agressiva, ótimo coração. Era abnegado. Não tínhamos
farmácia, de modo que o cargo de Leopoldo não tinha função.
Nem por isso ele se privava de trabalhar. Era médico, na
falta do efetivo, enfermeiro, padioleiro, tudo, enfim, onde
pudesse ser útil. Uma vez estava o P.S (Pronto Socorro)
instalado em uma choupana de sapé, no lugar chamado
Mangueiras, perto de Pinheiros. Passando no caminhão da
boia, vi um homem inteiramente nu, deitado no terreiro
sobre um cobertor. Era o Leopoldo, que sem cerimônia alguma
fazia um tratamento antirreumático, tomando banho de sol.
Encrencava periodicamente com o sargento Canto, outro tipo
gozadíssimo, de quem falarei com minúcia, por causa de
boia. Brigavam mais continuavam sempre muito amigos.
*
* *
ESTANISLAU CUSTODIO
*
* *
JOAQUIM FERNANDES
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Reformado como sargento-ajudante, na Força Pública, estava
comissionado em 2º Ten. Era porteiro do Palácio do Governo.
Quando foi da retirada de Pinheiros, abandonadas as cidades
de Cruzeiro, Cachoeira e Lorena, correu a notícia que o Dr
Gama Rodrigues fora preso, porque estava nomeado
Interventor em São Paulo, encarregado de instalar seu
governo em Lorena. Não sei se era isso verdade em, parece,
os fatos posteriores não confirmaram. Ao saber disso o
Fernandes mostrou-se muito surpreso e disse:
- O Dr. Gama Rodrigues! Conheço muito: muitas vezes
escrevi-lhe o nome, quando ia visitar o Presidente do
Estado.
Ficava-se, assim, sabendo que aquele ex-deputado era
assíduo em Palácio e não usa cartão de visita.
Um simples, o Fernandes e, por isso mesmo, um bom.
Trabalhou na Intendência, comigo, com solicitude e
lealdade. Guardo dele boa recordação.
*
* *
ANDRE FREIRE
73
O André voltou-se solene para o Mário, que era o chofer e
ordenou:
- Dê marcha ré. Nós erramos o caminho e temos de
estabelecer ligação com outras forças. O cavalariano estava
despistado e nossa gente salva, se não fosse o sargento
Mario, que, não compreendendo o truque do André,
obtemperou:
- Qual o que tenente. Vossa senhoria está enganado. O
caminho é este mesmo. Esse desgraçado é carioca, nosso
inimigo.
Nessa altura o carioca (cariocas eram chamados os
adversários) olhou para o bibi do chofer, onde estava
escrito: 8º B.C.R. TERROR DOS CARIOCAS.
Abriu a boca no mundo:
- Às armas! Inimigo!
O André não foi mole; pirou logo. Saíram, porém, soldados
inimigos de todos os lados e prenderam o outro oficial, o
Mário, o Antoninho e o respectivo F. M., além de um
caminhão. Tudo pela burrada do Mário.
Depois disso o Ciro Freitas Guimarães, primo do
prisioneiro, comentava:
- O Antoninho deve ter apanhado muito, porque, com certeza,
disse desaforo à beça.
*
* *
CRISTALINO
74
Momentos depois após o telefone tilintava. Pediam a
padiola.
Primeiro desceu um soldado com a perna varada por um
estilhaço, logo depois vinha o Januário, pálido de morte,
deitado, as mãos cobrindo o ventre. Já a ambulância estava
esperando e o levou para Cruzeiro, onde foi operado. Dois
dias após era dado à sepultura. Sua morte fora
consequência de uma imprudência. Quando os companheiros se
deitavam no fundo da trincheira, ele, indiferente ao
perigo, sentara-se num barranco. A granada explodira, indo
um estilhaço penetrar-lhe o ventre, alojando-se junto da
coluna vertebral, depois de algumas perfurações nos
intestinos.
Pobre Januário!
Nesse dia ainda desceu outro. Era um rapaz louro; vinha
como que aparvalhado, sem articular palavra. Eu e o
sargento Canto o tomamos nos braços, conduzindo-o até o
automóvel. No hospital ele articulou algumas palavras.
Perguntando sobre o que sentia, pelo Dr. Navajas, disse,
mostrando o flanco:
- Levei um soco aqui.
Estava em estado de choque, pela violenta deslocação do ar.
Nesse dia o Cristalino acertara no milhar, como se dizia.
Apareceu mais tarde. Vinha ainda mais branco e mais gago,
engolindo em seco, como se a granada se lhe tivesse
atravessado na garganta. Lutou como um valente o
Cristalino.
Tinha uma cisma com uns meus calções azuis. Ainda hei de
dá-los ao Cristalino... na próxima revolução.
*
* *
PAULO CASTRO
*
* *
NUNO BRAGA
75
rispidez, porém, era apenas externa, porque o Nuno era de
índole boa. Um dia amanheceu azucrinado e, chegando-se ao
terreiro, deu com o Buick, um soldadinho brejeiro, vestido
com uma longa blusa de lã. Não se conteve.
- Que é lá isso, seu Buick? Aparecer assim, apaisanado no
P.C.?
No dia seguinte encontrei o Nuno em mangas de camisa,
chapéu de palha, sem perneiras.
- Que é isso, seu Nuno; apaisanado junto do P.C.?
- Ai, seu doutor, desta vez vossa senhoria me apanhou no
artigo.
*
* *
GURMECINDO
*
* *
HERMETO
*
* *
FRAGOSO
76
caminhões, entregue ao comando do Fernandes. Foi
sucessivamente promovido até capitão, pelos inolvidáveis
serviços que prestou. Bom, amável, feitio alegre, está S.
Paulo a dever-lhe larga soma de dedicados serviços. Não se
esqueçam disso os paulistas.
*
* *
QUEDA DE QUELUZ
77
ele a tudo prometia providenciar. Ali mesmo, naquele vagão,
dizia, trouxera todos os oficiais que estavam no Q.G.
Outros viriam. De fato, encontrei um automóvel de linha, da
Companhia Paulista, cheio deles.
As providências, entretanto, foram tardias. Ouvia-se da
cidade o pipocar da fuzilaria, cada vez mais próximo. A
ponte sobre o Paraíba fora minada, pondo-se sentinelas em
suas pontas, para evitar imprudências. O tenente Lima
substituíra o tenente Fernandes no comando da 2º Cia.
Nossas forças foram tomar posição no caminho de Areias, no
lugar denominado Capela de S. Roque. A luta se estabeleceu
titânica. O 8º não cedia um passo. Era bala por bala. O
Comandante Spíndola, como sempre, pois, a atuação desse
homem nunca ofereceu altos e baixos – era uma e firme. Mas,
a situação geral piorava.
A 10 de agosto o Coronel Theophilo, que comandava o
Destacamento, deu ordem de retirada
O P.C. e o pronto de socorro, seguiram logo para Cruzeiro,
em caminhões, pernoitando no lugarejo de Pinheiros, que
mais tarde seria teatro das nossas maiores glorias. A tropa
seguiu a pé, carregando todo o material de guerra. Pela
madrugada de 11 chegou a Silveiras, dirigida pelo
Comandante Spíndola, onde, tomados os caminhões, atingiu
Cachoeira, vindo daí para Cruzeiro, pela Central.
Foram trinta quilômetros , a mata a dentro, por um trilho
que mal deixava passar um homem. E aquela fileira
interminável, vergada sob o peso dos fuzis, Fuzis
Metralhadoras e das pesadas, caminhava de ânimo satisfeito,
sabendo que na guerra um revez não representa derrota, mas
constitui incentivo para novas pelejas. É um axioma
militar, que muito mais difícil é a retirada que o avanço.
Se é verdade que as grandes batalhas imortalizaram muitos
generais, não menos verdade é que as retiradas constituíram
páginas imarcessíveis na história das guerras, inspirando
a Retirada da Laguna, de Taunay e o Anábase, de Xenofonte.
Na retaguarda crepitava o fogo da queimada, complemento
forçado das retiradas. Não perdemos um homem. Tudo são e
salvo. O sacrifício imenso que despendera o 8º era apenas o
cumprimento solene da jura que fizéramos – TUDO POR S.
PAULO!
78
Disse o boletim nº 5, de 12 de agosto:
*
* *
JOÃO PINHO
*
* *
79
PINHEIROS
80
* *
O COMANDO DO SECTOR
81
- Eu nada tenho com isto. Apenas estou aqui por ser amigo
do coronel Andrade; nem sou paulista.
Se não fosse um oficial, já me teria entregado.
Apesar da boa fonte, donde proveio a informação, não posso
abandoná-la. Dizia-se também que o coronel Lamego sempre
nos tratava delicadamente, salvo nos seus naturais momentos
de mau humor, Veloso era sempre indelicado, A queixa contra
ele era generalizada. Mas, era um valente soldado,
competente e cuidadoso. Se não deu remédio à posição de
Pinheiros, é porque já pegou o comando muito tarde. Era um
homem alto, magro, pardo, bem posto, trajando-se
decentemente, sempre com um chapéu de cortiça, senho
carregado, como se fora um feitor. Tinha solene implicância
com os “pátria amada”.
Para que eu fui dizer isso? Veloso deu com o punho cerrado
na mesa, que não se partiu pelo muito cuidado que o
marceneiro tinha tido no escolher a madeira. Fosse o major
Novaes mandar na casa dele, que ele mandaria na sua.
-Perdão capitão, atalhei logo, o major Novaes não faz
exigências. Não estou me queixando dele. É mesmo um homem
muito amável, que sempre me tratou com a maior
cordialidade.
- O senhor está tocando numa tecla que irrita. Eu também
nunca o desconsiderei.
Era demais e respondi com energia:
- Isso não, o senhor não tem feito outra coisa. Grosseiro,
não comigo, mas com todos. As queixas são aqui
generalizadas.
- Pois vão queixar-se com o bispo!
- É a prova do que eu estou dizendo – grosseiro.
82
O tenente fizera as vezes do bispo.
Mas o coronel Veloso era um soldado de verdade, competente,
leal, inteiramente integrado na causa constitucionalista.
Faço-lhe justiça e, por isso mesmo, não lhe guardo rancor
ou animosidade. Basta ter sido um defensor decidido de S.
Paulo.
Devemos, agora, descrever o cenário das operações.
*
* *
O SERVIÇO DE SAÚDE
83
soterrados, atribuiu a culpa aos médicos. Respondeu-lhe
energicamente Clóvis, chefe do serviço indo quase às vias
de fato. Navajas ia até as linhas de fogo buscar mortos e
feridos.
No hospital tivemos alguns casos interessantes.
Um soldado do 5º R. I. foi apanhado pela carga de shrapnel.
Ficou com o corpo crivado de ferimentos levíssimos,
buraquinhos na pele, pintados logo com iodo e posto o
ferido em serviço. Um outro pintou também a testa com iodo,
porque uma bala, furando o capacete de aço, fizera com que
o rebordo deste lhe arranhasse a cabeça.
*
* *
A TRINCHEIRA
84
Materialmente, o fosso é de diversas formas. Em longas
retas, interrompidas, em curvas, em zigue-zague, em grega,
de mil modos, conforme a posição e a probabilidade de ser
varada, isto é, atingida de flanco pelo adversário. As boas
trincheiras têm abrigos, onde o soldado se acolhe na hora
do bombardeiro e que consiste em um buraco, cavado na
parede, na direção do fogo contrário. São cobertas pela
lona dos impermeáveis, com o anteparo dos sacos de terra ou
areia. De espaço se fazem os “ninhos”, onde são instaladas
as metralhadoras pesadas, que por isso mesmo são chamadas
“pata choca.”
*
* *
A BOIA
85
Taquei mecha na negrada e foi um correr que Deus nos acuda.
O italiano passou logo o F.M. que foi uma derrota!
- Muitos mortos ou feridos?
- Ainda não se sabe. Adora de dia, com o sol, é que a gente
vai ver. Também essa gente é danada. Não deixa ninguém;
carregam tudo. Seu tenente, o senhor não terá por lá mais
algum pulove como esse seu?
- Não, não tenho mais, era o último.
- Quem sabe se o senhor me dava esse mesmo? Depois, com
mais facilidade arranjava outro. Olhe que na trincheira faz
frio...
O “Trinta” é o Antonio Duarte Neto, filho do Duarte da
Recebedoria de Rendas. Eram dois irmãos, ele e o Juca,
cada qual mais folgazão e melhor soldado.
Pelas onze horas, almoço. Feijão, arroz, carne, batatas,
bacalhau, xarque, bananas, laranjas, farofas, “corned-
Beef”, era a comida habitual, abundante e sadia.
Algumas vezes me perguntavam se havia muito salitre na
comida...
Gente terrível!
A tarde não havia propriamente jantar. Era um lanche forte.
Farofa e café. Bifes com ao e café, este invariavelmente.
Macarronada e carne. Mas tudo à vontade. Doce e chocolate,
de vez em quando.
A boia era transportada do P.C. para as trincheiras, em
meias latas de gasolina, com tampa e alça. Quase sempre à
hora do almoço, aparecia o “pemba” vermelho. Roncava por
cima da gente e, nesses momentos, ficava-se rouco de
recomendar aos rapazes que se escondessem, para não
denunciar o acampamento. Era inútil. Lata às costas,
capacete de aço, tudo reluzindo ao sol, lá iam eles subindo
pelos caminhamentos, tranquilos, calmos, indiferentes, como
se a morte não lhes estivesse rondando de perto. Súbito –
pá, pá, pá... uma rajada de metralhadora. Podiam atirar,
ninguém estugava o andar.
*
* *
PESSOAL DA INTENDÊNCIA
86
Freire, Ciro Freitas Guimarães, Carvalhal Filho, Bernardino
Rodrigues, Otelo Mauri e muitos outros. Revesavam-se.
Vinham uns e iam outros.
A chegada do Dr Carvalhal Filho foi solene. Muito baixo,
gordo, a farda tanto poderia servir nele como no senhor
Getúlio Vargas. Vinha com apresentação do Cel Euclydes,
para ser incorporado ao Batalhão, onde tinha um filho, o
valente João e um genro, meu sobrinho René. Do Q.G. foi
para nosso P.C., donde, por sua vez, o encaminharam para a
Intendência.
- Pronto, Samuel. Vim servir sob seu comando. Mas quero
serviço e trabalhar de verdade.
Eu estava gostando daquela disposição.
- Olha João, a cana aqui é dura.
- Que é dura eu sei, Hoje vou instalar-me. Arranje-me uma
cama.
A muito custo arranjou-se-lhe uma catre, um colchão e um
travesseiro.
- Fronha e lençol?
Uma gargalhada estalou pela sala.
Eram trastes desconhecidos naquelas bandas.
Não obstante ele não descansou. Arranjou uns caixões e fez
alguns moveis. Faltando qualquer coisa, saiu a procurar. Na
volta encontrou junto de sua cama... uma mamadeira cheia de
leite. Achou muita graça, e no dia seguinte, começou o
serviço regular de correio, até que foi nomeado agente de
ligação entre o nosso Corpo e o Q.G. do Cel Sampaio, em
Guaratinguetá, prestando serviços até as vésperas do
armistício, quando teve de acompanhar a S. Paulo, seu filho
Osvaldo, também incorporado, em consequência de uma
operação.
O Dino era uma preciosidade. Fazia doces, bolos, bons
pratos; pregava galões nas fardas, emendava lenços para
fazer toalhas, cuidada da arrumação das casa e das coisas,
sendo extremamente cuidadoso; dava as roupas a lavar e mais
serviços de uma boa dona de casa. Ficou, por isso, com o
apelido de D. Dulce.
Ainda hoje sinto falta de dona Dulce.
87
extraviado, até que apareceu carregando seu inseparável
fuzil, a que ele chamava “boneca”. Naquele combate ficara
meio soterrado, donde ter-se-lhe deslocado um rim. Andava
tristonho, até que não mais resistiu e foi licenciado.
O Álvaro Melo fez jus ao apelido sargento Boa Vida. Não
havia folga que não aproveitasse para dormir. Uma vez o
Ladeira chegou à Intendência e o encontrou dormindo.
Retirou nove fuzis que lá estavam guardados e os recolheu
ao material bélico, contando-me o fato muito depois. O
Melinho só por mim soube do caso. Era rapaz de confiança e
acabou indo para a trincheira.
Pouco tempo esteve o Ciro na Intendência, apenas enquanto
convalesceu de uma gripe intestinal. Muito inteligente e
carinhoso, soldado consciente, deu ótima conta do recado,
cercado de muita estima. Pires Lopes e Chancharudo eram
sargentos reservistas do E. N. (Exército Nacional) e
exerciam funções de sargenteantes, aliás, a contento geral.
O Pires sabia novidades como ninguém. Seis dias antes do
armistício, ele me comunicou o verdadeiro pé da situação.
Não acreditei, mas os fatos confirmaram. Em S. Paulo,
falando das negociações para a paz, ele me disser
exatamente o que aconteceria, dias antes do final. É
jornalista. O Chancha era exatíssimo nos serviços e,
despida a farda, apareceu-me um autêntico almofadinha.
Do meu pessoal restam três tipos, ou melhor, dois, porque o
terceiro, embora muito meu afeiçoado, era ordenança do
comandante – o cabo Sebastião Caetano da Silva. Dos outros
dois já tenho falado – o Canto e o cozinheiro Mario.
88
meu filho Paulo, que fora soldado, como ele, na Milícia de
Santos. Eram muito amigos, apesar da enorme diferença de
idade, pois era homem de cerca de 40 anos, ao passo que o
Paulo mal dobrara os 15. O destino os separou. Caetano para
o Norte, Paulo para o litoral. Mas nunca se esqueceram.
Muitas vezes, em uma roda, o Caetano contava proezas do
arco da velha. Eu supunha ser algum “papo” referente a ele,
aproximava-me sem ser percebido. Eram “papos”, mas do
Paulo, a quem ele elevava às nuvens, descrevendo-lhe as
qualidades e mostrando, no fim, uns santinhos que meu filho
lhe dera.
*
* *
89
A MUAMBA
*
* *
O P.C.
90
E o Ciro:
- Q... Q... Q...
Ele já era um pouco gago. Gaguejava o resto.
Em Guaratinguetá, na fazenda Jararaca, o P.C. esteve
instalado em umas barracas, metidas em baixo de frondoso
cafezal. A primeira vez que lá fui, ainda dormiam. Na maior
estavam deitados, logo à boca, o Reginaldo e o Ciro; por
trás deles o subcomandante Rocha Marques. No fundo o
comandante. Curto de vista eu não vi o Spindola. Procurei-o
em volta e também não o vi. O Rocha Marques perguntou logo
pelas novidades. Eu me sentei no barranco, costas voltadas
para o fundo da barraca e abri o saco delas:
- O comandante hoje vai ficar por conta.
- Por que?
- Por que? O Fernando foi fazer um serviço em Pinda, com
que o canhão o pirou. Ele e o primo, o Padeirinho.
- Pirou?...
- Pirou, sim senhor, levando o melhor caminhão. E se fosse
isso só não era nada. O sargenteante também pirou só não
era nada. O sargenteante também pirou e não sei onde meteu
a folha de pagamento. Foi espairecer em S. Paulo. Quando o
comandante acordar temos estrilo. Ele quer que a gente ande
atrás de todo o mundo. Por que ele não anda?
Todos se riam perdidamente. Era o Spindola que acordara no
fundo da barraca e também se ria, gozando todo o meu
desapontamento quando o visse.
91
* *
A LUTA
“Soldados da Constituição:
92
O resultado dos dois combates, de ontem e de hoje, da
fazenda Palmeiras, traduz, definitivamente, a vossa
atuação.
Repetiste, com energia digna de verdadeiros soldados, os
ataques do adversário. As suas forças quebraram-se diante
do vosso ardor, energia, coragem e convicção do dever, pela
nossa causa, que é a da conquista da lei, da ordem e da
disciplina. Felicito, pois, calorosamente, aos senhores,
Oficiais, Comandantes de Unidades, os quais tornarão
extensivos aos seus comandados direitos as referências aqui
feitas.”
93
desfavoráveis para nós. O que nos faltava em
apetrechamento, sobrava em coragem daquela guapa rapaziada.
O começo de setembro foi terrível para o Batalhão.
Formidáveis ataques a toda hora; fogo nos matagais que nos
cercavam; os aviões pairavam sinistramente sobre nós o dia
inteiro; possantíssimos parques de artilharia nos visavam
pela noite a dentro. Tudo sem resultado. Mais que o poder
das armas dos inimigos, havia o poder da força de S. Paulo,
que era o ideal supremo de liberdade, que nos embalsamava o
coração. “São Paulo era o direito e a força”.
94
envolvimento, de que, aliás, nos salvamos graças a perícia
dos nossos comandados, confirme a seu tempo será relatado.
O 8º estava firme, firmíssimo. Assim permanecessem todos os
combates...
*
* *
BATISMO DE FOGO
Ainda não tinha eu visto fogo, a não ser pela casa alheia.
Num dia de agosto, o céu limpo e brilhante, conversávamos
em volta do comandante. Subitamente ouviu-se um estampido
de canhão, acompanhado do silvo característico, que
denuncia a pontaria para o nosso lado. Em seguida a granada
que explodiu a cerca de 40 metros do P.C. onde estávamos,
tocando no alto da crista que nos protegia. Dois palmos
mais de altura e estaríamos todos estatelados. Foi só o
tempo de nos atirarmos ao chão. Levantados, novo tiro, que
foi explodir nas mangueiras muito próximas. Terceiro se
enterrou num brejo mais próximo ainda. O quarto desviou-se
e foi bater (onde haveria de ser?) na trincheira do
Cristalino. O 5º cobriu a mesma trajetória do primeiro e o
último arrebentou de novo nas mangueiras. Nem capacete de
aço eu tinha no momento. Numa das vezes em que me atirei ao
solo, não o encontrei tão duro como de costume. O Ciro Ruiz
fora mais ágil e cobrira o mesmo pedaço antes de mim.
O canhoneio é uma coisa horrível. A bala não leva endereço.
A granada, tocando o solo, explode e produz uma chuva de
estilhaços, capaz, qualquer deles, de demitir um cidadão da
vida.
O soldado deita-se, porque os estilhaços voam para o ar,
fazendo ângulo com a terra, de modo que não atingem aos que
estão deitados. Já o Schrapnel é de outros efeitos, porque
explode no ar e atira uma chuva de ferro em estilhas.
Quando o tiro é direto, isto é, próximo e não por elevação,
é uma coisa tremenda. Mal se ouvem dois ruídos; tão perto
eles são.
Tum-bum!
Conosco, além do efeito moral, pouca coisa faziam.
*
* *
BOMBARDEIRO AEREO
95
dia estava nublado, o que denunciava ausência de ataques
aéreos. Inesperadamente roncou um motor. Era o vermelhinho.
A peste rondava o lugar onde estávamos. Parada de motor, o
silvo e o estouro.
Ooonnn... bum...
Foram oito mechas, nesse dia.
Deitados pelo chão, os soldados acompanhavam o voo. A cada
tiro sem resultado, respondia sonora vaia, acompanhada dos
mais expressivos gestos.
*
* *
ENGENHARIA
96
Ademar Souza Queiroz e seu ajudante, um nosso soldado,
Gilberto Caparica, foram dois heróis. Impávidos, sob o
coriscar das balas, eles cumpriram seus deveres
impertubavelmente. Na retirada de Pinheiros notabilizaram-
se.
*
* *
O BLINDADO
*
* *
OS MORTOS
97
sentimentos do Batalhão, o rapaz, humilde como o irmão,
agradeceu e disse:
- Não faz mal, senhor comandante. Tudo por S. Paulo. Ele
morreu satisfeito, oferecendo sua vida pela sua terra.
Brava gente bandeirante!
O Carolino, segundo dos nossos mortos, na ordem em que
tombaram, era soldado do primeiro momento. Corretor de café
em Santos, inscreveu-se na MILÍCIA e partiu na primeira
leva. Era alegre, claro, baixo, rosto escanhoado, cabelo
muito preto.
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viessem chorar a derradeira lágrima sobre o corpo do
companheiro que, talvez, apenas nos antecedesse na morte.
Suspenso, seu corpo balançou um instante no ar, agitando-se
pela derradeira vez às brisas paulistas. E foi descendo!
- Em continência!
Todos levantaram a mão direita estendida até a altura do
capacete de aço, perfilando-se ante a majestade daquele
quadro tão tocante.
Lá ficou sepultado. Fincamos sobre a terra uma cruz de
madeira, que lhe marcasse o derradeiro leito.
Ao longe o sol se deitava num lindo ocaso, dourando os
altos picos da Serra da Mantiqueira. Tudo por S. Paulo!
*
* *
FERIDOS
*
* *
MUNIÇÃO
99
batia contra os bicos, quando a estrela era movimentada em
volta de um eixo, por manivela, produzindo um som
semelhante ao da metralhadora. Era para “despistar” o
inimigo, na localização das pesadas. No manifesto com que o
Comandante Geral da F. P. procurou defender-se das graves
acusações que lhe fazem os paulistas, disse esse oficial
que soube, com pasmo, que a matraca era usada para fingir
munição. É muita ingenuidade, pois até nós, os “pátria
amada”, não ignorávamos tratar-se de um instrumento para
“despistar”.
*
* *
OS “PÁTRIA AMADA”
*
* *
ROCHA MARQUES
100
Assumiu seu lugar em Pinheiros. É pernambucano, mas bateu-
se lealmente por S. Paulo, por cuja autonomia sempre se
esforçou. Era lhano, cordato, muito calmo, executando
zelosamente seu serviço, ouvindo a todos com brandura e
decidindo sempre com justiça. Emérito para subir os morros,
não havia quem lhe levasse a palma. Dirigiu com pleno êxito
a retirada de Pinheiros, na ausência do Major Spindola.
*
* *
RETIRADA DE PINHEIROS
101
Coronel Sampaio, depois de ordenar que toda a Intendência
fosse posta sobre rodas.
O Coronel estava assentado no carro salão, calmo como de
costume ignorando tudo. Quando me viu veio ao meu encontro
e passávamos, com o Major Trigueirinho, a quem eu já
contara o fato, para um outro salão. Aí, assentados, dei-
lhe a nova.
102
- Não, meu fuzil não dou.
- Pois se você vai se retirando, para que quer o fuzil?
Saltou-me furibundo o Capitão Sandim:
- Retirando-se, não! O senhor não desmoralize a minha
tropa!
- Perdão, capitão, eu não quero desmoralizá-lo, nem a sua
tropa. Confundi-me ao falar. E voltando-me de novo para o
soldado:
- O camarada, você que VAI AVANLÇANDO, empreste-me o fuzil.
O Sandim embatucou e um sargento deu-me um mosquetão.
Já tarde passou por nós Souza Queiroz, da engenharia.
Indagou do que fazíamos. Quis deixar-me seu automóvel,
temendo que ficássemos presos. Não aceitei. Já noite feita
um cavalariano me trouxe ordem de retirada, às pressas,
porque o adversário vinha perto. Retiramo-nos e daí a pouco
encontramos o auto do Adhemar que nos vinha buscar, guiado
pelo Caparica.
No Q.G. do Destacamento estava Spindola, coma cabeça
quebrada por um acidente de automóvel, tamanha foi a pressa
com que regressou. Eu mesmo lhe pus iodo e ele entrou na
faina. Concentramos toda a tropa no Grupo Escolar de
Cruzeiro e pelas 2 da manhã saiu o trem especial que nos
levou a Lorena, donde, em caminhões, nos transportamos a
Guaratinguetá e a Pinda.
Quando o trem partiu, levando civis retirantes e militares,
ainda vi na estação, sempre sereno, o Coronel Sampaio.
Íamos, afinal, descansar.
*
* *
ESPIONAGEM
103
Uma miséria.
*
* *
EM PINDAMONHANGABA
104
A noitinha uma patrulha correu rapidamente as ruas.
Recolher e prontidão.
Maldita fosse a prontidão e quem a inventou!
O que haveria? Seriam os cariocas?
Não era nada disso. Uma Companhia do 7 de Setembro estava
indisciplinada na estação da Central, entrincheirada no
trem. O 8º devia dar-lhe cerco e submetê-la. Já a coisa não
parecia tão ruim. Desde 24 horas antes que não se combatia!
Puseram-se as metralhadoras para fora; os fuzis foram
carregados, distribuiu-se munição.
Quem era o bamba que se opunha a nós?
Afinal o Spindola resolveu, com a sua prudência,
parlamentar e tudo conseguiu.
Rua, novamente.
Na manhã seguinte o negócio encrencou de vez. Chegara o 4º
R.I.
105
*
* *
GUARATINGUETÁ
106
excelecentes instalações do glorioso Ginásio Nogueira da
Gama. Uma ótima cidade por todos seus méritos. A
Intendência ficou no centro da cidade. Ja a tropa foi para
a fazenda Jararáca, distante cerca de 15 quilometros com
acesso de estradas precárias, que nossa insuperável
engenharia transformou em vinte e quatro horas.
As posições que ocupávamos eram, de fato, invencíveis. Não
fossem as miseráveis traições de Campinas, que inscreveram
os nomes de tantos calabares nas páginas imaculadas da
história bandeirante, e o desfecho da luta teria sido
outro. Em Pinheiros tinhamos, à princípio, um canhão
comandado pelo magnífico artilheiro Primeiro Tenente Eleal
e posteriormente três peças. Em Guaratinguetá tinhamos nada
menos do que quinze canhões, somente na retaguarda do
Oitavo, entregues ao Quarto R.A.M. e ao Segundo G.A.P.,
além das Companhias de Bombardas. Nós tínhamos um com
quatro peças, comandadas pelo Capitão Alberto Americano,
filho do saudoso Coronel Luiz Americano, veterano do
Paraguai. Todas as nossas peças estavam ótimamente
instaladas. O canhão 150, vindo do forte de Itaipú com
guarnição santista, fez magníficos disparos.
Pela Frente Norte, portanto, a situação era boa. Um avanço
tentado pelos lados de São Luiz do Paraitinga, foi
brilhantemente rechassado pelo bravo Coronel Andrade,
talvez o mais valente Cabo de Guerra revelado pela
Revolução Paulista. Houvessem alguns dos militares
destacados na Frente Norte mantido o compromisso de honra
que assumiram, quando enviaram à todos os Corpos um apelo
para nossa rápida arregimentação, e São Paulo teria (estou
convencido para nossa infelicidade) vencido. Mario, o
chaufeur preso pelo adversário, conforme já narrei, contou-
me que se houvéssemos atacado naquele dia, pegaríamos até
os canhões, pois o famoso Exército do Leste estava em
pandarecos. Essa informação foi integralmente confirmada
pelo Dr. Hamilton Prado que, evadido da Ilha Grande, foi
ter às nossas linhas, sem encontrar forças da ditadura. Não
comentarei esses fatos. Meu papel é de simples narrador.
Deponho sobre o que vi e observei, com absoluta verdade,
sem admitir contestação será para que o historiador do
futuro possa formar juízo seguro.
Na fazenda Jararáca tínhamos o flanco esquerdo apoiado nas
forças do Major Valença e o direito nas do Major Borges,
formada, quase toda esta, pelos bravos rapazes do Tiro
Naval, de Santos; todos experimentados nas rudes lutas de
Silveiras e Areias, onde escreveram páginas de intenso
brilho na história da sua terra. Era o Quinto Batalhão de
Caçadores Paulistas Misto.
Pouco contato tivemos com o adversário. Combate, nenhum.
Apenas algumas patrulhas avançadas nos apareciam, para
fugir à aproximação dos nossos. A fragilidade das hostes
inimigas era patente. Pela noite à dentro assinalavam-se
107
numerosos faróis de caminhões. Eram as poucas tropas em
movimento, aparecendo de um e outro lado, para simular
número. O Dr. Hamilton confirmou isso mesmo, anunciando
grandes cargueiros na direção da Roseira.
Fogos de artifício.
Mas estava escrito - nos homens o órgão principal ainda é o
estômago.
Estou convencido de que Deus escreve direito por linhas
tortas. Ademais, ainda diz a sabedoria popular que há males
que vêm para bem. A prática da vida ensinou-me que DE TODO
MAL VEM UM BEM. É o que fatalmente acontecerá à São Paulo.
Esta luta foi fértil em preciosos ensinamentos de toda
natureza. Esta mocidade radiosa que tomou armas pela
integridade do patrimônio moral da sua terra, 7há de saber
aplicar esses ensinamentos num futuro bem próximo.
*
* *
OS CHEFES
108
Dilmar ainda encontrou seu pai com vida.
O Cel Palimércio era um homem bom, um grande e leal soldado
da Constituição.
S. Paulo precisa gravar os nomes desses homens; Os
Palimércios, Euclydes, Tabordas, Sampaios, precisam
constituir a grande galeria de ouro, em contraposição aos
calabares que enxovalharam a farda até então honrada que
vestiam.
À Cesar o que de Cesar for.
O Cel Sampaio, de quem tantas vezes tenho falado, é gaúcho.
Baixo, de mais de 50 anos, largo chapéu de feltro, em
campanha, usava na cidade capacete de aço, com as armas da
República pintadas sobre o seu nome.
Atendida com solicitude, quando não estava de mau humo. As
vezes era ríspido e os soldados se molestavam muito com
isso. Mas era feitio do bravo militar, que logo depois se
arrependia de qualquer gesto apressado. Um dia, ante uma
república, mandou prender um rapaz, que teimava em obter
licença. A hora do almoço suspendeu a refeição e chamou seu
ajudante de ordens:
- Vá soltar aquele soldado e dê-lhe cinco dias de licença.
O Paulo Guimarães atracou-o um dia, para ir a Santos. Ele
negou a pé firme. Brincou com o Paulo, para dissuadi-lo da
viagem.
- Não vá moço. A Revolução vai acabar e o senhor está fora
da sua tropa. O Paulo insistia.
- Olhe, vá embora. Amanhã darei a licença.
- Mas amanhã o senhor nega, esquecido da promessa.
- Não nego. Aqui fica minha rubrica no seu salvo-conducto.
Eu não me esqueço.
Rubricou o papel e no dia seguinte deu a licença.
Era de veneta.
Sempre recebia afavelmente seus oficiais e infalivelmente
perguntava pelos “peixes”. Ficou, por isso, axiomático que
o Coronel Sampaio era o chefes dos “peixeiros”.
A grande reunião de Guaratinguetá deu-se no seu Q.G. Ele
estava ao lado do Coronel Euclydes.
Portou-se lealmente.
A porta do seu carro no comboio do Estado Maior, em
Cruzeiro, havia cartazes de todos os feitios, folhas de
jornais, exortações e advertências. Em letras garrafais,
para que se visse claramente:
109
Era seu chefe de E.M. o Major Oswaldo Mena Barreto, oficial
que não desmentia a tradição do nome. Corria diariamente as
linhas providenciando sobre tudo.
ASPECTOS DA CIDADE
110
outra coisa, numa praça onde a população tem 95% de
militares.
Apenas aos grandes chefes os militares cumprimentam.
Procurei cruzar de frente com o tal Segundo-Tenente. Com
grande surpresa constatei que tinha a cara pintada como
palhaço de circo. Era uma mulher! Mas mulher de baixa
condição, velhusca, feia. Ainda se fosse moça e bonita...
Na guerra há três coisas sumamente inconvenientes: o
paisano, a cachaça, e mulher. Que diríamos então daquele
traste, metido solenemente numa farda kaki, galão ao
hombro, capacete de pano na cabeça, distribuindo mesuras e
continências, sacudindo os quadris? Era feia, mas na guerra
há sempre muita contemplação desta perspectiva.
Quando ela se viu de frente comigo, levou a sua mão
espalmada à altura do parietal direito. Parei e ela também.
- Baixe essa mão, moça. Onde arranjou essa farda? E esse
galão?
- Eu sou do P.C. do Paes Leme.
- Não é verdade. O valente Paes Leme não tem oficiais de
saia. A senhora esta presa, queira me acompanhar à
Delegacia Militar.
Deixei ela lá, com enorme gaudio dos médicos, que se riam a
bandeiras soltas com o incidente, de certo jocoso.
*
* *
111
112
O CAPACETE DE AÇO
*
* *
113
HÓSPEDE DO PAES LEME
114
fora do campo de tiro, parei e chamei pelo Olavo. Havia
desaparecido. Interroguei os companheiros e eles me
disseram que no tiroteio ele sumiu. Era desesperador.
Procuramos; nada.
Fosse o que Deus determinasse.
Ao longe dois faróis. Paramos; devia ser Lorena, porque as
nossas forças não usavam faróis e de automóvel não eram,
porque estavam parados. Muito ao longe uma cidade
iluminada. Pensamos que fosse Guará; era Lorena.
Decidi-me, afinal. Na primeira luz eu chegaria. Fosse amigo
ou inimigo. Preveni os companheiros. Por detrás de um alto
barranco, talhado quase à pique, vimos uma claridade débil.
Galgamos. Era uma barraca. Aproximei-me de mansinho e puz-
me à escuta. A conversa não adiantava. Não ia nem vinha,
como se diz na minha terra. Por ali não saberíamos de onde
eram os ocupantes. A esse tempo o Comando do Setor ainda
não dava senha diária. A que tinhamos era só do Oitavo. Que
fazer? Meti a cabeça por uma abertura. Estavam quatro
soldados em volta de uma lamparina. Não tinham capacete de
aço. Perguntei bruscamente:
- Paulistas?
- Não.
Levei a mão ao revólver, pronto à fazer fogo. Eram 4 e eu
tinha, à queima-bucha, 6 tiros.
Nisto um que era o mais idoso da roda acrescentou:
- Paes Leme.
Respirei, entrando ante o estupor daquela gente e sentei-
me. Os companheiros entraram e contei nossa odisséia.
Deram-nos cognac, café e bolachas. Era o P.S. do Paes Leme,
dirigido por um amável facultativo de Piracicaba, que não
me deu o nome. Mandaram-me, por fim, ao P.C., onde não
estava nenhum oficial. Afinal chegou o Capitão Gabriel, que
se lembrou de uma antiga apresentação feita por um amigo
comum, em São Paulo. Agasalhou-nos, deu-nos roupas, comida,
vinho, doce, café e cama. O jantar estava na metade quando
entrou um oficial do Batalhão.
- Gabriel, dizia ele muito assustado, veja que gente
audasiosa! Foram mesmo junto da minha trincheira. Meti
granada neles, mas tiveram sorte; negou.
Uma sonora gargalhada sublinhou as palavras do Tenente.
- Olhe, o carioca esta aí.
E mostraram-me.
Muito riso, muita alegria. Na manhã seguinte o Gabriel
levou-nos ao P.C. do Coronel Sampaio.
Já correra a notícia que estávamos mortos ou presos e o
Spindola andava em nossa busca. Chamou-me recruta.
- Recruta? Vá você de noite, como eu fui, por um tempo
daqueles!
Encontrei o Olavo, mais o Peres e o Argemiro. Também tinham
perambulado. O caminho que Olavo queria seguir era o de
115
Lorena. Deram em uma trincheira, dentro da qual rolaram,
por haverem escorregado. O Major Valença os abrigara.
Quando chegamos ao acampamento foi uma festa. Tive de
repetir a história mil vezes. Daí há pouco cada um a
contava à sua maneira.
Circunstância notável que não devo deixar de registrar.
Nesse mesmo dia minha senhora, em Santos, fora visitar
nosso filho Paulo, destacado no Guarujá. Ia com ela minha
filha Alda. Ao aproximarem-se os irmãos, despreende-se o
revólver do Paulo e, caindo, dispara, indo a perna da Alda,
acima do joelho, sem tocar no osso.
Na aflição do momento, diz-lhe minha senhora, católica
praticante que é:
- Minha filha, oferece teu sacrifício à Deus, por teu pai,
que talvez esteja em perigo!
Deus, em seus altos desígnios, aceitará a oferenda daquele
anjo.
*
* *
BOMBARDEIO DE GUARATINGUETÁ
116
metemos num buraco que a natureza previsora ali deixára. O
bombardeio continuou até o dia clarear. Quando cessou, o
sargento Moreno tinha contado 62 tiros. Nenhum nos
atingira; em volta da casa o chão estava coberto de
estilhaços. A casa do Sr. Martiniano Rodrigues Alves tinha
os fundos desabados. A cidade estava esburacada. Uma
granada passára rastejando sem explodir. Passara por
debaixo da cama de um sírio que dormia, atirando-o de
catrambias, mas sem ferí-lo. Bala camarada.
Duas outras caíram no mercado, ferindo dois homens.
Crianças e mulheres mortas e feridas, casas atingidas, fios
partidos, uma miséria.
Durante o dia o canhão recomeçou sua obra sinistra,
coadjuvado pelos aviões que, cinco ou seis, despejavam uma
carga e iam buscar outra. Contaram-me que os aviadores
ganham por vôo.
Tínhamos mudado a Intendência para a casa do finado Coronel
Virgílio Rodrigues Alves, um amplo palacete, junto da
matriz. A proximidade da igreja evitaria as bombas,
pensávamos, porque ninguém teria coragem de visar um
templo. Puro engano. Na Aparecida cometeram o sacrilégio de
metralhar o pátio da Basílica.
Não morremos todos porque Deus não quis.
As bombas de avião não davam tempo para nada, era um
inferno, de arrepiar as carnes.
Já não se ouviam os estampidos, tantos eles eram. Um
momento vi os rapazes correndo para o interior do prédio,
lívidos como cadáveres. Uma formidável bomba caíra bem em
frente das nossas janelas, moendo os vidros como
estilhaços. Os intervalos entre dois estouros eram ocupados
pelas rajadas de metralhadora, vinda do alto.
Combater assim, do alto, sem perigo algum; sem arriscar a
pele, é bom...
É bom, é cômodo, mas não é nobre nem galante.
É outra coisa...
A cidade agora era um cemitério. As Intendências foram
abertas para socorro ao resto da população, tão pobre, que
não pudera fugir. Levas e levas de pobre gente, tomada pelo
medo, andava circunvagando, em busca de alimento, formando
longas filas às portas dos armazéns de viveres.
A luta se transferia do campo raso, onde os homens medem a
valentia, para os combates seguros, de cima para baixo,
embora aqui em baixo não haja soldados para vencer, mas
homens indefesos para espavorir.
Viva a República!
Durante mais de 50 horas, Guaratinguetá viveu horrores
dantescos, vendo cair projéteis de todos os tamanhos sobre
suas ruas. Cidade aberta, que não abrigava um único Corpo.
Os acampamentos estavam inertes, sem um soldado ditatorial
para repelir. As populações pagavam o crime de serem
paulistas.
117
*
* *
APARECIDA
118
estação férrea, os aviões corvejavam sobre nós. As bombas
caiam como chuva. Em uma casinha estavam alguns sapadores.
No chão alguns encerados e sobre eles números velhos do
"Cruzeiro"; rapazes deitados, liam. Era assim que se
passava ali, naqueles dias trágicos. Entramos e deitamos
também, com o ventre para baixo, lendo as revistas. Um
silvo mais pronunciado denunciou granada próxima; o
estampido não demorou. Caíra à distância de alguns metros.
Um sapador estava morto, com toda calota levantada e os
miolos à mostra. Mais 3 feridos. Os companheiros quiseram
sair.
- O melhor é ficar. Já que esta caiu tão perto, é natural
que as outras caiam mais longe.
Ficamos. Não adiantava correr; a granada não trazia
endereço. Para morrer todo lugar é bom.
Serenada a tormenta, tomamos as coisas que fomos buscar.
Faltavam-nos alguns capacetes de aço. Fiz o pedido e na
Intendência geral, disseram que era preciso visa-lo pelo
Coronel Novais, no Q.G., que ficava lá no alto. Fomos. Na
volta verificamos do que havíamos escapado. Precisamente no
lugar onde tínhamos estado, caiu uma bomba de 60 quilos.
Cavara um buraco de cerca de 30 metros de diâmetro,
derrubando enorme telheiro. A casa, em cujo quintal ela
tombara, estava inteiramente atingida. A deslocação do ar
fora tamanha, que, atravessando a rua, metera para dentro
as portas e janelas da Intendência. Não se encontrou um
único estilhaço; voara tudo.
Na estação férrea passou-se caso muito mais sensacional.
Estava parada uma locomotiva. O maquinista, sem serviço,
cochilava. Para espertar resolveu tomar café, verificando
então que nada trouxera para comer. Levantou-se e foi pedir
algumas bolachas no armazém de viveres. Na sua ausência o
aeroplano desovara sobre a máquina, aplastando-a.
Ele escapara da morte certa.
- Então Manuel, como foi isso?
- Manuel, não senhor. Agora chamo-me Antônio. Nasci outra
vez.
*
* *
ESPIÕES
119
Eu também achei a coisa muito esquisita e comuniquei ao
comandante. Mandou ele buscar o homem, missão desempenhada
desde logo. Mas havia em sua fazenda mais gente. Um moço,
formado em direito, que fôra delegado de polícia em Cunha,
demitido após o movimento constitucionalista, por fortes
diferenças com seus chefes. Era suspeito. Mandou o
comandante que eu fosse busca-lo. Chamei o Márcio e tocamos
para a fazenda, onde voltamos com o rapaz. Interroguei-o;
mostrava-se estranho a qualquer entendimento com o
adversário. Perguntei porque não tomava armas contra a
ditadura. Respondeu que estava descançando dos muitos
serviços de Cunha. Fomos encarregados, eu e o Major
Valença, de leva-los ao P.C. do Coronel Sampaio e, de lá,
ao Q.G., em Guará. Do Q.G. ainda me mandaram conduzi-los à
Delegacia Militar, onde ficaram. Abriu-se inquérito. De uma
das testemunhas ouvi que o mineiro fanfarroneava "que
haveria de vender paulistas a dois por um tostão".
Convidava nossos soldados para chupar laranjas na fazenda e
lá os rapazes eram presos por forças ditatoriais que ele
ocultava.
No dia em que lá estive, mal chegando ao nosso P.C., ouvi
fuzilaria. Eram soldados inimigos que atiravam sobre nossas
patrulhas, principalmente sobre a cavalaria de Castro, com
quem cruzei no caminho. A tropa carioca estava emboscada e
não me prendeu porque, certamente, preferiu prender a
cavalaria. Eu era inofensivo. Tivemos um cavalariano preso
e um cavalo ferido por bala no pescoço. Foram soltos os
homens. O Mário encontrou o doutor em Cruzeiro, quando da
sua prisão.
*
* *
FORNECIMENTOS
Quero fixar aqui um dos pontos mais obscuros da
campanha. Os armazéns do S.A.T.O. (Serviço de Abastecimento
das Tropas em Operações), instalados no mercado novo em São
Paulo, regurgitavam dos mais variados artigos, de bandeiras
de São Paulo a palitos. Havia ali também tudo o que se
podia requisitar para a alimentação das tropas, o movimento
era intenso. Se faltasse alguma coisa, era possível
adquirir prontamente na praça.
Na frente Norte, o abastecimento de gêneros de
alimentação era farto. Mas no resto…
120
De Santos subiam toneladas e mais toneladas de
bananas, mas a banana que nos aparecia era escassa,
escassíssima.
Doces, agasalhos, presentes, nada chegava para nós. A
Cruz Vermelha de Santos e a Associação Comercial nos
mandaram agasalhos e joalherias. Foram as únicas coisas que
recebemos.
Quando a nossa tropa ficou sem roupa, especialmente
brancas, fui a São Paulo buscar mais após a minha desilusão
quanto à obtenção na Cachoeira e Cruzeiro. No S.A.T.O.,
conheci pessoalmente o Dr. Heribaldo Siciliano, que ali
trabalhava. Fiz então, eu mesmo, o pedido para ser
despachado. A surpresa foi geral. “Como? Mas não havia
abastecimento no Norte?” “Não é possível, para ali seguiam
trens carregados de roupas e utensílios, trens inteiros
especialmente para isso”.
Garanti que lá não havia estoques, pois os rapazes
encarregados da distribuição eram meus conhecidos e não
teriam me enganado. Aliás, eu costumava percorrer os
armazéns e de fato via como os fornecimentos foram
reduzidos.
Devia ser engano meu, ponderavam. Mesmo assim me deram
um memorandum interno para fornecerem tudo o que eu
necessitava em Cruzeiro. Eu deveria então procurar ali o
Dr. Melo Matos, da Delegacia Técnica. Aceitei.
O Dr. Melo Matos já logo declarou que não tinha nada
do que eu pedia e precisava. Era no Material Bélico. Fui
lá. O Dr. Cruz exigiu o “visto” do Cl. Sampaio. Obtive.
Não havia mercadorias. Com muito custo consegui 100
uniformes, 50 pares de calçados e alguns facões de mato. O
restante seria somente quando eles também tivessem. O Dr.
Cruz, de forma muito paciente me mostrou os sucessivos
pedidos que o S.A.T.O. recebia em São Paulo sem serem
atendidos, até mesmo os pedidos por telegrama.
Voltei a São Paulo. Reclamei e me mostraram as
numerosas requisições de despacho na Central do Brasil.
Ninguém entendia. Eu também não entendia.
Não fosse a guerra o melhor negócio…
121
Mas o mal não estava no S.A.T.O. e nem nas cidades da
frente. O mal estava no caminho em que o carro fazia…
Recebi então tudo o que a minha tropa necessitava e
carregamos dois caminhões para que fizessem o transporte.
Os caminhões foram então embarcados na Estação do Norte e
tudo chegou seguramente. A tropa estava restabelecida.
Os jornais anunciavam a generosa campanha das moças
sírias para adquirir impermeáveis para soldados. Não vi um
só desses impermeáveis. Duas moças abriram, com grande
êxito, a Campanha do Ovo. Se esses ovos tivessem veneno,
não nos matariam…
Para onde teriam ido essas coisas? Para o fundo da
Paraíba, onde atiravam os cunhetes de munição que nos eram
mandados?
Sobre a munição há um fato notável. Em dia de aperto,
o Cl. Euclides telefonou ao General Klinger, pedindo
urgentemente reforço. O general então informou que havia
acabado de sair um especial, da Estação do Norte, com 600
mil cartuchos. Diante disso, o Cl. Euclides calculou que o
trem levaria no máximo 5 horas, e então mandou gastar a
reserva. Até hoje o trem não chegou. Fiel ao princípio que
adotei, conto este fato sem endossá-lo, pois não o
testemunhei. Porém ouvi de uma pessoa altamente colocada
nos meios militares.
Não sei se esses fatos se reproduziram nas outras
frentes, pois somente narro o que vi. Seria, entretanto,
interessante saber toda a história.
*
* *
O CONVÍVIO
122
Circunstâncias imprevistas me fazem escrever longe dos
companheiros, de modo que nem eu mesmo posso recorrer a
eles para que me ajudem. A única coisa de que disponho é a
coleção dos nossos boletins. Mas aí o subsídio é tão
pequeno que quase nada ajuda. Por isso, vou romper a ordem
cronológica de minha narrativa, e contar casos pessoais
ocorridos com a nossa gente, no desejo muito sincero de
esquecer o mínimo possível.
Não me referi ainda ao dentista Luis Silva, porque nas
vezes em que falei da organização do oitavo, seu nome não
constava no boletim. Ele é conhecidíssimo em Santos. Na
fazenda P. Morais feriu-se, o que o levou a passar muitos
dias fora da Unidade. Voltou ao posto, continuando nos bons
serviços anteriores. O Lulu era estupendo. Manco, curvado
para um lado em consequência do desastre que sofrera na
referida fazenda, andava vagarosamente. Vivia no
acampamento, mas um dia resolveu vir para a cidade, onde
instalou o gabinete. Instalação modesta, mas servia. Nhonho
Paula Ramos era o seu impagável ajudante, afinal afastado
do nosso meio por um desastre de automóvel que estava
roubando-lhe a vida. O Lulu e o Nhonho nos divertiam todos
os dias com suas animadas palestras. No final aquele
desconfiou. Estava sendo perseguido. O comandante implicara
com os elementos da Falange Acadêmica e eu andava metido na
conspiração contra ele. É claro que não dei a menor
importância à acusação, inteiramente destituída de
fundamento tanto em relação ao Spindola como a mim, que não
tinha motivos senão para bem querê-lo como bom companheiro
que era. O Lulu tinha uma habilidade - deslocava o maxilar
e ficava horrendo. Um dia ele quis reproduzir a manobra,
mas o Canto impediu:
—Olha Lulu, você é feio mesmo. Não precisa fazer força
para isso.
Até o Lulu achou graça.
Eu me divertia em provocá-lo. Tínhamos tremendas
discussões. Todos percebiam que eu o estava provocando, mas
o Lulu levava o negócio a sério, até que também percebia a
brincadeira, dando o cavaco.
123
O Spindola muito o apreciava, mesmo porque ele
prestava bons serviços como dentista, enfermeiro e até como
médico e… cirurgião. Na fazenda Morais tirou muito caco de
granada do pessoal.
*
* *
Uma das consequências da guerra é o destemor que
infunde nos moços. Na paz, o indivíduo encara as
possibilidades de rixa e os atritos pessoais como coisas
que devem evitar. Na guerra, como perder o amor pela
integridade física. Se por um lado se estreitam as relações
entre os homens que juntos combatem, por outro nos faz
encarar as situações mais perigosas com absoluto sangue
frio.
Osvaldo Lima era um menino com raros fios loiros que
lhe sarapintavam o rosto de criança. Entretanto, ele
aguentava firma as operações de guerra. Quase todos os
rapazes usavam revólver, embora não nos pagassem dessas
armas. Cada um tinha o seu. Osvaldo estava de brincadeira
com um companheiro. De repente, este fingiu que sacava o
revólver. Osvaldo não pestanejou e nem tirou o corpo:
—Não corri de canhão; vou correr dessa merda!
*
* *
O bom humor era outro traço característico da
campanha. Spindola é maranhense. Uma tarde jantávamos à
sombra de uma laranjeira no P. C. da Jararaca. Apareceu o
Fernandes, querendo vender um ótimo revólver Schmidt &
Wesson, mocho, por 250$000. O Spindola ofereceu 200$000 e o
Fernandes recusou. 220$000. Não quis. Nisso toca o
telefone; era o Fragoso que chamava o Fernandes. Na
ausência deste dizia o Comandante:
—Estou com vontade de comprar a arma. É boa. Eu tenho
uns bônus e estou com medo que isso fique sem valor.
Também, se compro o revólver e nós perdemos a revolução,
vem por aí algum “cabeça chata” e me toma. Os bônus são
mais fáceis de esconder…
124
Em outra oportunidade, Guilherme Gonçalves e eu fomos
chupar jabuticabas. Estávamos trepados na árvore quando o
canhão assobiou. A granada vinha silvando, e o Guilherme:
—Se esta peste cai aqui, acaba com as jabuticabas.
O Paulino, aliás José Roux Paulino, era o bom humor em
pessoa. Ele mesmo, pelo seu aspecto baixote, atarracado,
olhos miúdos e brejeiros, era a própria brejeirice. Exímio
“comprador” de galinhas, via em tudo motivo para rir. Só o
vi sério uma vez e por muito pouco tempo, quando em Pinda,
comandava algumas evoluções de seu pelotão. Mas ao se
distanciar do Comandante, suas vozes de comando eram de não
se poder repetir aqui.
Um pândego; mas também um valentíssimo soldado.
O José João Batista de Oliveira teve uma fístula no
queixo. Tirou licença. Perder uma oportunidade daquelas era
difícil. Contou a todos que fora um estilhaço de granada
que ferira o mento. E quem duvidasse que fosse perguntar ao
Lulu, que bem sabia. O Lulu sabia que aquilo era uma
fístula, pois ele próprio o tratou.
Em Santos não há quem não conhecesse o Rico Tipo. Em
Santos, em Cachoeira, em Cruzeiro e onde quer que ele
passasse. Apareceu preso, no P. C. em Guará. Vinha rasgado,
sujo e conduzindo dois fuzis. Saíra em patrulha com um
companheiro e ficaram perdidos no mato. Quando aquele
figurão entrou no quarto do comandante, todos riram.
—Quem é você?
Perguntou o Rocha Marques. O Rico Tipo, muito sério,
voltou-se para o Ciro Ruiz e disse:
—Vamos Ciro, me apresenta!
Novas gargalhadas. O Ciro apresentou:
—É o Rico Tipo, meu amigo.
—Isso não é documento — atalha o Major — eu também
tenho muitos amigos do lado de lá.
—Mas este é o lado de cá; é do Naval, ali do Major
Borges.
—Então pode ir. Mas olhe moço, quando sair em
patrulha, vista-se melhor para no caso de ser preso e não
nos desmoralizar.
125
O bravo atirador saiu sob estrondosas manifestações
dos seus muitos amigos ali reunidos, satisfeitos pela
oportunidade de vê-los.
O bom humor não era privilégio nosso. Quando foi do
armistício, um capitão constitucionalista, cujo nome já não
recorda, foi parlamentar no quartel general do General Gois
Monteiro. Recebido pelo chefe ditatorial, este perguntou-
lhe:
—Capitão, você me acha muito magro?
—Não general, por quê?
—Pois vocês chegaram a anunciar o meu enterro!
—Mas a ditadura também usou desses processos.
—Usou, não contesto. Mas assim, de matar o comandante
chefe!
O capitão contou mais que o general acrescentara:
—Você não ouviu falar na deposição do interventor
Barata, no Pará? Como se chamava o chefe desse movimento?
—Parece que era o Tenente Saint-Clair Paris Leme.
O general gritou para dentro do vagão:
—Oh Saint-Clair!
Apareceu um oficial, e o general, falando ao capitão:
—Apresento-lhe o comandante de minha artilharia…
Mas os jornais anunciaram a prisão do Tenente Saint-
Clair, como chefe do movimento paraense. O fato só encontra
explicação no espírito brincalhão do capitão ou do general.
A guerra exalta também as virtudes no homem. Temos
disso bastos exemplos. Alguns poderei relatar.
Um jovem estudante de direito — Carlos Pacheco Cirilo,
filho do presidente da Cruz Vermelha de Santos, partiu com
nossa tropa para a linha de fogo. Ele e seu primo Alcides,
filho de Cirilo Jr., o ardoroso tribuno paulista.
Adoeceram ambos. Alcides com forte ataque hepático;
Nonô com uma gripe. Tiveram licença e saíram para o
embarque. Alcides estava de fato muito doente, tanto que
não lhe foi possível voltar. Nonô ainda se aguentava. No
caminho, disse ao primo que retornaria. Não estava tão
doente que não pudesse ficar na trincheira. Ficou. E ficou
silenciosamente, sem mesmo comunicar ao comandante. Muitos
dias depois, já vencida a licença, Spindola lembrou-se.
126
—E o Nonô que não voltou?
—Como voltar se ele não foi?
Mais tarde, com a organização da Justiça Militar,
ofereceram-lhe o lugar do escrivão, com o posto de Segundo
Tenente. Ele recusou e ficou firme de fuzil na mão.
São dessa força os novos bandeirantes de que tem
falado o General Valdomiro Lima.
Mas toda medalha tem um reverso. Muito tipo se
aproveita das ocasiões para dar vazão aos seus instintos
perversos.
O pai do sargento Chancharulo enlouqueceu, porque foi
chamado ao telefone onde lhe deram a notícia, aliás falsa,
da morte do rapaz. Quando deixou o fone já estava demente.
Era divertimento predileto telefonarem para as
famílias, perguntando a que horas chegaria o cadáver do
voluntário tal.
Diziam que era uma forma de derrotismo, isto é, de
alimentar o desânimo entre a gente bandeirante, como prova
de dedicação à ditadura. Se assim era, malditos os que
apoiam em tais processos.
*
* *
Quando o primeiro contingente miliciano seguiu para a
frente, o Comissário de Polícia Menezes comunicou-me que
entre nós estava alistado um comunista dos mais perigosos,
praticante e terrorista. Chamava-se João Delfino de
Oliveira. Procurei saber, verificando que ele seguira para
o Norte. Quando cheguei em Queluz, comuniquei o fato ao
Comandante Spindola, que chamou o indiciado à fala. Era um
negro esgalgo, pele muito lisa, extremamente simpático e
bem disposto. Interrogado, não mostrou estranheza e
explicou. Era tudo infâmia. Inimigos gratuitos o haviam
denunciado falsamente e a Polícia o havia fichado.
Colocaram-o em observação, pois ele saberia cumprir o
dever.
Ficou. Abençoada inspiração o deixar entre nós. Foi um
valioso soldado, tão comunista como qualquer um de nós. Foi
promovido a cabo pelos bons serviços. Um dia fomos
127
encontrá-lo, Spindola e eu, nas trincheiras do Fragoso. Era
o homem de confiança.
*
* *
Quando um sujeito na guerra sabe de muita coisa, ele é
chamado de boateiro. Quando fui apresentado ao Cl.
Euclides, ele me perguntou como iam as coisas para o meu
lado. Dei-lhe as informações que tinha. Pediu-me notícias
de outros lados.
—Nada sei, coronel. Só sei do que se passa no meu
pedacinho.
—Assim é que se faz a guerra —interveio o chefe —se
cada um cuidar do seu retalho, haverá quem faça a colcha.
*
* *
Quando o sargento Mario regressou da Ilha da Flores,
contou-me muitos casos que ele dizia ter presenciado. O
mais importante vale a pena ser mencionado.
Logo que chegou a Cruzeiro, foi ouvido no Q.G.
Lá estavam os Generais Gois e Daltro Filho, além do
Capitão João Alberto, que o interrogou:
—Que veio aqui fazer?
—Não vim; trouxeram-me e foi contra a vontade.
—Vocês têm muito armamento?
—Sim, senhor.
—E munição?
—Também.
—E granadas de mão?
—Isso por lá é lixo. Ninguém faz conta.
O interlocutor exasperou-se e mandou metê-lo em um
vagão de animais próximo de seu carro.
Preso, o Mario pensava na vida. Ressoou ao longe o
nosso 150 e a bala veio cair junto ao carro do Q.G., sem
explodir. Se tivesse explodido, mataria todos aqueles
chefes ditatoriais e, com eles, o Mario. Acrescentou este
que nunca torceu tanto pela morte.
*
* *
128
Sob o tremendo bombardeio de Guará, o P.S. teve de
mudar durante a madrugada. Foram todos para o edifício da
Santa Casa.
Na manhã seguinte, correu o boato de estarem feridos
muitos soldados do Oitavo. Segundo o costume, fui vê-los.
Era engano. Embaixo de uma escada, no nível inferior ao da
rua, vejo enorme massa humana enrodilhada. Aproximei-me.
Era o Guilherme Gonçalves que dormia, fardado, com botinas,
polainas e tudo, inclusive o bibi na cabeça. Cutuquei-o com
o pé: —estica essas pernas, malandro!
—E os outros?…
—Que outros?…
Só então ele acordou e, ao me ver, sentou-se. Os
outros eram os demais médicos que haviam dormido ali,
embolados e sem deixar o Guilherme esticar as pernas. Era,
de fato, o lugar mais seguro. Legítima trincheira
inatingível. Se o negócio demorasse, eu também viria dormir
embaixo da escada.
*
* *
O acaso não é somente um grande policial. É também um
valente guerreiro. Tivemos provas exuberantes.
Em Pinheiros, o setor da Boa Vista era o ponto
nevrálgico. Todos sabiam que se um dia houvesse furo, seria
por ali. Em certo momento esse furo parecia infalível.
Recebemos ordem de encher os tanques dos automóveis e ter
tudo preparado para a retirada. A linha estava muito fraca
e esperávamos um ataque aéreo, o que nos faria recuar.
Todos a postos para o que desse e viesse. Os aviões
apareceram no espaço. Voaram céleres e iniciaram o
bombardeio. Ao invés de atirarem sobre as nossas linhas,
atiraram sobre as deles, dizimando-as e causando formidável
pânico.
Tivemos de arrumar novamente as coisas em seu lugar,
na Intendência.
Se é verdade que o acaso muitas vezes ajuda, por outro
lado é preciso que se tenha muito cuidado com os fenômenos
contrários. Uma noite o Cl. Lamego mandou buscar em nossa
vizinhança um grupo para escoltar prisioneiros que haviam
129
se apresentado na Boa Vista, ao Capitão Sandim. Eram
rapazes do Batalhão dos Funcionários Públicos, tão
inexperientes, que não sabiam sequer carregar um fuzil.
Paulo Belegarde os comandava e também se exasperava com
aquilo tudo.
Fiz ver essas circunstâncias ao Cl. Lamego e lhe
ofereci uma escolta do Oitavo. Ele aceitou e me disse: —o
senhor também vai, comandando a escolta. Fomos todos.
Quando tivemos que apagar os faróis do caminhão, fique
cego, porque à noite não distingo dois palmos diante do
nariz. Agarrei-me ao braço do Comito e tocamos. Chegados
aos P.C. do Sandim não havia prisioneiro algum. Tinha sido
“truta”.
Uns 80 homens apareceram nas proximidades, dando vivas
à Constituição e a São Paulo. Queriam aderir. Segundo às
ordens telefônicas do Q.G., só passariam em pequenos grupos
de 3 ou 4, desarmados. Mas não era isso que eles queriam.
Haviam de passar todos juntos. Impossível. Ficou para o dia
seguinte.
Quando voltávamos, o Major Spindola, que vira o
movimento de gente, veio ao nosso encontro, dando a senha:
—Minas.
—Bernardes.
Reconhecemo-nos e lhe contei o sucedido. Ele achou
muita graça e referiu que os “adesistas” tinham ido também
às suas trincheiras, sendo recebidos pelo Jácomo com o F.M.
No dia seguinte, soube-se que os ditatoriais haviam
tentado a farsa em toda a linha. Só o Sandim os levara a
sério. Os outros lhe mandaram mechas, principalmente o Cl.
Andrade.
*
* *
Seria grave injustiça encerrar essas notas sem uma
referência mais direta a Haroldo Levi e Franquinho. Este
era um soldadinho pequenino, risonho e bravo como uma
jaguatirica. Não havia feito brilhante que o Franquinho não
estivesse metido no meio. Entretanto, na fila, ninguém
daria qualquer coisa por ele. O Haroldo era um judeu às
direitas. Cresceu-lhes a barba rara e loira, nariz adunco,
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traía iniludivelmente o sangue que lhe corria nas veias.
Nas dele e nas minhas. Era um metralhador terrível. Levava
o dia inteiro na caçada, procurando quem matar, de binóculo
em punho. Ele e o Jácomo pintaram a manta.
Li ultimamente um comunicado do Exército Leste, dando
a relação dos mortos, feridos e extraviados da ditadura em
toda a frente Norte. Não passavam de 50 em toda a campanha.
Quanta munição nós estragamos…
O sargento Sebastião também é digno de ser lembrado.
Estava na trincheira quando foi chamado para a cozinha.
Fora cozinheiro de Miguel Costa, o que depõe em favor do
gosto deste, Ótimo cozinheiro. Punha apelido em todos os
companheiros.
Qual teria sido o meu?
*
* *
Com a saída do Dr. Leonel, nos foi mandado como médico
o Dr. Mario Costa. Era um moço de barba loira, alto e
forte. Gozadíssimo. O que o Leonel tinha de sisudo, tinha o
Mario de folgazão. Andava de tamancos com a camisa pra fora
da calça, guiando a ambulância de um lado para outro.
Metia-se no meio do pessoal que com ele trabalhava e
ninguém saberia quem era o chefe. Um ótimo rapaz. Tinha
sido ferido por bala em uma perna, o que custara longo
tratamento. Não mais o vi.
ARMISTÍCIO
131
- Ninguém, estou desconfiado. E acrescentou:
- É. A revolução acaba e o senhor não me da um facão.
- Pois, se assim for, eu te darei um facão de ouro.
- Está fechado.
- Mas se acabar com a nossa vitória.
E acabou mesmo, mas da maneira que todos vimos.
Já o dia ia alto, quando os chefes voltaram. Ordens para
cessar os patrulhamentos e suspender qualquer hostilidade.
Ficassem todos em seus postos, sem atirar, mesmo que
houvesse provocação da outra parte.
Reação só devia haver em caso de ataque direto.
Era a paz.
Mas em que condições? Quem a pedira? Como ia terminar
aquilo tudo? Eram as interrogações que pairavam por toda a
parte. Não se brigava mais. Os soldados vinham pressurosos
para nós, oficiais, em busca de notícias, mas nós sabíamos
tanto quanto eles. Interrogávamos os Comandantes e eles de
nada sabiam. Que o movimento estava no fim “qu7alquer que
fosse a solução”, ouvi do Major Rocha Marques. A fisionomia
apreensiva de Spindola não me deixava dúvida razoável.
Sabia-se, de positivo, que o armistício fora solicitado
pelo supremo comando das Forças Constitucionalistas.
Mais tarde se constatou que estavam os nossos chefes ao par
da verdadeira situação do movimento, pela transcrição de
uma carta de ambos, publicada pelo Comandante da F. P., no
famoso manifesto dado a lume. Faço, porém, a ambos,
Spindola e Rocha Marques, a justiça de não os reconhecer
culpados no golpe traiçoeiro com que nos feriram pelas
costas. O passado de ambos – na campanha – era documento
bastante da lisura com que haviam de proceder.
O dia passava naquela inquietação. Um desânimo, aquela
falta de notícias. O ânimo da tropa, seu amor a S. Paulo e
aos ideais da Revolução, a confiança na vitória, o desejo
ardente de combater, a vontade de cair sem vida, antes de
viver sem honra, não abandonou por um único momento a
qualquer de nós.
E assim se passou todo o dia.
- Tenente, olha o meu facão de ouro, dizia-me o Argemiro.
- Tê-lo-as. Assim Deus nos ouça.
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Não havia duvida que estávamos em armistício, pois essa era
a determinação recebida. Os aviões adversos, entretanto,
pelos modos, não baixavam a terra desde muitas horas antes,
pois “ignoravam” completamente o novo estado de coisas.
Pelo menos era o que nos parecia lícito supor, uma vez que
o bombardeio aéreo, o metralhar, continuava incessante. No
P.C. do Cel Sampaio, na fazenda Jararaca, foram atiradas
quatro bombas, nossas linhas eram percorridas continuamente
pelos “pembas” que mandavam metralhar como granizo.
Armistício, armistício!
Era assim que se honrava a palavra militar.
Mas a deslealdade não parou ai. Pelo correr do segundo dia
de cessação de fogo, alguns soldados contrários vieram até
nossas trincheiras, “confraternizar” com a tropa, com mil
protestos de amizade e a promessa formal de não mais
atirarem em nós, fossem quais fossem as ordens dos chefes.
Os nossos, fiados naquilo, deram-lhes muitos presentes,
roupas, calçado, doces, chocolate, bolachas. Convidaram-nos
para ir às suas trincheiras. Havia terminante proibição de
sair das nossas linhas. Entretanto doze teimosos foram,
Foram e ficaram presos. A confraternização não passara de
uma cilada a nossa eterna boa fé. Quincinho, Inácio Mamama,
Fausto Santos Filho, o Baiano e outros, ficaram sabendo as
agruras que tiveram de arrostar para voltar aos seus lares,
pirando das prisões inimigas.
Anunciou-se então, uma reunião dos oficiais mais graduados
dos diversos Corpos e com os Comandantes de Batalhões e
Setores com o Coronel Euclydes Figueiredo, no Q.G. do
Coronel Sampaio, em Guará.
A REUNIÃO DE GUARÁ
133
muitos outros oficiais do Exército e Força Pública, cujos
nomes não me ocorrem; inúmeros “pátria amada” – eu, Uriel
de Carvalho, Waldomiro Fleury, Paulo Duarte, Leopoldo
Figueiredo, Ademar Souza Queiroz e tantos outros.
A sala estava cheia, mal se podendo uma pessoa mover.
O Coronel Euclydes, com voz firme e serena, começou a expor
os fatos. Leu os sucessivos telegramas formulados pelo
General Klinger e comunicou o texto do que fora
efetivamente transmitido. Manifestou sua opinião pessoa e
submeteu-se ao juízo dos presentes: era por uma paz
honrosa, ou pela continuação da luta, até o esgotamento das
derradeiras energias. Salvava-se a dignidade paulista ao
preço do sangue de cada um de nós.
Foi lido um apelo que os civis, incorporados nas diversas
unidades, faziam ao ilustre chefe:
- Tomasse ele a frente da defesa do brio bandeirante. Nós o
seguiríamos para onde o destino nos mandasse. Sob o comando
supremo de Klinger, se este ainda merecesse confiança;
assumindo a chefia do movimento, se, como se assoalhava,
aquele general também houvesse traído.
As suspeitas que manchavam a reputação do General Klinger
foram logo afastadas. O próprio Coronel Euclydes, que
sabidamente se desaviera desde muito com o comandante em
chefe, afastou essa hipótese. Klinger fora apenas como
conciliador que transigira em por em liberdade os
prisioneiros políticos que, uma vez soltos, haviam
perturbado a ordem na Capital.
Alguns oficiais superiores deram explicações. Pede a
palavra Paulo Duarte. O jornalista conterrâneo vestia o seu
habitual uniforme – o macacão de zuarte azul, com que
embarcava no blindado. Na sala havia um silêncio tumular.
Entendia o paulista que pela sua voz falavam naquela hora
os sete milhões de descendentes de Fernão Dias Paes Leme. A
revolução fora tramada por três elementos diversos: Força
Pública, Exército e Povo. Destes três elementos, apenas o
último cumpria integralmente com as obrigações assumidas.
Agora, pelos fatos que nos chegavam sumariamente ao
conhecimento, SÃO PAULO ESTAVA SENDO VÍTIMA DA MAIS NEGRA
TRAIÇÃO!
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Alvoroçaram-se as pombas branca da “salvação do patrimônio
material”. Paulo Duarte foi violentamente aparteado.
- Não representava ele o Povo Paulista, Era apenas, uma
coisa ao dispor desse Povo. Aperteei incontinenti: - Coisa,
não. Era uma pessoa, partícula desse mesmo grande Povo.
O Coronel Gaia pediu Licença para interromper o orador e
dar uma explicação. Fora ele um dos iniciadores do
movimento pacificador, ele próprio fora a Campinas (era lá
que estava os oficiais da F. P. que tanto se notabilizaram
neste passo da nossa História) formar o projeto de
pacificação. Não se julgava traidor.
Paulo Duarte continuou. Se não falava por todo o Povo
Bandeirante, tinha ao menos a convicção de interpretar
fielmente seu pensamento.
Quando assim ainda não fosse, falava pelos civis do
Destacamento Gaia. Eu, Uriel, Souza Queiroz, declaramos,
desde logo, que falaria também pelos do Destacamento
Sampaio, bombardeiros e Engenharia. Muitos apoiados
partiram de outras tantas bocas. Paulo Duarte, reanimado
pelo apoio recebido, prosseguiu:
- S. Paulo estava traído, doessem, embora essas palavras.
Mas S. Paulo saberia vingar a afronta, marcando com ferro
em brasa a fronte dos traidores. Estrugiam os aplausos. O
ambiente se tornava carregado. Mais de um revolver era
agarrado nervosamente na cinta, pronto para o primeiro
movimento. Euclydes pedia calma. Ele estava abertamente do
nosso lado. Um dos chefes da conjura (cujo nome fiquei
ignorando, mas que tinha galões de tenente-coronel e laço
húngaro) levanta-se nervosamente e, dirigindo-se ao
Coronel Euclydes, exclama que ninguém se olvidasse da
hierarquia militar. Alguém respondeu que a traição devia
ser repelida, debaixo embora de galões ou bordados. O bravo
Major Saldanha, da Força Pública, falou com energia e
elevação. Traidores, sim, da honra de São Paulo e da farda
que vestiam.
Ele não se entregaria, ia partir com sua força par as.
Paulo, para restabelecer a ordem, violada pelos
prisioneiros políticos que o General Klinger, ingenuamente,
mandara por em liberdade.
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Falou então o Coronel Euclydes. Sua voz ainda não se
alterara. Com firmeza de uma convicção disse:
- Estou confortado com o que ouvi nesta reunião.
Todos falaram com a liberdade que deveria haver. O assunto
está esclarecido. Não há divergências fundamentais entre
nós. Penso que a resolução tomada é esta: seguirão para S.
Paulo as forças necessárias à manutenção da ordem. As
primeiras serão as do Major Saldanha. O Coronel Teophilo
seguirá em seguida, de acordo com as instruções em seu
poder. Aqui ficará apenas uma cortina de fogo para manter a
linha. Progressivamente as forças recuarão, indo formar a
última resistência nos arredores de S. Paulo, para a
batalha final.
E recomendou segredo.
136
137
APOIARAM:
138
Dr Samuel Baccarat de óculos ao centro da imagem com
companheiros do 8º B.C.R.
3.
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