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Charles Pennaforte

Movimentos Antissistêmicos no
Sistema-Mundo Contemporâneo
O Caso Venezuelano

2013
Movimentos Antissistêmicos no
Sistema-Mundo Contemporâneo
O Caso Venezuelano

Charles Pennaforte

2013
Copyright © 2013, Charles Pennaforte.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 12/02/1998.


Proibida a reprodução total ou parcial sem a autorização expressa escrita pelo autor
ou editores.
Publicação sem fins lucrativos.
.
2013
Impresso no Brasil
Printed in Brazil

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


P412m

Pennaforte, Charles.
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo – O Caso
Venezuelano / Charles Pennaforte -- Rio de Janeiro: CENEGRI - Centro de
Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais, 2013.
203p. il., mapas, gráficos.
Inclui Bibliografia.
ISBN 978-85-61336-12-7

1. Relações internacionais - Venezuela. 2. Política externa - Venezuela. 3.


Geopolítica. 4. Hugo Chávez. I. Título. II. Pennaforte, Charles Pereira. Política

CDD-327(87)
Catalogação na publicação: Rodrigo da Costa Aglinskas – CRB 8/8440

Índices para catálogo sistemático:


1. Relações internacionais : América Latina : Venezuela 327 (87)
2. Política externa : Venezuela 327.39 (87)
3. Geopolítica 911

Capa: Cenegri Edições.

Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais – CENEGRI


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Cenegri Edições
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Ao grande e eterno amigo Édson José de Souza.
Ao mestre Milton Santos.
Aos latino-americanos que sucumbiram na construção dos movimentos
antissistêmicos.
Às vítimas da ditadura militar argentina.
Agradecimentos

Aos colegas e professores da Universidad Nacional de La Plata que


proporcionaram um ambiente agradável para a troca de ideias e
perspectivas sobre a realidade latino-americana.
Ao meu orientador Prof. Dr. Roberto Miranda pela sua atenção e
constante ajuda durante o decorrer do nosso trabalho.
Ao prof. Dr. Alejandro Simonoff pela sua ajuda e atenção.
Ao amigo Prof. Ricardo Luigi pela importante troca de ideias,
críticas e sugestões durante a elaboração deste trabalho.
Ao Prof. Ronaldo Limoeiro e Rodrigo Limoeiro pelo apoio ao longo
do meu curso de doutoramento.
Ao amigo e Prof. Dr. Angelo Segrillo do Departamento de História
da Universidade de São Paulo (USP) pela leitura crítica e
sugestões.
Ao Prof. Claudio Alberto Briceño Monzón pelos diálogos
esclarecedores sobre as questões da política venezuelana durante
minha estadia em La Plata.
Agradeço também a Secretaria Municipal de Educação de Duque
de Caxias (RJ) pelo apoio que foi dado para a elaboração desta tese
através de licença para estudos.
À Professora Sonia Pegoral pelo apoio durante a elaboração desta
tese.
À Fabiana de Oliveira pela sua ajuda com os originais.
Ao Prof. Dr. José Alexandre da Silva pela preparação dos originais.
Autor

C
harles Pennaforte é doutor em Relações Internacionais
pela Universidad Nacional de La Plata (Argentina),
diretor-geral do CENEGRI, conferencista e editor-chefe da
revista Intellector, publicada pelo mesmo Centro. É coordenador
do curso de Relações Internacionais da Universidade Paulista
(UNIP), Campus Paraíso (São Paulo).
Possui inúmeros artigos e trabalhos publicados no Brasil e no
exterior. Entre mais de uma dezena de livros publicados os
últimos são: Venezuela em Transformação: a Era Chávez e a
Revolução Bolivariana (Org.), Brasil e Argentina: da Rivalidade à
Cooperação (Org.), a Análise dos Sistemas-Mundo: Uma Pequena
Introdução ao Pensamento de Immanuel Wallerstein (Cenegri
Edições).
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................... 15
1 – ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA ....................... 21
1.1 – Estado, Hegemonia e Revolução Passiva .......................... 23
1.2 – A Análise dos Sistemas-Mundo ........................................... 31
1.3 – Os Ciclos Sistêmicos de Acumulação ................................. 36
2 – O DECLÍNIO DE ESTADUNIDENSE ...................................... 43
2.1 – A Economia-Mundo Capitalista ....................................................... 44
2.2 – A Crise do Sistema Fordista de Produção ................................... 46
2.3 – O Pós-Fordismo ...................................................................................... 48
2.3.1 – A Ásia como Adversária Competitiva ........................................ 51
2.4 – A Perda da Hegemonia ........................................................................ 54
3 – MOVIMENTOS ANTISSISTÊMICOS NO
SISTEMA-MUNDO ............................................................................ 65
3.1 – Os Movimentos Antissistêmicos como uma Alternativa no
Sistema-Mundo Moderno .............................................................................. 66
3.2 – As Condições Históricas para o Surgimento de Hugo Chávez:
o Fracasso do Neoliberalismo ..................................................................... 70
3.2.1 – A Década Neoliberal .......................................................................... 70
3.2.2 – A Chegada de Hugo Chávez ao Poder ............................. 77
3.3 – Hugo Chávez e o “Socialismo Bolivariano” ................................. 86
4 – A ATUAÇÃO ANTISSISTÊMICA DA VENEZUELA ................. 101
4.1 – Os EUA e a América Latina:
a Política Externa de Washington ............................................................102
4.2 – A Venezuela Antissistêmica ............................................... 106
4.3 – A Política Externa de Chávez: uma Visão Geral ......................110
4.4 – A Atuação da Venezuela na ALBA-TCP .......................................124
4.5 – A Atuação da Venezuela no Cenário Internacional ...............137
5 – DILEMAS E CONTRADIÇÕES PARA ATUAÇÃO
ANTISSISTÊMICA DA VENEZUELA.......................................................149
5.1 – Venezuela e a Integração Regional ..............................................151
5.1.1 – ALBA-TCP ............................................................................................152
5.1.2 – MERCOSUL ..........................................................................................156
5.1.3 – CELAC ....................................................................................................158
5.1.4 – UNASUL ................................................................................................161
5.2 – Desafios para a Atuação Antissistêmica ....................................162
CONCLUSÃO .................................................................................... 167
BIBLIOGRAFIA & ANEXOS .......................................................... 171
MAPAS

Mapa 01 Venezuela – Físico 195


Mapa 02 Venezuela – Político 196

FIGURAS
Figura 01 Kondratieff Waves 37
Figura 02 Séculos Longos e Ciclos Sistêmicos de 39
Acumulação
Figura 03 Wallersteins’s Hegemonic Cycles 58

GRÁFICOS
Gráfico 01 United Sates Interest Rate 61
Gráfico 02 Preços do Óleo Cru – Preços em Dólar 91
2010
Gráfico 03 Produção de Óleo Cru – Milhares de 92
barris/dia
Gráfico 04 Venezuelan Crude Oil Exports by 164
Destination, 2010
TABELAS
Tabela 01 Incidência da Pobreza e da indigência na 75
América latina 1980-2002
Tabela 02 Participação dos Estratos Sociais na 75
Distribuição de Renda Total, América
Latina 1990-2005
Tabela 03 Evolução de Alguns Indicadores 76
Econômicos na América latina 1990-99 e
2000-03
Tabela 04 América Latina: Indicadores Econômicos 80
Tabela 05 Alguns Indicadores macroeconômicos 80
(1979-1999)
Tabela 06 Lares em Situação de Pobreza (1980-1997) 82
Tabela 07 Força de Trabalho (1983-1888) 82
Tabela 08 Gasto Social do Governo da Venezuela 96
como percentual do PIB, 1998/2006
Tabela 09 Índices de pobreza da Venezuela, 96
1997/2007
Tabela 10 Evolução de indicadores sociais da 98
Venezuela, 1950/2007
Tabela 11 Datos económicos Países membros - 126
Alianza Bolivariana para as Américas –
Tratado de Comércio de los Pueblos
Tabela 12 Evolução da Integração Sul-Americana 160
Tabela 13 Indicadores Econômicos – Venezuela, 2010 195
Tabela 14 Balança comercial e reservas 196
internacionais da Venezuela, 1998/2008
Tabela 15 Evolução da condição de pobreza da 196
população venezuelana, 1998/2007 (2º
semestre)
Tabela 16 Distribuição de renda entre as classes 197
sociais e coeficiente de Gini da Venezuela
1998/2007
Tabela 17 Taxa de desemprego, março 1999-2010 197
Tabela 18 Venezuela. Tendência de longo prazo do 198
Índice de Desenvolvimento Humano, 1980-
2007
Tabela 19 Venezuela. Evolução do Índice de 199
Desenvolvimento Humano, 1980-2007
Tabela 20 Taxa de mortalidade geral, 1998-2007 200
Tabela 21 Taxa de mortalidade geral, 1990-2008 201
Tabela 22 Esperança de vida ao nascer, 1989-2009 202
Tabela 23 Economia chinesa, 1951-2007 203
SIGLAS

Ação Democrática (AC)


Aliança Bolivariana para as Américas – Tratado de Comércio dos
Povos (ALBA-TCP)
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
Corporação Andina de Fomento (CAF)
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos
(CELAC)
Comissão Econômica para América Latina (CEPAL)
Comitê de Organização Politca Eleitoral Independente (COPEI)
Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Pordução da
Venezuelas (FEDECÁMARAS)
Fundo Comum Chinês-Venezuelano (FCCV)
Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata
(FONPLATA)
Frente Farabuto Martí de Libertação Nacional (FFMLN)
Fórum Mundial Social (FMS)
Fundo Monetário Internacional (FMI)
Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-
Americana (IIRSA)
Movimento Ao Socialismo (MAS)
Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV)
Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA)
União das Nações Sul-Americanas (UNASUL)
Introdução

O
final do século XX marcou grandes transformações para a
América Latina. A superação do neoliberalismo que havia
provocado grandes impactos sociais e econômicos
negativos foi uma das principais vitórias das forças políticas
progressistas do continente. Contudo, infelizmente, o esgotamento
do modelo neoliberal custou o aumento da pobreza e da miséria
de milhões latino-americanos. Como ilustração desse processo de
superação do modelo neoliberal, certamente a Venezuela
bolivariana é o melhor exemplo.
A eleição do tenente-coronel Hugo Chávez Frías em 1998, que
havia tentado um golpe contra o então presidente Carlos Andrés
Pérez em 1992, marcou a guinada à esquerda dada pela América
Latina no início do século XXI. A partir da Venezuela e da falência
do modelo neoliberal nesse país, as forças políticas progressistas
latino-americanas conseguiram capital político e conquistaram
vitórias importantes.
O processo comandado pelo líder venezuelano ganhou destaque
ao possuir em concepção, uma lógica marcada pelo combate à
influência política, ideológica e econômica dos EUA. Nosso
trabalho tem como um dos objetivos identificar a postura
antissistêmica da liderança de Hugo Chávez a partir de sua
inserção no cenário latino-americano e internacional procurando
analisar de maneira crítica o processo em desenvolvimento.
Sendo assim, nos propusemos a responder em nosso trabalho a
seguinte a questão principal: o governo Hugo Chávez tem como
objetivo colocar a Venezuela como um player internacional e
desafiador da hegemonia estadunidense? A partir desta
perspectiva procuramos (a) Identificar o papel antissistêmico da
Venezuela na América Latina, (b) investigar prioritariamente o
conjunto de políticas oficiais do governo venezuelano voltadas
para a inserção do país no comércio e na comunidade
internacional, (c) identificar as políticas hegemônicas dos Estados
Unidos no século XX para a América Latina e (d) analisar a
construção de “políticas de influência” para a América Latina.
Compreender esse processo de transformação política e
econômica da América Latina é que deu início a nossa proposta de
analisar a dinâmica venezuelana e suas influências não só sobre a
América Latina como a atuação internacional do país, a partir de
interlocuções com o Prof. Ricardo Luigi no âmbito do Centro de
Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais (CENEGRI) do
Rio de Janeiro.
No CENEGRI através do Grupo de Estudos em Reordenamento
Territorial (GERT), foi criada em 2005 uma linha de pesquisa
intitulada “Movimentos Antissistêmicos na América Latina” que
tem como o objetivo avaliar de maneira crítica as transformações
ocorridas no que chamamos de “pós-neoliberalismo”1.
Como base teórica para o estudo das transformações ocorridas no
continente, adotamos a Análise dos Sistemas-Mundo (ASM) de
Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi, bem como as
abordagens de Antonio Gramsci.
A ASM surgiu como uma importante ferramenta analítica para a
compreensão sobre o que vem ocorrendo dentro do sistema
capitalista desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A perspectiva
macrossociológica histórica (Sociologia Histórica e Comparativa e
a Economia Política dos Sistemas-Mundo) apesar de criticada por

1 Em setembro de 1994 ocorreu no Rio de Janeiro o Seminário Internacional “Pós-


Neoliberalismo – As políticas sociais e o Estado democrático” na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com a presença de inúmeros intelectuais, entre
eles: Atilio Borón, Göran Therborn, Pablo Gentili, Perry Anderson e Pierre Salama.
Em setembro de 1999, ocorreu a segunda parte do “Seminário Internacional Pós-
Neoliberalismo”, agora tendo como tema “Que Estado para que democracia?”
Presentes ao evento Michael Löwy, Robin Blackburn, Atilio Borón, Göran Therborn,
Pablo Gentile, entre outros.
possuir uma abrangência de amplo espectro, para nós tornou-se
de grande importância.
A tradição marxiana de compreensão da totalidade é colocada em
evidência na ASM ao trabalhar a lógica capitalista como um
sistema histórico que está na base do processo civilizacional.
Aliás, como coloca Wallerstein2:

"O capitalismo é, em primeiro lugar e principalmente, um


sistema social histórico.
(...) Algo distingue o sistema social que estamos chamando
de capitalismo histórico: nele o capital passou a ser usado
(investido) de maneira especial, tendo como objetivo, ou
intensão primordial, a auto-expansão”. (....)

Deste modo, em nossa opinião, é fundamental que a compreensão


dos fenômenos contemporâneos na economia, na política e nas
relações internacionais, sejam analisados a partir do
entendimento do capitalismo como um sistema social e histórico.
Ou seja, englobando aspectos não só econômicos para o
entendimento do atual momentum como a dinâmica interna de
cada país e das relações entre os Estados.
Neste ponto, acreditamos que a ASM lança luzes importantes para
o entendimento do enfraquecimento dos EUA em termos globais,
tanto ideológico como econômico. Tal processo explicaria, em
nossa opinião, o surgimento de movimentos antissistêmicos no
sistema interestatal, no qual a Venezuela seria um exemplo.
A crise de 2008 demostrou a problemática estrutural da atual
crise capitalista: a ausência de um controle mínimo sobre os
fluxos de capitais, apesar das inúmeras crises sistêmicas ao longo
do tempo derivadas desse fator. Devemos mencionar que tal
problemática já era abordada por Immanuel Wallerstein e
Giovanni Arrighi há pelos menos uma década atrás.

2Capitalismo histórico e civilização capitalista. Rio de Janeiro, Contraponto, 2001,


p.13.
A utilização de categorias gramscianas a partir da Ciência Política,
por outro lado, como ferramenta analítica, nos permitiu
compreender de maneira mais dinâmica o que acontece na
Venezuela no nível doméstico e no cenário internacional.
Gostaríamos de esclarecer que não fizemos uma transposição
linear dos escopos teóricos de Gramsci, Wallerstein ou Arrighi. Tal
como em um processo dialético, identificamos aspectos e
semelhanças compatíveis das abordagens utilizadas pelos autores
para criar uma leitura diferenciada do tema que propusemos.
Sendo assim, trabalhamos com a perspectiva de declínio
econômico e ideológico dos EUA (Wallerstein/Arrighi), revolução
passiva e “função piemontesa” (Gramsci) como conceitos-chave
em nossa tese, que serão a priori expostos no capítulo1.
Após o enquadramento teórico-metodológico para a compreensão
do tema proposto, começamos com a análise do declínio e da crise
de hegemonia norte-americana no capítulo 2: O Declínio
Estadunidense. Os dois aspectos (o “pouso da águia”) são
defendidos por Wallerstein e Arrighi, apesar de ter sido apontada
como “sem dados econômicos concretos” no início dos anos 1990,
hoje, parece perfeitamente plausível3.
Nosso objetivo neste capítulo será situar o processo de decadência
estadunidense a partir de fatos importantes na dinâmica
capitalista, tais como: a crise fordista dos anos 1970, o surgimento
do pós-fordismo como resposta a essa crise; o surgimento da Ásia
como uma concorrente sistêmica importante a partir dos anos
1980; os fatores que levaram a perda da hegemonia por parte dos
EUA e, finalmente, a crise econômica de 2008, que teve como
epicentro Wall Street e continua com os seus efeitos até os dias de
hoje. O enfraquecimento econômico e ideólogico facilitaria o
surgimento de paises “desafiadores” ao tradicional status quo
pregado por Washington.
No capítulo 3, Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo,
traçamos uma retrospectiva histórica do surgimento dos
movimentos antissistêmicos a partir da abordagem feita por I.

3Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de Segurança Nacional do Governo Jimmy


Carter, por exemplo, em seu livro Strategic Vision: America and the Crisis of Global
Power analisa o declínio econômico e geopolítico.
Wallerstein. Iniciamos com o surgimento do termo
“antissistêmico” para classificar os movimentos políticos e sociais
na Europa e suas idiossincrasias que tiverem origem no século XIX
e chegaram até o período de embate do mundo bipolar. Com o
colapso da bipolaridade no início dos anos 1990, tais movimentos
sofreram alterações de ordem constitutivas a partir de 1999
dentro da dinâmica antiglobalização.
A compreensão da Venezuela como um país que se enquadre
dentro de um movimento antissistêmico interestatal é resultado
da falência do modelo neoliberal. A procura por novas
alternativas a este modelo é que permitiu a chegada de Hugo
Chávez ao poder nos final do século XX.
Neste capítulo ainda procuramos identificar as origens teóricas e
os objetivos do “Socialismo do Século XXI” de Hugo Chávez com a
sua criação, o papel da liderança venezuelana na construção desse
novo modelo para a América Latina, além do nível de adesão da
população e de outros países às suas propostas.
Prosseguindo, configuramos a Venezuela como parte do
movimento antissistêmico, analisando a atuação de Hugo Chávez
como um “líder internacional” (ou a sua tentativa) que procura
desafiar as posições defendidas pelos EUA.
Outro aspecto fundamental para a elaboração do nosso trabalho
foi a preocupação de enquadrar uma dimensão analítica dos
acontecimentos na Venezuela desde 1998 e que tem como pano
de fundo a própria dinâmica capitalista e o enfraquecimento da
hegemonia norte-americana.
No capítulo 4, A Atuação Antissistêmica da Venezuela,
demonstramos como o governo Hugo Chávez passou a atuar no
cenário regional e internacional dentro de uma posição de que
classificamos como antissistêmica. Antes, fizemos uma
retrospectiva do papel dos EUA para a política latino-americana
sob uma perspectiva crítica. Analisamos também a criação da
ALBA-TCP e a aproximação de países como a Bolívia e o Equador,
por exemplo, da órbita de influência da Venezuela. Finalmente
abordamos a política externa venezuelana de maneira crítica
desde 1998 por Hugo Chávez levando em consideração a análise
de especialistas situados em ambos os espectros políticos.
No último capítulo, Dilemas e Contradições para a Atuação
Antissistêmica da Venezuela, analisamos os desafios encontrados
pela Venezuela para colocar em prática o seu projeto ideológico e
econômico na América Latina. Apesar de toda a retórica anti-
imperialista do governo venezuelano, as relações econômicas com
os EUA ainda persistem e são de grande importância para a pátria
de Simón Bolívar.
O projeto colocado em prática por Hugo Chávez encontra uma
série de contradições e dificuldades inerentes ao papel
desempenhado pela Venezuela no sistema-mundo
contemporâneo. Analisamos até que ponto é possível ao país
sustentar uma posição antissistêmica ao mesmo tempo em que
está inserido no atual sistema-mundo capitalista. Sustentar uma
posição antissistêmica dentro da economia-mundo capitalista
requer uma grande capacidade, no mínimo, econômica.
Abordamos também como a Venezuela está inserida no sistema
internacional e como o país procura atuar como um player na
liderança, pelo menos na América Latina, de países com posições
similares anti-imperialistas. Acreditamos que nosso trabalho será
de grande contribuição para futuro estudos sobre o tema a partir
de um enfoque diferenciado e crítico.
1
Abordagem Teórico-Metodológica
Charles Pennaforte

Sigo creyendo que el análisis de los sistemas-mundo, es en primer lugar una


protesta en contra de las formas en las cuales la ciencia social se presenta
22
actualmente, e incluyendo aquí el ámbito de su modo de teorizar.
Immanuel Wallerstein4

N
osso estudo tem como objetivo ampliar o foco analítico
sobre o fenômeno Hugo Chavéz e ao mesmo tempo
analisar a sua influência sobre a Venezuela no cenário
latino-americano e internacional a partir de perspectiva
antissistêmica. Para isso utilizaremos os marcos teóricos
elaborados por Antonio Gramsci, Immanuel Wallerstein e
Giovanni Arrighi.
A realidade capitalista será avaliada sob a ótica do Sistema-Mundo
(economia-mundo) como compreensão da atual dinâmica mundial
proposta por I. Wallerstein. No que se refere especificamente à
economia capitalista, utilizaremos a base teórica proposta por
Arrighi baseada nos Ciclos Sistêmicos de Acumulação. De Gramsci
utilizaremos o conceito de Hegemonia e Revolução Passiva.
A crise de hegemonia dos EUA será de grande importância para a
compreensão do nosso trabalho, pois tentaremos fazer uma
articulação entre esta crise e a ascensão de novos grupos anti-
hegemônicos/antissistêmicos na América Latina que expliquem
direção tomada pela Venezuela no enfrentamento ideológico e
político contra Washington no período chavista.

4 The itinerary of world-systems analysis or how to resist becoming a theory. Apud


Immanuel Wallerstein y la Perspectiva Crítica del “Análisis de los Sistema-Mundo”.
Carlos Antonio A. Rojas. Textos de Economia. Florianópolis, v. 10, nº 2, p. 14,
jul/dez, 2007.

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

1.1 — Estado, Hegemonia e Revolução


23
Passiva

A compreensão do desenvolvimento capitalista deve ser realizada


através de uma análise do papel do Estado como condição sine qua
non para o desenvolvimento do capitalismo e consequente
reprodução do capital. Assim, Estado e hegemonia sob a ótica
gramsciana são indisssociáveis. Arrighi 5, por exemplo, aponta nas
relações internacionais que:

(...) “O conceito de “hegemonia mundial” (...) se refere ao


poder que um Estado tem de exercer funções
governamentais sobre um sistema de Estados soberanos”.
(...)

Arrighi e Silver6 aprofundam os aspectos da hegemonia


demonstrando a complexidade de sua construção. Tal processo
envolveria vários aspectos que segundo os autores:

“Hegemony is thus something more and different than


dominations pure and simple; it is the additional power
that accrues to a dominate group by virtue of its capacity to
lead society in a direction that not only serves the dominant
group’s interests, but is also perceived by subordinate
groups as serving a more general interest, it is the inverse
of the notion of ‘power deflation’ used by Talcott Parsons to

5 “As três hegemonias do capitalismo Histórico”. In: Gall, Stephen. Gramsci,


Materialismo e relações internacionais. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2007, p. 227.
As reflexões de Gramsci foram elaboradas para a realidade italiana. Contudo,
trabalhos importantes foram feitos procurando transpor essas análises para o
sistema internacional. Além de Arrighi temos Robert W. Cox (2007), Mark Rupert
(2007).
6 Chaos and Governance and the Modern World System. Minneapolis, University of

Minnesota Press, pp. 26-27, 1999.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

designates situations in which governmental control cannot


24 be exercised except through the widespread use or threat
of force. If subordinate groups have confidence in their
rulers systems of domination can be governed without
resorting to force. But if that confidence wanes, they
cannot. By analogy, Gramsci’s notion of hegemony may be
said to consist of the ‘power inflation’ that ensues from the
capacity of dominant groups to present with credibility
their rule as serving not just their interests, but those of
subordinate groups as well. When such credibility is
lacking, we shall speak of ‘dominance without hegemony’ ”.
“(...) when we speak of leadership in an international
context, the term is used to designate two quite different
phenomena. On the on hand, the term is used to designate
the fact that by virtue of its achievements, a dominate state
becomes the ‘model’ for others states to emulate and
thereby draws them onto its path of development”. (…)

A supremacia norte-americana dentro do sistema internacional


deve ser visualizada através da lógica de transformação dos seus
interesses (capitalistas) como “valores universais”. Trata-se,
portanto, de algo mais elaborado do que “dominação pura e
simples” como coloca Arrighi.7 Um importante especialista sobre a
obra gramsciana, Luciano Gruppi8, direciona sua análise para o
mesmo ponto de compreensão do conceito de hegemonia:

(...) “o conceito de hegemonia é apresentado por Gramsci


em toda a sua amplitude, isto é, como algo que opera não
apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização
política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar,
sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo
de conhecer”.

7 “As três hegemonias do capitalismo Histórico”. In: Gill, Stephen. Gramsci,


Materialismo e relações internacionais. Op. cit., p. 228.
8 “O conceito de hegemonia em Gramsci”. Rio de Janeiro, Edições Graal, 6ª ed.,

2000, p. 3.

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

Aliado a isso, o papel do bloco histórico é de fundamental


importância para manter a coesão de poder tanto em termos 25
internos como internacional9. A supremacia e a aceitação de uma
nação como “hegemônica” está associada a sua capacidade de
influenciar “positivamente” outras nações no concerto
internacional. Segundo Arrighi10, utilizando as reflexões de
Antonio Gramsci:

“O conceito de ‘hegemonia mundial’ aqui adotado, no


entanto, refere-se especificamente à capacidade de um
Estado exercer funções de liderança e governo sobre um
sistema de nações soberanas. Em princípio, esse poder
pode implicar apenas a gestão corriqueira desse sistema,
tal como instituído num dado momento. Historicamente,
entretanto, o governo de um sistema de Estados soberanos
sempre implicou algum tipo de ação transformadora, que
alterou fundamentalmente o modo de funcionamento do
sistema”.

Os EUA possuem tal característica, aspecto que facilita a colocação


em prática dos seus interesses e anseios, colocando-os como um
“interesse coletivo”. Cox11 abordando a criação desse “interesse
coletivo” e a relação entre bloco histórico e hegemonia aponta que

9 “No movimento rumo à hegemonia e à criação de um bloco histórico, Gramsci


distinguia três níveis de consciência: o econômico-corporativo, no qual
determinado grupo tem conhecimento de seus interesses específicos; a
solidariedade ou consciência de classe que se estende a toda uma classe social, mas
continua num nível puramente econômico; e o hegemônico, que harmoniza os
interesses da classe dirigente com os das classes subordinadas e incorpora esses
outros interesses numa ideologia expressa em termos universais” (Gramsci, 1971,
p. 180-195). Apud Robert Cox. “Gramsci, hegemonia e relações internacionais: um
ensaio sobre o método”. In: Gill, Stephen. Gramsci, Materialismo e relações
internacionais. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2007, p. 112.
10 O Longo Século XX. Rio de Janeiro, Editora Contraponto/Unesp, 1996, p. 27.
11 Cox, Op. cit., p. 111.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

“Um bloco histórico não pode existir sem uma classe social
26 hegemônica. Em um país ou em uma formação social em
que a classe hegemônica é a classe dominante, o Estado (no
conceito ampliado de Gramsci) mantém a coesão e a
identidade no interior do bloco por meio da propagação de
uma classe comum”. (...)

A “solução” para criar alternativas reais ao capitalismo no âmbito


nacional, ou seja, o controle do Estado como forma de combater a
lógica capitalista, não deve ser entendida como um simples
“assalto ao poder”, numa perspectiva “blanquista” 12. Assumir o
controle do Estado dentro da dinâmica capitalista e usá-lo como
uma etapa dentro do processo de superação do modelo assume
características extremamente importantes. Sobre os dilemas para
a construção de Estados sob uma liderança não burguesa, Cox
assinala claramente tais problemas e dificuldades 13:

(...) Construir as bases de um Estado e de uma sociedade


civil alternativos sob liderança da classe operária significa
criar instituições e recursos intelectuais alternativos dentro
de uma existente e construir pontes entre os operários e as
outras classes subordinadas. Significa ativamente uma
contra hegemonia no interior de uma hegemonia
estabelecida, e, ao mesmo tempo, aumentar a resistência
contra as pressões e as tentações de recair na busca de
ganhos incrementais para grupos subalternos no seio das
estruturas da hegemonia burguesa. Essa é a linha que
separa a guerra de posição, como estratégia revolucionária
de longo prazo, e a democracia social, como política para
obter ganhos dentro da ordem estabelecida.

12 Doutrina política básica do revolucionário francês Louis-Auguste Blanqui (1805-


1881). O revolucionário defendia uma elite relativamente pequena, centralizada e
hierárquica, que realizasse uma insurreição para substituir o poder de Estado
capitalista pela sua própria ditadura revolucionária.
13 Cox, Op. Cit., p. 107.

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

Outro conceito caro para a utilização da teoria gramsciana em


nosso trabalho é o de revolução passiva. Para Gramsci a revolução 27
passiva seria uma decorrência da falta de participação de popular
no processo de transformação social. Gramsci explicava este
processo a partir de dois importantes princípios da ciência
política14:

“(...) 1) nenhuma formação social desaparece enquanto as


forças produtivas que nela se desenvolveram ainda
encontrarem lugar para um novo movimento progressista;
2) a sociedade não se põe tarefas para cuja solução ainda
não tenham germinado as condições necessárias, etc.
Naturalmente, estes princípios devem ser, primeiro,
desdobrados criticamente em toda a sua dimensão e
depurados de todo resíduo de mecanicismo e fatalismo.
Assim, devem ser referidos à descrição dos três momentos
fundamentais em que se pode distinguir uma “situação” ou
um equilíbrio de forças, com o máximo de valorização do
segundo momento, ou equilíbrio das forças políticas e
especialmente do terceiro momento, ou equilíbrio político
militar”. (...)

Na verdade onde os movimentos sociais não dispuseram de forças


de superação da ordem vigente através de lutas de amplo espectro
como, por exemplo, revoluções, e tiveram que ser tutelados por
líderes carismáticos15, aí encontramos um exemplo de revolução
passiva16.

14 Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro, Civilização Brasileiro, 2002, pp.321-322.


15 Max Weber para as Ciências Sociais elaborou o tipo ideal de "dominação
carismática", uma forma especial de dominação que se legitima a partir de uma
"devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e,
particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual
ou de oratória". Os três tipos puros de dominação legítima. In : COHN, G.
(org.). Weber : Sociologia. 7ª ed. São Paulo, Ática. pp. 134-135.
16 (...) “O impasse resultante com as classes sociais tradicionalmente dominantes

criou as condições do que Gramsci chamou de “revolução passiva”: a introdução de

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Em nossa análise, Hugo Chávez atua com um “líder carismático” a


28 partir do momento em que soube catalisar o descontentamento de
grande parte da população pobre do país que havia sofrido os
efeitos do neoliberalismo na década de 1990. Até então, o
movimento social venezuelano não havia conseguido efetivar os
seus anseios através do velho sistema político do país
(“partidocracia”).
Desta forma, acreditamos que a Venezuela esteve dentro de uma
situação caracterizada de revolução passiva e que estaria
evoluindo para a construção de uma nova configuração do Estado
e sociedade venezuelanos.
Após Hugo Chávez chegar ao poder, ele vem procurando atuar na
construção de um bloco histórico com base na participação
popular de grande espectro através de um grande processo de
transformação social.
Segundo Gramsci, o tutelamento dos movimentos sociais por
líderes ocasionaria o surgimento do cesarismo: líderes com grande
força política ou o transformismo através da formação de alianças
políticas de amplo espectro. Assim17,

“De acordo com a análise gramsciana, um exemplo típico de


revolução passiva é o cesarismo: um homem forte intervém
para resolver o impasse entre forças sociais equivalentes e
opostas. Gramsci admitia a existência tanto de formas
progressistas quanto reacionárias de cesarismo:
progressistas, quando o governo forte preside um processo
mais ordenado de criação de um novo estado; reacionárias,
quando estabiliza o poder existente. Napoleão I foi um caso
de cesarismo progressista, mas Napoleão III – o exemplo

mudanças que não envolveram nenhuma sublevação de forças populares”. Cox, Op.
cit., p. 108.
17 Além do cesarismo, a segunda caracterísitica mais importante da revolução

passiva da Itália e o que Gramsci chamou de transformismo, exemplificado na


política italiana por Giovanni Giolitti, que procurou fazer uma coalizão de
interesses mais ampla possível e que dominou a cena política nos anos que
precederam o fascismo”. (...) Cox, apud Ibidem, pp. 108-109.

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

clássico de cesarismo reacionário – era mais representativo


do tipo com maior probabilidade de surgir no decorrer de 29
uma revolução passiva”.

Em nossa opinião, Hugo Chávez vem atuando dentro de uma


perspectiva cesarista progressista. Colocamos tal posição em
virtude do seu governo não ter feito concessões às tradicionais
forças políticas venezuelanas. O tutelamento dos movimentos
sociais, por outro lado, não ocorreria de maneira absoluta.
O governo Chávez incentiva a inserção da população no jogo e na
vida política do país. São incontáveis às vezes em que a população
foi chamada para participar das decisões políticas do país. Sobre a
participação popular no governo Chávez e as medidas tomadas
pelo Palácio de Miraflores nesta direção, o sociólogo Antonio
Plesmann18 assinalou que:

“A Constituição de 1999 tem como objetivo principal


reduzir a brecha entre o representante e o representado.
Isso começa já na elaboração do próprio texto da Carta, que
teve intervenção de movimentos sociais, acadêmicos,
ONGs... Um processo inédito na América Latina.
Paralelamente, o governo acabou com a criminalização dos
movimentos sociais. As rádios comunitárias, que sempre
existiram, cresceram muito durante a década, e são
atualmente as mais numerosas do continente. Outro
exemplo: a Venezuela tem hoje 5.920 Comitês de Terras
Urbanas (CTUs), que lutam pelo direito à moradia nas
favelas, e representam cerca de 4,7 milhões de pessoas.
Desde o começo, esse governo entendeu que dependia da
força política das bases. Essa percepção aumentou ainda
mais depois do golpe de estado contra Chávez, em abril de
2002, quando o povo exigiu sua volta ao poder. O governo

18“Participação popular aumentou na Venezuela, mas amigos do rei continuam se


fartando, diz sociólogo”. 19/12/2008.
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/16430> Acessado em
02/01/2012.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

multiplicou medidas que expandiam a participação política


30 popular. É o caso das missões sociais, que procuram
eliminar o entrave tradicional da burocracia. O governo
procurou também facilitar a participação eleitoral dos mais
pobres. Foram cadastradas milhões de pessoas que nunca
tiveram direito a carteira de identidade, e milhares de
colombianos refugiados receberam nacionalidade
venezuelana, alguns já da terceira geração. O Conselho
Nacional Eleitoral colocou mesas de voto nas favelas. Antes,
para os pobres, era complicado demais votar. Pagavam caro
o transporte e perdiam o dia para chegar até os centros de
votação. Acabavam não indo votar, já que a Venezuela é um
dos únicos países da América Latina onde o voto não é
obrigatório”.

O livro de Carlos Martinez, Michael Fox e Jojo Farrell intitulado


Venezuela Speaks! Voices from the Grassroots apresenta uma
excelente avaliação do movimento social e chavista com
entrevistas com os principais líderes sociais 19.
Outro aspecto que deve ser mencionado é que a ideia colocada
pela mídia latino-americana conservadora de que Hugo Chávez
controla todo o movimento social e/ou político venezuelano não
condiz com a realidade. Existem inúmeros grupos “dissidentes”
dentro do movimento chavista com grande atuação política.
Abordando a atuação Chávez no processo de superação do
neoliberalismo e da construção de uma participação política mais
efetiva da população, Greg Wilpert20 assinala que:

“Since his election, Chávez has not only become an


unapologetic spokesperson for the necessity to overcome
capitalism as an economic system, the need to defeat U.S.
dominance in the world, and the drive to replace or at least
complement representative democracy with participatory

19 Oakland, PM Press, 2010.


20 Op. cit., p. vii, 2010.

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

democracy; he has actually delivered on many of these


promises. Venezuela has probably gone further than any 31
other country in reversing the neoliberal policies of the
past through nationalizing key industries, reintroducing
extensive social programs, promotional social ownership
via cooperatives, and through re-regulating capital. Chávez
has been one of main promoters of regional Latin American
integrations by forming Bolivarian Alliance for our America
(ALBA), supporting the development of Union of South
America nations (UNASUR), and promoting energy
integration via PetroCaribe and PetroSur. In terms of going
beyond representative democracy, Venezuela continues to
actively give its citizens the opportunity to participate in all
levels of politics, especially locally, via direct democratic
councils”.

As transformações ocorridas na Venezuela transcendem o aspecto


meramente político e social demonstrado de maneira superficial
pelos grandes veículos de comunicação conservadores da América
Latina ou dos EUA que em grande parte representam os interesses
hegemônicos.

1.2 — A Análise dos Sistemas-Mundo

O trabalho elaborado por Wallerstein nos últimos trinta anos é de


grande importância para a compreensão do capitalismo na
atualidade, cuja grande contribuição é a Análise dos Sistemas-
Mundo (ASM).
A construção da ASM elaborada por Immanuel Wallerstein possui
três influências importantes na sua constituição: a Escola dos
Annales, o Marxismo e a Teoria da Dependência21.

21Da Escola dos Annalles, (…) “Wallerstein got from Braudel’s his insistence on the
long term (la longue durée). (…) The impact of the Annales is at the general

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Na sua explicação para o atual Sistema-Mundo, Wallerstein


32 assinala que ele foi originado pela crise do sistema feudal e a
ascensão da Europa Ocidental à supremacia entre 1450 e 1670.
Sobre o Sistema-Mundo contemporâneo, Wallerstein22 explica
que,

“Um sistema-mundo não é o sistema do mundo, mas um


sistema que é um mundo e que pode ser, e frequentemente
tem sido localizado numa área menor que o globo inteiro.
Uma análise de sistemas mundiais argumenta que as
unidades da realidade social dentro das quais nós
operamos, cujas regras nos restringem, são na maioria tais
sistemas mundos”.

O teórico apontava, ainda, a existência de dois tipos de sistemas-


mundo: os impérios mundiais e as economias-mundos. A
diferenciação entre os dois tipos de sistemas-mundo ocorreria
pelo que fato que os Impérios mundiais seriam uma grande
estrutura burocrática com centralização política e uma divisão de
trabalho central, coexistindo culturas múltiplas.
A economia-mundo, ao contrário, se caracterizaria por uma
grande divisão central do trabalho, inúmeros centros políticos
mantendo a coexistência de múltiplas culturas. Wallerstein
analisando a expansão capitalista desde o séc. XVI assinala que:

methodological level”. De Marx, “Wallerstein learned that (1) the fundamental


reality if social conflict among materially based human groups, (2) the concern
with a relevant totality, (3) the transitory nature of social forms and theories about
them, (4) the centrality of the accumulation process and competitive class
struggles that result from it, (5) a dialectical sense of motion through conflict and
contradiction”. (…) Wallerstein, “draws heavily form dependency theory, a neo-
Marxist explanation of development processes, popular in the developing world
(…) Dependency theory focuses on understanding the ‘periphery’ by looking at
core-periphery relations (…)”.Vela, Carlos A. Martinez. World Systems Theory. ESD.
83 Fall 2001, p.3.
22 Apud Márcio Roberto Voigt. “A Análise dos sistemas-Mundo e a Política

Internacional: uma Abordagem Alternativa das Teorias das Relações


Internacionais”. Textos de Economia. Florianópolis, v. 10, nº 2, 110, jul/dez, 2007.

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

“O mundo no qual nós estamos inseridos agora, ou seja, o


sistema mundial moderno teve suas origens no século XVI. 33
Este sistema mundial foi então localizado em somente uma
parte do globo, principalmente em regiões da Europa e das
Américas. Ele se expandiu ao longo dos anos e atingiu todo
o globo. É, e sempre foi, uma economia mundo. É, e sempre
foi, uma economia mundo capitalista”23.

Sendo assim, o Capitalismo é compreendido como moderno


sistema social, uma economia-mundo, que possui inúmeros
centros políticos (Estados), que disputam a hegemonia do sistema.
Na ASM a definição da hegemonia estaria acoplada aos ciclos
sistêmicos de acumulação que veremos mais frente.
Neste ponto seria de grande importância fazermos uma
observação sobre a discussão feita por Antonio Negri e Michel
Hardt a partir de 2000 com a obra Império24. Sem dúvida alguma
os autores procuraram lançar novas luzes sobre a atual
configuração de poder dentro sistema capitalista. Os autores
criaram uma interpretação original sobre a “novidade” do
processo de Globalização que propiciaria uma reestrutura de
poder global. Especificamente Negri e Hardt argumentam que:

(...) “essa mudança torna perfeitamente claro e possível o


atual projeto capitalista de unir o poder econômico ao
político, para materializar, em outras palavras, uma ordem
convenientemente capitalista. Em termos constitucionais,
os processos de globalização já não são apenas um fato,
mas também uma fonte de definições jurídicas que tende a
projetar uma configuração única e supranacional de poder
político”25.

23 Op. cit, p.111.


24 Império. Rio de Janeiro, Editora Record, 8ª ed., 2006.
25 Op. cit., pp. 26-27.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Discordamos da ideia dos teóricos que defendem a Globalização


34 como algo relativamente novo26. O processo de Globalização é
intrínseco ao desenvolvimento do capitalismo, uma condição sine
qua non para a sua reprodução. Sobre a necessidade da burguesia
conseguir novos mercados e condições que facilitassem a
reprodução do capital, Marx já afirmava no século XIX que:

(...) “Impelida pela necessidade de mercados sempre novos,


a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se
em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em
toda parte.
Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime
um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos
os países. Para desespero dos reacionários, ela retirou à
indústria sua base nacional. As velhas indústrias nacionais
foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São
suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna
uma questão vital para todas as nações civilizadas,
indústrias que não empregam mais matérias-primas
autóctones, mas sim matérias-primas vindas das regiões
mais distantes, e cujos produtos se consomem não semente
no próprio país mas em todas as partes do globo. Em lugar
das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos
nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam para
sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e
dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de
regiões e nações que se bastavam a si próprias,
desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal
interdependência das nações. E isto se refere tanto à
produção material como à produção intelectual. As criações
intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum
de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tomam-se

26 Ibidem, p. 26.

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas


nacionais e locais, nasce uma literatura universal” 27. 35

Segundo Hardt e Negri, o “(...) novo paradigma é definido pelo


declínio definitivo dos Estados-nação soberanos, pela
desregulamentação dos mercados internacionais, pelo fim do
conflito antagônico entre entidades independentes e, assim por
diante”28.
Arrighi e Silver em seu livro Chaos and Governance and the Modern
World System,29 assinalam que

“The thesis that globalization disempowers states has also


been challenged by critics who focus on the longer-term
aspects of the phenomenon and see much déjà vu in the
alleged novelties of recent changes in the state-capital
relations. Wallerstein has gone as far as to argue that the
basic relationship between states and capital has remained
the same throughout capitalist history, with “transnational
corporations… maintaining today the same structural
stance vis-à-vis states as did all their global predecessors,
from the Fuggers to the Dutch East India Company to
nineteenth-century Manchester manufacturers”
(Wallerstein, 1995c, 24-25). More common is the
contention that the transformations that go under the
rubric of “globalization” originate in the nineteenth
century. “If the theorists of globalization mean that we have
an economy in which each part of the world is linked by
markets sharing close to real-time information, ”claim Paul
Hirst and Grahame Thompson, “then that began not in the
1970s but in the 1870” (1996, 9-10)”.

27 Manifesto Comunista. Karl Marx e Friedrich Engels. www.eBooksBrasil.com,


pp.12-13, 1999.
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf> Acessado
em 18/12/2011.
28 Op. cit., p.31.
29 P. 8.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Sob a ótica que defenderemos em nosso trabalho e já apontada, a


36 análise deve ser sistêmica e não baseada na existência, a priori do
Estado-Nação ou no seu declínio, a posteriori. Não compactuamos,
também, com a visão de estaríamos saindo de um período “pós-
imperialista” para um período “Imperial” como argumentam os
autores30.
A grande mudança de fase pela qual estamos passando seria a
transição para um novo ciclo sistêmico de acumulação, conforme
veremos a seguir.

1.3 — Os Ciclos Sistêmicos de Acumulação

Com o seu livro O Longo Século XX31, Giovanni Arrighi forneceu


importante colaboração para a ASM. A sua contribuição ocorreu
na análise da hegemonia sob inspiração gramsciana e nos ciclos de
acumulação capitalista.
Arrighi era adepto, tal como Wallerstein, dos Ciclos de Kondratieff,
elaboração teórica do economista russo Nikolai Kondratieff na
década de 1920. A tese do economista para o capitalismo era que
o seu desenvolvimento era baseado em ciclos32.

30 (...) “uma noção de direito, ou melhor, um novo registro de autoridade e um


projeto original de produção e de instrumentos legais de coerção que fazem valer
contratos e resolvem conflitos”. Império. Rio de Janeiro, Editora Record, 8ª ed. p.
27, 2006.
31 Os livros O Longo Século XX, Chaos and Governance in the Modern World System

(em co-autoria com Beverly Silver) e Adam Smith em Pequim. Em conjunto, formam
sua trilogia sobre o capitalismo em perspectiva histórico-mundial e estão entre as
principais obras da Análise dos Sistemas-Mundo.
32 Um ciclo de Kondratieff teria um período de duração determinada (de 40 a 60

anos), que corresponderia aproximadamente ao retorno de um mesmo fenômeno.


Apresenta duas fases distintas: uma fase ascendente (fase A) e uma fase
descendente (fase B). Essas flutuações de longo prazo seriam características da
economia capitalista.
A primeira referência do economista russo Nikolai Kondratieff aos ciclos
prolongados ocorreu em seu livro A economia mundial e sua conjuntura durante e
depois da guerra (1922). Para ele a natureza particularmente aguda da crise do

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

Sob inspiração dos Ciclos de Kondratieff, o sistema capitalista para


Arrighi teria passado por quatro ciclos sistêmicos de acumulação 37
e expansão: genovês, holandês, britânico e norte-americano. Os
ciclos sistêmicos de acumulação de capital constituem uma cadeia
de estágios parcialmente superpostos, por meio dos quais a
economia capitalista europeia transformou a economia mundial
em um intenso sistema de trocas.

Figura 1 – Ciclos de Kondratieff

Fonte: http://www.monitorinvestimentos.com.br/ver_artigo.php?id_artigo=116

pós-guerra se explica assim mediante ao fato de que marcava um ponto de


mudança no ciclo prolongado e o começo de sua fase descendente. Em 1926,
Kondratieff apresentou, na sua obra "As ondas longas da conjuntura", a hipótese da
existência de ciclos longos. Kondratieff fez sua base na análise de séries
cronológicas de preços no atacado, de 1790 a 1920, das potências capitalistas do
período: Estados Unidos, da França e do Reino Unido.
Partindo de curvas empíricas, Kondratieff elaborou curvas teóricas que, a seu ver,
mostravam tendências seculares. Considerou ter encontrado dois ciclos longos e
meio entre 1780 e 1920, iniciando a fase descendente do terceiro ciclo. Segundo
Kondratieff, a base dos ciclos longos é o desgaste, a reposição e o incremento do
fundo de bens de capital básicos, cuja produção exigiria investimentos enormes. A
reposição e o incremento desse fundo não seria um processo contínuo e correria
por saltos. Os ciclos econômicos ocorreriam a partir destes fatos.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

A superposição desses ciclos ocorre na passagem de um para o


38 outro, ou seja, enquanto um ciclo está se aproximando do seu
término, ao mesmo tempo, outro ciclo sistêmico de acumulação
começa a se formar. Esta fase de superposição ocorre durante a
chamada turbulência financeira do ciclo que está chegando ao
fim35.
Desse modo, as grandes expansões materiais e financeiras
ocorreriam quando um bloco dominante tivesse acúmulo
suficiente para dominar o sistema mundial que, ao chegar ao seu
término, provocaria a mudança de poder hegemônico. Quando
isso ocorre, um novo ciclo sistêmico de acumulação tem início.
Arrighi corrobora que a contribuição mais importante e perene
para o desenvolvimento do capitalismo como sistema mundial
encontra-se no âmbito das altas finanças, durante o Renascimento
italiano do final do século XIV e início do século XV, que é o
período do seu surgimento.
O primeiro ciclo sistêmico, o genovês, segundo Arrighi, é explicado
a partir de Fernand Braudel. Nesse período (...) “a maturidade de
todos os grandes desenvolvimentos da economia capitalista
mundial é anunciada por uma guinada peculiar do comércio de
mercadorias para o comércio de moedas” 36.

35 “O aspecto principal do perfil temporal do capitalismo histórico aqui


esquematizado é a estrutura semelhante de todos os séculos longos. Todos esses
constructos consistem em três segmentos ou períodos distintos: (1) um primeiro
período de expansão financeira (que se estende de Sn-1 a Tn-1), no correr do qual
o novo regime de acumulação se desenvolve dentro do antigo, sendo seu
desenvolvimento um aspecto integrante da plena expansão e das contradições
deste último; (2) um período de consolidação e desenvolvimento adicional do novo
regime de acumulação (que vai de Tn-1 a Sn), no decorrer do qual seus agentes
principais promovem, monitoram e se beneficiam da expansão material de toda a
economia mundial; e (3) um segundo período de expansão financeira (de Sn a Tn),
no decorrer do qual as contradições do regime de acumulação plenamente
desenvolvido criam espaço para o surgimento de regimes concorrentes e
alternativos, um dos quais acaba por se tornar (no tempo Tn) o novo regime
dominante”. Arrighi, Op. cit., pp. 219-20.
36 Ibidem, p. 111.

O Caso Venezuelano
Figura 2 — SÉCULOS LONGOS E CICLOS SISTÊMICOS DE ACUMULAÇÃO

FONTE: Arrighi, Giovanni. O Longo Século XX, p. 219

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Abordagem Teórico-Metodológica

39
Charles Pennaforte

O capitalismo financeiro genovês desenvolveu-se na segunda


40 metade do séc. XVI. Segundo Arrighi 37,

(...) “À medida que se intensificaram as pressões


competitivas e que houve uma escalada na luta pelo poder,
o capital excedente, que já não encontrava investimentos
lucrativos no comércio, foi mantido em estado de liquidez e
usado para financiar a crescente dívida pública das cidades-
Estado, cujo patrimônio e receita futura foram assim, mais
completamente alienados do que nunca a suas respectivas
classes capitalistas”. (...)

Ainda sobre o ciclo de acumulação genovês Arrighi apontou que


este período foi o ponto máximo expansão capitalista:

(...) “uma grande expansão material da economia mundial


europeia, através do estabelecimento de novas rotas de
comércio e da incorporação de novas áreas de exploração
comercial foi acompanhada por uma expansão financeira
que acentuou o controle de capital sobre uma economia
mundial ampliada. Além disso, uma classe capitalista
claramente identificável (a genovesa) incentivou,
supervisionou e se beneficiou das duas expansões, em
virtude de uma estrutura de acumulação de capital que, em
sua maior parte, já passara a existir quando a expansão
material teve início”38.

Para Arrighi, esse padrão seria o “ciclo sistêmico de acumulação”.


Os capitalistas genoveses seriam os precursores no século XVI
desse padrão, fato que ocorreria mais três vezes 39.

37Ibidem, p. 112.
38Ibidem, pp. 129-130.
39 No ciclo holandês a sua supremacia comercial baseava-se em uma lógica

capitalista de poder (representada pela fórmula D-T-D’), enquanto a supremacia

O Caso Venezuelano
Abordagem Teórico-Metodológica

Após o ciclo genovês vieram, subsequentemente, o ciclo holandês,


o ciclo britânico e o ciclo estadunidense, que é o que nos interessa 41
na elaboração deste trabalho, pois seria a expansão do moderno
sistema mundial que ocorreu durante quase todo o século XX e
entraria em crise na década de 1970.
Estaríamos, portanto, vivendo a crise do ciclo sistêmico de
acumulação, fato que favoreceria o surgimento de novas
perspectivas antissistêmicas para a superação da atual fase. Sobre
tais perspectivas de transformação do atual ciclo de acumulação,
Wallerstein assinala:

“Estamos passando por uma transição em nosso atual


sistema mundial, a economia mundial capitalista, estará se
transformando em outro sistema – ou em outros sistemas –
mundiais. Não sabemos se essa mudança será para melhor
ou para pior. E não saberemos até que cheguemos lá, um
processo que pode demorar ainda uns cinquenta anos a
partir do momento em que estamos. Sabemos, no entanto,
que o período de transição será um período difícil será um
período difícil para todos os que vivenciarem”40.

Após a configuração do quadro teórico que norteará a nossa


pesquisa, a hipótese que será trabalhada por nós neste trabalho é:

comercial posterior, a inglesa que inicia-se no início do século XVIII, baseou-se em


uma síntese harmônica entre a lógica territorialista de poder (T-D-T’) e a
capitalista (D-T-D’). Essa síntese foi o fator fundamental para o regime inglês ter
alcançado um ciclo sistêmico de acumulação muito mais avançado do que o
holandês. O ciclo britânico caracterizou-se por processo contínuo de expansão,
reestruturação e reorganização financeira da economia mundial capitalista. Os
períodos de expansão financeira foram momentos em que aumentam as pressões
competitivas tanto sobre os governos quanto empresas e comércio. Essas pressões
favoreceram a expansão industrial inglesa, que se manteve na supremacia
econômica mundial até o início do século XX. Ibidem, p. 204.
40 Wallerstein, Immanuel. Utopística ou as decisões históricas do século vinte e um.

Petrópolis, Editora Vozes, p. 49, 2003.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

 O governo Hugo Chávez tem como objetivo


42 colocar a Venezuela como um player internacional e desafiador da
hegemonia estadunidense?
Teremos como variáveis os seguintes objetivos
específicos:
 Identificar o papel antissistêmico da Venezuela
na América Latina;
 Investigar prioritariamente o conjunto de
políticas oficiais do governo venezuelano voltadas para a inserção
do país no comércio e na comunidade internacional;
 Identificar as políticas hegemônicas dos Estados
Unidos no século XX para a América Latina;
 Analisar a construção de “políticas de influência”
para a América Latina;
Como objetivos secundários:
 Investigar a evolução do sistema político
venezuelano, analisando a dinâmica que permitiu ao país torna-se
um modelo de estabilidade política durante grande parte do
século XX;
 Analisar a política externa da Venezuela e suas
consequências sobre a América Latina.

Com a importância assumida pela liderança de Hugo Chávez e a


polarização provocada por suas ações tanto na América Latina
(alianças políticas construídas com a Bolívia e o Equador, por
exemplo) como pelo enfrentamento aos EUA, torna-se
extremamente pertinente o estudo sobre a Venezuela. A partir
desse roteiro tentaremos evidenciar o papel da Venezuela no atual
sistema-mundo contemporâneo.

O Caso Venezuelano
2
O Declínio Estadunidense
Charles Pennaforte

2.1 – A Economia-Mundo Capitalista


44

A
atual economia-mundo (sistema-mundo) capitalista teve
origem, segundo Wallerstein, na crise do sistema feudal e
na ascensão da Europa Ocidental à supremacia global entre
1450 e 1670, conforme já analisamos no capítulo anterior.
A hegemonia anterior à atual, a britânica, caracterizou-se por um
processo contínuo de expansão, reestruturação e reorganização
financeira da economia mundial capitalista. Os períodos de
expansão financeira foram momentos em que aumentaram as
pressões competitivas tanto sobre os governos quanto sobre as
empresas e o comércio. Essas pressões favoreceram a expansão
industrial inglesa, que se manteve na supremacia econômica
global até o início do século XX.
Após o colapso hegemônico britânico, os EUA emergiram como
principal potência econômica e, após a Segunda Guerra Mundial,
alcançou a supremacia tecnológica e militar durante a Guerra Fria
e tornou-se a hiperpotência após o colapso do bloco socialista em
1989 e fim da URSS em 1991.
A economia-mundo capitalista demonstra uma relação desigual e
hierárquica entre as nações, fato que propiciou uma subdivisão
dentro do sistema. Para a sua compreensão, acreditamos que a
chamada Teoria da Dependência 41 seja a mais elucidativa tendo
como pano de fundo uma análise sistêmica. Wallerstein 42 aponta
que

41 A Teoria da Dependência é uma formulação teórica originada nos anos


1950/1960, baseada em uma leitura crítica e marxista não-dogmática dos
processos de reprodução do subdesenvolvimento na periferia do capitalismo
mundial.
42 The Modern World-System I: Capitalist Agriculture and the Origins of the

European World-Economy in the Sixteenth Century. California, University of


California Press, p. 349, 2011(1974).

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

“World-economies then are divided into core-states and


peripheral areas. (…) There are also semiperipheral areas
45
which are in between the core and periphery on a series of
dimensions, such as the complexity of economic activities,
strength of machinery, cultural integrity, etc. some of these
areas had been core-areas of earlier versions of a given
world-economy. Some had been peripheral areas that were
later promoted, so to speak, as result of the changing
geopolitics of an expanding world-economy.
The semiperiphery, however, is not an artifice of statistical
cutting points, nor is it as residual category. The
semiperiphery is a structural element in a world-economy.
These areas play a role parallel to that played mutatis
mutandis, by middle tranding groups in an empire”. (…)

Segundo a Teoria da Dependência, o capitalismo estaria baseado


em uma estrutura interdependente: o Centro, a Semi-Periferia e a
Periferia. A posição sistêmica de cada nação seria determinada,
em larga medida, pela capacidade de desenvolvimento de suas
forças sociais e econômicas.
O Centro do sistema se configura por uma alta concentração de
riquezas e elevado desenvolvimento tecnológico em todos os
setores econômicos. O comércio nacional e internacional são de
grande envergadura e importantes fontes de recursos para a
manutenção financeira do Centro. Esta área do sistema
corresponderia às antigas metrópoles europeias, EUA e Japão.
A Periferia do sistema possui condições opostas: baixo
desenvolvimento tecnológico e social. Sua dinâmica econômica
está baseada na produção de produtos agrícolas e extração
mineral, ou seja, produtos de baixo valor agregado. De modo geral
esta área seria composta pelas antigas colônias.
A Semi-Periferia possui uma característica intermediária, mais
precisamente com produção de alguns bens de valor agregado e
relativo uso de tecnologia. Em um estágio superior aos países

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

periféricos, estariam ao Brasil, México, Tigres Ásiaticos, Indonésia


e China, por exemplo.
46
Desde os anos 1970 a concorrência entre os países centrais e a
semi-periferia se acirrou com vantagens comparativas para o
segundo grupo de países. Tais vantagens eram específicas dos
países semi-periféricos, notadamente aos Tigres Ásiaticos e China.
Com esta configuração, a economia-mundo capitalista sob
hegemonia norte-americana chegou ao século XXI em mais uma
crise cíclica sistêmica, cujo início ocorreu na década de 1970 e
chegou até o presente momento.

2.2 – A Crise do Sistema Fordista de


Produção

Como já mencionamos no item anterior, o atual Ciclo Sistêmico de


Acumulação liderado pelos EUA passa por um período de crise.
Este processo reflete a característica inerente do sistema
capitalista, ou seja, as crises econômicas fazem parte da dinâmica
sistêmica.
A crise do sistema fordista de produção teve início no final dos
anos 1960. O poder aquisitivo dos trabalhadores crescia num
ritmo maior e, consequentemente, as taxas de lucros caíam.
A competição internacional acirrava-se, com a inclusão da
América Latina e dos países do sudeste asiático, ocasionando a
queda do dólar, moeda-reserva mundial e, consequentemente,
aumentando o problema fiscal estadunidense. Uma das soluções
encontradas foi a dispensa de trabalhadores. Entretanto, a rigidez
do contrato de trabalho sobrecarregou a arrecadação do Welfare
State43.

43 O Estado de bem-estar social (Welfare State) ganhou força após a Segunda


Guerra Mundial quando as forças políticas europeias aceitaram o papel do Estado
como importante agente de proteção e promoção social e econômico.

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

O Primeiro Choque do Petróleo colaborou ainda mais para o


declínio do fordismo. A extração da renda do petróleo acelerou esta
47
primeira consequência: crise da organização do trabalho - crise de
investimento - crise do Welfare state44.
O fordismo e a regulação econômica keynesiana, no período de
oito anos (1965 a 1973), não conseguiu solucionar esses
problemas. A problemática intrínseca ao capitalismo perdurou.
Aliás, o problema estava,

"(...) [na] rigidez dos investimentos de capital fixo de longa


escala em sistemas de produção em massa que impediam
muita flexibilidade de planejamento e presumiam
crescimento estável em mercados de consumo invariantes.
(...) A rigidez dos compromissos do estado foi se
intensificando à medida que programas de assistência
(seguridade social, direitos de pensão, etc.) aumentavam a
pressão para manter a legitimidade num momento em que
a rigidez na produção restringia expansões da base fiscal
para gastos públicos. O único instrumento de resposta
flexível estava na política monetária, na capacidade de
imprimir moeda em qualquer montante que parecesse
necessário para manter a economia estável"45.

Harvey vai mais longe e afirma que:

"A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do


petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista do
sufocante torpor da estagflação (estagnação da produção
de bens e alta de inflação de preços) e pôs em movimento
um conjunto de processos que solaparam o compromisso

44 D. Leborgne & A. Lipietz. Flexibilidade Defensiva ou Flexibilidade Ofensiva: Os


Desafios das Novas Tecnologias e da Competição Mundial, In: Reestruturação
Urbana-Tendências e Desafios (Orgs.), Rio de Janeiro, Nobel/IUPERJ, 1990, p. 22.
45 D. Harvey, Condição Pós-Moderna, São Paulo, Edições Loyola, 1992, pp. 135-136.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

fordista. Em conseqüência, as décadas de 70 e 80 foram um


conturbado período de reestruturação econômica e de
48 reajustamento social e político. no espaço social criado por
todas essas oscilações e incertezas, uma série de novas
experiências nos domínios da organização industrial e da
vida social e política começou a tomar forma. essas
experiências podem representar os primeiros ímpetos da
paisagem para um regime de acumulação inteiramente
novo, associado com um sistema de regulamentação
política e social bem distinta".

Com essas contradições, teve início a transição do fordismo para o


pós-fordismo.

2.3 - O Pós-Fordismo

O processo de crise do sistema fordista de produção desencadeou


uma série de experiências que visavam dar um “novo ânimo” ao
sistema capitalista. O que marca o pós-fordismo é a contraposição
ao paradigma fordista; ou seja, a sua rigidez e a consequente falta
de credibilidade e “flexibilidade”.
O processo de produção fordista foi flexibilizado, desarticulando
tudo o que existia até então. Na realidade, o que se observou, foi
uma revolução tecnológica cuja principal meta era reverter o
quadro da crise fordista: a queda da produtividade e da
lucratividade. Tavares46 elucida que:

"Contrariamente à rigidez que caracterizava o taylorismo-


fordismo, as novas tecnologias buscam obter o máximo de
flexibilidade no que respeita a processos de produção,

46H. M. Tavares, Complexos de Altas Tecnologia e Reestruturação do Espaço, In:


Caderno IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro, V, VII, 1, 1993, p.41.

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

desenhos e produtos, bem como a ocupação da força de


trabalho".
49

Não obstante, Harvey47 coloca que:

"A acumulação flexível (...) é marcada por um confronto


direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na
flexibilidade dos processos de trabalho, novos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de
serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica
e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas
mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto
entre setores como entre regiões geográficas, criando, por
exemplo, um vasto movimento no emprego do chamado
“setor de serviços”, bem como conjuntos industriais
completamente novos em regiões até então
subdesenvolvidas (tais como, a Terceira Itália, Flandes,
vários vales e gargantas de silício, para não falar da vasta
profusão de atividades dos países recém-industrializados)".

Leborgne e Lipietz48 apontam, entretanto, alguns problemas para


o uso dessas inovações tecnológicas. As panes nos sistemas, as
máquinas obsoletas e os custos com a manutenção, são problemas
que devem ser levados em consideração. Mas mesmo assim,
salientam que:

“A principal característica da revolução tecnológica atual é


a invasão do microprocessador e das interfaces eletrônica
não apenas em novos produtos, mas também no próprio

47 D. Harvey, Op. cit., p. 140.


48 Op. cit., p. 25.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

processo de trabalho: a microeletrônica redefine o próprio


significado da automação”.
50

No bojo dessa nova dinâmica capitalista, o pós-fordismo foi


tomando corpo, provocando uma grande rearticulação em todos
os níveis sociais e econômicos. As relações de trabalho e a
estrutura industrial acompanharam o novo ritmo.
A flexibilidade caracteriza-se na organização do trabalho, na
tecnologia e nas novas estruturas institucionais surgidas. Os
padrões de consumos foram fragmentados e privatizados; a
desintegração vertical tomou impulso e os pequenos e médios
produtores se especializaram.
As novas bases da dinâmica concorrencial capitalista sofreram
mudanças, ou seja, o eixo dessa concorrência migrou do preço
para os novos modelos de produtos adaptados ao mercado. Os
mercados tornaram-se imprevisíveis e volúveis, ocasionado uma
produção diferenciada e adequada à nova realidade. A produção
procurou ocupar esses nichos lucrativos49.
O pós-fordismo visava conviver com a atual saturação decorrente
da economia baseada em práticas fordistas e a seletividade; daí a
variedade de tipos e tamanhos ofertados 50. Dessa maneira, ocorre
um aumento de importância das pequenas e médias empresas,
favorecendo ao intercâmbio, as subcontratações e outras relações
de interdependência.
Com a redução das margens de lucro, o patronato procurou
“flexibilizar” as relações de trabalho, visando recompor o optimum
de lucratividade. Como já salientamos, a rigidez fordista colaborou
para o declínio desse modelo de acumulação e a saída encontrada,
entre outras, foi atacar o contrato de trabalho.

49 M. Boddy. Reestruturação Industrial, Pós-Fordismo e Novos Espaços Industriais,


In: Reestruturação-Tendências e Desafios, Rio de janeiro, Nobel/IUPERJ,1990, p.
46.
50 Op. cit., p. 41.

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

A relação rígida sofreu uma grande alteração, onde o modo de


regulação (o Welfare State) foi desmantelado gradativamente. A
51
outrora estabilidade do contrato de trabalho foi solapada,
aproveitando-se do enfraquecimento do poder sindical e da mão-
de-obra excedente em virtude da crise51.
O antigo trabalho do tipo regular foi ocupado por trabalhos
temporários, parciais e até subcontratados. Se no fordismo o
operário não participava do processo de fabricação, no pós-
fordismo ocorreu o contrário: reagrupa-se o que taylorismo havia
dicotomizado, ou seja, os aspectos manuais e intelectuais do
trabalho52.

2.3.1 – A Ásia como Adversária Competitiva

A crise fordista ocasionou como mencionamos anteriormente, a


necessidade de busca por vantagens competitivas e locacionais
que superassem a queda nos lucros. O alto custo da mão de obra e
a legislação ambiental rígida, por exemplo, eram componentes
importantes para a queda da lucratividade. A realidade
encontrada pela classe patronal para superar esse problema era
extremamente difícil de ser resolvido dentro das sociedades
capitalistas centrais ocidentais.
O alto nível de politização e organização sindical havia tornado o
movimento trabalhista extremamente forte e coeso na defesa das
garantias keynesianas, principalmente na Europa. Se a saída para
a queda da lucratividade era a diminuição dos custos, era
necessário encontrar uma forma de implementar tal medida. Se o
pós-fordismo foi uma das saídas, contudo não conseguiu alcançar
todos os países europeus, tornando-se forte na Inglaterra de
Margareth Thatcher e do outro lado do Atlântico, nos EUA de
Ronald Reagan.

51 Ver D. Harvey, Op., cit., p.143.


52 Ver D. Leborgne & A. Lipietz, Op. cit., p.26.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

A Ásia surgiu como uma importante alternativa para a


problemática do capitalismo ocidental. Tomando como exemplo o
52 Japão53, o país estava em pleno processo de recuperação
econômica com adoção de tecnologia no processo produtivo e
condições sindicais mais favoráveis ao capital do que em relação
ao Ocidente. Sem uma organização sindical comparável aos
europeus, era possível obter maior lucratividade.
No lado socialista, eram verificadas transformações através do
desenvolvimento da Revolução Cultural54 na China que
provocariam impactos importantes na economia capitalista
mundial nas décadas seguintes. O fim da Revolução Cultural
surgiu como uma possibilidade dos países ocidentais de
resolverem o seu problema (queda da lucratividade) a partir dos
anos 1980 em virtude das transformações sociais e econômicas
que ocorreriam na China.
Após a morte de Mao Zedong em 1976, a China entrou em um
processo de transformação social e econômica, consolidado a
partir de 1978 sob a liderança de Deng Xiaoping. O afastamento
do país da órbita soviética a partir dos anos 1960 propiciou a
aproximação do gigante vermelho com o Ocidente ainda sob a
liderança de Mao Zedong55.

53 Ao mesmo tempo, o Japão que entrou em rápido crescimento econômico a partir


de 1960, alcançou a posição de segunda economia capitalista e a terceira do
mundo, atrás da então URSS no início dos anos 1980. Com destaque para o setor de
alta tecnologia e produção de manufaturados, os japoneses tornaram-se grandes
concorrentes dos EUA.
54 Disputa entre as alas reformista e conservadora do Partido Comunista. Deng

Xiaoping é um dos principais expoentes reformistas. Para conter tal influência, os


conservadores provocam o retrocesso político e econômico, fechando o país para o
contato externo e perseguindo os reformistas. A chamada Revolução Cultural
(1966-1976) chega ao fim com a morte de Mao Zedong em 1976.
55 O Conflito Sino-Soviético tem como pano de fundo as divergências ideológicas

em torno do modelo de comunisno que deveria ser seguido e expandido pelo


mundo. O “voluntarismo” chinês era criticado pelo Kremlim e a ausência de “ações
para a construção do comunismo em escala global” pelos soviéticos não era aceito
pelos dirigentes em Pequim. Sendo assim, em 1969, os dois países entraram em
atrito militar por uma ilha no rio Ussuri chamada de Damansky pelos soviéticos e
Zhenbao pelos chineses, uma região fonteiriça. Com a alegação de que haviam sido
atacadas inicialmentee, as duas nações entram em conflito bélico, o que ocasionou
a morte (dados extra-oficiais) entre 100-600 chineses e 58 soviéticos.

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

No final dos anos 1970 a nova direção comunista lançou o


Programa das Quatro Modernizações (agricultura, indústria,
53
ciência e tecnologia e defesa nacional) com o objetivo de
promover o desenvolvimento econômico e social do país, frente a
uma nova realidade geopolítica enfrentada: a sua posição
autônoma dentro do bloco socialista e fazendo oposição algumas
vezes a URSS.
Os dirigentes da era pós-Mao tinham como imperativo promover
o desenvolvimento industrial do país e para isso eram necessários
investimentos e tecnologia. Pelo lado ocidental, a China
apresentava-se como uma importante área de oportunidades. Os
investimentos ocidentais seriam importantes para a criação de um
parque industrial e para a transferência de tecnologia que
transformariam a China nas décadas seguintes.
Com a aproximação com o Ocidente a partir de 1978 a China
tornou-se uma importante fornecedora de mão de obra para a
elaboração de produtos estadunidenses e europeus que buscavam
saídas para o encarecimento dos custos de produção gerados pelo
fordismo e pela inflação dos anos 1970. A criação das Zonas
Econômicas Especiais (ZEEs) para sediar as indústrias
estrangeiras e facilitar a exportação da produção foi uma das
grandes realizações dos dirigentes chineses na era Deng Xiaoping.
Contudo, o crescimento e o dinamismo chinês superaram as
melhores expectativas de analistas e pesquisadores de todo ao
mundo. Os chineses conseguiram com o passar das décadas criar
seu próprio mercado interno, criar suas próprias empresas e
exportar os seus próprios produtos, tornando-se um país de
grande importância dentro do sistema-mundo capitalista. Esse
dinamismo passou a rivalizar com os países capitalistas centrais.

Em 21/02/1972 o então presidente dos EUA Richard Nixon foi recebido pelo líder
chinês Mao Zedong, tornado-se o primeiro líder estadunidense a visitar a
República Popular da China. O fato ganhou grande destaque internacional dentro
do contexto da Guerra Fria. As relações entre os dois países a partir de então,
sofreram um grande desenvolvimento.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Entre 1980 e 2004, o crescimento real do PIB chinês foi em média


9,5%, tornando o país a sexta economia do mundo 56. Desde então,
54 a força do crescimento chinês pode ser verificado através de sua
participação no comércio mundial. Em 1980 sua participação era
de 1% e na atualidade está em 6% 57. Um estudo mais detalhado
sobre a ascensão asiática está disponível nos livros Adam Smith
em Pequim e Ilusões do Desenvolvimento (capítulo “A Ascensão do
Leste Asiático: um Milagre ou Muitos?”) de Giovanni Arrighi.
Ainda nos anos 1980, a economia japonesa com seu grande
crescimento favoreceu a expansão econômica da Ásia ao inserir
países no processo de industrialização. O “transbordamento” de
sua economia, ou seja, a necessidade de mão de obra e espaço, fez
com que novos países fossem beneficiados pela lógica capitalista.
Os japoneses deslocaram algumas de suas fábricas para países
como Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura e Taiwan, com o
objetivo de obter mão de obra mais barata, terrenos com baixo
custo e legislação trabalhista e ambiental menos rígidas. Tal como
aconteceu com os chineses no final dos anos 1990, países como a
Coreia do Sul tornaram-se competidores globais ao produzir e
desenvolver suas próprias marcas no mercado mundial.
Como podemos observar, a força asiática é um exemplo dos
desafios enfrentados pelos EUA para a manutenção de sua
hegemonia no campo econômico.

2.4 – A Perda da Hegemonia

Sob o ponto de vista histórico, a hegemonia dos EUA teve início


com a recessão mundial de 1873, quando a sua economia cresceu
acentuadamente ao mesmo tempo em que a economia britânica
entrava em uma inflexão. No período entre 1873 e 1914, por

56 “O Crescimento Econômico da China”. Federal Reserve Bank of Atlanta.


<http://www.frbatlanta.org/pubs/econsouth/05q2portugues_o_crescimento_. cf>
Acessado em 28/12/2011. Ver também Anexos.
57 Ibidem.

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

exemplo, os EUA e a Alemanha tornaram-se os principais


produtores de aço e produtos químicos, demonstrando a força
55
industrial da economia norte-americana. A busca pela hegemonia
seja econômica e/ou militar tornou-se um processo natural.
Arrighi assinala que:

“Um estado dominante exerce uma função hegemônica


quando lidera o sistema de estados numa direção desejada
e, com isso, é percebido como buscando um interesse geral.
É esse tipo de liderança que torna hegemônico um estado
dominante”58.

A política externa de Washington na segunda metade do século


XIX procurou estabelecer sua dominação sobre sua periferia
imediata, a saber, a América Central e Caribe e posteriormente
aumentando sua influência sobre a América do Sul. Além de
impedir a influência dos europeus através da Doutrina Monroe, os
EUA garantiram sua influência econômica e política no continente
americano.
A Segunda Guerra Mundial proporcionou uma oportunidade para
os EUA influenciarem de maneira decisiva o sistema internacional.
A posição após o conflito era privilegiada para os estadunidenses,
pois não haviam sofrido diretamente os efeitos catastróficos da
guerra. Seu território não sofreu nenhum dano ao contrário da
Europa e Ásia.
A economia norte-americana pode manter o seu ritmo de
produção praticamente intacto durante a guerra, ao mesmo
tempo, tornou-se um grande fornecedor de bens industriais e
créditos para a Europa.
Com a derrota do nazismo, o comunismo tornou-se o principal
obstáculo à hegemonia dos EUA no cenário internacional. A
conversão da China ao comunismo em 1949, da Coreia do Norte
em 1950 e do Vietnã em 1975, foram os grandes golpes para a

58 Arrighi, O Longo Século XX, p.29.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

economia-mundo capitalista na Ásia. Sem contar o Leste Europeu


sob domínio soviético desde 1945.
56
Contudo a sua atuação na reconstrução do Japão e da Europa
Ocidental, por exemplo, permitiu aos estadunidenses encontrar
brechas importantes para manter o comunismo longe dos seus
principais aliados. A contenção ao comunismo principalmente na
Ásia foi bem sucedida. Mas as consequências do sucesso desse
processo seriam nefastas ao longo do tempo, principalmente no
aspecto econômico.
Segundo Wallerstein, o sucesso dos EUA no pós-guerra como
potência hegemônica é que provocou a sua própria decadência:

“O sucesso dos EUA como potência hegemônica no período


do após-guerra criou as condições para que a sua pópria
hegemonia fosse minada. Este processo pode ser capturado
em quatro símbolos: a guerra do Vietnã, as revoluções de
1968, a queda do Muro de Berlim em 1989 e os ataques
terroristas de setembro de 2001. Cada símbolo acresce ao
anterior, culminando na situação em que os EUA se
encontram hoje: uma superpotência solitária à qual falta
um verdadeiro poder, um líder mundial que ninguém segue
e poucos respeitam, e uma nação perigosamente à deriva,
imersa em um caos global que não pode controlar” 59.

Wallerstein fornece uma perspectiva da hegemonia no atual


sistema-mundo baseado na perspectiva de expansão da
competição como fator criador de “rivalidades” que ocasionaria os
“Ciclos de Hegemonia”. A expansão da dinâmica capitalista
promoveria tais ciclos, como pode ser visto na Figura 3.
Os quatro eventos apontados por Wallerstein representariam
cada momento do que seria o declínio do poder estadunidense, o
“pouso da águia”.

59 O Declínio do Poder Americano. Rio de Janeiro, Editora Contraponto, p. 25, 2004.

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

O fracasso de Washington na Indochina assinalou uma inflexão na


dimensão militar do país. Como um grande rival da URSS e com
57
capacidade nuclear considerável, o país não logrou êxito no
combate ao movimento de libertação nacional do vietnamita. Pelo
contrário, sucumbiu às táticas guerrilheiras de uma exército
criado sob bases camponesas e com capacidade militar de baixa
sofisticação e táticas de guerra assimétricas lideradas pelo
lendário Gal. Giap. A derrota militar no Vietnã teve um alto custo
de vidas e a demonstração de que a maior potência do mundo não
era invencível.
As rebeliões estudantis de 1968 ocasionaram o surgimento de
movimentos de contracultura na sociedade capitalista que
repudiavam a lógica militarista e ideológica da disputa
Capitalismo X Socialismo defendido por Washington. No final dos
anos 1960, os blocos ideológicos apresentavam sinais de
saturação ao não apresentarem propostas concretas para a
superação da desigualdade econômica, social e política.
Pelo lado capitalista, inúmeros países em todo o mundo estariam
vivendo ou viveriam sob regimes ditatoriais de direita apoiados
pelos EUA. Deste lado, o objetivo eram impedir o avanço
comunista e/ou transformações sociais e econômicas nas
estruturas arcaicas.
Pelo lado liderado pela URSS, a promessa de “libertação da
opressão capitalista”, gerou regimes de força que não se
diferenciavam muito dos regimes de direita capitalista em todo o
mundo. As “democracias populares” baseadas no Trabalho e na
sua alienação, cuja mais valia era apropriada pelo Estado
socialista, mantiveram o trabalhadores atrelados à lógica
irracional da sua acumulação.
A repressão a Revolta Húngara de 1956 60 e o sufocamento da
própria Primavera de Praga em 1968 61 são reflexos da falência do

60 Revolta popular espontânea contra as políticas econômicas impostas pelo


governo da República Popular da Hungria e pela União Soviética. O movimento
durou 23/10 e 10/11de 1956. A revolta teve início através de uma manifestação
estudantil que levou milhares de pessoas até o parlamento húngaro no centro de
Budapeste. As notícias espalharam-se rapidamente e a desordem e violência

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


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modelo soviético de organização social e econômica. Não teria


muito sentido a utilização da dicotomia Capitalismo X Socialismo
58 por parte dos EUA ou da URSS para manter e justificar o seu
controle sobre seu bloco ideológico através de todos os meios
lícitos e ilícitos.

Figura 3

erupcionaram por toda a capital, provocando a queda do governo. Um novo


governo foi formado, presos políticos foram libertados, ao mesmo tempo em que
pessoas ligadas ao governo anterior eram executadas. Em 04/11/1956 tropas
soviéticas invadiram o país entrando em choque contra os revoltosos. Mais de
3.000 soviéticos e húngaros foram mortos durante o levante. Uma onda de
repressão política seguiu-se ao fim do conflito e qualquer tipo de oposição política
na Hungria foi suprimida.
61 Sob o comando do reformista eslovaco Alexander Dubček,
a Tchecoslováquia tentou fazer uma liberalização política e econômica
contrariando os preceitos defendidos pela URSS que controlava toda a Europa
Oriental. A tentativa de flexibilização do regime durou ente 05/01/1968 e
21/08/1968 quando as tropas da URSS e do Pacto de Varsóvia invadiram o país.

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

Outro sinal do declínio apontado por Wallerstein da hegemonia


norte-americana foi o fim do bloco socialista em 1989, e em 1991
59
da própria URSS, que desmontou a lógica da Guerra Fria que havia
gerado uma “zona de conforto” para a política externa de
Washington no qual todos os meios eram permitidos para manter
a sua hegemonia. Sem a Guerra Fria o controle ideológico dos EUA
perdeu sentido e os países puderam se “libertar” e traçar as suas
políticas externas sem se basear no caráter ideológico do inimigo
comunista.
O mais recente exemplo de fato que comprovaria a decadência
hegemônica dos EUA seriam os atentados de 2001, que
demonstraram que a nação mais poderosa do mundo não estava
segura contra os efeitos de sua atuação geopolítica internacional
beligerante em relação, por exemplo, ao apoio irrestrito a Israel
contra os palestinos no Oriente Médio.
A atuação do governo de George W. Bush após os atentados de 11
de Setembro representou o declínio internacional da aceitação
dos EUA como uma nação defensora de “valores universais” como
a democracia e os direitos humanos. O que colaborou para essa
situação foi a elaboração de um discurso belicista contra os
“inimigos” dos EUA através do documento A Estratégia de
Segurança Nacional dos Estados Unidos (2002), conhecido como
Doutrina Bush, que “permitia” aos EUA desrespeitarem o Direito
Internacional e fazer “guerras preventivas”.
A era Bush desse modo corroeu totalmente a geocultura 77 norte-
americana sob o ponto de vista ideológico. De antigos “defensores
do mundo livre”, os EUA passaram a ser associados à opressão e à
tortura, um “vilão mundial”.
Dois aspectos do declínio dos EUA podem ser resumido pelo
binômio gastos militares (em linha crescente apesar do fim da

77Segundo Wallerstein, “Géoculture [...] ce terme, crée par analogie avec celui de
géopolitique, désigne des normes et des pratiques discursives largement
reconnues comme légitimes au sein d’un système-monde. Dans ce livre, nous
expliquons qu’une géoculture n’apparaît pas automatiquement avec l’émergence
d’un système-monde, mais qu’elle doit être créée”. Comprendre le Monde. Paris, La
Découvert, p. 150, 2006.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Guerra Fria) e o enfraquecimento ideológico do sistema capitalista


enquanto defensor de uma “sociedade livre”, que conjugados
60 demonstram este quadro.
O fato é que sem o velho embate da Guerra Fria os EUA ficaram
sozinhos no palco global, e para exercer o seu poder agora
amplamente questionado, tiveram que utilizar o hard power de
maneira mais incisiva.
Logicamente não podemos defender a ideia de um “fim do
capitalismo” nos moldes defendidos pelos marxistas ortodoxos na
primeira metade do século XX. O processo é complexo e possui
inúmeras variáveis. Contudo ele está ocorrendo sob as bases até
aqui demonstradas.
Uma variável importante é o campo econômico, onde a decadência
norte-americana se acentuou ainda mais a partir de 2008. A crise
ocorrida no mesmo ano e que teve início na total desregulação do
setor financeiro do país, contaminou a economia global e
provocou a falência de inúmeros bancos estadunidenses e
arruinou a vida de milhões de trabalhadores não só nos EUA como
na Europa.
O fato é que através de uma análise mais detalhada dos fatores
que provocaram a crise financeira mundial, seu início foi
decorrente dos calotes nos pagamentos de hipotecas habitacionais
nos Estados Unidos. O juro baixo e o excesso de crédito no
mercado estadunidense foram um convite para o aumento do
consumo nos EUA.
O estímulo a busca de financiamentos para a compra de casas
próprias criou um boom imobiliário, principalmente entre a
população de baixa renda nort-americana. Para financiar esses
novos compradores, os bancos captavam recursos no mercado por
meio da oferta de instrumentos financeiros atrelados às hipotecas
de imóveis.

Gráfico 1

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

61

Fonte: www.tradingeconomics.com/Federal Reserve.

Por outro lado, os juros voltaram a subir nos EUA para combater o
avanço da inflação (veja gráfico). A alta dos juros provocou um
aumento no valor das prestações das casas próprias, enquanto o
preço dos imóveis inversamente começou a cair. A inadimplência
aumentou e os títulos que eram garantidos pelas hipotecas
perderam valor.
Em setembro de 2008 foram verificados prejuízos bilionários aos
bancos e até quebra de instituições financeiras, como a americana
Lehman Brother. O governo estadunidense injetou dinheiro no
sistema financeiro para evitar novas quebras de bancos ou
financeiras. Do outro lado do Atlântico, os governos da Alemanha,
França, Espanha, Reino Unido e de Portugal, entre outros países,
também anunciaram ajudas bilionárias aos bancos.
Com tal quadro a crise de confiança nos mercados foi inevitável, o
que teve impacto, principalmente, na quantidade de dinheiro
disponível em todo o mundo. Ou seja, devido ao medo de calotes,
os bancos não quiseram mais emprestar dinheiro. Por isso, para
conseguir empréstimos, empresas e também pessoas físicas
passaram a pagar juros muito mais altos. O encarecimento do
crédito paralisou os planos de investimentos das empresas e fez
também com que a população diminuisse o consumo.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Menos investimento significa também menor capacidade


de expansão das economias, pois as empresas não têm mais como
62 financiar seu crescimento. O resultado direto foi a redução do
emprego, o que, por sua vez, diminuiu a capacidade de consumo
das pessoas. O cenário de crise persistiu até 2011 com o aumento
dos efeitos da crise para países como a Grécia, Espanha, Portugal,
Itália e até mesmo a França.
O mais emblemático foi a diminição do investiment grade da
economia norte-americana pela agência Stand & Poor’s
(05/08/2011) de AAA para AA+78. Nada que significasse uma
hecatombe econômica, mas foi a primeira vez na história que os
EUA foram rebaixados (downgrade). Uma sinalização que algo não
está dentro dos padrões.
Wallerstein em artigo intitulado Vinte anos para mudar o
mundo, declarou que 79:

(...) “A Standard & Poor`s reduziu o rating de crédito dos


Estados Unidos de AAA para AA+, outro fato “inédito”. Mas

78 AAA: Capacidade extremamente forte para honrar compromissos financeiros.


Rating mais alto; AA: Capacidade muito forte para honrar compromissos
financeiros; A: Forte capacidade para honrar compromissos financeiros, porém é
de alguma forma suscetível a condições econômicas adversas e a mudanças
circunstanciais; BBB: Capacidade adequada para honrar compromissos
financeiros, porém mais sujeito a condições econômicas adversas; BBB-:
Considerado o nível mais baixo da categoria de grau de investimento pelos
participantes do mercado; BB+: Considerado o nível mais alto da categoria de grau
especulativo pelos participantes do mercado; BB: Menos vulnerável no curto
prazo, porém enfrenta atualmente grande suscetibilidade a condições adversas de
negócios, financeiras e econômicas;B: Mais vulnerável a condições adversas de
negócios, financeiras e econômicas, porém atualmente apresenta capacidade para
honrar compromissos financeiros; CCC: Atualmente vulnerável e dependente de
condições favoráveis de negócios, financeiras e econômicas para honrar seus
compromissos financeiros; CC: Atualmente fortemente vulnerável; C: Um pedido
de falência foi registrado ou ação similar impetrada, porém os pagamentos das
obrigações financeiras continuam sendo realizados; D: Inadimplente em seus
compromissos financeiros.
http://www.blogdoinvestidor.com.br/economia/o-que-significa-o-rebaixamento-
dos-titulos-americanos/ Acessado em 13/011/2011.
79 17/08/2011 <http://www.outraspalavras.net/2011/08/17/vinte-anos-para-

mudar-o-mundo/> Acessado em 04/01/2012.

O Caso Venezuelano
O Declínio Estadunidense

isso é uma ação relativamente leve. A agência equivalente


na China, Dagong, já reduziu a credibilidade dos Estados
63
Unidos para A+ em novembro, e agora para A-. O
economista peruano Oscar Ugarteche declarou que os
Estados Unidos tornaram-se uma “república de bananas”.
Ele diz que o país “escolheu a política da avestruz, como
modo de não perder as esperanças [de melhora]”. Em Lima,
nessa última semana, o encontro dos ministros de Finanças
dos países sul-americanos discutiu medidas urgentes para
isolar a região dos efeitos do declínio econômico dos
Estados Unidos”.

Este cenário de enfraquecimento econômico e geopolítico é que


possibilita as “brechas” necessárias para o surgimento de
contestações à hegemonia norte-americana. O caso venezuelano é
um importante exemplo desse fenômeno.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


3
Movimentos Antissistêmicos no
Sistema-Mundo
Charles Pennaforte

3.1 - Os Movimentos Antissistêmicos como


66
Alternativa no Sistema-Mundo Moderno

Nos anos 1970, I. Wallerstein criou o termo “movimento


antissistêmico” para aglutinar dois tipos de movimentos
históricos e populares originados na segunda metade do século
XIX, mas ao mesmo tempo rivais: os “sociais” e os “nacionais”80.
Os “movimentos sociais” estariam ligados aos partidos socialistas
e aos sindicatos, cujo objetivo era acirrar as lutas de classes no
interior de cada Estado. Os “movimentos nacionais”, por outro
lado, estavam inseridos inicialmente na construção de Estados-
nacionais como, por exemplo, o caso italiano (século XIX) e, mais à
frente, no processo de descolonização no pós-guerra, cujo
objetivo, por parte das nações africanas e asiáticas, era a busca
pela independência em relação às Metrópoles europeias.
Em Antysistemics Movements81, os movimentos antissistêmicos
haviam se organizado sob cinco aspectos até os anos 1960:

“First, opposition to oppression has been a constant of the


modern world-system. Nevertheless, before the middle of
the nineteenth century this opposition was short-term and
“spontaneous, and as such largely ineffectual at the level of
the system. This innovation had important repercussions
on the dynamic of the world capitalist system (…)” 82.

Segundo Arrighi, Hopkins e Wallerstein, o primeiro aspecto seria a


constatação que a opressão como forma de controle efetivo dos
movimentos antissistêmicos foi perdendo sua eficácia no processo
político do sistema-mundo capitalista no final do séc. XIX e início
do séc. XX.

80 O Declínio do Poder Americano. Rio de Janeiro, Contraponto, p. 266, 2004.


81 Arrighi, Giovanni et alli. Antisystemics movements. New York, Verso, 1989.
82 Ibidem, pp. 29-30.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

O aspecto pilar se fundou nos séculos XIX e XX na perspectiva


marxista do conflito entre classes sociais. Os movimentos sociais
estariam dispostos a “substituir o capitalismo pelo socialismo” 83. 67
O terceiro aspecto estava baseado na ideia que os movimentos
sociais controlariam os Estado. O quarto aspecto constituinte dos
movimentos contra-hegemônicos ocorreriam em função da
falência das políticas públicas nos Estados menos desenvolvidos, o
antigo “Terceiro Mundo”84.
E, por fim, o quinto pilar: a inserção social das classes menos
favorecidas dentro do próprio sistema não garantiu as condições
mínimas de sobrevivência digna para essas pessoas. Todos os
pilares seriam uma decorrência das seguintes dos fatores:

“(a) a reduced capacity of First and Second World states to


police the Third World;
(b) a reduced capacity of dominant status groups in core
countries (older generations, males, “majorities”) to
exploit/ exclude subordinate status groups (younger
generations, females, “minorities”);
(c) a reduced capacity of managerial strata to enforce labor
discipline in the workplace and associated global search for
“safe heavens” of 3 such discipline;
(d) a reduced capacity of states to control their respective
civil societies and associated crisis of “bourgeois” (...)” 85.

Dentro de uma perspectiva macrossistêmica os países centrais


não teriam a capacidade de auxiliar os países periféricos rumo ao
crescimento econômico ao mesmo tempo em que as elites dos
países menos desenvolvidos, por outro lado, não reduziriam as
tensões internas decorrentes das desigualdades sociais86. Ambos

83 Ibidem.
84 Ibidem, pp.103-106.
85 Ibidem.
86 Ibidem.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

os movimentos, nacionais e sociais, entraram em crise no final da


década de 1960.
68 A revolução mundial de 1968 foi um importante marco na
configuração dos novos movimentos antissistêmicos como afirma
Wallerstein87. Os objetivos perseguidos pelos movimentos no
período anterior (a revolução socialista, por exemplo), não
ocorreram. Pelo contrário, demonstrou-se um processo de
burocratização dos partidos socialistas e o afastamento dos ideais
revolucionários em quase todo o mundo.
Os movimentos antissistêmicos “clássicos” por assim dizer, seriam
substituídos por uma nova perspectiva a partir de 1968. Para
Wallerstein, surgiram quatro tentativas de movimentos
antissistêmicos. Foram elas: os “maoísmos” entre 1960 e 1970, os
“novos” movimentos sociais88, as organizações de defesa dos
direitos humanos e, no final dos anos 1990, os movimentos
antiglobalização.
Analisando este último movimento, os protestos ocorridos em
Seattle em 1999 na reunião da OMC, tornaram-se um marco na
construção de uma frente antissistêmica ao englobar sob uma
única bandeira, os movimentos sociais de diversos matizes e, ao
mesmo tempo, grupos de atuação local e transnacional.
O fator aglutinador era o combate ao neoliberalismo e seus efeitos
sociais nefastos que atingiram vários países do mundo, da Europa
à América Latina. Mesmo assim, cada grupo manteve as suas
especificidades imediatas.
A unificação dos movimentos sob a bandeira antineoliberal
ocasionou a criação do FSM que contou com um grande número
de participantes desde então. Contudo, o FSM ainda carece de
pontos organizativos e estratégicos que tornem o combate aos
efeitos do neoliberalismo mais eficaz89.
Para Wallerstein, estaríamos vivendo numa época de
manifestações antissistêmicas como decorrência da expansão das

87 O Declínio do Poder Americano. Rio de Janeiro, Contraponto, p. 271, 2004.


88 Verdes, ambientalistas, feministas, minorias raciais e étnicas. Ibidem, p. 272.
89 Charles Pennaforte. Fragmentação e Resistência. Rio de janeiro, E-Papers, pp. 69-

70, 2003.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

contradições e tensões do capitalismo em escala mundial90. Dessa


maneira, tais manifestações seriam os “movimentos de libertação
nacional, insurgências, proletárias, resistências e desafios 69
civilizacionais, contraculturas” [...]91.
O atual sistema-mundo passa, portanto, por um processo de
transição em virtude da crise estrutural do capitalismo. Tal crise
ocasionaria um período de “bifurcação e caos” 92. Os movimentos
antissistêmicos apontam na atualidade com objetivos bem
direcionados e neste aspecto, Carvalho coloca que,

Desta forma, é possível constatar, a priori, que os


movimentos antissistêmicos englobam atualmente, uma
série de manifestações anti-hegemônicas, numa luta
incessante contra o capital e o modelo neoliberal, visando à
busca de alternativas para a construção de uma nova
estrutura social e uma redefinição na arena econômica e
política93.

Os movimentos antissistêmicos, sejam eles de micro ou macro


escalas, se deparam com um cenário de crise sistêmica e com uma
realidade importante para a superação do atual sistema-mundo
contemporâneo.
Se por um lado os grupos sociais se organizam ao redor de um
“inimigo comum” como, por exemplo, o neoliberalismo ou a
discriminação contra minorias, podemos assinalar a existência em
uma macro perspectiva de países que assumem uma postura
também antissistêmica na arena internacional enfrentando a
potência hegemônica.

90 Carvalho, Giane Alves de. Os movimentos antissistêmicos: conjuntura de lutas


ou impasses políticos ideológicos? In: Mediações. UFSC, v. 13, p. 216, Jan/Jun e
Jul/Dez, 2008.
91 Apud, Op. Cit.
92 O Declínio do Poder Americano. Op. cit., p. 276.
93 Ibidem, p. 216.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

3.2 - As Condições Históricas para o


70
Surgimento de Hugo Chávez: a Falência do
Neoliberalismo

Com o objetivo de facilitar o entendimento de nossa proposta de


análise sobre a posição antissistêmica da Venezuela, faremos uma
recapitulação histórica e econômica sobre a realidade do país e do
continente nos anos 1990.
As condições econômicas vividas pela Venezuela nesta década
acirraram as contradições sociais e políticas que propiciaram o
surgimento de Hugo Chávez e a posterior colocação em prática do
seu “Socialismo do Séc. XXI” e o início de sua atuação
antissistêmica.

3.2.1 – A Década Neoliberal

Os anos 1990 foram marcados pela adoção do projeto neoliberal


em toda a América Latina. A eleição de diversos governos
conservadores e até mesmo de “esquerda”, após o processo de
redemocratização no continente, ocasionou a “conversão” de
várias forças políticas ao credo neoliberal. Com esse processo, foi
facilmente aceita a implantação dos programas de “ajustes
estruturais” (PAE), elaborados, pelo Consenso de Washington no
final dos anos 198094.

94 O Consenso de Washington é um conjunto de medidas econômicas formuladas


em 1989 pelo FMI, Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados
Unidos. A base para a implementação das medidas fundamentadas um texto do
economista John Williamson, do International Institute for Economy. O texto
tromou-se a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990. O
“receituário neoliberal” passou a ser administrado nos países em
desenvovolvimento que passavam por sérios problemas econômicos, tendo como
objetivo promover o "ajustamento macroeconômico": Disciplina fiscal; Redução dos
gastos públicos; Reforma tributária; Juros de mercado; Câmbio de mercado;
Abertura comercial; Investimento estrangeiro direto, com eliminação de

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

Através das políticas econômicas elaboradas pelo Fundo


Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Tesouro dos
EUA, os governos do continente colocaram em prática os 71
postulados neoliberais que variaram somente em intensidade
para cada país95. Contudo, os efeitos foram nefastos para as
economias latino-americanas, em especial para a Venezuela, como
afirma Steve Ellner96:

“Venezuela’s experience with free market reforms in the


1990s was as much a demonstration as anywhere in Latin
America of the acute social conflict and political crisis
engendered by neoliberalism and its failure to attract
popular support”.

O objetivo dos neoliberais era proporcionar o desenvolvimento


econômico do continente através de uma “modernização rápida”.
Isso tornaria as economias dinâmicas e promoveriam o
crescimento.
A análise dos economistas sediados em Washington D.C. era de
que as economias latino-americanas estavam “atreladas” ao
modelo keynesiano, que não havia dado certo, e ao protecionismo.
As dívidas externas, por exemplo, representariam esse quadro.
Outro aspecto que foi usado como parâmetro “favorável” para a
adoção dos preceitos neoliberais nos anos 1990 foi um estudo
realizado por Sachs e Warner97 que apontava uma relação entre
crescimento econômico e grau de abertura da economia. O

restrições; Privatização das estatais; Desregulamentação (afrouxamento das leis


econômicas e trabalhistas) e Direito à propriedade intelectual.
95 O canadense Michel Chossudovsky faz um panorama detalhado sobre as

reformas estruturais no mundo em seu livro A Globalização da Pobreza – Impactos


das reformas do FMI e do Banco Mundial.
96 Rethinking Venezuelan politics. Boulder, Lynne Rienner Publishers, p. 89, 2008
97 SACHS, Jeffrey & WARNER, Andrew. (1995) Economic reform and the process of

global integration. Brookings Papers on Economic Activity, 1: 1-118. Apud ARBIX,


Glauco. Da liberalização cega dos anos 90 à construção estratégica do
desenvolvimento. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 14(1): 1-17, maio de
2002. <http://www.scielo.br/pdf/ts/v14n1/v14n01a01.pdf>

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

resultado, segundo eles, não poderia ser outro: quanto maior a


abertura, maiores as chances de crescimento da economia, pois:
72

“Economias abertas são capazes de provocar uma


convergência de renda mais rapidamente do que as
economias fechadas, uma vez que a mobilidade
internacional de capital e tecnologia pode acelerar a
transição para uma condição mais estável e equilibrada da
renda”98.

Com base em tais estudos, foram formuladas políticas públicas


que “resolveriam” os problemas econômicos atuando em dois
pontos centrais: a desregulação e a abertura da economia. Como
assinala Arbix citando Sachs e Werner:

(...) “A mecânica dessas sugestões residia na busca da


recuperação da eficiência econômica – perdida com o
envelhecimento das políticas protecionistas – e, dessa
forma, do crescimento sustentado, deixando para os
mercados, mais do que para os governos, a definição da
melhor alocação dos recursos. Sem os constrangimentos
estatais do passado, a eficiência desse processo de
investimento estaria garantida pela decisão autônoma dos
agentes econômicos individuais, sendo que estaria
reservado ao setor público a salvaguarda das regras do
novo jogo, ou seja, a manutenção da estabilidade
macroeconômica”99.

Em termos práticos, o objetivo era muito maior do que apenas


“desenvolver” as economias latino-americanas. O interesse real
era facilitar os investimentos no continente através de condições

98 Ibidem.
99 Ibidem, p.8

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

favoráveis ao capital internacional e ao aumento da rentabilidade


para esses investidores.
Contudo, a “receita para o sucesso” mostrou-se como um grande 73
embuste conforme atestaram o FMI e o Banco Mundial 100:

“Embora tenham sido feitos vários estudos sobre o assunto


na década passada, não se pode dizer com certeza se os
progrmas ‘funcionaram’ ou não [...]. Tomando por base os
estudos existentes, certamente não se pode afirmar que a
adoção dos programas patrocinados pelo Fundo levou a
uma melhora no desempenho da inflação e do crescimento.
De fato, descobre-se com frequência que os programas
estão associados a um aumento da inflação e a uma queda
da taxa de crescimento”.

A eficácia dos postulados do Consenso de Washington não foi


comprovada na prática, já que as economias latino-americanas
não conseguiram resolver seus problemas estruturais, mas
conseguiram aumentar acentuadamente as mazelas sociais. Mais
uma vez Chossudovsky demonstra 101:

“As implicações sociais dessas reformas (entre elas, seu


impacto sobre a saúde, a educação, os direitos das mulheres
e o ambiente têm sido fartamente documentadas. Fecham-
se escolas e demitem-se professores, devido à falta de
verbas; no setor de saúde há um colapso geral, mas
medicinas curativas e preventivas, em consequência da
falta de equipamentos médicos e suprimentos, das
péssimas condições de trabalho e dos baixos salários pagos
aso seus profissionais”. (...)

100 Michel Chossudovsky. A Globalização da Pobreza – Impactos das reformas do


FMI e do Banco Mundial. São Paulo, Editora Moderna, p. 60, 1999.
101 Ibidem, p.61

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

A pobreza na América Latina não sofreu alterações significavas


entre 1980 e 1999 segundo a CEPAL. Em termos percentuais a
74 pobreza subiu de 34,7% para 35,3%, reflexo das grandes
desigualdades de renda no continente: os 40% mais pobres
mantiveram as suas condições, enquanto os 10% mais ricos
duplicavam a sua riqueza.
As tabelas a seguir permitem ter uma noção dos resultados
alcançados pela era neoliberal na América Latina. Elas permitem
concluir que o crescimento econômico como única base para a
superação das desigualdades sociais não ocorreu. Na prática, para
cada ponto percentual de crescimento do PIB nos anos 1990, a
pobreza foi reduzida em 0,12%. Na década anterior, o percentual
foi 0,88%102.
A tabela 1 demonstra que não ocorreu uma diminuição
significativa da pobreza nos anos 1990 com as tentativas de
“dinamização econômica” propostas por Washington. Ao longo do
período assinalado, o nível de pobreza e indigência aumentou
principalmente entre os anos 1980 e 1990.
Na tabela 2 é possível ter uma noção importante da concentração
de renda no continente e especificamente nos países selecionados.
A concentração de renda manteve intacta entre a população mais
pobre. Ocorrendo o inverso com os 10% da população mais rica.
Na tabela 3, observamos principalmente no período 1990-1999 a
baixa renda per capita em relação ao PIB e até mesmo a variação
negativa da remuneração recebida pelos trabalhadores urbanos.
Definitivamente as experiências focadas nos ajustes
macroeconômicos não deram os resultados esperados.

102 Panorama Laboral 2002 apud Proposta de Constituição de um Fundo


Interamericano de Promoção do Trabalho Decente.
<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BABB9926D2506/P
ropostadeFundo.pdf> Acessado em 10/04/2011.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

Tabela 1

75

Tabela 2

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Tabela 3

76

Nos anos 1990, o crescimento latino-americano (inclusive o


Caribe) foi, na média, superior ao crescimento mundial: cresceu
3,3% ao ano, enquanto o planeta foi em 2,4% 116. Na tabela 4, o
crescimento do PIB apresentou nos anos 1990 um crescimento
razoável. Contudo, apesar do “crescimento” da economia do
continente ter sido maior, isso não representou melhoria nas
condições de vida de milhões de latino-americanos.

116
Ibidem.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

O empobrecimento da população em vários países durante os


anos 1990 pode ser apontado com uma das causas para a guinada
política à “esquerda” da América Latina na primeira década dos 77
anos 2000. A saturação do modelo neoliberal permitiu a gestação
de forças políticas alternativas e “não convencionais” que
disputariam as eleições entre o final do século XX e início do
século XXI. O compromisso com as práticas antineoliberais foi um
componente importante para o sucesso político dos partidos no
processo eleitoral.
Portanto, não há surpresa alguma no que se convencionou chamar
de “onda vermelha” a partir da primeira década do século XXI,
com a vitória de partidos de esquerda na América Latina. Tratou-
se de um processo “natural” sob o ponto de vista histórico e à luz
do fracasso neoliberal dos anos 1990.

3.2.2 – A Chegada de Hugo Chávez ao Poder

Apontada como uma tradicional democracia estável 117 na América


Latina, a Venezuela caminhou na direção da instabilidade política
após o malogro das receitas neoliberais colocadas em práticas no
final do século XX.
A década de 1990 foi marcada pela “Apertura Petrolera” e pela
“Gran Viraje” do presidente Carlos Andrés Pérez. Rafael Caldera e
Teodoro Petkoff deram continuação ao processo com a chamada
“Agenda Venezuela”118.

117 Em seu excelente livro “Rethinng Venezuelan Politics”, Steve Ellner demonstra
que o “paradigma venezuelano da democracia” não foi tão real assim. Tratou-se na
realidade de um “mito” incentivado pelos acadêmicos tanto venezuelanos como
estadunidenses. A estrutura política baseada na “partidocracia” favoreceu à
diminuição dos conflitos entre as classes dirigentes criando um ambiente favorável
de “respeito” à democracia.
118 “‘La Apertura Petrolera’ fue, sin duda, la más importante de las fórmulas

adoptadas durante la última década del siglo XX, para responder acríticamente a
las exigencias y condiciones de la globalización neoliberal. Con ella se inició un
proceso que transfirió del sector público al sector privado, fundamentalmente al
capital transnacional, importantes actividades de la industria de los hidrocarburos
en el país, que desde la nacionalización habían estado reservadas al Estado

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Carlos Andrés Pérez havia sido eleito em dezembro de 1988 com a


proposta de “reviver” o “período de ouro” venezuelano dos anos
78 1960 e 1970. A perspectiva de melhoria econômica e social é que
proporcionou a eleição de Pérez com mais de 56% dos votos
válidos.
A situação econômica venezuelana no final da década de 1980
estava caótica. Fuga de capitais, desemprego alto e inflação de
40% ao ano, compunham o quadro nada agradável do país.
Com o objetivo de obter o empréstimo de USD 4,5 bilhões do FMI
e “salvar” o país no início de 1989, Carlos Andrés Pérez deu início
às tradicionais medidas impostas pela instituição para viabilizá-lo:
“(...) desvalorização da moeda, redução do gasto público e do

venezolano. Además, los pasos dados en esa dirección acarrearon muy elevados
costos para el fisco nacional. Con la Apertura se avanzó hacia una profundización
de la autonomía de PDVSA y sus filiales respecto al Estado, tratando de hacer de
ella un Estado dentro del Estado. (…) Entre 1986 y 1987 se volvió al viejo régimen
de concesiones, al iniciarse lo que se llamó la "Apertura Petrolera", esta vez bajo la
modalidad de convenios operativos y asociaciones estratégicas para reactivar
campos, producir crudo, explotar gas natural costa afuera, explorar áreas
prospectivas, crear empresas mixtas, competir libremente en los mercados
petroleros, y explotar y comercializar el carbón. En 1992, la vieja PDVSA inició un
proceso masivo de "tercerización" que ocasionó una pérdida, nunca antes vista, de
la efectividad nacional para manejar la industria petrolera y terminó dejándola
prácticamente en manos de compañías extranjeras”. “La Apertura petrolera:
reprivatización del negocio”.
<http://www.pdvsa.com/index.php?tpl=interface.sp/design/readmenuhist.tpl.ht
ml&newsid_obj_id=111&newsid_temas=13> Acessado em 27/11/2011.
Gran Viraje. (…) “es conocido el programa de ajustes elaborado por el gobierno de
Carlos Andrés Pérez y anunciado oficialmente en febrero de 1989. Para muchos
(…) este fue hecho a la medida de las recetas emanadas del Fondo Monetario
Internacional y acordes con el así llamado Consenso de Washington”. Alejandro
Maldonado Fermín. “Instituciones clave, producción y circulación de ideas
(neo)liberales y programas de ajuste estructural en Venezuela, 1989-1998”.
<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/grupos/grim_cult/Maldonado.pdf
> Acessado em 24/11/2011.
Agenda Venezuela. (…) “es conocido el programa de ajustes elaborado por el
gobierno de Carlos Andrés Pérez y anunciado oficialmente en febrero de 1989.
Para muchos (…) este fue hecho a la medida de las recetas emanadas del Fondo
Monetario Internacional y acordes con el así llamado Consenso de Washington”.
Alejandro Maldonado Fermín. “Instituciones clave, producción y circulación de
ideas (neo)liberales y programas de ajuste estructural en Venezuela, 1989-1998”.
<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/grupos/grim_cult/Maldonado.pdf
> Acessado em 24/11/2011.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

crédito, liberalização dos preços, congelamento dos salários e


aumento dos preços dos gêneros de primeira necessidade” (...) 119.
Contudo, como já salientamos, o discurso eleitoral de Carlos 79
Andrés Pérez havia sido bem diferente para a sociedade
venezuelana. Como aponta Severo, isso ocorre por conta:

“Tudo se fez supostamente em nome da redução do déficit


fiscal, do estímulo à entrada de capitais estrangeiros, à
modernização da indústria nacional, maiores eficiência,
produtividade e competitividade, redução da inflação e
diminuição do desemprego. Puro verso semântico para
dissimular o Consenso de Washington e apresentá-lo com a
doçura de um canto de sereia”120.

As medidas defendidas pelo FMI como “solução” e colocadas em


práticas pelo presidente venezuelano proporcionaram um
“resultado rápido”: em 1990, a população abaixo da linha de
pobreza havia saltado de 15% (1988) para 45%.
No campo macroeconômico, o receituário neoliberal foi seguido à
risca: redução do papel do Estado, privatizações de empresas e de
setores estratégicos. Como exemplos podemos apontar a
Compañía Nacional de Teléfonos (Cantv), a Siderúrgica del
Orinoco (Sidor), a Venezolana Internacional de Aviación S.A.
(Viasa), instituições financeiras, centrais açucareiras, estaleiros
navais e empresas do setor construção121.
Todo esse quadro de devastação econômica era totalmente
anacrônico com a grande riqueza petrolífera da Venezuela. Nos
anos 1970, os países produtores de petróleo enriqueceram com os
elevados preços do barril, valorização ocorrida a partir de 1973
(primeiro choque do petróleo).
A tabela 5 demonstra o percurso econômico venezuelano entre a
crise econômica dos anos 1980 e a adoção do neoliberalismo nos

119 Gilberto Maringoni. A Revolução Venezuelana. São Paulo, EDUSP, p. 70, 2004.
120 Ibidem.
121 Ibidem.

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anos 1990. Os resultados foram terríveis para a população


venezuelana, mas garantiu ao capital internacional o retorno dos
80 recursos investidos no país.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

Uma grande contradição foi que apesar de ter recebido USD 270
bilhões através da venda petróleo entre 1976 e 1995, a dívida
externa venezuelana saltou de USD 16,4 bilhões para USD 33,5 81
bilhões entre os anos de 1978 e 1983 122, fato que decorreu dos
desacertos econômicos dos governos.
A dinâmica neoliberal colocada em prática por Carlos Andrés
Pérez só acentuou a crise econômica e social durante os anos
1990. Foram emblemáticos o Caracazo ou Sacudón de 1989 e os
chamados levantes cívico-militares de 1992.
Rafael Caldera sucedeu Pérez, mas não conseguiu fugir dos
marcos econômicos colocados em prática por seu antecessor 123. A
crise econômica continuou grave e atingia com mais intensidade a
população mais pobre. Entre algumas soluções colocadas em
prática por Caldera para salvar o país, tivemos: a desvalorização
da moeda e o controle do câmbio e dos preços. Como era
esperado, a pobreza aumentou consideravelmente sob a dinâmica
neoliberal.
A tabela 6 demonstra a evolução da pobreza e da extrema pobreza
venezuelana entre os anos 1980 e 1990. A tabela 8 mostra a
situação do trabalho entre 1983 e a eleição de Hugo Chávez em
1998. O quadro venezuelano entre os anos 1980 e 1990
demonstrava os efeitos do neoliberalismo sobre a população: o
aumento acentuado da pobreza.
A tabela 7 demonstra os dados do mercado de trabalho
venezuelano entre 1983 e 1998. Chama a atenção a queda da
ocupação no setor público e o aumento do setor informal no
período. A população foi direcionada para o subemprego como
forma de manter a sua subsistência, apesar de que em alguns anos
o crescimento do PIB apresentou forte aumento (ver tabela 6).
Em meio a uma situação de descalabro econômico e acirramento
social, surge o coronel Hugo Chávez no cenário nacional ao
comandar alguns militares no fracassado golpe militar em 02 de
fevereiro de 1992. Segundo Chávez, seis mil militares

Ibidem.
122
123Em 1993, Carlos Andrés Perez sofreu o impeachment em função da perda de
apoio politico gerada pela crise econômica e pelas denúncias de corrupção.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

participaram da tentativa com tanques e helicópteros. Ocorreram


combates em Miraflores, Maracaibo, Valência e Maracay. O
82 número de mortos oscilou entre 17 e 100 mortos.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

Quatro meses depois da tentativa de golpe as pesquisas de opinião


apontavam que quase 65% dos venezuelanos consideravam o
coronel Hugo Chávez com uma “pessoa confiável”124. 83
Em 1995 a inflação alcançou 105% ano, algo inédito para a
realidade venezuelana 125. O final do governo de Rafael Caldera
apresentava a maior recessão do setor petroleiro dos últimos 40
anos.
A Venezuela chegava, assim, ao fundo do poço. A economia e o
descrédito com a classe política propiciaram o cenário para as
transformações que iriam ocorrer no final dos anos 1990.
A eleição de Hugo Chávez como representante do
descontentamento popular com a “velha política” venezuelana e
sua posterior postura de liderar o processo de transformação
social e econômica através de sua figura emblemática foram
determinantes para a colocação em prática de seu projeto
bolivariano.
A criação de um projeto político cuja finalidade foi inserir a
grande parte da população venezuelana na arena política, através
da transformação de uma democracia representativa para uma
democracia participativa, foi o grande optimum alcançado. Os
avanços sociais foram outro aspecto importante, que garantiram
ao líder venezuelano o apoio popular necessário para atacar
politicamente as velhas elites e burocracia do país.
Sob tal ponto de vista — maior participação popular, melhorias
soocioeconômicas e confiança no líder — podemos colocar como
bem-sucedido o projeto defendido por Hugo Chávez. Logicamente,
o processo está em andamento.
O sucesso até o momento do projeto chavista deve ser analisado e
compreendido dentro uma perspectiva crítica e dialética da
sociedade venezuelana durante a hegemonia neoliberal 126. Como

124 Gilberto Maringoni. Op. cit., p. 96.


125 Ibidem, p.105.
126 “Na prática, o chavismo é uma combinação entre princípios do nacional-
desenvolvimentismo com mecanismos de democracia direta. Desta síntese,
resultariam práticas e ações governamentais, tais quais, ênfase em programas
sociais e políticas focalizadas, centralização, projetos de desenvolvimento

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

assinala Severo127, a crise da economia neoliberal venezuelana


conduziu Hugo Chávez ao poder por:
84

“(...) em grande medida, Hugo Chávez ganhou as eleições de


1998 porque a Venezuela enfrentava sua mais catastrófica
crise econômica, política, social, institucional e moral,
depois de 40 anos de alternância no poder dos partidos
Ação Democrática (social-democracia) e COPEI
(democracia-cristã). O país e o povo agonizavam como
efeito da corrupção, do desperdício e da perversidade da IV
República (1958-98)”.

A conquista da hegemonia por Hugo Chávez tornou-se


incontestável a partir 2000, e pode ser explicada pela sua grande
capacidade em suprir as demandas das camadas populares. Tal
supremacia estaria alicerçada na formação e consolidação do seu
bloco histórico com uma “nova classe social” dirigente
antineoliberal e com amplo apoio popular através do
desenvolvimento da revolução passiva128.
Maciel aborda o apoio ao presidente Chávez recebeu para fazer as
reformas políticas na Venezuela, ao dizer que129:

endógeno, mecanismos de participação popular e fomento à integração latino-


americana. Esta última, remontando a um passado mítico através do resgate da
figura de Simón Bolívar e sua luta pela independência e união dos povos da
América Latina”. Renata Peixoto de Oliveira. Velhos fundamentos, novas estratégias?
Petróleo, Democracia e a Política Externa de Hugo Chávez (1999-2010).
Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política, p. 24, 2010.
127 Venezuela: Petróleo semeando emancipação e crescimento econômico. Luciano

Wexell Severo.
<http://www.voltairenet.org/article141468.html>. Acessado em 23/05/2011.
128 Abordagem desenvolvida no capítulo Fundamentação Teórica, p. 20.
129 Natalia Regina Maciel. Reforma Política e Política Externa na Venezuela: uma

Ameaça à Segurança continental sob a Ótica Norte-Americana. In: Intellector. Rio


de Janeiro, CENEGRI, Ano III, V. III, Nº 6, Janeiro/Junho de 2007, p. 5.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

“Na presidência, Chávez empreendeu reformas políticas


que iam de encontro ao antigo sistema, pautadas na
representação política através de partidos. Estas mudanças 85
ocorreram de forma pacífica, com apoio popular e militar
através de instrumentos democráticos e constitucionais. As
transformações, obviamente, não se deram na ausência de
conflitos, parecendo em certos momentos que a democracia
entraria em colapso. Entretanto, esta situação é
compreendida dentro do quadro de polarização social e
política do país”.

Poderíamos apontar como aspectos históricos importantes para a


sua eleição, entre outros fatores, a falência do sistema político do
país alicerçado no Pacto de Puntofijo130, a corrupção endêmica e as
elites econômicas insensíveis ao miserável quadro social.
Nesse contexto, o presidente Hugo Chávez soube capitanear os
descontentamentos populares e assumir um projeto duplo — a
“Revolução Bolivariana” — que tem como um objetivo claro o
antiamericanismo, ao mesmo tempo em que propõe uma série de
ações que aumentam a sua influência continental e internacional
no plano externo. No plano interno, atua para a satisfação das
camadas populares por intermédio de políticas públicas sociais de
amplo alcance.
O grande objetivo de Chávez no plano político era superar o
regime político que vigorou desde 1961 e que deu origem à
chamada “partidocracia”, a qual ocasionou a divisão do poder
entre a AD e o COPEI. Para isso deveria existir na Venezuela uma
Democracia Participativa que superaria o predomínio das
estruturas partidárias sobre a participação popular efetiva.

130 O Pacto de Punto Fijo, segundo Maringoni, (...) “tinha a pretensão de reduzir as
diferenças ideológicas e programáticas entre seus signatários e lançar as bases
para uma convergência de interesses que tinha como ponto de apoio o domínio do
aparelho de Estado. Na prática, ele se converteria, mais tarde, num acerto entre AD
(Ação Democrática) e Copei (Comitê de Organização Política Eleitoral
Independente) e um terceiro partido (...). O pacto representou um jeito de
acomodar na partilha do poder as diversas frações da classe dominante, incluindo
aí o capital financeiro, as empresas de petróleo, a cúpula do movimento sindical, a
Igreja e as Forças Armadas”. (...) Op. cit., p. 62.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

No âmbito interno, Hugo Chávez representou a constestação à


tradicional hegemonia das elites venezuelanas conforme declara o
86 sociólogo Antonio Plesmann131:

“A partir de 1999, uma nova elite assumiu o controle da


maior parte das instituições do Estado venezuelano, com o
objetivo claro de construir uma hegemonia alternativa
àquela que existia há 40 anos. O discurso do governo
Chávez mudou bastante nesta década, mas permaneceu
uma constante: a necessidade de fazer da Venezuela um
país igualitário. Trata-se não somente de ganhos no terreno
material, ou seja, alcançar uma igualdade socioeconômica,
mas também da possibilidade para todos de participar na
definição dos assuntos públicos, que é a igualdade política,
e da valorização dos diversos estatutos sociais, ou seja, a
igualdade cultural”.

3.3 - Hugo Chávez e o “Socialismo


Bolivariano”

A revolução bolivariana e a ideia de “Socialismo do Século XXI” são


as duas principais bandeiras defendidas por Hugo Chávez desde
que assumiu a direção da Venezuela no final da década de 1990132.
O líder venezuelano chamou a atenção do mundo e da esquerda
internacional ao defender uma proposta de socialismo diferente
do que havia existido na URSS e no leste europeu e que se
convencionou chamar de “socialismo real”.
Para fazer uma distinção da sua proposta, Chávez denominou o
seu projeto de “Socialismo do Século XXI”. Mas o que seria isso

131 “Participação popular aumentou na Venezuela, mas amigos do rei continuam se


fartando, diz sociólogo”. 19/12/2008.
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/16430/www.derechos.org.
ve> Acessado em 02/01/2012.
132 Chávez saiu vitorioso das urnas com 58,25% dos votos. Os aliados do governo

conquistaram 21 governos estaduais dos 23 em disputa.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

especificamente? Seria uma proposta (mais uma) de reformismo


da teoria marxista?
As análises sobre o projeto chavista são inúmeras. Faremos a 87
partir de agora um “tour” sobre o que dizem os especialistas, tanto
à esquerda com à direita, na tentativa de definir o “novo
socialismo” que está em desenvolvimento na Venezuela.
Por exemplo, sobre as críticas de inconsistência do “socialismo
bolivariano” Oliveira coloca que133:

“Essa aparente falta de consistência e precisão ideológica


tem sido com freqüência, alvo de duras críticas. Grosso
modo, o chavismo, como lembra Agullo (2005), não
obedece claramente a uma cronologia ou hierarquia,
podendo ser exemplificado, seja pelo seu caráter militarista,
nacionalista, socialista, participativo e bolivarista. Se, por
um lado, os chavistas são tidos, muitas vezes, como
―pobres, analfabetos, jovens e simpatizantes de regimes
autoritários (RAMIREZ, 2005:80-82), por outro, vale a pena
lembrar que a base de sustentação do regime tem sido
ampla e heterogênea, incluindo setores de classe média,
novos atores políticos, como os movimentos sociais e
comunitários, abrindo espaço para uma nova cultura
política participativa e solidária”.

Segundo Carlos Cesar Almendra, Chávez teria sido influenciado


por três personagens principais para a história da Venezuela, que
formariam a base teórica do atual momento “revolucionário”
venezuelano:

(...) “1) El Libertador, ou seja, o próprio Simón Bolívar, que


atuou nas lutas pela libertação da Venezuela e Colômbia
(1819), do Equador (1822) e da Bolívia (1825); 2) Simón

133Velhos fundamentos, novas estratégias? Petróleo, Democracia e a Política


Externa de Hugo Chávez (1999-2010). Op. cit., p. 24.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Rodriguez, professor de Bolívar, que na década de 1820


defendia uma educação de caráter igualitária, incluindo aí
88 os filhos de negros e índios, num momento no qual se
mantinha a escravidão.
Defendia também que a América deveria desenhar sua
própria identidade e não simplesmente imitar as grandes
potências; 3) Ezequiel Zamorra, líder popular do século XIX,
tinha um verdadeiro horror à oligarquia e defendia que os
movimentos de camponeses e militares deveriam lutar pela
reforma agrária e pela democracia direta” 134.

Sob tais influências Chávez elaborou uma nova perspectiva para o


socialismo que não deveria repetir os mesmos erros cometidos
pelo processo revolucionário socialista originado a partir de 1917
na Rússia.
A Revolução Bolivariana, segundo Bueno 135, se assenta em três
bases:

“La primera de ellas orientada a la implementación de


nuevas formas de propiedad empresarial promovidas por
el Estado, cooperativas y empresas de producción social;
Seguida por una política denominada “núcleos endógenos
básicos”, en la que el Estado se dedica a la producción
industrial y a la prestación de servicios, previa
nacionalización de empresas del sector privado; La última
relacionada con el establecimiento de programas de
capacitación laboral”.

134 Hugo Chávez e a Revolução Bolivariana na Venezuela. In: IV Colóquio Marx e


Engels do Centro de Estudos Marxistas. Unicamp, p.1, 8-11 de novembro de 2005.
<http://www.unicamp.br/cemarx/ANAIS%20IV%20COLOQUIO/comunica%E7%
F5es/GT4/gt4m3c4.PDF> Acessado em 28/12/2009.
135 Juliana Gutiérrez Bueno.Venezuela en el camino hacia el socialismo del siglo

XXI. La Plata, UNLP/IRI, p.1, 2008.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

O “Socialismo do Século XXI” deveria ser baseado numa proposta


essencialmente democrática e que levaria ao desenvolvimento
econômico e humano. Sendo assim, a base do novo socialismo 89
bolivariano estaria assentada no Conselho Comunal de áreas
urbanas e rurais136.
Nele o processo decisório é feito através de uma assembleia-geral,
fugindo da velha democracia representativa. Vale salientar que
tais conselhos são pequenos, visando facilitar a participação pela
via direta da população. O novo projeto socialista tem como locus
de atuação não mais os níveis municipais ou provinciais, mas o
comunal. O conselho comunal é, portanto, a base do projeto
socialista do século XXI137. Como assinala Lebowitz, a respeito138:

“Depois da reeleição de Chávez em dezembro de 2006,


de uma campanha onde se colocou explicitamente o
tema da construção de um novo socialismo, os
conselhos comunais foram identificados como a célula
fundamental do socialismo bolivariano e a base de um
novo estado. ‘Todo poder aos conselhos comunais’”.

Na mesma linha de análise da importância dos conselhos


comunais para a construção de uma nova sociedade, Seabra
assinala que139:

“Os Conselhos Comunais representam o maior esforço do


governo bolivariano em organzar e incentivar a
participação social. Eles seriam instâncias participativas,
organizadas e articuladas dentro das próprias
comunidades, para que estas exercessem diretamente a
gestão de políticas públicas e projetos pautados nas

136 Michael A. Lebowitz. Venezuela: as lutas na Venezuela pelo socialismo


bolivariano. http://alainet.org/active/22554&lang=es Acessado em 10/06/2010.
137 Idem, ibidem.
138 Idem, ibidem.
139 Raphael Seabra. A revolução venezuelana: chavismo e bolivarianismo. In:
Sociedade e Cultura. Goiania, v. 13, julho/dezembro 2010, p. 214.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

necessidades e prioridades locais. Sua lógica participativa


atravessaria diretamente os níveis estaduais e municipais,
90 estabelecendo não só uma relação direta entre a
organização comunitária e o governo federal, mas também
os mecanismos para sua constituição. Assim, os trâmites
para a formulação de projetos e obtenção de recursos
exigiriam poucas mediações burocráticas”. (...)

Em nossa opinião o processo socialista bolivariano procura,


portanto, colocar em prática a perspectiva de horizontalidade do
processo decisório, retomando o projeto original bolchevique, os
Soviets, na fase inicial da Revolução Russa.
O objetivo primordial é a descentralização do poder e das
decisões140. O socialismo bolivariano deve ser compreendido
dentro uma perspectiva ampla: superestrutura e estrutura141. Ou
seja, alicerçado sobre as transformações econômicas e ideológicas.
Sobre tais aspectos para o líder venezuelano, a revolução possui
“cinco motores” que levarão à construção do socialismo
bolivariano. São eles: a Lei Habilitante142, a reforma socialista da
Constituição, a educação popular (“Moral e Luzes”), a nova

140 Segundo Carlos Romero Mendez, a “Venezuela está tratando de definir un tipo
de democracia participativa directa y plebiscitaria diferente a la tesis
norteamericana de la democracia representativa sin la mediación de
organizaciones intermedias”. Las relaciones de seguridad entre Venezuela y
Estados Unidos: la dimensión global. Caracas, Instituto Lationoamericano de
Investigaciones Sociales, p. 13, 2007.
<http://library.fes.de/pdf-files/bueros/caracas/05549.pdf> Acessado em
10/04/2010.
141 “A metáfora do edifício – base (estrutura) e superestrutura – é usada por Marx e

Engels para apresentar a ideia de que a estrutura econômica da sociedade


(estrutura) condiciona a existência e as formas do Estado e da consciência social
(superestrutura). Uma das primeiras formulações dessa ideia surge na Ideologia
Alemã, onde há referênia à ‘organização social que nasce diretamente da produção
e do comércio, a qual, em todas as épocas, constitui a base do Estado, e do resto da
superestrutura das ideias”. (....) Tom Bottomore (Org.) Dicionário do Pensamento
Marxista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 27, 1988.
142 Foram 49 Leis aprovadas na Assembleia Nacional de grande envergadura

regulando grande parte da vida econômica venezuelana. São as principais: a Lei de


Terra, Lei de Pesca e Lei de Hidrocarburantes.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

geometria do poder e a explosão revolucionária do poder


comunal.
A construção de uma nova sociedade deve abranger toda a vida 91
social, fugindo da lógica societária capitalista. Portanto, a prática
socialista deve ocorrer em todas as esferas da vida, e não ficar
restrita somente aos conselhos comunitários. Desse modo,
existiria um “triângulo elementar do socialismo: as unidades de
propriedade social, a produção social e a satisfação das
necessidades das comunidades”143.
Depois de séculos à margem do processo político e das políticas
sociais, a “Revolução Bolivariana” conseguiu satisfazer, pelo
menos em parte, as necessidades concretas da população mais
pobre.

143 Raphael Seabra. Op. cit.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

92 Por sua vez, no campo econômico, o início do governo Chávez foi


marcado por condições extremamente adversas sob o ponto de
vista econômico. O petróleo, a principal riqueza venezuelana,
possuía o mais baixo patamar nos mercador internacional desde o
segundo choque do petróleo.
Como forma de ilustrar a importância, do petróleo apresentamos
duas tabelas. O gráfico 2 mostra a evolução do preço do barril de
petróleo (óleo cru), fazendo uma comparação que vai do século
XIX até 2009. Pela análise dessa tabela percebe-se que Hugo
Chávez tomou posse em 1999 com o preço do barril de petróleo
abaixo dos USD 20,00 (média mundial/EUA de USD 18,20).
De 1999 até 2009 ocorreu uma recuperação que beneficiou o
governo chavista. O preço do barril teve um aumento acentuado,
superando a barreira dos USD 90,00 entre 2004-2009. Na média o
preço variou entre USD 59/95,00 neste período.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

93

O gráfico 3 aborda a produção petrolífera venezuelana entre em


1979 e 2011. Em 1998 a Venezuela produziu 3,5 milhões/dia de
barris de petróleo e no extremo oposto, a produção despencou
com a atuação da oposição ao governo Chávez e da greve do setor
nos anos 2002/2003.
Para sair da letargia econômica herdada do governo anterior foi
criado o Plano Bolívar 2000 com o objetivo de reativar a economia,
promovendo o aumento da oferta de alimentos, reduzindo a
importação, e com o aumento de emprego no meio rural, além de
integrar as forças armadas no processo de combate à pobreza 144.
Ainda durante os primeiros anos de governo Chávez foi assinada
uma nova Constituição com várias alterações legais de grande
impacto na área social, sendo elas: inserção e reconhecimento dos
povos indígenas, ampliação dos direitos humanos, participação

144SOUZA, Romina B. de Lucena & SOUZA, Nalia de J. Análise de indicadores


econômicos e sociais da Venezuela, 1999/2008. In: Revista de Desenvolvimento
Econômico. Salvador, ano XI, nº 20, p. 31, julho de 2009.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

cidadã no aparelho estatal, mudanças na Lei de Terras com


transferência de terras para cooperativas etc. Entre outras
94 alterações colocadas em prática pela nova Constituição tivemos:

 A eliminação do Senado e a criação de uma


Assembleia unicameral;
 Ampliação do mandato presidencial para seis
anos com possibilidade de reeleição;
 Possibilidade de expropriação da propriedade
privada para uso social;
 Fortalecimento do controle Executivo sobre o
Banco Central da Venezuela;
 Redução da jornada semanal de trabalho, de 48
horas para 44 horas;
 Garantia de saúde, educação e aposentadoria
para toda a população;
 Garantia ao Estado de reservas de petróleo e de
outras atividades estratégicas, com a proibição do governo
vender sua participação acionária na PDVSA145.

Ainda no início do seu primeiro mandato foi criado o Programa


Econômico de Transição 1999/2000. As metas eram “promover o
crescimento econômico sustentado e diversificado; reduzir a
inflação; e aumentar o nível de emprego formal”146.
Com Chávez, o Estado venezuelano tornou-se um importante
agente na promoção do desenvolvimento econômico e social. As
Misiones (Missões) são um exemplo desse processo. As principais
Missões são: Barrio Adentro, Robinson, Mercal, Piar, entre
outras147. As Missões,

145 Ibidem.
146 Ibidem.
147 Barrio Adentro: Convênio entre a Venezuela e Cuba para a atuação de médicos

nos bairros venezuelanos; Robinson: missão educativa com o objetivo de erradicar

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

(...) “promovem estruturas de administração pública


paralelas às tradicionais e alcançam amplos setores 95
populares, além de um terço dos setores médios da
sociedade venezuelana”.148

As Missões têm como objetivo promover o desenvolvimento


econômico e social, ampliando a capacidade produtiva da
população atraés da superação da pobreza149.
As expropriações de fábricas também beneficiaram as camadas
populares, passando-as para controle direto dos operários ou em
regime de cogestão com o Estado. Outro aspecto que demonstrou
a prioridade para os programas sociais foi a utilização da renda
petroleira em políticas públicas, conforme assinala Seabra, ao
dizer que150:

(...) “os recursos provenientes da exploração de petróleo


são redistribuídos socialmente, com a intenção de melhorar
as condições de vida da maioria da população pobre, nos
âmbitos das Missões, na construção de moradias, de
infraestrutura urbana e meios de transportes coletivos. De
outro lado, são distribuídas subvenções às cooperativas e
aos Conselhos”. (...)

Com tais políticas públicas sociais, Chávez conseguiu montar o seu


bloco histórico embasado agora, nas camadas mais pobres da
população, que reconheceram no mandatário o seu representante
legítimo.

o analfabetismo; Mercal: construção de armazéns e supermercados com alimentos


de primeira necessidade subsidiados; Piar: criação de cooperativas e comitês para
a construção de casas.
148 Op. cit., p. 214
149 Análise de indicadores econômicos e sociais da Venezuela. Op. cit., p. 31.
150 Ibidem, p. 218.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

O sucesso das políticas públicas resultou em grandes avanços


sociais. Em 1999, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas da
96 Venezuela, 20,1% da população venezuelana vivia na extrema
probreza. Em 2007, o percentual havia encolhido para 9,5%.
Ainda em 1999, o percentual de pobres era de 11 milhões de
pessoas (50,5%) e foi reduzido para 31,5%.
A seguir, apresentamos as tabelas 11, 12 e 13, que traduzem a
atuação do governo Hugo Chávez na área social. O aumento dos
investimentos é notório e colaboram para o apoio popular ao seu
governo desde 1998.
Na tabela 11 podemos verificar o aumento do gasto público a
partir da chegada de Chávez ao poder. O chamado “gasto social”
saltou de 34,7% em 1998 para 44% em 2006.
Com atuação essa inédita até então para as camadas pobres,
Chávez realizou uma grande transformação social. Os programas
sociais sob controle da Presidência da República passaram a ser
financiados com a receita excedente do petróleo, garantindo uma
maior eficiência nos seus resultados.

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

97

As tabelas 8 e 9 demonstram que os investimentos sociais


proporcionaram melhorias importantes na vida da população
venezuelana. Na tabela 12, por exemplo, a situação de domicílios
em pobreza e extrema pobreza sofreram reduções importantes: a
pobreza caiu de 55,6% (1997) para 27,5% (2007). A extrema
pobreza caiu de 25,5% (1997) para 7,6% (2007).
O número de pessoas em extrema sofreu uma redução acentuada:
de 29,5% (1997) para 9,4% (2007). Na tabela 13, verificamos a
queda do IDH entre os anos 1990 e 1998: de 0,82 para 0,69. A
partir de 1999 o IDH alcança 0,75 e chega a 0,88 em 2007.
Contudo, a hegemonia conquistada por Hugo Chávez sofreu e
sofre resistências, tanto de ordem interna ao movimento
bolivariano como de setores que perderam as benesses
econômicas e políticas históricas. Como exemplo, podemos citar o
fracassado golpe de Estado, em abril de 2002, que chegou a
afastar Chávez do poder por 48 horas.
Ainda em 2002, os velhos setores privilegiados da Venezuela
organizaram um locaute contra o governo bolivariano, liderados
pelos empresários da Fedecámaras e pela direção da PDVSA. A
greve patronal durou 62 dias e ocasionou a perda de 24% do PIB,
provocando o desabastecimento de alimentos e combustíveis. O

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

objetivo dos setores conservadores era provocar a renúncia de


Hugo Chávez.
98 Com o fim da greve na PDVSA o governo venezuelano demitiu 18
mil funcionários e assumiu o controle da estatal, que funcionava
como um Estado dentro do Estado.

A construção do socialismo bolivariano continua dentro de um


processo dialético permanente e dentro da lógica, ainda presente,
do capitalismo. A criação de um modelo alternativo ao imperativo
sistêmico atual envolve uma série de dicotomias importantes.
Apesar de que para alguns analistas, Chávez nada mais faz do
utilizar meios já conhecidos de tentar um desenvolvimento que a

O Caso Venezuelano
Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo

priori não é possível sem a participação dos países centrais. Nesta


direção Mendez diz que151,
99

“El gobierno del presidente Chávez revivió en el país la


visión estructuralista y anticapitalista que genera la tesis
del desarrollo endógeno, del fortalecimiento del Estado
como instrumento central de desarrollo, del
proteccionismo a la industria nacional y de la
profundización del Estado socialista, formándose así un
paquete ideológico “anti-occidental” configurado en una
visión del mundo basada en las tesis de la rivalidad entre el
centro y la periferia y en la lucha antiimperialista”.

151 Ver Carlos Romero Mendez. Op. cit. p. 12.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


4
A Atuação Antissistêmica da
Venezuela
Charles Pennaforte

4.1 – Os EUA e a América Latina: a Política


Externa de Washington
102

Para facilitar a compreensão da origem de uma atuação que possa


ser qualificada como antissistêmica da Venezuela, faremos uma
retrospectiva histórica da atuação diplomática e militar norte-
americana sobre o continente.
A política externa de Washington para a América Latina, desde o
final séc. XIX, sempre foi baseada na manutenção de governos
subservientes aos seus interesses 152.
A América Central e o Caribe sempre estiveram sob controle
direto de Washington por estarem situadas sob o ponto de vista
geoeconômico em sua “periferia-imediata”. A América do Sul, por
outro lado, se configuraria como uma “periferia-distante”.
Ao longo da história, Washington sempre trabalhou para manter o
continente sob sua área de influência, como assinala Santos 153:

(...) “Pode dizer que os interesses norte-americanos na


região sempre se moveram de acordo com suas
preocupações em relação à segurança nacional, às políticas
domésticas e aos interesses econômicos de suas empresas,
configurando uma história de mudanças periódicas e
cíclicas, com continuidades e modificações dependendo de
variáveis como o volume de negócios, o grau de adesão das
elites latino-americanas, a resistência de vários segmentos
latino-americanos, a importância de um determinado país

152 “Las relaciones entre Estados Unidos y América Latina estuvieron determinadas
por la Doctrina Monroe durante unos 150 años. La relación durante este largo
periodo, que incluye la mayoría del siglo XIX hasta 1970, se basó en la asunción de
que Estados Unidos era el primordial socio de América Latina, acaso el único
relevante, y, por tanto, las negociaciones debían fundarse con base en los intereses
norteamericanos”. Torrijos, R. Vicente. Nuevas perspectivas en las relaciones
internacionales entre Estados Unidos y América Latina. Revista de Relaciones
Internacionales, Estrategia y Seguridad, Junio, 2009, p. 18.
153 Marcelo Santos. O Poder Norte-Americano e a América Latina no Pós-Guerra

Fria. São Paulo, AnnaBlume/FAPESP, pp.19-20, 2007.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

no sistema de segurança hemisférica, etc. Por essas razões


que a diplomacia norte-americana nem sempre tratou as
distintas regiões da América Latina de forma homogênea”. 103

Se no século XIX a preocupação era com os “forasteiros” europeus,


no século XX foi a Guerra Fria. O principal inimigo passou a ser o
comunismo e seus “representantes” no continente. Sob a desculpa
de combater a “ameaça comunista”, Washington implementou,
pós-45, uma nova ofensiva de desestabilização política contra
governos latino-americanos que apresentassem medidas ou
posições qualificadas como “antiamericanas”. Vale ressaltar que as
“medidas antiamericanas” poderiam ser qualquer atitude de
defesa dos interesses econômicos, políticos etc., da própria nação
acusada. Tal como, por exemplo, a proteção de sua indústria.
Sob o ponto de vista histórico, essa postura intervencionista
ganhou forma na administração de Theodor Roosevelt (1901-
1909), que abandonou o “isolacionismo estratégico”. O Corolário
Roosevelt à Doutrina Monroe, em 1904, permitiu a Washington o
direito de intervenção e interferência em toda a América Latina.
Os países latino-americanos deveriam ser “comportar de maneira
correta”, caso contrário sofreriam a atuação norte-americana
direta (invasões) ou indireta (pressão política e/ou econômica). O
país defensor da democracia demonstrava para o mundo o quanto
eram importante, os seus “valores democráticos”. Na prática:

“O Corolário Roosevelt consagrou a diplomacia do Big Stick


que envolve a utilização de intervenções militares
estratégicas no sentido de garantir interesses econômicos,
políticos e de segurança no continente. Trata-se de uma
diplomacia agressiva, envolvendo métodos de força bruta e
até mesmo a derrubada de governos” 154.

154 Op. cit., p.28.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Contudo, a atuação norte-americana já ocorria antes do


Corolário Roosevelt, mais precisamente em 1898. A Guerra
104 Hispano-Americana proporcionou a supremacia de Washington
sobre Cuba, Filipinas e Porto Rico. O Haiti, em 1902, já havia sido
obrigado pelos EUA a pagar sua dívida aos credores do Velho
Mundo. Neste mesmo ano foi aprovada a Emenda Platt, que
permitia aos EUA a intervenção direta em Cuba caso a situação
política não agradasse Washington.
No ano seguinte, o Tio Sam atuava na separação do Panamá da
Colômbia. Isso abriria o caminho para o controle estadunidense
sobre o Canal do Panamá. Em 1903, os EUA “ganharam” o direito
de instalar uma base militar em Guantânamo (Cuba).
Do final do século XIX até os anos 1930, o Caribe e a América
Central sentiram literalmente o “porrete” estadunidense sobre
suas cabeças: Costa Rica, Cuba, Guatemala, Haiti, Honduras,
Nicarágua, Panamá e República Dominicana.
No pós-guerra, quando a ideologia socialista ganhou força no
então chamado Terceiro Mundo, os estadunidenses colocaram em
andamento sua política intervencionista. Com o avanço dos
movimentos sociais e políticos na região cobrando mudanças nas
arcaicas estruturas socioeconômicas dos países latino-
americanos, a política externa de Washington tornou-se mais
incisiva e agressiva.
A possibilidade de ascensão de grupos políticos fora do tradicional
espectro de direita ocasionou intervenções militares norte-
americanas marcantes na América Latina. Entre elas a intervenção
na Guatemala, em 1954, onde a CIA derrubou Jacob Arbenz; dez
anos, depois outra intervenção, agora no Panamá. Em 1965 foi a
vez da República Dominicana ser invadida e depois, talvez a mais
importante de todas as intervenções, agora “política”: a derrubada
de Salvador Allende em 1973 pelo golpe de estado de Augusto
Pinochet, com atuação direta da CIA.
Vale mencionar ainda a participação dos EUA nos golpes militares
da Argentina (1962, 1966 e 1976); na Guatemala, Equador e
Honduras (1963); no Brasil (1964), Chile e Uruguai em 1973.
Com a Revolução Cubana de 1959, a contra-insurgência

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

patrocinada pelos EUA ganhou níveis elevados, principalmente


com o financiamento do aparato repressivo na América Latina.
Não devemos esquecer a atuação de Washington 155 em parceria 105
com os contras na Nicarágua, a partir de 1979, e em El Salvador
(década de 1980), quando a FMLN contou com oposição militar
ferrenha patrocinada pelos EUA, cujas tropas ficavam alojadas na
fronteira hondurenha.
Com a redemocratização do continente, a partir dos anos 1980, e a
diminuição do “ímpeto comunista” através do assassinato e
repressão em massa dos opositores, o controle dos EUA começou
a afrouxar. A chegada de Mikhail Gorbatchov ao poder na URSS, e
a colocação em prática da Perestroika (Reestruração) e da
Glasnost (Transparência), foram recebidas com entusiasmo por
Washington.
Com a renúncia de Moscou em apoiar novos governos a ser
tornarem comunistas, ou pelos menos apoiar os movimentos que
fossem bem-sucedidos, os EUA notaram que ficariam com o
controle geopolítico da América Latina. Em tempos de pós-Guerra
Fria, a região começou a perder sua importância (se é que o foi
realmente efetivamente alguma vez), e os EUA direcionaram-se
para o Oriente Médio, região rica em petróleo, e de grande
importância estratégica
Com a transição para a democracia em todo o continente nos anos
1980, a Esquerda latino-americana começou a se reorganizar para
a luta institucional que começaria a ocorrer na década seguinte. A
eleição de George W. Bush (2001-2009) e a sua preocupação total
com o Oriente Médio permitiram a ascensão política da Esquerda
em toda a América Latina156.

155 O governo Ronald Reagan (1981-1989) atuou de maneira decisiva contra os


governos e movimentos esquerdistas na América Central durante o seu mandato.
Em termos globais acentuou a corrida armamentista com o objetivo de
enfraquecer o comunismo, segundo ele, o “Império do Mal”.
156 “Algunos sugieren que estados Unidos se olvidó de América Latina, lo cual no

tiene mucho asidero ni en tiempos pretéritos ni en lo que respecta a las


administraciones desde Bill Clinton hasta Barack Obama. Lo que sucede, en
consecuencia con el planteamiento del Consejo de Relaciones Internacionales
Exteriores, es que los pilares de las relaciones entre Estados Unidos y América

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

A vitória dos governos progressistas também deve ser


compreendida como um processo natural da falência do
106 neoliberalismo no continente. Os efeitos foram analisados no
capítulo anterior.
Como resultado histórico, o legado deixado pelos EUA com a sua
política externa intervencionista marcou profundamente a vida
social, política e econômica latino-americana. Deste modo, é
inevitável que os governos que se configurem como
antissistêmicos levassem em consideração esse passado
intervencionista histórico e procurem diminuir ou até mesmo
romper com a influência norte-americana.

4.2 – A Venezuela Antissistêmica

A utilização da teoria gramsciana para explicar o atual papel da


Venezuela está baseada no seu trabalho pioneiro e de renovação
da análise do capitalismo. Entendemos como “renovação” uma
abordagem que agrega à “questão econômica”, aspectos sociais e
políticos para a compreensão da sociedade capitalista dentro dos
marcos do materialismo-histórico.
A consolidação do seu bloco histórico permitiu a Hugo Chávez
alçar novos voos no cenário internacional. Por apresentar um
papel pró-ativo no que tange à sua desenvoltura no cenário
internacional e latino-americano, a Venezuela passou a
desempenhar um papel antissistêmico.
O caráter antissistêmico venezuelano refere-se a sua postura
antiimperialista, antiamericana e “piemontesa”. O “fator
piemontês” deriva do processo que ocorreu com o Estado do
Piemonte durante a unificação italiana, no século XIX, e foi
analisado por Antonio Gramsci157. Na prática, a função piemontesa
corresponderia a um Estado que toma as rédeas do processo,

Latina no se han adaptado a las nuevas realidades, al punto de permitir el


surgimiento de un sentimiento anti-americano que no tenía precedente en la
región”. Torrijos, R. Vicente, Op. cit., p. 18.
157 Cadernos do Cárcere – 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

deixando em segundo plano as iniciativas originadas pelos grupos


sociais.
Como assinalou Gramsci, “A função do Piemonte no Risorgimento 107
italiano é a de uma ‘classe dirigente” 158. O pensador italiano, ao
analisar a realidade da formação do novo Estado nacional italiano
apontou a existência de núcleos políticos que não eram na
realidade dirigentes e nem queriam tal função. Segundo
Gramsci,159

(...) queriam que uma força nova, independente de qualquer


compromisso e condição, se tornasse o árbitro da Nação:
esta força foi o Piemonte (...).

O Piemonte foi comparado por Gramsci 160a um “partido” —


desempenhando tal função. Ao olharmos o atual processo de
atuação da Venezuela, defendemos que o país possui uma
perspectiva muito próxima na América Latina: uma nação que
atua como um “líder”, um Estado com essa função. Ou seja, o que
denominaríamos uma Venezuela Piemontesa.
Como exemplo temos a liderança da Venezuela na América Latina
dentro da ALBA-TCP, com os países membros passando a aceitar
as diretrizes econômicas e ideológicas do país, renegando a
tradicional influência oriunda de Washington.
Outro conceito importante utilizado pelo pensador italiano em sua
elaboração teórica englobou também o processo de “revolução
passiva”. Este conceito é de grande importância para o
entendimento da Venezuela Piemontesa. Para Gramsci161:

158 Ibidem, p. 328.


159 Ibidem, pp. 328-329.
160 Ibidem, p. 329. Segundo Gramsci, “(...) O Piemonte, portanto, teve uma função

que, sob certos aspectos, pode ser comparada à do partido, isto é, do pessoal
dirigente de um grupo social (e, com efeito, sempre falou de um “partido
piemontês”); com particularidade de que se tratava de um Estado, com um
exército, diplomacia, etc”.
161 Ibidem, pp.321-322.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

“O conceito de ‘revolução passiva’ deve ser deduzido


rigorosamente dos princípios fundamentais de ciência
108 política: 1) nenhuma formação social desaparece enquanto
as forças produtivas que nela se desenvolveram ainda
encontrarem lugar para um novo movimento progressista;
2) a sociedade não se põe tarefas para cuja solução ainda
não tenham germinado as condições necessárias, etc.
Naturalmente, estes princípios devem ser, primeiro,
desdobrados criticamente em toda a sua dimensão e
depurados de todo resíduo de mecanicismo e fatalismo.
Assim, devem ser referidos à descrição dos três momentos
fundamentais em que se pode distinguir uma “situação” ou
um equilíbrio de forças, com o máximo de valorização do
segundo momento, ou equilíbrio das forças políticas e
especialmente do terceiro momento, ou equilíbrio político
militar”. (...)

A revolução passiva corresponderia à atuação de líderes


carismáticos que em função da fraqueza política da sociedade
para superar o status quo, tornaram-se os “guias” do processo de
transformação sem a necessidade de revoluções sociais clássicas.
A participação de Hugo Chávez162 estaria então, em nossa
perspectiva, incluídano processo de transformação da Venezuela
como revolução passiva.
Apesar das lutas políticas ocorridas na Venezuela durante toda a
história, somente Chávez conseguiu de forma personalista alterar
a correlação de forças historicamente favoráveis às elites
venezuelanas.
Gramsci também avaliou a “orientação política” das revoluções
passivas. Para o autor poderiam ser reacionárias ou progressistas.
O tutelamento dos movimentos sociais por líderes ocasionaria o
surgimento do cesarismo (líderes com grande força política) a ou o

162 (...) O impasse resultante com as classes sociais tradicionalmente dominantes


criou as condições do que Gramsci chamou de “revolução passiva”: a introdução de
mudanças que não envolveram nenhuma sublevação de forças populares. Cox, Op.
cit., p. 108.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

transformismo (através da formação de alianças políticas de amplo


espectro)163.
O caso venezuelano se aproximaria mais do cesarismo 109
progressista ao estabelecer uma linha de atuação política que tem
como objetivo satisfazer os anseios da população mais pobre do
país e criar um novo paradigma político para a Venezuela.
A sua atuação no cenário continental, bem como sua influência na
política doméstica de vários países da região, demonstrou o
interesse de Chávez de criar um ambiente favorável para o seu
plano geopolítico, antissistêmico e antiamericano.
O que demonstra o caráter antissistêmico da Venezuela é a
formulação de uma “contra-agenda” de caráter tanto regional
como global, que está baseada em quatro pontos 164, sendo eles:

 A busca de uma ordem multipolar;


 A promoção da democracia participativa como
modelo;
 Ênfase na integração regional sem a influência
dos EUA e
 Uso da capacidade energética do país como
instrumento de sustentação geopolítica.

163 De acordo com a análise gramsciana, um exemplo típico de revolução passiva é


o cesarismo: um forte intervém para resolver o impasse entre forças sociais
equivalentes e opostas. Gramsci admitia a existência tanto de forma progressistas
quanto reacionárias de cesarismo: progressistas, quando o governo forte preside
um processo mais ordenado de criação de um novo estado; reacionárias, quando
estabiliza o poder existente. Napoleão I foi um caso de cesarismo progressista, mas
Napoleão III – o exemplo clássico de cesarismo reacionário – era mais
representativo do tipo com maior probabilidade de surgir no decorrer de uma
revolução passiva.
Além do cesarismo, a segunda característica mais importante da revolução passiva
da Itália é o que Gramsci chamou de transformismo, exemplificado na política
italiana por Giovanni Giolitti, que procurou fazer uma coalizão de interesses mais
ampla possível e que dominou a cena política nos anos que precederam o fascismo.
(...) Ibidem, p. 109.
164 Carlos Romero Méndez. Op. cit., p. 11.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


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Acrescentamos aos quatro pontos acima mais um: a influência


ideológica. Com a utilização do legado teórico e político de Símon
110 Bolívar e da proposta do “socialismo do séc. XXI”, a Venezuela
fornece uma alternativa ao status quo econômico e político
continental.
A Venezuela passou a liderar vários países na América Latina
valendo-se de sua grande capacidade econômica derivada do
petróleo. A sua “diplomacia petroleira” permitiu uma maior
desenvoltura para colocar em prática o seu projeto geopolítico.
Apesar dos países “liderados” possuírem uma pequena ou nula
influência na geopolítica latino-americana (como por exemplo,
Cuba, Equador e Bolívia) tal liderança passou a apontar para uma
“divisão de poder” no continente a partir de uma retórica anti-
imperialista.
O que chamaríamos de postura pró-ativa para a Venezuela
liderada por Hugo Chávez, deve ser entendida dentro de uma
perspectiva de atuação mais incisiva na América Latina e de
enfrentamento aos EUA.
Logicamente sabemos das dificuldades e das contradições de um
projeto de tal natureza 165. Contudo, apesar de tais dificuldades é
possível estabelecer uma linha de atuação dialética que permita à
Venezuela colocar em prática o seu modelo.

4.3 - A Política Externa de Chávez: Uma


Visão Geral

A compreensão da atuação antisssistêmica da Venezuela está


relacionada ao desenvolvimento da política externa levada a cabo
pelo governo Hugo Chávez. O papel venezuelano no cenário

165 Faremos uma análise detalhada no próximo capítulo sobre o tema.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

internacional é motivo de inúmeras análises favoráveis ou


contrárias de especialistas166.
A política externa de Caracas provoca grande preocupação em 111
Washington e nas elites conservadoras latino-americanas pela
postura pró-ativa e desafiadora da República Bolivariana ao
tradicional status quo regional comandado pelos EUA 167.
Desde 1999, o país vem construindo um arco de alianças
estratégicas que aumenta a atuação do país no cenário
internacional e o seu prestígio. Ao mesmo tempo, vem ocupando o
vácuo político deixado na última década por Washington. Na
prática,

[a] “Venezuela há empreendido una política exterior que


tiene como uno de sus objetivos centrales construir uma
política de alianzas, em particular uma política de alianzas
anti-estadounidense que se define com el instrumento
central para disminuir la dependencia de estados Unidos,
para impulsar um nuevo mapa geopolítico internacional y
para impulsar um nuevo liderazgo mundial” 168.

Não devemos esquecer que a atuação mais “desafiadora” da


Venezuela (bem como de outros governos) na América Latina,

166 “En el siglo XXI, se asoma el fantasma del totalitarismo, presuntamente


erradicado tras la derrota de la Alemania Nazi y la caída de la Rusia soviética, en la
figura del líder populista que promete bienestar generalizado, justicia y equidad. El
mundo de pos-guerra fría es un mundo en el que la democracia se encuentra
amenazada”. Torrijos, R. Vicente, Op. cit., p. 17.
Inúmeros jornais latino-americanos colocam Hugo Chávez como um “ditador”,
“déspota” etc. A imprensa norte-americana segue a mesma lógica, contudo mais
“radical” ao retratar o presidente venezuelano como um “usuário de drogas” e
“narcotraficante”. O documentário Ao Sul da Fronteira de Oliver Stone faz um
resumo interessante das notícias disseminadas nos EUA pela “grande mídia” sobre
Hugo Chávez. Outra análise sempre desfarovável ao líder venezuelano é de
Norman Gall diretor executivo do Instituto Fernand Braudel.
167 La política exterior de la Venezuela Bolivariana. Working paper nº 4, julio de

2010. www.plataformademocratica.org
168 Carlos Romero Méndez. Las relaciones de seguridad entre Venezuela y Estados

Unidos: la dimensión global. p. 19.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

reflete o enfraquecimento da posição ideológica e política dos


EUA, principalmente durante a administração George W. Bush.
112 Sob o Pacto de Pontofijo a Venezuela manteve o seu processo
democrático livre da ingerência direta norte-americana, ao
mesmo tempo em que se manteve alinhada à Washington,
principalmente no combate ao comunismo. Como assinalam
Saraiva e Briceño Ruiz,

(...) “A política externa venezuelana foi expressão do


sistema de conciliação de elites que, no cenário
internacional, propunha objetivos similares aos que o Pacto
de Punto Fijo buscava a nível doméstico. Isto explica a
permanência de metas como o compromisso com a
consolidação da democracia, a constante busca da
conciliação, do consenso e do compromisso, e a consciência
de interdependência, especialmente em relação aos Estados
Unidos” 169. (...)

Voltando um pouco no tempo, Vizentini assinala que a Venezuela,


durante o seu desenvolvimento histórico enfrentou alguns
problemas com a população pequena e mal distribuída em seu
território, bem como o predomínio da atividade agrária. Tais
aspectos dificultaram a formação de uma política externa coerente
e de projeção. Para Vizentini,

(...) “a Venezuela foi um ator bastante modesto nas relações


internacionais, perdendo, inclusive, boa parte do território
nacional para os Estados vizinhos e para a potência colonial
inglesa, através da demarcação desfavorável das fronteiras
contestadas”170.

169SARAIVA, Miriam Gomes; BRICENO RUIZ, José. Argentina, Brasil e Venezuela: as


diferentes percepções sobre a construção do Mercosul. Rev. bras. polít. int.,
Brasília, v. 52, n. 1, Junho 2009.
170 VIZENTINI, Paulo. A política externa da Venezuela. In: Venezuela – Visões

brasileiras. Brasília, IPRI/FUNAG, 2003, p. 58.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

A riqueza petrolífera é um bem que coloca a Venezuela em uma


situação privilegiada e, a partir dos anos 1960, proporcionou ao 113
país as condições necessárias para manter sua autonomia.
O petróleo foi descoberto em 1878 na província de Táchira. No
início do século XX, o consórcio Royal Dutch Shell deu início à
exploração petrolífera no lago de Maracaibo, abrindo a exploração
do petróleo venezuelano às empresas estrangeiras. Apesar das
facilidades administrativas e fiscais, o Estado venezuelano
manteve-se como dono de toda a riqueza. No final de 1920, a
Venezuela produzia 137 milhões de barris de petróleo contra
quase 1,5 milhão de barris do início da década. O país tornou-se o
segundo produtor mundial, atrás dos EUA.
Sob o ponto de vista histórico, a diplomacia venezuelana foi
influenciada pela sua posição colonial e periférica na estrutura
espanhola. Assim, o petróleo contribuiu para reverter ese quadro,
pois o recurso:

(…) “ha sido el principal vehículo para la inserción de


Venezuela en las relaciones internacionales
contemporáneas. Este factor ha promovido a su vez una
cultura política considerada como reguladora de la
actividad privada, promotora de la dependencia de la
sociedad del Estado y vulnerable ante las oscilaciones de
los precios del barril del petróleo”171.

A farta disponibilidade de petróleo transformou o país no


principal exportador continental da matéria-prima, e os governos
pré-chavistas sempre viram a política externa regional como “um
instrumento básico na busca do desenvolvimento econômico, o
que produziu atritos com os países hegemônicos, em particular os

171 Ibidem.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

EUA”172. Gratius e Fürtig assinalam a real dimensão da Venezuela


bolivariana. Segundo eles:
114
“Venezuela is the only petro-state in Latin America and
sixth largest oil producer in the world. Oil has been the
main resource to finance Hugo Chávez’ fourth ‘Bolivarian
Republic’ of Venezuela based on a strong state ande
centralisation of politics in the hands of president. Under
his presidency, Venezuela developed regional and even
global power ambitions for the first time in its history,
despite the country’s limited size and power resources” 173.

No século XX, a política externa venezuelana pré-chavista


caracterizou-se pela sua atuação no Movimento dos Países Não-
Alinhados e por uma autonomia diplomática considerável, ao
mesmo tempo logrando boas relações com os EUA174. Como
afirma Carlos A. Romero,

“A raíz de la restauración de la democracia en el país en el


año 1959, los gobiernos de Acción Democrática y de COPEI
sostuvieron una diplomacia activa que llevó a muchos a
pensar que se sobredimensionaba la presencia mundial
venezolana, por la actuación en las Naciones Unidas, por la
participación de Caracas en la creación y desarrollo de la
Organización de Países Exportadores de Petróleo, OPEP, y
por el impulso al mecanismo de integración económica y
comercial conocido como el Acuerdo de la Junta de
Cartagena, (hoy denominada como la Comunidad Andina de
Naciones). A esto se le debe agregar el acercamiento de

172 (...) [a] “conversão da política externa em instrumento básico de busca do


desenvolvimento econômico, o que produziu atrtos com países hegemônicos, em
particular os EUA, e a formação de uma diplomacia mais autônoma (também uma
forma de barganha)”. Franklin, Cleber Batalha. Segurança e defesa nas relações
entre o Brasil e a Venezuela. Caxambu: 30º Encontro Anual ANPOCS, p. 22, 2006.
173 Susanne Gratius e Henner Fürtig. Iran and Venezuela: bilateral alliance and

global power projections, Fride. Comment, April 2009.


174 Vizentini, Paulo. Op. cit., p. 57.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

Venezuela al Movimiento de Países no Alineados y la


procura de un nuevo orden internacional y de un diálogo
Norte-Sur”175. 115

Segundo Carlos A. Romero não haveria necessariamente nenhuma


postura nova na atual política externa bolivariana como pudemos
observar acima. A Venezuela sempre possuiu uma autonomia
considerável na elaboração de sua atuação internacional desde
1959. Contudo, o autor enfatiza que:

“A nuestro entender, Venezuela atraviesa una “situación


revolucionaria”, lo que lleva a que la política exterior del
gobierno del presidente Chávez no sea la misma de los que
le precedieron. En efecto, el activismo de Venezuela se
observa de manera tridimensional: en el manejo de las
relaciones bilaterales, de las relaciones multilaterales y de
las relaciones transnacionales”176.

Em linhas gerais o “ativismo” da política externa venezuelana


atual é uma característica desde os anos 1960. O que teria
“mudado” é a forma como a Venezuela procura a sua inserção
internacional nos últimos anos sob o governo Chávez. A política
externa posta em prática a partir de Caracas configura-se de
acordo com Carlos A. Romero como177:

(...) un modelo político que se sustenta en la construcción


de una visión del mundo en donde el enfoque ‘amigo-
enemigo’ de la política, el uso indiscriminado de la tesis
sobre la ‘voluntad de la mayoría’ y el afán de promocionar
un ‘paquete ideológico’ radical, se han mezclado con
tradiciones nacionales con el activismo internacional y el

175 La política exterior de la Venezuela Bolivariana. Working paper nº 4, p. 4, julio


de 2010. www.plataformademocratica.org
176 Ibidem. p. 2.
177 Ibidem.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


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presidencialismo, en una oferta que ha contado con un


poderosos verbo y una capacidad de gasto público que
116 contempla importantes programas sociales”.

Saraiva e Briceño Ruiz também observam que:

“A política externa dos governos venezuelanos entre 1958 e


1998 esteve delimitada pela condição de país ocidental,
democrático e petroleiro, que começou a receber
importantes recursos desde o primeiro boom do petróleo
da década de 1970. Estes fatores determinaram as
prioridades geográficas de sua política externa, na qual os
Estados Unidos apareciam como um parceiro natural na
defesa da democracia e com o qual a Venezuela poderia
partilhar uma estratégia assitencialista no Caribe com
vistas a evitar a expansão do Comunismo” 178. (...)

Em nossas análises, a política externa venezuelana não deve ser


compreendida através da abordagem utilizada por Carlos A.
Romero, que contempla a ideia de um binômio “amigo-inimigo”
para o a movimentação do país no sistema internacional. Sob tal
prisma, o “inimigo” no cenário internacional e latino-americano da
Venezuela bolivariana na atualidade é conhecido de forma muito
clara: os EUA.
Devemos assinalar que o imperialismo estadunidense sempre
atuou na construção de uma dimensão antidemocrática da
América Latina, apesar da ideologia propalada dizer o contrário.
O apoio aos golpes militares e todos os tipos de ação colocados em
prática por Washington na perspectiva de impedir a ascenção de
movimentos sociais progressistas (se levarmos em conta somente
o século XX), por si só, colocam os EUA senão como “inimigos”,

178 SARAIVA, Miriam Gomes; BRICENO RUIZ, José. Op. cit.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

mas como obstáculo concreto para a democracia na América


Latina179.
Contudo, por mais que tal afirmação soe como um discurso 117
“esquerdista”, como certamente apontariam os “liberais e
democratas”, a história latino-americana mostra o quanto foi
nociva a atuação dos EUA, colaborando contra a construção de
sociedades realmente mais justas e democráticas.
De realmente novo na Venezuela, em nossa concepção, seria um
governo de esquerda sem nenhuma ligação com as tradicionais
oligarquias venezuelanas e seus interesses particulares, além da
vinculação ideológica e política com Washington. Outro aspecto
importante é a conduta coerente da Venezuela na criação de um
bloco de países que estão abrigados em uma organização, a ALBA-
TCP, que segue um projeto político e ideológico coerente (o
bolivarianismo e a construção do socialismo do séc. XXI).
Concordamos com Carlos A. Romero quando ele assinala que:

“Pero hay otro proceso histórico que sí es novedoso: la


llegada de un gobierno de izquierda al poder en Venezuela
en 1999, que ha mantenido el activismo internacional de
los gobiernos anteriores, profundizando su presencia
mundial y apoyándose en las corrientes radicales de
izquierda, marxistas y no marxistas que como un todo se
han presentado como un pensamiento diferente a las ideas
liberales. Por ello, la consolidación de la experiencia
chavista ha originado una política exterior bifrontal, basada
en su poder económico y en su compromiso
revolucionario”180.

A Venezuela, enquanto ator interestatal, em nossas análises se


enquadraria no modelo teórico dos movimentos antissistêmicos
proposto por Arrighi (quarto pilar) no qual “uma reduzida
capacidade dos Estados para controlar suas respectivas

179 Mencionamos os assassinatos, tentativas assassinatos, conspirações, apoio a


grupos de desestabilização de regimes democraticamente eleitos, torturas etc.
180 Op. cit., p. 4.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

sociedades civis e associadas a crise (...)” 181, permitiria o


surgimento de movimentos que não poderiam ser controlados
118 pelas tradicionais estruturas políticas de poder. Seguindo ainda a
proposição dos movimentos antissistêmicos, encontraríamos o
quinto aspecto abordado no capítulo 3: a inserção social das
classes menos favorecidas dentro do próprio sistema não garantiu
as condições mínimas de sobrevivência digna para essas pessoas.
Foram as condições históricas que permitiram um ambiente
doméstico de apoio a Hugo Chávez, facilitando colocar em prática
sua política externa. No início do século XXI, Hugo Chávez deu
início a uma alteração da política externa venezuelana que
contempla em nossa visão os seguintes pontos:

 Aumento da influência ideológica, através da


divulgação de uma “visão latino-americana” de mundo e
difusão dos “valores bolivarianos”182;
 Liderança nas posições antiamericanas nos
fóruns internacionais;
 A defesa deum mundo multipolar sem a
supremacia norte-americana;
 Criação de um bloco econômico (ALABA-TCP)
que apresenta fortes componentes de sinergias política e
social;
 Utilização natural dos recursos petróleo para
alcançar um papel proeminente no processo integração
financiando os países que se incorporem ao processo.

181 Antisystemics movements. Op. cit., pp.103-106.


182 Um exemplo da proposta de diminuir a influência ideológica da tradicional
mídia internacional baseada nos EUA, por exemplo, e oferecer informações a partir
dos países do continente. Para isso, foi criada em 24 de julho de 2005 o canal de TV
TELESUR (La Nueva Televisora del Sur) através de uma ideia inicial do presidente
venezuelano Hugo Chávez. Além da Venezuela, os países fundadores da emissora
foram a Argentina, Cuba e Uruguai. Juntaram-se posteriormente a Bolívia (2006), o
Equador e a Nicarágua (2007). Sob o slogan “Nosso Norte e o Sul”, é possível ter a
ideia da proposta da emissora na contra-ideologia aos canais sediados nos países
centrais, especificamente nos EUA.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

Logicamente trata-se de um enfrentamento à agenda hemisférica


norte-americana que inevitavelmente provoca choques entre
Washington e o Palácio de Miraflores. 119
O projeto bolivariano é extremamente coerente na criação de
novas formas de atuação no sistema internacional com a
diminuição da influência dos EUA no continente e o novo
posicionamento da Venezuela no cenário internacional 183. Como
assinalou o chanceler do país Nicolás Maduro:

“Nosotros sabemos que la conquista del mundo pluripolar


depende en buena medida de la articulación de nuevos
liderazgos que hay en el Sur. Una articulación concreta, en
base a esos proyectos, en base a construcción del Banco del
Sur, la nueva arquitectura financiera del desarrollo de los
países del Sur, en base a la construcción de un nuevo
modelo de comercio justo entre las naciones, en base de un
nuevo modelo de intercambio de tecnología y de
reindustrialización de los países del Sur, en base a una
nueva concepción de integración políticos. Sabemos que
eses liderazgos están a prueba y sabemos que el gran reto
es que tengan éxito en la construcción de los elementos que
a nivel financiero, comercial, político, sustituían la
hegemonía imperialista que ha sometido a nuestros países
y que está profundamente agotada”184.

A demonstração desse papel pode ser visualizada com o


reaparelhamento das Forças Armadas levado a cabo por Hugo
Chávez. Torna-se importante fazer algumas considerações sobre a
compra de armamentos por parte da Venezuela.

183 “Desde un punto de vista mundial, el presidente Chávez se ha convertido en una


especie de «enfant terrible» que ha venido tejiendo una diplomacia hiperactiva. Sus
querellas con Estados Unidos, su acercamiento al régimen cubano y otros
gobiernos vistos con reservas por Estados Unidos, la promoción de la OPEP, su
clamor por un mundo multipolar, su creencia en la soberanía nacional absoluta y
su apoyo a la revolución continental despiertan muchas simpatías en sectores
sociales e intelectuales de América Latina”. Ibidem, p. 12
184 www.aporrea.org. Acesso em 26/09/2006.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Defendemos a ideia de que a Doutrina Bush acelerou o


“imperativo” venezuelano para o reaparelhamento de suas Forças
120 Armadas185. A criação da “guerra preventiva” contra “inimigos” e
“não-colaboradores” na guerra ao terror consubstanciou-se na
perspectiva de defesa de países que foram incluidos na categoria
de rogue states (Irã e Iraque, por exemplo) e da própria Venezuela
bolivariana. No caso venezuelano poderíamos explicar o alto
volume de compras de material bélico para a modernização de
suas defesas contra os EUA. Para Albernaz et al,

(...) “as motivações venezuelanas [dividem-se] entre


evidentes e latentes. Os motivos evidentes ou as
justificações do governo são: preparação para uma guerra
assimétrica com os EUA, relacionado à convicção de
Chávez, e consequentemente, o fortalecimento das
fronteiras com a Colômbia, aliada dos EUA e potencial
inimiga, e a diversificação dos fornecedores militares; e a
necessidade de reposição de equipamentos obsoletos. Os
motivos latentes, os que mais influenciaram na decisão
venezuelana são dois: manutenção da base de sustentação
de Chávez (que garante sua liberdade política) composta
por uma coalização do forte setor militar e do setor civil; e a
ampliação do seu poder político na região, a busca por uma
hegemonia regional”186.

Como “efeito colateral”, nunca é demais assinalar, que com tal


volume de compras as elites latino-americanas e Washington
acenderam o “sinal vermelho” para um possível “imperialismo
venezuelano” na região. No Brasil, a mídia conservadora tratou de
enfatizar o perigo de Hugo Chávez com a sua compra de armas.

185 Deve ser mencionado que grande parte dos equipamentos das Forças Armadas
venezuelanas são obsoletas e respondem às necessidades sequer de defesa do país.
Inevitavelmente, cedo ou tarde, deveria ocorrer uma renovação de parte desses
equipamentos.
186 Albernaz, Bia et al. O aumento dos gastos militares da Venezuela. Realismo

ofensivo e defensivo. In: Intellector. Rio de Janeiro, Centro de Estudos em


Geopolítica e Relações Internacionais (CENEGRI), Nº 13, V. VII(1), julho/dezembro,
p. 103, 2010.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

O atual senador e ex-presidente brasileiro José Sarney (1985-


1990), escreveu um artigo no jornal Folha de SP abordando o
“perigo da compra de armas” pela Venezuela187: 121

(...) “o plano de Chávez de gastar US$ 60 bilhões em armas,


transformando a Venezuela numa potência militar, é uma
ameaça ao continente. Ele disse que ficará no governo até
2031 (não estarei mais por aqui) e se mostra
"integracionista". Mas quem pode saber se um presidente
da Venezuela não achará que deve ocupar a Amazônia para
evitar sua internacionalização?
Com os novos equipamentos — 14 caças Su-25, 600 mil
bombas guiadas por GPS, estações de radar ultra-
sofisticadas tridimensionais JYL da China e, em aquisição,
138 navios, dez a 15 submarinos e 150 supersônicos —,
nossa soberania vira pó. Ninguém imaginou que isso
pudesse ocorrer no continente sul-americano.
Para que tudo isso? Para enfrentar os Estados Unidos? Ora,
para a superpotência isso não vale nada, mas para nós é
uma força de fazer tremer. De duas uma: ou o Brasil entra
na corrida armamentista para assegurar sua defesa,
retirando o escasso dinheiro de seu Orçamento que está
servindo para nossos programas sociais, ou então, para
sobreviver, tem de acobertar-se no guarda-chuva da OTAN,
tragicamente fazendo voltar a tese de Menen, como única
forma de defender-se. Menem era contra o Brasil, agora
seremos todos unidos para nos defendermos da "nova
potência militar" que dominará a América do Sul”. (...)

Declarações como essa, incoerentes com a realidade dos fatos,


refletem a opinião de especialistas e políticos conservadores nos
EUA. A mídia apontou para uma possível “corrida armamentista”
começando a vigorar que a América do Sul estaria entrando. Em
Washington as “análises” na América do Sul.

187 “Luz Vermelha”, Folha de S. Paulo, 14/07/2006.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

O fato concreto é que para poder atuar com desenvoltura no seu


papel antissistêmico, Chávez teve que criar um enfrentamento
122 simbólico e geopolítico contra o EUA, como forma de marcar a sua
posição no sistema-mundo contemporâneo e fornecer uma
alternativa na América Latina à influência de Washington.
Fora do continente, além da Rússia, Hugo Chávez fez visitas à
Líbia, Coreia do Norte e a vários países africanos desde que
assumiu o governo. Seu objetivo era “marcar posição” e ganhar
projeção internacional, principalmente em relação aos EUA. O fato
é que Chávez ganhou as manchetes internacionais por essa
postura.
A parceria com os russos, por exemplo, foi inevitável, dado o fato
de eles não aceitarem as pressões norte-americanas por qualquer
tipo de embargo à venda de armas aos venezuelanos. A
cooperação militar com os russos envolveu exercícios militares
navais conjuntos em 2008, quando chegaram ao Caribe dois
bombardeiros estratégicos Tu-160 (conhecido como Blackjack) e
Tu-95MC, o cruzeiro nuclear "Pedro, o Grande" e a fragata
Almirante Chabanenko, entre outros navios de escolta. Desde a
Crise dos Mísseis de 1962, não havia tamanha presença militar
estrangeira no Caribe.
A influência venezuelana ocorre não só no campo político, mas
também no setor econômico através da concessão de generosa
ajuda a todos os aliados ou países que sejam simpáticos ou
estejam próximos da proposta bolivariana. Trata-se do mesmo
mecanismo colocado em prática pela Casa Branca ao longo do
tempo.
A Argentina, outro exemplo, apesar de não possuir uma postura
que possa ser classificada de alinhamento à política venezuelana
desenvolvida na região, encontrou um grande aliado quando
necessitou de ajuda econômica.
Antes de deixar o governo, em 2007, o presidente Néstor Kirchner
contou com a ajuda financeira de Hugo Chávez. A Argentina emitiu
USD 500 milhões em títulos Bônus do Governo Nacional (Boden)
com vencimento em 2015. O país pagou uma taxa de juros de

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

10,43%, considerados dentro da margem praticada pelo mercado


segundo os analistas188.
A transação foi de grande importância para os argentinos, já que o 123
país não contava (e como até hoje não conta) com boa avaliação da
comunidade financeira internacional após declarar que não pagaria a
sua dívida em dezembro de 2001, mesmo com a renegociação
posterior. Entre 2005 e 2007, a Venezuela já havia comprado USD 5,6
bilhões em títulos argentinos189.
Em 2008 a Argentina voltou a emitir títulos da dívida pública
(Boden) 2015 totalizando USD 1,461 bilhão para vendê-los
diretamente à Venezuela. Somando os títulos comprados em 2005,
a Venezuela já havia comprado USD 7,802 bilhões em bônus
soberanos argentinos190.
A importância da ajuda venezuelana à Argentina pode ser avaliada
pelo agradecimento público feito pela presidente Cristina
Kirchner, em janeiro de 2009, em visita à Caracas. Segundo a
presidente, "É importante dar esse reconhecimento, além das
convicções, das visões comuns que nos unem em relação aos
destinos de nosso continente"191.
Na ocasião, a presidente ainda agradeceu a ajuda venezuelana de
USD 85 milhões à cooperativa de laticínios argentina Sancor, que
estava em processo falimentar. Essa ajuda permitiu manter o
controle da empresa em mãos do capital nacional. Em troca, a
Sancor passou a fornecer leite em pó e tecnologia no setor para os
venezuelanos192.
A presidente Cristina Kirchner ainda declarou na oportunidade
que, "a república irmã ajudou o país quando a Argentina precisava

188 “Venezuela volta a comprar títulos da Argentina”. 23/11/2007.


<http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,venezuela-volta-a-comprar-
titulos-da-argentina,84646,0.htm> Acesso 22/11/2011.
189 Ibidem.
190 “Cristina Kirchner agradece a Venezuela por compra de títulos da

dívida”. 22/01/2009.
<http://noticias.uol.com.br/ultnot/ansa/2009/01/22/ult6817u1400.ht
m> Acesso em 23/11/2011.
191 Ibidem.
192 Ibidem.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

ter acesso ao mercado de capitais por causa de uma moratória que


não foi declarada pelos governos que vieram depois de 2003" 193.
124 A atuação venezuelana transcende aspectos meramente políticos.
Existe um projeto que foi colocado em prática e que apresenta
sucessos inegáveis para a criação de um ambiente favorável para a
política externa da Venezuela.
Identificamos em nossas análises a existência de duas ações do
projeto chavista para a colocação em prática de seu projeto
antissistêmico: o primeiro está relacionado ao aumento de sua
influência política e ideológica sobre a América Latina, e o
segundo, a sua atuação internacional para ganhar maior
visibilidade e projeção.
A seguir analisaremos as duas formas de atuação venezuelana,
procurando compreender a real factibilidade do projeto
venezuelano, os países que passaram a atuar na área de influência
no continente, e as relações extra-continentais a partir da política
externa desenvolvida pelo Palácio de Miraflores.

4.4 - A Atuação da Venezuela na ALBA-TCP

A elaboração da ALBA-TCP foi mais um passo dado por Chávez


com o intuito de acelerar o processo antissistêmico na América
Latina sob a sua liderança.
Em 1999 Hugo Chávez fez a sua primeira menção sobre o que se
configuraria a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA). A
ideia inicial tinha o nome de Confederação de Estados da América
Latina. Chávez tinha em mente contrabalançar o peso da proposta
norte-americana da Área de Livre Comércio das América (ALCA),
que oferecia poucas perspectivas de um comércio mais
equilibrado entre os países latino-americanos e os EUA. Como
símbolo dessa nova proposta de bloco de Chávez, Cuba faria parte
da nova organização, indo contra a postura norte-americana de
isolar a ilha caribenha desde os anos 1960.

193 Ibidem.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

Em várias oportunidades o presidente venezuelano demonstrou a


necessidade de acelerar o processo de integração do continente.
Apontou a letargia do MERCOSUL na direção dessa integração. Tal 125
posição foi defendida, por exemplo, no programa de TV brasileiro
“Roda Viva”, em 2005. Durante quase duas horas ele abordou as
suas ideias para a integração latino-americana.
A perspectiva antissistêmica é notória do projeto chavista da
ALBA-TCP ao acelerar e comandar uma perspectiva econômica e
ideológica que propõe o anti-imperialismo como atuação
constante dos países membros, a atuação estatal na organização e
regulação da economia, a valorização de valores humanos e
filosóficos baseados sobre um grande amálgama de correntes de
esquerda, indigenista, pan-americanista, terceiro-mundismo etc., e
a tentativa de uma inserção diferenciada no sistema-mundo
contemporâneo.
A ALBA-TCP é composta por países que não possuem grande base
econômica diversificada (ver tabela 11). A grande maioria dos
países-membros não conta com níveis de industrialização que
sejam classificados sequer como mínimos. Ao contrário, a
Venezuela torna-se o país mais importante em função de reservas
petrolíferas. Também não há uma base industrial consistente, fato
que torna o país dependente das importações de gêneros agrícolas
e das exportações petrolíferas para o seu maior inimigo ideológico
e geopolítico, os EUA.
Fundadora da ALBA-TCP de primeira hora com a Venezuela, Cuba
possui um papel ainda mitológico na América Latina. A Revolução
Cubana foi durante todo o período da Guerra Fria um exemplo da
“vitória” do socialismo sobre o capitalismo. Uma pequena ilha
caribenha, distante 140 km da Flórida, havia conseguido
“derrotar” o “imperialismo ianque”. Gerações esquerdistas
inteiras do continente cultivaram o fervor “revolucionário”
demonstrado por Fidel Castro e Che Guevara na construção de
uma sociedade socialista.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

126

Contudo, a crise econômica que se seguiu ao fim da URSS em


1991, colocou o país em um estágio de “coma econômico”
permanente a partir de 1994. Mas o país encontrou um grande
fôlego financeiro após a eleição de Hugo Chávez em 1998.
O Palácio de Miraflores, para demonstrar a sua posição
“revolucionária” e antissistêmica, elegeu Cuba como uma
importante aliada na América Latina. Chávez estabeleceu ligações
privilegiadas com Havana associando o novo período venezuelano
a um “processo revolucionário”, tal como ocorreu com Cuba pós-
59.
O aumento das relações cubano-venezuelanas começou em
outubro de 2000, quando Fidel Castro e Hugo Chávez assinaram

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

um Convenio Integral de Cooperación em que estabelecia a venda


de petróleo venezuelano (53 mil barris/dia) para Cuba em troca
de apoio técnico nas áreas de educação, saúde, esportes, ciência e 127
tecnologia203. Em troca dessa condição vantajosa de compra do
petróleo venezuelana, Cuba passou a oferecer seus serviços
médicos ao país.
Portanto, a presença cubana em solo venezuelano é considerável,
principalmente no setor social. Em 2000, os dois governos criaram
o programa Convenio de Atención a Pacientes, através do qual a
Venezuela enviaria seus enfermos para Cuba 204.
Cinco anos depois, um novo acordo aumentou o número de
cubanos no setor de saúde da Venezuela: 30 mil trabalhadores
cubanos estavam em solo venezuelano. Com a ajuda cubana, a
Venezuela deu início a criação de 1.000 centros de atendimentos
gratuitos e o treinamento de 50.000 pessoas do setor médico sob
supervisão de Havana. Ainda em 2005, 100.000 venezuelanos
tiveram tratamento cirúrgico na ilha caribenha205.
Em 2004, Hugo Chávez e Fidel Castro assinaram uma declaração
conjunta contra a ALCA afirmando que ela seria “um mecanismo
para aumentar a dependência e a dominação estrangeira” 206. Os
países demonstraram uma grande afinidade nos discursos.
Em fevereiro de 2005, Caracas aumentou o envio para Cuba de 53
mil barris/dia para 90 mil barris/dia, cerca de 3,5% da produção

203 Dan Erikson, Inter-American Dialogue. "Castro's Chávez Strategy" (PDF). Center
for Latin American and Caribbean Studies, University of Connecticut. December
2005.
<http://dspace.cigilibrary.org/jspui/bitstream/123456789/18826/1/Cuba%20V
enezuela%20and%20the%20Americas%20A%20Changing%20Landscape.pdf?1>
Acessado em 05/01/2012.
204 Javier Corrales, Amherst College. "The Logic of Extremism: How Chávez Gains

by Giving Cuba So Much" (PDF). Center for Latin American and Caribbean
Studies, University of Connecticut.<http://news.caribseek.com/set-up/uploads-
caribbean-documents/2005-cuba-venezuela-and-the-americas.pdf> Acessado em
15/11/2011.
205 Ibidem.
206 Richard Peet. Geography of Power: Making Global Economic Policy. Zed Books.

p. 173, 2007.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

venezuelana de petróleo207. Uma quantidade pequena para a


Venezuela, mas extremamente considerável para a ilha caribenha.
128 Na prática, uma boa parcela do petróleo enviado para Cuba é
subsidiado, quase nos moldes do que ocorria no período soviético.
O fato é que a ajuda venezuelana é extremamente generosa.
Algumas estimativas apontavam que, em 2005, aproximadamente
entre 20 mil e 25 mil barris eram praticamente “doados” pelos
venezuelanos, representando uma economia que chegará a USD 6-
8 bilhões até 2020. Como o consumo cubano é de 120 mil
barris/dia e o a sua produção interna é de 80 mil barris/dia,
Havana consegue reexportar entre 40-50 mil barris/dia,
aumentando as suas reservas cambiais em moeda forte208.
Em 2006, os dois países estabeleceram uma join venture para
construção de uma refinaria na cidade de Cienfuegos. As duas
nações investiram entre USD 800 milhões e 1 bilhão no projeto. O
acordo previa que 51% da planta ficaria sob o controle cubano e
49% com os venezuelanos através da PDVSA 209.
Em janeiro de 2007, Chávez e o vice-presidente cubano Carlos
Lage assinaram um acordo para desevolver projetos envolvendo
níquel, eletricidade e arroz. O acordo também contemplava a
construção de cabos de fibra ótica subáquaticos, resolvendo um
problema de qualidade nas comunicações de Cuba. O problema
existe em função de mais de meia década de embargo econômico
norte-americano210.
Em junho de 2010, os dois países assinaram cinco acordos para
investimentos conjuntos no valor de USD 1.3 bilhão de dólares
durante a XI Comissão Intergovernamental 211.

207 Cuba and Venezuela: oil and politics. BBC News. 22/10/2007.
<http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/7157113.stm> Acessado em 15/11/2011.
208 Javier Corrales. Op. cit.
209 “Cuba and Venezuela: oil and politics”. 22/12/2007.

<http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/7157113.stm> Acessado em 05/11/2012.


210 “Cuba, Venezuela extend ties despite Castro's illness”. 25/01/2007.
<http://www.dnaindia.com/world/report_cuba-venezuela-extend-ties-despite-
castro-s-illness_1076277> Acessado em 15/11/2011.
211 “Cuba/Venezuela: Cinco acordos assinados para investimento conjunto de

1.300 milhões de dólares”. 12/06/2011.


Visão. <http://aeiou.visao.pt/cubavenezuela-cinco-acordos-assinados-para-

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

Em junho de 2011, os países assinaram mais cinco acordos de


investimentos conjuntos no valor de mais de 900 milhões de
euros durante a XI Comissão Intergovernamental ocorrida na ilha 129
caribenha. Durante todo esse ano foi estabelecida ainda a
assinatura de 100 acordos para o desenvolvimento de 116
projetos para o desenvovlimento de ambos os países, abrangendo
energia, construção, transportes, comunicações, cultura, desporto
e informação212.
Em termos militares os cubanos também prestam assessoria para
as Forças Armada Venezuelanas desde 2004, cujo objetivo é
“remover” a influência militar norte-americana. A atuação cubana
ocorre no treinamento para a utilização do material bélico
comprado da Rússia e nas táticas de guerrilha e contra-
insurgência, área que o país possui grande know how desde os
anos 1960213.
A consequência para os cubanos, no curto prazo, é a capacidade de
atenuar a débil estrutura econômica que não possui nenhuma
diversificação, e a obtenção de divisas. Porém, o que poderíamos
chamar de “efeito colateral” para Havana é a manutenção da
mesma dependência do país, tal como ocorria nos tempos
soviéticos. Tal dependência torna Cuba vulnerável às mudanças
políticas que possam ocorrer na Venezuela em um período pós-
Chávez.
A Bolívia é outro país a sofrer uma forte dependência da
Venezuela, inclusive militar. Para os bolivianos, a Venezuela
surgiu como uma forma de dinamizar a economia se utilizando de
um parceiro econômico com maior capacidade econômica e que
atua no mesmo campo ideológico.
A influência de Hugo Chávez sobre a Bolívia pode ser sentida após
a histórica vitória eleitoral de Evo Morales, em 2005. Logo após o
pleito, Morales visitou Caracas para manter contatos diretos com
Hugo Chávez. A visita foi uma demonstração do quanto a

investimento-conjunto-de-1300-milhoes-de-dolares=f607447#ixzz1e9emTf7Y>
Acessado em 15/11/2011.
212 Ibidem.
213 Javier Corrales. Op. cit.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

influência da Revolução Bolivariana e de Chávez tornaram-se


importantes no país andino.
130 Um exemplo importante dessa influência ocorreu em 1º de maio
de 2006, quando o governo boliviano nacionalizou o setor de gás e
petróleo da Bolívia, até então controlado em grande parte pela
brasileira Petrobrás.
Evo Morales, ao nacionalizar o setor petrolífero, cumpria uma das
suas promessas eleitorais. A nacionalização do setor teria sido
uma “influência” de Chávez, que lhe havia dado apoio político e
ofereceu a logística da estatal venezuelana PDVSA para manter a
operação dos poços de gás, caso o rompimento do contrato
levasse a Petrobrás a se retirar da Bolívia.
A aliança entre Caracas e La Paz propiciou a assinatura de
inúmeros acordo bilaterais214 que aumentaram a proximidade
entre os dois países, aumentando a influência da Venezuela sobre
o vizinho andino.
Em 2006, os presidentes Hugo Chávez e Evo Morales assinaram
mais de 20 acordos nos setores de hidrocarbonetos e
petroquímica. Os dois governos também acertaram ainda projetos
de cooperação nas áreas de saúde, educação e agricultura 215.
O principal acordo assinado entre os dois países referia-se a um
projeto binacional no setor petroleiro. O acordo está inserido no
Tratado Comercial dos Povos (TCP) que os dois países promovem,
juntamente com Cuba, para se contrapor aos tratados de livre-
comércio (TLCs) defendidos pelos Estados Unidos.
Além dos vinte acordos nos setores de hidrocarbonetos e
petroquímica, foram estabelecidas aproximadamente duzentas
cartas de crédito para o desenvolvimento de projetos
comunitários nas áreas de saúde e educação.
A Venezuela planejava investir cerca de USD 1.5 bilhão no setor
petroleiro boliviano, e outros 100 milhões de dólares na

214 Acordos de cooperação nas áreas: energética, agropecuária e desenvolvimento


rural, educação superior, desenvolvimento social, esportiva e saúde.
215 Informações retiradas do Ministerio del Poder Popular para Relaciones
Exteriores. http://www.mre.gov.ve/

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

agropecuária local, investimentos com os quais Chávez e Morales


pretendem promover uma corporação trinacional, em associação
com Cuba. 131
As petroleiras estatais YPFB (Bolívia) e PDVSA (Venezuela)
acertaram os detalhes de cinco grandes projetos no setor
energético. Um dos principais foi a constituição da Petroandina,
que deve fornecer combustível a postos instalados em oito dos
nove departamentos bolivianos. Outro projeto prevê a construção
de um complexo petroquímico na Bolívia. Mas os acordos entre os
dois países não se limitam à área de energia.
A influência venezuelana não ocorre somente no campo
econômico. No campo social, Venezuela e Cuba estão oferecendo
apoio para planos sociais, como o programa de cirurgias
oftalmológicas “Operação Milagre”, que já atendeu a mais de 800
pessoas na Bolívia. Os programas sociais também incluem planos
de alfabetização.
Com o apoio desses dois países, a Bolívia pretendia ser declarada
zona livre de analfabetismo em 2007 (fato que ainda não se
concretizou), enquanto que a Operação Milagre pretendia atender
cerca de 100 mil pessoas. Médicos cubanos estão trabalhando no
país, assim como ocorre na Venezuela. Quando eles saírem, os
centros médicos especiais seguirão operando com médicos
bolivianos. Também está previsto o anúncio da chegada de dois
bancos venezuelanos ao país e o envio de técnicos da equipe de
Chávez que vão auxiliar na reforma agrária boliviana 216.
Em 2007, mais acordos foram assinados. Um deles previa a
participação da Venezuela no desenvolvimento da grande reserva
boliviana de minério de ferro El Mutun. As previsões apontam
para a existência de cerca de 40 bilhões de toneladas de minério.
Entre outros contratos, Bolívia e Venezuela também assinaram
um acordo para construir uma indústria petroquímica na região
boliviana de Cochabamba. A fábrica vai processar gás natural.
No cenário doméstico, os líderes da oposição na Bolívia têm
acusado Morales de “receber ordens” do governo venezuelano

216 Ibidem.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

que, por outro lado, se tornou um importante financiador para o


país andino.
132 Em 2008, mais acordos foram assinados, agora no setor têxtil. Ele
previa que a Venezuela compraria produtos têxteis bolivianos, os
quais teriam sido boicotados pelos Estados Unidos pela sua
aproximação com Hugo Chávez217.
O convênio, assinado entre a estatal venezuelana Suvinca e a
boliviana Promueve, pretende alavancar o intercâmbio comercial
entre os países. "Vamos exportar produtos têxteis para a Venezuela
e a empresa Suvinca receberá nossa mercadoria" 218, disse a
ministra boliviana da Produção e Microempresas, Susana Rivero, à
época. Os dois presidentes assinaram também um acordo para
estreitar os laços comerciais bilaterais entre os setores industriais
de Venezuela e Bolívia.
Durante a assinatura, o mandatário boliviano agradeceu a Chávez
pela abertura do mercado venezuelano aos produtos têxteis da
Bolívia que, segundo ele, foram boicotados pelos Estados Unidos
por causa de sua política contra a intervenção norte-americana
em seu país. "Quando a gente se opôs às políticas dos EUA, o
governo norte-americano decidiu cortar as importações de
produtos têxteis", afirmou219.
A presença venezuelana na Bolívia continuou em 2010, quando os
dois países continuaram a sua aproximação econômica. Neste ano
foram assinados mais de 15 acordos bilaterais, especialmente em
matéria energética. Mas os acordos não se resumiram somente a
esse setor. Foram assinados convênios para a criação de empresas
binacionais e programas de cooperação em áreas econômicas,
sociais, científicas e tecnológicas.
Morales e Chávez assinaram o acordo marco para a criação da
Comissão de Integração Econômica Conjunta, que será liderada
por ambos e que servirá para elaborar o mapa de cooperação e
desenvolvimento conjunto, estimulando relações que substituam
a concepção de “desenvolvimento neoliberal”. Ou seja, que as

217 Ibidem.
218 Portal Latino-Americano da Agência Ansa. Data da publicação: 29/10/2008.
219 Ibidem.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

ações sejam tomadas com base em aspectos relacionados aos


interesses sociais, e não nos pressupostos de mercado: o lucro
como fundamento básico. 133
Entre as companhias binacionais cuja constituição foi estipulada
pelos dois governos, está uma entidade mista destinada a
desenvolver projetos na área da industrialização do gás e dos
hidrocarbonetos, e outra para impulsionar o uso do gás como
combustível para veículos e como energia doméstica.
Entre os outros convênios e atas de compromisso, figuram uma
"aliança estratégica, científica, tecnológica, operária e financeira
para o processamento do gás e a petroquímica" e a criação de uma
empresa que "explore, transporte e armazene petróleo e gás". Os
projetos também contemplam o "refino, armazenamento,
distribuição, transporte e comercialização de hidrocarbonetos
para abastecer o mercado boliviano e a exportação de excedentes
aos países do ALBA"220.
No âmbito militar, o acordo entre os dois países data de maio de
2008, com a assinatura do Memorando de Entendimiento en
Materia de Seguridad y Defensa pelos ministros da defesa
boliviano Walter Sanmiguel e pelo venezuelano Gustavo Rangel
Briceño. Alguns pontos do acordo foram divulgados pelo governo
venezuelano e pela imprensa boliviana nos setores de cooperação,
capacitação de pessoal e na área marítima no período, 221 sendo
elas:

(…) “La cooperación en el área de aviación militar


comprende el intercambio de pilotos a partir del primer
semestre de 2009, la ejecución de misiones administrativas
(transporte de personal y misiones de apoyo) y
asesoramiento técnico al Sistema Aéreo Boliviano.
En capacitación, intercambiarán oficiales para participar en
los cursos de Estado Mayor y como participantes y
observadores en las maniobras militares. Además de

220Ibidem.
221Jornal El Mercúrio, “Venezuela y Bolivia firmaron un acuerdo de “cooperación
militar”, 22/05/2008.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

brindar asesoramiento técnico para preparar, planificar y


elaborar programas de juegos de guerra computarizados,
134 crear y organizar liceos militares, y una escuela de idiomas
en Bolivia.
En asuntos marítimos, intercambiarán pasantes en las
campañas hidrográficas y de cartografía. La Fuerza Armada
de Venezuela coordinará pasantías de hasta tres
participantes de la Fuerza Naval Boliviana en
Administración Portuaria y Astilleros. Intercambiarán
personal militar en Astilleros Navales. (…)

O Equador também se aliou ao projeto bolivariano com a vitória


de Rafael Correa em 2007. A vitória do candidato esquerdista
obedeceu à mesma lógica presente nas reivindicações da
população boliviana com Evo Morales. Tal com na Bolívia as
camadas populares equatorianas sempre foram alijadas do
processo político e econômico do país. Rafael Correa tornou-se um
rápido aliado de Hugo Chávez nos mesmos moldes da Bolívia.
Recebeu apoio político e econômico da Venezuela e passou a fazer
parte de um chamado “eixo” “Caracas-La Paz-Quito”.
Em outubro de 2009, dando prosseguimento ao aumento de sua
influência, a Venezuela e Equador assinaram uma série de acordos
envolvendo os setores energético, militar e financeiro. Foi
estabelecida a criação de empresas binacionais, como a
mineradora Mariscal Sucre e a Siderúrgica do Pacífico Eloy Alfaro,
além de um empreendimento alimentício.
Também foi acordada a criação de um fundo Equador-
Venezuela para financiar projetos binacionais nas áreas de
transporte, turismo, alimentos, saúde, ambiente, energia,
infraestrutura e telecomunicações, sendo que este último visa a
construção de um "observatório latino-americano de mídia" e a
incorporação do Equador no projeto da Rádio do Sul. A Venezuela
ainda realizou uma doação de US$ 20 milhões em cadeiras de
rodas, muletas e equipamentos médicos.
Foi assinado um convênio técnico-militar que, segundo Chávez,
tem como objetivo "fortalecer a capacidade militar de nossos

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

países, nossas revoluções"222. Segundo Correa, "Demos um passo à


frente para alcançar esta união, integração, entre povos irmãos",
ressaltou Correa, demonstrando a importância de acelerar este 135
processo de integração, já que, segundo ele, "há muitos urubus
que buscam fracassar as vias alternativas do socialismo" 223.
Da América Central a Nicarágua tornou-se mais um país a ficar na
área de influência venezuelana. A presença nicaraguense no
cenário geopolítico latino-americano surgiu com a Revolução
Sandinista em 1979. O país teve grande importância para a criação
de um novo frenesi anticomunista na América Latina na década de
1980224. Desde a Revolução Cubana de 1959, o continente não
presenciava um processo revolucionário que envolvesse uma
guerra civil. Como seria natural, Washington ficou preocupada
com o desenvolvimento do processo na América Central.
Como já abordamos no início do capítulo a resposta dada pela
Casa Branca na administração Ronald Reagan foi o apoio (militar,
financeiro e logístico) aos “Contras” que utilizaram toda a sorte de
sabotagens contra o governo sandinista durante os anos 1980.
Com tal quadro de desestruturação econômica, os Sandinistas
perderam as eleições ocorridas em 1990 para a candidata da
direita e apoiada pelos EUA, Violeta Chamorro.
Os Sandinistas só voltariam ao poder em um contexto totalmente
diferente dos anos da Guerra Fria. Com o quadro político e
ideológico sul-americano favorável e com a hegemonia norte-
americana em declínio, o velho líder Sandinista Daniel Ortega
voltou a ser presidente em 2006.
A sua aproximação com a Venezuela foi inevitável e garantiu um
grande fôlego econômico ao país e a sua reeleição em 2011 225.

222 Ver Agência Ansa Latina em 08/10/2009.


<http://www.ansa.it/ansalatinabr/notizie/notiziari/equador/200910080832349
59435.html>
223 Ibidem.
224 Nas décadas de 1960 e 1970, Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN)

fez oposição armada à ditadura de Anastasio Somoza. Em 1979 a FSLN alcançou a


vitória a vitória e implementando um governo de orientação socialista.
225 “Nicarágua elege novo presidente e Parlamento”. BBC, 06/11/2011.

<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/11/111106_nicaragua_eleicao
_fn.shtml> Acessado em 22/11/2011.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

Eleição garantida pelo sucesso dos programas sociais entre as


populações mais pobres.
136 As relações econômicas entre os dois países começaram quase
que imediatamente à eleição de Ortega em 2006. A Venezuela
desde 2007 já forneceu uma ajuda econômica de USD 1.6 bilhão
para a Nicarágua. Segundo analistas e os próprios Sandinistas,
uma ajuda de fundamental importância. Essa ajuda em condições
privilegiadas permitiu ao país da América Central um crescimento
econômico de 4,5% em 2010, ficando abaixo somente do
Panamá226. A estimativa para 2011 era de um crescimento de
4%227.
Inevitavelmente, a oposição nicaraguense começou a detectar
“desvios” na ajuda venezuelana ao país. Ela afirma que grande
parte dos recursos enviados por Hugo Chávez além de serem
investidos na área social, estão sendo controlados por um
pequeno grupo próximo de Daniel Ortega, que seriam os grandes
beneficiados228.
A presença venezuelana na Nicarágua além de preocupar os EUA,
também preocupa o FMI. Segundo a instituição, existe o perigo da
dependência acentuada da economia nicaraguense dos capitais de
Caracas.
Tal como ocorre em qualquer relação dependência econômica, a
Nicarágua poderá sentir os efeitos de corte abrupto na relação

226 “Venezuela's Chávez bankrolled Nicaragua with $1.6 billion since 2007”.
Christian Science Monitor. April 7, 2011.
<http://www.csmonitor.com/World/Americas/2011/0407/Venezuela-s-Chavez-
bankrolled-Nicaragua-with-1.6-billion-since-2007> Acessado em 22/11/2011.
227 Informação verificada em 21/04/2012. Fonte de consulta: World Fact Book

https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/nu.html
228 “Popular support for Daniel Ortega has grown thanks to patronist programs

that are financed by [Venezuelan President Hugo] Chávez, who provides $500
million per year, equivalent to 7% of the country’s GDP,” Chamorro adds that a
portion of those funds are not accounted for in the national budget. He accuses the
Ortega family of using the Chávez cash to finance private businesses, political
campaigns and "numerous acts of corruption.”
“Flush with Chávez petro-dollars, Nicaragua’s Ortega eyes controversial third
term”. 04/11/2011.
<http://worldcrunch.com/flush-ch-vez-petro-dollars-nicaragua-s-ortega-eyes-
controversial-third-term/4043> Acessado em 22/11/2011.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

econômica entre os dois países. Isso poderia ocorrer tanto pela


mudança política no Palácio de Miraflores como em Manágua. O
fato é que sem a ajuda da Venezuela no curto e longo prazo, a 137
economia nicaraguense sofrerá sérios problemas229.
Sob o ponto de vista analítico das relações econômicas dentro da
ALBA-TCP encontramos assimetrias importantes entre os países
participantes. Como já assinalamos, o “fator petróleo” é
determinante para a hegemonia venezuelana dentro do bloco
econômico. A riqueza petrolífera permite a Hugo Chávez
influenciar e organizar o bloco dentro de sua “dimensão
bolivariana”.

4.5 – A Atuação da Venezuela no Cenário


Internacional

Após a consolidação do seu bloco histórico doméstico, a Venezuela


deu início a sua atuação internacional, promovendo amplos
contatos internacionais com os países que apresentavam algum
tipo de enfrentamento internacional com os EUA e/ou que não
aceitam a perspectiva unipolar dos EUA.
Como exemplo dessa tentativa de criar um “ambiente favorável”
internacional, podemos citar como exemplo a tournée realizada
pelo mandatário venezuelano em 2006: Irã, Bielorrúsia, Rússia e
Vietnã (julho); Mali, China, Malásia, Qatar, Síria e Angola (agosto).
Essas viagens demonstraram a vontade de Chávez em atuar de
maneira mais incisiva no cenário internacional.
Após o golpe de Estado perpetrado contra o seu governo, em
2002, por opositores que contavam com o apoio dos EUA, Chávez
aumentou sua retórica antiimperialista através de ataques a
Washington cada vez mais intensos.
Ao mesmo tempo, o Palácio de Miraflores alavancava, como
observamos no item anterior, uma política externa regional para

229 Ibidem

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

aumentar a sua influência entre as nações latino-americanas que


estavam na direção ou foram cooptadas para o mesmo espectro
138 ideológico.
A parceria de primeira hora foi com Cuba e tornou-se modelar. A
relação com a ilha caribenha, em termos econômicos, representou
uma “marcação de posição”. Não que isso tenha sido um fato novo
na política externa venezuelana230. Mas a assinatura de inúmeros
acordos, principalmente com intercâmbio de pessoas e assessoria
cubana, demostrou uma relação mais “profunda” entre os dois
países.
Além de Cuba, as vitórias de Daniel Ortega na Nicarágua, Evo
Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador criaram o ambiente
favorável para a Venezuela liderar um espectro político-ideológico
mais à esquerda na América Latina.
O Irã insere-se como o exemplo de país que recebe sucessivas
retaliações dos EUA pelo sua postura antiocidental e pelo seu
programa nuclear que é considerado pelo ocidente como “militar”.
Todavia, o Irã foi um tradicional aliado dos EUA no Oriente Médio
até a Revolução Xiita de 1979. Após a instalação do chamado
“Regime dos Aiatolás”, a ruptura entre Washington e Teerã foi
total. Principalmente com o sequestro da embaixada dos EUA por
estudantes xiitas, no mesmo ano. O apoio de Washington a
Saddam Hussein durante a guerra Irã-Iraque aumentou a
rivalidade entre os dois países.
A influência iraniana é sentida em todo o Oriente Médio,
principalmente através do apoio aos movimentos palestinos
contra a ocupação israelense na Cisjordânia. A “guerra contra o
terror” patrocinada por George W. Bush e sedimentada através da
Doutrina Bush, aumentou a escalada de beligerância entre os
países. Sendo o Irã nomeado um “inimigo” declarado dos EUA e
com a invasão do Iraque em 2003, Teerã aumentou o ritmo de
implementação do seu programa nuclear.
Sendo assim, por representar um país que “desafia” os EUA, a
Venezuela passou a estabelecer contatos cada vez maiores com o

230 Ver capítulo 2.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

regime dos aitaolás. Logicamente, Washington não viu com bons


olhos a aproximação entre os dois países. O fato é que:
139
“Caracas y Teherán han construido una relación política y
comercial sustentada tanto en el apoyo en las áreas
energética, productiva, de vivienda, alimentos y educativa;
como en la sintonía en el discurso antinorteamericano, que
también sirve para desafiar a la comunidad
internacional”231.

Desde 2005 havia sido assinado um compromisso para a


construção de 10 mil moradias para famílias que vivem em
extrema probreza no Irã. No total, os dois países já assinaram
mais de 270 acordos232.
O comércio bilateral entre as duas nações cresceu no mesmo
ritmo do discurso antiamericano e na aproximação política. Em
2004 a balança comercial era de USD 1.1 milhão e passou para
USD 89.3 milhões, sendo USD 88.8 milhões de importações
venezuelanas233.
Na área educacional, em 2008, foi assinada uma parceria entre os
dois países, através do Ministério de Educação, para a criação da
Universidad de las Civilizaciones, e a distribuição de dez bolsas de
estudos para mestrado e doutorado pelos dois governos234.
Como exemplo do aumento da aproximação entre os dois
países235, podemos citar a assinatura de doze convênios em
novembro de 2010 para os setores energético, elétrico,
infraestrutura; e cooperação científica e tecnológica.

231 Venezuela e Irán afianzaron nexos más allá del petróleo.


<http://www.eluniversal.com/2011/05/29/venezuela-e-iran-afianzaron-nexos-
mas-alla-del-petroleo.shtml > Acessado em 15/07/2011.
232 Ibidem.
233 Ibidem.
234 Ibidem.
235<http://www.gobiernoenlinea.ve/noticias-

view/ver_detalles.pag?idNoticia=96156#> Acessado em 10/09/2011.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

No setor energético, foi criada uma joint venture para o campo no


Dobokubi no estado de Anzoátegui entre a Corporación
140 Venezoelana del Petróleo e Petropars. A iraniana Petropars já
havia participado da operação de certificação de reservas na Faixa
do Orinoco, e assinou um acordo com a PDVSA para criar uma
empresa petroleira transnacional de exploração e produção para
atuar em outros países236.
No final de 2010 o Irã e a Venezuela anunciaram a construção de
uma refinaria na Síria, cuja capacidade de refino foi de 140 mil
barris por dia. A previsão é que ela estivesse operacional até
2012237.
Foi estabelecido um projeto para a execução da segunda etapa do
aqueduto Luisa Cáceres de Arismendi e criação de um voo direto
entre Caracas e Teerã, através de uma cia. aérea iranania. Os dois
países criaram, ainda, um fundo binacional para financiar os
projetos sociais e econômicos com cerca de USD 200 milhões.
Outro país que ganhou destaque para a Venezuela foi a Rússia. O
país ganhou importância ao tornar-se fornecedor de material
bélico para a renovação de seu sistema de defesa. Ao mesmo
tempo, os russos defendem uma série de posições que poderíamos
de chamar de “antiamericanas”, principalmente na Europa
Oriental contra a expansão da OTAN na região.
A Venezuela bolivariana reintroduziu a influência russa na
América Latina após o colapso da URSS e consequente declínio
econômico cubano no início dos anos 1990. A Rússia surgiu para
os planos venezuelanos como importante fornecedora de armas e
como mais um exemplo de autonomia do país perante a política
externa de Washington.
Outro aspecto que favoreceu a aproximação de Caracas e Moscou
é a visão compartilhada sobre o papel de cada país no cenário
internacional: aos russos cabe a procura por uma reinserção

Ibidem.
236
237Certamente a construção da refinaria síria sofrerá atrasos em virtude da
conturbada situação política do país em função da chamada “primavera árabe” e
das medidas de retaliação por parte da comunidade internacional feitas a partir de
novembro de 2011.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

geopolítica global perdida com o fim da URSS, e aos venezuelanos,


o aumento de sua influência no cenário internacional.
Para estabelecer tais contatos, Chávez visitou a Rússia desde 1999 141
oito vezes e assinou sessenta protocolos de cooperação. A parceira
russo-venezuelana se desenvolve na área militar e no setor
energético.
O fato é que sob o comando de Chávez, a Venezuela subiu
consideravelmente na posição de importadora de armas: do 39º
lugar em 1999, para o 8º lugar em 2008. Segundo relátorio do
Centro de Análisis del Comercio Mundial de Armas (Cacma), com
sede en Moscou, a Venezuela se tornará o segundo importador de
armas da Rússia entre 2011 e 2014.238 Em 2007, os venezuelanos
eram o terceiro maior comprador de material bélico russo, ficando
atrás de chineses e indianos.
Com o objetivo de reaparelhar e modernizar as sua Forças
Armadas, desde 2005 foram assinados doze contratos que
ultrapassaram os USD 5 bilhões. Nessa transação ficou acordado
com Moscou o pagamento em dinheiro e através de outras formas
de compensação de USD 3.2 bilhões. O restante seria através de
crédito direto russo: USD 1 bilhão e outros de USD 1.2 bilhão
posteriormente.
O material bélico comprado da Rússia e que procovou grande
preocupação na Casa Branca e nas elites sul-americanas foram:

 3 submarinos Varshavianka Classe 3;


 24 aviões de combate Sukhoi-30 MK-2;
 60 helicópteros de combate, Mi 17 Mi 26, Mi 28N e Mi;
 35 aviões de transporte Antonov;
 baterias antiaéreas Igla-S-24 eS-125, Pechora 2M (sem
quantidade disponível);

“Venezuela: 2° importador de armas Rusas”.


238

<http://www.taringa.net/posts/imagenes/12936607/Venezuela_ -2_-
importador-de-armasRusas.html>
Acessado em 17/11/2011.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

 100 mil fuzis Kalashnikov AK-103.

142
Ficou establecido a construção na Venezuela de uma fábrica de
fuzis AK-47, um centro para o treinamento de pilotos de aviões
militares e um centro de manutenção para helicópteros. Existe a
perspectiva de compra de um segundo lote de armas mais
sofisticadas em futuro próximo de239:

 Aviões Sukhoi Su-35;


 Aviões de patrulha II-114;
 Sistemas de defesa antiaéreo Strela-S-300PMU-2 e
Tor-M2E;
 Lançadores mísseis Smerch;
 Lança-foguetes Buk-M1 e M2;
 Radares Antey;
 2.500 veículos de combate blindados BMP-3 e
eventualmente BMP-3S;
 90 tanques T-72 e T-90;
 Veículos lançadores de mísseis 5P85SE;
 Lançadores de mísseis 48N6E2,;
 Três submarinos projeto-636,;
 Um projeto submarino-877;
 12 transportes pesados militares Iliushin-76.

A concretização de tal compra demontra o interesse real da


Venezuela em modernizar efetivamente uma parte de seu materil
bélico. Para aumentar ainda mais a preocupação de Washington,

239 Carlos A. Romero. Op. cit., p. 53.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

em outubro de 2010, Hugo Chávez visitou Moscou mais uma vez


para assinar um acordo para a construção de uma usina nuclear
para a geração de energia. Em 2008, os dois países já haviam 143
assinado um convênio de cooperação para o desenvolvimento de
energia nuclear com fins pacíficos.
Em dezembro de 2011, ocorreu em Caracas a VIII Comissão Mixta
Venezuela-Rússia, com a reunião entre o vice-presidente Eliás
Jaua e o primeiro-ministro Vladimir Putin. Foram assinados vários
convênios240, entre eles:

 Empréstimo russo para o país;


 Convênio para a criação do banco binacional russo-
venezuelano;
 Ata de compromisso para a construção de 30 mil
moradias;
 Memorandum de entendimento sobre cooperacão no
setor de gás.

O primeiro-ministro russo Vladmir Putin declarou, em relação aos


inúmeros projetos desenvolvidos entre os dois países: “É
imperante seguir trabalhando juntos para otimizar os resultados.
Sim, podemos e devemos seguir trabalhando por eles” 241.
A aproximação da Venezuela com a República Popular da China
está inserida na lógica de diversificação dos seus parceiros
comerciais e da demonstração de que o país procura nações que
compartilhem a mesma visão venezuelana do sistema

240 “Vicepresidente Elías Jaua y Primer Ministro Ruso firman nuevos acuerdos de
cooperación”.
<http://celac.gob.ve/index.php?option=com_content&view=article&id=18285:mp
pre&catid=321:1211-viii-comision-mixta-venezuela-rusia-&Itemid=480>
Acessado em 09/12/2011.
241 “Putin: Grandes proyectos de desarrollo ejecutan Venezuela y Rusia”.

<http://celac.gob.ve/index.php?option=com_content&view=article&id=18299:puti
n-grandes-proyectos-de-desarrollo-ejecutan-venezuela-y-rusia-&catid=321:1211-
viii-comision-mixta-venezuela-rusia-&Itemid=480> Acessado em 09/12/2011.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

internacional, ou seja: baseada em um mundo multipolar. Em


2006, a embaixadora da Venezula na China, Rocio Maniero
144 declarou sobre as relações entre os dois países 242:

(…) “están en su momento óptimo. Venezuela y China


tienen la misma posición en el concierto de naciones, el
mismo enfoque basado en la búsqueda de la paz, en que
todos los Estados son iguales jurídicamente, que todos
tenemos un mismo peso específico en el marco del derecho
internacional, en el principio de la no intervención, de la
autodeterminación. China es un aliado natural de
Venezuela, porque tenemos los mismos objetivos en el
ámbito internacional”.

Os chineses defendem a perspectiva multipolar de maneira


enfática, colocando-se sempre que possível no pólo oposto ao
defendido por Washington nos organismos internacionais. A Casa
Branca, ao mesmo tempo em que sua economia depende da
colossal estrutura econômica chinesa, procura “acuar” Pequim no
cenário internacional com acusações voltadas à violação dos
Direitos Humanos.
Como parceira comercial a China é de vital importância para a
mudança de rumo da dependência econômica venezuelana em
relação ao Estados Unidos. Apesar da retórica antiimperialista de
Hugo Chávez, ela não permitiu um “corte total” nas relações
econômicas com Washington. A Venezuela exporta 60% do
petróleo cru para os EUA243.
Desde 2000, a Venezuela e a China assinaram vários acordos de
intercâmbio nos setores de energia, alta tecnologia, agricultura e

242 “China es un aliado natural de Venezuela”. 21 de agosto de 2006.


<http://www.minci.gob.ve/noticiasprensapresidencial/28/10016/%E2%80%9Cc
hina_es_un.htm>
Acessado em 01/12/2011.
243 Ben Schiller. The axis of oil: China and Venezuela. 02/03/2006.
<http://www.opendemocracy.net/democracy-
corporations/china_venezuela_3319.jsp> Acessado em 30/11/2011.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

na construção de infra-estrutura (Convenio de Cooperación


Económica y Técnica). Como decorrência dessa maior
aproximação, houve um aumento considerável no comércio 145
bilateral entre chineses e venezuelanos.
A Venezuela exporta petróleo e seus derivados, importando da
China tratores, automóveis, tratatores, maquinaria,
eletrodomésticos e eletrônicos. Ou seja, grande parte de sua
necessidade de bens de consumo duráveis e não-duráveis que
satisfazem o seu mercado interno vêm do gigante asiático.
A importância do comércio bilateral pode ser mensurada pelo
salto de USD 276 milhões gerados em 1999 para USD 1.333 bilhão
em 2004. Quatro anos depois o comércio entre os países havia
chegado aos USD 9.850 bilhões.
A China é hoje o principal parceiro estratégico e o segundo em
ordem comercial da Venezuela. O comércio bilateral entre os dois
países chegou aos USD 10 bilhões em 2010. O FCCV financia 69
projetos de indústrias básicas, habitação, transporte,
comunicações, educação, agricultura, ambiente, ciência e
tecnologia, e eletricidade, entre outros 244.
Em abril de 2010, Hugo Chávez havia anunciado a concordância
da China em emprestar USD 20 bilhões. Tal empréstimo serviria
como uma “ajuda” ao país para “enfrentar” momentos difíceis
gerados pelo agravamento da crise global de 2008 e que até o final
de 2011 ainda perdurava:

“If the loans materialize, they could give Mr. Chávez a


much-needed cash infusion. Some financial analysts,
including the American investment bank Morgan Stanley,
have said that Venezuela could soon face a cash crunch as it

244“China e Venezuela renovam fundo de crédito com ampliação de US$ 4 bilhões”


19/06/2011.
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/12848/china+e+venezuela+re
novam+fundo+de+credito+com+ampliacao+de+us+4+bilhoes.shtml> Acessado em
30/11/2011.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

grapples with low oil revenues and a dearth of foreign


investment”245.
146
Pequim já mantêm investimentos no país que se configuram em
uma importante fonte de dinamização da economia venezuelana.
Os dois países mantêm um fundo bilateral de USD 12 bilhões que
auxilia as relações entre as nações. Os chineses aumentam
anualmente a sua influência econômica no país através da
crescente venda de produtps que vão de maquinaria pesada a
bens-consumo, passando por material bélico.
A cooperação técnica é outro fator importante para os
venezuelanos. No setor de alta tecnologia, a Venezuela vem
comprando satélites e material bélico. Foi graças aos chineses que
os venezuelanos lançaram, em outubro de 2008, o seu primeiro
satélite artifical, o VENESAT/Símon Bolívar.
Está previsto para 2013 o lançamento de outro satélite com
tecnologia chinesa. No que se refere ao material bélico, a
Venezuela comprou dos chineses radares 3-D JYL, além de três
caças K-8W para treinamento.
O avanço das relações sino-venezuelanas deu mais um passo
importante em junho de 2010. O FCCV sofreu uma ampliação de
USD 4 bilhões, totalizando um total de créditos para projetos no
país de USD 32 bilhões.
Em novembro de 2011, os chineses fizeram um novo empréstimo
à Venezuela no valor de USD 4 bilhões. Agora, o objetivo era a
modernização das usinas de geração de energia venezuelanas e,
ao mesmo tempo, elevar a produção petrolífera. Com mais
energia, a Venezuela poderá aumentar a produção de alumínio e
ferro, matéria-primas indispensáveis para o crescimento
chinês246.

245“Chávez Says China to Lend Venezuela $20 Billion”. April 18, 2010
<http://www.nytimes.com/2010/04/19/world/americas/19venez.html>
Acessado em 29/11/2011.
246 “China concorda em conceder mais US$ 4 bi em empréstimo à Venezuela”.

23/11/2011.
Radio Nacional de Venezuela <http://www.rnv.gov.ve>Acessado em 29/11/2011.

O Caso Venezuelano
A Atuação Antissistêmica da Venezuela

No que se refere às exportações de petróleo a partir de empresas


sino-venezuelanas, passarão de 100 mil barris/dia para 330 mil
barris/dia. A meta do governo venezuelano é de alcançar 3 147
milhões de barris/dia em 2015.247 Vale lembrar que os
empréstimos estão sendo pagos com petróleo aos chineses. As
exportações petrolíferas da Venezuela para a China somam 410
mil barris/dia. Desde 2005 as exportações aumentaram quase dez
vezes.
A importância dos investimentos chineses é acentuada
principalmente pelo volume de investimentos e pelos setores
envolvidos. Além dos setores mencionados, temos ainda a
construção civil e as estradas de ferro que contam com a
participação de Pequim.
Venezuela e China possuem planos para elevar a produção de
minério de ferro, projetos para expandir um porto, a dragagem do
rio Orinoco e expandir a capacidade de transporte ferroviário
para escoar a produção de minério de ferro e alumínio.
Com o objetivo de elevar a exportação de petróleo pesado da
Venezuela, os dois países estão avançando nos planos conjuntos
para construir uma refinaria na China capaz de processar 400 mil
barris/dia. Grande parte disso sairia das reservas de petróleo
pesado da Venezuela na bacia do rio Orinoco.
Além dos tradicionais setores da economia, os chineses também
estão presentes no setor habitacional. O governo venezuelano, em
parceria com a China, anunciou a construção do Complexo
Habitacional Palmasola de 335 edifícios, que totalizarão 5.360
apartamentos. O empreendimento é localizado no estado de
Barinas248.
Sem dúvida nenhuma a sinergia entre as duas economias vem
aumentando consideravelmente nos últimos dez anos. Se para a
Venezuela a China configura-se com uma parceira de grande

Ibidem.
247
248 “Convenio China-Venezuela avanza con la construcción de 5 mil 360
apartamentos en Barinas”. 16/04/2011.
<http://www.noticias24.com/actualidad/noticia/220588/convenio-china-
venezuela-avanza-con-la-construccion-de-5-mil-360-apartamentos-en-barinas/>
Acessado 09/11/2011.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

importância, para Pequim sua influência na América Latina é cada


vez maior. Com esse quadro, a Venezuela diversifica sua atuação
148 internacional, dinamiza o seu comércio e procura diminuir a sua
dependência dos EUA.

O Caso Venezuelano
5
Dilemas e Contradições para a
Atuação Antissistêmica da Venezuela
Charles Pennaforte

O
projeto chavista de inserção da Venezuela no sistema-
mundo contemporâneo enfrenta inúmeros obstáculos,
150 tanto de ordem interna como externa. Devemos reconhecer
a grande habilidade política de Hugo Chávez na consolidação do
seu poder desde o final dos anos 1990. Por outro lado, deve-se
assinalar que a velha elite política venezuelana não teve a
habilidade necessária em lidar com o “fenômeno Chávez”, optando
por desacreditar o processo que estava ocorrendo no país, e
facilitando, de certo modo, a consolidação desse poder.
O golpe arquitetado pelos setores conservadores contra um
governo eleito democraticamente em 1992, e a recusa em
participar das eleições legislativas de 2005 por “falta de garantias
democráticas”, favoreceram a supremacia política do PSUV 249, o
partido chavista. Com a supremacia política, Chávez pode atuar
com tranquilidade no desenvolvimento do projeto bolivariano.do
No âmbito interno o sucesso do projeto bolivariano está
intimamente ligado à manutenção do poder em sua figura pessoal
no Palácio de Miraflores. A falta de outras lideranças de projeção
nacional configura-se em um problema no curto e médio prazo.
Outro aspecto importante é que, apesar de Caracas atuar
frontalmente contra as diretrizes políticas de Washington e do seu
discurso anti-imperialista, as exportações de petróleo para o país
se mantiveram intactas. Isso aponta para a realidade adversa
encontrada pela Venezuela na dependência econômica de seu
principal inimigo político e ideológico.

249Fundado em 2007, o PSUV consiste na fusão de partidos e grupos políticos e


organizações sociais: o Movimento Quinta República (MVR), Unidade Popular
Venezuelana (UPV), Movimento Eleitoral do Povo (MEP), Une Socialista,
Movimento pela Democracia Direta, Frente Cívico- Militar Bolivariano,
Independentes pela Comunidade Nacional (IPCN), União, Movimento Tupamaro de
Venezuela, Movimento Independente Ganhamos Todos (MIGATO), A Corrente
Marxista Revolucionária (CMR) e também partidos regionais como Abrebrecha,
FIORP, LAGO, Minha Gente e Unidos Por Portuguesa Independente. Ana Luiza
Meirelles Paruolo et ali. In: As transformações na Democracia Venezuelana de
1999 a 2010 e as eleições legislativas de setembro de 2010. Cadernos do Tempo
Presente. Rio de Janeiro, nº 3, ISSN 2179-2143.
<http://www.getempo.org/revistaget.asp?id_edicao=19&id_materia=72> Acesso
em 02/06/2012.

O Caso Venezuelano
Dilemas e Contradições para a Atuação Antissitêmica da Venezuela

Os EUA são os principais compradores do petróleo cru pesado


venezuelano250, que somente o país tem capacidade de refiná-lo.
151
Outro grande problema para o projeto bolivariano e
antissistêmico e a baixa industrialização do país. Como atuar de
maneira independente dentro do sistema-mundo quando não se
possui os mecanismos que possibilitem isso?
Como decorrência de tais aspectos, a Venezuela procurou
aumentar a sua influência continental e internacional de maneira
mais enfática, aliando, como vimos no capítulo 2, ideologia e a
construção de alianças políticas e econômicas tanto com países
latino-americanos como de outras partes do mundo. A
diversificação dos laços econômicos é um importante componente
para o desenvolvimento da atuação antissistêmica.
Durante grande parte dos seus mandatos, Hugo Chávez procurou
estabelecer relações diplomáticas e econômicas com países que
estivessem no polo oposto às diretrizes da Casa Branca. Para
ganhar projeção internacional compatível com o processo
político-ideológico que estava desenvolvendo na Venezuela,
Chávez procurou difundir sua atuação antissistêmica.

5.1 – A Venezuela e a Integração Regional

A Venezuela é entusiasta e incentivadora de todas as formas de


diminuir a dependência econômica externa da América Latina e

250 Existem diferentes tipos de petróleo que são classificados de acordo com sua
densidade. Esta classificação está ligada à relação entre a gravidade específica e
fluxo de óleo em bruto em água. Esses fatores são medidos por graus API
(American Petroleum Institute), a classificação universal dá uma indicação da
viscosidade ou fluidez de cada óleo. Segundo essa classificação, o óleo pode ser
leve ou extra-leve, médio, pesado ou extrapesado. O óleo extrapesado possui grau
inferior aos 10º API e os extra-leves são superiores aos 30.1º API. Quanto mais
pesados são os óleos crus, maior a necessidade de refinação, o que aumenta o seu
custo. Na Venezuela existem diferentes tipos de petróleo extraídos de diferentes
áreas do país: Furrial (Monagas), Zuata Doce (Anzoátegui), Merey 16 (leste),
Boscan (Monagas), Bachaquero e Tia Juana Heavy (Zulia). Existe a Franja
Petrolífera do Orinoco com a presença de óleo pesado e extrapesado.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

do avanço do processo de integração regional. O país está


presente em todos os organismos regionais que apontem nessa
152 direção, e sempre que possível com uma atuação de liderança.
Essa participação em diversos organismos não ocasiona um
conflito de interesses para os Venezuelanos. Pelo contrário, serve
como uma forma de complementariedade do processo de
integração da América Latina. A existência dessa variedade de
organizações reflete as assimetrias existentes no subcontinente
americano.
As iniciativas promovidas por Caracas com a criação da ALBA-
TCP, do Banco da ALBA, da Petrocaribe251, por exemplo,
demonstram o firme objetivo de diminuição da influência norte-
americana na América Latina. Um novo reposicionamento da
América Latina no sistema-mundo contemporâneo é um objetivo
fundamental da Venezuela bolivariana.
Faremos a seguir uma análise da participação da Venezuela nos
organismos regionais.

5.1.1 – ALBA-TCP

A ALBA-TCP foi criada em oposição à proposta defendida pelos


EUA de implementação da ALCA252, e gerou um importante
contraponto ideológico, econômico e político na América Latina a
Washington.

251 Criada em 2005, tem como objetivo a venda de barris de petróleo venezuelano
para os países do Caribe. Cada nação participante do acordo pode comprar até
185.000 barris/dia em condições vantajosas. Chávez ainda criou outros acordos
similares: Petrosur (aliança estratégica entre a cias. petroleiras da região),
Petroamérica (integração energética regional) e Petroandina.
252 A Área de livre comércio das Américas (ALCA) foi uma proposta feita pelos

Estados Unidos, durante a Cúpula da América (Miami) em 09/12/1994, com o


objetivo de eliminar as barreiras alfandegárias entre os 34 países americanos,
exceto Cuba, formando assim uma área de livre de comércio continental até o final
de 2005. Contudo, foram feitas inúmeras críticas aos ”reais interesses” dos EUA
com o projeto de integração, já que as concessões econômicas que deveriam ser
feitas por Washington para facilitar o comércio na região nunca saiam do papel.

O Caso Venezuelano
Dilemas e Contradições para a Atuação Antissitêmica da Venezuela

A proposta de elaboração da ALBA foi apontada pela primeira vez


por Hugo Chávez na III Cumbre de Chefes de Estado e de Governo,
153
na Ilha de Margarita em dezembro de 2001. 253 No evento, Chavéz
assinalou sobre a necessidade de superação do neoliberalismo por
outro baseado na integração latino-americana:

"Ese modelo neoliberal no puede ser la base ni el marco


para nuestros modelos de integración. No puede ser, es
imposible que nosotros pongamos por delante para
integrarnos, a la economía. No es la economía la que nos va
a integrar y menos nuestras economías llenas de
debilidades, de vulnerabilidades. No. Creo que se impone de
nuevo lo que pudiéramos llamar la revancha de la política,
que la política vuelva a la carga y que tome la vanguardia de
los procesos de integración. Y es la idea de Bolívar. (…) Un
pacto político es lo que se impone hoy como era lo que se
imponía entonces, y una integración integral, a lo
bolivariano. El ALCA, por ejemplo, ¿es ese el camino? No.
Queremos un modelo que nos integre de verdad. No un
modelo que nos desintegre, que integre a unos a expensas
de la desintegración de otros, ese no puede ser el camino,
por tanto con mucha modestia y humildad proponemos
desde Venezuela, a los caribeños y a los latinoamericanos
que vayamos pensando de una buena vez en otra
alternativa porque esa creemos que no es posible. Y es
cuando se nos ha ocurrido lanzar una propuesta, que
pudiera llamarse el ALBA, Alternativa Bolivariana para las
Américas. Un nuevo concepto de integración que no es nada
nuevo, se trata de retraer o de traer nuevamente un sueño

253(...)[a] “tiene sus orígenes en el proyecto político del Socialismo del Siglo XXI de
Hugo Chávez, presidente de Venezuela desde febrero de 1999. Fue ese mismo año
cuando Chávez presentó por primera vez el embrión de lo que más tarde sería el
ALBA bajo el nombre de Confederación de Estados de América Latina. Nombre que
pone de manifestó la voluntad de su promoción inicial de someter desde el
principio la dimensión económica a lo político”. Rosa, Francisco Javier U. “La
Alianza Bolivariana para las Américas-Tratado de Comercio de los Pueblos (ALBA-
TCP): a análisis de un proyecto de integración regional latinoamericana con una
fuerte dimensión altermundialistas”. p. 1.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

que creemos posible, se trata de otro camino, se trata de


una búsqueda, porque ciertamente la integración para
154 nosotros es vital: O nos unimos o nos hundimos. Escojamos
pues las alternativas"254.

Em dezembro de 2004 foi realizada em Havana a I Cumbre da


ALBA-TCP. Hugo Chávez e Fidel Castro assinaram uma declaração
conjunta de criação da ALBA-TCP sobre os princípios que
deveriam nortear a organização:

“Afirmamos que el principio cardinal que debe guiar el


ALBA es la solidaridad más amplia entre los pueblos de
América Latina y el Caribe, que se sustenta con el
pensamiento de Bolívar, Martí, Sucre, O’Higgins, San Martín,
Hidalgo, Petión, Morazán, Sandino, y tantos otros próceres,
sin nacionalismos egoístas que nieguen el objetivo de
construir una Patria Grande en la América Latina, según lo
soñaron los héroes de nuestras luchas emancipadoras”255.

Outras Cumbres foram realizadas em 2005, 2006, 2007, 2008,


2009256. A ALBA-TCP é composta na atualidade por Venezuela,
Cuba, Bolívia, Nicarágua, Dominica, Honduras257, Equador, Antígua
e Barbuda e São Vicente e Granadinas.

254 www.alianzabolivariana.org.
<http://www.alianzabolivariana.org/modules.php?name=Content&pa=showpage
&pid=2080>Acessado em 18/11/2011.
255 Ibidem.
256 Em 2006 sob a presidência de Evo Morales, a Bolívia entra para a ALBA a partir

da assinatura do Tratado de Todos os Povos (TCP). A Nicarágua assina a sua


inclusão. Dominica e Honduras assinam sua inclusão. Banco da ALBA entra em
funcionamento. Em 24 de junho de 2009, o bloco é rebatizado de Aliança
Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos
(ALBA-TCP). Passam a fazer Equador, San Vicente, Granadinas, Antígua e Barbuda.
257 Após o golpe de Estado em 28/06/2008 contra o presidente Zelaya, o candidato

vitorioso Porfirio Lobo apoiado por Washington retirou Honduras da ALBA em


janeiro de 2010.

O Caso Venezuelano
Dilemas e Contradições para a Atuação Antissitêmica da Venezuela

O Tratado de Comércio dos Povos pretende prioriza objetivos


sociais, principalmente nas áreas de educação e saúde,
155
respeitando a soberania de cada Estado258.
Outro passo importante na direção de maior autonomia
econômica frente à necessidade de recursos internacionais foi a
criação do Banco da ALBA. A iniciativa do banco surgiu na VI
Cumbre da ALBA, na cidade de Caracas, em janeiro de 2008. Com
o banco, os países membros da ALBA-TCP ou outros que venham a
participar do projeto, podem ter condições de financiamento para
os seus projetos em bases econômicas mais vantajosas.
Prosseguindo com a ideia de independência econômica frente aos
centros financeiros do sistema-mundo especialmente norte-
americano, foi criada uma “moeda” regional para as trocas
comerciais entre os países da ALBA-TCP. Na VII Cumbre realizada
em 2009 foi deliberada a criação de uma moeda, o Sistema
Unitário de Compensação Regional de Pago (SUCRE). O objetivo é
diminuir cada vez mais a dependência do dólar nas transações
comerciais.
Inicialmente o SUCRE não existirá fisicamente, somente de modo
virtual. Ele servirá para a padronização do intercâmbio comercial
e para pagamentos entre os bancos centrais dos países que
tiverem aderido ao sistema. É possível notar claramente a
influência do Euro como padrão a ser seguido pelos países
envolvidos. O valor do SUCRE decorre de uma média de valores
das moedas dos países que assinaram o Tratado Constitutivo do

258 “Son tratados de intercambio de bienes y servicios para satisfacer las


necesidades de los pueblos. Se sustentan en los principios de solidaridad,
reciprocidad, transferencia tecnológica, aprovechamiento de las ventajas de cada
país, ahorro de recursos e incluyen convenios crediticios para facilitar los pagos y
cobros.
Los TCP nacen, para enfrentar a los TLC, Tratados de Libre Comercio, impuestos
por Estados Unidos, que conducen al desempleo y la marginación de nuestros
pueblos, por la destrucción de las economías nacionales, a favor de la penetración
del gran capital imperialista”. “¿Qué son los TCP Tratados de Comercio de los
Pueblos?”
Portal ALBA.
<http://www.alianzabolivariana.org/modules.php?name=Content&pa=showpage
&pid=2080> Acessado em 15/11/2011.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

SUCRE. A fase final do SUCRE ocorrerá com a emissão física da


moeda, sem data estipulada para acontecer.
156
Em 27 de janeiro de 2010 foram emitidos 152 milhões de “sucres”
para distribuição entre os países aderentes e no dia 03 de
fevereiro foi feita a primeira operação comercial envolvendo a
Venezuela e Cuba com o SUCRE.
Comparando com o MERCOSUL 259, que já possui mais de duas
décadas de existência, o avanço da ALBA-TCP no quesito de
implantação de uma moeda única demonstra a vontade politica da
Venezuela em acelerar o processo de integração monetária.
Sabemos que as economias da ALBA-TCP possuem pequeno
desenvolvimento, fato que, quando comparado às economias do
Brasil e Argentina, por exemplo, facilitariam a integração
monetária no médio e longo prazo. Sem contar os aspectos
políticos domésticos que influenciam políticas macroeconômicas
que dificultariam a criação da moeda única no MERCOSUL.
Contudo, o aspecto mais importante é o político e simbólico. Mais
especificamente ao colocar a questão da unificação monetária
como um objetivo importante dentro da integração econômica da
ALBA-TCP, e implementá-lo em um curto espaço de tempo.

5.1.2 – MERCOSUL

Com a perspectiva de manter-se inserida e participar da vida


econômica latino-americana com parceiros de maior importância,
como o Brasil e a Argentina, a Venezuela ratificou o protocolo de
entrada ao MERCOSUL em 04/07/2006.
A parceria com o Brasil, por exemplo, é de grande importância
para os venezuelanos. O destaque alcançado por Brasília na última

259 Em 24 de julho de 1998 foi assinado em Ushuaia na Argentina um documento


que previa a criação de uma moeda única para o MERCOSUL, o que representaria o
último passo para uma integração. O prazo para implementação da moeda seria de
14 anos. Contudo, as inúmeras assimetrias existentes entre os membros do bloco
não permitiram passos concretos a efetivação da moeda única.

O Caso Venezuelano
Dilemas e Contradições para a Atuação Antissitêmica da Venezuela

década reforçou a percepção da liderança brasileira no cenário


internacional como um interlocutor reconhecido pela
157
comunidade. Seu interesse em participar do MERCOSUL é
perfeitamente natural para o projeto antissistêmico e bolivariano
de Hugo Chávez.
Em dezembro de 2009 o Senado brasileiro aprovou a entrada da
Venezuela no MERCOSUL. A Venezuela é um Estado associado em
processo de adesão. A última fase da configuração do país como
pleno é a votação do Congresso paraguaio o que só ocorreu em
2012260.
A adesão ocorreu ao MERCOSUL após a saída do país da
Comunidade Andina de Nações em 2006. O que precipitou tal
decisão foi a assinatura de TLCs com os EUA por parte da
Colômbia e Peru. Segundo os venezuelanos,

(...) “os TLCs promoviam os princípios do liberalismo norte-


americano, cujo objetivo era unificar os mercados do
mundo para obter mais expansão. Tais objetivos fugiam
totalmente da política de integração latino-americana que
promove o governo venezuelano baseada em quatro
princípios: cooperação, solidariedade, complementação
econômica e respeito à soberania das nações” 261.

O governo venezuelano foi veemente em suas críticas à


aproximação de peruanos e colombianos da órbita de influência
dos EUA. Tais tratados, portanto, fugiriam totalmente da
perspectiva antissistêmica defendida pela Venezuela. Se o objetivo

260 O Senado paraguaio, dominado pelo Partido Colorado, de oposição, que


argumenta que não há garantias de democracia plena na Venezuela, pré-condição
para integrar o bloco, segundo o Protocolo de Ushuaia. Isso explicaria a demora na
aprovação da Venezuela em tornar-se membro pleno do MERCOSUL. Contudo, o
golpe político contra o presidente Fernando Lugo em junho de 2012, ferindo o
processo democrático interno ocasionou a suspensão do Paraguai do MERCOSUL
até 2013. Sem a oposição do Paraguai, a Venezuela foi incorporada oficialmente em
31 de julho de 2012.
261 Carlos Romero Méndez. Op. cit., pp. 27-28.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

é diminuir e até mesmo eliminar a influência de Washington, não


existiria sentido em manter-se em um organismo que mantém
158 característica oposta.

5.1.3 – CELAC

Em julho de 2008, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva


convocou a I Cúpula de Mandatários da América Latina e Caribe
com o objetivo de debater e estabelecer objetivos para o
desenvolvimento regional e a integração. Posteriormente em
fevereiro de 2010, em Playa del Carmen (México), conjuntamente
com a XXI Cúpula do Grupo do Rio e a II Cúpula da América Latina
e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (CALC) 262,
efetivou-se com a criação da Comunidade dos Estados Latino-
Americanos e Caribenhos (CELAC). Na Declaração de Cancún263 foi
decidido:

1. Intensificar el diálogo político entre nuestros Estados y


traducir, a través de la concertación política, nuestros
principios y valores en consensos. La región requiere de
una instancia de concertación política fortalecida que
afiance su posición internacional y se traduzca en acciones
rápidas y eficaces que promuevan los intereses
latinoamericanos y caribeños frente a los nuevos temas de
la agenda internacional.
2. Intensificar para ello, la concertación de posiciones
regionales de cara a reuniones y conferencias de alcance
global y adoptar un perfil más dinámico a favor de la
concertación política y del trabajo de interlocución con
otras regiones y países en la convicción de que ese diálogo
contribuye a proyectar a la región y aumentar su influencia

262 EUA e Canadá não foram convidados a participar.


263<http://www.celac.gob.ve/index.php?option=com_content&view=article&id=27

&Itemid=3&lang=es> Acesso 02/06/2012.

O Caso Venezuelano
Dilemas e Contradições para a Atuação Antissitêmica da Venezuela

en el escenario internacional globalizado e


interdependiente.
159
3. Reafirmar que la preservación de la democracia y de los
valores democráticos, la vigencia de las instituciones y el
Estado de Derecho, el compromiso con el respeto y la plena
vigencia de todos los derechos humanos para todos, son
objetivos esenciales de nuestros países.
4. Impulsar una agenda integrada, con base en el
patrimonio del Grupo de Río y los acuerdos de la CALC, así
como de los mecanismos y agrupaciones de integración,
cooperación y concertación ya existentes, que constituyen
todos, de conjunto, un valioso activo regional que se
sustenta en los principios y valores compartidos, con el
propósito de dar continuidad a nuestros mandatos
mediante un programa de trabajo que promueva vínculos
efectivos, la cooperación, el crecimiento económico con
equidad, justicia social, y en armonía con la naturaleza para
un desarrollo sostenible y la integración de América Latina
y el Caribe en su conjunto.

Dentro dessa perspectiva, a CELAC oferece outra arena para


aumentar a independência política e econômica dos países latino-
americanos em relação a Washington, principalmente dos países
que fazem parte a ALBA-TCP264.

264 Os objetivos da CALC são: “Profundizar la integración regional y establecer


compromisos efectivos de acción conjunta para la promoción del desarrollo
sostenible de sus pueblos; Fortalecer la cooperación en áreas de interés común;
Construir un espacio común con el propósito de profundizar la integración política,
económica, social y cultural de nuestra región y establecer compromisos efectivos
de acción conjunta para la promoción del desarrollo sostenible de América Latina y
el Caribe; Convencidos de que la región de América Latina y el Caribe debe seguir
reafirmando su presencia en los foros de los que forma parte y pronunciarse sobre
los grandes temas y acontecimientos de la agenda global; Intensificar el diálogo, la
interacción y la sinergia entre los mecanismos regionales y subregionales de
integración en América Latina y el Caribe para profundizar la integración y
acelerar el desarrollo mediante la articulación de proyectos comunes y
complementarios; Identificar e implementar estrategias de cooperación Sur-Sur y
triangular que potencien los esfuerzos en el ámbito de la cooperación técnica entre

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

É possível constatar que a participação enfática venezuelana nos


fóruns latino-americanos, se desenvolve na perspectiva de criação
160 de uma proposta antagônica à ideia de integração defendida por
Washington com a ALCA desde 1994.

Na tabela 12 podemos observar como o processo de interação


vem ocorrendo continente. A partir de dos anos 1990, o
MERCOSUL e o novo contexto político da América Latina acelerou
a perspectiva “integracionista”, apesar das assimetrias existentes.
O processo de integração, pelo menos político, se acentua cada vez
mais sem a presença de Washington, e fortalece a ideia
bolivariana defendida pelo presidente venezuelano: uma
unificação política e econômica da região. Nesta direção tivemos a
assinatura do Tratado Constitutivo da UNASUL em maio de 2008.

los países de la región; Profundizar la coordinación de posiciones para proyectar


una visión común de América Latina y el Caribe en diálogos externos”.
<http://www.celac.gob.ve/index.php?option=com_content&view=article&id=15&I
temid=10&lang=pt> Acesso em 02/06/2012.

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Dilemas e Contradições para a Atuação Antissitêmica da Venezuela

5.1.4 – UNASUL
161

Denominada inicialmente de Comunidade Sul-Americana de


Nações, configurou-se a partir da integração de duas uniões
aduaneiras: MERCOSUL e CAN. A ideia é manter o processo de
integração do continente em processo dinâmico permanente.
Contudo, a proposta foi vista com ceticismo em virtude das
disparidades políticas e econômicas existentes. Sob o ponto de
vista de consolidação do projeto no médio e longo prazo,
acreditamos que ele terá sucesso por demonstrar a importância
da integração das nações do continente em busca de metas
comuns ante a um sistema-mundo em crise.
A UNASUL possui sete conselhos que envolvem as seguintes áreas:
Desenvolvimento Social, Combate ao Tráfico de Drogas, Educação,
Cultura, Ciência, Tecnologia e Inovação; Energia, Infraestrutura e
Planejamento, Economia e Finanças. São tais conselhos que terão
a função de colocar em prática medidas que promovam o
desenvolvimento o subcontinente nestas áreas.
Um aspecto importante na proposta da UNASUL é que ela facilita a
discussão de integração física do continente além do aspecto
econômico. “Diminuir as distâncias” é um fator fundamental na
integração sul-americana. Com a integração política, econômica e
de infraestrutura, a região passa a contar com maior força para
enfrentar os desafios impostos pelo processo de globalização, ao
mesmo tempo em que diminui a sua dependência dos mercados
internacionais. O mapa 3 oferece uma visão do peso econômico da
UNASUL frente às duas potências econômicas.
Neste aspecto, a IIRSA, criada em 2000 por uma proposta do
governo brasileiro, e que contou com o apoio dos 12 países da
região, criou o ambiente favorável para a discussão sobre a
importância da integração da infraestrutura regional latino-
americana.
Com países com níveis de desenvolvimento econômico díspares é
fundamental que a infraestrutura seja uma das prioridades para a
real integração da região, facilitando comércio entres as nações,

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

bem como o próprio desenvolvimento social. O projeto conta com


o apoio financeiro do BID, da CAF, do FONPLATA e do BNDES.
162
Para os países que possuem economias de menor porte, a IIRSA
surge como uma grande oportunidade para melhorar a sua
infraestrutura, fato que dificilmente ocorreria pela falta de
recursos desses países. Trata-se de um grande avanço para a
região.

5.2– Desafios Para a Atuação Antissistêmica

Após o colapso do socialismo real no início dos anos 1990, a


economia-mundo capitalista tornou-se hegemônica e incorporou
quase todo o planeta. A própria China (que se denomina
“comunista”) inseriu-se na economia-mundo capitalista no início
dos anos 1980 e assumiu padrões civilizatórios dentro da lógica
de consumo. Não discutimos aqui a questão do sistema político do
país baseado no partido único e que contraria os preceitos liberais
defendidos no Ocidente.
A atuação fora dessa lógica econômica e social é extremamente
complicada em função do capitalismo ser um sistema social
histórico e um processo civilizatório267. Mais do que o consumo
como base econômica, o sistema-mundo capitalista organiza
também o nível cultural através da ideologia. Trata-se de um

267 Wallerstein em seu livro Capitalismo Histórico e Civilização Capitalista analisa


de maneira detalhada a configuração do capitalismo enquanto fenômeno que
transcende o aspecto econômico. Segundo ele: “O Capitalismo é, em primeiro lugar
e principalmente, um sistema social histórico”. (...) “Algo distingue o sistema social
que estamos chamando de capitalismo histórico: nele, o capital passou a ser usado
(investido) de maneira especial, tendo como objetivo, ou intenção primordial, a
auto-expansão. Nesse sistema, o que acumulou no passado só é ‘capital’ na medida
em que seja usado para acumular mais da mesma coisa. Trata-se de um processo
complexo, até sinuoso (...). Usamos a expressão ‘capitalistas’ para nomear essa
meta persistente e autocentrada do detentor do capital (a acumulação de mais
capital) e as relações que ele tem de estabelecer com outras pessoas para alcançá-
lo”. (...) pp. 13-14.

O Caso Venezuelano
Dilemas e Contradições para a Atuação Antissitêmica da Venezuela

estágio de desenvolvimento no qual as economias estão cada vez


mais conectadas, e o padrão cultural é ditado a partir dos países
163
centrais hegemônicos através do controle de capital, dos meios de
comunicação tradicionais e digitais.
A tentativa da Venezuela de atuar de maneira antissistêmica
envolve uma série de problemas. Para o país a baixa
industrialização e a dependência do petróleo representam os
principais obstáculos para uma atuação antissistêmica
consistente. A industrialização venezuelana nos atuais patamares
coloca o país em condições econômicas vulneráveis, pois cria a
necessidade de importações de bens de produção e de consumo,
impedindo uma real independência dentro do atual sistema-
mundo.
Até o presente momento, Hugo Chávez não conseguiu lograr
sucesso na criação de condições econômicas que superem o
paradigma do atraso industrial da Venezuela. A dependência do
petróleo é o mais paradigmático problema do país.
Mais preocupante para o desempenho da Venezuela como ator
antissistêmico no sistema-mundo capitalista é ter uma vinculação
econômica de grande importância com o seu inimigo declarado: os
EUA. As exportações petrolíferas para os Estados Unidos
apresentam uma grande importância para a economia da
Venezuela. Sabemos também que o rompimento com tal modelo
não pode ser feito em pouco tempo; requer algumas décadas para
cindir com tal processo histórico. Contudo, é imperativa a
necessidade de uma mudança deste paradigma econômico quando
se pensa em uma atuação antissistêmica.
São reais os esforços de Chávez na diversificação dos seus
parceiros econômicos. A dinamização da ALBA-TCP, UNASUL e as
“petros” no subcontinente estão dentro deste projeto. A
integração regional latino-americana vai ao encontro desta
perspectiva, pois diminui a dependência econômica dos EUA.
Entretanto, o petróleo segue com o principal produto de
exportação do país para os EUA, como poderemos verificar no
gráfico 4.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

O sistema-mundo capitalista impede que os países consigam uma


autonomia comercial e tecnológica perante as outras nações. Isso
164 é utópico do ponto de vista prático. A maior nação do sistema-
mundo não possui esta autonomia. A relação com China, o déficit
comercial com os japoneses, e a dependência do petróleo do
Oriente Médio, e até mesmo da Venezuela, demonstram a
impossibilidade de uma autonomia total dos EUA.

Gráfico 4

A diversificação dos parceiros comerciais é uma boa saída para a


economia venezuelana, contudo pode criar outras dependências
no longo prazo. A dependência estrutural é o principal problema
para qualquer país. Como exemplo, podemos citar o aumento da
influência chinesa no continente.

O Caso Venezuelano
Dilemas e Contradições para a Atuação Antissitêmica da Venezuela

Como analisamos no capítulo 3, a participação chinesa na América


Latina e na Venezuela aumentou consideravelmente 268. A
165
duplicação do FCCV em 2009, foi importante para o país ao
garantir mais recursos em caixa para eventuais problemas
decorrentes da crise sistêmica de 2008269. Contudo, isso aponta
para a possibilidade do deslocamento da dependência para os
chineses.
Por outro lado, na arena política-ideológica, a Venezuela
conseguiu sair-se bem em nossa concepção. Desde que Chávez
iniciou o seu projeto de uma inserção antissistêmica no sistema-
mundo atual, o país conseguiu grande destaque. O número de
países que passaram a aceitar a sua liderança no processo
político-econômico regional aumentou consideravelmente. O
sucesso da ALBA-TCP, a despeito das críticas feitas ao bloco, é um
dos exemplos da atuação antissistêmica venezuelana.
A Venezuela participa de todos os fóruns regionais com propostas
sempre voltadas para a integração, diminuição da dependência
financeira internacional, e da denúncia do imperialismo norte-
americano no continente. Como já salientamos, a América Latina
perdeu importância gradativa nas últimas décadas, e parece que
uma volta à hegemonia de Washington está cada vez mais
distante.
A Venezuela seria realmente um player internacional? Em nossa
concepção, a Venezuela, dentro de suas possibilidades
econômicas, políticas e militares, conseguiu um grande destaque
como player internacional limitado sob o projeto antissistêmico de
Hugo Chávez. Logicamente devemos situar este desempenho
dentro de parâmetros compatíveis à Venezuela.

268 “A presença de Beijing é cada vez maior no comércio. Um exemplo disso é o fato
de a China ter mais que dobrado sua participação nas importações realizadas pelos
países sul-americanos desde 2003. A parcela aumentou de 5,38% para 12,07% em
2008, segundo a Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da América do
Sul. O total importado subiu mais de 700%, de US$ 6,5 bilhões para US$ 54,6
bilhões”. (...) Rafael Gonçalves de Lima. “O expansionismo chinês na América do
Sul. Quais as consequências para o Brasil?”
<http://www.watershed.com.br/files/artigos/94435_o_expansionismo_chin%C3
%AAs_na_am%C3%A9rica_do_sul.pdf> Acesso em 08/06/2012.
269 Ibidem.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

A utilização do chamado soft power através da utilização do


“petróleo com fins humanitários” é outra forma da Venezuela
166 conseguir uma “boa imagem” na América Latina. A venda de
petróleo subsidiado aos cubanos e a preços menores para outros
países da ALBA-TCP colaboram para uma boa imagem da
Venezuela. Por outro lado, as elites conservadores promovem
através da mídia justamente o contrário entre as classes médias
latino-americanas: denunciam a Venezuela como tendo um
governo ditatorial, apesar das eleições serem monitoradas pelos
organismos internacionais.
A sua política externa pró-ativa e independente das pressões
vindas de Washington pode ser visualizada pelos contatos feitos
com países que figuram ou figuraram como “inimigos” de
Washington. Um caso destacado foram os contatos com Teerã.
Quando toda a comunidade internacional fazia uma forte pressão
contra o Irã, a Venezuela em nenhum momento pensou em seguir
as orientações emanadas principalmente de Washington e
manteve inúmeros contatos de alto nível entre os dois países
como assinalamos no capítulo 4.
A posição venezuelana na construção de um mundo multipolar se
caracteriza de maneira mais enfática do que a vista em países
como o Brasil, Rússia ou China. O que denominamos como
“enfático” é que o Palácio de Miraflores nomeia o “inimigo”
claramente como sendo os EUA e denuncia seus “atos” sem se
importar com aspectos diplomáticos de suas afirmativas.
A despeito das contradições existentes, a Venezuela vem
conseguindo desenvolver o seu papel antissistêmico dentro de um
processo dialético, ou seja, que envolve inúmeros avanços e
retrocessos. Os resultados só poderão ser avaliados com a
superação dessas dicotomias.

O Caso Venezuelano
Conclusão
Charles Pennaforte

A
S contradições inerentes ao sistema-mundo
contemporâneo demonstram que o surgimento dos
168 movimentos antissistêmicos é uma decorrência “natural”
das relações desiguais existentes dentro do atual modelo de
acumulação. Na busca de uma melhor posição dentro da
economia-mundo capitalista, atores sociais e estatais procuram se
defender da dinâmica irracional e predatória sistêmica, cujo
símbolo são as formações de blocos econômicos que diminuam as
assimetrias, por exemplo.
A Venezuela, é como procuramos demonstrar ao longo do
trabalho, um exemplo importante de atuação antissistêmica.
Nossa preocupação foi fornecer uma nova forma de compreensão
do país sob o governo Hugo Chávez, fugindo do senso comum de
associar o líder venezuelano a mais um “líder populista”, sem
projeto político de poder coerente, inserindo a Venezuela no
cenário internacional de maneira “desastrada”, além de
associarem única e exclusivamente a atual diplomacia
venezuelana a uma “diplomacia petroleira”. Tal visão tem como
objetivo desqualificar a realidade de transformação por qual passa
a nação de Símon Bolívar e do que acontece na América Latina.
O líder venezuelano reinseriu no cenário político e ideológico a
ideia do socialismo como uma solução para os problemas
originados pelo capitalismo neoliberal e suas consequências
sociais, ambientais etc. Para a superação do neoliberalismo,
Chávez utiliza algumas categorias marxistas adaptando-a à
realidade contemporânea venezuelana e mesclando-a com a
elaboração teórica de Símon Bolívar. Surgiu, assim, o Socialismo
do Século XXI.
Desde o fim do bloco socialista, a partir de 1989, a proposta
socialista entrou em refluxo como ferramenta teórica de
superação do capitalismo. Chávez reintroduziu esta discussão,
utilizando a Venezuela como o locus para a colocação em prática
do “novo” socialismo que defende.
Algumas críticas ao socialismo do século XXI são pertinentes
quando se referem ao que seria o “personalismo” de Chávez na
condução do projeto. O fato é que os críticos procuram somente
tecer críticas que não estejam focadas estritamente no arcabouço

O Caso Venezuelano
Conclusão

teórico da proposta, ou seja, procuram enquadrar a proposta do


socialismo do séc. XXI como uma “variação” do populismo latino-
americano do século XX, baseadas na falta de organização popular 169
e na ausência permanente de uma cultura política por parte da
população.
Desse modo procuramos ir na direção contrária do senso comum
da abordagem conservadora ao fornecer uma análise sobre as
bases que explicam o projeto de Hugo Chávez. Assim, acreditamos
que o socialismo do séc. XXI esteja dentro de um processo
dialético de construção que envolverá avanços e retrocessos.
É importante mencionar que o contexto internacional derivado do
fim do bloco socialista e da adoção do neoliberalismo em termos
continentais nos anos 1990, criou as condições de necessárias
para o florescimento de saídas “à esquerda” na América Latina. A
própria política externa norte-americana para o continente
baseada no intervencionismo, como foi visto, é uma das causas
para que as alternativas antissistêmicas surgissem.
Sem o medo do comunismo na América Latina para guiar o
Departamento de Estado em Washington na América Latina e ao
mesmo tempo em que as preocupações voltaram-se com grande
ênfase para o Oriente Médio, foi possível para as forças políticas
de esquerda colocar os seus projetos políticos e econômicos
voltados para os interesses das classes menos favorecidas.
Com esse cenário surgiu a Venezuela Bolivariana a partir do final
dos anos 1990, Hugo Chávez e o seu Socialismo do Séc. XXI,
entrando definitivamente para o cenário e o discurso político em
todo o mundo.
O destaque alcançado pela Venezuela na arena internacional foi
outro aspecto importante. Com o objetivo de consolidar uma
imagem de independência frente aos EUA, principalmente após o
golpe de 2002, Chávez manteve contatos com vários países,
principalmente os que atuavam no polo oposto aos interesses de
Washington.
Fez-se ao longo do trabalho uma análise detalhada dessas relações
e de suas contradições para o país. A diversificação econômica
sem uma transformação da base industrial do país certamente

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

manterá a dependência, com novos países envolvidos, mantendo o


ciclo de atraso industrial.
170 Também se pode verificar o trabalho incansável de Caracas no
processo de integração econômica regional. A Criação da ALBA-
TCP em um curto espaço de tempo e a colocação em prática de
trocas econômicas baseadas em princípios que não sejam o de
acumulação pura e simples entre as nações participantes é a nosso
ver, marcante.
Tendo como base o que foi apresentado neste trabalho, a
Venezuela passou a desempenhar um papel de grande
importância antissistêmica e se configurou como uma alternativa
ao modelo neoliberal de integração baseado na ALCA. Por outro
lado, ofereceu uma resposta para a integração política e
econômica com a formação da ALBA-TCP; conquistou países para
o seu projeto bolivariano; aumentou do comércio entre os países
membros etc.
Sabemos que todo esse processo de atuação antissistêmica está
associado à sua capacidade financeira originada pelo petróleo.
Outro país não teria tal capacidade de atuar de tal forma nos
moldes atuais econômicos e geopolíticos sem recursos financeiros
do mesmo porte.
Sem dúvida nenhuma, o final do século XX e as primeiras décadas
do séc. XXI são de grande importância para os rumos da América
Latina rumo à construção de uma comunidade de nações unidas
pelos interesses de suas populações e na direção de um processo
de integração regional que não seja norteado por interesses
externos.

O Caso Venezuelano
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_____________. Universalismo europeu. São Paulo, Boitempo
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____________. O declínio do poder Americano. Rio de Janeiro,
Contraponto, 2004.
____________. Utopística ou as decisões históricas de século vinte
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____________. Capitalismo histórico e civilização capitalista. Rio
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O Caso Venezuelano
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VOIGT, Márcio Roberto. A Análise dos sistemas-Mundo e a
Política Internacional: uma Abordagem Alternativa das
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REIS, Carlos Nelson dos, OLIVEIRA, Mara de & PINHEIRO, Lessi. A
Pobreza na América Latina no pós-reformas estruturais: a
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Latinoamericana.
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WEBER, M. Os três tipos puros de dominação legítima. In :
COHN, G. (org.). Weber : Sociologia. 7ª ed. São Paulo, Ática, 1999.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

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http://www.alianzabolivariana.org/
http://www.minci.gob.ve/lineas-de-chavez/82
http://www.pptunasur.com/inicio.php?idiom=1
http://www.immanuelwallerstein.com
http://www.faculty.rsu.edu/~felwell/Theorists/Wallerstein/inde
x.htm
http://www.gpepsm.ufsc.br/html/index.php
http://wsarch.ucr.edu/
http://fbc.binghamton.edu/
http://irows.ucr.edu/
http://www.mre.gov.ve/
http://www.minci.gob.ve
http://www.alba-tcp.org/
http://venezuelanalysis.com
http://www.tradingeconomics.com/
http://www.wtrg.com/
http://www.eia.gov/

Entrevistas disponíveis na Internet

Immanuel Wallerstein (Programa Milênio da GloboNews)


<http://www.youtube.com/watch?v=8XeJICHkNW4>
Questions sur les États-Unis et le Monde : Les États-Unis face à
leur decline (2006)
<http://www.youtube.com/watch?v=nBuusuj7c3s>

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

Breakfast with Immanuel Wallerstein - On Latin America (2010)


<http://www.youtube.com/watch?v=G30fv0ZUWEo>
183
Breakfast with Wallerstein - On Central Asia (2010)
<http://www.youtube.com/watch?v=biDhDJ3vj0Y>
Immanuel Wallerstein on the end of Capitalism (2009)
<http://www.youtube.com/watch?v=nLvszWBf6BQ>
Wallerstein on the Structures of Knowledge
<http://www.youtube.com/watch?v=THR_Yks7YkU>

Filmes/DVDs

Hugo Chávez. Programa Roda Viva, 2005.


Ao Sul da Fronteira. Oliver Stone, 2010.

Notícias
“Nicaragua and Venezuela’s Well-Oiled Relationship”.
30/06/2011.
<http://blog.american.com/2011/06/ortegas-nicaragua-to-
chavez-please-dont-die-please/> Acessado em 22/11/2011.
“Forças armadas de Nicarágua e Venezuela fortalecem vínculos”.
11/07/2011
<http://www.outroladodanoticia.com.br/inicial/17684-forcas-
armadas-de-nicaragua-e-venezuela-fortalecem-vinculos.html>
Acessado em 23/11/2011.
“Venezuela's Chávez bankrolled Nicaragua with $1.6 billion since
2007”. 07/04/2011.
<http://www.csmonitor.com/World/Americas/2011/0407/Vene
zuela-s-Chavez-bankrolled-Nicaragua-with-1.6-billion-since-
2007> Acessado em 22/11/2011.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

“Flush with Chávez petro-dollars, Nicaragua’s Ortega eyes


controvesial third term”. 04/11/2011.
184 <http://worldcrunch.com/flush-ch-vez-petro-dollars-nicaragua-
s-ortega-eyes-controversial-third-term/4043>
Acessado em 22/11/2011.
“Venezuela volta a comprar títulos da Argentina”. 23/11/2007.
<http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,venezuela-
volta-a-comprar-titulos-da-argentina,84646,0.htm>
Acesso 23/11/2011.
“China e Venezuela renovam fundo de crédito com ampliação de
US$ 4 bilhões”. 19/06/2011.
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/12848/china
+e+venezuela+renovam+fundo+de+credito+com+ampliacao+de+
us+4+bilhoes.shtml> Acessado em 30/11/2011.
“Chávez Says China to Lend Venezuela $20 Billion”. April 18, 2010
<http://www.nytimes.com/2010/04/19/world/americas/19ven
ez.html> Acessado em 29/11/2011.
“China es un aliado natural de Venezuela”. 21 de agosto de 2006.
<http://www.minci.gob.ve/noticiasprensapresidencial/28/10016
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“China refuerza su presencia económica en Venezuela”.
19/09/2010.
<http://www.eluniversal.com/2010/09/19/eco_ava_china-
refuerza-su-pr_19A4488651.shtml> Acessado em 30/11/2011.
“Convenio China-Venezuela avanza con la construcción de 5 mil 360
apartamentos en Barinas”.
<http://www.noticias24.com/actualidad/noticia/220588/conven
io-china-venezuela-avanza-con-la-construccion-de-5-mil-360-
apartamentos-en-barinas/> Acessado 29/11/2011.
“Participação popular aumentou na Venezuela, mas amigos do rei
continuam se fartando, diz sociólogo”. 19/12/2008.

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/16430/w
ww.derechos.org.ve> Acessado em 02/01/2012.
185

ANEXOS

RESUMO HISTÓRICO: 1908-2012

1908
 O general Juan Vicente Gómez assume o controle do país
após um golpe. Com apoio dos EUA abre a economia da
Venezuela ao capital estrangeiro. Pemanece no poder por
quase três décadas.
1920
 Na bacia do Lago Maracaibo, o poço perfurado pela Shell
começa a produzir 100 mil barris/dia.
1928
 Protestos estudantis localizados em Caracas (Universidad
Central) são reprimidos ferozmente.
1931
 Fundação do Partido Comunista da Venezuela.
1935
 Morre Juan Vicente Gómez.
1936
 O ministro da Guerra, general Eleazar López Contreras
assume a presidência.
1941
 Assume a presidência o general Isaías Medina Angarita
(abril).

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

 Criação da Ação Democrática (AD), social-democrata, por


Rómulo Gallegos e Rómulo Betancourt (setembro).
186 1943
 Lei do Petróleo. Limita atuação das empresas
estrangeiras. Criação do regime de concessão.
1945
 Medina Angarita é deposto por uma rebelião militar
(outubro).
 Rómuto Betancourt preside junta composta por cinco
civis e dois militares.
1947
 É criado o partido COPEI, de orientação social-cristã.
1948
 O presidente Rómulo Gallegos é deposto por um golpe
militar.
 Os partidos políticos são declarados ilegais.
1952
 Ocorrem eleições e os golpistas são derrotados. Contudo,
Pérez Jimenez (golpista) é declarado vencedor.
1958
 Crise econômica favorece o fim da ditadura.
 O Pacto de Punto Fijo é estabelecido em 31 de outrubro
pelos partidos que se opuseram à Ditadura (AD,COPEI e URD).
O PCV não adere ao acordo. No pacto fica estabelecido a
governabilidade e a alternãncia no poder, principalmente
entre AD e COPEI.
 Em dezembro, Rómulo Betancourt (AD) é eleito
presidente.

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

1959-1962
 Em Porto Cabello e Carúpano ocorrem rebeliões militares
que são derrotadas. 187
 A oposição de esquerda, principalmnete o PCV, aderem à
luta armada.
1961
 Aprovada nova Constituição em janeiro.
1965
 A guerrilha da PCV não produz os efeitos desejados e é
revisra pela agremiação política.
1973
 Primeiro choque do petróleo, com o preço do barril
quaduplicando.
 Carlos Andrés Perez assume o governo, dando início anos
“anos dourados” da Venezeula.
1976
 É criada a PDVSA e o pretóelo é nacionalizado.
1982
 Hugo Chávez e outros companheiros criam o Movimento
Bolivariano 2000 dentro do exército. Sua atuação é
clandestina.
1983
 Em fevereiro ocorre a Sexta-feira Negra, colocando fim
aos “anos de ouro” do país. O preço do barril de petróleo cai
vertiginosamente, ao mesmo tempo em que há a
desvalorização da moeda.
1989
 Carlos Andrés Pérez torna-se presidente pela segunda vez
com prosotas de “reviver” os “anos dourados”.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

1992
 O então tenente-coronel Hugo Chávez lidera militares
188 para derrubar o governo em fevereiro e não obtém sucesso. É
preso.
 Em novembro a Marinha e a Força Aérea também fazem
levantes mas fracassam.
1993
 Sem apoio político Andrés Carlos Pérez é destituído da
presidência por corrupção em maio.
 Em dezembro Rafael Caldera retorna a presidência
através de eleições.
1994
 Governo de Rafael Cladera enfrenta as pmieiras crises
econômicas.
 Hugo Chávez e seus liderados são anistiados.
1996
 Para fazer frente à crise econõmica, Caldera apresenta um
plano de privatizações denominado Agenda Venezuela. A
PDVSA está entre as empresas que serão privatizadas.
1997
 O partido Movimento V República (MVR) liderado Chávez
é inscrito no sistema eleitoral.
1998
 Hugo Chávez é eleito presidente com 56% dos votos.
1999
 Convoca uma Assembleia Nacional Constituinte para criar
uma nova Constituição. Em dezembro ela é aprovada com
mais de 70% dos votos.
2000
 Petróleo apresenta substacial aumento de preço.

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

 Em julho é eleito um novo Congresso e governadores.


2001
189
 O governo decreta um pacote de 49 leis em dezembro.
 A Fedecámaras e a Central de Trabalhadores da
Venezuela (CTV) promovem uma paralisação nacional de
“protesto”.
2002
 Em abril mais uma paralização nacional convocada pela
Fedecámaras, CTV e diretores da PDVSA.
 Golpe de Estado para depor Hugo Chávez patrocinado
pela direita e com o apoio dos EUA.
 O golpe é derrotado e em dezembro a oposição convoca
um “paro nacional” que provoca uma séria crise econômica
com perdas de USD 7 bilhões segundo o governo.
2003
 Em fevereiro acaba a paralisação e o PIB caiu cerca de
10%.
 Em novembro a oposição tenta recolhecer assinaturas
para um refendo para revogar o seu mandato, segundo as
regras da Constituição
2004
 Em junho, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anuncia
que a oposição conseguiu reunir mais de 2,4 milhões de
assinaturas para validar o plebiscito revogatório do mandato
de Chávez.
 Chávez vence referendo revogatório com 59% dos votos e
é ratificado no cargo em agosto.
2005
 Principais partidos da oposição anunciam em novembro a
retirada das eleições legislativas de 4 de dezembro, alegando
desconfiança no sistema de votação e na direção do CNE.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

 Acontecem eleições legislativas, sem a participação da


oposição. Partidários de Chávez ficam com as 167 cadeiras da
190 Assembléia Nacional, em processo que registrou uma
abstenção superior a 70%.
2006
 Em agosto Chávez formaliza sua inscrição junto às
autoridades eleitorais como candidato à reeleição em 3 de
dezembro.
 O Governador do estado de Zulia, Manuel Rosales, se
candidata à Presidência com o apoio de 41 partidos da
oposição.
 No dia 3 de dezembro Chávez vence eleições para o
período 2007-2013 com mais de 62% dos votos, em processo
marcado pela tranquilidade e por uma participação eleitoral
superior a 75%, segundo dados do CNE.
 No dia 15, Chávez anuncia criação de uma legenda única
chamada Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), por
meio do qual pretende reunir as 24 organizações políticas que
o apoiaram na reeleição.
2007
 Chávez anuncia em janeiro reajuste ministerial com a
designação de Jorge Rodríguez como novo vice-presidente em
substituição a José Vicente Rangel, seu homem de confiança
nos primeiros oito anos de Governo.
 Chávez acompanha juramento dos novos membros do
Governo. Presidente segue apostando no aprofundamento da
"revolução" e na instauração do socialismo do século XXI na
Venezuela. Anuncia que neste novo mandato se nacionalizará
"tudo o que foi privatizado". Em 21 de fevereiro: Chávez,
acompanhado pelo então presidente da Argentina, Néstor
Kirchner, anuncia criação do Banco do Sul.
 No Dia do Traballho, 1º de maio, o Estado venezuelano,
por meio da PDVSA, assume controle operacional das

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

atividades primárias relacionadas com hidrocarbonetos na


região de Orinoco, no centro do país.
 Canal "RCTV" deixa de transmitir deixa de transmitir no 191
dia 27 de maio por sinal aberto após a decisão do Governo
Chávez de não renovar sua concessão, e em meio a fortes
protestos.
 Chávez apresenta em agosto a proposta de reforma
constitucional, que inclui a modificação de 33 dos 350 artigos
da Carta Magna de 1999.
 A Assembleia Nacional aprova em novembro projeto de
reforma de 33 artigos, ampliado posteriormente pelos
deputados para 69. Nesse mesmo dia, CNE convoca referendo
sobre as mudanças constitucionais para 2 de dezembro.
 Em dezembro: Eleitores rejeitam a reforma constitucional
impulsionada por Chávez, que incluía a possibilidade de
reeleição por tempo indeterminado.
2008
 Em 2 de março, a Venezuela ordena a retirada de sua
equipe diplomática em Bogotá em meio a crise envolvendo as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e
anuncia mobilização de tropas na fronteira.
 O Presidente colombiano, Álvaro Uribe, e Chávez abrem
caminho à reconciliação, ratificando no mês de julho o fim das
hostilidades devido ao caso das Farc.
 A Venezuela nacionaliza em 19 de junho o setor
cimenteiro.
 Em setembro a Venezuela expulsa o embaixador
americano em Caracas, em solidariedade com a Bolívia.
 São realizadas eleições regionais 23 de novembro, nas
quais o PSUV ganha 17 dos 22 Governos em disputa e 80%
dos municípios. A oposição fica com Estados-chave.

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

2009
 Em janeiro a Venezuela rompe relações diplomáticas com
192 Israel em protesto pela situação em Gaza.
 Fica agendado para 15 de fevereiro de 2010 o referendo
sobre reeleição ilimitada, projeto que permitiria a Chávez se
candidatar a um terceiro mandato em 2012.
2010
 Referendo em 15 de fevereiro aprova a reeleição
ilimitada, o que abre caminho para que Chávez se candidate
novamente em 2012.
 Em 26 de setembro ocorrem as eleições parlamentares,
nas quais governo e oposição disputam as 165 cadeiras da
Assembleia Nacional.
 O governo do presidente Hugo Chávez conquistou a
maioria das vagas nas eleições para o Parlamento. O partido
governista PSUV conquistou 90 cadeiras das 165 em disputa.
 A oposição, por sua vez, ficou com 59 vagas, mais de um
terço da composição da Casa. A participação dos eleitores foi
de 66,45%, uma das mais altas da história para eleições
legislativas.
2011
 No dia 31 de julho comunica que é portador de câncer.
 Opositores afirmam que o ciclo de Hugo Chávez está
chegando ao fim.
2012
 Apesar da recaída, dos mais de cem dias em tratamento
em Cuba, desde junho passado, o presidente é o favorito
para a eleição presidencial de outubro, com margens de
vantagem de 5 a 33 pontos, dependendo da pesquisa. O
desafiante é o candidato único da oposição, Henrique
Capriles.

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

 Chávez divulga seus feitos, como a injeção de recursos no


programa de habitação, versão venezuelana do "Minha
Casa, Minha Vida". Também criou a missão (sinônimo de 193
programa) "Amor Maior", para idosos, e "Filhos da
Venezuela", para crianças - ambos de transferência de
renda.
 Em maio, em sua mais recente e breve aparição pública,
sancionou uma nova lei do trabalho, que amplia de 4
meses para 6,5 meses a licença maternidade, dificulta a
demissão de trabalhadores, entre outras medidas
populares.
2013
 Hugo Chávez, falece de câncer no dia 05 de março de
2013.

MAPA 01 – VENEZUELA FÍSICO

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

194 MAPA 02 – VENEZUELA POLÍTICO

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

TABELA 13 – VENEZUELA INDICADORES ECONÓMICOS 2010


INDICADORES ECONÔMICOS
195
Venezuela 2010 Valores

PNB Crescimento (Constant Prices, Moeda Nacional) -1.905 %


PNB (Preços correntes, Moeda Nacional) Bolívar Venezuelano
1,002.84 Billion.
PNB (Preços correntes, US Dollars) US$ 290.678 Bilhões
PNB Per Capita (Constant Prices, Moeda Nacional) Bolívar Venezuelano
1,883.11 .
PNB Per Capita (Preços correntes, Moeda Nacional) Bolívar Venezuelano
34,363.55 .
PNB Per Capita (Preços correntes, US Dollars) US$ 9,960.45
PNB (PPC), US Dollars US$ 345.21 Bilhões
PNB Per Capita (PPC), US Dollars US$ 11,829.06
Investimento (% do PNB) 20.683 %
Inflação, média de preços ao consumidor (Indexado 143,119. 22 (Index,
para 2000) ano-base 2000 = 100)
Inflação (Média de preços ao consumidor, variação 28.187 %
%)
Inflação (variação anual %) 27.184 %
Volume de importação de todos os itens, incluindo 0.796 %
bens e serviços (variação percentual)
Volume de importação somente de bens (variação -1.082 %
percentual)
Volume de exportação de todos os itens, incluindo 11.612 %
bens e serviços (variação percentual)
Volume de exportação somente de bens (variação 14.172 %
percentual)
Valor da importação de petróleo US$ 1.508 Bilhões
Valor da exportação de petróleo US$ 62.317 Bilhões
Taxa de desemprego (% da força de trabalho) 8.6 %
População 29.183 Milhões
Dívida pública total (% of PNB) 38.7 %
Ano Fiscal PNB, Preços correntes Bolívar Venezuelano
1,002.84 Bilhões.
Saldo em Conta Corrente (US Dollars) US$ 14.378 Bilhões
Saldo em Conta Corrente (% PNB) 4.946 %

PPC: Poder de Paridade de Compra


Fonte: Economic Watch. Adaptado e traduzido pelo Autor. Acesso em 09/06/2012.
<http://www.economywatch.com/economic-
statistics/country/Venezuela/#yearListing>

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

TABELA 14 – Balança Comercial e Reservas Internacionais da


196 Venezuela, 1998/2008

Fonte: Banco Central de Venezuela; CEPAL, Anuário estatístico de América Latina e


Caribe, 2007
ANÁLISE DE INDICADORES ECONÔMICOS E SOCIAIS DA VENEZUELA, 1999/2008.
Romina Batista de Lucena de Souza e Nali de Jesus de Souza.

TABELA 15 - Evolução da Condição de Pobreza da População


Venezuelana, 1998/2007 (2º semestre)

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE), República Bolivariana de Venezuela.

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

TABELA 16 – Distribuição da renda entre as classes sociais e o


coeficiente de Gini da Venezuela 1998/2007 (%)
197

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE), República Bolivariana de Venezuela.

TABELA 17 – Taxa de desocupação, marzo 1999-2010


Instituto Nacional de Estadística – República Bolivariana da
Venezuela Mayo de 2010

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

TABELA 18 – Venezuela. Tendência de longo prazo do Índice


de Desenvolvimento Humano, 1980-2007
198 Instituto Nacional de Estadística – República Bolivariana da
Venezuela Mayo de 2010

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

TABELA 19 – Venezuela. Evolução do Índice de


Desenvolvimento Humano, 1980-2007
Instituto Nacional de Estadística – República Bolivariana da 199
Venezuela Mayo de 2010

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

TABELA 20 – Taça de mortalidade geral, 1998-2007


Instituto Nacional de Estadística – República Bolivariana da
200 Venezuela Mayo de 2010

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

TABELA 21 – Taxa de mortalidade geral, 1990-2008


Instituto Nacional de Estadística – República Bolivariana da
Venezuela Mayo de 2010 201

Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


Charles Pennaforte

TABELA 22 – Esperança de vida ao nascer, 1989-2009


Instituto Nacional de Estadística – República Bolivariana da
202 Venezuela Mayo de 2010

O Caso Venezuelano
Bibliografia & Anexos

TABELA 23 – Economia da China no Contexto Asiático

203

Fonte: NONNENBERG, Marcelo José Braga. China: estabilidade e crescimento


econômico. Rev. Econ. Polit., São Paulo, v. 30, n. 2, June 2010 . Available from
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Movimentos Antissistêmicos no Sistema-Mundo Contemporâneo


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