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© Leana Oliveira Freitas; Bruna Andrade Irineu; Gláucia Lelis Alves; Erivã Garcia Velasco;

Gabrielle dos Santos (Orgs.)

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dos Santos, Dr. Rodrigo Charafeddine Bulamah, Dra. Silvia Aguião
Conselho Editorial desta Obra
Elaine Rosseti Behring (Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ, Brasil), Ivanete
Saletti Boschetti (Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ, Brasil), Izabel Solysko
Gomes (Universidad de Externado — UEx, Colômbia), Josiley Carrijo Rafael (Universidade
Federal de Mato Grosso — UFMT, Brasil), Lúcio Fernando Oliver Costilla (Universidad
Nacional Autônoma de México — UNAM, México), Rosemeire dos Santos (Universidade
Federal do Tocantins — UFT, Brasil), Sara Aparecida Granemann (Universidade Federal do
Rio de Janeiro — UFRJ, Brasil)
Produção Editorial
Publisher: Douglas Evangelista
Gerente Editorial: Mariana Teixeira
Coordenação Editorial: Rafael Ottati
Revisão do Texto: Equipe Telha
Capa: Fernando Campos
Diagramação: Regina Paula Tiezzi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Isabela Lustosa — CRB-77115
M671 Miradas acerca da América Latina: capitalismo dependente,
crise estrutural e lutas sociais. [recurso eletrônico]  / Leana
Oliveira Freitas...[et al.] (org.). — Rio de Janeiro: Telha, 2020.
326 p. : 00 Kb

Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-86823-73-8 (e-book)

1. América Latina. 2. Capitalismo dependente. 3. Lutas


sociais. I. Freitas, Leana Oliveira; II. Irineu, Bruna Andrade. III.
Alves, Gláucia Lelis. IV. Velasco, Erivã Garcia. V. Santos, Gabrielle
dos. VI. Título.

CDD 306.342

Editora Telha
Rua Uruguai, 380, Bloco E, 304
Tijuca — Rio de Janeiro/RJ — CEP
20.510-052
Telefone: (21) 2143-4358
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Sumário

Prefácio 9

Apresentação 17

Capítulo 1 — Imperialismo e Dependência:


Origens e Características do Capitalismo Dependente 21
Renata Gomes da Costa; Monique Soares Vieira

Capítulo 2 — A Mundialização do Capital e a Ofensiva


Transnacional sobre os Territórios Latino-Americanos:
Movimentos Sociais e Mundos do Trabalho 37
Fabiana Scoleso

Capítulo 3 — Recomposição Dinâmica do Capitalismo


Dependente no Brasil: Vertigem, Tragédia e Farsa 57
Gabrielle dos Santos

Capítulo 4 — Movimento Camponês Latino-Americano e


Consciência de Classe 76
Ândrea Francine Batista

Capítulo 5 — La Nicaragua de Abril: el Difícil Tránsito del


Olvido a la Memoria 98
Danny Ramírez Ayérdiz

Miradas Acerca da América Latina 5


Capítulo 6 — Dependência Econômica e Proteção Social na
América Latina 119
Edilaine Pereira do Nascimento; Ruteléia Cândida de Souza Silva

Capítulo 7 — Lutas LGBTI na Argentina, na Colômbia,


no Uruguai e no Brasil: Homonacionalismo, Ofensiva
Antigênero e Neoliberalismo 142
Bruna Andrade Irineu; Brendhon Andrade Oliveira;
Milena Carlos Lacerda

Capítulo 8 — Trabalho Reprodutivo: a Superexploração das


Mulheres Latino-Americanas em Debate 161
Gláucia Lelis Alves; Luana de Sousa Siqueira

Capítulo 9 — Disputas que Anteceden la Habitabilidad de


Calle: Estudio sobre las Mujeres Habitantes de Calle de
Bogotá — Colombia 182
Anyi Paola Muñoz Umaña; Leana Oliveira Freitas

Capítulo 10 — Mujeres Inmigrantes Bolivianas en la Industria


Textil, São Paulo — Brazil; “Esclavas de la Moda” 204
Valéria Oporto Lucero; Liliane Capilé Charbel Novais

Capítulo 11 — Más Allá del Bien y del Mal: Apuntes


sobre Grandes Proyectos y los Discursos de Desarrollo
y Seguridad en Colombia 221
Ángela Jasmín Fonseca Reyes

Capítulo 12 — Desigualdad Socioespacial en la


Heterogeneidad Latinoamericana: una Estrategia
Ideológica y Política 244
Martin Scarpacci

Capítulo 13 — O Agro é Morte: Acumulação Primitiva e


Expansão do Capitalismo em Mato Grosso 262
Lélica Elis Pereira de Lacerda; Viviani Sousa Barros

6 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


Capítulo 14 — El Tiempo de Volver a Ser Nosotros
Mismos: Comunicación y Resistencia Desde/en la
Puna Argentina 282
Emilse Siares

Capítulo 15 — ¡Hasta que la Dignidad Se Haga Costumbre!


Neoliberalismo al Desnudo en la Rebelión Social
Chilena de Octubre-2019 301
Marcelo Rodríguez Mancilla; Ana María Barrientos Rojas;
Víctor Orellana Bravo

Miradas Acerca da América Latina 7


Capítulo 6

Dependência Econômica e Proteção


Social na América Latina(1)

Edilaine Pereira do Nascimento(2)


Ruteléia Cândida de Souza Silva(3)

Introdução

Desde as últimas décadas do século passado (XX), com


o aprofundamento da ordem ultraliberal (4), do hegemonismo

(1)  As discussões formuladas neste ensaio tomam como base reflexões iniciadas
durante a realização do mestrado da autora Edilaine Pereira do Nascimento no
Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal de Mato
Grosso, e que resultou na dissertação defendida sob o título Proteção Social na
América Latina e a Emergência dos PTRCs na Argentina, Brasil e Uruguai; acrescidas de
contribuições da Professora Ruteléia Cândida de Souza Silva, nos estudos realizados
na pesquisa Trabalho, pobreza e desigualdade na atual geopolítica latino-americana.
(2)  Graduação em Serviço Social pela Universidade Federal de Mato Grosso,
2015. Assistente Social da Prefeitura Municipal de Cáceres. Mestre em Política Social
pelo Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal de
Mato Grosso (PPGPS/UFMT), 2019.
(3)  Doutora e Mestre em Política Social pela Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES). Professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com
atuação no Departamento de Serviço Social e no Programa de Pós-Graduação em
Política Social (PPGPS/ICHS/UFMT). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e
Sociabilidade.
(4)  Quando se registra o aprofundamento da ordem ultraliberal, há que se falar
em certa mistificação ideológica e política existente entre os termos neoliberalismo e

Miradas Acerca da América Latina 119


1. Notas sobre a dependência econômica, Estado e políticas sociais
na América Latina

Historicamente submetida à versão rígida e unilateral do modelo


de desenvolvimento dos demais países de capitalismo central, a reali-
dade latino-americana tem suas particularidades e determinações
marcadas pelo caráter de dependência, próprio de sua formação
sócio-histórica. Como já registrado por Fernandes (1975), o modelo
concreto de capitalismo que nasce e se consolida na América Latina
reproduz as formas de apropriação e expropriação inerentes ao ca-
pitalismo moderno. No entanto, adquire um componente adicional
específico e típico. Em nosso continente, a acumulação de capital
se institucionaliza para promover, ao mesmo tempo, a expansão
dos núcleos hegemônicos externos e internos. O que representa
dizer: a expansão das economias imperialistas e dos setores sociais
dominantes.
Todavia, no plano imediato, o que é aparente é que esses seto-
res internos sofrem a espoliação que se articula de fora para dentro,
sendo estes obrigados a dividir o excedente econômico com os agentes
que operam a partir das economias centrais. Não há como negar
que a economia capitalista dependente está sujeita, conforme afirma
Fernandes (1975), a uma depleção contínua de suas riquezas (existen-
tes ou potencialmente acumuláveis), o que afasta a monopolização
do excedente econômico por parte de seus agentes privilegiados.
No entanto, para essa depleção acontecer, setores assalariados e
destituídos da população precisam estar submetidos a mecanismos
permanentes de sobreapropriação e sobreexpropriação capitalistas.
E com a inserção dessas economias do capitalismo periférico na
divisão internacional do trabalho, segundo Marini (2011), a econo-
mia desses países se vê subordinada à política do capital ancorada
no imperialismo, que delimita as regras da inserção das economias
dependentes e define as regras de troca das mercadorias entre a
periferia e o centro de forma desigual. Essa organização permite aos
países imperialistas se apropriar do valor produzido na periferia ao
impor a esses países uma constante transferência de valor para as
economias do centro do capitalismo.
E além de atender a lógica do centro capitalismo, essa dinâmica
impõe um dimensionamento social, político e econômico que revela

Miradas Acerca da América Latina 123


conviver com o desemprego crescente, a precarização do trabalho,
a destituição de direitos e a redução de salários. E essas medidas
— adotadas sob o pretexto de salvar os países em crise, e orientadas
pelas políticas monetaristas e de austeridade fiscal —, têm alçado
a um patamar tão avassalador a exploração da força de trabalho,
que também têm generalizado a pobreza e a miséria a níveis nunca
antes vistos.
E, para agravar, as economias latino-americanas contam ainda
com o caráter dependente presente em toda a sua história, cuja dinâ-
mica e particularidades se consolidam por meio das transformações
impostas pelos países centrais, responsáveis por rearticular os papeis
e funções dos países periféricos no circuito do capitalismo mundial,
assim como definir a condução dos diferentes papeis e atores institu-
cionais(6). Tais direcionamentos incidem sobre o modelo de proteção
social adotado por esses países, cujas soluções, ainda que diferencia-
das, têm em comum a prevalência de modelos segmentados (com
acesso diferenciado em função da posição social dos indivíduos), o
que tem sido predominante em toda a América Latina.
Por certo, essas considerações demarcam, mesmo que bre-
vemente, alguns aspectos que se colocam às análises em torno do
sistema de proteção social latino-americano e que foram o ponto de
partida para a construção deste ensaio, cujo objetivo é apresentar
alguns elementos que permitam intensificar o debate sobre depen-
dência econômica e proteção social na América Latina. É claro sem
deixar de realizar as devidas mediações e conexões entre passado
e presente que tanto tem deixado marcas nas medidas de proteção
social adotada por esses países. Partindo de um diálogo bibliográfico
alicerçado na tradição marxista, o que se constrói a partir dessa parte
introdutória é uma breve discussão sobre dependência econômica,
Estado e políticas sociais nos países latino-americanos. Em seguida,
o debate gira em torno da trajetória da proteção social na região,
buscando identificar características e distintos modelos de proteção
social presentes na história recente da América Latina.

(6)  “Isso significa, da perspectiva do campo da política, que no nível do Estado


os setores mais favorecidos contam com maiores cotas de poder e as fazem sentir
na aplicação de políticas econômicas que melhor propiciem seu desenvolvimento
ou sua reprodução particular” (OSORIO, 2012, p. 72).

122 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


enquanto produtos da reestruturação do capitalismo global, que
ocorreu com maior intensidade em países nominados de periféricos,
a exemplo da América Latina. E esses países foram acompanhados
ainda por políticas de privatizações e desregulamentações incluídas
na contrarreforma do Estado, mediante ao receituário baseado em
políticas de austeridade fiscal e em medidas de ajuste.
Esse movimento também passou a demandar estruturas políti-
cas responsáveis pela adoção dessas medidas e capazes de minimizar
ou impedir posições políticas contrárias aos interesses do capital e
voltadas às demandas populares, o que se consagrou mediante a
atuação de partidos declaradamente de direita no campo político e
liberal na esfera econômica e, alguns destes, também terrivelmente
conservadores.
E essas condições têm impactado sobremaneira a América La-
tina, fortalecendo o hegemonismo e a dominação capitalista sobre
essa região. Além de polarizar ainda mais a disputa das potências
mundiais, em especial, entre Estados Unidos e China, bem como
aprofundar a desregulamentação iniciada na esfera financeira e que
se estendeu por todo o mercado de trabalho e todo o tecido social.
E as tensões no plano geopolítico entre os principais parceiros co-
merciais dos países latino-americanos — China e Estados Unidos
—, aliadas à desaceleração da economia mundial desde a crise de
2008, têm representado um risco cada vez mais robusto para as ex-
portações de commodities(5) e de matérias-primas tão forte na região.
E sob tais condições, políticas governamentais favorecedoras
da esfera financeira e do grande capital produtivo também têm
sido acompanhadas pari passu pela ampliação da regressão social,
do retrocesso no emprego, da distribuição cada vez mais regressi-
va de renda, da ampliação da pobreza e da desigualdade social. O
que significa afirmar que diante às crises, na busca incessante de
retomada dos níveis de crescimento e acumulação do capital, as me-
didas adotadas têm impactado regressivamente o conjunto dos(as)
trabalhadores(as) em todo o mundo — com maior intensidade nos
países periféricos —, aniquilando conquistas e obrigando-os(as) a

(5)  Produto de origem primária, como recursos vegetais, minerais e/ou agrícolas
comercializado nas bolsas de mercadorias e valores de todo o mundo e com grande
valor comercial e estratégico.

Miradas Acerca da América Latina 121


norte-americano e do conservadorismo, um transformismo passou
a impulsionar um número expressivo de representações políticas,
convertendo-as em verdadeiros partidos contrarreformistas. O que
incluiu até mesmo aquelas representações que, em algum momento,
caminharam, ainda que sutilmente, na direção de um conjunto de
reformas sociais, a exemplo dos partidos socialdemocratas.
E o resultado não poderia ser outro: a adoção de um conjunto
de contrarreformas, cujo mote se voltou ao desmantelamento dos
sistemas de proteção social e à transferência do fundo público para
os grandes conglomerados econômicos e financeiros. E esse foi o
mote, porque cristalizou, como resultado, uma realidade em que de-
sigualdade, pobreza e superexploração do trabalho se intensificaram

ultraliberalismo. A materialidade do neoliberalismo foi registrada pela primeira vez na


América Latina após o golpe de Augusto Pinochet, em 1973, que derrubou o governo
democrático de Salvador Allende. Com o apoio norte-americano, de diversas
multinacionais e de setores reacionários da elite chilena, os tecnocratas vinculados
ao governo em ascensão criaram as condições necessárias para que, inspirados
em Milton Friedman, implementassem um projeto político sob os auspícios da
autocracia burguesa chilena e segundo o receituário típico do neoliberalismo,
com medidas que vão desde o controle da emissão monetária e do aumento da
taxa de juros à privatização dos bens e serviços públicos. Em Harvey (2008, p. 52,
grifos do autor), encontramos que a ofensiva neoliberal impôs ainda (enquanto
estratégia de legitimação) a defesa da “[…] liberdade de escolha do consumidor,
não só quanto a produtos particulares, mas também quanto a estilos de vida,
formas de expressão e uma ampla gama de práticas culturais. A neoliberalização
precisava, política e economicamente, da construção de uma cultura populista
neoliberal fundada no mercado que promovesse o consumismo diferenciado e
o libertarianismo individual […]”. O segundo, inspirado nas ideias da Escola
Austríaca de Economia e na obra de Ludwig von Mises, não expressa apenas a
radicalização da doutrina econômica ou ideológica do liberalismo, mas também
se apresenta como uma alavanca que oportuniza, ao capital, como aponta Fontes
(2010, p. 217), garantir as condições ótimas de exploração do mais-valor no seu
processo de acumulação, o disciplinamento da população e a sua subalternização,
coisificando-a de forma massiva em força de trabalho. Aliado ao poderio do capital
financeiro, o ultraliberalismo sustenta a necessidade de afastamento do Estado, o
que tem sido apropriado para alterar a lógica da proteção social, mediante a um
conjunto de novas reformas, na defesa, por exemplo, de um sistema autossustentável
de previdência que mobiliza recursos e incentiva a concepção de trabalhadores(as)
empreendedores(as), associada à desvinculação do regime de repartição para o
regime de capitalização. Como resultado, ao invés de se fortalecer o real objetivo dos
sistemas de seguro social, para que o segurado possa prover o seu próprio sustento
e de seus familiares por questões como doença, velhice e/ou desemprego, procura-se
a todo custo e força garantir a prevalência da previdência privada sobre a pública.

120 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


uma linha de ação em que a superexploração da força de trabalho
se volta para atender essa lógica de forma ampla e crescente. De
acordo com Marini (2011), a dimensão da superexploração da força
de trabalho permite assegurar que os lucros perdidos no intercâmbio
desigual entre os países periféricos e de centro sejam recompensados.
Isso se dá pelo fato de que a dimensão da superexploração da força
de trabalho assume características próprias diante do aumento da
intensidade de trabalho; do aumento da produtividade; e da redu-
ção dos valores para pagamento dos salários, abaixo até mesmo do
valor necessário para garantir a sua reprodução.
E essa dependência do mercado externo, prossegue Marini
(2011), traz graves problemas para as economias locais, que ficam à
mercê das crises externas e também impedidas de ter um mercado
interno forte e autônomo. Nesse caso, a dependência econômica
se vincula estruturalmente à superexploração da força de traba-
lho, que acarreta como uma de suas consequências a exclusão
de grande massa de trabalhadores do mercado de consumo. Nos
rumos introduzidos pelos países imperialistas, grande massa de
trabalhadores(as) latino-americanos(as) se vê impossibilitada de
acessar serviços via mercado que garantam condições mínimas de
sobrevivência.
Nesse sentido, o caráter dependente das economias latino-ame-
ricanas, presente desde sempre na história dessas economias, é um
conceito-chave no estudo da sua dinâmica e de suas particularidades,
inclusive, no que diz respeito ao modelo de proteção social. Ou seja,
é fundamental para dar conta das características da reprodução do
capitalismo na periferia, em especial, na sua relação entre o local e
o internacional, e da ação e interferência do capital na condução dos
diferentes papeis e atores institucionais que definem os parâmetros
econômicos e sociais em âmbito mundial. Isso porque, de um modo
geral, a realidade histórica-estrutural na perspectiva do capitalis-
mo dependente tem se consolidado por meio das transformações
decorrentes do capitalismo central, que rearticulam os papeis dos
países periféricos no que se refere às funções que desempenhariam
no circuito do capitalismo mundial, guiado pelo dinamismo das
economias centrais.
No entanto, essas são tendências que não se processam da mes-
ma maneira, diante do fato que, na região, a economia, as formas de

124 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


dominação e a política (que articuladas, garantem o ciclo de valori-
zação do capitalismo) confrontam-se com a desigualdade estrutural.
As dimensões da intensa desigualdade sedimentada pela crescente
concentração de renda, viabilizada pelo monopólio dos meios de
produção, condicionam uma relação de dominação do capital sobre
o trabalho que, guiada pela superexploração, tem acarretado altos
níveis de informalidade, desemprego estrutural e salários cada vez
mais baixos, como bem registra Marini (2011).
Não bastassem essas particularidades, Fernandes (1975) res-
salta que o processo de dominação burguesa acrescenta, na atual
conjuntura de dependência, o aspecto do endividamento público,
em um movimento que a aristocracia financeira transforma suas
dificuldades de acumulação em responsabilidade do Estado. Nesse
direcionamento, ao Estado cabe o papel de encontrar mecanismos
para estabilizar a economia. Entretanto, o que se concretiza é o
crescente aumento do endividamento que aprisiona ainda mais o
Estado aos interesses do capital financeiro.
Trata-se de uma tendência que se desenhou na década de 1970,
consolidou-se nos anos de 1990 e assumiu uma nova curva ascen-
dente a partir dos anos 2000, quando se intensificou a transferência
de grande parte do fundo público destinado às políticas sociais para
atender o capitalismo financeirizado, em muitos casos, sob a face
escamoteada de juros da dívida pública. E a transferência do fundo
público significa restringir ainda mais os recursos destinados às
políticas sociais, bem como significa onerar, de forma mais intensa,
a classe trabalhadora: ora sob a forma de perdas salariais; ora pelo
aumento da carga tributária, do aumento de preços e tarifas de
serviços públicos; e mediante uma política econômica que transfere
para a classe trabalhadora o ônus das tensões próprias das relações
sociais capitalistas.
E a redução da parcela do fundo público destinada à realiza-
ção de direitos do trabalho, previdência e saúde, por exemplo, tem
acarretado, segundo Boschetti (2016, p. 137), uma dupla operação na
constituição da base social da acumulação, uma vez que, enquanto a
classe trabalhadora se vê obrigada: “[…] a buscar meios de repro-
dução de sua força de trabalho no mercado, por meio da compra
de serviços e benefícios que deixam de ser públicos e se tornam
mercadoria, [criando] mais excedente, portanto mais acumulação

Miradas Acerca da América Latina 125


[…]”; o Estado altera completamente o seu papel: “[…] na repro-
dução ampliada do capital, sem retirar sua importante função de
partícipe desse processo, mas agora sob novas configurações do
Estado Social […]”.
Como resultado, os processos de expropriação contemporâneos
reduzem ainda mais o limitado e regressivo Estado Social (BOSCHETTI,
2016). Além de permitir que o capital capture: “[…] agora o mais-
-valor ainda a ser produzido no futuro, em especial através das
dívidas públicas […]” (FONTES, 2017, p. 412), o que faz com que
as expropriações se mesclem com a extração de valor. O fato é que diante
do medo milhões de trabalhadores(as) — do desemprego, da pre-
carização e, sobretudo, o de não suprir suas próprias necessidades
de sobrevivência e de sua família —, o capital encontra as condi-
ções ótimas para forçá-los(as) a aceitar não apenas a intensificação
dos ritmos de produção, como também de todo o tipo de recuo,
aniquilamento e mercantilização de direitos e garantias sociais. O
que se agrava ainda mais quando consideramos as estruturas de
dominação e concentração de riqueza, terra e poder, e a expansão
significativa do processo de precarização estrutural do trabalho nos
países latino-americanos e que produz incessantemente a máxima
desigualdade.
E embora o desenvolvimento sócio-histórico latino-americano
guarde em si particularidades territoriais, étnicas, culturais e demo-
gráficas entre os países da região, ao mesmo tempo, traz uma linha
comum que expressa esse caráter de dependência, representada
pelos índices históricos de desigualdade e pobreza, fruto das relações
de exploração econômica e dominação política, vigentes desde a
descoberta desse continente. Desde os idos do descobrimento, a con-
dução dos interesses hegemônicos do capitalismo tem aprofundado
o desenvolvimento desigual e o caráter dependente do continente
latino-americano como aspectos estruturais inelimináveis.
Não podemos esquecer que, como dito por Marx (2013), a des-
coberta das terras do ouro e da prata na América; o extermínio, a
escravização e o isolamento da população nativa nas minas; o início
da conquista e da pilhagem das Índias Orientais; e a transformação
da África em um cercado para a caça comercial de peles negras;

126 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


constituem o ponto de partida da era de produção capitalista. São,
portanto, momentos fundamentais da acumulação primitiva.
Mas com o passar dos séculos, ao passo que as nações da Améri-
ca Latina se estruturaram de acordo com os interesses do capitalismo
monopolista, as funções do Estado também foram redesenhadas,
apresentando novas funções sem, no entanto, deixar de refletir as
contradições próprias do capitalismo dependente. Nesse sentido,
as funções do Estado foram reorganizadas de modo a garantir a
manutenção da reprodução ampliada do capital, como também os
interesses das frações burguesas dominantes em cada país.
E essas particularidades do sistema capitalista periférico na
América Latina e a consequente precarização das condições de
reprodução material da existência de grande maioria dos povos
latino-americanos, são agravadas nos períodos de crise do capital.
Em tempos de crise, com a escalada contrarreformista, tem se con-
sagrado a completa destruição dos direitos e das políticas sociais
que os materializam, instaurando formas explícitas e agudas de
barbárie e de completa subordinação ao processo de valorização
do capital.
Em um contexto de crise, o minimalismo passa a orientar —
como regra e não como opção — o sistema de proteção social
implementado em alguns países capitalistas centrais e em muitos
países periféricos/dependentes. Sob esse minimalismo, a dominação
dos interesses políticos e econômicos no capitalismo monopolista
dependente, conforma uma série de medidas para garantir a re-
produção ampliada do capital que se manifesta na estrutura social
dependente e que, por sua vez, aprofunda ainda mais a desigualdade
instalada nessa estrutura política, econômica e social, o que passa a
demandar medidas de proteção social e de alívio à pobreza.
Como não propõe nenhuma transformação estrutural, as
medidas adotadas se traduzem em experiências emergenciais e
assistenciais, bem ao estilo, ou melhor, nas condições políticas su-
portáveis pelo tardo-capitalismo, nos termos de Netto (2012). Muitas
dessas, desenvolvidas como eixo central da proteção social, por meio
de programas e projetos pontuais e fragmentados, que atuam, de
fato, para administrar a pobreza.

Miradas Acerca da América Latina 127


Outro ponto que se coloca aos países latino-americanos são as
tensões no plano geopolítico que colocaram em polos opostos seus dois
maiores parceiros comerciais: China e Estados Unidos. Esses dois
países desde o início desse novo século — XXI — assumiram defini-
tivamente a dianteira da dinâmica econômica global, mantendo forte
grau de interconexão entre suas economias. A China aparece como
um novo centro de acumulação global do capital, a partir de um
modelo orientado à exportação, muito resultante do sobreconsumo
americano e europeu, e à compra de títulos do tesouro americano.
No entanto, sobretudo a partir de 2011, o enfraquecimento da moeda
chinesa — o yuan — favoreceu as exportações ao mesmo tempo que
dificultou as importações da China, o que provocou forte redução
nos preços das commodities latino-americanas. E no centro da disputa
hegemônica com a China, os Estados Unidos, diante da queda da
economia desde a crise de 2008, alteraram o conjunto de sua polí-
tica econômica, passando a incentivar a exportação de capital e a
intensificar sua influência em continentes e regiões como a África
e a América Latina.
Contudo, mesmo diante dessas tensões e da desaceleração da
economia, o cenário mais sombrio, como dito anteriormente, tem
sido vivenciado pela classe trabalhadora latino-americana, sobretu-
do, em um contexto de predomínio de bases conservadoras, aliadas
ao pensamento de direita no campo político e liberal na esfera eco-
nômica. Não à toa que essa região, até mesmo para os diferentes
organismos internacionais, segue sendo a que tem a pior distribuição
de renda do mundo, inclusive, superando o sul da Ásia e a África
Subsaariana. Condição essa agravada pelo aprofundamento das
políticas de austeridade e de medidas de ajustes que vem sendo
incentivadas nos últimos anos. No entanto, essas políticas, ao invés
de recuperar a economia, têm aprofundado ainda mais as desigual-
dades e a pobreza, sobretudo, em países como os da América Latina,
que contam com sistemas de proteção social que, além de frágeis,
sofrem nesse contexto as maiores investidas.

2. A proteção social na América Latina: entre a fragilidade e a


focalização

O século XX registrou os avanços mais significativos de sis-


temas de proteção social na América Latina, ainda que tenham

128 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


ocorrido, em muitos casos, em meio a uma conjuntura de debilida-
de democrática, sob regimes autoritários. E, em algumas situações,
utilizado como instrumento de controle social. Todavia, no atual
contexto econômico e político latino-americano, diversos países da
região têm atravessado por um período avassalador, em especial,
nas condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora, com
o aumento das taxas de desemprego; deterioração da qualidade
dos postos de trabalho; precarização das relações de trabalho;
estagnação dos salários e da formalidade. Ao mesmo tempo que
se tem registrada a ascensão de governos ideologicamente mais
alinhados com o discurso liberal-conservador que coloca o sistema
de proteção social à luz de um modelo social-liberal(7) que inviabi-
liza qualquer possibilidade de consolidação de um modelo mais
universalizante.
No caso latino-americano, as tentativas de consolidação de
um sistema de proteção social para a expansão das garantias e
direitos sociais sempre se deu mediante a intensa e prolongada
luta política das massas, ou seja, sempre como produto da luta de
classe. Inicialmente, a implementação da proteção social ocorreu
na América Latina, quase em sua totalidade, centrada na inserção
dos beneficiários no mercado formal de trabalho e na distribuição
de benefícios sociais com caráter contributivo, seguindo modelos
frágeis, focalizados e fragmentados, baseados em modelos de seguro
social importados da Europa, bem distantes da complexa realidade
latino-americana. Ou melhor, incapazes de suprir as demandas
singulares de suas realidades, sendo capazes, no máximo, produzir
políticas sociais pulverizadas e nada universais.
No resgate histórico da estruturação do sistema de proteção
social nos países latino-americanos, autores como Mesa-Lago (1986)
classificam a implantação desse sistema a partir de três grupos:

(7) De acordo com Castelo (2011, p. 24), o social-liberalismo é uma “[…] variante
ideológica do neoliberalismo que surgiu para recompor o bloco histórico neoliberal
dos pequenos abalos sofridos diante da crise conjuntural dos anos 1990 […]”. E
acrescenta que na vigência do social-liberalismo, “[…] a ideologia dominante prega
uma intervenção estatal mais ativa em certas expressões da ‘questão social’, em
particular nas mais explosivas em termos políticos (pobreza e direitos humanos),
humanitários (infância e doenças contagiosas) e ecológicos […] (2011, p. 249, grifos
do autor).

Miradas Acerca da América Latina 129


Quadro 1: Estruturação do sistema de proteção social nos países
latino-americanos a partir de Mesa-Lago (1986)

Grupo Países Principais características

− Expansão gradativa nos anos 1920,


com cobertura de serviços de saúde,
educação e seguridade social;

1. Argen- − Desenvolvimento de sistemas com


tina maior grau de universalidade, ainda
que marcados pela fragmentação;
Pionei- 2. Cuba
ros 3. Brasil − Chile, Uruguai e Argentina contavam
com elevados níveis de industrializa-
4. Chile
ção e relativa urbanização;
5. Uruguai
− Presença de organizações sindicais,
com forte mobilização para a expan-
são, principalmente, dos sistemas de
saúde e educação.

− Implementação entre os anos 1930 e


1940;
1. Bolívia
− Influência do Relatório de Beveridge e
2. Costa dos ideais socialdemocratas;
Rica
− Destaque para a criação de um siste-
3. Colôm- ma assistencial de pensões, equipara-
Interme- bia do ao nível dos pioneiros;
diários
4. Equador − Maior desenvolvimento dos países
que contavam com instituições de Se-
5. México
guridade Social destinadas aos grupos
6. Paraguai com maior força de pressão: as forças
armadas, empregados públicos, pro-
fessores, trabalhadores ferroviários e
de energias;

130 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


Grupo Países Principais características

− Maior destaque para Costa Rica que


contava com cobertura ampla do
7. Panamá sistema de saúde e educação e um
conjunto de instituições destinadas
Interme- 8. Peru à provisão de outros serviços sociais
diários para setores da população com menor
9. Venezue- rendimento. Para o atendimento do
la setor informal e dos setores mais
pauperizados, foram criadas pensões
suplementares.

1. El Salva-
dor
2. Guate- − Implementação de seus sistemas de
mala proteção entre os anos 1950 e 1960;
3. Hondu- − Sistemas caracterizados pela baixa co-
ras bertura e alta concentração de serviços
Tardios na área urbana;
4. Haiti
5. Nicará- Cobertura limitada diante da baixa
gua capacidade de geração de empregos
6. Repúbli- formais desses países.
ca Domi-
nicana
Fonte: Elaboração própria a partir de Mesa-Lago (1986), com adaptações.

A estruturação do sistema de proteção social nos países latino-


-americanos está vinculada ao próprio processo de urbanização e
de industrialização que se inicia em alguns países no final do século
XIX e se acelera a partir do século XX, em especial, diante da con-
formação de um numeroso proletário urbano que se insere na cena
política, provocando pressão sobre o Estado que até então se coloca-
va, unicamente, para atender os interesses da elite dominante. O que
não sofre profundas alterações, uma vez que continuou cabendo ao
Estado financiar o processo de acumulação, mediante investimentos
em infraestrutura, subvenções financeiras ao capital internacional,
isenção ou redução de impostos; pagamento da dívida externa e
seus juros, ou seja, transferência de fundo público no processo de
valorização do capital. Restando apenas parcos investimentos para

Miradas Acerca da América Latina 131


o financiamento de precários e frágeis mecanismos de proteção
social nacionais.
E são precários e frágeis, visto que, embora tenham registrado
avanços durante o século XX, os sistemas de proteção social nacio-
nais na América Latina se constituíram em mecanismos focalizados
que tentaram minimizar os piores efeitos da pauperização, alguns
desses, acompanhados da transferência de responsabilidades para
a chamada sociedade civil, ou mais declaradamente, pela via da
privatização dos serviços públicos, o que recorrentemente tem sido
registrado na história latino-americana. Quando não apresentam
esses efeitos da pauperização como chagas particulares dos indivíduos,
que carecem de uma ação ativa destes para a superação dos males
que advém da condição de pobreza. Não à toa que a atuação estatal
tem se limitado, até hoje, a ações emergenciais, acompanhadas por
metodologias de vigilância e controle sobre os indivíduos.
Trata-se de uma concepção de proteção social que remete ao
minimalismo e às ações controladas institucionalmente, de modo a
não incentivar uma classe a ficar ociosa e/ou preguiçosa — nos termos
de Silva (2018) ao fazer referência à Tocqueville (1991) —, mas
garantir a reinserção dos beneficiários no circuito do mercado. Nesse
sentido, os programas filiados à perspectiva residual de proteção
social — como os programas de transferências monetárias — têm
sido propostos para garantir a reabilitação da população pobre às
atividades econômicas, manter a coesão, além de promover o con-
trole social sobre os pobres.
E embora muitos países latino-americanos, com o passar dos
anos, tenham alcançado importantes avanços na estruturação de
sistemas de proteção social, principalmente, nas últimas duas
décadas século XX, a focalização e a fragmentação — em contra-
posição aos princípios da universalização — constituem marcas da
proteção social dessa região. O resultado é o direcionamento dos
investimentos e ações para grupos específicos, reconhecidamente,
em condição de pobreza extrema e/ou os visivelmente miseráveis.
Nada distante das tendências já consagradas e que associam a con-
cepção de política social: “[…] como receita técnica de governo e
mera compensação de ‘dívidas’ sociais, à ideia de seletividade […]

132 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


sentido, o Estado assume um papel importante, que permite não
só garantir a manutenção e controle da força de trabalho, mas tam-
bém o aspecto da expansão dos mercados consumidores em que
os próprios trabalhadores são inseridos em unidades de consumo
que visam garantir a valorização do capital. Segundo Netto (2011):
[o] Estado — como instância política do monopólio — é
obrigado não só a assegurar continuamente a reprodução e a
manutenção da força de trabalho ocupada e excedente, mas e
compelido (e o faz mediante os sistemas de previdência e segu-
rança social, principalmente) a regular sua pertinência a níveis
determinados de consumo […] a funcionalidade essencial da
política social do Estado burguês no capitalismo monopolista
nos processos referentes à preservação e ao controle da força
de trabalho — ocupada, mediante a regulamentação das rela-
ções entre capitalistas e trabalhadores; lançadas no exército de
reserva através dos sistemas de seguros sociais (NETTO, 2011,
p. 27-31).

Netto (2011), ao analisar as tendências gerais do capitalismo,


ainda acrescenta que o Estado cumpre papel fundamental na preser-
vação e controle da mercadoria força de trabalho através das políticas
sociais, em que o consumo da classe trabalhadora assume papel
crucial no ciclo do capital, garantindo sua reprodução e acumulação.
E como já afirmara Fernand Braudel (1987, p. 43): “O capitalismo
só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado”.

Algumas considerações finais…

Longe de apresentar conclusões definitivas, a breve análise


aqui proposta permitiu tangenciar a influência do capitalismo na
determinação da proteção social e na forma como esta se porta na
conjuntura latino-americana. Nesse sentido, a dependência econô-
mica que os países da região possuem em relação aos demais do
capitalismo central e aos organismos internacionais, delimita as
ações que devem ser assumidas por esses países no âmbito social,
político e econômico, a fim de assegurar os investimentos interna-
cionais e reafirmar cada vez mais o projeto de dominação burguesa.
Alinhada aos interesses do capital, a atuação do Estado e a ofer-
ta das políticas sociais têm priorizado a focalização e a seletividade

136 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


expressas em medidas paliativas que, em detrimento da universa-
lidade da proteção social, apenas procuram amenizar os efeitos da
desigualdade sem tocar em suas bases estruturais. Inscreve-se em um
modelo de desenvolvimento econômico que potencializa, por meio
da dívida pública, a utilização do fundo público para a valorização
do capital, com a destinação cada vez maior dos recursos advindos
dos impostos arrecadados ao pagamento de juros a grandes grupos
financeiros e fundos de investimento e de pensão.
E essas condições, segundo relato de Silva (2018, p. 410): “[…]
vêm acompanhadas pela mercantilização da vida como um dos ele-
mentos propulsores da busca desenfreada do capital por lucros, ou
melhor, pela valorização do capital […]”. E é sob tais condições que
se consagra: “[…] a hegemonia das finanças em detrimento à garan-
tia dos direitos sociais, cujas estratégias se voltam a acomodá-los,
de modo a legitimar o projeto de dominação de classe”. Enquanto,
noutro polo, intensificam-se em patamares cada vez maiores a: “[…]
acumulação de miséria, o suplício do trabalho, a escravidão, a igno-
rância, a brutalização e a degradação moral […]” (SILVA, 2018, p.
411) daqueles que são expropriados diariamente em seus direitos.
O que se tem é uma realidade em que os níveis da superexplora-
ção da força de trabalho — o crescimento do trabalho desprotegido,
o subemprego e o desemprego em níveis nunca antes vistos — apro-
fundam na mesma proporção que a concentração de riqueza e da
propriedade cresce. Realidade esta agravada pela herança histórica
da formação e desenvolvimento dependente dessa região, o que,
atualmente, tem sido exponenciada e atualizada. Redimensionado
no presente, esse caráter de dependência tem acirrado ainda mais
a relação de dominação dos países de capitalismo central sobre os
países latino-americanos, com a captura dos Estados nacionais, que
reforçam as formas de domínio, subordinação e exploração desses
países ao capital internacional.
E diante às crises, na busca incessante de retomada dos níveis
de crescimento e acumulação do capital, as medidas adotadas têm
impactado de forma avassaladora o conjunto dos(as) trabalhado-
res(as) em todo o mundo. E em uma região onde a grande maioria
permanece destituída da riqueza socialmente produzida, em 2020,
o confronto com a pandemia da COVID-19 (ou Sars-Cov-2), de pro-
porções incalculáveis até o momento, por certo, colocará grandes

Miradas Acerca da América Latina 137


se sobrepondo à de universalidade […].” (PEREIRA; STEIN, 2010,
p. 112, grifos das autoras).
Seguindo essa lógica, como registrado por Gonçalves (2015),
na América Latina os diferentes experimentos de modelos de de-
senvolvimento, ainda que com ideologias distintas, compartilham
do mesmo eixo central: programas de transferência monetária à
parcela da população em condição de pobreza extrema, ou melhor,
miseráveis. Dentre esses, o Programa Bolsa Família no Brasil já é
reconhecido mundialmente. Assentado na visão liberal clássica e
no assistencialismo funcional, esse Programa se propõe a reduzir a
violência e o esgarçamento do tecido social, provocados pela miséria
e pela desigualdade.
Trata-se de uma política distributiva adotada tanto por governos
de direita como de esquerda, com alcance reduzido, uma vez que não
incide sobre a distribuição funcional da renda nem a distribuição de
riqueza. No Peru (Juntos), Chile (Chile Solidario), Honduras (Programa
de Asignación Familiar), Colômbia (Famílias em Acción), Venezuela
(Madres del Barrio), são alguns exemplos. Dessa forma, o mesmo tipo
de programa assistencialista é adotado pelo governo socialista da
Venezuela como pelo governo conservador da Colômbia. Todavia,
o alcance dos programas tem sido: “[…] determinado, em grande
medida, pela conjuntura internacional, que afrouxa ou restringe as
finanças públicas. Portanto, esse tipo de medida assistencialista não
permite classificar o governo como sendo de direita ou de esquerda”
(GONÇALVES, 2015, p. 33).
Tais medidas têm sido intensificadas no conjunto dos países
latino-americanos desde os anos 2000, sobretudo, diante do apro-
fundamento da polarização entre riqueza e pobreza nessa região.
Dados do Relatório do Banco Mundial (2019) apontam que a re-
gião da América Latina e do Caribe tem vivenciado um ritmo de
crescimento medíocre, em particular em sua porção sul, o que tem
deteriorado os indicadores sociais, em particular, com a elevação das
taxas de pobreza. A América Latina também segue sendo a região
mais desigual do mundo, tendo níveis de pobreza acima da África
Subsaariana (segunda região mais desigual) e apresenta um índice
Gini médio quase um terço superior ao da Europa e Ásia Central
(CEPAL, 2019). Apenas como exemplo, o Chile:

Miradas Acerca da América Latina 133


[…] com um PIB per capita de 25 mil dólares ao ano, a metade
dos trabalhadores recebe um salário inferior a 550 dólares por
mês e praticamente todos os serviços — educação, saúde, me-
dicamentos, transporte, eletricidade, água, etc. — impactam os
gastos dos assalariados. Em termos de patrimônio, o 1% mais
rico detém 26,5% da riqueza, e os 10% mais ricos concentram
66,5%, enquanto os 50% mais pobres têm acesso a somente 2,1%
da riqueza do país (BÁRCENA, 2019).

Tamanha desigualdade também é descrita no Panorama Social


da América Latina 2019, publicado em 2020 pela CEPAL, quando
aponta a América Latina como a região do planeta que concentra
as maiores desigualdades e onde, os mais ricos, recebem maior
proporção de renda. Atualmente, segundo cálculos desse Relatório,
a América Latina conta com 191 (cento e noventa e um) milhões de
pessoas em situação de pobreza, o que equivale a um aumento de
0,7% em relação ao percentual apresentado por essa Comissão no
ano de 2018 (CEPAL, 2020).
Ainda segundo o Panorama, em 2018, a população da América
Latina e do Caribe identificada abaixo da linha da pobreza repre-
sentou 30,1% da população, enquanto 10,7% viviam em situação de
extrema pobreza. Já projeções para 2019 apontavam um aumento
dessas taxas para 30,8% e 11,5%, respectivamente. O que, em termos
numéricos, significaria afirmar que: em 2018, a América Latina e o
Caribe contavam com aproximadamente 185 milhões de pessoas
abaixo da linha da pobreza e dentre estas 66 milhões estavam na
extrema pobreza; e em 2019, o número de pessoas na pobreza saltaria
para os já mencionados 191 milhões, com um salto para 72 milhões
na extrema pobreza.
Em termos comparativos, o Panorama aponta que a concen-
tração de renda no Brasil e no Chile figuram, respectivamente, em
segundo e terceiro lugar no ranking dos países com maior concen-
tração de renda do mundo: no Brasil, 28,3% da renda total do país
está concentrada nas mãos de 1% mais rico; e, no Chile, o 1% mais
rico concentra 23,7%. No entanto, ainda que os dados apresentados
possam indicar que estes estejam expressando de fato a realidade
alarmante da América Latina, é preciso considerar que a meto-
dologia e análise aplicadas pela CEPAL — e também pelo Banco
Mundial e demais organismos internacionais — mantêm intocadas

134 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


segmentos populacionais num abismo ainda maior chamado,
convencionalmente, de extrema pobreza, ou melhor, na completa
penúria. O que, seguramente, vai demandar um sistema de prote-
ção de social para além daquele formulado durante o século XX e
daquele alicerçado em políticas de austeridade e de ajuste.
Mas como já anunciara Bensaïd (2009), Marx nunca fala de uma
“crise final” do capitalismo, apenas demonstra como a produção
capitalista tende, sem cessar, ultrapassar as suas barreiras imanentes.
O que, por certo, também ocorrerá diante da crise atual. E contraria-
mente ao que nos anos de 1930 puderam pretender Evgheni Varga
e os teóricos da crise de afundamento final do capitalismo no seio
da Terceira Internacional(8), as suas crises são inevitáveis, mas não
intransponíveis. A questão é saber a que preço, e sobre as costas de
quem, elas vão recair. A resposta não pertence à crítica da economia
política, mas à luta de classes e aos seus atores políticos.

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(8)  Ver MARRAMAO, Giacomo. O Político e as Transformações: crítica do


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138 Leana Oliveira Freitas et al. (Orgs.)


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Miradas Acerca da América Latina 139


as desigualdades, a lógica de exploração da força de trabalho pelo
capital, apresentando um caráter relativizante, confrontando-se, em
alguns momentos, até mesmo com os próprios dados empíricos
apresentados em seus estudos.
Silva (2018, p. 148), recorrendo a Salama e Destremau (1999, p.
18, grifos dos autores), afirma que: “[…] mensurar a desigualdade e a
pobreza consiste numa tarefa sempre marcada por alguma limitação,
sobretudo, quando se apreende a pobreza enquanto um fenômeno
permeado por múltiplas facetas e dimensões […]”. É, por isso, que
qualquer tentativa de mensurar a pobreza: “[…] significa amiúde
reduzi-la e desconhecê-la. Por vezes, finos conhecedores da pobre-
za ‘no papel’ são incapazes de compreendê-la na vida cotidiana e,
chamados à responsabilidade, seja nas organizações internacionais
ou nos governos, preconizam políticas no mínimo inadequadas”.
Conforme indicado por Silva (2018, p. 148), o recurso para
apreender esses fenômenos em suas múltiplas dimensões é sub-
meter: “[…] a explicação simplificada e desvirtuada apresentada
pela CEPAL à luz da perspectiva crítica […]”, pois somente assim,
é possível “[…] desmistificar muitos mitos que ocultam as deter-
minações que, nos dias atuais, intensificam a desigualdade e a
pobreza […]”. A exemplo do desemprego; das relações informais
de trabalho; da ausência de investimentos e sucateamento da saúde
pública; da redução dos direitos previdenciários; da privatização
em escala cada vez maior da educação; e das demais violações de
direitos sociais.
É somente através da apreensão dessa realidade é que se pode
explicitar o caráter particular da proteção social na América Latina,
cuja intervenção do Estado tem sido direcionada, sobretudo, para
repressão e exclusão das massas, mantendo-as imersas no processo
de superexploração e à onda crescente do pauperismo, limitando
a implementação das políticas sociais a patamares que sequer per-
mite o acesso a uma participação democrática em termos burgueses
(MARINI, 2011).
E para agravar, a manutenção das funções físicas do trabalha-
dor, tanto da força de trabalho ocupada como da força de trabalho
excedente, fica a cargo das atribuições assumidas pelo capitalismo
monopolista como apontam Mandel (1982) e Netto (2011). Nesse

Miradas Acerca da América Latina 135


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