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Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais


Geografia e Planeamento

Os Espaços Físico e Social


no Comunitarismo em Barroso

João Nuno Moutinho Teixeira Vilhena Gusmão


Guimarães - Junho de 2004
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Universidade do Minho
Geografia e Planeamento

Os Espaços Físico e Social


no Comunitarismo em Barroso

Seminário com Relatório de Investigação


Relatório Final de Licenciatura

Orientadora: Prof.a Virgínia Teles

João Nuno Moutinho Teixeira Vilhena Gusmão


Junho de 2004

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

. Índice

. Agradecimentos

. Prolegómeno 7

I Parte – Localização e caracterização das Terras de Barroso

I.1. Localização 12

I.2. Caracterização Biogeofísica 16


I.2.1. Caracterização Climática 17
I.2.1.1 – Temperatura 19
I.2.1.2 – Precipitação 22
I.2.1.2.1 – Geada e Neve 25
I.2.1.4 – Vento 26
I.2.3. Caracterização Geomorfológica 29
I.2.4. Caracterização Geológica e Pedológica 32
I.2.5. Coberto Vegetal 33
I.2.6. Uso do Solo 34

I.3. Caracterização Socio-demográfica 37


I.3.1. Povoamento anterior aos romanos 37
I. 3.2. A ocupação romana 39
I.3.3. Povoamento na Idade Média 40
I.3.4. Últimos 150 anos e a situação actual 42
I.3.4.1 - Estrutura Etária da População 45
I.3.4.2 - Natalidade e Fecundidade 48
I.3.4.3 - Mortalidade 49
I.3.4.4 - Emprego e Sectores de Actividade 50

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

II Parte – O Comunitarismo em Barroso

II.1. O Comunitarismo 53
II.2. O baldio 60
II.2.1. O espaço físico do baldio 61
II.2.2. O espaço social do baldio 66
II.3. A vezeira 69
II.4. A entre-ajuda ou ajuda-por-favor 74
II.4.1. A jeira 76
II.5. O boi do povo 79
II.6. O forno do povo 86
II.7. Os moinhos 91
II.8. Juntamentos ou Coutos 95
II. 9. A Segada 97
II.10. A Malhada 101

III Parte – Considerações Finais 107

. Bibliografia

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

A. Anexos
1. Rosa Anemoscópica
2. Frequência dos ventos por Estações do Ano
3. Diagrama de Ventos – 1961 / 1990
4. Quadro de Temperaturas e Pressão Atmosférica
4. Quadro de Frequência (%) e Velocidade (Km/h) dos ventos
5. Gráfico Termopluviométrico
6. Quadro de Humidade Relativa; Nebulosidade; Insolação; Precipitação; Evaporação
7. Evolução da População Residente no Concelho de Montalegre – 1864 / 2001
8. Distribuição da População Residente por Freguesias e por Ano
9. População e Densidade Populacional por Freguesias - 1864 /2001
10. Pirâmide Etária do Concelho de Montalegre – 2001
11. Densidade Populacional por Freguesias – 2001
12. Divisão Administrativa do Concelho de Montalegre
13. Bacias Hidrográficas do Concelho de Montalegre
14. Diagrama esquemático dos espaços físicos de uma aldeia-tipo de Barroso

B. Cartas
1. Carta Ecológica
2. Carta de Insolação
3. Carta de Precipitação
4. Carta de Geada
5. Carta de Evapotranspiração Real
6. Carta de Humidade Relativa
7. Carta de Radiação
8. Carta Litológica (Rochas Predominantes)
9. Carta de Bacias Hidrográficas
10. Carta Hipsométrica
11. Carta de Acidez de Solos
12. Carta de Escoamento

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

. Índice de Figuras

1. Localização do concelho de Montalegre no contexto territorial português 13

2. Localização do concelho de Montalegre e concelhos limítrofes 14

3. Quadro de Temperaturas Médias e Pressão Atmosférica 20

4. Evolução anual das Temperaturas Médias 21

5. Carta de Precipitação 23

6. Gráfico Termopluviométrico 24

7. Rosa Anemoscópica 27

8. Frequência de ventos (estações do ano) 28

9. Bacias Hidrográficas 31

10. Evolução da população – 1864 / 2001 43

11. Pirâmide etária do concelho de Montalegre – 2001 46

12. População por Sectores de Actividade 51

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

13. Diagrama esquemático dos espaços da aldeia 62

14. Diagrama esquemático dos espaços da aldeia (vista lateral) 65

15. Chamada de vezeira 70

16. A vezeira iniciando o percurso para a serra 71

17. A vezeira na serra 72

18. Exemplos de bovinos de raça barrosã 79

19. O boi do povo 81

20. Torre sineira com escultura (Travassos do Rio) 82

21. Chega de Bois 83

22. Tendal no forno 87

23. Forno do Povo (Tourém) 88

24. Interior do forno 89

25. Planta de um moinho de água 92

26. Moinho de água 93

27. Juntamento 95

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

28. Segada do centeio com foice 98

29. Perspectiva de uma Segada 99

30. Malhada tradicional com malhos 102

31. Espalhando a bosta para fazer a eira 104

32. Alisando a eira 105

Nota: Todas as fotografias estão devidamente identificadas, na página respectiva, quanto ao seu autor ou
detentor dos direitos de propriedade.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

. Agradecimentos

Embora este franco rascunho seja por mim perfilhado e fruto modesto do meu trabalho
directo, não posso, de forma alguma, deixar de, com extremo prazer e elevada honra,
lavrar aqui os mais do que merecidos agradecimentos a todos aqueles que, de uma
forma ou de outra, contribuíram para que estas páginas lograssem ver a luz do dia,
marcando de uma forma indelével o culminar de um trajecto e encerramento de um
ciclo, móbil de uma vida futura. Sabendo que todos os agradecimentos serão sempre
poucos, resta-me afirmar que a mais simples lembrança será para sempre acalentada e
acarinhada.

À minha esposa e ao meu filho, motores de uma existência e inspiração permanente;

A meu pai, dos amigos o maior e mentor de um discípulo indigno;

À Ex.ma Sr.ª Professora Virgínia Teles, pelo apoio técnico e excelência da sua
competência e por me ter finalmente demostrado, através da sua paciência, aquilo que
os mais ilustres mestres das ciências matemáticas jamais me conseguiram fazer
vislumbrar: o infinito!

À Ex.ma Sr.ª Professora Maria José Caldeira, pelas sugestões e críticas pertinentes que,
de forma construtiva, contribuíram objectivamente para a prossecução dos propósitos
inerentes a este trabalho;

À Ex.ma Sr.ª Professora Paula Remoalde, enquanto responsável pelo Departamento de


Geografia e Planeamento, pela resolução pronta e eficaz de algumas questões
administrativas e burocráticas levantadas ao longo do percurso;

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Ao grupo de docentes do curso de Geografia e Planeamento com os quais eu tive o


privilégio de conviver neste últimos anos e cuja excelência técnica e competente
empenho na causa académica não caberia nestas poucas linhas;

Ao Ex.mo Sr. Fernando Pinho e Ex.ma Sr.ª D. Maria Luísa Serra, pela amizade
demonstrada e apoio prestado;

Ao Ex.mo Sr. Fernando Antunes, do Departamento de Geografia e Planeamento, pelo


apoio nunca regateado, prontidão e empenho dispostos na resolução de todas as
questões apresentadas;

Ao Ex.mo Sr. Dr. Carlos Eiras, pela sã camaradagem nas andanças académicas por terras
minhotas e pelo apoio prestado a todas as solicitações que lhe forma feitas, enquanto
funcionário do Departamento de Geografia;

Ao Ex.mos Srs. Eng.os José Manuel Álvares Pereira e Jaime Valdegas, da Câmara
Municipal de Montalegre, pela disponibilidade demonstrada e por terem facultado o
acesso a elementos de importância estrutural;

Ao Ex.mo Sr. José Manuel Arantes, pelas fotografias;

Por último, mas de forma alguma, com menor apreço, um agradecimento muito especial
a quem me iniciou de forma brilhante nestas andanças do conhecimento científico,
começando pelas primeiras letras e operações matemáticas, à Ex.ma Sr.ª Professora
Alice Ribas, vulto de competência reconhecida e inquestionável, que só encontrou
paralelo na sua humanidade plena de sentimento, que levou, acima de tudo, muito mais
do que à alfabetização de um grupo de diabinhos, à formação do carácter e à
intensificação de um raciocínio lógico, crítico e observador.
...Muito obrigado, Sr.ª Professora!

Aos meus Amigos...

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Este trabalho é dedicado à saudosa


memória
de minha Mãe e minha Avó

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

. Prolegómeno

aliquando dormitat Homerus


Horácio, Arte Poética

Onde? - Longe vão os tempos em que a Geografia se resumia a uma palavra, sendo o
seu objecto de estudo dirigido para uma localização de espaços retalhados à sua
plenitude, sem uma ligação efectiva entre eles e com o todo, com a atenção
monopolizada por um ímpeto de descrição documental de todos os fenómenos visíveis,
não se observando uma linearidade de procura, por mais ténue que fosse, da relação
inequívoca dos espaços entre si e, mais importante ainda, do Homem com os “seus”
espaços. O espaço é, de facto, aquilo que procura distinguir a Geografia do resto das
suas irmãs ciências. Mas o espaço só por si, assume uma validade nula, ou, na melhor
das hipóteses, somente uma validade física que, não sendo, de forma alguma,
desprezível, ou desprezável, personifica contornos demasiado simplistas para uma
cultura que desde o início se afirmou como do Homem e para o Homem, para que possa
tentar explicar a complexidade intrínseca às relações humanas, sejam internas (ou
introspectivas), numa abordagem de carácter antropológico ou sociológico, ou externas,
quando se observa a infinidade de relações que a humanidade desde sempre manteve
com o meio envolvente.

Desde cedo que o Homem procurou conhecer e compreender o meio que o rodeava, não
através de uma perspectiva filosófica ou científica, mas numa busca incessante para
melhorar a sua própria condição.

Sendo uma ciência de vetusta idade, só muito recentemente se observaram as mudanças


no seu seio que, de forma estrutural, produziram os efeitos que conduziram à forma
actual de encarar o mundo e de por este ser encarada.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

A Geografia é, de facto, a ciência dos espaços. É neles, e nos diversos conjuntos


passíveis de por eles serem formados, que ela encontra o seu objecto de estudo e
consequente alimento para o seu trabalho e evolução. A mera descrição de espaços
qualificáveis numa perspectiva geográfica é, sem dúvida, uma característica basilar da
Geografia, mas não é, de todo, aí que termina o seu percurso ou se esgota o seu
trabalho. Mais do que a descrição de um determinado espaço, importa estabelecer
relações, quer de carácter interno, quer de carácter externo, pois a descrição de um
qualquer espaço, por mais detalhada e profunda que seja não implica, por si só, uma
análise ou referência sequer às relações que se produzem no seu interior. Um espaço,
por melhor delimitado que se encontre (admitindo que esta hipótese é praticável!) nunca
é uma entidade estática, possuindo uma dinâmica própria de características particulares
e evolução contínua, não sendo admissível uma qualificação com base numérica que
observe, mesmo que seja de forma relativa, uma adjectivação do tipo “grande” ou
“pequeno”. Para um geógrafo, as perspectivas de trabalho ou abordagens sistemáticas
sobre um determinado sistema ou espaço afiguram-se de tal quantidade e forma que
toda e qualquer tentativa para espartilhar as opções dentro da absoluta certeza de um
simples número se apresentam sem sentido ou demasiado abstractas para serem tidas
em consideração.

Importa pois, mais do que procurar espaços e seus eventuais limites, analisar toda uma
série de relações que, de forma mais ou menos contínua, se produzem, transformam e
evoluem. Se, como referi anteriormente, a Geografia é a ciência dos espaços, o seu
objecto deverá atender com prioridade às relações que nesses espaços se verificam pois,
se como ciência lhe compete encontrar respostas, é nesse campo que poderá formular as
questões – condição primeira e essencial na busca de respostas.

Este trabalho representa o fim de mais um ciclo. Ciclo esse há muito iniciado e
permanentemente cruzado com séries intermináveis de ciclos, sem que fosse possível
discernir uma sequência lógica ou um padrão que obedeça a algum tipo de parâmetro
preestabelecido que nos permitisse tomar conhecimento do fito de todo este movimento.
Desde sempre o Homem enveredou por caminhos mais ou menos tortuosos, em utópicas

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

viagens, reais ou imaginárias, como ser insaciável que é, numa busca de algo que, quase
nunca, se afirma como totalmente definida, aparecendo, não poucas vezes, dissimulado
por trás de um manto diáfano, que, ora nos tolhe a avaliação, ora nos impele, qual força
invisível, para a frente... sempre para a frente. Desde a platónica Alegoria da Caverna
que buscamos em vão os corpos para as nossas sombras, os objectivos das nossas penas,
o Graal que ponha termo às nossas demandas. Porém, os ciclos sucedem-se e, como
ciclos que são, tendem para uma “circularidade” infinita, versão adivinhada do moto
perpetuo.

Os assuntos tratados neste modesto rascunho, embora tenham um claro alvo de


tratamento geográfico, foram escolhidos por duas razões fundamentais. A primeira, de
carácter científico, tem a ver com o facto de, numa abordagem a um assunto como o
aqui tratado, se poder dispor de um amplo campo de análise, que permite, com as
limitações reconhecidas, traçar um percurso transversal a toda a estrutura académica da
licenciatura. É facultada a utilização dos diversos conhecimentos de base recolhidos
desde a Demografia até à Sociologia, passando pela Geografia Humana e Física, a
Geologia, a Climatologia, a Meteorologia e a Geomorfologia.

A segunda razão é de carácter pessoal. Barroso é a minha terra natal com a qual
mantenho laços inquebráveis apesar da distância física que actualmente se verifica. As
dinâmicas sociais de todo o universo comunitário, tiveram em mim um espectador
privilegiado, ao qual, na maior parte das vezes, lhe foi permitida a participação activa
em muitas ou em quase todas as actividades que compõem o Comunitarismo. Durante
anos vivi e convivi com práticas comunitárias ancestrais, das quais actualmente algumas
já só restam em memórias, existindo outras como uns breves resquícios daquilo que
outrora era uma profunda realidade.

Actualmente é difícil levar a cabo um trabalho de campo com vista à investigação destes
fenómenos, pois na maior parte dos casos só se pode contar com entrevistas pessoais
que debitam memórias de tempos idos. A constatação in loco de práticas comunitárias,
embora possível ainda hoje, resume-se a um pequena parte daquilo que realmente era o
Comunitarismo. Essas entrevistas foram feitas no terreno, servindo de complemento a
um trabalho de campo que, quiçá, inconscientemente, fora feito durante anos.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Naturalmente que se poderá por em causa a capacidade de análise e os conhecimentos


técnicos possuídos na altura para que uma tarefa como essa pudesse resultar frutuosa.

Mas e apesar de ainda hoje essas mesmas capacidades serem passíveis de sofrerem forte
contestação, ficou uma memória bem vincada pelas horas de participação e convívio
dentro do universo comunitário que, de uma forma ou de outra, se traduz sempre em
algum conhecimento, ainda que escasso (característica intrínseca a qualquer tipo de
entendimento).

Resta pois, à laia de introdução e íntimo desejo, um pequeno remate que resume com
arte, todo este trabalho, que, à falta de capacidade discursiva, deixo nas mãos do grande
Cervantes: “Até que o Céu depare quem o adorne de tantas coisas que lhe faltam,
porque me acho incapaz de supri-las pela minha insuficiência e poucas letras.”

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

“As terras que chamam de Barroso têm um sítio tão intratável de serras e penedias,
quase sempre cobertas de neve, de picos que se vão às nuvens, de brenhas temerosas,
de vales profundíssimos e passos perigosos, que mais parecem morada de feras e
selvagens que de homens capazes de razão e juízo (...) terra sempre invernosa, sempre
cheia de neve, onde até na força do Verão havia tempestade de ventos e frios de
crudelíssimo Inverno.”

Frei Luís de Sousa, Vida do Arcebispo, 1619

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

I. 1. Localização

A região de Barroso é, em termos administrativos, parte integrante do Distrito de Vila


Real, situando-se no extremo noroeste do território definido pelo NUTs III como Trás-
os-Montes e Alto Douro, funcionando como fronteira, quer com a Galiza, quer com a
vizinha região minhota.

No sentido mais lato do termo, a região de Barroso, é constituída pelos concelhos de


Montalegre e Boticas. De facto, até 1836, estes dois concelhos apresentavam-se como
um só, sendo a sede do mesmo em Montalegre, havendo registos de uma delimitação
em tudo semelhante a esta desde o séc. XI, já referida por Bodo Freund1, citando Faria
(1960). Actualmente existe uma divisão administrativa no seio desta região nortenha,
que produz a convivência entre dois concelhos distintos, ocupando o mesmo espaço
geográfico. No entanto, é aceite, de forma geral, que a região de Barroso é, na sua
plenitude, constituída pela área abrangida pelo concelho de Montalegre. Inclusivamente,
verifica-se, entre a população do concelho de Boticas, nomeadamente entre aqueles que
habitam nas zonas de altitude mais baixa, o uso mais ou menos corrente de uma
expressão que sintetiza bem o sentimento de divisão geográfica sentida: aquando da
deslocação desde o seu local de residência até alguma das partes do concelho de
Montalegre, principalmente à vila propriamente dita ou à zona do vale do Cávado, era, e
ainda é, costume afirmar-se “Vou até Barroso”. Objectivamente, ou melhor, em termos
geográficos, uma deslocação desde qualquer parte de Boticas até ao concelho vizinho, é
sempre uma deslocação dentro de Barroso mas, como se vê pelo sentido da frase aqui
transcrita, os próprios habitantes fazem distinção entre as duas áreas, criando uma
fronteira que, muito provavelmente, possuirá reminiscências da divisão administrativa
anterior a 1836. Esta distinção é reforçada pelas características próprias de cada um dos
concelhos. Apesar da proximidade, as diferenças têm algum significado, quer seja em
termos climáticos, orográficos ou hipsométricos.

1
- Bodo Freund – Siedlungs und Agrargeographische Studien in der Terra do Barroso (Nord-Portugal),
Dissertação para obtenção do grau de Doutor da Faculdade de Filosofia da Universidade de Johann-
Wolfgang Goethe, Frankfurt-am-Main (trad. Port. Dactilografada com o título: Estudos Agrogeográficos
e de Povoamento na Terra de Barroso), 1969.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Neste trabalho optou-se por manter a designação e divisão administrativa reforçada


pelos habitantes locais, respeitando as características próprias das mesmas e
salvaguardando as inevitáveis e inegáveis similitudes existentes entre os dois espaços
geográficos. Assim, a referência será sempre feita a Barroso, onde se lerá, salvo
indicação em contrário, que tudo o dito ou escrito se refere à área geográfica delimitada
pelo concelho de Montalegre.

O concelho de Montalegre tem como concelhos limítrofes, dentro do distrito de Vila


Real, para além do já referido concelho de Boticas, o concelho de Chaves (a este). No
distrito de Braga faz fronteira com o concelho de Terras de Bouro (a oeste), o concelho
de Vieira do Minho (a sudoeste) e o concelho de Cabeceiras de basto (a sul). A norte, o
concelho de Montalegre confina com a região da Galiza, mais concretamente com a área
administrativa de Xinzo de Limia, província de Ourense.

Montalegre BRAGANÇA

BRAGA

VILA REAL

N
PORTO

0 10 Km 20 Km

Fig. 1 – Localização do concelho de Montalegre no contexto territorial português

Possui uma área de aproximadamente 800 Km2, sendo constituído por 135 aldeias e 36
freguesias. A sua sede de concelho - a Vila de Montalegre – está localizada a uma
altitude de 1000m acima do nível médio das águas do mar, sendo esta altitude, ao nível
concelhio, em valores médios, de cerca de 800m.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

As coordenadas geográficas da Estação Meteorológica de Montalegre dão-nos uma


referência quanto aos valores de longitude, latitude e altitude – Lat.41º 49’ N; Long. 7º
47’ W; Alt. 1005m.

MELGAÇO

ESPANHA

ARCOS DE VALDEVEZ

PONTE DA BARCA

Montalegre
CHAVES

TERRAS DE BOURO

BOTICAS

VALPAÇOS

VIEIRA DO MINHO

N
CABECEIRAS DE BASTO VILA POUCA DE AGUIAR
RIBEIRA DE PENA

FAFE 0 5 Km 10 Km

Fig. 2 – Localização do concelho de Montalegre e concelhos limítrofes

Em termos fisiográficos, podem destacar-se três elementos estruturais de localização e,


de certa forma, delimitação do concelho de Montalegre. No quadrante nordeste a serra
do Larouco (1527m), funcionando também como fronteira com a Galiza. Desde o
quadrante oeste, estendendo-se para noroeste, a serra do Gerês. No quadrante sudeste,
aquela que atinge a menor altitude de todas as três, localiza-se a serra do Barroso,
também designada por serra das Alturas. No interior deste triângulo desenvolve-se, no
sentido nordeste-sudoeste o vale do rio Cávado, o rio mais importante de todo o
concelho, tendo a sua nascente na Fonte Branca, na serra do Larouco.

A sua delimitação apresenta-se bem definida, mesmo sem a presença virtual das
divisões administrativas, sendo bastante individualizada, quer seja pelas condições
fisiográficas e climáticas, quer seja por determinados aspectos socioculturais que
caracterizam a sua população. Se Barroso se encontra integrado na província de Trás-

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

os-Montes, a sua inclusão neste espaço geográfico terá mais significado ao nível
administrativo do que propriamente ao nível biogeofísico ou até cultural. De facto, as
diferenças com o interior ou o nordeste transmontano são significativas, encontrando-se
assimetrias de vários níveis e em várias constituintes do universo geográfico. Como
facilmente se constata com uma breve incursão pela região de Trás-os-Montes, esta é,
sem dúvida, a região do país mais heterogénea, desde as condições climáticas,
orográficas ou hidrogeológicas, até à cultura tradicional do povo (ou vários povos) que a
compõem. Neste quadro de heterogeneidade, Barroso assume-se como a mais distinta
de todas as parcelas territoriais transmontanas. De facto, se ainda podem vislumbrar-se
algumas semelhanças com a designada Terra Fria Transmontana elas são praticamente
inexistentes no que respeita à Terra Quente ou ao Douro vinhateiro, com diferenças
estruturais a todos os níveis.

Ao mesmo tempo, as diferenças com a região minhota, com a qual tem desenvolvido ao
longo da História relações estreitas e de vária ordem, ainda se apresentam como muito
significativas, tanto ao nível físico como cultural.

Assim, Barroso apresenta-se como uma espécie de fronteira física e cultural entre o
Minho, por um lado, e Trás-os-Montes por outro, mantendo relações bidireccionais e
estreitas com ambas as regiões, sem contudo deixar de se afirmar como uma quebra na
continuidade geográfica da região, ocupando um lugar muito distinto, que supera o de
uma mera área de transição.

Estes factos traduzem-se na comum atitude do habitante de Barroso para o qual, à


consciência de “ser transmontano” – que aceita e não renega – se sobrepõe, quase
sempre, a consciência de “ser barrosão”, que proclama orgulhosamente. A esta atitude
está subjacente um conceito de “diferença” que subentende as especificidades inerentes
quer ao território que ocupa, quer à sua própria postura e comportamento social.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

“Porém, o homem, esse «ser racional» que tanto


gosta de se vangloriar do seu livre arbítrio, não pode
tornar-se independente dos climas e das condições físicas da região onde habita”.
Elisée Reclus

I. 2. Caracterização Biogeofísica

Não é, de forma alguma, objectivo deste modesto trabalho, fazer uma caracterização
completa e exaustiva das condições biogeofísicas deste território aqui em análise. Não
se pretende uma apreciação profunda nem tampouco uma catalogação exaustiva de
todas as variáveis que compõem o universo físico de Barroso.

Não se pretende procurar relações de causa-efeito entre as condições físicas e o universo


das relações comunitárias, pelo menos de um forma determinista como procuraria fazer
o mestre citado no início. No entanto, e como é sabido, os factores climáticos e
fisiográficos exercem sempre uma acção condicionante sobre todos os seres vivos, não
constituindo o Homem uma excepção neste capítulo, apesar da sua capacidade de
adaptação própria ou de alteração do meio envolvente, conhecidas que são as múltiplas
formas desde sempre encontradas para tornar aquilo que poderia ser uma adversidade,
num factor de proveito. “Se o homem não pode considerar-se um produto da superfície
terrestre, é inegável que a energia humana, em qualquer região do globo, anda em
estreita relação com as suas condições climáticas”2.

Assim, para que se possa melhor compreender algumas questões relacionadas


directamente com a problemática do Comunitarismo propriamente dito ou com
determinadas formas de vida, de povoamento ou até culturais das gentes barrosãs, bem
como da agricultura praticada torna-se necessária uma abordagem, ainda que ligeira, à
realidade que, eventualmente, possa condicionar, e condiciona, de uma forma ou de

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

outra, toda a vivência de um Povo e da sua forma de estar. Para isso, apresenta-se como
pertinente uma caracterização, ainda que breve, das condições climáticas, orográficas,
geológicas, pedológicas e até do manto vegetal que cobre toda esta região.

I.2.1. Caracterização Climática

“Em Barroso, há nove meses de Inverno e três de Inferno.”


Ditado popular barrosão

Localizado em latitudes médias e em consequência da altitude e das barreiras


orográficas, nomeadamente serra do Gerês a oeste, que obsta a que as massas de ar
provenientes do Oceano Atlântico se desenvolvam mais para o interior do concelho, os
valores médios de temperatura em Barroso são, dentro do contexto nacional, bastante
baixos, durante quase todo o ano. Embora se verifiquem temperaturas amenas durante o
Verão, o termómetro baixa para além do zero com bastante frequência nos meses de
Inverno.

Na obra que produziu em co-autoria, Hermann Lautensach3 definiu a existência de onze


províncias climáticas em Portugal, numa subdivisão entre Norte e Sul e região marítima
e continental, baseando-se para definição dos limites destas últimas numa faixa entre os
40 e os 60Km da costa. Entre a região marítima e a região continental, o autor propôs a
existência de uma província climática na parte setentrional do país, onde se verificam
altitudes superiores a 800m e que denominou de Província Montanhosa do Norte de
Portugal. Os limites desta província proposta seriam, a norte, a estação meteorológica
de Montalegre e a sul, a estação meteorológica das Penhas Douradas. Como
características fundamentais, Lautensach sintetizou: “Verão relativamente quente,
Inverno frio e nevoso. Precipitações anuais, apenas 1000mm nas bacias
intramontanhosas, mas podendo ultrapassar 3000mm no cume das serras”4.

2
- Amorim Girão, Geografia Humana, Porto, 1946
3
- O. Ribeiro, H. Lautensach e S. Daveau, Geografia de Portugal – II - O ritmo climático e a paisagem,
4ª edição, Lisboa, 1999
4
- Op. Cit. pp. 365.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Relativamente à classificação de KÖPPEN, este autor aponta uma classificação de tipo


Cs – “clima chuvoso e moderadamente quente, com chuvas preponderantes no
Inverno”5. Como é sabido, nesta classificação, a letra C indica que a temperatura média
do mês mais frio está compreendida entre 18ºC e –3ºC; a letra s indica que estamos
perante uma região que tem a estação seca no Verão, no hemisfério correspondente.
Porém, se a maior parte do território de Portugal Continental se enquadra no subtipo
Csb, existe uma parte da área ocupada por Barroso que tem enquadramento no subtipo
Csc, onde se prevê a ocorrência de quatro meses com temperaturas médias inferiores a
10ºC. Mais uma vez, somos confrontados com a manifesta insuficiência do número de
estações meteorológicas com observações de longa duração, o que não permite uma
classificação mais rigorosa ou uma separação efectiva das regiões ou sub-regiões a
classificar.

Na mesma obra citada anteriormente, Orlando Ribeiro afirma a necessidade de serem


feitas eventuais divisões climáticas do território português6 , não ao nível de Províncias,
como propunha Lautensach, mas sim como Conjuntos Climáticos. Como justificação,
Ribeiro apontava o facto de ser “(...) impossível traçar, ao jogo essencialmente mutável
das massas de ar, limites rigorosos”.7

De uma forma geral pode dizer-se que, em Barroso, o Inverno se antecipa no Outono e
se prolonga adiante pela Primavera. Invernos longos e rigorosos, Outonos curtos e
Primaveras hesitantes, são características do “clima barrosão”.

I. 2. 1. 1. Temperatura

De todas as condicionantes climáticas, a temperatura será porventura a que mais


influência directa tem sobre o Homem, a flora e a fauna de qualquer região. A sua
relevância no que diz respeito à forma como pode condicionar as actividades humanas é
claramente perceptível. Na História da humanidade verificam-se várias situações em

5
- Idem
6
- Op. Cit. pp. 381 e seg.
7
- Idem, ibidem

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

que o condicionamento pela temperatura levou à criação de novas técnicas ou novas


formas de ocupação do espaço geográfico.

Como se constata pelo quadro das Normais Climatológicas aqui reproduzido, uma das
características principais do clima em Barroso é o facto de existirem grandes amplitudes
térmicas. As grandes amplitudes térmicas aqui verificadas, ocorrem não só num plano
anual de divisão mensal, como também num plano diário, ocorrendo amplitudes
térmicas diárias, no seu máximo, de cerca de 12ºC.

Considerando os dois valores mais extremos, ao nível mensal, encontramos amplitudes


térmicas na ordem dos 34,1ºC (no mês de Junho), sendo que os valores extremos anuais
registam uma amplitude, a todos os títulos notável, de 46ºC.

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Fig. N.º 3 – Valores de Temperatura do Ar e Pressão Atmosférica


Fonte: Normais Climatológicas 1961-1990, Instituto de Meteorologia

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Na região de Barroso registam-se valores de temperatura que, no contexto territorial


português, praticamente só encontram paralelo nalgumas áreas da serra da Estrela. Com
efeito, devido aos efeitos de altitude e continentalidade já referidos, estes dois locais
serão aqueles onde se verificam os valores de temperatura mais baixos de todo o país.

Na Estação Meteorológica de Montalegre, no período considerado (1961/1990), foram


registados valores médios mensais de temperatura mínima inferior a 10ºC em dez
meses, o que demonstra bem os níveis de temperatura do ar que, dadas as
circunstâncias, traduzem uma certa normalidade ou, na melhor das hipóteses, uma
naturalidade ou realidade climáticas. Desses dez meses considerados, unicamente quatro
registaram valores superiores a 5ºC, tendo os restantes valores muito inferiores a este.

Relativamente aos valores médios, temos que a temperatura mais elevada se regista
durante o mês de Julho, com 17,6ºC, sendo a temperatura mais baixa observada em
Janeiro, com 3,8ºC. No tocante às temperaturas máximas registadas, é também no mês
de Julho que se observam os valores mais elevados, com 35ºC a assumir o nível mais
alto da subida do mercúrio. Já no respeitante à temperatura mínima mais baixa, ou de
valor extremo, ela regista-se durante o mês de Dezembro, com uns expressivos 11 graus
centígrados abaixo de zero (-11,0ºC).

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Fig. N.º 4 – Evolução dos Valores de Temperatura Média (Estação Meteorológica de Montalegre)
Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Instituto de Meteorologia

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Se atendermos aos valores extremos das temperaturas mínimas, a constatação de que


estamos perante uma região com condições climáticas pouco usuais no panorama
nacional, torna-se ainda mais óbvia. Com efeito, a este nível de valores, verifica-se a
existência de temperaturas muito pouco comuns em Portugal. De todos os meses do
ano, só três (os meses de Verão: Julho, Agosto e Setembro) não registam temperaturas
negativas.

Como se constata pelo gráfico, as temperaturas médias mensais em Barroso são, de um


modo geral, baixas, com valores sempre inferiores a 20ºC, observando-se no entanto, a
curvatura característica dos climas de latitudes médias.

I. 2. 1. 2. Precipitação

A pluviosidade é também um factor climático de grande importância, na medida em que


a sua variação tem influência directa ao nível dos valores de temperatura, bem como do
coberto vegetal e de todas as comunidades biológicas e seus mecanismos de regulação.

Em Barroso, os níveis de pluviosidade são mais elevados na parte ocidental do


concelho. A pluviosidade tende a diminuir à medida que nos deslocamos para leste. Isto
verifica-se devido à acção de barreira protagonizada pela serra do Gerês que impede o
desenvolvimento das massas de ar, que se deslocam desde o Oceano Atlântico, mais
para o interior do concelho. Devido a isto, é relativamente frequente a ocorrência de
chuvas orográficas nas vertentes ocidentais desta serra, o que faz com que as massas de
ar marítimo, aquando da transposição da referida barreira granítica, cheguem às áreas
mais centrais e orientais do concelho, com níveis de humidade substancialmente mais
baixos.

Isto mesmo se pode constatar através da Carta de Precipitação8, elaborada a partir de


dados constantes no Atlas do Ambiente, produzido pela Direcção Geral do Ambiente,
onde estão registados os valores médios anuais. Nesta carta é visível a disparidade e

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

evolução de situações de pluviosidade dentro do Concelho de Montalegre, numa


orientação de Oeste parta Este. A diminuição dos valores de pluviosidade, à medida que
nos deslocamos para Este, fica bem patente nesta representação cartográfica, e torna-se
evidente num trajecto terrestre efectuado no mesmo sentido. A simples observação do
coberto vegetal indica-nos diferenças significativas. Apesar de se tratar de uma área
relativamente pequena, essas diferenças são bem visíveis e constatam-se através de um
simples observação das diferentes paisagens, por exemplo, das freguesias de Outeiro
(Oeste) e Vilar de Perdizes (Este).

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Fig. N.º 5 – Carta de Precipitação


Fonte: Atlas do Ambiente, Direcção Geral do Ambiente

É notória a diferença significativa que existe entre a parte ocidental e a parte oriental do
concelho, variando os valores, nos extremos, entre o 3000mm a oeste e 800mm a este.
Sendo uma área relativamente pequena (800km2) e apresentando uma distância máxima,
medida em linha recta, entre os dois pontos mais distantes, numa direcção W-E de
pouco mais de 39 Km , existem diferenças significativas, quer ao nível dos valores de
temperatura, quer ao nível do valores de pluviosidade, que parecem desdenhar desse

8
- Para uma análise de mais pormenorizada veja-se a mesma carta na III Parte – Anexos, reproduzida à
escala 1:100 000.

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

factor de área tão reduzido. Isto poderá ser explicado, quer pelos factores orográficos já
referidos, e que terão uma influência muito importante, mas também pelo facto de esta
área se encontrar localizada numa zona que facilmente poderá ser considerada como de
transição, entre o noroeste continental, com um clima de marítimo, e o nordeste
transmontano, cujo clima é de características mais continentais.

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Fig. N.º 6 - Gráfico Termopluviométrico (Estação Meteorológica de Montalegre)


Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Instituto de Meteorologia

O gráfico termopluviométrico9 aqui apresentado demonstra bem o regime térmico e


pluviométrico de Montalegre. (Mais uma vez se lamenta o facto da não existência de
estações meteorológicas com leituras de longa duração, o que permitiria uma

9
- As escalas do gráfico estão propositadamente proporcionadas numa razão de dobro, por razões de
leitura. Assim, facilmente se destacam os meses secos, que são aqueles cujo dobro do valor da
precipitação é inferior ao valor da temperatura.

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

abordagem mais minuciosa às questões climáticas). Embora não possa caracterizar


todas as situações que, como já vimos, apresentam algumas diferenças, o gráfico serve,
no entanto, para que possa ser formada uma ideia das condições meteorológicas e
climáticas da região de Barroso. Numa primeira análise, destacam-se os altos valores de
pluviosidade registados naquele que poderemos considerar como o semestre húmido, e
que decorre entre Outubro e Março. Durante este período, atinge-se o valor mais
elevado de pluviosidade, registado10 em Dezembro, com 223,7mm. No total, os valores
médios do aqui considerado semestre húmido cifram-se em 1.107mm. Por outro lado, os
restantes seis meses acumulam um total de precipitação de 380mm, quase um terço do
valor registado no semestre húmido, onde o máximo diário se registou em Setembro,
com 96,4mm.

Ainda através da leitura do gráfico, pode assinalar-se a existência de dois meses secos,
na circunstância, os meses de Julho e Agosto. Com efeito, neste dois meses, os valores
de precipitação em dobro, são inferiores aos valores médios de temperatura.

I. 2. 1. 2.1. Geada e neve

Dos restantes fenómenos meteorológicos que caracterizam o clima de Barroso é de


realçar a importância da geada e da neve, pela influência que exercem sobre o
condicionamento das culturas agrícolas e das actividades locais.

A geada é, de todos os meteoros, o que ocasiona mais prejuízos na região. É a geada que
impõe condições limitantes a muitas culturas e, em consequência, dita o reduzido leque
de culturas agrícolas viáveis em Barroso.

10
- Estes valores fazem parte das Normais Climatológicas (1961/1990) da Estação Meteorológica de
Montalegre e referem-se a valores médios mensais das ocorrências totais no período considerado.

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

A nível do país, Barroso detém o recorde de número médio de dias com ocorrência de
geada (56) sendo mesmo o único sítio do território português em que há probabilidade
de ocorrência de geada em todos os meses do ano.11

As geadas que se formam a partir de Abril – Maio são as mais prejudiciais e não
raramente provocam grandes estragos em searas e batatais.

No que respeita à neve, dada a época em que normalmente cai (Outono – Inverno), a sua
acção sobre as plantas cultivadas não pode considerar-se prejudicial, muito antes pelo
contrário. Actuando como elemento regulador, protege as culturas outono-invernais da
acção nefasta da geada. O adágio popular assim o confirma: “Ano de nevão, ano de
pão”.

No entanto, a neve provoca transtornos graves que se reflectem na economia da região,


ao criar grandes problemas de circulação, impedindo ou dificultando o apascentamento
dos gados e as comunicações com o mundo exterior. Em contrapartida constitui um
atractivo turístico não desprezível.

I. 2. 1. 4. Vento

Como condição meteorológica, o vento assume particular importância, na medida em


que exerce uma acção directa sobre a temperatura, a humidade e a evaporação. Ao
mesmo tempo, e também como consequência, a sua acção faz-se sentir sobre as
actividades humanas em geral e no plano agrícola em particular.

Para além da sua acção mecânica de erosão, o vento participa activamente na “(...)
disseminação e distribuição de determinadas espécies vegetais, dessecamento das
plantas (...) [e na] deformação de árvores e arbustos.”12. O vento, quando em

11
- Raposo, José Rasquilho – “A defesa das plantas contra a geada”, Junta de Colonização Interna,
Estudos Técnicos n.º 7, Lisboa, 1967.

12
- Fernando Gusmão - Uma freguesia do Barroso ( Pitões das Júnias). Relatório final (Inédito),
Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 1964.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

velocidade e frequência significativas, tem a propriedade de “(...) contrariar a


formação das geadas e contribui para facilitar a polinização.”13.

Relativamente aos valores registados pela Estação Meteorológica de Montalegre,


durante o período de 1961 a 199014, temos que a velocidade média mais elevada se
regista no quadrante norte, quer em valores anuais, quer em valores mensais. Quanto a
valores médios anuais, a velocidade mais elevada dos ventos foi registada exactamente
no quadrante norte, com 18,4 Km/h, sendo que, numa observação mensal, e no mesmo
quadrante, o valor de velocidade média mais elevado foi de 21,1 Km/h, durante o mês
de Março. Quanto aos valores mínimos de velocidade média anual, eles foram
registados no quadrante sul, com um valor de 9,1 Km/h, sendo que a velocidade média
mensal mais baixa se registou no mês de Setembro, também no quadrante sul, com um
valor de 7,9 Km/h. No cômputo geral, os valores médios do período considerado
(1961/1990), foram de 11,6 Km/h de velocidade média, e de 1.1 % de ocorrência de
“calma”.

Fig. N.º 7 – Rosa Anemoscópica


Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Instituto de Meteorologia

13
- Idem, ibidem.
14
- Para uma análise mais aprofundada dos valores de frequência e velocidade do vento no período
considerado ver quadro completo dos registos e respectivo diagrama de ventos, na III Parte – Anexos,
deste trabalho.

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

No que respeita à frequência do vento registado, o quadrante mais activo é o quadrante


oeste, com um valor médio de 19,8 % de ocorrências, sendo que o mês que registou o
valor mais elevado foi o mês de Maio, também no quadrante oeste, com valores que
atingiram 25,4 %. O quadrante com menor frequência de ventos é o quadrante noroeste,
com apenas 6,0 %. Já num plano mensal, o valor mais baixo de frequência, regista-se
durante os meses de Janeiro e Agosto, com valores de 4,2 %.

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Fig. N.º 8 – Frequência de ventos nas diferentes estações do ano


Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Instituto de Meteorologia

Numa divisão por estações do ano, verifica-se que a estação que apresenta a maior
frequência de ventos é o Verão, com os valores médios deste trimestre a atingirem os 22
% no quadrante oeste. No que diz respeito à menor frequência de ventos, ela regista-se
tanto no Inverno como no Verão, com 5,8 % de ocorrências, nos quadrantes noroeste e
nordeste, respectivamente.

I. 2. 3. Caracterização Geomorfológica

Do ponto de vista geotectónico, a área do concelho de Montalegre integra-se na zona


Centro-Ibérica , sub-zona Galaico-Transmontana.

Fazendo parte de um conjunto de relevos, que marginam a oeste o Maciço Hespérico


(também denominado Meseta ou Maciço Antigo), esta região é caracterizada, de forma
João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

genérica, por se apresentar como uma série complexa de planaltos, os quais se


“constituem numa grande unidade geográfica que estabelece a transição entre o Baixo
Minho e Trás-os-Montes”15.

Barroso não é uma região fácil de definir morfologicamente, visto o seu carácter misto,
planáltico e montanhoso.

Dominando todo o conjunto geomorfológico, ergue-se a Norte o esporão granítico do


Larouco, o ponto mais alto de Trás-os-Montes (1525m), ligado ao Gerês por uma linha
de picos cuja altitude oscila entre os 1200m e os 1330m e que corre ao longo da
fronteira com Espanha. Esta linha montanhosa de altitudes mais ou menos homogéneas
forma a moldura setentrional do alto vale do Cávado, acentuando-se a forma declivosa
do relevo a ocidente, nas proximidades da Serra do Gerês.

A parte mais plana do concelho de Montalegre é a região oriental, que se estende desde
o sopé da serra do Larouco, indo para além dos limites administrativos, até à bacia de
Bobadela, já no concelho de Chaves.

Os vales não são recentes, visto que os rios actuais se encontram neles encaixados. Na
maioria dos casos, apresentam uma orientação bética (ENE-WSW), muito
provavelmente determinada por acidentes tectónicos. A título de exemplo, podem citar-
se as linhas de água mais importantes de toda a região, o rio Cávado que nasce na Serra
do Larouco e o seu afluente da margem esquerda mais importante – o rio Rabagão.
Ambos os rios iniciam o seu percurso em declive suave, através de amplas zonas de
características planas, durante cerca de 20Km, para seguidamente, num breve espaço de
cerca de 6Km, o seu leito apresentar declives significativos, na ordem dos 80m/Km.

Para além destas duas linhas de água que assumem os lugares cimeiros de
hierarquização, existem múltiplas linhas de água, de diferentes caudais e comprimento
variável, um pouco por todo o concelho.

15
- in Plano Director Municipal, Câmara Municipal de Montalegre.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

A região de Barroso encontra-se dividida entre duas grandes bacias hidrográficas –


Cávado e Tâmega, sendo que esta última se inclui num sistema hídrico de grandeza
superior: a bacia hidrográfica do Douro.

A esmagadora maioria, se não a totalidade, das linhas de água com alguma expressão
são consideradas perenes, na medida em que apresentam um fluxo hidrológico que se
mantém durante todo o ano. Há, naturalmente, uma diminuição generalizada de caudais
durante a época estival, não se registando, contudo, um interregno do caudal fluvial
durante essa época, a não ser em linhas de água de fraca expressão e cujos caudais não
se apresentam, mesmo no Inverno, como muito significativos.

No concelho de Montalegre existem várias albufeiras para aproveitamento


hidroeléctrico. A que ocupa a maior área é, sem dúvida, a Albufeira do Alto Rabagão,
que, como o próprio nome indica, é alimentada pela bacia hidrográfica desta linha de
água. Ainda nesta bacia hidrográfica, situa-se a Albufeira de Venda Nova, a jusante da
primeira e ocupando uma área bastante menor. Esta última, melhor dizendo, a barragem
propriamente dita, situa-se já no limite administrativo do concelho, fazendo fronteira
com o concelho de Vieira do Minho.

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Fig. N.º 9 – Bacias Hidrográficas do Concelho de Montalegre


Fonte: Atlas do Ambiente, Direcção Geral do Ambiente

João Nuno Gusmão 2004

34
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

No rio Cávado encontram-se duas albufeiras: Paradela e Alto Cávado. Esta última
encontra-se ligada à albufeira do Alto Rabagão através de um túnel, que permite o
abastecimento de água a esta última, já que a albufeira do Alto Cávado se destina a
desviar o caudal do rio Cávado para a albufeira do Alto Rabagão.

I. 2. 4. Caracterização Geológica e Pedológica

A constituição geológica da região é essencialmente granítica. Registam-se, no entanto


e à excepção da zona leste, estratos xistosos pontuais encravados na estrutura granítica.
O granito predominante é, em geral, porfiróide de grão médio a grosseiro, com duas
micas: biotite e moscovite. As manchas de xisto de maior representatividade encontram-
se com maior frequência na zona leste da região barrosã, podendo a zona central, apesar
da maior predominância dos granitos, ser considerada como zona de transição ou
intermédia, assumindo-se a zona oriental como marcadamente granítica.

O tipo de solos que se nos apresenta na região está, como é natural, em estreita relação
com um conjunto de factores importantes para a sua génese, nomeadamente: o tipo de
rocha-mãe, a topografia e o clima. A rocha-mãe é o granito, caracterizado por afloração
lenta, dando origem, geralmente, a solos com teores de argilas relativamente baixos.

As características topográficas regionais conduzem à diferenciação de dois tipos de


solos fundamentais: os solos de característicos de zonas com cotas mais baixas –
coluvissolos -, relativamente profundos, formados a partir de materiais vindos das
encostas adjacentes, e os solos litólios, nas encostas, com profundidade variável e
dependente do declive e localização ao longo da encosta.

As condições climáticas – clima frio e húmido – são desfavoráveis à mineralização da


matéria orgânica, o que conduz à sua conservação e à consequente existência de
elevados teores no solo.

João Nuno Gusmão 2004

35
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Assim, da interacção dos diversos factores que condicionam o tipo de solos resulta que,
na região, predominem solos ácidos ou muito ácidos, com elevados teores de matéria
orgânica lentamente mineralizável, de profundidade variável consoante a fisiografia,
com texturas ligeiras do tipo arenoso a franco-arenoso e com teores baixos de fósforo e
médios a altos de potássio.

I. 2. 5. Coberto Vegetal

O concelho de Montalegre possui uma riqueza paisagística e biológica de inegável


valor, quer seja sob um ponto de vista ecológico, quer seja sob uma perspectiva
económica. Aqui encontram-se algumas espécies vegetais raras, como é o caso do Lírio
do Gerês (Iris Boissieri, H.), havendo, simultaneamente, uma considerável
biodiversidade, um pouco por toda a região.

Parte da área florestal, é dominada pelo pinheiro bravo (Pinus pinaster) que, sendo uma
espécie atlântica, foi aqui introduzido em larga escala, aquando dos maciços
florestamentos dos baldios levados a cabo pelo Estado Novo nas décadas de 30 e 40 do
século passado. Actualmente a área de pinheiro bravo encontra-se muito reduzida mercê
dos numerosos incêndios que a assolaram.

As espécies autóctones mais representativas são, no estrato arbóreo, o vidoeiro (Betula


Celtiberica), que se encontra em zonas de maior altitude e com altos índices de
humidade; o carvalho roble (Quercus robur) e o carvalho negral (Quercus Pyrennaica),
característicos de zonas altas e interiores.

Espécies vulgares e características desta área são também o azevinho (Ilex Aquifolium);
a pereira brava (Pyrus Pyraster e Pyrus bourgaena); a aveleira (Coryllus avellana) e a
cerejeira brava (Prunus avium); o salgueiro (Salix atrocinerea); o sanguinho (Cornus
sanguinea); a lamagueira (Sorbus aucuparia). Do manto arbustivo salientam-se o tojo
(Ulex minor); a carqueja (Genistella tridentata); a queiró (Calluna vulgaris); a urze-

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

cinzenta (Erica cinerea); a giesta (Cytisus striatus, Cytisus multiflorus e Genista


florida).

No manto herbáceo encontram-se principalmente gramíneas como Festuca rubra,


Agrostis setacea, Agrostis castellana, Holcus mollis, Avenula sulcata e Nardus stricta16,
bem como algumas leguminosas dos géneros Lotus, Trifollium e Ornithopus.

I. 2. 6. Uso do Solo

Ao abordar a utilização do solo em Barroso há que distinguir desde logo o solo


apropriado individualmente, que representa a área total das explorações agrícolas, do
solo apropriado colectivamente e que é vulgarmente designado por baldio ou monte.

Dos cerca de 80.000 hectares que representam a superfície total do concelho de


Montalegre, a superfície total das explorações agrícolas corresponde a pouco mais de
um terço (aproximadamente 28.000ha), sendo a área restante ocupada pelo baldio, bem
como pelos aglomerados populacionais (de pequena dimensão), infra-estruturas viárias,
linhas de água, albufeiras das barragens hidroeléctricas, etc. A área correspondente ao
baldio é, portanto, altamente significativa.

Quanto à área ocupada pelas explorações agrícolas, cerca de 13.000ha correspondem a


terras aráveis, cerca de 7.500ha a prados permanentes (lameiros), sendo a restante área
ocupada por espécies florestais (principalmente matas de carvalhos). Nas terras aráveis
pratica-se uma agricultura muito pouco diversificada devido fundamentalmente às
condições limitantes para muitas culturas, impostas pelas condições climáticas.

Assim, a agricultura local apoia-se na cultura do centeio, da batata, do milho para grão
ou para forragens, numa produção hortícola destinada ao autoconsumo – onde
predominam as couves de diversos tipos bem como algum feijão, cebola e alface – e

16
- José M.L. Santos - Práticas pastoris, cargas pecuárias e aspectos organizativos do pastoreio: o
monte de Pitões (Relatório Final), Departamento de Economia Agrária e Sociologia Rural, Instituto
Superior de Agronomia, Lisboa, s.d.

João Nuno Gusmão 2004

37
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

numa produção pecuária de bovinos, caprinos, ovinos e suínos. Os bovinos têm como
base dos seu sustento a erva e o feno dos lameiros, as pastagens dos baldios, algumas
forragens produzidas nas terras aráveis (milho e ferrã de centeio) e subprodutos das
culturas agrícolas (batata-refugo, palha de centeio, etc.). Os caprinos e ovinos são
alimentados quase exclusivamente nas pastagens dos baldios. Os suínos são alimentados
com subprodutos da exploração, complementados com milho ou centeio durante o
período da ceva. É de referir que a pecuária constitui actualmente a principal fonte de
receita dos agricultores de Barroso.

Os agricultores de Barroso, agrupados em Associações de Criadores e apoiados pela sua


Cooperativa Agrícola conseguiram obter um importante valor acrescentado para os seus
produtos pecuários de reconhecida qualidade intrínseca, mediante a comercialização de
carne de qualidade certificada e protegida no âmbito dos regulamentos da União
Europeia, que asseguram a sua classificação como produtos de qualidade
territorialmente diferenciados.

Deste modo, a carne dos Bovinos de Raça Autóctone Barrosã é reconhecida como
“Denominação de Origem Protegida – DOP” e o Presunto de Barroso, o Cabrito de
Barroso, o Bovino dos Lameiros de Barroso e o Cordeiro de Barroso, reconhecidos
como “Indicação Geográfica Protegida”. Estão também já protegidos como
“Especialidade Tradicional Garantida” os produtos do fumeiro regional.

Retomando o tema da ocupação e usos do solo, importa referir que, em Barroso, dado o
tipo de povoamento concentrado característico da região, a paisagem humanizada
apresenta os seguintes traços fundamentais: as habitações concentram-se nas aldeias, em
aglomerados populacionais muito densificados; em redor da aldeia distribuem-se os
campos agricultados e, mais longe, circundando estes, fica o baldio.17

Os baldios constituem a propriedade colectiva da aldeia e facultam a esta importantes


recursos – pastos, matos, lenhas e madeira – indispensáveis para a viabilização das

17
- A propósito desta temática de ocupação de espaços agrícolas e populacionais veja-se o Diagrama
Esquemático dos Espaços Físicos de um Aldeia-tipo de Barroso, apresentado em anexo.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

explorações agrícolas e utilizados segundo normas ditadas por usos e costumes


ancestrais, transformadas em direito consuetudinário.

A importância socio-económica do baldio no contexto da manutenção e sobrevivência


da sociedade rural barrosã é de tal forma relevante que justifica que, mais adiante neste
trabalho lhe seja dedicada especial atenção.

I. 3. Caracterização Socio-demográfica

I. 3. 1. Povoamento anterior ao período romano

A área actualmente ocupada pelo concelho de Montalegre apresenta inúmeros vestígios


arqueológicos que atestam uma ocupação humana do espaço desde a pré-história.

Um número relativamente elevado de monumentos funerários, característicos do


Neolítico, denominados antas, dólmens ou mamoas18, fazem prova disso mesmo, um
pouco por todo o concelho. Sendo a sua distribuição espacial mais ou menos
generalizada, observa, no entanto, uma maior incidência em toda a parte norte e
noroeste do território. Segundo Bodo Freund19, citando Fernando Barreiros (1919),

18
- Na realidade, esta designação, dada ao tipo de monumentos funerários aqui apontados, refere-se ao
mesmo tipo dos monumentos anteriores. No entanto, é feita a diferenciação pelo facto de estes se
encontrarem ainda soterrados, o que, na opinião praticamente generalizada dos autores e investigadores
das ciências históricas, seria a forma original e acabada do dito monumento. A sua configuração, é
contudo enganosa, na medida em que todos ou a sua quase totalidade se encontram violados, pelo que a
forma primitiva de coberto, bem como o seu espólio arqueológico, há muito se perdeu.

19
- Bodo Freund – Siedlungs und Agrargeographische Studien in der Terra do Barroso
(Nord-Portugal), Dissertação para obtenção do grau de Doutor da Faculdade de
Filosofia da Universidade de Johann-Wolfgang Goethe, Frankfurt-am-Main (trad. Port.
Dactilografada com o título: Estudos Agrogeográficos e de Povoamento na Terra de

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39
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

foram, nesta altura, contabilizados 69 destes monumentos funerários, em 25 freguesias.


Estes valores demonstram que a ocupação humana ocorrida durante este período, há
cerca de quatro ou cinco mil anos, quer numa perspectiva temporal, quer numa
perspectiva espacial, foi bastante considerável.

A denominada Civilização Castreja deixou também, de forma indelével, a sua marca no


concelho de Montalegre. Estão identificados mais de três dezenas de locais com indícios
de pequenos povoamentos, atribuíveis à Idade do Ferro, designados por Castros. Estes
aglomerados populacionais eram normalmente localizados no cume de pequenas
elevações de terreno, sempre nas imediações de um curso de água. A escolha deste tipo
de localização, estava estreitamente ligada ao uso essencial e corrente da água, bem
como ao das condições orográficas, que facilitavam e intensificavam as suas
características elementares defensivas. Estas povoações fortificadas, geralmente de
pequena dimensão, assumiam, como foi já referido, características essencialmente
defensivas, sendo rodeadas por um ou mais muros de protecção (de tipo amuralhado) e
por fossos cavados no perímetro exterior da povoação.

Muitos destes Castros desapareceram completamente, restando somente a memória da


sua existência gravada na toponímia de alguns locais. Noutros locais, porém, é visível e
notória a forma de ocupação de espaço deste tipo de povoamento, nomeadamente em S.
Vicente da Chã, onde se encontra aquele que será certamente o testemunho mais bem
conservado desta época.

O Castro de S. Vicente, como é vulgarmente designado, encontra-se disposto no topo de


uma pequena elevação de terreno, a sudoeste da aldeia com o mesmo nome. A parte
superior do outeiro, que é a área de ocupação da fortificação, encontra-se actualmente
completamente rodeada por água, transformada numa ilha pelo enchimento da Albufeira
do Alto Rabagão. Neste Castro são, ainda hoje, perfeitamente visíveis as muralhas
exteriores sendo, ao mesmo tempo, claramente perceptíveis também os contornos e as
fundações das antigas construções aí existentes. A planta destas edificações compreende
no mesmo espaço dois tipos diferentes de construção, encontrando-se lado a lado
vestígios de casas de planta circular e de planta rectangular.

Barroso), 1969.

João Nuno Gusmão 2004

40
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Segundo Freund (1969, Op. cit.), muito provavelmente não se teria verificado “um
povoamento continuado da região com a mesma população”. Como justificação para
este facto, o autor aponta os registos de tradição oral, onde a população local atribui a
construção dos Castros aos mouros. No caso de ter havido um novo povoamento, os
colonos teriam, segundo o mesmo autor, “atribuído por ignorância, estes povoamentos
abandonados aos mouros”. Este facto parece indiciar uma ausência de continuidade no
povoamento da região, sem que haja, contudo, provas irrefutáveis disso mesmo, dada a
inexistência de documentos históricos que permitam uma afirmação cabal de suporte ou
contradição desta hipótese.

I. 3. 2. A ocupação romana

A presença romana no actual concelho de Montalegre encontra-se documentada em


cerca de meia centena de sítios. A continuidade de ocupação de muitos castros e a
dispersão de vários povoados abertos durante a época romana parecem testemunhar um
forte processo de romanização, eventualmente atribuível à riqueza das veigas planálticas
e à importância mineira da região.

Este processo foi, sem dúvida, potenciado pela abertura da “Via XVII do Itenerarium
Autoninum”, principal ligação entre Bracara Augusta (Braga) e Aquae Flavie (Chaves)
que atravessou Barroso, para além de outras vias secundárias ou alternativas.

Sabe-se que das três “mansio” servidas pela Via XVII entre Braga e Chaves, duas –
Praesidium e Caladunum – localizar-se-iam no actual concelho de Montalegre, sem que
a sua localização exacta não esteja ainda definitivamente assumida. Os povoados
abertos de Ciada (Gralhas), Portelo (Vilar de Perdizes) e Cividades (Salto), seriam
também importantes núcleos romanos, tendo em conta a vasta área de dispersão de
vestígios identificáveis.

De qualquer forma está ainda por demonstrar, de forma inequívoca, o grau de


importância que os Romanos teriam atribuído à região. Os vestígios existentes, estradas,

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41
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

marcos miliários, algumas aras, artefactos e utensílios do artesanato, bem como um


número elevado de moedas de diversos períodos, constituem testemunhos importantes
da sua presença em muitos locais de Barroso mas são insuficientes para aferir com
segurança o interesse que os Romanos dedicaram à região e qual o seu nível de
ocupação.

I. 3. 3. Povoamento na Idade Média20

Por volta do séc. V d.C. a Península Ibérica foi invadida por povos bárbaros de origem
germânica (Alanos, Vândalos, Suevos e Visigodos), no entanto, da sua passagem por
Barroso, se de facto existiu, pouco se sabe, não havendo vestígios arqueológicos que
permitam uma certeza firmada em provas sólidas.

Alguma documentação histórica escrita atesta, contudo, a continuidade da ocupação da


região. É o caso da Crónica de Idácio, bispo de Chaves, escrita em meados do séc. V,
durante a dominação sueva. Do séc. VI conhecem-se dois documentos de carácter
administrativo-religioso onde são feitas referências a Barroso: a delimitação da diocese
de Braga, datada de 569, em que se refere a Serra do Larouco como um dos seus limites
e a que reporta às actas dos Concílios de Lugo (ano 572), e nas quais Salto (ad Saltum)
aparece referida como uma das trinta freguesias que fazem parte da diocese de Braga.
Com a tomada do reino suevo pelos Visigodos inicia-se um período do qual não se
conhece qualquer documento relativo a Barroso, nem tampouco existem registos de
vestígios arqueológicos desta época.

A posterior ocupação árabe, que terá durado cerca de trinta e sete anos, provavelmente
de 716 a 753, praticamente não deixou vestígios físicos, ficando, no entanto, fortemente
enraizada na tradição lendária bem como em numerosos topónimos.

A reconquista de Barroso ocorre entre 751 e 754, quando Afonso I de Oviedo toma de
assalto Chaves, Braga, porto e Viseu, o que levou a um forte repovoamento de todos

20
- Boa parte da referência documental citada consta da obra “Montalegre e Terras de Barroso”, da
autoria de João Alves da Costa, numa edição da Câmara Municipal de Montalegre, datada de 1987.

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42
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

estes territórios do norte. É uma época pobre em documentação, o que impossibilita


uma análise mais profunda e um satisfatório conhecimento do que seria Barroso durante
o período de domínio asturo-leonês.

Após a independência de Portugal, o documento mais antigo que se conhece com


referência a Barroso é um manuscrito datado de 1145 que dá notícia da existência do
Arcediago de Barroso. Um outro documento existente no Arquivo provincial de Orense
(Galiza), datado de 1147, fala da fundação do Mosteiro de Santa Maria das Júnias, em
Pitões das Júnias. Uma bula do Papa Inocêncio III de 1208 refere-se a Vilar de Perdizes
e Couto Dornelas (Boticas). Sabe-se que D. Sancho I concedeu foral a Tourém,
provavelmente em 1187, e também a Padornelos.

A partir do séc. XIII a documentação com referências a Barroso passa a ser mais
abundante. De 1248 existem dois documentos referentes ao Mosteiro de Santa Maria
das Júnias e ao Couto de Vilaça. As Inquirições de 1258 fazem referência a Salto e
vários outros lugares de Barroso.

Em 1273, D. Afonso III concede carta de foral à vila de Montalegre. Durante os


reinados deste e de D. Dinis, foram concedidas cartas de foral a diversas povoações de
Barroso, num total de 19, donde se pode concluir que, nessa época, se intensificou o
povoamento de Barroso e o seu desenvolvimento agrícola.

O facto de Barroso constituir uma região fronteiriça que importava defender das
investidas dos leoneses e castelhanos terá levado os primeiros reis portugueses a adoptar
medidas que intensificassem o povoamento da região, como forma de melhor garantir a
resistência a essas investidas. Com o mesmo objectivo foram construídos os três
castelos em que se apoiava a defesa de Barroso: o Castelo da Piconha, junto a Tourém e
o Castelo do Portelo, junto a Sendim – ambos sobre a linha da raia – e, um pouco mais
tarde, nos reinados de D. Afonso III e D. Dinis, o Castelo de Montalegre. Os dois
primeiros foram destruídos durante a Guerra da Restauração, o de Montalegre mantém-
se ainda, fruto de intervenções várias ao longo dos anos, com uma forma muito
aproximada da que seria a original, assumindo-se como o ex-libris da vila de
Montalegre.

João Nuno Gusmão 2004

43
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

No decurso da 2ª Dinastia são numerosas as referências a Barroso. D. João I concedeu o


senhorio de Barroso a D. Nuno Álvares Pereira em 1386; por sua vez este, em 1401,
doou Barroso a D. Afonso, filho de D. João I, quando aquele casou com D. Beatriz.
“Documentos posteriores das chancelarias de D. Duarte, de D. Afonso V e de D. João
III, ora citam os donatários de Barroso, ora os governadores por eles nomeados”21.
Documento interessante, por nos dar uma ideia do povoamento de Barroso àquela
época, é o recenseamento do concelho de Montalegre, feito em 1530 por ordem de D.
João III. Esse recenseamento regista a existência de 102 lugares e 1.613 fogos.

Existe uma referência à pastorícia na serra do Larouco, já no séc. XVI. Paula Bordalo
Lema, cita na sua obra “Tourém, uma aldeia raiana do Barroso”22, A. B. Freire (1909):
“(...) e amtre Fomte do torgo e Bydueiro do Estremo há h a serra e campina que os
Portugueses e Galegos com mistigamente h s e outros, e nam há hy certa divysam
amtre h s e outros”.

I. 3. 4. Os últimos 150 anos e a situação actual

Em termos demográficos, o concelho de Montalegre apresentou, nos últimos 150 anos,


dois movimentos distintos, constantes ao longo de décadas, de aumento e diminuição da
população residente. De 1864 até 1960 regista-se um movimento claramente positivo,
com um aumento generalizado do número de habitantes de década para década. Neste
período, a única excepção é o decénio 1911-1920, o qual regista, mais do que um
abrandamento da curva ascendente, um decréscimo generalizado da população
residente. Tal facto ficará a dever-se a várias causas, de entre as quais a ocorrência da I
Guerra Mundial, com as suas sequelas, e a grande epidemia que ficou conhecida como a
pneumónica, terão sido as principais.

21
- Costa, João Gonçalves da - obra citada, pp. 109
22
- Obra citada, pp. 23

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44
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

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Fig. N.º 10 - Evolução da População Residente no Concelho de Montalegre 1864/2001
Fonte: Instituto Nacional de Estatística

A I Guerra Mundial teve como consequência, não tanto elevados índices de mortalidade
a ela directamente atribuíveis – menos de uma centena de pessoas morreram tendo
como causa directa o conflito – mas, principalmente, um considerável agravamento das
difíceis condições de vida que já imperavam na região.

As dificuldades de produção e de abastecimento, bem como de acesso dos seus produtos


a mercados remuneradores, agravaram-se substancialmente e é natural que estes factos,
aliados ao recrutamento de um número elevado de jovens para o Exército por períodos
de tempo prolongados, tenham tido como consequência uma redução significativa dos
índices de natalidade.

No mesmo período, o surto de pneumónica que grassou pela região, atingindo todos os
grupos etários, mas registando principal incidência nos jovens e idosos, foi o
responsável directo por índices de mortalidade invulgarmente elevados

João Nuno Gusmão 2004

45
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

A ocorrência dos dois factores citados – redução dos índices de natalidade e o aumento
dos índices de mortalidade – traduziu-se, naturalmente, numa redução significativa da
população residente.

A partir de 1920, assiste-se de novo ao aumento da população em todo o Barroso, sendo


de registar um ritmo mais acelerado nesse mesmo aumento. A melhoria das condições
de vida, de uma forma generalizada, a par de um crescimento económico considerável,
em grande parte impulsionado pela produção de batata-semente, vai provocar, não uma
explosão demográfica, mas um muito claro aumento no ritmo demográfico.

Até 1960 assiste-se a este aumento progressivo da população, período em que atinge o
seu máximo – 32.728 habitantes23. É de salientar que, neste período, foram construídos
na região os grandes aproveitamentos hidroeléctricos. Na sua construção estiveram
envolvidos alguns milhares de trabalhadores, em grande parte provenientes de outras
regiões. Acabados os trabalhos, a maioria abandonou a região, e esse facto reflecte-se
nos Censos de 1970. Desde então para cá, o ritmo demográfico tem observado um claro
decréscimo, estando, à luz dos dados mais recentes, esta tendência a sofrer um
agravamento. Esta diminuição de população, para além da que resultou da finalização
dos empreendimentos hidroeléctricos, está relacionada com dois fenómenos que,
embora de características semelhantes e efeitos análogos, podem ser classificados
diferentemente. Ambos estão relacionados com migrações, embora se possa fazer uma
separação entre eles, quer em termos cronológicos, quer em termos geográficos. Num
primeiro momento assiste-se, principalmente durante as décadas de 60 e 70 do século
passado, a um movimento migratório em massa, direccionado principalmente para a
Europa, nomeadamente para França e Suíça. Só na década de 60, o concelho de
Montalegre sofreu um decréscimo da sua população de cerca de um terço (9.803 hab.).
Certo é que nem todos teriam emigrado, mas que este fenómeno está na base daquele
movimento demográfico, não restam quaisquer dúvidas. Num segundo momento, que
ainda hoje se verifica, observam-se uma série de migrações internas, com os destinos

23
- Tudo leva a crer que será este o número máximo de indivíduos que alguma vez habitou a área que
hoje é definida como o concelho de Montalegre. Embora não tenhamos recenseamentos da população
fiáveis antes de 1864, pelas contagens efectuadas até ali, pelas crónicas até nós chegadas e pelas
circunstâncias históricas que são conhecidas, o mais provável e quase certo, é que nunca se tivesse
registado um número tão elevado de habitantes no concelho de Montalegre.

João Nuno Gusmão 2004

46
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

localizados dentro do território nacional. Naturalmente que migrações deste tipo,


principalmente para Lisboa e Porto, sempre se verificaram, contudo, a partir de 1980,
esses movimentos foram-se intensificando, fosse por questões profissionais (a
emigração para a Europa tinha deixado de ser tão apelativa), fosse devido à
massificação do ensino, que, dada a ausência de estruturas académicas na região, à
semelhança do que se verificava um pouco por todo o interior do país, levava a um
êxodo generalizado, protagonizado pelas camadas mais jovens, facto que, como foi
referido, tem repercussões nos índices de natalidade e fecundidade.

I. 3. 4.1. Estrutura etária da população

Actualmente, a população do concelho de Montalegre, encontra-se bastante


envelhecida, devido à série de factores enunciados anteriormente, e constatados pelo
último Recenseamento efectuado em 2001, onde se verifica um total de população
residente de 12.762 indivíduos, com uma proporção de 27,3% de população com mais
de 65 anos. Tem vindo a verificar-se um claro aumento do peso demográfico dos grupos
etários de 50 anos e mais, a par de um consequente decréscimo do número de jovens.
Perante este cenário, as projecções demográficas não são muito optimistas, no que
concerne a uma eventual recuperação demográfica, pelo menos a curto, ou até a médio
prazo. Barroso, tal como a maior parte do interior do país, tem vindo a perder população
a um ritmo acelerado e, a menos que sejam adoptadas medidas de política capazes de
despoletar o arranque de um efectivo desenvolvimento económico sustentável, apoiado
na valorização dos recursos endógenos, não se antevê possibilidade de suster o processo
de desertificação em curso.

A pirâmide etária aqui representada, e que reporta aos valores dos Censos 2001,
exemplifica bem a estrutura etária do concelho. Existe um significativo estreitamento da
base, o que traduz uma proporção diminuta dos indivíduos pertencentes às camadas
etárias mais jovens , principalmente dos 0 aos 14 anos, havendo contudo uma proporção
considerável de indivíduos no grupo etário dos 15 aos 25 anos.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

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Fig. N.º 11 - Pirâmide Etária do Concelho de Montalegre - 2001


Fonte: Instituto Nacional de Estatística

Contudo, o topo da pirâmide apresenta um alargamento substancial – alargamento esse


que personifica o fenómeno demográfico que se verifica em Barroso actualmente. Uma
proporção exagerada do número de indivíduos mais idosos, que demonstra um
acentuado envelhecimento da população.

Embora o aspecto gráfico da pirâmide não seja de um triângulo invertido (situação


esquemática e meramente teórica que traduz um completo envelhecimento da
população), os contornos detêm semelhanças estruturais que a aproximam deste modelo
teórico o que demonstra, não só um estado pontual de envelhecimento, mas
principalmente, uma evolução progressiva no mesmo sentido, isto é, um acentuar das
assimetrias entre os diversos grupos etários.

De forma complementar poder-se-á efectuar o cálculo de alguns índices-resumo que, de


uma forma objectiva e mais ou menos directa, nos proporcionam uma visão global da
realidade demográfica do concelho de Montalegre.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Um dos índices mais utilizados em análises demográficas, numa primeira abordagem ao


efeito de idade numa estrutura demográfica ou população é o cálculo de Percentagem
de Jovens. Este índice, como o nome indica, revela o peso relativo da população jovem
(0-14 anos) no universo geral da população considerada e que, neste caso concreto se
traduz por: 13,054.

Percentagem de Jovens (1 666 / 12 762) * 100 = 13,05

Como complemento, poderá ser apresentado a Percentagem de Idosos, que revela o


peso relativo da população idosa na população total e que se traduz por:

Percentagem de Idosos (3 487 / 12 762) * 100 = 27,32

A utilização destes índices permite-nos um abordagem directa à problemática da


estruturação dos diversos grupos etários e do seu peso relativo na população total. Desta
forma podemos constatar, no caso concreto do concelho de Montalegre, uma diferença
substancial no peso relativo destes dois grandes grupos etários. Se, por um lado, o grupo
de indivíduos com 65 anos e mais apresenta valores de cerca de 27%, ou seja, mais de
um quarto da população total, por outro lado, a proporção de jovens (0-14 anos) não vai
além de 13 % - pouco mais de um décimo do valor total.

Esta análise pode ser aprofundada no que diz respeito à relação directa dos valores
observados nestes dois grupos etários. Aplicando o Índice de Juventude, podemos
observar as relações de proporção existentes entre os dois grupos, na medida em que o
valor deste índice traduz uma variável de relação directa e que nos identifica o número
total de indivíduos jovens por cada 100 indivíduos idosos. Valores aproximados a 100
indicam um equilíbrio proporcional no número de indivíduos pertencentes a cada grupo.
Uma situação onde se observam valores superiores à unidade (100), diz-nos que existe

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

um número superior de indivíduos na camada mais jovem; ocorrendo a situação inversa,


como é o caso, se os valores forem inferiores a 100, traduzem uma situação deficitária
no que diz respeito ao número total de jovens, numa relação directa com o grupo de
indivíduos com 65 anos e mais.

Índice de “Juventude” (Pop. 0-14 / Pop. 65+) * 100 = 47,8

Facilmente se constata uma situação de pouco equilíbrio entre os dois grupos, pois
observa-se uma proporção inferior a metade, num contraponto directo. Em termos
objectivos, temos que, por cada 100 idosos, se regista apenas a existência de 47,8
indivíduos com menos de 15 anos. Estes valores traduzem bem o envelhecimento
progressivo da população, já que são o reflexo de uma evolução com efeitos estruturais
e não uma situação pontual onde as causas se encontram próximas, numa perspectiva
temporal.

I. 3. 4.2. Natalidade e Fecundidade

No âmbito de uma qualquer análise demográfica, a abordagem às questões da


Natalidade e Fecundidade assume particular importância, já que as mesmas fornecem
indicadores de significativa relevância, quer relativamente à dinâmica de movimento
populacional, quer à capacidade endógena de renovação da estrutura etária.

A Taxa de Natalidade, sendo um indicador de carácter mais geral, traduz, geralmente,


valores que necessitam de uma aproximação posterior mais cuidada, na medida em que
relaciona directamente o número de nados-vivos com a população total, sem ter em
conta quaisquer efeitos de estrutura, nomeadamente o sexo e a idade. Deste modo, os
valores registados sofrem sempre algumas distorções que se fazem sentir,
essencialmente, durante a fase de análise conclusiva.

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Segundo os dados dos últimos Censos, registaram-se, no concelho de Montalegre e


durante o ano civil de 2001, sessenta e nove nascimentos, o que traduz uma Taxa de
Natalidade de 5,4‰. No entanto, é conveniente procurar uma maior aproximação, tendo
em consideração as limitações impostas por este indicador e que atrás foram referidas.
Nesse sentido é conveniente o cálculo da Taxa de Fecundidade que, ao relacionar o
número total de nascimentos com a população feminina em idade fértil, vai mitigar as
distorções de valores, nomeadamente aquelas provocadas pela inclusão do número total
de residentes e que não tem em consideração os efeitos sexo e idade. Para o mesmo
período considerado, o valor da Taxa de Fecundidade cifrou-se em 27,6‰, o que
significa que, em média, por cada mil mulheres em idade fértil (leia-se mulheres com
idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos de idade) ocorreram 27,6 nascimentos.

Desde logo se constata uma diferença significativa entre os valores das duas taxas
consideradas. Com efeito, o valor da Taxa de Natalidade é substancialmente inferior (o
que era previsível e natural), dado que o número de nados-vivos é relacionado com a
população total. Como já foi referido, a população do concelho de Montalegre encontra-
se bastante envelhecida, com uma proporção bastante significativa de indivíduos de
idade mais avançada, o que tem uma influência directa nos valores da Taxa de
Natalidade, diminuindo-os. Daí a necessidade de ser calculada e ponderada a Taxa de
Fecundidade pois, sendo analisados os valores da Taxa de Natalidade isoladamente, a
situação traduzida apresenta-se distorcida, podendo induzir em erro de análise quando,
por exemplo, se registam valores baixos nesta última taxa em situações onde os níveis
de fecundidade são proporcionalmente altos.

I. 3. 4.3. Mortalidade

Como seria de esperar, face aos níveis elevados de envelhecimento observados, os


valores da Mortalidade acompanham a tendência patente na estrutura etária, com uma
diferença substancial entre o número de óbitos e o número de nascimentos. Com efeito,
e de acordo com os dados estatísticos recolhidos pelo Instituto Nacional de Estatística,
durante o ano civil de 2001 registou-se, no concelho de Montalegre, um total de 210

João Nuno Gusmão 2004

51
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

óbitos, o que aponta um valor de 16,6‰ para a Taxa de Mortalidade. Durante o mesmo
período, o total de nascimentos não foi além de 69, o que traduz um Saldo Fisiológico
francamente negativo (-141). Em termos relativos verificou-se uma proporção de,
aproximadamente, 3 óbitos por cada nascimento.

Esta situação estará directamente ligada ao facto de estarmos perante uma população
envelhecida o que, em termos gerais, corresponde à ocorrência natural de uma dinâmica
superior na Mortalidade relativamente à Natalidade, ao existir um número superior de
indivíduos em grupos etários onde a ocorrência de óbitos tem uma maior probabilidade
de acontecer, em contraponto ao menor número de indivíduos pertencentes aos grupos
etários onde se regista uma maior probabilidade de ocorrência de nascimentos.

I. 3. 4.4. Emprego e Sectores de Actividade

A análise da estrutura socio-económica de uma região apresenta-se como relevante em


qualquer abordagem global às questões, por mais genéricas ou objectivas que sejam,
relativas a essa mesma região. Com efeito, num quadro analítico de âmbito
demográfico, a complementaridade assumida pelos dados de cariz socio-económico é
notória e permite uma maior aproximação a um quadro global da estrutura populacional,
enquanto entidade activa e dinâmica.

No concelho de Montalegre verificou-se, no último decénio (1991 – 2001), um aumento


da Taxa de Desemprego, variando de 9,4% em 1991, para 9,6% em 2001. Esta mesma
taxa registou valores mais elevados nos dois momentos entre os indivíduos do sexo
feminino, onde, em 1991 era de 12,3% e em 2001 subiu para uns expressivos 14,5%. O
facto de a Taxa de Desemprego ser mais elevada na população feminina é um fenómeno
que se repete de forma generalizada por todo o país. A este facto não serão alheios
factores culturais e civilizacionais que ao longo do tempo condicionaram o acesso e a
participação activa das mulheres no mercado de trabalho, sendo que esta tendência,
embora se constate que é objecto de mudanças estruturais, elas se desenvolvam lenta e
gradualmente, localizando-se o ponto fulcral dessas mudanças na estrutura social dos

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

centros urbanos de maior dimensão e referência, alastrando gradualmente para círculos


periféricos, um pouco à semelhança do que se tem observado no universo de inovações
tecnológicas, culturais e até políticas.

Por outro lado, a Taxa de Desemprego na população masculina registou um decréscimo


de cerca de 1%, evoluindo de 7,9% em 1991, para 6,8% em 2001. Como facilmente se
constata, a Taxa de Desemprego na população masculina em 2001 era inferior à da
população feminina em mais de 50%. Em termos absolutos a Taxa de Desemprego no
concelho de Montalegre era superior, em 2001, à registada no país (...) e também à
registada na região de Alto Trás-os-Montes, que se fixava em 8,6%.

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Fig. N.º 12 – População por sectores de Actividade - 2001


Fonte: Instituto Nacional de Estatística

A Taxa de Actividade sofreu um decréscimo de 3,8% no período intercensitário


considerado, evoluindo de 34,9% em 1991, para 33,1% em 2001, sendo que a
população masculina foi aquela onde se registaram os valores mais elevados, como seria
de esperar, e com diferenças substanciais. Entre a população dos dois sexos verificava-
se uma diferença de quase o dobro em 1991 – 45,5% nos homens e 24,2% nas mulheres

João Nuno Gusmão 2004

53
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

-, mantendo-se esta tendência de relatividade em 2001, com 42,8% nos indivíduos do


sexo masculino e 23,7% nos indivíduos do sexo feminino.

No que toca à distribuição da população activa por sectores de actividade, existe uma
clara predominância do número de indivíduos activos nas actividades afectas às CAE24
5 a 9, vulgarmente designada por Sector Terciário, com 45,6% do total de activos. Esta
proporção pode ser explicada pelo facto de existir uma fraca implantação do Sector
Secundário no Concelho (27,3% dos activos empregados), concentrando-se grande parte
dos indivíduos activos empregados numa grande área que poderemos designar como
Serviços, englobando o sector comercial a par do sector tecnico-administrativo
(autarquias, serviços públicos variados, serviços financeiros e bancários, etc.).

A aparente fraca implantação do Sector Primário (27,1%) tem mais a ver com a
ausência de sociedades agrícolas constituídas legalmente e pelo facto de se praticar a
actividade agrícola em larga escala numa economia de autoconsumo, do que
propriamente com um baixo número de indivíduos afectos a esta actividade. Com
efeito, a actividade agrícola enquanto actividade secundária ou de complemento à
actividade principal tem uma forte implantação em Barroso, sendo que este fenómeno,
tem uma importância muito grande, quer sob o ponto de vista social, quer sob o ponto
de vista económico.

24
- CAE: Classificação Portuguesa das Actividades Económicas, CAE – Rev. 2, aprovada pelo Decreto-
Lei n.º182/93, de 14 de Maio, que transpôs para a legislação nacional o constante na Nomenclatura das
Actividades Económicas da Comunidade Europeia, revisão 1 (NACE – Rev.1) de acordo com o
Regulamento (CEE) n.º 3037/90, do Conselho, de 9 de Outubro. Este Decreto-Lei foi revogado já em
2003 pelo Decreto-Lei n.º 197/2003, de 27 de Agosto. No entanto, como os dados disponíveis são do
Censos 2001, as divisões feitas neste trabalho ainda se referem à Rev. – 2 e não à Rev. – 2.1 como
acontece actualmente.

João Nuno Gusmão 2004

54
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

II. 1. O Comunitarismo

“O homem não apenas vive no solo – nasce da própria Terra.”


Elisée Reclus

Desde os primórdios de uma existência básica e pouco mais que animalesca que o
Homem procurou transformar aquilo que potencialmente seria adverso à sua existência
ou evolução, de forma a substituir uma contrariedade num factor de proveito,
produzindo sempre mais do que uma simples adaptação às diversas condições
encontradas. A menção de uma “existência animalesca” não pretende aqui observar
patamares qualitativos de progressão tecnológica ou quaisquer comparações entre
etapas de evolução, apresentando-se somente como uma distinção que se pretende óbvia
e absolutamente necessária, entre um mero instinto de sobrevivência e a capacidade
desenvolvida para a organização de espaços físicos e sociais que permitissem uma
estruturação e estabilidade de conjunto à proliferação de comunidades cuja principal
ocupação deixasse de ser a mera satisfação do instinto mais básico.

É um facto que as comunidades do Paleolítico e do Mesolítico, enquanto enquadradas


num sistema recolector e de caça, supunham um determinado sistema social organizado.
A própria estrutura de grupo impunha, de forma mais ou menos natural, essa
estratificação para se conseguir um funcionamento capaz e minimamente produtivo. No
entanto, essa organização acabava exactamente onde as carências terminavam, pois a
necessidade organizativa escoava-se com o adimplemento das básicas carências
humanas ou animais. A organização de grupo implicava uma participação individual
localizada e apontada exclusivamente para um satisfação primária e, acima de tudo,
imediata. A ideia de médio ou longo prazo nunca terá estado presente na organização
destes grupos sociais, ao mesmo tempo que se tornará, de forma decretória, no objectivo
mister das sociedades futuras.

João Nuno Gusmão 2004

55
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Após a chamada fase essencial da história das técnicas, hoje apelidada de Neolítico, o
sedentarismo do Homem levou a um emergir de convulsões sociais que originaram um
variado número de formas organizadas ou organizacionais de sociedade. Até então, o
próprio conceito de sociedade não poderia fazer parte de um qualquer vocabulário, pois
a sua consciencialização não tinha sequer ocorrido.

Toda e qualquer questão organizativa está, e sempre esteve, dependente de excedentes.


A constituição de uma sociedade de matriz mais complexa advém de uma produção de
excedentes que admitam a concepção de ideias como longo prazo e médio prazo. Aliás,
a própria ideia de prazo traduz em si mesma uma capacidade de abstracção significativa
que supera em larga escala todo e qualquer sentimento de satisfação que se encontre
cingido a um círculo de necessidades básicas ou primárias. A ideia de uma sociedade
neolítica pressupõe exactamente um objectivar de prazos, na medida em que a
sedentarização provoca ou vai provocar um esforço imediato e continuado, perene de
aspirações futuras e com o intuito de um melhoramento constante e localizado num
tempo relativamente próximo. Só assim se compreende o acto de semear um campo ou
levar a cabo a domesticação de animais e o seu consequente aproveitamento, quer fosse
para produção de carnes ou utilização de força bruta. A ideia de semear um campo, com
vista à recolha sucessiva do seu fruto, afigura-se como uma das maiores conquistas do
ser humano em toda a sua breve mas conturbada história. Aquilo que hoje se afigura
como óbvio, por vezes não o era há dez anos atrás, quanto mais há dez mil...De facto, e
à luz de uma razão pura mas isenta de raciocínio apoiado em experiências comprovadas,
o acto de espalhar sementes, absolutamente indispensáveis para uma sobrevivência
diária, num campo aberto, assemelha-se perigosamente a uma ideia de suicídio
colectivo numa sociedade onde a sobrevivência diária significava porventura muito
mais do que qualquer acto de realização pessoal, mesmo que este fosse encarado numa
perspectiva de continuidade ou evolução social.

O Comunitarismo, enquanto organização de sociedade, não foge às regras de evolução e


transformação sofridas e causadas pelo Homem na sua constante luta de adaptação.
Adaptação esta que pode ser entendida como um ajustamento das suas práticas às
condições encontradas, bem como uma transformação do meio, mais ou menos
sistemática, por forma a tornar viáveis quaisquer objectivos ou objectos de procura.

João Nuno Gusmão 2004

56
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

As práticas comunitárias, principalmente numa sociedade agro-pastoril, enquadram-se


num universo de necessidades quotidianas e têm como principal objectivo o colmatar de
carências, quer nos meios de produção quer nos factores de produção. O facto de
existirem práticas ou espaços assumidamente comuns ou comunitários está directamente
relacionado com o objectivo da manutenção dos círculos individuais ou familiares. O
desenvolvimento social e a produção de riqueza é o objectivo principal de toda a
sociedade, trabalhando como um todo nesse sentido mas, só na medida em que esse
crescimento de grupo ou generalizado é, de uma forma directa, encarado como um
benefício individual. A organização comunitária pressupõe, através de toda a sua
dinâmica, o benefício directo do indivíduo, não se compadecendo com ideais abstractos
de bem-estar social ou desenvolvimento da sociedade. A comunidade existe e trabalha
enquanto tal, para ágio dos seus elementos enquanto componentes individuais e
particulares e não para um universo onde apenas se divisa o indivíduo como uma mera
parte integrante do todo, subtraído de uma qualquer vivência que não seja comunal.

Desta forma, quaisquer semelhanças aparentes que possam ser entendidas com outros
géneros de organização social, de tipo mais ou menos comunitário, são exactamente isso
– aparentes. Têm sido, ao longo dos tempos feitas algumas comparações mais ou menos
felizes com teorias marxistas ou de carácter neo-liberal onde se procuram mais do que
simples semelhanças na organização do espaço social entre estas e o comunitarismo. É
óbvio que as semelhanças existem e, por vezes, são por demais evidentes, o que por si
só pode significar a existência de paralelismos teóricos ou práticas concordantes, mas
não necessariamente uma ligação estreita ao nível da estrutura ou da sua organização
espacial.

O Comunitarismo não tem que ver com uma distribuição de carácter igualitário do
espaço físico total disponível ou com qualquer uma das suas partes integrantes. A
questão de base não se identifica com quaisquer objectivos de justiça social ou com uma
eventual distribuição equitativa dos recursos disponíveis. Esta mesma questão foi já
abordada por Brian Juan O’Neill25 em 1984, quando referia, na obra citada, os

25
- Brian Juan O’Neill - Proprietários, lavradores e jornaleiras: desigualdade social numa aldeia
transmontana, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1984, p.199

João Nuno Gusmão 2004

57
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

mecanismos de reciprocidade existentes nas práticas comunitárias e que mais à frente


serão tratadas em capítulo próprio. Aqui, este autor salientava que “(...) sob as
estruturas aparentemente igualitárias dos turnos26 e rotações se encontram,
subjacentes, diferenças significativas em termos da posse de terra”. De facto, as
relações comunitárias encerram em si, apesar das aparentes igualdades ou relações
igualitárias, profundas desigualdades sociais, bem patentes na fruição dos baldios e nas
trocas recíprocas de mão-de-obra. Esta questão será abordada com mais detalhe
aquando da descrição das Ajudas-por-favor, no entanto, assume-se como pertinente a
exposição de um pequeno exemplo que permite obter um visão global de toda esta
problemática. Aquando da realização das malhadas, a prática comunitária mais usual
era a utilização da entre-ajuda ou ajuda-por-favor, assentando ambas num regime de
rotatividade do uso da mão-de-obra disponível. Em termos gerais pode ser entendida
como uma calendarização das diversas malhadas de forma a que todos possam auxiliar
e ser auxiliados por toda a gente. Aqui verifica-se um troca directa da força do trabalho,
onde um determinado indivíduo participa activamente na malhada do seu vizinho, na
expectativa de que este último retribuirá com a sua presença e, acima de tudo, com a
força do seu trabalho, na altura em que se proceder à debulha do seu próprio cereal. No
entanto, esta aparente igualdade só é isso mesmo – aparente. Na realidade, nem sempre
se verifica uma retribuição justa em termos de trabalho, atendendo ao tempo dispensado
por cada uma das partes. Acontece com relativa frequência, existir uma discrepância de
valores no que diz respeito à quantidade de trabalho a dispensar por cada um dos
intervenientes no processo. As colheitas de cada casa27 são necessariamente diferentes,
pelo simples facto de que cada casa também o é relativamente à sua vizinha. Nestes
termos, ocorrem situações de carácter usual, que demonstram claramente as
desigualdades que se revelam sob o universo das práticas comunitárias numa
comunidade agro-pastoril. Se um determinado indivíduo obteve uma colheita de centeio

26
- O termo turno foi aplicado pelo autor numa concepção mais alargada da reciprocidade no contexto
comunitário. Assim, assumiu a definição de roda, como sendo “um movimento circular que envolve a
maioria ou a totalidade das casas da aldeia”, definindo turno como sendo “uma «vez» na sequência de
uma roda, ou uma troca dentro de uma rotação mais vasta.”

27
- O termo casa aqui utilizado não se refere, naturalmente, ao edifício propriamente dito, mas sim ao
conjunto família - exploração agrícola.

João Nuno Gusmão 2004

58
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

que, digamos, levará um dia a concluir a malhada, vai, naturalmente, convocar os seus
vizinhos para que o auxiliem nessa tarefa, dado que o universo familiar nunca, ou muito
raramente, inclui mão-de-obra suficiente para levar a cabo semelhante tarefa. Os seus
vizinhos acorrem à chamada, conscientes de que no dia seguinte chegará a sua vez de
serem compensados com a presença, na sua própria malhada, daquele que hoje os
chamou. Ora, alguns destes vizinhos que auxiliaram a que o cereal ficasse debulhado e
devidamente armazenado num só dia, necessitam de, pelo menos dois dias para que a
totalidade da sua colheita fique convenientemente arrecadada. Nestes termos, a
reciprocidade do trabalho não recai sobre o reembolso do tempo cedido por cada um ao
seu vizinho, mas sim sobre a totalidade da tarefa a realizar. Na prática, o favor que o
vizinho fez ao auxiliar em um dia de trabalho, só fica devidamente pago quando as
tarefas por ele designadas (dentro do mesmo contexto, naturalmente) ficarem
concluídas, no caso concreto, dois dias de trabalho. Assim se verifica que, aquele que à
partida se encontra numa posição menos privilegiada, na medida em que possui uma
colheita menor – que é traduzida por uma exploração agrícola de menor dimensão, logo
ocupando uma posição socio-económica mais baixa - acaba por ser, mais uma vez,
colocado numa posição de reciprocidade injusta. No entanto, convém salientar que esta
prática é comummente aceite e nem sempre vista como um claro exemplo de
desigualdades e muito menos de exploração das camadas sociais colocadas num
patamar mais baixo pelas que se encontram numa posição privilegiada. É tido em linha
de conta, e é notória a ausência de crispação social dentro do universo comunitário
relativamente a esta questão, toda uma série de atenuantes que contribuem para a
aceitação geral desta realidade. Se por um lado as casas mais abastadas beneficiam com
a troca de mão-de-obra dentro deste contexto, também suportam maiores custos em todo
o processo, nomeadamente com a alimentação de todos aqueles que participam nos
trabalhos agrícolas e que nesta altura se traduz em refeições28 substancialmente

28
- Em Barroso, a designação das várias refeições diárias assume algumas diferenças, relativamente a
muitas outras regiões do país. De manhã cedo, ao levantar da cama, toma-se o mata-bicho – refeição
ligeira para quebrar o jejum, não raramente acompanhada (por vezes representando a refeição na sua
totalidade) por um copo de aguardente ou, principalmente de inverno, composta por um Caldo d’ Unto
(espécie de sopa feita à base de água, sal, alho, pão centeio e unto de porco); a meio da manhã toma-se o
almoço – esta refeição já tende a ser mais substancial, composta, normalmente por carne de porco cozida
e já fria, acompanhada com vinho; ao início da tarde, com os trabalhos diários bem encaminhados, toma-
se o jantar – esta sim, a refeição principal, assumindo um carácter especial e quase festivo aquando da

João Nuno Gusmão 2004

59
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

melhoradas, envolvendo-se toda a jornada de trabalho num ambiente de festa. Aqueles


que contribuem com o seu trabalho, mesmo aqueles que claramente se encontram numa
situação deficitária nesse aspecto, também obtêm benefício, com mais um dia, que
apesar de laborioso, não deixa de patentear a sua faceta festiva. Poderá ser, à luz da
realidade actual, um pouco estranho, mas durante muito tempo, em Barroso, o facto de
haver uma ou duas boas refeições no mesmo dia, era motivo mais do que suficiente para
que muita gente encarasse um dia de trabalho árduo (apesar das contrapartidas da
reciprocidade), como um dia festivo e aceite de bom grado.

As práticas comunitárias vivem e sobrevivem numa proporção directa das necessidades


que cada um dos núcleos privados e pessoais apresentam, só se justificando a sua
existência enquanto suporte ou motor de uma dinâmica dos sistemas produtivos
privados que, como é óbvio, se traduzem na manutenção de diferentes estatutos socio-
económicos.

Assim, a existência de espaços físicos comunitários, para além de apresentarem a sua


necessidade prática, detém em si mesmos um simbolismo social que permite a
manutenção de um pólo de coesão absolutamente indispensável numa sociedade que,
apesar das aparências, é extremamente individualizada.
Ao mesmo tempo que se atende à existência de espaços e ao seu dinamismo, convém
observar a divisão fundamental que gera dois grupos de génese distinta, fronteiras bem
delineadas e que transcrevem de forma objectiva a dualidade constante em Geografia: a
Geografia Humana e a Geografia Física. Mais do que produzir ou promover aqui a
discussão acerca da objectividade ou pertinência desta divisão, pretende-se observar, à
luz da interdisciplinaridade geográfica, mais do que uma divisão, uma distinção de

realização dos grandes trabalhos agrícolas baseados no sistema comunitário, nomeadamente a malhada e
a segada, onde se faz uma refeição mais melhorada do que diariamente é usual, sendo prática
relativamente corrente, o abate de uma cabra para providenciar a carne necessária (uma cabra e, de
preferência já velha, visto que os cabritos não são para comer, mas sim para se tornarem numa fonte de
receita, através da sua venda); ao fim da tarde come-se a merenda – refeição parecida com o almoço, à
base de carnes frias, fumeiro e vinho; à noite, é hora da ceia – última refeição da jornada (pelo menos
para aqueles que tinham possibilidades de comer cinco refeições por dia), sendo esta de carácter mais
leve, normalmente constituída à base de sopa e pão.

João Nuno Gusmão 2004

60
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

espaços que, em relação a este assunto em concreto, se afirma como absolutamente


fundamental.

Com efeito, e no que diz respeito ao fenómeno do Comunitarismo, qualquer abordagem


que se queira fazer com o mínimo de rigor científico e pretendendo uma abrangência
satisfatória, tem que ter em atenção quer o espaço físico, quer o espaço social. Muitas
vezes (quiçá sempre e de forma constante) estes dois espaços possuem uma inter-
relação de tal modo estreita que à mínima evolução de um deles, se detectam alterações
no outro.

O espaço físico do Comunitarismo é um espaço altamente socializado, não sendo, no


entanto, idêntico ao espaço social, mesmo na sua forma mais abstracta. Aquele é,
efectivamente, influenciado por este, numa relação estreita, constante e recíproca, onde
os moldes de cada um se vão refazendo consoante as influências advindas do outro.

II. 2. O Baldio

De todos os espaços que possam ser distinguidos no Comunitarismo, sejam físicos ou


sociais, o baldio é sem dúvida aquele que se reveste de maior importância, sendo,
simultaneamente, um espaço físico que ocupa, na maior parte dos casos, uma área
bastante considerável relativamente à área total disponível, a par do significado social
que intrinsecamente encerra, ocupando um lugar nuclear em toda a dinâmica social. O
seu estatuto é tal, que a sua dimensão, assim como a sua existência ou inexistência,
influencia de forma determinante o Comunitarismo propriamente dito. É um espaço
onde a ideia comunitária está bem patente e onde se desenvolve um sistema de
ocupação e fruição territorial de génese bem distinta da observada no âmbito da
propriedade privada.

Segundo Fernando Gusmão (1964) as áreas de baldio e a sua “grande representação”


estão intimamente ligadas à ”persistência de tradicionais hábitos pastoris e

João Nuno Gusmão 2004

61
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

comunitários ditados por circunstâncias históricas, orográficas, climáticas e


económicas”29, sendo mesmo considerado este espaço como primordial na economia da
aldeia, preconizando, à luz da realidade e complexidade socio-económica da época, um
descalabro económico da maioria, se não da totalidade das famílias se, por qualquer
razão se encontrassem privadas do usufruto do baldio.

Aqui, e ao contrário da definição dada em determinadas zonas do país, nomeadamente


nas regiões do sul, o termo baldio não significa “terra de ninguém” ou “terreno
abandonado”, encontrando-se significado para este último numa parcela de terreno que,
embora seja pertença de alguém não seja objecto de qualquer aproveitamento ou
usufruto. Muito antes pelo contrário, o baldio em Barroso, principalmente numa
perspectiva comunitária, é uma área de contornos bem definidos quanto à sua utilização
e utilizadores. Está definitivamente absorvida e interiorizada a ideia de propriedade
comunitária no que diz respeito aos baldios, não havendo margem para interpretações
discrepantes. O baldio é o espaço comunitário por excelência, fruto de uma gestão
territorial moldada por séculos de existência.

Sem o baldio, o pastoreio da generalidade dos efectivos pecuários, e principalmente de


ovinos e caprinos, seria indubitavelmente impraticável, pelo menos nos moldes actuais e
sem descurar toda uma série de actividades agrícolas igualmente importantes na
microeconomia familiar do mundo rural barrosão. A viabilidade da prática pecuária de
criação de ovelhas e cabras em Barroso passa, quase que obrigatoriamente pela
existência de baldios, não se perspectivando uma solução factível para o
desenvolvimento ou manutenção desta actividade económica na ausência deste espaço
comunitário.

II. 2. 1. O espaço físico do Baldio

As extensas áreas de baldio estão geralmente localizadas na periferia da aldeia sendo


constituídas por terrenos incultos, raramente se observando um outro uso que não seja o

29
- Fernando Gusmão - Uma freguesia do Barroso ( Pitões das Júnias). Relatório final (Inédito), Instituto
Superior de Agronomia, Lisboa, 1964.

João Nuno Gusmão 2004

62
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

pastoreio, a obtenção de matos com os quais se fazem as camas30 dos animais nos
estábulos para um posterior aproveitamento agrícola sob a forma de esterco e as lenhas
para cozinhar e para as fogueiras do Inverno, que em Barroso se pode dizer que dura
nove meses (segundo o adágio: “Em Barroso há nove meses de Inverno e três de
Inferno”) durante os quais, segundo a sabedoria popular “o fogo é meio sustento”. Com
efeito, é do baldio que provém a maior parte das lenhas que servem de suporte à
manutenção diária do lar.

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Fig. N.º 13 – Diagrama esquemático dos espaços da aldeia

30
- Esta prática muito vulgarizada, não só em Barroso, consiste no corte de mato (plantas arbustivas e
herbáceas), nomeadamente o tojo (Ulex minor), a carqueja (Genistella tridentata), a queiró (Calluna
vulgaris) e a urze-cinzenta (Erica cinerea), que são posteriormente depositados na corte do gado. Esta
acção tem uma finalidade dupla: ao mesmo tempo que proporciona conforto aos animais, nomeadamente
durante a estação mais fria, a adição, por estes últimos, dos dejectos, vai fomentar, através de vários
processos de fermentação, a criação de um excelente adubo orgânico, designado esterco, que servirá
posteriormente para adubar os campos, nomeadamente aqueles que irão receber a cultura do centeio e da
batata.

João Nuno Gusmão 2004

63
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Como foi já referido, a sua localização é periférica, dentro do contexto espacial ocupado
pela aldeia, quer sob um ponto de vista de aglomerado populacional, quer sob um ponto
de vista de ocupação agrícola do território. A sua condição de periferia é afirmada pela
localização relativa e contextual, mas também pela capacidade de produção agrícola que
o seu espaço encerra. A sua importância enquanto área a explorar de forma agrícola é
diminuta.

Para isto contribui uma larga série de factores, nomeadamente, as características


pedológicas, orográficas e climáticas. Os solos, na grande maioria dos casos, têm fraco
enquadramento de suporte para uma produção agrícola com um mínimo de viabilidade,
raramente existindo áreas cultivadas dentro do espaço do baldio. No entanto, pode dar-
se o caso de tal acontecer, normalmente através de um processo de arroteamento,
quando se transformam pequenas parcelas de terreno baldio em áreas de cultivo. Isto
acontece quando a superfície agrícola privada utilizada é manifestamente inferior às
necessidades, vendo-se os membros da comunidade, no seu todo ou em parte,
obrigados, face à insuficiência de área agrícola privada, a recorrer aos solos
comunitários que, embora menos produtivos, representam em última análise o suporte
ou manutenção da produção esperada ou, pelo menos, permitam minimizar os efeitos de
uma baixa de produção antecipada. A questão de ocupação dos baldios será alvo de
reflexão mais à frente neste trabalho, aquando da apresentação do Espaço Social do
Baldio, onde se tentará expor toda a distinta complexidade e particular gestão do
território comunitário.

Outra condicionante duma eventual produtividade agrícola do baldio é a questão


orográfica, que contribui neste assunto com uma importância significativa. Não
queremos afirmar, de forma alguma, que todo o baldio é fortemente influenciado pela
orografia, ou que não haja excepções quando se diz que a questão orográfica assume
particular importância. De facto, o ser baldio não significa necessariamente ser uma área
de declives acentuados, particularmente acidentados ou de elevada altitude. O que
acontece, na grande maioria dos casos é que as áreas de baldio se encontram localizadas
em zona de montanha, normalmente a uma altitude superior à ocupada pelo agregado
populacional e pela esmagadora maioria dos terrenos agrícolas. Terrenos esses,
normalmente com declives acentuados que dificultam as práticas agrícolas, só sendo

João Nuno Gusmão 2004

64
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

utilizados como suporte de sementeiras, como se referiu, em condições particulares e


em situações pontuais. Por outro lado, a própria localização do baldio, com grande parte
da sua área, afastada de forma significativa da aldeia, inviabiliza, ou pelo menos,
dificulta as práticas agrícolas, principalmente aquelas que requerem um trabalho mais
continuado no campo, que se torna difícil desenvolver devido às longas distâncias que
por vezes têm que ser percorridas.

A existirem condicionantes climáticas, elas não serão certamente uma característica do


baldio por si só, na medida em que o baldio aqui considerado não é uma zona una e
localizada num espaço de limites bem definidos, como se de uma simples parcela de
terreno se tratasse. As referências feitas neste trabalho ao espaço físico do baldio
assentam numa perspectiva abstracta e de abrangência do conceito de espaço
comunitário, pelo que uma análise física às condições do mesmo seria de todo
impossível. No entanto, tendo em conta a localização da maior parte, ou de uma parte
significativa das diversas áreas que compõem os diferentes baldios em Barroso, poder-
se-á adiantar uma série de condicionantes climáticas comuns a essas mesmas áreas, que
apresentam características semelhantes.

Assim, e devido à elevada altitude superior do baldio relativamente aos restantes


espaços agrícolas e de cultivo, observam-se - de uma forma genérica, repetimos -
valores de temperatura substancialmente mais baixos, com a agravante de se poderem
registar amplitudes térmicas de valor superior àquelas registadas no núcleo populacional
ou nos campos de cultivo adjacentes. Isto acontece, essencialmente devido não só à
altitude mais elevada mas também aos níveis de exposição que aí se verificam, quer
sejam de exposição solar, quer sejam de exposição eólica.

Como foi referido, as áreas de baldio possuem, normalmente, uma cobertura vegetal
constituída na sua maioria por mato rasteiro, nomeadamente o tojo (Ulex minor), a
carqueja (Genistella tridentata), a queiró (Calluna vulgaris) e a urze-cinzenta (Erica
cinerea), que apresentam níveis de retenção da radiação solar e terrestre muito
inferiores aos registados numa mata de caducifólias ou num terreno cultivado que, para
além da vegetação envolvente está, por norma, localizado em locais de menor
exposição. Nestas condições os níveis extremos de temperatura atingem valores mais

João Nuno Gusmão 2004

65
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

elevados, impedindo ou dificultando a vegetação de determinadas plantas,


nomeadamente aquelas que são usadas na agricultura tradicional.

Como se viu, o baldio não apresenta características climáticas próprias ou distintas das
áreas circundantes, mas reúne uma série de factores que dimensionam a questão
climática, relativizando-a, pelo que teria que ter um apontamento próprio.

Sob um ponto de vista da hipsometria, o espaço ocupado pela aldeia é, normalmente o


de uma posição intermédia, , sendo a área de baldio quase sempre localizada em cotas
mais elevadas, em contraponto às parcelas de terreno privadas que se assumem como
sendo de cultivo, juntamente com os lameiros e, na periferia imediata da aldeia ou no
seu interior, as hortas familiares. Em termos esquemáticos, o baldio poderá ser
considerado como uma cintura envolvente quer da aldeia, quer da totalidade dos
terrenos agricultados, sendo assumido, na maior parte dos casos, como o próprio limite
do território da aldeia. A localização do núcleo habitacional é, na maior parte dos casos,
fruto de um povoamento ancestral e de uma evolução natural de ocupação de espaços
que o Homem praticou de acordo com as condicionantes físicas com que deparou.
Principalmente nas zonas mais montanhosas de Barroso observa-se uma implantação de
meia-encosta na localização no núcleo populacional.

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Fig. N.º 14 – Diagrama esquemático dos espaços da aldeia (vista lateral)

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66
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

A aldeia encontra-se implantada em áreas que garantam uma maior habitabilidade e um


maior grau de conforto, por norma na vertente mais soalheira de uma encosta com o
mais baixo declive. Os prados permanentes ou lameiros encontram-se nas cotas mais
baixas, em terrenos alagadiços ou ao longo das linhas de água. Entre estes dois espaços
localizam-se os terrenos de cultivo, sendo por norma atribuídas as cotas mais altas aos
terrenos que venham a acolher um regime de sequeiro, o que permite uma gestão mais
valorizada da água de rega.

Nas cotas mais elevadas é onde se encontram as áreas de baldio, logo após as zonas de
bosque e matas privadas, denominadas touças, normalmente constituídas por um
conjunto vegetal arbóreo que engloba o Carvalho (Quercus rubor e Quercus
Pyrennaica) e o Vidoeiro (Betula Celtiberica), e os tapados, parcelas de terreno de uso
misto, arbóreo e para pastoreio, principalmente durante a época das colheitas.

II. 2. 2. O espaço social do Baldio

Enquanto espaço social, o baldio encerra em si mesmo uma magnitude muito superior
aquela que pode ser quantificável ou qualificável sob um ponto de vista dimensional. A
sua grandeza ou importância não se resume à área por ele ocupada ou à amplitude do
seu significado económico no contexto dos ecossistemas produtivos de Barroso.

Existe uma relação intrínseca entre a comunidade enquanto tal e os diversos indivíduos
por si com o baldio. É um sentimento de pertença que vai realçar a importância deste
espaço. Não só o sentir que aquela parcela de território pertence à comunidade, mas
também que a própria comunidade e os indivíduos e agregados familiares que a
constituem se acham parte integrante de um todo coeso e solidário.

Como mecanismo de coesão social, o baldio é fundamental. Personifica uma identidade


global da aldeia enquanto comunidade, e não como um simples aglomerado
populacional. Todos têm direitos e deveres sobre o baldio e, como tal, agem em
conjunto, não só porque é uma necessidade, mas também uma obrigação moral e social.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

A gestão do baldio implica um participação de todos, seja para cumprir com as


respectivas normas e obrigações, seja para colher os frutos dos direitos de cada um.

Quando se afirmava como necessário, algumas parcelas do baldio poderiam ser


cultivadas por todos ou por alguns elementos da aldeia a título particular, não havendo
necessariamente uma transferência dessas parcelas para o domínio privado, sendo o
cultivo dessas parcelas feito apenas durante um período de tempo predeterminado. Isto
acontecia, geralmente quando a superfície agrícola utilizada era manifestamente inferior
às necessidades do sustento das famílias, obrigando ao arroteamento de uma
determinada área em parcelas bem demarcadas às quais se dá o nome de cavadas31.
Estas cavadas eram feitas quando se verificava uma clara insuficiência da área agrícola
disponível, tendo direito a efectuá-las qualquer habitante da aldeia. No entanto, era mais
frequente serem feitas pelos cabaneiros, já que dispunham de pouca terra de sua
propriedade, insuficiente para produzir o mínimo necessário ao seu sustento. Os
lavradores só muito raramente recorriam a este tipo de prática agrícola porque,
geralmente, dispunham de área agrícola suficiente.
Em alguns casos, embora raros, procedeu-se à alienação de parte do baldio. Quando
algum vizinho necessitava de uma qualquer fracção do baldio para transformar em área
agrícola, propunha a sua compra à junta de compartes32. Poderia também ocorrer que a
comunidade tivesse necessidade de dispor de algum capital financeiro, fosse para que
propósito de interesse comum fosse, procedendo então à venda de alguma parcela de
terreno que providenciasse esse capital.

No entanto, houve e ainda há, tentativas, por parte de particulares, de apropriação de


forma definitiva de parcelas de terreno em área de baldio. Para isso, o pretendente à área
de terreno em causa começava por delimitar o terreno que tinha em vista utilizando
pedras dispostas de forma dispersa mas definindo desde logo a base de um limite.
Posteriormente às pedras iniciais, que pouco mais eram do que simples marcos de
delimitação, ia adicionando outras, construindo, devagar mas sistematicamente, uma

31
- Parcelas de terreno localizadas no baldio que, por meio de arroteamento se tornavam cultiváveis.
32
- Esta junta de compartes é uma espécie de assembleia da aldeia que junta todos aqueles que possuem
direitos sobre o baldio (compartes) e que tomam as decisões sobre tudo o que diz respeito a esta área.
Deste tema falaremos mais à frente, em capítulo próprio, quando forem descritos os ajuntamentos.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

parede que marcasse o limite definitivo e produzisse um campo fechado. Se durante


todo o processo nada acontecesse às pedras por ele ali colocadas e estas permanecessem
no lugar até ao final da construção do muro, significava que não havia oposição por
parte dos seus vizinhos e a apropriação do terreno ficava consumada. Por outro lado, se
as pedras colocadas a delimitar o terreno se encontrassem caídas numa nítida destruição
da obra a decorrer, o pretendente à parcela de terreno abandonava desde logo a ideia de
apropriação, ficando tudo como estava, pois era sinal que alguém não concordava com a
alienação daquela parcela.

Toda este processo, representa muito mais do que uma forma de evitar uma alienação
do baldio sem o consentimento prévio de toda a aldeia. Agindo desta forma, os vizinhos
evitam confrontos directos numa situação de claro conflito, de forma a não perturbar a
coesão social e a estabilidade dentro do grupo.

Em comunidades pequenas e com características comunitárias, um equilíbrio das


relações sociais é absolutamente fundamental. Isto não significa que não haja problemas
ou questões entre vizinhos. Muito antes pelo contrário, esta ideia só reforça o argumento
de que existem ou podem existir atritos nas relações pessoais, como aliás, é apanágio
das relações humanas. A questão de fundo é a forma encontrada para resolver ou, no
mínimo, para atenuar esses atritos de modo a evitar situações melindrosas que,
eventualmente, pudessem por em causa a coesão social e o equilíbrio de relações entre
vizinhos numa sociedade que sobrevive exactamente à custa do bom relacionamento
interpessoal e interfamiliar, numa dependência mútua.

II. 3. A Vezeira

De todas as práticas do comunitarismo agro-pastoril, a vezeira é porventura aquela que


assume um particular destaque, provavelmente devido à sua visibilidade exterior mas
também à ocupação dos espaços que dela dependem ou fazem criar dependência. Para
além da sua própria génese, a ocupação do espaço físico reveste-se de particular
importância em toda a mecânica organizativa da sociedade. O facto de a vezeira ser um
rebanho comunitário, formado pelos diversos rebanhos particulares, assume uma

João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

significativa importância no espaço social da aldeia. A obrigatoriedade de participação


de todas as casas que possuem gado caprino e/ou ovino no pastoreio de todos os animais
constituintes do rebanho comunitário e o impedimento de um tratamento desigual ou
beneficiação de um rebanho em particular em detrimento de outros, ocasiona uma certa
ordem social de equivalência e igualdade perante uma desigualdade evidente.

O baldio como terreno de domínio comum que proporciona o espaço necessário à


manutenção dos vários rebanhos individuais que constituem a vezeira, assume particular
importância para os camponeses de menor rendimento que possuem uma exploração
agrícola de reduzidas dimensões ou, como acontece em alguns casos, que não têm
nenhum espaço agrícola próprio e a quem, deste modo é permitido, não a posse de
terras, mas o usufruto de pastagens, absolutamente vital para a manutenção de um
rebanho que assume extrema importância na sua economia doméstica.

Fig. N.º 15 - Etapa 1:Chamada da vezeira33

33
- Fotografia de Paula Bordalo Lema (1978)

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Sob um ponto de vista socio-económico, a vezeira é de grande importância no universo


comunitário, pois permite uma gestão de espaços e tempo, proporcionando a existência
de uma actividade agro-pastoril e de produção pecuária que não exige, à partida, um
grande dispêndio de tempo e trabalho por parte de cada um dos proprietários, a par de
uma utilização e valorização de um espaço físico de potencialidades agrícolas limitadas.
Segundo Freund (1969, op. cit.), “(...) a função principal da formação de rebanhos em
vezeira, consiste em aliviar os serviços de cada família na época das pontas de
trabalho, das tarefas de pastoreio diário.”

Fig. N.º 16 - Etapa 2: A vezeira iniciando o percurso que irá levá-la até à serra

A vezeira que, normalmente dura entre princípios de Maio e finais de Setembro, não
traduz apenas o conjunto formado pelos vários rebanhos particulares de ovinos e
caprinos que forma um grande rebanho comunitário, mas também toda a organização
que permite o pastoreio em conjunto. Esta organização assenta numa ordem de
rotatividade proporcional que tem em linha de conta o número de cabeças de gado de
cada proprietário. Assim, os dias em que cada uma das famílias tem que providenciar a
saída do rebanho e o seu consequente acompanhamento no pastoreio é definido pelo
João Nuno Gusmão 2004

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

número de cabeças de gado que possui. Após a definição da quantidade de dias de


pastoreio a prestar por cada casa ao rebanho comunitário, inicia-se um movimento de
rotatividade de modo a que todas as famílias que possuam gado ovino e caprino a
incluir na vezeira tenham designadas as datas de vez da prestação do seu serviço
comunitário.

Fig. N.º 17 - Etapa 3: A vezeira já em plena serra, pastando livremente no baldio

O número de dias que cada lavrador tem que pastorear a vezeira, como foi já referido,
varia na proporção directa do número de cabeças de gado que integra no rebanho
colectivo. A mecânica de atribuição desses mesmos dias e as formas de cálculo variam
de aldeia para aldeia, estando sempre dependentes das condições ali verificadas, do
número de cabeças de gado, de proprietários, etc. De salientar que o que existe é a
obrigatoriedade de providenciar, por parte de cada um dos proprietários envolvidos, o
pastoreio do rebanho dentro dos moldes estipulados e nos dias acordados, e não a
presença física dos mesmos durante o acto, conduzindo eles próprios o rebanho até às
pastagens, acontecendo, por vezes que o indivíduo cuja vez de pastoreio se encontra em

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

conflito com outra qualquer actividade agrícola ou de carácter mais pessoal, estabelece
um contrato com um vizinho que, mediante um determinado pagamento entre eles
acordado, lhe toma a vez e assume o pastoreio do rebanho nesses mesmos dias.

Após a disposição de datas previamente acordadas, dá-se início à rotatividade de


pastoreio do gado menor que caracteriza a vezeira. Pela manhã, o pastor designado,
anuncia a saída, normalmente a partir do largo central da aldeia, tocando a buzina
(búzio) ou, como acontece em vários locais, através do toque do sino. Ouvido que é o
sinal, em todas as casas que possuem gado caprino e/ou ovino, se abrem as portas das
cortes para que os animais saiam e se concentrem no local destinado. Este processo não
requer grande esforço nem sequer muito tempo dada a mecânica do quotidiano, com os
animais de tal forma condicionados por uma rotina permanente, que por eles próprios se
encaminham para o local de reunião. Logo que o rebanho se encontra completo, o pastor
dá início à caminhada que levará os animais, o pastor e os cães até aos locais de
pastagem, percorrendo o baldio por faldas e encostas da serra durante todo o dia numa
marcha lenta mas continuada. Ao fim da tarde inicia-se o regresso à aldeia. Logo que o
rebanho chega à aldeia tem lugar um movimento curioso e que é o contrário daquele
verificado aquando da saída da rês nessa mesma manhã. Os animais encaminham-se
directamente para as suas cortes, sem que seja necessário qualquer tipo de
acompanhamento por parte dos proprietários ou do pastor daquele dia. Têm o caminho
de regresso marcado na memória e é muito raro acontecer que algum animal se extravie
e acabe por entrar num estábulo alheio, o que também não causa grandes transtornos
pois o processo de reencaminhar o animal tresmalhado é extremamente simples e breve

No dia seguinte, retoma-se a rotina da vezeira, quer seja com o mesmo pastor, quer seja
com aquele que, dentro da mecânica da rotatividade estabelecida, lhe tomará o lugar.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

II. 4. A Entre-ajuda ou Ajuda por Favor

Após o Inverno, durante o qual os trabalhos agrícolas estão praticamente suspensos,


sendo somente registadas tarefas pontuais, o período primaveril - estival, em Barroso, é
caracterizado por uma azáfama quase frenética, acordando a aldeia de um “sono” que se
prolongou por alguns meses. Principalmente na altura das colheitas toda a aldeia se
mobiliza por forma a dar resposta a uma crescente necessidade de mão-de-obra, para
que se consigam efectuar em tempo útil todas as tarefas que têm de ser desenvolvidas
pois, como mais à frente se verá, a colheita propriamente dita marca o início de toda
uma série de trabalhos agrícolas a desenvolver durante o Verão que, em Barroso, possui
uma janela temporal consideravelmente pequena, e que culmina com o armazenamento
do produto final da produção anual.

A época de colheitas exige uma quantidade de mão-de-obra muito superior aquela que a
maior parte, se não a totalidade, das famílias dispõem dentro do seu núcleo familiar. Isto
provoca um claro déficit de mão-de-obra difícil de colmatar, ou até mesmo impossível
face à disponibilidade de cada casa. Os indivíduos que compõem o núcleo familiar,
observados sob um ponto de vista de produção de trabalho ou força produtiva, se por
um lado representam um claro excedente de mão-de-obra durante o Inverno, já se
afirmam como manifestamente insuficientes durante a época estival, quando decorrem
as colheitas e toda uma série de trabalhos agrícolas relacionados. Esta discrepância
tornava-se muito mais óbvia quando as tarefas agrícolas eram levadas a cabo com pouca
ou nenhuma mecanização. Tornava-se absolutamente indispensável um número
considerável de indivíduos a trabalharem simultaneamente e com tarefas bem definidas,
de forma a que todas as operações inerentes às colheitas fossem realizadas em tempo
útil.

Ora, se a força de trabalho era, sob um ponto de vista quantitativo, insuficiente na maior
parte ou totalidade das famílias, e se o rendimento não permitia a contratação de
trabalhadores remunerados no exterior, as tarefas a desenvolver ficariam seriamente

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

ameaçadas. Era necessário encontrar uma solução que permitisse a continuidade e a


progressão da actividade agrícola. Assumia-se claramente uma impossibilidade, por
parte de cada uma das famílias, de realizar as suas práticas agrícolas com sucesso,
trabalhando isoladamente, sem qualquer auxílio do exterior. Assim, desenvolveu-se um
sistema de entre-ajuda34, que permitia às diversas casas obterem o auxílio necessário na
altura devida, sem terem que assumir contrapartidas remuneratórias de carácter
financeiro, que eram, como vimos, incomportáveis. Naturalmente, que a existência de
contrapartidas estava implícita constituindo, poderá dizer-se, o suporte de toda a
mecânica de auxílio mútuo. Nestes termos, não se configurava uma relação de
empregador-assalariado, na verdadeira asserção do termo, mas sim uma troca directa de
força de trabalho ou dias de trabalho35, que se materializava numa verdadeira troca
directa onde todos poderiam comprar e vender aquilo que necessitavam, utilizando a
única moeda corrente de que dispunham: a força de trabalho.

A base de todo o sistema de entre-ajuda assenta numa rotatividade na calendarização


das tarefas agrícolas com um fluxo bidireccional das forças de trabalho. Isto significa
que, principalmente nos trabalhos de grande monta, como são as segadas e as malhadas,
a calendarização é essencial, de forma a que todas as casas disponham do máximo
possível de ajuda por parte dos vizinhos. Este objectivo consegue-se com uma
organização calendarizada de todos os trabalhos de grande monta a realizar no espaço
comunal da aldeia.

Esta organização está dependente da calendarização referida, na medida em que, se


torna necessária a gestão sustentada de toda a mão-de-obra disponível. Assim, é

34
- O termo de entre ajuda é muitas vezes substituído pelo termo ajuda-por-favor.
35
- Em Barroso, como na maior parte, se não na totalidade do território português, era comum (e ainda é,
nalguns círculos) o uso da expressão dias de trabalho, que servia e serve para quantificar, quer a
quantidade de trabalho desenvolvido, quer o tempo despendido na execução de um qualquer trabalho, o
que significa, na prática, que se torna mensurável, através desta unidade de medida, a força laboral
dispendida por um determinado indivíduo naquilo que se convencionou apelidar de dia de trabalho. De
salientar que esta medida não é, de todo, exacta, nem para lá caminha, onde quer que se utilize. O dito dia
de trabalho não teria horas certas nem marcadas para o início e término dos afazeres, a não ser que se
tomasse como certo, como era costume, o dia completo desde a hora do nascer do Sol até ao crepúsculo
ou, na melhor da hipóteses, até o trabalho estar concluído.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

conveniente definir a localização temporal de todos os trabalhos agrícolas que exijam


um número considerável de indivíduos a laborar em simultâneo. De forma a que isso
seja conseguido, estipulam-se as datas em que cada casa vai levar a cabo a sua malhada
ou segada, para que não se sobreponham duas ou mais actividades comunitárias que
representem um claro prejuízo.

No entanto, existem situações em que se efectuam duas ou mais segadas ou malhadas na


mesma aldeia e no mesmo dia. Tal acontece quando a boa gestão dos recursos o permite
ou até aconselha. Mediante o volume de trabalho a realizar em cada casa, por ocasião da
segada ou da malhada, se tratava de assegurar o número de indivíduos necessários para
efectuar o dito trabalho. Constatando-se a viabilidade de se efectuarem várias
actividades agrícolas (segadas, malhadas, ou outras) em simultâneo, assim se fazia,
sempre sem que houvesse prejuízo de nenhuma delas.

Convém salientar que, mesmo nos trabalhos de grande monta e que exigem um número
mais elevado de indivíduos, não se verifica uma mobilização total de toda a aldeia em
torno de uma só actividade ou um só local. Podem realizar-se, em simultâneo várias
malhadas na mesma aldeia, embora o mais usual era verificar-se a ocorrência de várias
malhadas, mas de forma seguida e contínua. Este facto tem que ver com o
aproveitamento da debulhadora mecânica que, não sendo, normalmente, propriedade da
aldeia, se alugava com datas muito precisas, tornando-se necessário o seu
aproveitamento máximo dentro das datas estipuladas. Desta actividade falaremos em
capítulo próprio, quando for exposto em pormenor a caracterização das malhadas e das
segadas.

II. 4. 1 A jeira

Em algumas situações recorria-se a trabalho remunerado, denominado jeira, com o qual


se procurava colmatar a insuficiência da mão-de-obra familiar para levar a cabo tarefas
que exigiam um grande número de indivíduos a trabalhar simultaneamente. A jeira é
um contrato de trabalho remunerado, normalmente acordado unicamente na altura da
execução das tarefas, podendo ser estipulado um ou vários dias de trabalho seguidos,

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

não pressupondo nenhum vínculo entre o jornaleiro e o agricultor que o chama para
além do pagamento do montante acordado pela prestação dos serviços, podendo ser a
seco36 ou com alimentação incluída. No entanto, só as famílias mais abastadas poderiam
efectuar este contrato de trabalho e manter níveis de produção superiores aos gastos,
pois a esmagadora maioria das explorações agrícolas não apresentavam rendimentos
que permitissem suportar custos de trabalho remunerado.

Os trabalhadores à jeira poderiam ser indivíduos oriundos da mesma aldeia,


normalmente de condição socio-económica mais baixa que, sem possuírem exploração
agrícola ou sendo a mesma de pequena dimensão, dispunham de tempo para venderem a
sua força de trabalho, na mesma proporção da necessidade de obterem um trabalho
remunerado, mesmo sendo bastante localizado e pontual. Ocasiões havia em que o
trabalho à jeira era assegurado por trabalhadores de outras aldeias, ou até de outras
regiões, numa migração sazonal de características muito próprias e cujo fluxo de
indivíduos num sentido ou no outro dependia, para além da necessidade óbvia quer do
contratado, quer do contratador, dum ordenamento temporal díspar dos trabalhos
agrícolas.

O facto de haverem migrações inter-regionais explica-se com a existência duma


calendarização diferente dos trabalhos agrícolas e com uma variação significativa dos
tipos de agricultura praticados em Portugal, e principalmente no norte do país. Era
bastante usual acontecerem migrações deste tipo, não só dentro de Barroso, mas
também duma região para outra, aproveitando-se uma simultaneidade da diminuição do
ritmo de trabalho na região de origem com o aumento do mesmo na região de destino.

Mas, e como foi anteriormente referido, só nas casas mais abastadas, e mesmo nessas só
esporadicamente, se verificava o recurso a trabalho remunerado, observando-se na
maior parte dos casos uma margem de lucro ou manobra tão reduzida que tornava
inviável o uso de trabalhadores à jeira. Por outro lado, a necessidade de mão-de-obra

36
- A jeira a seco implica um pagamento pelos serviços prestados, sem que o contratante assuma
qualquer compromisso relativamente a alimentação do contratado. Neste caso o trabalhador à jeira terá
que providenciar a sua própria alimentação. Entre estas duas situações existe uma diferença clara no que
diz respeito à remuneração, pois um dia de jeira a seco implica, necessariamente um valor remuneratório
mais elevado.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

nestas alturas assumia proporções gigantescas à luz da disponibilidade da maior parte


das casas. As colheitas são trabalhos que têm de ser feitos num tempo muito próprio não
podendo, de forma alguma atrasar-se ou adiantar-se a sua realização, sob pena de se
verem arruinadas todas as hipóteses de uma boa colheita. Quer se trate do centeio, quer
seja o feno, existe uma altura própria para se efectuar a colheita e um curto espaço de
tempo que permita que se realize em boas condições. Simultaneamente existe a
necessidade de se fazer o trabalho todo seguido, não se contemplando sequer a hipótese
de faseamento num qualquer trabalho de colheitas. Quando se inicia a colheita do
centeio, por exemplo, ela tem obrigatoriamente que ser finalizada no mesmo dia ou nos
dias imediatamente a seguir, pelo que é necessária a presença de um número
considerável de indivíduos a participar activamente nos trabalhos, número esse nunca
ou raramente disponível no universo familiar da casa em questão.

Assim, as práticas comunitárias vieram, mais uma vez, resolver ou, pelo menos,
amenizar um problema de monta que se colocava com uma periodicidade anual e que
punha em causa toda uma dinâmica agrícola e social.

II. 5. O boi do povo

Em Barroso, a actividade agrária apoia-se numa forte componente pecuária, também já


aqui referenciada aquando da descrição da vezeira. O próprio território em si e as suas
características edafo-climáticas encerram condições excelentes para o exercício desta
actividade, ao mesmo tempo que impedem uma cultura agrícola diversificada. Bernardo
Lima (1919) escreveu que “Barroso é uma região pascigosa bem definida e constitui
um país necessariamente pecuário”. Na sua obra sobre Pitões das Júnias37, Fernando
Gusmão escreve, em 1964, que “(...) tanto as características orográficas e climáticas
como a natureza do solo e subsolo da região são de molde a favorecer a actividade
pastoril em detrimento da agrícola”.

37
- Uma freguesia do Barroso (Pitões das Júnias). Relatório final (Inédito), Instituto Superior de
Agronomia, Lisboa, 1964.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Fig. N.º 18 - Exemplares de bovinos de raça Barrosã (fêmeas)38

Em termos económicos, a predominância da actividade pecuária sobre a actividade


agrícola foi sempre uma constante da actividade agrária barrosã, salvo um período
relativamente curto do século passado (décadas de 40 e 50) em que a produção de
batata-semente certificada atingiu valores excepcionais que tiveram enorme impacte no
progresso económico da região.

A base da actividade pecuária em Barroso assenta, quer no gado caprino e ovino (em
maior número), quer no gado bovino. Este último é o de maior importância, não só por
constituir a principal fonte de receitas, como também porque até recentemente constituía
a única força de tracção utilizada em todos os trabalhos agrícolas. A mecanização da
agricultura em Barroso é algo relativamente recente, com apenas algumas décadas. No
entanto, e mesmo assim, ainda hoje se utiliza a tracção animal em algumas
circunstâncias, que seja porque o trabalho em si não justifica o aluguer de máquinas
(nem todos os agricultores possuem tractor e respectivas alfaias), quer seja porque a
localização e topografia do terreno, bem como dos respectivos acessos, inviabilizem o
uso de quaisquer máquinas agrícolas.

38
- Fotografia de José Manuel Arantes (2001)

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Por outro lado, a existência de uma raça autóctone de gado bovino (barrosã), produtora
de excelente carne, apreciada há séculos no país e um pouco por toda a Europa,
principalmente no Reino Unido, constituía incentivo à prática de uma actividade que,
apesar das condicionantes existentes na região a todos os níveis, se apresentava como
uma mais valia, muito importante numa agricultura que raramente almejava muito mais
do que a satisfação do autoconsumo.

Quando se refere a existência de gado bovino em Barroso, essa referência é feita, na sua
quase exclusividade, à existência de fêmeas – as vacas. Os bois eram, e são escassos,
sendo o seu número bastante reduzido em toda a região. A explicação é simples e
bastante objectiva. Os animais representavam, como foi referido, uma força de tracção
indispensável ao trabalho agrícola mas, de uma forma genérica, esse mesmo trabalho
tanto podia ser feito por machos como por fêmeas. Existiam, é certo, bois de tracção em
Barroso mas eram muito raros ou, pelo menos, o seu número era muito inferior ao
número de vacas. A principal razão tem a ver com a criação de vitelos, cuja venda
constituía um suporte económico de peso na economia agrária barrosã. Desta forma,
através da posse de vacas, resolviam-se duas questões: possuíam-se animais de tracção e
de criação em simultâneo.

Fig. N.º 19 - O boi do povo

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Por outro lado, para a tão desejada produção pecuária, era necessário proceder à
fertilização das vacas, pelo que a existência de um macho reprodutor se assumia como
indispensável. A questão fundamental era que a maior parte, se não a totalidade das
casas agrícolas de Barroso, não possuíam meios que justificassem a aquisição e
manutenção de um macho reprodutor. Tanto mais que este animal teria só uma função –
a procriação – não efectuando nenhum tipo de trabalho de tracção.

A corte do boi é, ao contrário do que acontecia em Rio de Onor39, também um espaço


comunitário, sendo o seu único uso acolher os diversos exemplares que vão passando
pela aldeia, ao longo do tempo, assumindo a função de cobridores. Junto à corte do boi
localiza-se, regra geral, o palheiro onde se guarda o feno que lhe serve de alimento
durante o Inverno.

Fig. N.º 20 - Torre sineira em Travassos do rio, onde se pode ver esculpida a cabeça de um boi

39
- Jorge Dias refere também a existência da figura do boi do povo em Rio de Onor na sua obra “Rio de
Onor – Comunitarismo agro-pastoril”. No entanto, aqui verificava-se a ausência de uma corte específica
e exclusiva para acomodar o bicho. “No princípio do ano escolhe-se o vizinho que há-de sustentar e
abrigar o touro na sua loja durante todo o ano”; (op. Cit., pp.103)

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

O pastoreio do boi do povo é feito nas lamas do boi, parcelas de terreno comunitário,
normalmente localizadas logo à saída da aldeia e para onde é levado, diariamente, pelo
pastor ou tratador. Este pastor é sempre alguém da aldeia, a quem a comunidade paga
para efectuar este serviço, sendo o contrato, geralmente, firmado pelo prazo de um ano.
Era costume que este trabalho fosse assumido por algum cabaneiro já que, não
possuindo gado próprio, poderia dispor do seu tempo para apascentar o boi do povo,
auferindo desta forma um rendimento, que doutra forma seria difícil de conseguir.

Esse rendimento era traduzido em alqueires de centeio, que era a moeda normalmente
utilizada para pagar os serviços do tratador. Numa razão proporcional ao número de
vacas possuídas, os agricultores pagavam anualmente os serviços prestados pelo
tratador do boi. Por norma, estava estipulado o pagamento de meio alqueire de centeio
por cada vaca que o agricultor possuísse.

Fig. N.º 21 - Chega de Bois40

Já com a sega do feno para o boi a levar acabo no lameiro do boi, o trabalho era da
responsabilidade de todos, assim como o roçar de mato no baldio para estrumar a sua
corte. Nessas alturas, todas as pessoas contribuíam com o seu trabalho (bem como com

40
- Fotografia de José Manuel Arantes (1985)

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

as necessárias juntas de vacas para providenciar o transporte) para segar, virar, juntar,
carregar e armazenar o feno. Com o mato para fazer a cama do boi passava-se
exactamente a mesma coisa, sendo que todos teriam que participar na sua recolha,
transporte e posterior deposição na corte.

O esterco proveniente da corte do boi, tirado por alturas de Abril, era vendido a quem
dele necessitasse, revertendo o produto desta venda a favor da aldeia para a realização
de qualquer pequena obra de intervenção comum.

A figura do boi do povo era motivo de orgulho para qualquer barrosão, querendo
sempre que a sua aldeia tivesse o melhor exemplar que se pudesse arranjar. Era mais um
ponto na ancestral competição entre aldeias traduzido nas tradicionais Chegas de Bois,
hoje praticamente transformadas numa espécie de espectáculo circense, onde os
participantes já não são os antigos bois do povo, mas animais pertencentes a privados,
mantidos com o objectivo único de participarem nestas lutas.

Como refere Santos (1992)41, “(...) o maior símbolo da força de coesão/identificação


que a aldeia possui são os combates entre os bois do povo de duas aldeias. As «chegas»
ganham foros de acontecimento central de qualquer feira ou festa, pois que está em
causa a valentia dos vizinhos (de uma mesma aldeia) que a força do animal
representa.”.

Estas lutas entre bois serviam, para além da exposição clara da emulação entre aldeias,
também para que a vitalidade, boa forma e qualidades do boi fossem testadas. Enquanto
um boi fosse ganhando algumas chegas tinha o seu lugar garantido. Por outro lado, se se
visse na pele de derrotado vezes demais, seria sinal da sua velhice, doença ou
incapacidade, pelo que o mais certo era ser vendido e substituído numa próxima
oportunidade. Praticadas ao longo de séculos, as chegas constituíram um importante
elemento de selecção e fixação das características da raça bovina barrosã.

41
- Santos, J. M. Lima – Mercado, Economias e Ecossistemas no Alto Barroso, Câmara Municipal de
Montalegre, 1992

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

As regras das chegas de bois são simples. Combina-se o local onde decorrerá a luta e,
com grande acompanhamento dos vizinhos da aldeia a que pertencem, encaminham-se
para lá os dois animais, sendo deixados frente-a-frente sem que, a partir daí, haja
qualquer interferência por parte de alguém. A luta inicia-se entre eles quando bem o
entendem (utilizando, naturalmente a cabeça e os chifres) e termina quando um deles se
afasta, assumindo a derrota. Finda a chega, a aldeia a que pertence o boi vencedor
comemora festivamente, com grande profusão de gritos e surriadas, a vitória do seu
boi, enquanto a aldeia do boi vencido se afasta, tristonha, remoendo, desde logo a hora
da desforra.

Transcreve-se, de seguida, parte de uma acta da Junta de Tourém, publicada por A.


Lourenço Fontes, em 197742, que se encontra relacionada com a questão do boi do povo.

“Acta n.º 21 de Tourém, pág. 19 de 6-11-67


§ - Acordou-se proceder à procura de dois touros, vendendo os que existem. Pelo
menos um que seja de raça Barrosã... animais capazes e que dêem o rendimento
desejado.
§ - Concordou-se mandar colmar o palheiro e corte dos touros, dar arranjo à
porta e pôr-lhe fechadura segura. Pedir-se-ão os colmos aos lavradores... par evitar
que a chuva caia no feno.”

II. 6. O forno do povo

“Em Rio de Onor não há fornos individuais,


como na maioria das nossas aldeias,
nem há também um forno do povo, como no Barroso.”43

42
- Fontes , A. Lourenço - Etnografia transmontana II : O Comunitarismo de Barroso. 1977, pp. 70; 71

43
- Jorge Dias, Rio de Onor – Comunitarismo agro-pastoril, op. Cit. pp. 71.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Se o pão foi durante muito tempo a base da alimentação em Barroso, quase assumindo
personificações de carácter bíblico, numa comunidade de grande religiosidade, então o
forno tem obrigatoriamente de possuir um lugar de destaque no universo comunitário.
Destaque esse que tem início na localização da esmagadora maioria dos fornos
comunitários em Barroso. Ao forno é destinado um lugar central dentro do núcleo
urbano, espécie de prosopopeia da sua própria condição.

A propósito da arquitectura dos fornos do povo, veja-se as diferenças evidenciadas por


Jorge Dias44 - “O forno («al forno») não se distingue exteriormente de qualquer outro
edifício, ao contrário do Barroso, onde, por vezes, chegam a parecer templos.”

A sua construção45 é feita de granito, à semelhança de todas as outras casas, no entanto,


possui uma diferenciação relativamente aos edifícios contíguos: o seu telhado é também
construído em granito, com grandes lajes dispostas numa estrutura de duas águas. O seu
interior, abobadado, permite sustentar todo o peso da cobertura. No interior do forno o
ambiente é de penumbra pois para além da porta existe somente uma pequena fresta. De
formato rectangular, com o chão em terra batida, tem num dos topos, construída sobre
um balcão de granito, a fornalha, com uma pequena porta de acesso de forma
rectangular ou quadrada, com cerca de 60cm de largura, por onde se efectuam todos os
trabalhos, desde acender o forno até retirar o pão já cozido.

Ao longo da parede mais comprida (oposta à entrada) encontra-se o tendal, espécie de


mesa feita com lajes de granito ou com tábuas de carvalho, e que serve para estender a
massa e dar forma aos pães e às bicas46. Sobre o tendal era posta uma toalha,

44
- Idem, ibidem

45
- O tipo de construção dos fornos comunitários pode observar algumas diferenças entre distintas
aldeias. A discrição aqui feita diz respeito ao formato mais comum e também mais representativo.

46
- Pão de centeio de forma redonda e achatada. Este pão pode ser cozido deforma simples, ou então
com recheio de cebola ou toucinho. Era costume em Barroso, as mulheres que faziam a fornada,
aproveitar pequenas porções de massa que sobejava depois dos pães estarem formados, para cozerem
pequenas bicas, que distribuíam aos garotos que por ali andavam, auxiliando em pequenas tarefas.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

normalmente de linho, onde se colocava a massa que vinha de casa, previamente


amassada e levedada, fazendo-se em seguida os pães com os formatos característicos.

Fig. N.º 22 - Tendal do forno já com a fornada preparada

O forno era aceso no início da semana pelo quentador ou quentadeiro, que para além
desta função “(...) tem a de marcar as vezes a que cada casa da aldeia tem direito de
cozer; esta tarefa é distribuída ao longo do ano «à roda do povo».”47 .

A este propósito, leia-se a acta da Junta de Cambeses, transcrita por A. Lourenço


Fontes, em 197748:

47
- Fernanda M. S. Lima - O Comunitarismo em Barroso: Passado, presente e perspectivas de futuro,
Fundação da Juventude, Porto, 2000.

48
- Obra citada, pp. 73.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Acta da Junta de Cambezes de 3 de Fevereiro de1935:

§ - Segundo os antigos usos e costumes todo o vizinho da freguesia que se utilizar


normalmente dos fornos do povo, terá de o aquecer na segunda-feira da semana em que
tal lhe pertencer, sob pena de multa de 30$00 por cada vez, que não cumprir.

§ - Pode porém qualquer vizinho trocar livremente com outro, a sua vez, ou satisfazer
ao encargo, colocando à porta do forno até às 4 horas da tarde de segunda-feira, um
carro de lenha que será utilizado pelo primeiro dos vizinhos que se apresentar a cozer
fornada.”

Fig. N.º 23 - Forno do Povo (Tourém)

É de salientar que o aquecimento do forno no início da semana, estando o forno frio,


exigia o consumo de muita lenha, já o mesmo não acontecendo ao longo da semana, em
que as fornadas sucessivas beneficiavam ainda do calor da fornada anterior
necessitando, portanto, de muito menos combustível para atingir a temperatura
necessária. Daí que a tarefa de aquecer o forno no início da semana fosse, ao longo do
ano, distribuído à roda do povo, num exercício comunitário de gestão que procurava
evitar a existência de “prejudicados” e “beneficiados”.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Fig. N.º 24 - Desenho do interior do forno do povo de Tourém49

Assim, conseguia-se uma semana de fornadas sucessivas , onde todos poderiam cozer,
respeitando a sua vez designada pelo quentador. Na próxima vez da roda cabia a outro
acender o forno que, representava muito mais do que o acto de atear o fogo, já que tinha
de contribuir e transportar a lenha para esse efeito. Os cabaneiros, visto não possuírem
vacas para efectuar o transporte da lenha, cozem juntamente com um qualquer lavrador,
havendo lugar, posteriormente, à paga desse favor, normalmente em prestação de
trabalho.

O forno desempenhava ainda outra função no contexto social de Barroso: servia


também de abrigo, nas gélidas noites do inverno barrosão, aos pedintes de porta a porta,
“pobres de pedir”, que circulavam de aldeia em aldeia, mendigando o seu sustento e
pernoitavam nos fornos do povo, onde sempre havia algum calor e alguns restos de

49
- Desenho adaptado de um original de Paula Bordalo Lema.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

lenha que lhes garantisse um mínimo de conforto. Para além disso, se a sua presença
coincidisse com a saída de alguma fornada, eram sempre obsequiados com um canto de
bica ou de bola acabada de cozer.

II. 7. Os moinhos

No contexto da economia doméstica barrosã, o centeio servia algumas vezes para trocas
dentro da comunidade aldeã, mas também para venda ou troca directa no exterior,
quando se tornava necessário aceder a algum bem ou serviço que não pudesse ser
encontrado na aldeia. Parte fundamental era porém o cereal já devidamente
transformado em farinha, mais utilizada no dia-a-dia da casa do que propriamente para
trocas ou venda. O pão tinha uma importância nuclear na dieta barrosã, pelo que todos
os mecanismos relacionados com o seu fabrico detêm uma importância acrescida. O
moinho não foge a esta regra, sendo uma estrutura de reconhecida relevância no
quotidiano barrosão.

Quando falamos de moinhos em Barroso, falamos de moinhos de água, força motriz


abundante e suficientemente poderosa para levar a cabo tão laboriosa tarefa. Por este
motivo, os moinhos são sempre localizados ao longo de linhas de água, evitando desta
forma o transtorno e dispendiosa tolice de ter de levar a água até eles.

A sua construção era feita em granito, excepto o telhado, de colmo, que posteriormente
foi substituído por telhas de argila. De pequena dimensão, alturas há em que passam
despercebidos na paisagem ribeirinha, involuntariamente camuflados pelos vidoeiros e
salgueiros. A sua estrutura é de forma a que no seu interior caiba o mecanismo de
moagem, o moleiro (ou quem faz as vezes dele) e um ou dois sacos de farinha. De
qualquer forma, é o tamanho suficiente, não havendo necessidade para a ocupação de
mais espaço (embora isso não se afigure como realmente importante, já que espaço é
algo que abunda em Barroso) o importante será evitar, o dispêndio de energias e
materiais na construção de um espaço edificado cuja dimensão não se justifique.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Fig. N.º 25 - Planta de um moinho de água50

Os moinhos de água possuem o cordão umbilical que os liga à terra e que os alimenta –
a levada - espécie de canal através do qual se encaminha a água para o moinho, que
posteriormente será encaminhada para a carrela (10), fazendo com que um jacto de
água se precipite sobre o rodízio (11). A força motriz da água, ao embater no rodízio é
que fará circular a varela (9), que, por sua vez, transmite a força de rotação à mó (6).

Da fricção da mó com o pé (7), também conhecida como mó de baixo, vai transformar o


grão em farinha. O cereal é colocado numa espécie de funil feito em madeira, a moega
(2), sustentado por uma estrutura singela, as traves da moega (1).

50
- Desenho adaptado de Fernanda M. S. Lima, O Comunitarismo em Barroso: Passado, presente e
perspectivas de futuro, Fundação da Juventude, Porto, 2000

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Fig. N.º 26 - Moinho de água

O movimento rotativo da mó é transmitido ao tarambolho (4), que por sua vez transmite
esse mesmo movimento à estrutura constituída pelas traves da moega, que fazem com
que o cereal vá caindo em ritmo certo, através da adelha (3), que é uma espécie de
aparador, também construído em madeira, que vai conduzir os grãos de cereal até ao
cabaço (5), dando entrada, de seguida, na mó, ou melhor, entre as duas mós.
Naturalmente, nem sempre se deseja que o mecanismo de moagem esteja em
funcionamento. Para o fazer parar, sem ser necessário sair do moinho e tornar a água da
levada, activa-se o aliviadoiro (8), que faz parar o rodízio, impedindo assim qualquer
tipo de movimento em todo o mecanismo.

Raros eram os moinhos cuja propriedade dependia de uma só casa ou família,


essencialmente devido aos custos da sua construção e manutenção, mas também porque
o volume de cereal moído (ou a moer) não justificava semelhante investimento.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

O uso mais corrente era o da constituição de uma associação de vizinhos, para que
pudessem efectuar a construção do mesmo. A construção de um moinho era levada a
cabo por um conjunto de vizinhos que se constituíam numa espécie de sociedade,
partilhando o usufruto desse equipamento e as despesas ou trabalhos inerentes à
manutenção. À morte destes, sucediam-lhe nesta sociedade os filhos ou herdeiros
legítimos, razão pela qual em Barroso se denominam estes moinhos como moinhos de
herdeiros.

A génese dos moinhos é relativamente diferente da do forno. Relativamente a este


último, observa-se a existência de um em cada aldeia, ao passo que os moinhos são
sempre vários, embora de número variável. A sua forma de gestão aproxima-se do
modelo de gestão da propriedade privada, não obedecendo a regras impostas pela
comunidade. Poder-se-á dizer que é um forma de transição entre o comunitarismo e a
gestão e manutenção da propriedade privada. Os mecanismos que regulam o uso dos
moinhos de herdeiros têm uma forte componente relacionada com a propriedade
privada, na sua génese, dado que são, efectivamente, privados.

O facto de pertencerem a várias pessoas não significa, por si, uma existência comunal
ou comunitária, estando posto de parte qualquer uso nesse sentido, a partir do momento
que contrarie a vontade de todos ou alguns dos herdeiros.

Os laços que unem os moinhos de herdeiros a todo o universo comunitário são a forma
de funcionamento das próprias sociedades detentoras da propriedade, a rotatividade no
uso do equipamento e a sua calendarização, a par do uso de um bem comum – a água.

II. 8. Juntamentos ou Coutos

Havendo uma comunidade e, principalmente se ela é activa, é necessária a sua gestão.


Na comunidade barrosã, e para gerir todo o universo comunitário da aldeia, existia o
conselho, órgão máximo de deliberação e decisão sobre todas as questões relativas à
comunidade, quer fosse o seu regulamento, quer fosse a gestão da propriedade
comunitária.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Estes conselhos eram formados pelos vários membros da comunidade, em representação


de cada uma das famílias, normalmente o cabeça de casal, sendo indiferente se era
homem ou mulher. As suas reuniões eram de carácter periódico, havendo, sempre que
necessário, reuniões extraordinárias se a situação o exigisse. As decisões, quando não
resultavam de unanimidade de posições, eram sempre tomadas por maioria.

Fig. N.º 27 - Um juntamento

A propósito do conselho, escreveu Jorge Dias51: “A propriedade colectiva, de que todos


eram igualmente senhores, exigia uma organização rígida, que estabelecesse regras e
leis, onde os direitos e os deveres de cada um ficassem bem claros.”. De facto, a
principal razão de existência dos conselhos, está directamente relacionada com a
organização e gestão de toda a propriedade colectiva, mas também com a gestão das
próprias relações entre vizinhos da mesma comunidade ou de comunidades próximas.

51
- Obra citada, pp. 82.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

As reuniões do conselho, denominadas juntamentos ou coutos, realizavam-se


normalmente ao ar livre, no largo principal da aldeia, no adro da igreja ou, consoante os
casos ou a aldeia, numa casa particular. Nestes conselhos discutiam-se todos os assuntos
de interesse comum como a conservação e aquecimento do forno, a organização da
vezeira, a manutenção dos caminhos e das levadas da água, assuntos relativos ao boi do
povo, à gestão e utilização dos baldios, etc. “Também se discutiam as questões
paroquiais, propunham-se melhoramentos locais e reformas, combatiam-se abusos e
calúnias, pugnando pela boa solução dos problemas de utilidade pública, visto que
qualquer decisão a tomar, iria influenciar a vida de toda a gente.”52.

II. 9. A Segada

Durante o mês de Julho efectua-se a colheita do centeio, vulgarmente denominada de


segada. È mais um trabalho agrícola com uma forte componente comunitária, pelas
razões anteriormente evocadas e que se relacionavam directamente com o
aproveitamento de mão-de-obra disponível.

A segada em Barroso, quando se utilizava somente o trabalho manual, exigia bastante


mão-de-obra, que, como vimos anteriormente, não abundava na maior parte, se não na
totalidade das casas. Era um trabalho árduo e que necessitava de um número
considerável de indivíduos a trabalhar em simultâneo que, como já foi referido, era
levado a cabo graças ao sistema de entre-ajuda.

O trabalho desenrolava-se, basicamente, com o corte das hastes do centeio já


amadurecido com uma foice, levado a cabo pelos segadores que, trabalhando em

52
- Fernanda M. S. Lima - O Comunitarismo em Barroso: Passado, presente e perspectivas de futuro,
Fundação da Juventude, Porto, 2000.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

linha53, depositavam o centeio cortado no chão para que os atadores54, que progridem
imediatamente atrás, pudessem juntar as hastes em gabelas. Estas gabelas, pequenos
feixes constituídos por diversas hastes, seriam sucessivamente adicionadas uma às
outras até se constituir um molho, o qual era atado com um vencelho55 . Este vencelho,
no entanto, exige uma certa prática de fabrico e manuseamento, para que se produza o
efeito desejado, não estando este trabalho destinado a quem não domine a técnica de
fazer os vencelhos e, muito menos, atar os molhos com eles, como é o caso,
normalmente, das crianças que, embora participando activamente no trabalho
comunitário, têm a sua actividade restringida ao transporte da água ou vinho para dar de
beber a todos, e ao arrastar dos molhos até ao local definido pelos adultos. O acto de
atar os molhos com o vencelho culmina com o entrançar das duas pontas que produz um
aperto suficiente para que o molho de colmo se mantenha como um corpo homogéneo e
impeça o mesmo de se desfazer. Este nó, que possui uma técnica particular, é
vulgarmente conhecido como cornecho do molho ou chave do molho. Normalmente,
por cada cinco segadores era necessário o trabalho de um atador.

Nesta fotografia, em primeiro plano, consegue ver-se o atador na altura em que


efectuava o cornecho do molho.

53
- Este trabalhar em linha ou levar a eito resume-se à criação de uma linha de avanço do corte do
centeio pelos segadores, que configura uma linha perpendicular às linhas dos regos do centeio, isto é, o
sentido em que foi lavrada a terra aquando da sementeira.

54
- A função destes trabalhadores consiste em amarrar as hastes do centeio em pequenas porções
(molhos), para que posteriormente a sua recolha e transporte se efectue mais facilmente e sem prejuízo
para a colheita.

55
- Um vencelho é uma porção de hastes de centeio, previamente molhadas, com a qual se faz uma
espécie de correia e se atam os diversos molhos. A palha é molhada para que se torne mais flexível e não
se corra o risco de partir, já que nesta altura se encontra no final do ciclo vegetativo e, portanto,
completamente seca.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Fig. N.º 28 – A segada do centeio com foice

Logo após os molhos estarem devidamente atados e seguros, juntavam-se num conjunto
de cinco, que perfazia uma pousada. Este acto não tinha apenas o objectivo de encetar o
arrumo da colheita ainda no campo para que o transporte se efectuasse de forma mais
célere e mais ordenada, mas também porque já aqui começava uma espécie de cálculo
que culminava com a contabilidade final do produto da colheita. Isto acontecia porque,
devido ao uso de práticas ancestrais e a um profundo conhecimento empírico de todo o
processo, os molhos eram feitos, não naquilo que actualmente se designa por modelo
standard naturalmente, mas com um tamanho praticamente idêntico entre todos, onde
quer que fossem feitos. Desta forma obtinha-se, não só um objecto facilmente
manuseável (que se afirmava como muito importante aquando do transporte para o local
onde seria debulhado), mas também uma espécie de unidade de medida, já que era mais
do que sabido que um conjunto de cinco molhos, que forma uma pousada, equivalia,
mais ou menos, a um alqueire de centeio.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Fig. N.º 29 – Perspectiva de uma segada

Com os molhos feitos, é altura de se juntarem num medoucho, que equivale a um total
de oito a dez pousadas. Esta construção feita com os molhos é levada a cabo com a
disposição sucessiva de molhos em círculos, com as espigas voltadas para o interior,
diminuindo em espessura à medida que evolui em altura, até atingir uma forma
piramidal, ou cónica, na medida em que a base é redonda, evoluindo sempre com essa
forma, diminuindo de largura, com as sucessivas camadas, à medida que vai crescendo.
Esta configuração não é, obviamente casual ou aleatória, servindo para que o centeio
que, eventualmente ainda não tenha secado totalmente possa então secar, antes de ser
debulhado. Ao mesmo tempo, serve de protecção, no caso de se verificar alguma
chuvada, que poderia danificar o cereal.

Depois de terminadas todas as segadas da aldeia, dá-se início ao transporte do centeio, a


carrada, para o local onde se procederá à sua debulha – a eira. Nesta altura, e por lei

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

consuetudinária, só se efectua o transporte do centeio desde o campo até à eira, quando


todas as segadas tiverem chegado ao seu termo. Jorge Dias56 apontou também esta
prática em Rio de Onor, onde o transporte do centeio até às eiras só era feito após todos
terem efectuado a sua respectiva segada. “Depois de todos terem ceifado, o «conselho»
marca o dia «dal acarreio» do pão para as eiras, junto ao lugar”57

II. 10. A Malhada58

Após a colheita, o cereal é encaminhado para o local onde se realizará a malhada – a


eira. Na eira irão fazer-se as medas, construções cónicas, à semelhança dos medouchos,
mas de proporções muito maiores. Antes de os carros chegarem à eira com o centeio, já
lá se encontram pelo menos dois homens, que irão emedar, ou seja, construir as medas.
No local onde se irá construir a meda é previamente colocado um pouco de lenha seca,
normalmente rascalhos59, por forma a evitar, o mais possível, o contacto do centeio
com o chão, o que se poderia traduzir numa humidificação nunca desejada da palha e do
cereal. Pela mesma razão, mas na extremidade oposta, a meda, tem uma forma cónica,

56
- Jorge Dias - Rio do Onor. Comunitarismo Agro-Pastoril, Porto, 1953.

57
- Idem, ibidem, pág. 112
58
- O termo malhada provém do instrumento anteriormente utilizado para debulhar o centeio,
denominado malho, hoje caído em desuso por substituição, primeiro, pela debulhadora mecânica fixa e
posteriormente pela ceifeira-debulhadora. O malho era constituído por duas partes de madeira de forma
cilíndrica, ligadas entre si por correias de cabedal. A parte inferior do malho, com cerca de dois metros de
comprimento, denominado mangueira é o cabo do utensílio, isto é, é a extremidade por onde o malhador
o empunha. A mangueira é feita de madeira de vidoeiro, madeira bastante macia e leve. A parte posterior,
denominada pirto ou pírtego, com cerca de 70cm, é feita de madeira de carvalho mais densa, resistente e
mais pesada. O acto de malhar, consiste no acto de, sucessivamente, arremessar o pirto de encontro às
hastes de centeio dispostas no chão da eira, por forma a que o grão saia das espigas.

59
- Rascalhos são ramos (ou árvores jovens) de carvalho ou vidoeiro já secos, que servem normalmente
para produzir a lenha miúda. Esta é utilizada, juntamente com carquejas, para acender as lareiras, dada a
sua alta capacidade de combustão e poder calorífero. Também são utilizados para colocar nas paredes
interiores dos palheiros, por forma a impedir o máximo de contacto do feno com as mesmas e evitar que a
forragem se estrague com a humidade.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

terminando em bico, onde remata num corucho, encimado por uma cruz feita em palha,
por forma a servir de protecção contra a humidade e eventuais chuvas que ocorram
antes de se ter efectuado a malhada.

Fig. N.º 30 – Malhada tradicional com malhos

As malhadas eram levadas a efeito em eiras construídas com grandes lajes de granito,
que lhes conferia um piso mais ou menos homogéneo e resistente, sendo de formato
rectangular ou quadrado e de tamanho variável. Poderiam, durante o resto do ano ter
mais utilizações, mas a mais importante, aquela que, de facto, justificava a sua
construção, era a de providenciar um espaço onde se pudesse debulhar o cereal.

No entanto, só as casas mais abastadas possuíam uma eira em pedra, existindo algumas
eiras de herdeiros que, funcionando como uma espécie de sociedade, serviam aos seus
legítimos proprietários, mas raramente entravam ao serviço comunitário. Estas eiras são
posse ou usufruto de várias pessoas, basicamente devido a partilhas. Acontecia com

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

alguma regularidade que, após a morte do cabeça de casal, se efectuassem as partilhas e


a cada herdeiro fosse entregue a sua parte da herança. Fosse por capricho da divisão dos
bens (que convinha que fosse mais ou menos equitativa, em valor), ou fosse pelo
simples facto de ser impraticável a divisão, em parcelas, de uma eira, era usual a divisão
da mesma pelos herdeiros. Esta divisão não era, naturalmente, uma divisão física, mas
antes uma divisão baseada no usufruto comum de todos os herdeiros (ou, pelo menos,
aqueles que eram designados em herança). Assim, todos detinham direitos sobre a eira
em questão, apesar de, muitas vezes, esta se encontrar localizada no espaço da casa-
mãe, e ali efectuavam as suas malhadas, fosse em conjunto (o que era menos usual) ou
fosse separadamente.

Não existem, em Barroso, verdadeiras eiras comunitárias. Ou melhor, existem, mas não
são construções de carácter definitivo e permanente. São campos, planos ou com pouco
declive (como convém), normalmente situados no limite da aldeia e quase sempre de
pertença comunitária, que se preparam anualmente para que possam servir os propósitos
das malhadas. Como o centeio não pode ser debulhado no chão, isto é, em contacto com
a terra, é necessário construir uma base suficientemente dura e resistente para que se
possa fazer a malhada em condições satisfatórias.

O processo de fabricação da eira começa com a recolha de bosta de vaca. As mulheres


vão às cortes do gado apanhar a bosta que ali encontram com abundância, escolhendo
aquela que estiver em melhor estado – a mais fresca e sem detritos (leia-se: sem restos
de palha e estrume que foi utilizado para fazer a cama dos animais), é escolhida e
recolhida em baldes ou cestos. De salientar que, para este efeito, quem recolhe a bosta
pelas cortes da aldeia não o faz somente nos seus próprios estábulos, o que se tornava
manifestamente insuficiente. A recolha da bosta processa-se por todas as cortes de gado,
sem que seja necessária uma autorização expressa do legítimo proprietário. Este acto é
encarado como um direito comunal, pelo que prescinde de qualquer autorização por
parte de privados.

De seguida, a bosta é depositada num monte a meio da eira sendo regada


abundantemente para que se torne numa pasta mole. Depois de devidamente amassada,
acto que era levado a cabo, geralmente, por um só homem, descalço, é espalhada com

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

um rodo de madeira pelo campo, por forma a constituir uma camada que cubra
completamente o espaço que se pretende utilizar para debulhar o centeio. Com este
processo consegue-se um camada com cerca de dois centímetros de espessura.

60
Fig. N.º 31 – Espalhando a bosta para fazer a eira

Depois é devidamente alisada, utilizando-se para o efeito uma croça61 velha que vai
sendo arrastada sobre a bosta estendida, até se alcançar o efeito pretendido, que é obter

60
- Fotografia de A. Lourenço Fontes (1977)

61
- Uma croça é uma capa utilizada em Barroso e feita de juncos (Juncus effusus ) e que serve,
principalmente para protecção contra a chuva. Normalmente cobria o corpo todo, estando o capuz
incluído na capa, havendo, no entanto algumas croças cujo capuz era constituído por uma peça separada.
A complementar a croça adicionavam-se umas perneiras, feitas do mesmo material, cujo objectivo era a
protecção das pernas, desde os joelhos até aos pés. Esta capa caiu já em desuso, quer porque os artesãos
deixassem, pura e simplesmente, de existir, quer pelo aparecimento de novos materiais, nomeadamente o
polyester, que apresentou novas soluções para problemas antigos. As capas de oleado constituíram as
novas protecções contra as intempéries, devido ao facto de serem bastante práticas no uso diário, mas
também devido ao seu preço, o que facilitou a compra generalizada deste tipo de produtos.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

uma superfície lisa e mais ou menos homogénea. Na ausência de uma croça


dispensável, o mesmo efeito era conseguido com um molho de palha suficientemente
compacto e resistente ou então com uma espécie de vassoura feita com juncos.

62
Fig. N.º 32 - Alisando a eira

Após a secagem, feita ao sol, esta pasta endurece e constitui uma base suficientemente
firme para permitir a debulha do cereal sem que o mesmo entre em contacto com o solo.
Pode então dar-se início à malhada e à festa que a ela mesma está indelevelmente
ligada.

Como já referimos, as segadas e as malhadas constituem um acontecimento social de


primeira grandeza em que, dado o grande número de pessoas necessárias para a
realização das diferentes tarefas, as vantagens e necessidades do sistema de entre-ajuda
mais se evidenciam. No caso concreto das malhadas, são múltiplas as tarefas em cadeia

62
- Fotografia de A. Lourenço Fontes (1976). Repare-se no acto de alisar a bosta com um dos utensílios
mencionados, enquanto vai sempre sendo mantida molhada para que o resultado final seja uma superfície
o mais homogénea possível. Nesta fotografia (à semelhança da anterior) são visíveis os contornos cónicos
das medas já preparadas para a malhada.

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

que têm de ser realizadas no decurso da debulha, de forma coordenada, a fim de não
quebrar o ritmo de cada operação e evitar paragens e tempos mortos.

É uma azáfama constante, que se inicia de manhã – logo que seca o orvalho – e que se
prolonga pelo dia adiante, até que o grão esteja recolhido, apenas interrompida pelos
intervalos dedicados às fartas refeições, em cuja preparação a dona da casa faz ponto de
honra em se esmerar. A comida tem de ser farta e variada e o vinho servido com
progalidade, pois as malhadas, para além do mais, são uma festa, que comemora, não só
o fechar de um ciclo de produção e de muitas canseiras, como também uma ocasião
privilegiada de confraternização e convivência alegre e folgazã entre vizinhos
solidários.

III. Considerações Finais

São muitos e de vária ordem os factores que, ao longo do tempo, têm vindo a contribuir
para a progressiva degradação dos laços sociais traduzidos nas práticas comunitárias em
que se apoiava a estruturação e funcionamento da sociedade rural barrosã.

A perda de força das instituições aldeãs e das relações comunitárias iniciou-se na


década de trinta do séc. XX e coincidiu com as mutações ocorridas nas condições gerais
de funcionamento do sistema agro-pastoril, devidas à progressiva integração mercantil
da população barrosã. Durante o período agro-pastoril a comunidade barrosã vivia em
quase completa autarcia, por força do isolamento motivado pela falta de vias e meios de
comunicação com o exterior – apenas existiam caminhos de pé posto. Os contactos com
o exterior, os acessos aos mercados eram, por força das circunstâncias, reduzidos ao
mínimo indispensável: de Barroso saíam os vitelos e algumas cabras que chegavam aos
grandes mercados do litoral pelo seu próprio pé; à região pouco mais chegava do que o
sal “imprescindível”, e algum vinho, transportado pelos almocreves.

João Nuno Gusmão 2004

103
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Em 1934 foi concluída a ligação por estrada da sede do concelho com Braga e com
Chaves, rompendo-se o isolamento a que Barroso tinha estado sujeito. A partir daí, e de
forma gradativa, foi-se processando a integração da sociedade rural barrosã na
economia de mercado. Este processo acentuou-se nas décadas de quarenta e cinquenta,
mercê do incremento da produção de batata-semente que, nessa época, foi objecto de
grande procura e valorização, estando na origem de um surto de progresso económico
até então nunca visto em Barroso.

Estes factos tiveram grande repercussão e provocaram grandes mudanças no quadro do


aproveitamento dos recursos e no quadro das relações sociais que caracterizavam o
sistema agro-pastoril.

A maioria das famílias barrosãs que, até então, produzia, prioritária quando não
exclusivamente, para satisfazer as necessidades do auto-consumo e, dessa forma
assegurava a sua reprodução social e económica for da esfera mercantil, integrada num
sistema comunitário que quase dispensava o recurso a disponibilidades monetárias
inexistentes ou sempre escassas, passou a dispor de recursos monetários significativos
que, de certa forma, as dispensavam da manutenção das estreitas relações de
interdependência com os vizinhos.

Isto teve como consequência a emergência de manifestações dum maior individualismo


e duma gradual diminuição das relações aldeãs de sociabilidade em que se apoiava o
Comunitarismo.

O desenvolvimento das relações de mercado constitui, sem dúvida, um factor decisivo


na mudança do quadro social em que se apoiava a economia barrosã.

Também importante neste processo foi a atitude do poder central face ao


Comunitarismo, principalmente após o advento do Estado Novo. Já anteriormente a
reforma administrativa de 1895, que preconizava a divisão dos baldios e a sua redução a
propriedades privadas, tinha constituído um primeiro sobressalto, que não teve
consequências de maior porque não chegou a ser aplicada em Barroso devido à
oposição e resistência das populações. Depois disso houve ainda várias tentativas de

João Nuno Gusmão 2004

104
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

desamortização que não resultaram até que, durante o período do Estado Novo, foram
adoptadas políticas que provocaram graves convulsões na sociedade rural barrosã.

A existência de organizações sociais de base, independentes do poder central, como


eram as aldeias comunitárias, não se coadunava com a política centralizadora do Estado
Novo, em que as decisões deveriam partir do topo para a base, do centro para a
periferia. Daí que fossem surgindo interferências redutoras da força comunitária, nem
sempre muito visíveis, levadas a cabo pelas entidades locais nomeadas pelo poder
central.

De maior importância foram as medidas de política de florestação dos baldios


implementadas a partir da década de quarenta.

A florestação indiscriminada e maciça dos baldios, sem ter em conta a função socio-
económica que eles desempenhavam, no contexto da economia agrária das comunidades
que deles usufruíam, contribui enormemente para o descalabro das instituições aldeãs
que, até então, os geriam.

As decisões de florestação foram quase sempre tomadas sem atender às solicitações das
comunidades. Aos guardas florestais foi atribuída autoridade para decidir sobre a
fruição de todo o baldio da aldeia, estivesse ou não a ser objecto de florestação. Eram
eles quem decidia onde podia roçar-se o mato para as camas do gado e cortar as lenhas
destinadas ao aquecimento, sendo responsáveis pelo respectivo licenciamento, na figura
de licenças individuais e obrigatórias, fazendo, quase sempre, tábua rasa dos usos e
costumes tradicionais. Acrescia que nas zonas florestadas era proibido apascentar os
gados.

As populações reagiam mas, impotentes, acabavam por se submeter, pelo menos


aparentemente. Os fogos que, com frequência, destruíam as florestações indicavam que
essa submissão era mais aparente do que real.

João Nuno Gusmão 2004

105
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Pode afirmar-se que o processo de submissão dos baldios ao regime florestal, tal como
foi realizado, constituiu uma grande machadada nas instituições comunitárias aldeãs e
no seu funcionamento.

Do acabado de referir não deve inferir-se, no entanto, que a florestação em baldios não
se justificava. Simplesmente deveria ter-se processado em moldes que excluíssem a
florestação indiscriminada e tivessem em devida conta a função económica e social que
eles desempenhavam, o que poderia ter-se conseguido, promovendo um racional
ordenamento silvo-pastoril que salvaguardaria os interesses das populações.

Entretanto, após o 25 de Abril, a responsabilidade pela gestão dos baldios foi restituída
às comunidades, mas os efeitos dos erros e vícios acumulados no período anterior, não
foram totalmente anulados.

Outro factor importante que contribuiu para a degradação das práticas comunitárias foi
o grande surto de emigração que ocorreu durante as décadas de sessenta e setenta e que
despovoou Barroso.

Como consequência da emigração massiva, verificaram-se profundas mudanças no


quadro das relações sociais em Barroso e no quadro do aproveitamento de recursos. A
enorme redução da força de trabalho familiar obrigou a adoptar novas lógicas de gestão
dos recursos, bem como novos trajectos das estratégias familiares e das estruturas
sociais. Entretanto foi ocorrendo a mecanização da agricultura barrosã, tendo este
processo contribuído também para minimizar a relevância de algumas das usuais
práticas comunitárias. Verificou-se, nomeadamente, que, com o incremento da
mecanização, a entre-ajuda, embora continuasse a ser praticada, perdeu a importância
crucial que até então detinha no quotidiano da vida na aldeia.

Resumindo, constata-se que, devido aos factores que têm vindo a ser referidos e que
ocorreram ao longo do último século, na actual vivência quotidiana da sociedade rural
barrosã apenas se detectam, de forma já muito diluída, os traços estruturais que
caracterizavam e, por assim dizer, constituíam a imagem de marca da sociedade agro-
pastoril e dos hábitos e práticas comunitárias que a enformavam.

João Nuno Gusmão 2004

106
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

A título de conclusão poder-se-á, no entanto, afirmar que, não obstante as profundas


mudanças que ocorreram no decurso do último século, boa parte das práticas
comunitárias que aqui foram referidas ainda hoje encontrariam razoável justificação,
desde que devidamente ajustadas às realidades socio-económicas actuais.

Em justificação desta afirmação poderá ser citado o caso da gestão dos baldios, que
consideramos um caso paradigmático.

Como já foi referido, a produção pecuária em regime extensivo de pastoreio – com vista
à produção de vitelos, cabritos e cordeiros, cuja carne de qualidade atinge grande
valorização – constitui actualmente a actividade mais importante, sob o ponto de vista
económico, das explorações agrícolas de Barroso.

Porém, ao nível da propriedade privada, o dimensionamento dessa actividade é limitado


e mesmo recorrendo às pastagens espontâneas dos baldios, no seu estado actual, fica
muito aquém do desejável e possível.

Na realidade, os baldios, dadas a sua dimensão e características, encerram um potencial


de produção forrageira muito elevado, que está longe de ser convenientemente
aproveitado e valorizado.

Importa portanto, no contexto duma política de desenvolvimento auto-sustentável,


apoiado nas potencialidades locais, promover a utilização plena das potencialidades
forrageiras dos baldios.

Para alcançar esse objectivo há que organizar em novos moldes o aproveitamento


forrageiro dos baldios, o que passa pela necessidade de efectuar investimentos comuns e
assegurar a sua conservação pelos vizinhos, bem como estabelecer regras de repartição
dos custos e das receitas correspondentes às novas modalidades de fruição da
propriedade comunal.

João Nuno Gusmão 2004

107
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

Como é obvio, todo este processo implica o envolvimento pleno das instituições aldeãs,
só possível de ser conseguido no quadro das relações comunitárias, visando o reforço da
organização comum para a valorização do espaço comum.

Será isso ainda possível, no âmbito de uma mundivivência marcada por um grande
individualismo? Resta-nos aguardar o futuro e desejar que as comunidades aldeãs de
Barroso mais uma vez estejam à altura das situações e provem ser capazes de enfrentar
e vencer as dificuldades que se colocam ao seu viver quotidiano, recorrendo ao espírito
solidário que sempre as caracterizou.

... ita diis placuit.

João Nuno Gusmão 2004

108
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

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Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo

. Anexos

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113
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Estação Meteorológica de Montalegre, Instituto de Meteorologia

Rosa Anemoscópica

Anexos________________________________ _______________________________ II
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Estação Meteorológica de Montalegre, Instituto de Meteorologia

Frequência dos ventos por Estações do Ano

Anexos________________________________ _______________________________ III


Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

W E W E

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Inverno
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W E W E

S
S
Verão
Outono

Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Estação Meteorológica de Montalegre, Instituto de Meteorologia

Diagrama de Ventos – 1961 / 1990

Anexos________________________________ _______________________________ IV
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Estação Meteorológica de Montalegre, Instituto de Meteorologia

Quadro de Temperaturas e Pressão Atmosférica

Anexos________________________________ _______________________________ V
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Estação Meteorológica de Montalegre, Instituto de Meteorologia
Quadro de Frequência (%) e Velocidade (Km/h) dos ventos

Anexos________________________________ _______________________________ VI
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Estação Meteorológica de Montalegre, Instituto de Meteorologia


Gráfico Termopluviométrico

Anexos________________________________ _______________________________ VII


Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Fonte: Normais Climatológicas 1961/90, Estação Meteorológica de Montalegre, Instituto de Meteorologia
Quadro de Humidade Relativa; Nebulosidade; Insolação; Precipitação; Evaporação

Anexos________________________________ _______________________________VIII
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

Fonte: Instituto Nacional de Estatística

Evolução da População Residente no Concelho de Montalegre – 1864 / 2001

Anexos________________________________ _______________________________ IX
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Fonte: Instituto Nacional de Estatística
Distribuição da População Residente por Freguesias e por Ano

Anexos________________________________ _______________________________ X
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Fonte: Instituto Nacional de Estatística
População e Densidade Populacional por Freguesias - 1864 /2001

Anexos________________________________ _______________________________ XI
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Fonte: Instituto Nacional de Estatística

Pirâmide Etária do Concelho de Montalegre - 2001

Anexos________________________________ _______________________________ XII


Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Densidade Populacional por Freguesias – 2001

Anexos________________________________ _______________________________XIII
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

Tourém

Santo André
Padornelos
Padroso

Gralhas
Pitões das Júnias Vilar de Perdizes
Mourilhe
Solveira
Donões Montalegre

Meixedo
Sezelhe

Covelães
Cambeses do Rio Meixide

Outeiro Serraquinhos

Contim Chã

Fiães do Rio

Paradela Fervidelas Cervos

Cabril Viade de Baixo Morgade

Negrões
Covêlo do Gerês Vila da Ponte
Reigoso

Ferral Pondras

Venda Nova

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Salto

Divisão Administrativa do Concelho de Montalegre

Anexos________________________________ _______________________________XIV
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Bacias Hidrográficas do Concelho de Montalegre

Anexos________________________________ _______________________________ XV
Os Espaços Físico e Social no Comunitarismo em Barroso

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Diagrama esquemático dos espaços físicos de uma aldeia-tipo de Barroso

Anexos________________________________ _______________________________XVI

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