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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
RECIFE
2002
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
RECIFE
2002
Aprovado em: / / .
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________
Marc Jay Hoffnagel
(Prof. Orientador)
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(1º Examinador)
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(2º Examinador)
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AGRADECIMENTOS
Se tivesse que classificar em apenas uma palavra o que representou esse trabalho,
classificaria-o como “parimento”, um não, mas três partos e uma partida: o próprio
trabalho, as filhas Isabel e Eloísa e minha saudosa mãe Neusa, que navega em outras águas
“d’além mar”. Uma dor e três prazeres.
Foram quase três anos mergulhados até o pescoço no encalço do resultado que ora se
apresenta ainda inacabado. Porém, foi o que se conseguiu fazer diante de todos os atropelos
da conjuntura pessoal e da carência completa de infra estrutura por parte dos órgãos aos
quais a Academia é vinculada.
A pesquisa começou no final de 1998, quando da elaboração do projeto. Como era
recém-chegado ao Maranhão e leigo na história de seu povo, procurar um objeto de estudo
era como encontrar uma agulha em um paiol. O que possibilitou a escolha do tema “clubes
republicanos” foi o contato com alguns professores da UFMA, iniciado em meados de 1998
em função do concurso público ali ocorrido. O tempo, aliado ao descaso governamental com
a educação pública no país, impediu que a vaga fosse preenchida.
Durante esses três anos tornei-me um endividado. São tantos os favores
devidos a um conjunto de pessoas que receio nomeá-las e ficar em falta com alguém.
Mesmo assim, atrevo-me a citar algumas que estiveram presentes tanto dando apoio afetivo
quanto logístico. Incluem nessa situação inicialmente, Regina Faria e Sílvia Cortez. No caso
de Regina a dívida é, sem dúvida, incalculável, pois além de permitir que abusasse de sua
bondade ao pedir-lhe inúmeros livros emprestados, auxiliou efetivamente fazendo correções
e rearranjos através de seu olhar “mágico”. Sílvia Cortez, sempre solícita, ouviu muitas de
minhas lamúrias nas horas de desânimo, persuadindo-me para que não desistisse – doces
como “doce de batata doce” essas duas Além disso, não teria sido possível concluir esse
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curso sem a compreensão de meus companheiros de trabalho e da direção da Escola
Caminho das Estrelas.
Menção especial deve ser feita à companheira de
todas as horas e que sofreu literalmente comigo todos os
partos citados, sendo inclusive atora principal em dois deles.
Sílvia, além de sua paciência e serenidade confortante nos
meus momentos de dores, dispôs-se a ler e fazer algumas
correções ortográficas enquanto amamentava Eloísa e Isabel
– uma guerreira!
Agradeço também a todos os companheiros de curso pelos bons momentos de
discussão – pena que tão poucos devido ao fato de participarmos de um curso atípico e a
maioria estar “laborando”. Quanto aos professores do curso, fica o carinho com que fomos
tratados, pois nos poucos momentos que ficaram conosco demonstraram companheirismo
camaradagem e profissionalismo a toda prova.
Menção, também especial, à direção e aos funcionários da Biblioteca Pública, em
particular ao setor de periódicos, pelo carinho e atenção dispensadas durante todo o período
em que foi feito o levantamento dos dados. No outro ponto da estrada encontra-se Luciane,
que procurou, dentro das limitações de sua função (as vezes indo além), fazer de tudo para
que pudéssemos alcançar nosso objetivo.
É importante também que se diga que as dificuldades de se fazer o mestrado em
história teriam sido maiores não fosse o diálogo estabelecido entre a UFPE e a UFMA,
possibilitando as condições para que se viabilizasse esse curso que ora se encerra.
Agradeço, por fim, a meu orientador, Professor doutor Marc Jay Hoffnagel,
pelas críticas feitas aos textos, pela paciência com seu orientando e por inúmeros
questionamentos objetivando melhorar a qualidade da pesquisa e do texto. É preciso que se
deixe claro que todas as afirmações contidas nesse trabalho são de minha responsabilidade.
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RESUMO
SUMMARY
This work presents as the main themes the movement of the republican propaganda and the
origin of the oligarchic restruction in Maranhão. It started, at first, from the hypothesis that
there was a republican movement organized through clubs and directories, mainly in the
high interland of Maranhão, in contraposition to part of the local and national
historiography, which affirms that there wasn't an organized republican movement in the
province. Although the republican clubs and directories had been created after the Golden
Law, such fact doesn't justify the affirmative that there wasn't a republican movement in
Maranhão. The newspapers of the period (1888-1894) confirm the existence of innumerable
republican clubs, mainly in the high interland, interlaced to the Barra do Corda's directory,
which received orientation from the Republican Party with headquarters in Rio de Janeiro,
in addition to the São Luís' directory. At a second moment, the question of the oligarchic
restruction which occurred after the Proclamation of the Republic was raised. It started from
the hypothesis that, although there was an organized republican movement, it wasn't
possible to the historic republicans to control the existing state machine, once, they were
political actors of little prominence, they were numerically insufficient. In the first years of
the republican regime (1889-1894), a political-partisan rearrangement of the dominant elite
of the empire period happened, making possible to the newer generations, joined to the
Liberal and Conservative parties, to assume the government. The historic republicans'
exclusion was a result of the creation of the mighty Federalist Party, a fusion fruit of the
Catholic, National and Constitutional parties that made viable the necessary conditions so
that the group joined to Benedito Pereira Leite could control the political and administrative
apparatus of the state of Maranhão for all the Old Republic.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 01
ANEXOS ............................................................................................................................. 97
Documento 1
Manifesto Republicano do Club de Picos ........................................................................... 97
Documento 2
Manifesto republicano de São José dos Mattões ............................................................... 103
Documento 3
Manifesto republicano carolinense .................................................................................... 105
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Documento 4
Editorial de O Norte, de Barra do Corda – Ano 1, nº1. .................................................... 107
INTRODUÇÃO
Outro autor que observou e até participou nos eventos relatados neste estudo foi
Dunshee de Abranches. Em seu livro “A Esfinge do Grajaú”, escrito no decênio de 1930,
narra a fundação do clube republicano de Barra do Corda. 3 Na medida em que descreve sua
1
BOHERER, George C. A. Da Monarquia à República: (1870-1889). Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Cultura, 1958. p. 169.
2
GODÓIS, Antônio B. B. de. História do Maranhão. S. Luís: Tip. Ramos D’Almeida e Cia. 1904. 2.v., p.
542.
3
Em 1895, Dunshee de Abranches escreveu “Memórias de um histórico”, publicado no Rio de Janeiro pela
Officina de obras do Jornal do Brasil, em dois volumes. O primeiro volume refere-se ao movimento
republicano (e seus principais expoentes) em âmbito nacional, concluindo com o relato fuzilamento de libertos
que faziam uma manifestação contra a República, em frente do prédio onde funcionava o jornal do principal
líder republicano de São Luís do Maranhão (Francisco de Paula Belfort Duarte); isto leva a pensar que novos
fatos seriam relatados no segundo volume, inexistente nos acervos públicos de nossa cidade.
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“aventura” enquanto promotor público, o autor vai ressaltando os atores políticos do período
e junto com eles parte da história local. Devido à ausência de outros trabalhos e de não
existir até o momento nenhuma pesquisa monográfica sobre a propaganda republicana, “A
Esfinge do Grajaú” acabou por se tornar uma referência obrigatória sobre o movimento
republicano no Maranhão.
As fontes principais deste trabalho consistem nos jornais publicados entre 1888 e
1889, principalmente os que serviram como veículos de propaganda republicana, e aqueles
ligados às diversas agremiações político-partidárias no Império e início da República.4
4
Os jornais republicanos a que se teve acesso foram os seguintes: “O Norte” (1888, 1892-1898 e 1898), “O
Novo Brazil” (1888-1889), “A Luz” (1889), “O Globo” (1889) e “A República” (1889-1890). Outros jornais
partidários: “O Echo” (1886), “Pacotilha” (1888-1894), “Diário do Maranhão (1880-1881 e 1888-1894), “A
Federação” (1886-1888), “A Civilização” (1889), “Commércio de Caxias” (1888-1893), “A Luta” (1891), “O
Operário” (1891), “A Cruzada” (1890-1892), “O Nacional” (1890 – 1892), “Federalista” (1892-1894) e
“Diário de Notícias” (1893-1894).
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A maioria destes periódicos foram publicados em São Luís. Também utilizou-se dois
jornais do interior da província, “Commércio de Caxias”, produzido na cidade de Caxias,
no Médio Sertão e “O Norte”, de Barra do Corda, na entrada do Alto Sertão. O primeiro,
embora sob a direção do Partido Conservador constantemente abria espaço para discutir o
avanço do republicanismo na região. O segundo jornal, “O Norte”, fundado em 1888, serviu
de órgão de propaganda ao diretório republicano do Alto Sertão.5
O corpo central deste estudo consiste em três capítulos: da crise econômica à crise
política: o Maranhão na segunda metade do século XIX; da propaganda à proclamação da
República (1888-1889); e, a gênese da reestruturação oligárquica: querelas e intrigas nas
tramas dos novos partidos.
5
Embora “O Norte” tenha sido fundado em novembro de 1888, só foram encontradas edições nos acervos de
São Luís a partir de novembro de 1892. Foi consultada a primeira edição a partir do acervo existente no
Arquivo Público de Pernambuco e artigos transcritos em outros periódicos. De meados de 1890 até outubro de
1892 o jornal não circulou. Assim, consultou-se esse periódico principalmente a partir de novembro de 1892.
6
Entre os trabalhos importantes pelo que apresentam de informações sobre a realidade política, econômica e
social apontam-se os seguintes: ALMEIDA, Alfredo W. B. de. A ideologia da decadência. S. Luís: IPES,
1983; FARIA, Regina H. M. de Trabalho escravo e trabalho livre na crise da agro-exportação escravista
no Maranhão. São Luís,: Universidade Federal do Maranhão, 1998. Monografia de Especialização em
História; REIS, Flávio A. Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão: (1850-1930).Campinas:
IFHC/UNICAMP, 1992. Dissertação de Mestrado em Ciência Política; CABRAL, Maria do Socorro C.
Política e educação no Maranhão: (1834-1889). São Luís: SIOGE, 1984; ______Os Caminhos do gado:
conquista e ocupação do sul do Maranhão. São Luís: SIOGE, 1992; CALDEIRA, José de R. C. Origens da
industria no sistema agro-exportador maranhense: 1875-1895. São Paulo: IFHC/USP, 1988. Tese de
Doutorado em História; Ribeiro, Jalila Ayoub J. A desagregação do sistema escravista no Maranhão:
(1850-1888). São Luís: SIOGE, 1990.
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Por ‘nova oligarquia’ entende-se não uma nova classe social assumindo o poder, mas tão somente aqueles
atores políticos que durante o Império tinham dificuldades em participar de forma efetiva do processo eleitoral,
isto é, eram preteridos quando da formação das chapas. Com a Proclamação da República parte das lideranças
partidárias afastaram-se das disputas e do mundo político-partidário possibilitando que esses atores marginais,
mas de certa forma ligados a antiga estrutura oligárquica, participassem ativamente da montagem do regime
republicano, tanto a nível local quanto nacional.
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Capítulo 1
DA CRISE ECONÔMICA À CRISE POLÍTICA : O MARANHÃO NA SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
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Para a autora, o auge dessa atividade econômica foi o período entre 1760 e 1830,
graças à conjuntura internacional: Primeira e Segunda Guerras de Independência dos
Estados Unidos e bloqueio continental napoleônico. Porém, após essa data a produção de
algodão dos Estados Unidos, da Índia e do Egito teria se estabilizada. A concorrência levou
à queda dos preços e o Maranhão, devido a má qualidade de sua matéria prima, foi
lentamente excluído do mercado internacional.
Ainda de acordo com a autora, a situação da cotonicultura só voltou a ter uma certa
estabilidade durante a Guerra da Secessão americana (1860-1865). Nesse período, o algodão
teria se expandido em direção ao sul da província a partir de Caxias, acompanhando o rio
Itapecuru, chegando a Picos e a São José dos Matões. Pelo rio Mearim, chegou nas
8
CABRAL, Maria do Socorro C. Política e educação no Maranhão: (1834-1889). São Luís: SIOGE, 1984.
p. 68-71.
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imediações de Barra do Corda, assim como pelo Rio Grajaú aproximou- se da vila de
Grajaú.9 Fora destas localidades, a atividade agrícola restringiu-se à criação extensiva de
gado de corte. As vilas de Grajaú e Barra do Corda funcionavam como centros comerciais,
onde havia uma intensa movimentação de sal, gado e mantimentos. É importante ressaltar
que estas vilas se transformaram em centro de propaganda republicana nos últimos anos do
Império.10
No entanto, o algodão, mesmo com a queda nos preços ocorrida após a conjuntura
favorável dos anos sessenta, continuou a ser o principal produto de exportação da província.
Nas décadas de 1880 e 1890, em função das dificuldades encontradas para manter-se no
mercado internacional, a produção acabou por ser aproveitada localmente, graças à
instalação de diversas fábricas de tecidos na capital São Luís, e no interior, principalmente
na cidade de Caxias.11
9
Id. Os caminhos do gado: conquista e ocupação do sul do Maranhão. S. Luís: SIOGE, 1992. p. 106-107.
Ver também, MESQUITA, Francisco de A. L. Vida e obra da economia algodoeira no Maranhão: uma
análise das relações de produção na cultura do algodão, 1850- 1890. S. Luís: UFMA, 1987. p., 82-83. Ver
também mapa da p. 15.
10
Id. Ibid, p. 165.
11
Ver mapa sobre as divisões fisiográficas do Maranhão na página 15.
12
Id. Ibid, p. 73-77; MESQUITA, Francisco de A. L. Op. cit. p. 60.
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canavieira teria surgido uma “nova classe”, com “novo estilo de vida” baseado na
“ostentação, cujo padrão de vida tornou-a perdulária”.13
13
RIBEIRO, Jalila Ayubi J. op. cit. p. 47-50.
14
ARANHA, Graça O meu próprio romance. 4.ed. São Luís: ALUMAR, 1996. p. 90-91.
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Como fica claro no texto de Aranha, acreditava-se que a abolição da escravatura era
a causa principal da crise econômica e da decadência do Maranhão. A Abolição teria
simplesmente tirado os braços da lavoura, levando os fazendeiros à total falência em um
momento em que os produtos maranhenses estavam em baixa no mercado exportador,
encontrando-se os fazendeiros descapitalizados e sem meios de conseguir crédito.
A idéia de decadência estaria ligada, segundo Almeida e Faria, à visão que se tinha
do passado como um tempo de prosperidade em oposição ao tempo de decadência: o tempo
da prosperidade estaria ligado ao do auge do algodão, isto é, se estenderia de
aproximadamente 1755/56 até por volta de 182016. A partir dessa data a economia teria
entrado em uma profunda crise gerando então a decadência material e cultural/moral do
Maranhão.17
15
CORREA, Rossini, Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. S. Luís: SIOGE, 1993.
p. 141-143.
16
ALMEIDA, Alfredo W. B. de. Op. cit.; FARIA, Regina H. M. de. Op. cit.
17
Ver VIVEIROS, Jerônimo de História do comércio do Maranhão. S. Luís: ACM, 1954. 3v.
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desenvolvimento tecnológico no setor agrário e a especialização da mão-de-obra, além de
criar uma mentalidade em que o trabalho manual se tornava desprezível. Isso teria
impedido a utilização da mão-de-obra dos índios desengajados18 e dos homens livres
pobres19, que existiam em quantidade suficiente para suprir a carência de braços provocada
inicialmente pelo tráfico interprovincial e depois pelo fim do sistema escravista.20
20
CABRAL, Maria do Socorro C. 1984, Op. cit, p. 90. A autora considera que entraram no Maranhão, nesse
momento, cerca de 16.000 cearenses, sendo que a maioria não foi inserida no trabalho das grandes
propriedades, vivendo à margem do sistema agroexportador.
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maranhense. Essa situação acabou por atingir, conforme se verá, o mundo da política – é
mister considerar que a maioria dos que possuíam cargos representativos e funções
administrativas faziam parte da elite econômica, seja ela ligada ao comércio ou a produção.
21
RIBEIRO, Jalila Ayubi J. Op. cit.
22
Commércio de Caxias, Caxias: 26 maio 1888.
23
Commercio de Caxias, Caxias: 30 mar. 1889.
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Pacotilha, São Luís: 4 jan. 1889.
25
CABRAL, Maria do Socorro C. 1984, Op. cit; RIBEIRO, Jalila Ayubi J. Op. cit.
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interprovincial”. Duas décadas depois teriam passado para 70% e 30%, respectivamente, 26
ou seja, o Maranhão estava deixando lenta e progressivamente de ser uma área de produção
voltada para o mercado internacional direcionando-se para o mercado interno.
Reis considera também que a produção voltada para o mercado interno era, em boa
parte composta de cereais (arroz, milho e principalmente mandioca), fruto da pequena
produção realizada em terras devolutas ou por agregados nas grandes propriedades. 27 A
partir da década de 80 também o algodão passa a fazer parte desse rol de produtos devido à
instalação das fábricas de têxteis de Caxias e São Luís.
A partir dessas considerações, Reis concluiu que a idéia de decadência não era
compatível com o que de fato estava acontecendo na economia maranhense, pois mesmo
com os abalos provocados pelas oscilações dos preços tanto do algodão quanto do açúcar no
mercado internacional, os grandes comerciantes e a aristocracia agrária souberam buscar
espaço para investimento e reprodução do capital anteriormente acumulado na instalação de
um parque fabril têxtil, bem como de um engenho central.28
Antes de mais nada se faz necessário procurar definir o que se compreende por
sertão maranhense. O termo costuma ser utilizado de maneira imprecisa para nomear todo o
interior da província/estado do Maranhão, isto é, tudo aquilo que não é litoral ou a região
em torno do golfão maranhense, denominado Baixada. No entanto, nesta dissertação,
denomina-se sertão as regiões central (Médio Sertão) e sul (Alto Sertão) do Maranhão,
conforme se vê no mapa à frente.
26
Ver REIS, Flávio A. Op. cit p. 13-14.
27
Segundo ASSUNÇÃO, Mathias R. op. cit. p., 193, a partir de meados do século dezenove a importância do
campesinato “foi reforçada pelos seguintes fatores: o fluxo contínuo de pessoas livres migrando do interior
semi-árido do nordeste e a liberdade alcançada por alguns escravos por meios legais e ilegais”. Esses
nordestinos teriam se fixado no território maranhense, como agregado ou em áreas devolutas, vivendo à
margem do mercado de exportação.
28
Sobre a instalação do parque fabril e do engenho central no Maranhão ver CALDEIRA, José de R. C. Op.
cit: e REIS, Flávio A. Op. cit.
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A região sertaneja, por sua vez, quase não foi diretamente tocada pela cultura
portuguesa. Ela já chegava filtrada, através dos baianos, pernambucanos, cearenses e
piauienses. O contato permanente com a natureza, a rudeza da vida provocada pelo fato de
29
Ver mapa na página 15.
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MAPA I – REGIÕES FISIOGRÁFICAS E SEDES DOS CLUBES REPUBLICANOS MARANHENSES
se viver em uma área de fronteira e em permanente conflito com os índios, tornou a ligação
com a cultura “civilizada” muito frágil. Isso possibilitou aos sertanejos um outro olhar,
levando-os a estabelecer relações de solidariedade que não eram determinantes na Baixada,
região dominada e controlada pela capital e dependentes dos grandes comerciantes
portugueses de São Luís.
Quanto a Balaiada (1838-1841), Cabral afirma que um dos fatores que levou à
deflagração do movimento teria sido as medidas centralizadoras do governo provincial.
Fazendeiros do sul teriam participado do movimento destacando-se entre eles Militão
Bandeira Barros, um dos líderes da República de Pastos Bons. A presença desses
fazendeiros na Balaiada estaria ligada, segundo a autora, à “revogação das leis que criavam
os cargos de prefeitos e que extinguiam os cargos de juiz de paz”. 32 O juiz de paz era, então,
um elemento de suma importância na localidade, pois exercia função de polícia e de
administrador público. Além, disso o cargo era eletivo. Já o de prefeito seria indicado pelo
presidente da província, inserindo, assim, elementos estranhos às sociedade locais,
possibilitando interferências nas relações de poder já estabelecidas.
A presença crescente de tentáculos do poder Central no sertão acabou por gerar mais
tensão, pois os sertanejos, embora reivindicassem uma maior atuação do governo, não
queriam perder a autonomia a que estavam acostumados. Por isso, conforme será visto no
segundo e no terceiro capítulos, o centralismo era ponto de preocupação, daí a reivindicação
30
REIS, Flávio A. Op. cit., p. 33.
31
CABRAL, Maria do Socorro C. Os caminhos... P. 186-187.
32
CABRAL, Maria do Socorro C. Política e educação... 1984, p. 188.
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e a crença de que para saírem da marginalidade a única via seria a federação e a autonomia
para os municípios. Essa situação fez com que um seguimento da elite sertaneja buscasse
instrumentos que viabilizassem a criação de uma identidade sertaneja com o objetivo de
fortalecer o poder local com relação ao regional.
Essa tentativa de criar uma identidade sertaneja pode ser claramente identificada na
realização de encontros, que Cabral denominou Roda de amigos. Muitos deles teriam dado
origem a grêmios literários. De acordo com essa autora, nessas rodas discutiam-se questões
concernentes a realidade local, regional e nacional, bem como havia troca de livros e jornais
para leituras. Afirma ainda, que aos poucos ia sendo gestada uma “representação do
sertanejo como um tipo distinto dos demais maranhenses, pelas qualidades inatas de seu
caráter”. Entre estas estariam: “rebeldia, altivez, espírito livre, patriotismo, alma nobre,
civismo, alma revolucionária, rebelde nato”.33
Abranches relata uma festa em que houve um rodeio com o objetivo de marcar o
gado que seria posteriormente engordado para venda no mercado. Na ocasião, ele fez um
discurso sobre a situação da região e a necessidade de se mudar o regime de governo, como
meio para alterar a situação do sertão e do sertanejo. A resposta dos vaqueiros em forma de
um desafio acompanhado de viola, mostra um pouco das imagens do que é liberdade para
aquelas pessoas:
33
CABRAL, Maria do Socorro C. 1992, p. 196.
34
Op. cit, p. 193-196.
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Com efeito, um dos maiores problemas enfrentados pelos sertanejos diz respeito ao
transporte de mercadorias. Como o gado não era comercializado e consumido na própria
região, tornava-se necessário que fossem abertas estradas (picadas) por onde seriam
conduzidos em direção aos mercados. Outro problema era que nas áreas de pecuária quase
não se praticava a agricultura, fazendo com que a região fosse abastecida com os gêneros
necessários não só à subsistência dos sertanejos, mas também àqueles utilizados nos
cuidados com o gado. Entre esses produtos, o sal era artigo de primeira necessidade.37
35
ABRANCHES, Dunshee de. A esfinge do Grajaú, 2. ed. Ver., São Luís: ALUMARr, 1993, p. 133.
36
CABRAL, Maria do Socorro C. 1992, Op. cit., p. 184.
37
Ver BRANDES, Galeno E. Barra do Corda na História do Maranhão, São Luís: SIOGE, 1994. p. 186.
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O transporte dessas mercadorias de São Luís até Barra do Corda ou Grajaú realizava-
se sem problemas, pois havia rios navegáveis até essas localidades, e por isso tornaram-se
entrepostos comerciais importantes. A partir do momento em que saíam dessas vilas em
direção ao sul da província a situação ficava mais difícil devido a quase completa ausência
de estradas.
Foi por volta dos anos 50 e 60 do século XIX que começou a ser formado o quadro
de atores que fariam carreira política no Maranhão do Segundo Reinado. Durante o
denominado período da “conciliação” ocorreu a ascensão de bom número de magistrados
aos cargos de representação (legislativo) como em funções administrativas, possibilitando o
surgimento do político de carreira, oriundo quase sempre da Faculdade de Direito de Recife.
Além da formação acadêmica, muitos alunos daquela instituição acabavam por se envolver
em discussões de caráter político, possibilitando lhes ao retornarem o desempenho de
funções ligadas ao aparelho político-administrativo e judiciário da Coroa na província.
Rossini, ao estudar a formação social do Maranhão, elaborou uma tabela em que faz o
levantamento do número de formandos pela Faculdade de Direito de Olinda – Recife 42 entre
os anos de 1832 e 1922. Vale a pena atentar para os dados nela contidos. Em um total de
307 alunos, mais da metade (158 alunos) concentrou-se nas décadas de sessenta, setenta e
oitenta – período em que se formaram os atores que dominaram a cena política maranhense
no final do Império e ao longo da República Velha, entre outros: Joaquim e Felipe Franco
de Sá (liberais), Augusto Olímpio Gomes de Castro (conservador), Carlos Fernando
Ribeiro - Barão de Grajaú (liberal), Izaac Martins (liberal/republicano), Benedito Pereira
Leite (conservador), Urbano Santos (conservador), Frederico Figueira
(Conservador/republicano), Araújo Costa (conservador), Luís Domingues (conservador),
42
Para se ter uma idéia da importância da Faculdade de Direito do Recife na formação de quadros para os
partidos e administração pública Imperial ver CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: elite e
política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980. Sobre a importância da Faculdade de Direito de São Paulo
para a formação de quadros políticos ver ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: bacharelismo liberal na
política brasileira. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1988
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Arthur Colares Moreira (conservador) etc. Isso sem contar intelectuais como Celso
Magalhães e Graça Aranha, entre outros.
43
MÉRIAN, Jean-Yves Aluízio Azevedo: vida e obra (1857 – 1913): o verdadeiro Brasil do século XIX. Rio
de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1988, p. 148.
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Os estudiosos que lidam com questões políticas que se reportam à década de oitenta
do século XIX, tratam o período como um dos mais tumultuados da história do Maranhão.44
De fato, as questões ligadas ao problema das divisões internas dos partidos políticos
começaram na década anterior, vindo a se agravar na seguinte. No entanto, essas
divergências, ao menos no início, não implicavam em um agravamento com conseqüências
que levassem ao esfacelamento das elites agrária e mercantil enquanto controladores do
aparato jurídico, político e administrativo na província.45 Porém, ainda não foram feitos
estudos profundos sobre as razões das diversas cisões ocorridas.
Como haviam somente dois partidos que possuíam em seus quadros basicamente
representantes dos setores dominantes – e uma minoria pertencente às camadas médias –, tal
fato impossibilitava que as facções buscassem outros caminhos para chegar ao poder.
Mesmo que existissem essas vias, não havia porque buscá-las, pois atitudes desse tipo
significariam um rompimento com a ordem estabelecida, considerando que tanto o Partido
Liberal quanto o Partido Conservador representavam os mesmos interesses oligárquicos, em
especial dos setores ligados a agroexportação. 46 Não havia por parte da maioria dos
44
Entre os trabalhos cita-se REIS, Flávio A. op. cit.; ABRANCHES, Dunshee de. Op. cit., 1993; CABRAL,
Maria do Socorro C. 1984, Op. cit.; MOREIRA, Arthur Q. Collares. Gomes de Castro, Benedicto Leite e
Urbano Santos. Rio de Janeiro: “Jornal do Comércio” Rodrigues e Cia, 1939. Tumultuado no sentido de que
foi marcado pela irrupção de diversas facções no Partido Liberal local, além de disputas entre os dois
diretórios do Partido Conservador maranhense.
45
Para se ter uma visão aprofundada das questões ligadas a problemática política nacional do Segundo
Reinado ver CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: elite e política Imperial. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 1980; ______. Teatro de sombras: a política imperial. São Paulo: Vértice, 1988.
46
Embora a afirmativa pareça ser exagerada, acredita-se que de fato os partidos Liberal e Conservador
maranhenses representavam basicamente os interesses da agroexportação, pois os seus líderes estavam ligados
por laços de parentesco e amizade com os setores agroexportadores. Isso não implica em que os setores não
ligados diretamente ao mercado externo fossem excluídos da luta partidária. No sertão, por exemplo, havia
certa predominância de liberais; já sobre as camadas médias as informações são contraditória: ABRANCHES,
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partidários convicções políticas, mas sim ambições e interesses individuais – basta que se
observe a ciranda de “derrubadas” a cada alteração de gabinete. Como afirma Cabral:
As divergências atendiam somente a interesses diferentes das frações
dominantes e não acarretavam mudanças profundas que ameaçassem o
status quo. As questões defendidas por esses partidos, portanto, não
visavam mudanças radicais na ordem estabelecida, pondo fim às
discriminações econômicas e sociais existentes. Objetivavam, sobretudo, a
hegemonia de uma ou de outra fração de fazendeiros, principal base de
sustentação desses partidos provinciais.47
Dunshee de. Op. cit., 1993 afirma que as camadas médias e os profissionais liberais estavam mais próximos do
Partido Liberal. No entanto, MÉRIAN, Jean-Yves. Op. cit., 1988, diz que havia uma tendência de essas
camadas da sociedade maranhense agruparem-se ao lado dos conservadores devido terem posições mais
progressistas, principalmente com relação a abolição da escravatura.
47
CABRAL, Maria do Socorro C. 1984, Op. cit., p.121.
48
FAORO, Raymundo, Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 6ª. Ed., Porto
Alegre: Globo, 1984. 2 v.,p. 451.
49
Sobre as questões concernentes às divisões e subdivisões dos partidos monárquicos no Maranhão ver REIS,
Flávio A. op. cit..
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dissidências, seja de caráter provincial, seja de caráter pessoal, seja de caráter ideológico.
Mais comum no Partido Liberal, o Conservador também não estava imune”.50
Além das pequenas facções provocadas pelas dissidências descritas acima, o Partido
Liberal encontrava-se dividido em duas grandes alas: a “salista” e a “marcenilista”. A
origem dessas alas estaria ligada ao retorno dos liberais ao poder, devido a mudança de
gabinete no final da década de 1870. Com a morte de João Pedro Dias Vieira, líder máximo
da grei liberal no Maranhão, no início dos anos sessenta, assume a direção do partido na
província o senador Marcelino Nunes Alves. Somente a partir das eleições de 1878 é que
seu poder começou a ser de fato contestado por Felipe Franco de Sá, apoiado por Carlos
Fernando Ribeiro, futuro Barão do Grajaú, ambos filhos de famílias tradicionais de
Alcântara.52
50
CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras... 1988, Op. cit., p. 150.
51
Ver mapa sobre as localidades em que surgiram os clube republicanos na página 15.5
52
Entre a morte de Joaquim Franco de Sá, em 1851 e a ascensão de Felipe F. de Sá, em 1878, o que seria o
então Partido Liberal foi chefiado, primeiro, por João Pedro Dias Vieira e depois por Antônio Marcelino
Nunes Gonçalves. Nesse momento, Carlos Fernando Ribeiro já fazia parte do Partido Liberal e chefiava a ala
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De acordo com Reis, o principal motivo responsável pela fragmentação dos partidos
em diversas facções está relacionado ao aparecimento de uma “nova geração de políticos”,
que fazia pressão para ter acesso aos postos de mando e a cargos de representação. Assim,
as dissidências são inerentes ao problema da competição intra-oligárquica. Quando os
partidos estavam divididos em apenas duas facções, tornava-se menos complexo resolver as
pendências no momento de ir às urnas54. Este problema adquiria proporções preocupantes
quando o número de descontentes aumentava significativamente fugindo ao controle das
lideranças partidárias. Era o que ocorria no Maranhão na década de oitenta, principalmente
com o Partido Liberal.
alcantarense, porém não caracterizando a formação de uma facção dissidente. Felipe Franco de Sá acabou
sendo nomeado senador em 1882 e Carlos Fernando Ribeiro recebeu o título de Barão de Grajaú.
53
O trabalho mais completo sobre esse ator político e líder oligárquico durante os anos oitenta do século XIX
no Maranhão, foi escrito por MOREIRA, Arthur Q. Collares Op. cit.1939.
54
REIS, Flávio A. Op. cit.
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A partir do momento em que os partidos se fragmentam e suas chefias enfraquecem,
o sistema oligárquico entra em crise, pois as lideranças perdem a credibilidade e o poder de
interlocução entre as esferas local e central através da troca clientelística do uso que se
fazia dos cargos. Como atender a tantos grupos sem que um deles saia insatisfeito com a
fatia que lhe foi garantida na divisão dos cargos (poder)? O não atendimento às
reivindicações de determinados indivíduos que exerciam certa liderança local foi sem
dúvida um fator de desarticulação da política-partidária, provocando o enfraquecimento das
oligarquias nesse momento.
Capítulo 2
DA PROPAGANDA À PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA (1888 – 1889)
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Acredita nisso? Bem mostra o doutor que é idealista como já fomos, e tem
ilusões de moço. Pois, se a República fosse implantada um dia em nossa
terra, pensa mesmo que o governo cairia em suas mãos e na de meia dúzia
de outros jovens de alma pura e sã ? O próprio Paula Duarte, que acaba
de aderir ao novo credo, boêmio inveterado como é, e gasto pelas noite
perdidas nas casas de diversões, não teria forças nem autoridade para
chefia do movimento. E, desculpe dizer-lhe, sendo o Maranhão o que é,
os atuais partidos mudariam de rótulo e continuariam a dar as cartas os
Gomes de Castro, Os Franco de Sá, Os Vieiras da Silva e seus lugares-
tenentes, os Abílios, os Ribeiros das Cunha, os Costa Rodrigues, e os
Joões Henriques et reliqua.
Leão Leda (Apud ABRANCHES, 1993).
A maior parte dos clubes republicanos maranhenses surgiu nos anos de 1888 e 1889,
no bojo da lei Áurea. Segundo Boehrer 55, o primeiro clube republicano maranhense teria
surgido no ano de 1887, na vila de Cururupu, “sob a presidência de Manoel Pires da
Fonseca”. Em São Luís, outro clube foi fundado em abril de 1888. Alguns meses depois,
começou a circular nessa cidade um jornal voltado para a propaganda republicana, “O Novo
Brazil”. Quanto a Barra do Corda, vila do Alto Sertão, a fundação do clube deu-se
concomitantemente à do jornal “O Norte – órgão de idéias democráticas”, em novembro de
1888.56 Os outros clubes republicanos de que se tem notícia foram criados no início de
1889.57 Porém, é preciso não exagerar a força dos republicanos na província.
55
Ver BOEHRER, George C. A.. Op. cit. p. 169.
56
MEIRELLES, Mário Martins. O Maranhão e a República. S. Luís: SIOGE, 1990, p. 12-14.
57
Conseguiu-se apurar a existência de clubes republicanos nas seguintes localidades: Carolina, Barra do
Corda, Cururupu, Mirador, Grajaú, Riachão, Loreto, São José dos Matões, Caxias, Picos, Codó e São Luís.
58
Chegou-se a esta conclusão calculando o percentual de “republicanos manifestos” entre os eleitores de três
localidades onde se organizaram clubes. Inicialmente tomou-se o total de habitantes de cada localidade no
Censo de 1890 e calculou-se o número de eleitores segundo a indicação de Renato Lessa A invenção
republicana – Campos Sales, as bases da decadência da Primeira República brasileira. São Paulo, Editora
Vertice, 1988, p. 31, e José Murilo de Carvalho, Teatro de sombras: a política imperial. S.Paulo, ed. Vértice,
1988, p. 141, de serem esses equivalentes a 1.5% da população após a lei eleitoral de 1881. Estes dados foram
comparados com o número de signatários dos manifestos republicanos. Obteve-se assim os seguintes
indicadores: Picos, 7.657 habitantes, 9 “republicanos manifestos” que correspondem a 7.8% dos eleitores; São
José dos Mattões, 10.759 habitantes, 33 signatários, equivalentes a 20.47% dos eleitores; e Carolina, 7.226
habitantes, 24 signatários e 22.19% dos eleitores.
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suficiente para influenciar e, muito menos, controlar a montagem da máquina política e
administrativa do Estado, após a instauração do regime republicano.
Como foi dito, os indícios sugerem que a idéia de República ganhou força no
Maranhão somente após a abolição da escravatura, com a lei Áurea em 1888. Isso não
implica em afirmar que não havia republicanos no período anterior. George Boehrer cita a
existência de quatro jornais voltados para a propaganda republicana: “A Esperança” e “O
Democrata”, publicados ainda na década de 70, bem como os já citados “O Novo Brazil” e
“O Norte”, do final da década seguinte. No entanto, para esse historiador, a existência dos
jornais não implicava que houvesse um movimento republicano articulado na província 59.
Parte-se do princípio de que tal conclusão é procedente. Porém, a leitura dos jornais sugere
que nos últimos anos da década seguinte, com a criação dos clubes republicanos a partir dos
diretórios de Barra do Corda e de São Luís e dos jornais de propaganda, passou a existir um
movimento articulado. Percebe-se que esses dois diretórios republicanos surgiram no bojo
da abolição da escravatura. No período anterior, parte dos republicanos estavam
preocupados em auxiliar na organização da sociedade contra o sistema escravista, isto é,
fazendo a campanha abolicionista. No entanto, isso não implica que todos os abolicionistas
fossem republicanos, pois, como no restante do país, muitos aderiram ao republicanismo em
função da abolição não vir acompanhada de indenização. Para os republicanos
abolicionistas, extinta a escravatura era chegada a hora de abolir a monarquia, “tornando
todos os livres cidadãos”.60
Segundo Abranches61 uma parte dos abolicionistas eram republicanos, mas a maioria
era proveniente das juventudes liberal e conservadora, que somente chegariam ao poder
após a Proclamação da República, conforme será tratado no terceiro capítulo deste trabalho.
Entre os republicanos apontados como abolicionistas estão Francisco de Paula Belfort
Duarte (advogado e jornalista), Aloisio Porto (estudante do Liceu Maranhense), Satiro
Antonio de Faria (proprietário de tipografia e jornalista), Dunshee de Abranches (Estudante
59
Ver BOEHRER, George C. A. Op. cit. 1958.
60
Os republicanos da propaganda, em especial Sousândrade, consideravam que a monarquia impedia inclusive
a maioria dos homens livres de serem cidadãos, principalmente após a lei eleitoral de 1881.
61
ABRANCHES, Dunshhe de. O Cativeiro. 2ª edição, São Luís: ALUMAR, 1992, p. 139-162.
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de Direito), Antônio Lobo (professor), Mariano Leda (professor) e Sousândrade (poeta e
engenheiro).62
Conforme se depreende da leitura dos jornais, não havia por parte da maioria da
população maranhense resistência à abolição, tanto que muitos fazendeiros estavam
libertando seus escravos. Porém, entre os proprietários ligados ao setor agroexportador,
havia reivindicações no sentido de que a abolição deveria ser acompanhada de indenização
de seus plantéis de escravos. Nesse sentido, a Lei Áurea acabou gerando um sentimento de
revolta entre os escravistas. Percebe-se claramente esse sentimento de frustração e abandono
com relação ao regime monárquico. Tais sentimentos levaram fazendeiros da região de
Caxias a fundar diversos clubes republicanos.
62
Diário do Maranhão, São Luís, 16 maio 1888.
63
LUZ, Joaquim Vieira da. Dunshee de Abranches e outras figuras. Rio de Janeiro, Oficinas gráficas do
Jornal do Brasil, 1954, p. 81.
64
Não foi possível precisar a data da edição pelo fato de estar deteriorada.
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Dessa forma pode-se dividir os republicanos históricos da província em dois grupos
distintos. O primeiro grupo teria participado de forma efetiva da campanha abolicionista e
após o treze de maio de 1888, fundado os clubes objetivando a destruição do regime
monárquico acreditando ser possível ampliar a cidadania. São produtos desse grupo os
clubes republicanos do Alto Sertão e o diretório republicano de São Luís. O segundo grupo
era composto principalmente pelos republicanos da região de Caxias, área de economia
agroexportadora, que aderiram ao republicanismo por se sentirem traídos com a abolição
sem indenização. É expressivo o seguinte trecho do Commercio de Caxias, de 13 de abril de
1889:
ou ainda:
Entre os republicanos abolicionistas de São Luís, um dos mais aguerridos era o poeta
Souzandrade. Para ele, não bastava ser abolicionista, era preciso ser também republicano,
pois somente com a implantação do regime republicano todos se tornariam cidadãos. Após a
proclamação da República chegou ao ponto de doar duas de suas fazendas aos antigos
escravos que nelas trabalhavam. Além de ser contra a indenização pretendida pelos
senhores de escravos, propunha que estes fossem indenizados, não só pela situação a que
65
O fragmento citado faz parte de uma carta da vila de Guimarães e publicada no jornal “O Novo Brazil” , de
São Luís em 7 de novembro de 1889. Essa vila situa-se na Baixada, região agroexportadora (açúcar) em que
predominava o trabalho escravo.
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foram expostos, para que não passassem da “escravidão aos vícios”, conforme costumava
repetir em seus inúmeros artigos sobre essa questão.
Além disso, para Sousândrade, com a implantação da República era preciso que a
liberdade e a igualdade fossem garantidas, pois sem elas não haveria cidadania. Nesse
sentido, acabar com a escravidão seria apenas o primeiro passo rumo a República.
66
O Novo Brazil, São Luís, 30 abr. 1889.
67
O Globo, São Luís 16 nov. 1889.
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A maioria dos textos que o compõem são transcritos de outros órgãos republicanos
ou assinados por pseudônimos referentes à Revolução Francesa ou ainda ligados à república
dos Estados Unidos da América. Apenas o poeta Sousândrade e o advogado Paula Duarte
(dissidente do Partido liberal no início dos anos 80) assinavam seus textos panfletários de
caráter doutrinário-pedagógico. Sousândrade possuía uma coluna chamada Scentelhas na
qual procurava explicar ao público leitor os benefícios do regime republicano. Além de
poeta, era também muito utópico e romântico em suas reflexões políticas. Seus textos em
prosa são normalmente curtos e didáticos. Neles faz constantemente a analogia ao novo
regime utilizando-se de elementos da natureza, como o sol, os astros, a aurora, etc. e da
mitologia grega, chegando inclusive a propor a fundação de uma universidade, em São Luís,
denominada Atlântida. Ao mesmo tempo, repete constantemente o lema da Revolução
Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.68
Segundo Cabral, o sertão do Maranhão foi uma área de povoamento espontâneo, não
oficial, onde o nordestino, em especial o baiano, penetrou à procura de novas áreas de
pastagens para o gado. A vinculação da região com o norte da província era dificultada pela
distância, bem como pelas condições de acesso, pois só havia as picadas e os rios
interligando as duas regiões. Dessa forma, o Alto Sertão encontrava-se abandonado sócio-
economicamente, sem representatividade política e composto por uma maioria de homens
livres pobres que viviam à margem, sem recursos e pouca atenção das autoridades
constituídas. Ali reinava o conflito, a desordem, o patriarcalismo, o mandonismo e a
carência de instituições legais e representativas, conseqüência da precariedade material
provocada pela deficiência de projetos que o inserisse de fato na província.69
68
O Novo Brazil, São Luís, 30 abr. 1889.
69
CABRAL, Maria do S. Coelho. 1992, Op. cit.
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Uma das regiões mais tensas do sertão era, sem dúvida, a de Grajaú, onde havia um
conflito entre as famílias Costa (ligada ao Partido Conservador) e Barros e Leda (do Partido
Liberal). O clima de tensão levou à tentativa de assassinato de Araújo Costa, chefe do
Partido Conservador local, em 1882. Um artigo do jornal “Pacotilha”, sobre a violência no
sul da província indica que esse contendo ainda predominava em 1886.70 Outro artigo do
jornal liberal “A Federação”, demonstrava preocupação com os conflitos políticos ocorridos
em Grajaú e Mirador, os quais estavam sendo criticados como exemplos extremos dos
confrontos entre liberais e conservadores.71 Isso pode ser visto em uma carta de Turiaçu, vila
situada no noroeste da província e publicada em “A Federação” :
...se não fosse a prudência e quase a covardia dos liberais já se teria dado
por cá o que se deu no Grajahu, Mirador e outros lugares da província...
entendem que por estar a política conservadora por cima, tudo que é lícito
fazer, contanto que se acomodem os amigos, se cumpram as promessas
absurdas e se satisfaçam as exigências pífias e vingativas: prometerão
cartório a outro e fazem de tudo quanto podem..., prometerão o juizado
municipal a outra... Não trepidão na violência e arbitrariedades.72
Ao que tudo indica, o ano de 1886 foi bastante emblemático quanto à violência no
sul da província, mais especialmente na região de Pastos Bons, Mirador e Grajaú. Ali os
conflitos entre os liberais e conservadores exacerbavam. A presença do Estado se dava pela
via do partido então no poder. Assim, eram freqüentes as ‘derrubadas’ para desmontar o
grupo situacionista anterior e instalar um novo “batalhão” de protegidos, pagando os
compromissos assumidos por ocasião das eleições (clientelismo e nepotismo) que
referendavam os novos donos do poder; bem como as reações daqueles que perderam suas
regalias. Sobre tais disputas registrou o jornal O Echo:
70
Pacotilha, São Luís, 15 fev. 1886.
71
A Federação, São Luís, 11 set. 1886.
72
A Federação, São Luís, 23 maio 1886.
73
Abranches, Dunshee de 1993, Op. cit.
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“Não há segurança individual e a propriedade com a maior ameaça em
sua tranquilidade. Perdemos a esperança fagueira nos vultos mais
requintados deste partido, que são os excellentíssimos senhores Castro e
Bandeira de Mello.74
De acordo com esse jornal a situação de violência predominava a tal ponto que a
legalidade já não reinava:
Política dos Zarolhos
Há um princípio político que na actualidade se ergue sombranceiro – o
strabismo. Ser zarolho – eis em que consiste hoje o caminho do poder. É
das olympicas alturas que o augusto fulmina os mortos que o rei de copas
impõe como evangelho – olhar de esguelha e caminhar torto. A desviação
do eixo occular..”.75
Embora aquela região fosse carente de ordem e de lei, havia uma lógica que regia as
relações sociais sertanejas. Além do fato de a região estar completamente desprovida de
infraestrutura, o que realmente mais preocupava o sertanejo era o fato de que participava de
um governo só com o ônus, isto é, pagando impostos e sendo reprimidos com extrema
violência pelos mandatários do poder, quando ignorava as determinações governamentais. A
idéia de que o sertanejo era “violento” e “preguiçoso” fazia parte do imaginário do homem
da capital, em especial da elite ludovicense. A imagem que o sertanejo fazia de si mesmo
era bastante diferente de acordo com Souza Bispo, intelectual e jornalista ligado ao Alto
sertão, e conhecedor da situação do homem sertanejo. Parte de seus artigos foram
transformados no Livro “Espinhos de Mandacarus” publicado em 1925. Em um de seus
artigos o autor faz as seguintes afirmações:
Há no interior do estado, um mal que se não acaba – a politicalha. È
fanatismo político que reina, absoluto, maléfico, coctando todas as
energias capazes; matando, aniquillando num duello mefítico e constante,
todos os commettimentos, todas as iniciativas.
A politicalha, inimiga fidalgal de tudo quanto possa elevar-nos moral e
materialmente, vive a crocitar, e negra e apavorante, pelos municípios do
interior. Legítima filha do espectrismo político, é ella ditando leis,
impondo decretos, corrompendo os caracteres que impede se não acenda,
e cintilhe e rebrilhe nas consciencias subornadas, a luz da verdade, a luz
do direito, a luz da justiça.
78
BRANDES, Edgard Galeno. 1994, Op. cit. p. 215.
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Tudo corrompe e degrada, o fantasma da inconsciencia. Não há surto de
propgresso que vingue e fortifique. Não há, iniciativa particular que não
soffra os embates e contrachoques das injunções mesquinhas dessa
instituição diabólica. Até as relações familiares desparecem dando lugar
ao ódio, que passa de geração em geração com stigma de maldição. Tudo
isso vem do partidarismo de campanário, da política mal compreendida.
Enfim da politicalha.
ao dia em que os filhos do sertão, fugindo do horror à responsabilidade,
prezarem o dever cívico que lhes assiste cumprir. Ao dia em que o
sertanejo compreender que não pode sem graves contratempos, dispensar
o Estado, o auxílio do sertão; ao dia em que a gente do interior, que nada
tem a não ser produto do próprio esforço, reagir contra as exigencias
absurdas de régulos politiqueiros: nesse dia um novo sol derramará, por
sobre os montes e serranias, luz clara e morna vivificando”
É um dever sagrado, a reivindicação de seus direitos!
... possa o sertão, para o sertanejo, para o proscrito continental, só
tributos, os mesmos tributos exigem os que governam.79
79
SOUZA BISPO, Cândido Ferreira de. Espinhos de Mandacarus. São Luís: Typografia M. Silva e filhos,
1925, p. 57-59.
80
ABRANCHES, Dunshee de. 1993, Op. cit., p. 70; 155.
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Nesse contexto, foi o sertão um campo propício para a germinação das idéias
republicanas. Seus partidários, conforme será visto, conheciam os modelos de República
implementados na França e nos Estados Unidos 83, mas sua motivação maior era o
federalismo, a autonomia, como uma maneira de reação à hegemonia política da parte norte
da província.
81
Ver em anexo o que afirma o editorial do primeiro número de O Norte, de Barra do Corda.
82
Sobre esta modernização ver REIS, Flávio A. Op. cit.; CALDEIRA, José de R. C. Op. cit.
83
Ver CARVALHO, José Murilo de. 1990, Op. cit.
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de harmônicos entre si. Propunham, por fim, que os cargos da magistratura fossem
preenchidos por concurso, única possibilidade da ‘justiça triunfar’, como almejavam.
A vila de São José dos Mattões, conforme pode ser observada no mapa do capítulo
anterior (p. 15), se situa na fronteira entre o Alto e o Médio Sertão, embora com
características econômica e sociais do Médio Sertão. Nessa vila, os proprietários de terras e
lavradores foram diretamente afetados pela abolição, visto que a base do trabalho era
escravista. Dessa forma, o lançamento do manifesto de adesão ao regime republicano, bem
como o estabelecimento de vínculo com o diretório de São Luís, explicita a discordância
84
Ver os seguintes jornais: em São Luís, Pacotilha, Diário do Maranhão e O Novo Brazil e no sertão
Commércio de Caxias.
85
Ver em anexo cópia dos manifestos citados, além do da vila de Carolina.
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daqueles republicanos com a política imperial vigente. Afinal, em uma única década foram
duplamente prejudicados: primeiro com a lei Saraiva, que impediu aos analfabetos o direito
de voto. O segundo golpe foi provocado pela abolição sem indenização.
86
O Novo Brazil, São Luís: 15 abr. 1889.
87
O Novo Brazil, São Luís, 12 mar. 1889.
88
Id idib.
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necessárias para instruir o povo brasileiro, estaria condenando o país a “decadência physica
e moral”.
89
Ver ABRANCHES, Dunshee de. 1993, Op. cit.; CARVALHO, Carlota. O Sertão: subsídios para a história
e a geografia do Brasil, 2ª edição, Imperatriz: Ética editora, 2000; e, CABRAL, Maria do Socorro C. 1992,
Op. cit..
90
O Novo Brazil, São Luís: 12 abr. 1889.
45
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Ao considerar o governo culpado das mazelas do país e da província, os
republicanos de Picos propõem uma única alternativa: mudar o regime de governo,
adotando no lugar da Monarquia a República, “pois vemmos nella a verdadeira forma de
governo, a única conforme a sciência, a mais econômica, aquella que tende chegar a todo
povo, quando atinge o seu máximo aperfeiçoamento”.91
91
Id. Ibid.
92
Id. Ibid. 12 abr. 1889.
93
CARVALHO, Carlota. Op. cit.
94
ABRANCHES,. Dunshee de. A esfinge do Grajaú 2ª ed. Ver.,1993, p. 79.
95
Id. Ibid., p. 187.
96
Id. Ibid.
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enfatizaram a idéia de que “independência e progresso são incompatíveis com a realeza”. 97
Ou seja, a causa da crise econômica e financeira da província não era provocada pelo
modelo agroexportador, mas pela má administração e pela inoperância de D. Pedro II.
97
Ver O Novo Brazil, São Luís, 15 abr. 1889.
98
Os republicanos de São Luís também vestiam a bandeira do federalismo, tendo como base a autonomia
municipal. Nesse sentido, assim se expressou Paula Duarte em O Novo Brazil 15abr. 1889: “Nós não tratamos
de outro intuito; nenhum outro fim alveja o Partido republicano senão armar a nação de centros de resistência e
de vida local e individual, de modo que possa cada um governar-se como deva e queira, cada município de
acordo com as suas tendências e aspirações...”.
99
Ver O Novo Brazil, São Luís,15 abr. 1889.
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Tanto os jornais republicanos quanto os demais jornais ligados aos Partidos Liberal e
Conservador100 mostram que a propaganda atingiu seu objetivo, pois logo no início de 1889
surgiram vários clubes republicanos espalhados pela província, principalmente na parte sul.
É também nesse momento que as conferências sobre essa temática crescem
substantivamente, em São Luís e no sertão.
Como já foi exposto, o jornal “O Novo Brazil”, traz a partir de março de 1889, notas
convidando a população para as conferências republicanas de São Luís 101, além de algumas
notícias sobre o que estava acontecendo no sertão maranhense. Segundo esse jornal 102,
ocorrera em São Luís uma conferência ministrada por Paula Duarte, a qual, compareceram
mais de seiscentas pessoas de várias profissões (negociantes, oficiais superiores, deputados,
magistrados, camaristas etc.)103 No mês de julho desse mesmo ano teriam ocorrido outras
duas conferências em que os republicanos foram apedrejados pelos libertos de 13 do maio
(denominados capoeiras) insuflados pelos monarquistas. O poeta Sousândrade, em sua
coluna Scentelhas, do “Novo Brazil”, denuncia o fato afirmando não ver razão para o ato
bárbaro do dia 28 de julho - data em que se comemora a adesão do Maranhão ao Brasil
independente - pois os republicanos, nesse dia, estavam apenas assistindo a uma
manifestação cívica e não fazendo propaganda: “... porque ninguém orava e em silêncio
olhavam as festas da vitória com verdadeiro esplendor celebradas no glorioso aniversário
100
Os jornais que publicavam notícias sobre a existência de clubes republicanos sendo criados no Maranhão e
que estavam ligados aos partidos monárquicos são os seguintes: a Pacotilha, O Diário do Maranhão, O Globo e
o Já citado Commécio do Maranhão.
101
Em o “Globo” de 1 de dezembro de 1889 foi publicado uma carta de José Picot, dono do Hotel de França,
local em que os republicanos reuniam-se inicialmente para suas discussões e posteriormente para as
conferências públicas.
102
Ver O Novo Brazil, SãoLuís, 16 mar. 1889.
103
O clube republicano de São Luís recebeu correspondência enviada por Saldanha Marinho informando sobre
o Congresso Federal Republicano que se realizaria no Rio de Janeiro no final de 1888. O escolhido para
representá-lo foi Paula Duarte, que acabou recebendo convite de Campos Sales para ir até São Paulo, onde
estudaram juntos, e também à Minas Gerais como conferencista a pedido do Partido Republicano. Ver O Novo
Brasil, 8 set.1888; 7 nov.1888; 15 nov. 1888; e O Diário do Maranhão 29 out. 1888.
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maranhense”.104 Depois de reclamar garantias às autoridades para que os republicanos
tivessem possibilidades de se reunirem livremente, faz Sousândrade a irônica observação:
“Por mim guardei uma pedrinha, material diamantina ao monumento da república”.105
Por ocasião da visita do Conde d`Eu a São Luís ocorreram também algumas
manifestações de caráter republicano. Para deixar bem claro o descontentamento com a
presença dessa personalidade na cidade foi fundado o Jornal “A Luz”. Seu editorial de
lançamento é bastante claro sobre o que pretendia enquanto órgão anti-monárquico e
republicano:
Traz como bandeira a gloriosa Idea republicana, de que será campeão
humilde, mas esforçado. É seu intuito combater ardentemente em prol da
causa sancta da democracia brasileira, victimada por uma classe de
principes ineptos ou fanaticos que engordam a custa do suor da nação
para melhor feril-a em suas liberdades e em seu desenvolvimento e
progresso.
Urge que desfechemos o supremo golpe na caduca instituição monarchia,
nos esphacedos partidos que a sustentão, ainda que em aparencia tão
somente, finalmente nos tyranos caducados de que se compõe a família
privilegiada que nos governa e que semelhante à parasita enfezada
enrosca-se obstinadamente na grande árvore nacional.107
104
Ver O Novo Brazil, São Luís, ago. 1889.
105
Id. Ibid.
106
Ver Pacotilha, São Luís, 23 out. 1890.
107
A passagem de Conde D’Eu por São Luís foi marcada por uma série de manifestações pró republicanas
organizadas tanto pelo clube quanto pelos estudantes do Lyceu. Em função das manifestações dos estudantes o
Inspetor de instrução Pública acabou sendo demitido de sua função acusado de não ter impedido essas
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Esse jornal teve vida curta, porém, seus poucos números possuem textos bastante
enfáticos de repúdio à possibilidade de um terceiro reinado. De fato, a estadia de Conde
D`Eu em São Luís foi bastante conturbada, pois os estudantes do Liceu maranhense
organizaram uma série de manifestações em que davam “vivas à República” e “morras `a
monarquia”.108 Essas manifestações, em que utilizavam a bandeira dos Estados Unidos,
levaram à demissão do inspetor de instrução pública, cônego Leopoldo Damasceno.
manifestações. Silva Jardim, que esteve em várias capitais de províncias do Nordeste para organizar
manifestações contra o 3º Reinado, ao que tudo indica não chegou até São Luís, pois os jornais não falam de
sua estadia na cidade.
108
Ver Pacotilha, São Luís,4 jul. 1889.
109
BASBAWM, Leôncio. História sincera da República. 48. ed, São Paulo: Alfa-Omega, 1976, p. 208,
v. 1.
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A maioria dos historiadores111 concorda que a forma como fora feita a abolição
provocou um desgaste significativo nas bases de sustentação do regime monárquico.
Concorda também que os republicanos se aproveitaram desse desgaste do governo para
melhor marcarem posição, pois muitos monarquistas estavam aderindo ao movimento
republicano. Contudo, não se pode explicar a queda da Monarquia apenas a partir desse
fator. Da mesma forma não se pode superestimar o papel da questão religiosa, pois boa parte
dos republicanos eram indiferentes à igreja e ao clero na medida em que propunham
liberdade de crenças e cultos, separação da igreja do Estado e casamento civil. A questão
religiosa acabou por reforçar a visão de que era necessária a separação entre a Igreja e o
Estado.
110
A plataforma do Gabinete Ouro preto era extensa. Entre tanto itens extraiu-se os seguintes: alargamento do
voto; plena autonomia aos municípios e províncias; liberdade de ensino e seu aperfeiçoamento; lei da terra que
possibilite sua aquisição, respeitando o direito de propriedade; redução dos fretes e desenvolvimento dos
meios de rápida comunicação de acordo com um plano previamente elaborado; amortização do papel-moeda;
etc. Ver CHACON, Vamireh História dos partidos brasileiros: discurso e praxis de seus programas. 3. ed.
111
Ver, entre outros, BASBAWM, Leôncio Op. Cit.; BEIGUELMAN, Paula Formação política do Brasil. S.
Paulo, Ática, 1974. BOEHRER, George C. A Op. cit.; CASALECCHI, J. Ênio. O Partido Republicano
Paulista (1889-1926). São Paulo, Brasiliense, 1987; COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia a República
— momentos decisivos. S. Paulo, Grijalbo, 1999; COSTA,. Cruz. Pequena história da República. Rio de
Janeiro, 2. ed., Civilização Brasileira, 1972;
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Outro fator que a historiografia procura destacar como essencial na queda da
Monarquia diz respeito ao papel do Exército brasileiro. Para uns, o Exército foi manipulado
pelos civis e para outros, ao contrário, foi o propulsor do movimento que levou à
proclamação da República. De fato, boa parte dos militares do Exército havia aderido ao
republicanismo por influência das idéias positivistas, no entanto, havia poucos oficiais de
alta patente entre os republicanos.
Não se pode tratar a queda da Monarquia partindo apenas de um fator básico. É preciso
que se verifique as transformações pelas quais passava o país naquele momento histórico. O
aparecimento de novas camadas urbanas, graças ao crescimento do setor de serviços; a lei
eleitoral de 1881, que excluía a maioria de participar do processo eleitoral; a abolição sem
indenização; a falta de uma política voltada para a substituição do trabalho servil pelo livre;
o descontentamento militar; a relação da igreja com o Estado; e o crescimento dos clubes e
partidos republicanos na maioria das províncias, principalmente no eixo econômico que
sustentava o Estado no momento (Centro-Sul), enfim, um leque de fatores levou ao conluio
que provocou a tomada do poder e instalação do regime republicano.112
Mas, como foi recebida em São Luís e no restante do Maranhão a notícia dos
eventos de 15 de novembro, ocorridos no Rio de Janeiro?
Conforme se viu, durante o ano de 1889 a idéia de República criou corpo na província
do Maranhão. O crescimento do movimento republicano local torna-se evidente quando se
observa que no ano de 1887 havia apenas um clube organizado (em Cururupu) e em meados
de 1889 esse número havia se elevado para quatorze. 113 Além disso, foram criados dois
jornais voltados especificamente para a propaganda dessas idéias. Aliás, durante esse ano o
sertão vivia um momento de euforia. Identificou-se naquela região, a existência de onze
clubes republicanos em pleno funcionamento e pode ser que outros tenham existido.
112
COSTA, Emília Viotti da. Op. cit., p. 454-460.
113
Vilas onde foram organizados os clubes republicanos: São Luís e Cururupu (Baixada e litotal); Codó,
Caxias, s e São José dos Mattões (Médio Sertão); e, Picos, Carolina, Grajaú, Loreto, Barra do Corda, Riachão,
Imperatriz, Pastos Bons, Mirador (Alto Sertão).
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Segundo Abranches, no final de 1889, Barra do Corda era um centro febril de atividade
republicana, funcionando como “Diretório Central” para todo o Alto Sertão.114
Foi com essa idéia de República que boa parte dos republicanos de São Luís viram
os acontecimentos de 15 de novembro. Os editoriais dos jornais, que em um primeiro
momento foram apáticos aos primeiros telegramas da Corte – salvo o “Globo” –, aos poucos
foram sendo inflamados pelas notícias que chegavam pelo único aparelho de telégrafo da
cidade, sob controle do governo.
114
ABRANCHES, Dunshee de. 1993 Op. cit..
115
Ver O Novo Brazil, São Luís,7 jul. 1889.
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116
Ver o Globo, São Luís,16 nov. 1889.
117
ABRANCHES, Dunshee de. 1993, Op. cit., p. 198-199.
118
Ver O Globo, São Luís,19 nov. 1889.
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Em São Luís, devido à violência com que foram tratados pela polícia os
manifestantes do episódio do dia 17 de novembro, somente a partir de 20 de novembro é
que tiveram início as manifestações realizadas em praça pública favoráveis ao novo regime,.
A partir dessa data, a imprensa aponta onze passeatas em apoio ao novo regime, promovidas
por estudantes, trabalhadores da prensa, caixeiros, funcionários públicos etc. Por outro lado,
são incontáveis as declarações de adesão claramente circunstanciais que vinham através de
cartas de juizes, delegados, presidentes de Câmaras Municipais, fazendeiros espalhados pelo
interior e funcionários públicos em cargos de chefia. Elas fazem parte de outro tipo de
adesão: aquela de caráter meramente político e interesseiro, fruto do desejo de permanecer
nas funções publicas e de estar próximo ao poder para dele continuar a usufruir, tendo com
o bem público uma relação exclusivamente patrimonialista. 119 Nota-se também que a
maioria das adesões vieram dos conservadores. Os liberais demoraram um pouco a aceitar a
perda do controle do Estado.
119
Com relação à discussão sor e a relação patrimonialita entre as elites e Estado no Brasil ver: HOLANDA,
Sergio Buarque de As Raízes do Brasil, 13. ed., Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979 e FAORO, Raymundo. Op.
cit..
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Viveiros (político conservador castrista), e Francisco de Paula Belfort Duarte (advogado e
republicano histórico).120
Possivelmente foi Paula Duarte, chefe do clube republicano de São Luís, quem
escreveu um artigo em o “Globo”, procurando justificar esta união, afirmando em editorial
que era o momento de todos se unirem, pois a República “desperta ditosa ao mais brilhante
sol do novo mundo”. Segundo Paula Duarte o que importava era consolidar a “revolução”.
Para isso era preciso investir em educação e distribuir justiça, pois a “monarchia não era
constituída por cidadãos. Todos pagavam impostos mas tu não eras contemplado nos
orçamentos: não te davam as escolas suficientes, não te preparavam para o futuro” 121, diz
outro artigo do mesmo jornal em 20 de novembro de 1889. Além disso, esse artigo
procurou mostrar os objetivos do novo regime. Entre outras coisas, este deveria: instruir o
povo, distribuir justiça, desenvolver o comércio, a navegação, a indústria e a lavoura, além
de reformar as instituições para que funcionassem tendo como base a liberdade e a
igualdade.
O jornal Pacotilha, embora tenha apoiado o novo regime, não o fez de modo
incondicional, procurando manter uma certa distância do poder. Mesmo assim não deixou
de contribuir para a organização deste, pois procurou de forma didática mostrar o que era a
República, como ela deveria funcionar e qual seria o papel do povo e da educação no
regime republicano. Todavia, fez questão de manter uma certa postura crítica diante do
governo provisório. Essa marginalidade levou o jornal a uma atitude que na época foi
considerada de oposição, sendo por isso criticada.
120
MEIRELES, Ver Mário M. 1990 Op. cit., p.19.
121
Ver o Globo, São Luís, 19 dez. 1889.
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É uma crença geral que na republica instituída há diferenças entre os
soldados da mesma grey e adeptos do mesmo partido nacional
republicano e d`ahi os phenomenos que apontamos, que não podem ser
negados, por quem quer que empregue um pouco de attenção observando
o que se passa no Estado.122
Quando chegou a São Luís, Tavares Júnior, encontrou a população amedrontada com
o autoritarismo da junta governativa. Ao assumir o governo em 17 de dezembro, um mês
após a adesão do Maranhão ao novo regime, uma de suas primeiras medidas foi a anulação
de todos os decretos da Junta124, fazendo tudo voltar ao que era no dia 21 de novembro,
embora tenha reeditado boa parte desses decretos. No dia 23 de dezembro, decretou a
liberdade de culto, o fim das verbas ao culto católico e mandou dispensar dos cargos os
religiosos que trabalhassem em órgãos públicos. Justificou que essas medidas eram
imperativas para sanear os cofres públicos.
Pode-se dizer que foi tempestuoso o primeiro mês do Maranhão sob o regime
republicano. O entusiasmo provocado pela proclamação da República nos republicanos
históricos ia dando lugar ao desânimo, pois se sentiram marginalizados do poder, isto é, não
conseguiram tomar posse do aparato estatal local para desenvolver as propostas defendidas
desde o início da propaganda nos idos de 1888. Talvez essa tenha sido a maior das
decepções por eles sofrida: ver no poder, em plena vigência do regime republicano, aqueles
a quem abominavam, era como que presenciar a ascensão do Leviatan ao poder. Não é à toa
122
Ver Pacotilha, São Luís, 23 nov.1889.
123
Ver Pacotilha, São Luís, 17 dez 1889.
124
Entre os decretos considerados infelizes politicamente pela imprensa do período cita-se: de 13 de dezembro
– extingue a Escola dos Educandos e Artífices para utilizar o prédio como quartel do corpo de segurança; e, de
14 de dezembro que proíbe o trabalho aos domingos em todo o território maranhense, com penas de multas e
até prisão para os que não cumprissem – excetuou deste decreto apenas os hotéis, restaurantes, farmácias,
açougues e padarias. Ver : Coleção de leis do Estado do Maranhão, 1892-1893.
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que republicanos como Paula Duarte e Souzandrade acabaram no isolamento. O primeiro foi
para o Rio de Janeiro, onde faleceu alguns anos depois como funcionário público e o
segundo morreu pobre, vendendo pedras de sua quinta.
127
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 16, afirma que “captar o
fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa se manifesta naquele fenômeno, e
como ao mesmo tempo nele se esconde ... por isso a essência pode ser tão real quanto o fenômeno, e o
fenômeno tanto quanto a essência ...”
128
Nos meses referidos ocorreram greves de várias categorias de trabalhadores em São Luís. Os Jornais A
Cruzada e Pacotilha deram bastante relevo aos eventos no calor da hora.
129
MARQUES, Astolfo. 1913 Op. cit..
130
O termo sebastianismo é utilizado por Marques no sentido de monarquistas. Essa mesma expressão foi
também bastante utilizada na imprensa situacionista no início de 1892 para tentar desmoralizar a oposição
representada naquele momento, pelo Partido Republicano liderado por Costa Rodrigues, conforme será visto.
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Como o povo aparece nesse trabalho? Procurando demonstrar que no novo regime
político havia falta de democracia e ação exacerbada dos republicanos da capital e dos
dirigentes da Junta Governativa, o autor recorre ao massacre de 17 de novembro de 1889,
quando o “povo liberto”, insuflado pelos “monarquistas liberais”, começou a se aglomerar
já no dia 16, culminando com uma grande manifestação em que saíram em passeata pela
cidade no dia seguinte.131 O autor cita poucos nomes (alguns modificados), mas, dá uma
clara idéia de quem eram os participantes: estivadores, prensadores, operários,
embarcadiços, catreiros e pescadores aos quais outros vinham se juntar.
131
A narrativa do massacre de 17 de novembro de 1889, feita por MARQUES, Astolfo. Op. cit., p. 46-66,
corresponde ao descrito nos jornais da época: “O Globo”, de 18 e 21 de novembro de1889 e a Pacotilha, de 18
de novembro de 1889 e 3 de junho de1893.
132
MARQUES, Astolfo. Op. cit., p. 53.
133
Ver Pacotilha São Luís, 26 nov.1889, e também MARQUES, Astolfo. Op. cit., p. 91–92.
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forma extrema, prendendo e torturando aqueles que eram apontados como lideranças
daquele movimento, do que sincera adesão ao novo regime. A destruição do Pelourinho
usando como subterfúgio a justificativa de que era ali que os escravos recebiam uma parcela
de seus “merecimentos”, não levou em conta, segundo Marques, o significado histórico
daquela peça. De acordo com esse autor aquele pelourinho era um monumento da cidade
desde 1815 e pouco servira para açoitar os negros escravizados.
Assim sendo, de acordo com Marques134, parte do povo ludovicense não assistiu
“bestializado” a proclamação da República. Não importa aqui se a manifestação foi
promovida por incentivo de A ou B. O que importa é que houve uma manifestação popular,
embora anti-republicana. Não que os manifestantes fossem monarquistas convictos, apenas
não conseguiam conceber que aquela que lhes havia concedido a liberdade não os pudesse
governar – isso demonstra também que o discurso dos republicanos históricos era (ou virou)
apenas retórica para parte da sociedade, visto que não possuía credibilidade entre os libertos
do 13 de maio. Se estes não tinham consciência de que a liberdade não lhes fora concedida,
mas conquistada, é uma outra história.
Não se pode esquecer que o povo vivia a mercê dos grandes proprietários e
comerciantes, em um Estado voltado para os interesses de uma minoria. Moraes ao fazer a
crítica da sociedade de seu tempo assim se expressa:
A nata social é um composto de portugueses capitalistas e descendentes
dos cujos, e algumas famílias pobres e mal arrumadas que se curvam à
vontade suprema e por isso, ganham um pedacinho de bem aventurança ...
o artista é, aplicando a frase do poeta, a vítima imbele que o tufão
roubou.135
A imprensa política procurou durante esse período, retratar o povo de acordo com
seus projetos. Ora o apresenta como formado por cidadãos que devem ser respeitados, ora
como massa de manobra. O mesmo povo que se manifestou contra o novo regime antes que
fosse formada a Junta governativa - possivelmente incentivado pelos liberais que perderam
136
Ver A Cruzada, São Luís, 18 nov.1890.
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o poder137 – e por isso violentamente reprimido acusado de estar anarquizando um momento
tão glorioso, era visto também como uma massa completamente despolitizada, sendo
utilizado para dar credibilidade a certos atos políticos. É o caso, por exemplo, do golpe de
18 de dezembro de 1891, quando o governador Lourenço de Sá perdeu o poder para a
oposição como consequência da política adotada por Floriano Peixoto, que resolvera
substituir os governadores que aceitaram ou apoiaram o golpe de Estado proferido pelo
Presidente Deodoro, que fechou o Congresso e decretou estado de sítio, como será visto
adiante.
137
O poeta republicano Sousandrade ao escrever em “O Globo”, de 19 de novembro de1889, deixa
transparecer que os manifestantes foram induzidos ao ataque à redação do jornal: “Andam esses pescadores de
águas turvas mentindo aos cidadãos da áurea Lei de 13 de maio – que os republicanos os quer escravizar”.
138
Ver Pacotilha São Luís, 2 fev. 1892.
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Mourão, presidente da Câmara estadual) de má fé por informar ao presidente da República
que “o povo em massa havia organizado um batalhão patriótico para defender o governo”.
Segundo o jornal, a criação do batalhão teria sido definida por reunião, em palácio,
composta de sete autoridades “... para defender o Estado em qualquer situação de
emergência difficil” e que o povo jamais fora consultado.
De acordo com Carvalho, a República trouxe pouco de novo para a “ordem social e
política”, pois “O liberalismo já havia sido implantado pelo regime imperial em quase toda
sua extensão”.139 No aspecto político a República teria trazido como novidade “a franquia
eleitoral” ao “eliminar a exigência de renda, mantendo a de alfabetização”. Dessa forma,
segundo o autor, o novo regime acabou por criar a figura de “cidadão ativo” e “cidadão
inativo”. Vai mais além em sua crítica ao afirmar que se instalou no país “uma ordem
liberal, mas profundamente antidemocrática e resistente a esforço de democratização”. 140
Não cabe duvidar, aqui, que havia republicanos que visavam à implantação de um
regime democrático e, até certo ponto, popular. Sousândrade era um desses idealistas.
Assim que se organizou a intendência da capital, ele foi escolhido pelo governador Pedro
Tavares, como presidente da intendência de São Luís. Durante sua administração foram
fundadas várias escolas com a criação de treze novas cadeiras para as chamadas “escolas 21
de abril”, em homenagem a Tiradentes. O mesmo jornal publicou uma carta do cidadão
Raimundo da Silva Perdigão (de Monção) colocando-se à “disposição para dar aulas das
primeiras letras gratuitamente pois a causa republicana é prioritária”. 143 Em São Luís
circulou nota nos diversos jornais, no final de dezembro de 1889 e início de janeiro de
1890, divulgando a abertura de uma escola noturna para ensinar as primeiras letras, pois na
República era preciso que todos soubessem ler e escrever para se tornarem cidadãos.
142
Ver o Globo, São Luís, 22 nov. 1889.
143
Ver O Diário do Maranhão, São Luís, 1 jun. 1890.
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Capítulo 3
Também no Maranhão uma parcela dos republicanos históricos ficou desiludida com
a forma como o governo republicano estava sendo estruturado. Um dos mais antigos
membros do clube republicano de São Luís, Antônio Satiro de Farias, assim se expressou
em carta publicada em O Nacional:
“Hoje, cansado de luctas e ainda mais coberto de soffrimentos e
desgostos, que me tem arruinado physica e materialmente; aborrecido e
descrente não sei o que farei, pois sou um homem que se embriaga com a
cachaça política e um bêbado quando vê um copo, bate-lhe o coração; os
olhos querem saltar e a língua pega-se-lhe ao céu da boca!”.145
144
COSTA, Cruz. Pequena história da República. 2. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972, p.
46.
145
O Nacional, São Luís, 20 abr. 1892.
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Governativa, em 18 de novembro de 1889, tornou-se difícil encontrar monarquistas no
Maranhão – “os que permaneceram monarchistas se afastaram da vida pública”.146
Foram esses políticos que no final de 1890 e início de 1891 criaram os primeiros
partidos políticos de caráter estritamente estadual. Boa parte desses partidos tiveram vida
efêmera. Justifica-se sua curta existência tanto no Maranhão quanto no restante do Brasil,
devido as indefinições do primeiro ano do regime republicano (1889-1890). Havia, assim,
uma tensão que pressionava os atores políticos a esperarem por novos acontecimentos. Na
medida em que se espalhava a notícia de que a adesão ao novo regime era maciça, ex-
participantes dos extintos partidos monárquicos e republicanos históricos começaram a
organizar os novos partidos, agora com a possibilidade de não estarem mais sob o jugo dos
poderosos e tradicionais líderes dos partidos do regime monárquico.
146
Pacotilha, São Luís, 12 fev. 1890
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É importante ressaltar que durante a chamada República Velha não se conseguiu
organizar um partido republicano nacional.147 Durante o governo de Floriano Peixoto, o
paulista Francisco Glicério tentou organizar um partido de caráter federal/nacional, o que
provocaria a centralização das decisões em um partido único. Porém, para Floriano Peixoto
não era interessante a idéia de partido único pois acabaria por enfraquecer o poder do
presidente da República em detrimento do presidente do partido. Prudente de Moraes
também se opôs ao projeto de Francisco Glicério, por não achar conveniente “adotar uma
forma política que nos limites lhes tiraria o poder”.148 Por esta e outras razões posteriores
não foi possível criar um sistema partidário em que predominassem partidos de caráter
nacional. Assim, praticamente todos os partidos organizados do período eram estaduais, isto
é, atuavam especificamente dentro de um dos Estados-membros da nova federação, embora
obedecessem a orientações da capital federal.
147
BELLO, José Maria. História da República. 5. ed., São Paulo: Nacional, 1964, p. 148-164.
148
CARDOSO, Fernando Henrique. Op. cit., p. 46.
149
Partido Republicano, Partido Nacional, Partido Católico e Partido Constitucional.
150
REIS, Flávio A. Op. cit., p. 42.
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Essa proximidade entre liberais “pacotilheiros” de São Luís e republicanos históricos
do sertão maranhense fica mais evidente quando se comparam as cartas e os editoriais do
jornal contra o governo ou que questionavam artigos dos jornais ligados aos outros partidos.
Não se encontra, por exemplo, nenhuma carta de Izaac Martins publicada em outro jornal
que não a Pacotilha. A relação de proximidade entre esse jornal e os republicanos
sertanejos é também demonstrada quando chega a notícia do falecimento desse destacado
político do Alto Sertão, em agosto de 1898. O jornal abriu espaço para amplas
manifestações de pesar durante aproximadamente 15 dias, enquanto os jornais da situação
guardaram silêncio ou deram espaços mínimos para o fato. Todas as vezes que A Cruzada
ou o Nacional se referiam a Izaac Martins era em tom de crítica, visto que o consideravam
um oposicionista radical.
Aos poucos, durante os anos de 1890 e 1891, de acordo com o desenvolvimento das
práticas políticas e das decisões tomadas no Rio de Janeiro, foi sendo arquitetado e
estruturado o sistema partidário maranhense. Com relação à composição sócio-econômica
dos partidos políticos maranhenses, existe uma certa dificuldade para definição. Percebe-se
porém, que o mais popular deles era o Partido Republicano, agremiação composta
principalmente por pessoas ligadas ao mundo urbano, isto é, ao comércio, indústria,
profissões liberais e empregos públicos. Faltam porém dados empíricos sobre essa questão.
151
Segundo “O Nacional” de 30 de janeiro de 1892, seriam membros do diretòrio do Partido Federalista:
Benedito Leite (Funcionário Público), José F. Viveiros (capitalista) e Antônio J. de Lima Jr (proprietário),
oriundos do Partido Nacional; Casimiro Jr (jornalista), José Rodrigues Fernandes (médico) e Francisco Xavier
de Carvalho (comerciante), pelo Partido Constitucional; e Monsenhor Tolentino G. Mourão (clérigo),
Raimundo J. Ewerton Maia (advogado) e Luís Domingues.
152
Ver O Nacional, São Luís, 30 jan. 1892.
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Partido Federalista apregoa que “nossa força nos há de vir do povo, pois que o governo não
passa de um mandatário nosso, incumbido de levar a effeito as nossas determinações”.153
Ainda em junho de 1892 surgiu a primeira crise interna do Partido Federalista devido
ao afastamento de parte dos membros do antigo Partido Nacional, em função do retorno de
Gomes de Castro do Rio de Janeiro, pois não reconheciam Benedito Leite como chefe do
partido. Porém, após o compromisso dos federalistas de que Gomes de Castro teria uma
cadeira no senado, onde seria independente, essa “facção” ou dissidência volta a fazer parte
do Partido Federalista.154 Durante o período da dissidência o Partido Federalista perdeu o
controle do jornal O Nacional, que passou a atuar na oposição vindo a ser empastelado no
final de agosto de 1892. Assim, para que esse partido pudesse veicular suas idéias e
propagandear sua ação no governo foi criado o jornal de nome “ Federalista”, tendo entre
seus editores Benedito Leite e Urbano Santos. Em sua primeira edição foi publicado o
programa do partido constando as seguintes propostas:
Cooperar para que se torne uma verdade entre nós o systema federativo
concedendo aos estados maior somma de liberdade e não admitindo entre
elles outros vínculos que não os da solidariedade dos grandes interesses
da representação e da defeza no exterior;
“Dar aos municípios toda a autonomia na gestão de seus negócios ou em
todas as suas relações moraes e econômicas;
“Defender e garantir a liberdade do voto;
“Combater quaisquer privilégios ou distinções odiosas entre as classes
sociaes;
“Defender e garantir a todos os cidadãos a mais ampla liberdade em
matéria de religião.155
Nota-se que, de uma maneira geral, as divergências eram mais de caráter pessoal
(cada liderança procurava controlar a distribuição dos cargos públicos) do que motivados
por propostas voltadas para a construção da Res-pública. O projeto das elites mantinha-se o
mesmo do regime anterior: manutenção do sistema agroexportador e do status quo. Embora
o Partido Republicano e o Partido Federalista defendessem o federalismo, os republicanos
davam maior ênfase a questão da autonomia dos municípios, enquanto os federalistas
partiam da premissa de que ao estado caberia uma parcela maior de controle sobre a
arrecadação.
Assim, é possível afirmar que no primeiro ano de regime republicano o país viveu
uma certa anarquia institucional. Sobre a sociedade pairava o poder de um marechal que
governava por decretos, e sequer era republicano. Porém, foi nesse contexto que começaram
a ser gestados os novos partidos nos diversos Estados-membros da recente federação. Pode-
se dizer que à época das eleições para o Congresso Constituinte a situação partidária ainda
estava bastante indefinida, embora os membros dos antigos partidos monarquistas, agora
republicanos, já estivessem há algum tempo buscando alianças, tendo como base as velhas
dissidências. Pretendiam com isso criar canais e mecanismos que possibilitasse senão o
controle do Estado, ao menos dele participar e nele influir. No entanto, as alterações na
estrutura partidária levaram ao aparecimento de novas lideranças principalmente a partir das
dissidências já existentes. Isso quando não conseguiam acordar para a composição de um
novo partido em que esses atores tivessem certo destaque. Nesse sentido, os primeiros anos
de República em todas as unidades da nova federação foram não só de reestruturação
oligárquica (conforme se verá) mas, antes também, de reestruturação partidária.
Entre os anos de 1890 e 1894 realizaram-se vários pleitos eleitorais tanto para
representações locais (estadual e municipal) e federal (Constituinte e Congresso Nacional).
O primeiro deles ocorreu em setembro de 1890 com o objetivo de formar a Assembléia
Nacional Constituinte para a elaboração da nova constituição, agora de caráter republicano.
O que deveria se transformar em uma nova prática mostrou na realidade que pouco ou quase
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nada havia mudado tanto nas ações quanto na postura dos políticos maranhenses. As
práticas eleitorais do velho regime continuaram sendo aplicadas – fraudes, impedimento de
votos, desaparecimento de urnas, mesas de um único “partido” impedindo a manifestação
do voto, voto de bico de pena etc. – afinal, se a mudança de regime não foi acompanhada da
substituição dos atores políticos, não haveria porque ocorrer mudanças substanciais no
modo de fazer política. As denúncias veiculadas nos jornais deixam transparecer que havia
um descontentamento latente com relação às regras impostas pelo Governo Provisório.
158
MORAES, José Nascimento de. Op. cit., p. 124.
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(Católico, Constitucional e Nacional) se posicionaram contra e reivindicavam o retorno da
constitucionalidade e da legalidade ao país.
159
CARDOSO, Fernando Henrique. Op. cit., p. 40-43.
160
A Junta Provisória possuía a seguinte composição: Cel. Joaquim Manoel de Medeiros (comandante do 5º
Batalhão), Capitão-tenente Oton de Carvalho Bulhão (Armada), Benedito Leite (Partido nacional), Ewerton
Maia (Partido Católico) e Cunha Machado (Partido Constitucional).
161
Ver a Pacotilha, São Luís, 26 nov. 1891 e A Cruzada, São Luís, 27 nov. 1891.
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Entre os líderes desse movimento estavam Benedito Leite, do Partido Nacional;
Francisco da Cunha Machado, do Partido Constitucional; e Raymundo J. Ewerton Maia, do
Partido Católico. Embora os participantes do golpe local usassem como justificativa o fato
de que o governo deposto havia apoiado o ato anticonstitucional de Deodoro ao dissolver o
Congresso, o que fica patente é que estavam insatisfeitos com o governo de Lourenço de Sá.
Acusavam-no de praticar “pernambucada”, isto é, de ter preenchido a máquina
administrativa, em especial o Judiciário, com pernambucanos, preterindo os maranhenses.
162
Ver A Cruzada, São Luís, 18 nov. 1891.
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saiu às ruas em passeata (aproximadamente 3000 pessoas) exigindo a deposição de todo o
governo, representado naquele momento pelo 2º vice-governador, Agripino Azevedo (a
quem Lourenço de Sá entregara o governo). Logo após, a Junta de Governo 163 aclamou
como governador o Capitão-tenente Manoel Ignácio Belfort Vieira, que governara o
Maranh~~ao no final de 1890.164 Em mensagem ao Congresso Constituinte Estadual (1892)
o governador Belfort Vieira fez menção ao episódio da seguinte forma: “Pois que, as seis
horas da tarde do mesmo dia, diante do pronunciamento popular, teve [Agripino Azevedo]
de entregar o governo a uma 2ª junta de governo”.165 De acordo com os jornais um dos
principais motivos que teria levado Agripino Azevedo a aceitar a deposição foi a presença
em São Luís de um certo Tenente Machado, que afirmava ser representante do governo
federal em São Luís. Havia, de fato, um navio da Marinha ancorado na Praia Grande, bem
em frente ao palácio dos Leões, sede do governo estadual.
Foi na vila de Barra do Corda que ocorreram os ataques mais veementes contra o
movimento que derrubou o governo de Lourenço de Sá. Observe-se a seguinte declaração
da Intendência:
170
Ver a Pacotilha, São Luís, 25 jan. 1892.
171
Ver a Pacotilha, São Luís, 26 jan. 1892.
172
Ver a Pacotilha, São Luís, 2 mar. 1892.
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173
O manifesto de Izaac Martins protestando contra o golpe de 18 de dezembro de 1891 foi publicado na
edição do jornal Pacotilha, São Luís, 12 fev. 1892.
174
Ver a Pacotilha, São Luís, 12 fev. 1892.
175
O ofício de Izaac Martins enviado ao governador Belfort Vieira foi publicado pela Pacotilha de 15 de março
de 1892.
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Para que o Partido Federalista consolidasse seu poder era necessário que fosse
anulada toda e qualquer resistência, toda e qualquer oposição no estado. Como os
republicanos de Barra do Corda possuíam certa liderança no Alto Sertão, era importante que
o exemplo de Izaac Martins não fosse seguido. Por isso, era preciso que sua punição fosse
no mínimo exemplar, como de fato ocorreu, pois os atores políticos a ele ligados não
conseguiram ser eleitos para o legislativo estadual e federal nos dez primeiros anos de
República. Somente no início do século XX é que o primeiro republicano histórico
maranhense conseguiu espaço no legislativo federal: Dunshee de Abranches.177 Porém, fazia
muito tempo que ele vivia no Rio de Janeiro, trabalhando no Jornal do Brasil. Izaac Martins,
176
Para saber mais sobre essa querela entre Izaac Martins e Belfort Vieira consultar os seguintes jornais:
Pacotilha, na seguintes edições: 4 fev. 1892, 12 fev. 1892, 15 mar. 1892, 18 mar. !892, 30 mar. 1892, 31 mar.
1892, 1 abr. 1892, 26 abr. 1982, 22 jul. 1892, 10 set. 1892, 4dez. 1892, 13 ago. 1898 e O Nacional 16 mar.
1892.
177
De acordo com Joaquim Vieira da Luz, Dunshee de Abranches teria recebido por volta de 1896, o convite
de Benedito Leite, para preencher uma vaga como deputado federal. Porém não aceitou por respeito aos
amigos de Barra do Corda. Ver LUZ, Joaquim Vieira da. Op. cit.
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por exemplo, foi derrotado nas duas eleições em que saiu candidato: a primeira em 1896 e a
segunda em 1898, ano em que faleceu.
178
Ver Pacotilha, São Luís, 22 abr. 1892. Nessa edição o jornal trás cópia do manifesto que contou com 74
assinaturas.
179
Ver CARVALHO, José Murilo de. Federalismo e centralização no Império brasileiro: história e argumento.
In Pontos e Bordados. Belo Horizonte, UFMG, 1998, 168.
180
Sobre as razões que levaram o setor agroexportador a alçar a bandeira do federalismo ver: SOUSA, Maria
do Carmo Campello de O processo político partidário na Primeira República, In. MOTA, Carlos Guilherme,
Brasil em Perspectiva, São Paulo, 3ª edição, 1982, p. 164.
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o privava de benefícios “materiais e morais” necessários para o desenvolvimento da
região.181
181
Em editorial do primeiro número de O Norte, de Barra do Corda, o jornal fez duras críticas a falta de
retorno do impostos em forma de obras para a região. Ver em Anexo o editorial de 12 de novembro de 1888,
de O Norte.
182
Ver FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 444-451.
183
Ver SOUSA, Maria do Carmo Campello de. Op. cit., p. 164.
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184
Ver CARDOSO, Fernando Henrique. Op. cit., p. 42.
185
Ver SOUSA, Maria do Carmo Campello de. Op. cit., p. 175.
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A partir desse momento, com a união dos partidos que participaram do golpe
criando o poderoso Partido Federalista, teve início a reestruturação oligárquica. 186 A fusão
de “constitucionais”, “católicos” e “nacionais” criou as condições necessárias para que se
rediscutisse os dissensos anteriores à República e se redefinisse qual a participação das
antigas facções, agora organizadas em um único partido, na estrutura de poder que se
pretendia montar. Assim, as futuras eleições teriam como função específica dar
constitucionalidade às novas oligarquias que assumiram o poder.
Para que esse controle fosse possível era necessário que se fizesse uma ampla
reforma jurídico-política no estado do Maranhão, de tal maneira que a oposição fosse
excluída dos cargos de representação em um primeiro momento. A dissolução da
Assembléia Legislativa e a anulação da Constituição de 1891 foram os primeiros atos de
uma série que se seguiu. De imediato, era preciso definir como seria o jogo político, isto é,
quem possuía o controle do estado. O próximo passo foi convocar eleição para a elaboração
de uma nova Constituição. Entre os meses de março e maio de 1892realizou se a campanha
eleitoral, bem como foram definidas as regras para as eleições: voto em uma única chapa
para o poder executivo indicando o nome do candidato, profissão e residência; com relação
aos constituintes, cada partido deveria escolher as pessoas que fariam parte da chapa.
186
A maioria dos líderes políticos da República Velha no Maranhão nasceram na década de 50 e início da
década de 60 do século XIX: Costa Rodrigues (1853), Casimiro Júnior (1853), Manoel I. Belfort Vieira
(1857), Benedito P. Leite (1858), Urbano Santos (1859) e, Francisco da Cunha Machado (1860) . A renovação
se deu de forma bastante natural, pois a maioria dos líderes do período da monarquia faleceram ou se auto
exilaram.
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A primeira dificuldade enfrentada pelo partido foi a composição de uma chapa
de consenso para formar o novo governo, considerando que o Federalista era um partido
com muitos líderes.187 A aprovação da legislação eleitoral, bem como a definição da chapa,
gerou protestos dentro do próprio partido. Augusto O. Viveiros de Castro, em carta ao “O
Nacional” questiona a falta de representação das minorias, o que ia de encontro com as
idéias e propostas do Partido Nacional quando na oposição. Afirma, também, que a
legislação eleitoral não garantia que a autoridade do governo saísse do voto popular, pois o
governador aclamado, Belfort Vieira, era candidato. Segundo Viveiros de castro havia outro
fato agravante: o candidato a primeiro vice-governador, Casimiro Júnior, era primo do
pretendente ao cargo majoritário, (Belfort Vieira). Tal situação caracterizaria, segundo o
autor do protesto, a formação de uma oligarquia familiar no poder, “e as oligarchias são
sempre funestas à liberdade”.188
É remota a possibilidade de que tal circular tenha sido escrita pelos partidos que
faziam parte da coligação que deu origem ao Partido Federalista. Ao que tudo indica foi
mais uma arma da oposição contra a situação. Somente os oposicionistas ligados a Costa
Rodrigues chamavam o governador Belfort Vieira de “aclamado”. Embora não se saiba a
autoria o documento diz muito sobre como funcionavam e funcionariam as eleições durante
a República Velha. O controle das mesas eleitorais pelo partido do governo era quase que
total.
192
Ver a Pacotilha, São Luís, 1 mar. 1892.
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Não por acaso, eram constantes os ataques do Partido Republicano acusando a
situação federalista de estar usando a máquina administrativa para comprar ou cooptar os
eleitores. A distribuição de cargos era um mecanismo de largo uso entre os políticos
maranhenses desse período. Predominava o uso clientelista do Estado. Embora a presença
do coronel fosse fundamental para que a situação saísse vitoriosa nas eleições desse período,
ele não possuía o controle das funções públicas. Nesse caso fazia-se necessário a
interferência do próprio governo ou de políticos a ele ligados para que acontecesse a
distribuição dos cargos públicos.193 Faoro também considera que “O coronel fazia política e
complementava a administração pública, no âmbito municipal, dentro do partido...”. Para o
autor havia “uma ‘troca de proveitos’ entre o chefe político e o governo estadual, com o
atendimento, por parte daquele, dos interesses e reivindicações do eleitorado rural”.194
193
Ver CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual. In
Pontos e Bordados, Belo Horizonte, UFMG, 1998, P. 132 e 135.
194
FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 631.
195
MORAES, José Nascimento de. Op. cit., p. 51.
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Sob esse ângulo, a República manteve uma série de práticas políticas clientelísticas
do período imperial. Se partirmos do pressuposto de que o setor de serviços quase que
inexistia, restava à população, em especial à classe média, apegar-se ao Estado, pois este era
o maior empregador.196 Consequentemente, a alternância de partidos no poder durante o
Império possibilitava que a cada gabinete houvesse a substituição de boa parte dos
funcionários da administração pública (degola). Na República ocorrem alterações, pois, com
a reestruturação oligárquica, há uma certa permanência de determinado grupo político no
poder estadual e municipal.
Havia porém, por parte de certa parcela dos republicanos históricos, o desejo de que
essa situação deixasse de existir; pretendiam que o Estado estivesse voltado para os
interesses do povo, isto é, que se efetivasse a separação entre o público e o privado. Paula
Duarte em editorial do “Globo”, além de fazer uma série de questionamentos sobre a relação
que se estabeleceu entre os partidos e a administração pública imperial, afirma que essas
relações clientelistas “em verdade nada mais fizeram do que armazenar os pesares do povo”.
Para ele, com a “revolução”, esse tipo de prática política desaparecerá, já que foi por
“conseqüência dos erros cometidos” que o Império desmoronou197. Além de Paula Duarte,
outros republicanos também se preocupavam com o problema da moral nos tempos da
republica. Sousândrade, por exemplo, não conseguindo pactuar com as mazelas do novo
regime, se auto-exilou. Já os republicanos do Sertão se mantiveram atentos e na expectativa
de que a República expandisse os direitos civis e políticos da população.
196
Os trabalhos referentes as instalações do parque fabril de São Luís e Caxias, das décadas de 80 e 90 do
século não trazem dados referentes ao número de operários,
197
Ver O Globo, São Luís, 10 dez. 1889.
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Liberais. E como tal era preciso impedi-los de chegar ao poder; já os liberais dissidentes
questionavam a autoridade a liderança de Costa Rodrigues, que assumiu a chefia do Partido
após a Proclamação da República devido ao afastamento de Felipe Franco de Sá,
monarquista convicto.
198
É importante pontuar que tanto a primeira Assembléia Constituinte quanto a segunda, após o encerramento
dos trabalhos e promulgação das respectivas constituições estaduais, foram transfor,madas em Assembléias
Legislativas
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Assembléia Legislativa, sobre o governo de Cunha Martins, 2º vice governador (30/ 11/
1892 a 27/ 10/ 1893).
O que se percebe é que não havia empecilho algum por parte dos federalistas ao
poder adquirido pelo monsenhor. A oposição procurou desmoralizar sua participação nas
atividades públicas tendo como base o programa do Partido Católico, que se propõe, entre
outras coisas, suprimir o casamento civil obrigatório; abolir as leis da mão morta; tornar
199
As edições do final de agosto e início de setembro de 1893 são riquíssima sobre essa questão do poder
clerical no governo maranhense tendo como base de toda a polêmica a presença de Monsenhor Mourão por
sua postura centralizadora e, até certo ponto, autoritária.
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ficaria. Monsenhor Mourão praticava, então, aquilo que Carvalho chama de ‘mandonismo’,
isto é, ele é o “mandão, o potentado, o chefe, (...) aquele que, em função do controle de
algum recurso estratégico...”200 exerce certo domínio sobre a população.
200
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Rio de
Janeiro, Revista Dados, nº 40, 1977, p. 131.
201
Partido Republicano: Costa Rodrigues e Crhistiano Cruz (reeleitos); Partido Federalista: Benedito Leite,
Luís Domingues, Casimiro Dias Júnior (reeleitos), Antônio E. de Berredo e Gustavo Collaço Veras (eleitos).
Para a terceira legislatura a oposição não conseguiu fazer nenhum representante. Ver REIS, Flávio A. Op. cit.,
anexo VII, p. 219.
202
Ver Pacotilha, São Luís, 13 mar. 1894.
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Todos esse jornais defendiam posições bem precisas. Eram órgãos voltados para a
propaganda político-partidária. No período em questão, o mais comum era os embates
envolvendo a Pacotilha e A Cruzada, ou, O Nacional e a Pacotilha. Por vezes, os conflitos
levaram ao apedrejamento ou empastelamento de jornais. É o caso de A Luta, A Cruzada e
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de O Nacional, todos atacados por seus rivais, quando estes estavam no exercício do poder e
não poupavam esforços para que deixassem de veicular suas posições bem como os ataques
ásperos e contundentes à situação.203 De acordo com Moraes, que nos idos da segunda
década do século vinte atuou como cronista em vários jornais, a imprensa a seu tempo é
quase sempre partidária, ou ataca com violência e não raramente com
virulência, sem distinguir o homem do político, ou no exagero do elogio se
empenha a rédea solta. Se conveniência da politicagem sobrevêm, ela se
firma incolor e incaracterística.204
203
No caso de A Cruzada a situação se diferencia, pois a tentativa de empastelamento se deu no auge das
críticas proferidas contra o governo de Lourenço de Sá. Na verdade não houve empastelamento, mas
suspensão de suas atividades a mando do governo justificando que o jornal estaria pondo em risco a
tranqüilidade pública. A Pacotilha, embora apoiasse o governo, afirmava ser essa atitude um ato perigoso,
“pois atacar a liberdade é commetter um crime”; depois justifica a ação do governo afirmando que no caso a
decisão fora acertada pois visa reprimir a violência. . Mesmo assim o jornal continuou a circular com o nome
de “Cruzeiro”. A partir de 24 de novembro volta a circular com o nome anterior. Ver A Cruzada de 19 de
novembro de 1891; O Cruzeiro de 23 de novembro1891 e a Pacotilha de 20 e 22 de novembro de 1891.
204
MORAES, José Nascimento de. Op. cit., p. 43.
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organização de chapa completa para o Executivo, em que nas cédulas deveriam constar os
nomes de todos os candidatos de acordo com o número de vagas disponíveis. A eleição com
“lista completa” tinha como objetivo garantir a “recomposição oligárquica”. Através desses
mecanismo procuravam impedir que os coronéis das localidades e dos distritos pertencentes
à oposição saíssem vitoriosos. Assim, o legislativo estadual seria preenchido apenas pelos
governistas, possibilitando inclusive a interferência nas eleições municipais.205
No que concerne ao Executivo estadual, também foram feitas uma série de manobras
visando a seu fortalecimento. Com relação ao Judiciário a Constituição previa, entre outras
coisas, a irremovibilidade dos juízes municipais, a não ser a pedido; no caso dos juízes do
Superior Tribunal era previsto que “serão nomeados pelo governador dentre os Juízes de
Direito pela ordem de antigüidade”.207 Essa situação também foi modificada através do
artigo 8 da reforma da Constituição do Estado do Maranhão de 9 de maio de 1904,
205
Ver REIS, Flávio A. Op. cit., p. 52.
206
Id. Ibid., p. 53-54.
207
Constituição do Estado do Maranhão de 1892, art.72.
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possibilitando que aumentasse a margem de escolha dos juízes e membros do Supremo
Tribunal de Justiça pelo governador.208
208
REIS, Flávio A. Op. cit., p.54-55
209
Durante a eleição para deputado federal ocorrida no final de 1892 os membros do Partido Republicano se
rebelaram e invadiram a casa do mesário e presidente da Câmara municipal para tomar o livro com a relação
dos eleitores, pois, segundo eles a ata da eleição havia sido falsificada. Aproveitaram também para depor os
intendentes, elegendo outros para os cargos, pois consideravam que as eleições ocorridas em novembro
daquele ano fora forjada pelos federalistas. O governo do Estado enviou força policial para a vila e os líderes
(a maioria composta de republicanos históricos) foram presos. Conseguiram um Habeas Corpus, mas este não
foi respeitado pelo delegado.
210
Ver a Pacotilha, São Luís, 10 ago. 1893.
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Esses episódios são importantes, pois mostram que havia uma luta intestina no
Partido Federalista. A disputa pela liderança do partido prolongou-se por todo o ano de
211
Ainda em 1892, logo após a promulgação da nova constituição estadual, a Assembléia Legislativa resolveu
alterar esse artigo através do substitutivo do deputado Aristides Coelho. A discussão desse substitutivo se
encontra em A Cruzada de 26 de agosto de1892.
212
Ver Constituição Estadual do Maranhão de 1892 e Reforma da Constituição Estadual de 1904.
213
Checando a relação dos deputados dissidentes constatamos que a maioria fazia parte do Partido
Constitucional. Ao se colocarem em oposição ao governo estavam apenas seguindo seus líderes. Ver Diário
de Notícias, 8 mai.1893.
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1894. Aos poucos, porém, a figura política de Benedito Leite foi suplantando a dos demais,
impondo a todos através de conluios e conchavos, os nomes chaves para os cargos de
representação e funções administrativas tanto estadual como federal no Maranhão. De tal
maneira que, primeiro enquanto deputado federal (1892 – 1896) e depois como senador da
República (1896 – 1906) e, por fim, como governador (1906 – 1909) ele foi costurando as
teias do poder de forma que sua autoridade passou a ser respeitada por todos os Membros do
Partido Fedreralista. Porém, é preciso deixar bem claro, que não se conseguiu detectar em
nenhum momento alguma discussão pela imprensa que transparecesse a idéia de um projeto
de República, no âmbito nacional ou estadual, tanto por parte dos federalistas quanto dos
‘republicanos’, ao contrário dos chamados “históricos”, que tinham suas propostas, mesmo
que fossem românticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Propôs-se no início dessa dissertação mapear a organização dos clubes
republicanos no Maranhão, bem como a gênese da reestruturação oligárquica ocorrida nos
primeiros anos da consolidação do regime republicano. Partiu-se da hipótese de que havia
no Maranhão um movimento de propaganda republicana organizado (principalmente no
Alto Sertão) e articulado através de dois diretórios centrais. No entanto, com a instauração
do regime republicano, os republicanos históricos não conseguiram se apossar da máquina
administrativa do estado.
Além das questões ligadas especificamente aos sertanejos, foi necessário estender
também o olhar sobre a situação dos partidos políticos maranhenses no final do Império.
Ficou evidente que tanto o Partido Liberal quanto o Partido Conservador possuíam
problemas internos e por isso ambos estavam divididos em duas grandes alas. O Partido
Conservador, mais estável, dividia-se em ‘castristas’ (liderada pelo senador Gomes de
Castro) e maísta (liderada por Silva Maia). Já o Partido Liberal estava dividido em duas
grandes dissidências: a ‘Salista’ e a ‘marcelinista’, além de várias pequenas dissidências
espalhadas por toda a província. As pesquisas indicaram que parte dos clubes republicanos
surgiram no bojo dessas dissidências do Partido Liberal. Entre esses clubes destacam-se o
liderado pelo juiz municipal Izaac Martins, de Barra do Corda e o clube de São Luís,
liderado pelo advogado Paula Duarte.
Essa fragmentação partidária nos dois primeiros anos de República pode ser
considerada como normal se se considerar que o momento histórico era bastante indefinido.
Para que a nova oligarquia que estava sendo forjada assumisse o poder e passasse a
administrar o estado, seria necessário redefinir as forças políticas. Para isso era importante
que se criasse partidos que possuíssem certa estabilidade e seus dirigentes fossem
respeitados. O acontecimento central que possibilitou esse rearranjo político partidário,
tanto em nível nacional quanto local, foi a dissolução do Congresso Nacional pelo
presidente Deodoro da Fonseca e o retorno da constitucionalidade promovido pelo vice-
presidente Floriano Peixoto. No bojo desses fatos ocorreu o golpe de Estado impetrado por
‘nacionais’, ‘católicos’ e ‘constitucionais’ possibilitando a formação de um partido capaz de
fazer frente ao Partido Republicano, isto é, o Partido Federalista.
Com a ascensão dos federalistas ao poder a partir de 1892, uma série de reformas
políticas foram empreendidas visando impedir que os republicanos voltassem a controlar a
máquina administrativa do estado. Entre as reformas aludidas as mais importantes foram:
elaboração de uma Constituição Estadual mais centralizadora; reforma judiciária
possibilitando ao governo do estado maior controle sobre a nomeação dos juízes; alteração
no regimento da Assembléia Legislativa no sentido de dificultar os vetos do Legislativo aos
projetos do Executivo; e a elaboração da Lei Orgânica dos Municípios, com o objetivo de
controlar as eleições municipais e os tributos.
A partir de 1894 o grupo de Benedito Leite passou a controlar a maior parte dos
cargos de confiança dentro do Estado do Maranhão. Além disso, a legislação eleitoral, ao
impor chapa única, praticamente impedia a oposição ‘costista’ de conquistar mandatos de
106
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a
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de
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representação estadual. Devido a impossibilidade do Partido Republicano alcançar os cargos
de representação, o Partido Federalista passou a governar tendo como oposição apenas os
jornais Pacotilha e Diário de Notícias. A oposição feita pelo jornal dos republicanos era
considerável. O jornal fazia constantes campanhas contra a ‘turma do Biné’, apelido pelo
qual Benedito Leite era conhecido. Mesmo com um dos principais órgãos da imprensa
diária contra, o Partido Federalista conseguiu se impor politicamente, mesmo após a morte
de Benedito Leite, em 1909.
ANEXOS
Documento nº1
Manifesto do club republicano da villa de Picos *
Concidadãos,
Documento nº2
Manifesto republicano de São José dos Mattões*
Documento nº3
Manifesto Republicano Carolinense de eleitores*
“De 1822 até hoje temos experiência bastante para reconhecer a impossibilidade da
monarchia brazileira na solução do grande problema que envolve o engrandecimento moral
e material da nação.
A mais simples consideração nos leva a evidência que a independência e o progresso
são incompatíveis com a realeza no Império do Brasil, attenta a absorpção total dos
rendimentos do paiz.
Baseados nesse princípio inconcurso de liberdade, que exprime com admirável
exactidão todas as nossas necessidades, todos os nossos desejos numa palavra a grandeza
completa de nossa pátria, e acompanhando esse brado ingente que se faz ouvir do
Amazonas, do Rio Grande do Sul e do Atlântico dos extremos de Goyaz e Matto Grosso,
para evitarmos o crime de leza nação, nós os carolinenses deixamos as fileiras dos partidos
liberal e conservador, a que pertencíamos aceitamos desde já o programa do Centro
Republicano da Corte pelo que pomos a disposição de todo o Partido Republicano do
Império nossa adhesão, os nossos votos.
É pois tempo brazileiros, de darmos o passo para avante. Não há esmorecer, uma
constância a par da verdadeira dedicação nos trará em breve com a República Sul-
Americana, a luz do progresso material e moral do nosso querido Brazil. Não recueis
comarcas do 6º districto.
Viva a República Federativa brazileira!
Carolina, 7 de fevereiro de 1889.
117
Documento nº4
Editorial de “O Norte” de Barra do Corda – Ano 1, n 1*
“O título que toma um jornal deve exprimir a síntese das idéias que constituem o seu
programa.
Sob este ponto de vista, Democrata ou Republicano, deveriam ser palavras que
encimassem o nosso pequeno jornal. Ele é do povo, para o povo e pelo povo.
Mas uma circunstância de pouca importância privou-nos de batizal-o com o nome, que
mais analogia tem com o seu fim.
“Q Norte” foi o nome que tomamos para esta folha. Escolhendo este título não
tivemos em o valor e a importância que goza esta palavra na linguagem náutica ou no estudo
das ciências cosmográficas; mas fomos determinados por outro motivo.
Somos filhos d’esta parte do Império, que não participa da natureza do todo que tem
deveres e não tem direitos correlativos; que paga pesado imposto, concorre com grandes
somas para o Tesouro Público, mas a que toca a mínima fatia na divisão do bolo
orçamentário; que vegeta ahi das migalhas que sobejam as suas irmãs queridas do sul.
Somos “nortistas” e isso explica o motivo de nossa escolha.
Somo inimigos dos programas e dos systemas, daqueles por que são as mais das vezes
promessas vans, e destes por que tolhem o passo ao estudo e quase sempre assentam em uma
base estrita ou falsa. Nada obstante sujeitamo-nos à praxe de dar um programa para cada
coisa, para uma festa, para um jornal, para um partido, para um ministério, etc.
Ahí vai, pois, o nosso “programa sistematisado” que esperamos seja mais bem
cumprido do que nossos partidos e ministérios cumprem os seus.
“O Norte” não tem a pretensão de ser um jornal ilustrado, literário, científico e
político. Nascido em um meio rude e agreste falará alinguagem de todos. Do povo por este
sustentado defenderá com coragem, energia, dedicação, e lealdade os seus direitos e legítimos
interesses. Será uma válvula a suas queixas, uma atalaia vigilantes de sua liberdade.
Em política será francamente dedicado as idéias democráticas, guardando o respeito
mútuo que deve haver entre os partidos constituídos, quer no terreno das idéias, quer em suas
manifestações práticas.
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O seu final é a liberdade em toda sua extensão e compreensão, com uma única
restricção, a que lhe é imposta pela razão e pela lei.
Defenderá a liberdade do trabalho aplicado à lavoura, ao comércio e a indústria,
protestando sempre contra a faculdade de decretar impostos, quando estes não forem
rigorosamente necessários aos legítimos interesses da coletividade.
Defenderá a liberdade da consciência do pensamento e da palavra em todas as usas
lícitas manifestações uma vez que esta nobilíssima faculdade humana seja acompanhada da
secularíssima responsabilidade.
Defenderá a liberdade política para que a par da ordem e do respeito devido às nossas
instituições se vá operando uma revolução pacífica e profunda; nos homens, nas coisas e nas
nossas próprias instituições, que tanto se ressentem da falta de um verdadeiro cunho de
moralidade e progresso.
Defenderá a liberdade de ensino, combatendo a ignorância e o pretenso direito de nada
aprender.
Defenderá a igualdade entre os homens, combatendo os preconceitos que nascem de
circunstâncias meramente acidentares, mostrando que entre o branco e preto, o mulato e o
mestiço, o rico e o pobre, o nobre e o plebeu, o sábio e o ignorante nenhuma diferença
essencial existe, senão a dos merecimentos, que conquistam o trabalho, o estudo, a
honestidade e a virtude; e provando que sendo todos os homens indivíduos a mesma espécie,
effeitos da mesma causa, filhos do mesmo pai, tem a mesma natureza, gozam das msmas
faculdades, tem o mesmo fim, e por isso são especificamente iguais.
Não deixará nunca a altura dos princípios para descer às individualidades.
Combaterá os erros, os defeitos e os crimes, amando sempre ao homem.
Em matéria de religião guardará sempre o mais profundo e respeitos silêncio. Em fim.
“O Norte” será um incansável lidador em prol dos mais vitais interesses desta zona da
Província, chamando sempre a atenção do governo para tudo o que for útil aos seus
habitantes quer se trate da pública administração, quer se trate de melhoramentos materiais
para o comércio e a lavoura, como limpeza e desobstrução de rios, abertura de estradas, e quer
se trate de melhoramentos morais, como criação de escolas, catequese de índios e outras
medidas que tendam a elevar o povo a altura de culto e civilizado”.
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