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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

O MOVIMENTO REPUBLICANO E A GÊNESE DA REESTRUTURAÇÃO


OLIGÁRQUICA NO MARANHÃO (1888-1894)

Luiz Alberto Ferreira


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RECIFE

2002
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

O MOVIMENTO REPUBLICANO E A GÊNESE DA REESTRUTURAÇÃO


OLIGÁRQUICA NO MARANHÃO (1888-1894)

Luiz Alberto Ferreira

Dissertação apresentada ao curso de


Mestrado da Universidade Federal de
Pernambuco/UFPE, na área de História
do Brasil, para obtenção título de mestre
em História

Orientador: Prof. Dr. Marc Jay Hoffnagel


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RECIFE

2002

O MOVIMENTO REPUBLICANO E A GÊNESE DA REESTRUTURAÇÃO


OLIGÁRQUICA NO MARANHÃO (1888-1894)

Luiz Alberto Ferreira

Aprovado em: / / .

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________
Marc Jay Hoffnagel
(Prof. Orientador)

_________________________________________________
(1º Examinador)
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(2º Examinador)
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Para minha Mãe, Neusa de Almeida Ferreira,


que “partiu para nunca mais voltar... dessa
estação”, legando-nos exemplo de
humanidade e autenticidade, e a meu pai
que encontrou razões novas para lutar.
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AGRADECIMENTOS

Se tivesse que classificar em apenas uma palavra o que representou esse trabalho,
classificaria-o como “parimento”, um não, mas três partos e uma partida: o próprio
trabalho, as filhas Isabel e Eloísa e minha saudosa mãe Neusa, que navega em outras águas
“d’além mar”. Uma dor e três prazeres.
Foram quase três anos mergulhados até o pescoço no encalço do resultado que ora se
apresenta ainda inacabado. Porém, foi o que se conseguiu fazer diante de todos os atropelos
da conjuntura pessoal e da carência completa de infra estrutura por parte dos órgãos aos
quais a Academia é vinculada.
A pesquisa começou no final de 1998, quando da elaboração do projeto. Como era
recém-chegado ao Maranhão e leigo na história de seu povo, procurar um objeto de estudo
era como encontrar uma agulha em um paiol. O que possibilitou a escolha do tema “clubes
republicanos” foi o contato com alguns professores da UFMA, iniciado em meados de 1998
em função do concurso público ali ocorrido. O tempo, aliado ao descaso governamental com
a educação pública no país, impediu que a vaga fosse preenchida.
Durante esses três anos tornei-me um endividado. São tantos os favores
devidos a um conjunto de pessoas que receio nomeá-las e ficar em falta com alguém.
Mesmo assim, atrevo-me a citar algumas que estiveram presentes tanto dando apoio afetivo
quanto logístico. Incluem nessa situação inicialmente, Regina Faria e Sílvia Cortez. No caso
de Regina a dívida é, sem dúvida, incalculável, pois além de permitir que abusasse de sua
bondade ao pedir-lhe inúmeros livros emprestados, auxiliou efetivamente fazendo correções
e rearranjos através de seu olhar “mágico”. Sílvia Cortez, sempre solícita, ouviu muitas de
minhas lamúrias nas horas de desânimo, persuadindo-me para que não desistisse – doces
como “doce de batata doce” essas duas Além disso, não teria sido possível concluir esse
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curso sem a compreensão de meus companheiros de trabalho e da direção da Escola
Caminho das Estrelas.
Menção especial deve ser feita à companheira de
todas as horas e que sofreu literalmente comigo todos os
partos citados, sendo inclusive atora principal em dois deles.
Sílvia, além de sua paciência e serenidade confortante nos
meus momentos de dores, dispôs-se a ler e fazer algumas
correções ortográficas enquanto amamentava Eloísa e Isabel
– uma guerreira!
Agradeço também a todos os companheiros de curso pelos bons momentos de
discussão – pena que tão poucos devido ao fato de participarmos de um curso atípico e a
maioria estar “laborando”. Quanto aos professores do curso, fica o carinho com que fomos
tratados, pois nos poucos momentos que ficaram conosco demonstraram companheirismo
camaradagem e profissionalismo a toda prova.
Menção, também especial, à direção e aos funcionários da Biblioteca Pública, em
particular ao setor de periódicos, pelo carinho e atenção dispensadas durante todo o período
em que foi feito o levantamento dos dados. No outro ponto da estrada encontra-se Luciane,
que procurou, dentro das limitações de sua função (as vezes indo além), fazer de tudo para
que pudéssemos alcançar nosso objetivo.
É importante também que se diga que as dificuldades de se fazer o mestrado em
história teriam sido maiores não fosse o diálogo estabelecido entre a UFPE e a UFMA,
possibilitando as condições para que se viabilizasse esse curso que ora se encerra.
Agradeço, por fim, a meu orientador, Professor doutor Marc Jay Hoffnagel,
pelas críticas feitas aos textos, pela paciência com seu orientando e por inúmeros
questionamentos objetivando melhorar a qualidade da pesquisa e do texto. É preciso que se
deixe claro que todas as afirmações contidas nesse trabalho são de minha responsabilidade.
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RESUMO

O trabalho ora apresentado tem como temas centrais o movimento de propaganda


republicana e a gênese da reestruturação oligárquica no Maranhão. Partiu-se, em um
primeiro momento, da hipótese de que havia um movimento republicano organizado através
de clubes e diretórios, principalmente no Alto Sertão maranhense, contrapondo dessa forma
com parte da historiografia local e nacional. Embora os clubes e diretórios republicanos
tenham sido criados após a lei Áurea, tal fato não justifica a afirmativa de que não houve
movimento republicano no Maranhão, pois os jornais do período (1888-1894) confirmam a
existência de inúmeros deles organizados, principalmente no Alto Sertão, interligados ao
diretório de Barra do Corda, que recebia orientações do Partido Republicano com sede no
Rio de Janeiro. Em um segundo momento levantou-se a questão da reestruturação
oligárquica ocorrida após a proclamação da República, partindo-se da hipótese de que
mesmo havendo movimento republicano organizado, não foi possível aos republicanos
históricos controlarem a máquina estatal existente, visto que, além de serem atores políticos
de pouca proeminência, eram também numericamente insuficientes. Nos primeiros anos do
regime republicano (1889-1894), ocorreu um rearranjo político-partidário das elites
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dominantes do período imperial, possibilitando que as gerações mais novas, ligadas aos
partidos Liberal e Conservador, assumissem o poder. A exclusão dos republicanos históricos
se deu a partir da criação do Partido Federalista, fruto da fusão dos partidos Católico,
Nacional e Constitucional, que viabilizou as condições necessárias para que o grupo ligado
a Benedito Pereira Leite controlasse o aparato político e administrativo do Estado do
Maranhão, nele permanecendo durante toda a República Velha.

SUMMARY

This work presents as the main themes the movement of the republican propaganda and the
origin of the oligarchic restruction in Maranhão. It started, at first, from the hypothesis that
there was a republican movement organized through clubs and directories, mainly in the
high interland of Maranhão, in contraposition to part of the local and national
historiography, which affirms that there wasn't an organized republican movement in the
province. Although the republican clubs and directories had been created after the Golden
Law, such fact doesn't justify the affirmative that there wasn't a republican movement in
Maranhão. The newspapers of the period (1888-1894) confirm the existence of innumerable
republican clubs, mainly in the high interland, interlaced to the Barra do Corda's directory,
which received orientation from the Republican Party with headquarters in Rio de Janeiro,
in addition to the São Luís' directory. At a second moment, the question of the oligarchic
restruction which occurred after the Proclamation of the Republic was raised. It started from
the hypothesis that, although there was an organized republican movement, it wasn't
possible to the historic republicans to control the existing state machine, once, they were
political actors of little prominence, they were numerically insufficient. In the first years of
the republican regime (1889-1894), a political-partisan rearrangement of the dominant elite
of the empire period happened, making possible to the newer generations, joined to the
Liberal and Conservative parties, to assume the government. The historic republicans'
exclusion was a result of the creation of the mighty Federalist Party, a fusion fruit of the
Catholic, National and Constitutional parties that made viable the necessary conditions so
that the group joined to Benedito Pereira Leite could control the political and administrative
apparatus of the state of Maranhão for all the Old Republic.
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 01

CAPÍTULO I - DA CRISE ECONÔMICA À CRISE POLÍTICA: O MARANHÃO NA


SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX ..................................................................... 06
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1.1 Agroexportação e crise .................................................................................................. 07


1.2 A pecuária e o sertão maranhense................................................................................ 13
1.3 As relações de poder no final do Império..................................................................... 21

CAPÍTULO II - DA PROPAGANDA À PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA (1888-


1889) .................................................................................................................................... 27

2.1 Abolição e República ................................................................................................... 28


2.2 O sertão e a idéia de República ................................................................................... 33
2.3 Os clubes: três casos .................................................................................................... 38
2.4 O movimento ganha corpo ........................................................................................... 42
2.5 A proclamação da República no Maranhão .................................................................. 45
2.6 A junta e o povo .......................................................................................................... 51

CAPÍTULO III - A GÊNESE DA REESTRUTURAÇÃO OLIGÁRQUICA:


QUERELAS E INTRIGAS NAS TRAMAS DOS NOVOS PARTIDOS ..................... 60

3.1 Partidos e eleições........................................................................................................... 62


3.2 Velhas práticas políticas em novo regime I.................................................................... 68
3.3 Uma voz clama no deserto: a reação do alto sertão ...................................................... 73
3.4 Velhas práticas políticas em novo regime II ................................................................. 78
3.5 O cerco começa a fechar: centralismo oligárquico ........................................................ 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 93

ANEXOS ............................................................................................................................. 97

Documento 1
Manifesto Republicano do Club de Picos ........................................................................... 97

Documento 2
Manifesto republicano de São José dos Mattões ............................................................... 103
Documento 3
Manifesto republicano carolinense .................................................................................... 105
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Documento 4
Editorial de O Norte, de Barra do Corda – Ano 1, nº1. .................................................... 107

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 109


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INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata do movimento republicano no Maranhão.O interesse por


esta temática foi motivado pela leitura de George C. A. Boehrer, “Da Monarquia à
República”, que faz um minucioso levantamento do movimento republicano em todo o
Brasil. Dedicando a maior parte de suas atenções ao Sul e Sudeste, Boehrer escreveu umas
poucas linhas sobre o Maranhão afirmando que ali não houve movimento republicano
articulado, existindo tão somente três clubes republicanos em Cururupu, Caxias e São Luís:
A situação melhorou depois, segundo parece, pois no fim de 1888, havia
na província três clubes, um em São Luís, a capital da província, um em
Cururupu, O Clube Tiradentes, e outro em Caxias. O clube de Cururupu,
fundado em maio de 1887....1

A historiografia regional é exígua em relação ao tema. O trabalho mais recuado a


que se teve acesso é de Barbosa de Godóis, político liberal, jornalista e contemporâneo dos
vários acontecimentos narrados neste estudo. Este autor também defende serem os
republicanos do Maranhão um reduzido número de pessoas “n’uma terra em que não
passavam de uma dusia” e com pouca expressão política.2

Outro autor que observou e até participou nos eventos relatados neste estudo foi
Dunshee de Abranches. Em seu livro “A Esfinge do Grajaú”, escrito no decênio de 1930,
narra a fundação do clube republicano de Barra do Corda. 3 Na medida em que descreve sua

1
BOHERER, George C. A. Da Monarquia à República: (1870-1889). Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Cultura, 1958. p. 169.

2
GODÓIS, Antônio B. B. de. História do Maranhão. S. Luís: Tip. Ramos D’Almeida e Cia. 1904. 2.v., p.
542.
3
Em 1895, Dunshee de Abranches escreveu “Memórias de um histórico”, publicado no Rio de Janeiro pela
Officina de obras do Jornal do Brasil, em dois volumes. O primeiro volume refere-se ao movimento
republicano (e seus principais expoentes) em âmbito nacional, concluindo com o relato fuzilamento de libertos
que faziam uma manifestação contra a República, em frente do prédio onde funcionava o jornal do principal
líder republicano de São Luís do Maranhão (Francisco de Paula Belfort Duarte); isto leva a pensar que novos
fatos seriam relatados no segundo volume, inexistente nos acervos públicos de nossa cidade.
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“aventura” enquanto promotor público, o autor vai ressaltando os atores políticos do período
e junto com eles parte da história local. Devido à ausência de outros trabalhos e de não
existir até o momento nenhuma pesquisa monográfica sobre a propaganda republicana, “A
Esfinge do Grajaú” acabou por se tornar uma referência obrigatória sobre o movimento
republicano no Maranhão.

Em tempos mais recentes, Mário M. Meireles, escreveu “O Maranhão e a


República”, pequena brochura em que o autor faz uma síntese sobre o assunto, tendo como
base os citados trabalhos de Abranches e de Godóis. Meireles inova ao fazer um rápido
histórico sobre a idéia de república no Maranhão, desde a independência política do Brasil.

As experiências (fatos e informações) relatadas por Abranches apontam para a


existência de um forte espírito republicano no sertão maranhense. O autor afirma que ali
foram fundados inúmeros clubes republicanos, fato que atribui às precariedades materiais da
região, a falta de infra-estrutura e a ausência de autonomia das vilas que viviam a mercê dos
desmandos do centralismo administrativo. Suas informações entram em choque com as de
Boehrer que afirma que o republicanismo no Maranhão era praticamente inexistente. O
contraste entre estes dois autores despertou o desejo de examinar o movimento republicano
do Maranhão de forma mais detalhada e profunda.

As fontes principais deste trabalho consistem nos jornais publicados entre 1888 e
1889, principalmente os que serviram como veículos de propaganda republicana, e aqueles
ligados às diversas agremiações político-partidárias no Império e início da República.4

4
Os jornais republicanos a que se teve acesso foram os seguintes: “O Norte” (1888, 1892-1898 e 1898), “O
Novo Brazil” (1888-1889), “A Luz” (1889), “O Globo” (1889) e “A República” (1889-1890). Outros jornais
partidários: “O Echo” (1886), “Pacotilha” (1888-1894), “Diário do Maranhão (1880-1881 e 1888-1894), “A
Federação” (1886-1888), “A Civilização” (1889), “Commércio de Caxias” (1888-1893), “A Luta” (1891), “O
Operário” (1891), “A Cruzada” (1890-1892), “O Nacional” (1890 – 1892), “Federalista” (1892-1894) e
“Diário de Notícias” (1893-1894).
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A maioria destes periódicos foram publicados em São Luís. Também utilizou-se dois
jornais do interior da província, “Commércio de Caxias”, produzido na cidade de Caxias,
no Médio Sertão e “O Norte”, de Barra do Corda, na entrada do Alto Sertão. O primeiro,
embora sob a direção do Partido Conservador constantemente abria espaço para discutir o
avanço do republicanismo na região. O segundo jornal, “O Norte”, fundado em 1888, serviu
de órgão de propaganda ao diretório republicano do Alto Sertão.5

O corpo central deste estudo consiste em três capítulos: da crise econômica à crise
política: o Maranhão na segunda metade do século XIX; da propaganda à proclamação da
República (1888-1889); e, a gênese da reestruturação oligárquica: querelas e intrigas nas
tramas dos novos partidos.

O primeiro capítulo objetiva apresentar as condições materiais da província do


Maranhão antes da organização dos clubes republicanos, bem como as relações existentes
entre as elites e o aparato jurídico político do Estado. Para tanto, faz-se uma descrição da
situação econômica e política em que se encontrava a província, tanto o norte
agroexportador quanto o sul pecuarista. Trata-se de uma situação de crise econômica
estrutural e de um sistema oligárquico e clientelístico que já dava sinais de desagregação,
possibilitando o aparecimento de inúmeras dissidências partidárias, gênese de alguns clubes
republicanos. Utiliza-se basicamente, fontes secundárias, em especial trabalhos acadêmicos
que têm como objeto temporal o Segundo Reinado e como espaço geográfico a província
do Maranhão.6

5
Embora “O Norte” tenha sido fundado em novembro de 1888, só foram encontradas edições nos acervos de
São Luís a partir de novembro de 1892. Foi consultada a primeira edição a partir do acervo existente no
Arquivo Público de Pernambuco e artigos transcritos em outros periódicos. De meados de 1890 até outubro de
1892 o jornal não circulou. Assim, consultou-se esse periódico principalmente a partir de novembro de 1892.
6
Entre os trabalhos importantes pelo que apresentam de informações sobre a realidade política, econômica e
social apontam-se os seguintes: ALMEIDA, Alfredo W. B. de. A ideologia da decadência. S. Luís: IPES,
1983; FARIA, Regina H. M. de Trabalho escravo e trabalho livre na crise da agro-exportação escravista
no Maranhão. São Luís,: Universidade Federal do Maranhão, 1998. Monografia de Especialização em
História; REIS, Flávio A. Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão: (1850-1930).Campinas:
IFHC/UNICAMP, 1992. Dissertação de Mestrado em Ciência Política; CABRAL, Maria do Socorro C.
Política e educação no Maranhão: (1834-1889). São Luís: SIOGE, 1984; ______Os Caminhos do gado:
conquista e ocupação do sul do Maranhão. São Luís: SIOGE, 1992; CALDEIRA, José de R. C. Origens da
industria no sistema agro-exportador maranhense: 1875-1895. São Paulo: IFHC/USP, 1988. Tese de
Doutorado em História; Ribeiro, Jalila Ayoub J. A desagregação do sistema escravista no Maranhão:
(1850-1888). São Luís: SIOGE, 1990.
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No segundo capítulo procura-se descrever a organização dos clubes de propaganda


republicana, tendo como base os jornais publicados na província, bem como as obras de
Dunshee de Abranches e Mário M. Meireles, únicos trabalhos sobre os clubes mencionados.
Pretende-se, portanto, possibilitar que os atores políticos “falem”. Objetiva-se dar voz aos
sujeitos, aos “fazedores” da história, procurando resgatar suas “falas” da maneira mais fiel
possível. Assim, o principal cuidado foi tentar evitar parcialidades, o que nem sempre foi
possível. Com esse fim, buscou-se reunir o maior número de informações, confrontando-as
com as memórias existentes e apoiando-se em trabalhos já realizados sobre o período. Ler
os jornais do período significou fazer uma viagem no tempo através de diferentes visões de
um mesmo fato, pois cada periódico enfoca os acontecimentos a partir da ótica de seus
interesses político-partidários.

Textos jornalísticos são um exemplo, entre outros, da multiplicidade de visão de


mundo, quer sejam os jornais de caráter comercial, quer os diários partidários do período
anterior e posterior à proclamação da República. Optou-se por não trabalhar com noções de
falso ou verdadeiro, pois implicaria em um risco enorme de juízo de valor permanente sobre
o conteúdo de cada texto-discurso a ser analisado. Para facilitar a busca do conhecimento
dos fatos escolheu-se a análise comparativa das fontes pesquisadas. Com isso, atentou-se
para as seguintes questões, em especial com relação ao momento da Proclamação da
República: - De que forma os diferentes jornais partidários tratavam um mesmo fato? -
Haviam discrepâncias de visão? - Como eram os embates entre as diferentes folhas diárias?
- Em quais momentos (se existiram) elas se uniam? Partiu-se do princípio de que não existe
uma verdade, e sim diferentes formas de ver um mesmo fato, isto é, diferentes visões de
mundo.
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O terceiro capítulo, que aborda o período da consolidação do novo regime no país,
tem como enfoque duas inquietações básicas. A primeira refere-se ao destino dos
republicanos históricos, ou seja, daqueles que participaram da fundação dos clubes
republicanos. A maioria, embora continuasse lutando para a implantação de seus projetos,
foi cooptada ou excluída pela oligarquia do processo de reestruturação política após a
implantação do regime republicano. A segunda inquietação prende-se à peculiaridade dessa
reestruturação, procurando identificar a forma como agiam os atores políticos nela
envolvidos. Optou-se por descrever como se deram as eleições e o processo de
reestruturação partidária. As fontes utilizadas são novamente os jornais. Através desses
periódicos procura-se mostrar o clima político, as relações de poder, as querelas e
questiúnculas que possibilitaram a determinado grupo político a ascensão ao poder e o
controle da máquina administrativa. Descreve-se o processo de formação da nova
oligarquia, após 1889, a qual incluiu a criação de uma nova agremiação partidária para
reunir a maioria dos atores políticos, que, no final do Império, estavam em dissenso na
província. Procura-se demonstrar também como foram afastados os indivíduos e grupos
políticos que ameaçavam a ascensão da nova oligarquia.7

7
Por ‘nova oligarquia’ entende-se não uma nova classe social assumindo o poder, mas tão somente aqueles
atores políticos que durante o Império tinham dificuldades em participar de forma efetiva do processo eleitoral,
isto é, eram preteridos quando da formação das chapas. Com a Proclamação da República parte das lideranças
partidárias afastaram-se das disputas e do mundo político-partidário possibilitando que esses atores marginais,
mas de certa forma ligados a antiga estrutura oligárquica, participassem ativamente da montagem do regime
republicano, tanto a nível local quanto nacional.
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Capítulo 1
DA CRISE ECONÔMICA À CRISE POLÍTICA : O MARANHÃO NA SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
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1.1 Agroexportação e crise

Na segunda metade do século XIX, no Maranhão, assim como no restante do Brasil,


predominava o modelo agroexportador e escravista financiado pelo capital mercantil.
Segundo Cabral, o Maranhão só “foi inserido na divisão internacional do trabalho do
capitalismo comercial” a partir de meados do século XVIII 8. Antes, a colônia baseava-se na
exploração de produtos agrícolas para subsistência. O marco inicial da inserção maranhense
no mercado de exportação teria sido a criação da Companhia Geral do Grão-Pará e
Maranhão (1755-1778), empresa monopolista no comércio de importação e exportação,
fundada por incentivo e com o beneplácito do Marquês de Pombal.

Para a autora, o auge dessa atividade econômica foi o período entre 1760 e 1830,
graças à conjuntura internacional: Primeira e Segunda Guerras de Independência dos
Estados Unidos e bloqueio continental napoleônico. Porém, após essa data a produção de
algodão dos Estados Unidos, da Índia e do Egito teria se estabilizada. A concorrência levou
à queda dos preços e o Maranhão, devido a má qualidade de sua matéria prima, foi
lentamente excluído do mercado internacional.

Ainda de acordo com a autora, a situação da cotonicultura só voltou a ter uma certa
estabilidade durante a Guerra da Secessão americana (1860-1865). Nesse período, o algodão
teria se expandido em direção ao sul da província a partir de Caxias, acompanhando o rio
Itapecuru, chegando a Picos e a São José dos Matões. Pelo rio Mearim, chegou nas
8
CABRAL, Maria do Socorro C. Política e educação no Maranhão: (1834-1889). São Luís: SIOGE, 1984.
p. 68-71.
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imediações de Barra do Corda, assim como pelo Rio Grajaú aproximou- se da vila de
Grajaú.9 Fora destas localidades, a atividade agrícola restringiu-se à criação extensiva de
gado de corte. As vilas de Grajaú e Barra do Corda funcionavam como centros comerciais,
onde havia uma intensa movimentação de sal, gado e mantimentos. É importante ressaltar
que estas vilas se transformaram em centro de propaganda republicana nos últimos anos do
Império.10

No entanto, o algodão, mesmo com a queda nos preços ocorrida após a conjuntura
favorável dos anos sessenta, continuou a ser o principal produto de exportação da província.
Nas décadas de 1880 e 1890, em função das dificuldades encontradas para manter-se no
mercado internacional, a produção acabou por ser aproveitada localmente, graças à
instalação de diversas fábricas de tecidos na capital São Luís, e no interior, principalmente
na cidade de Caxias.11

Outro produto economicamente importante no período foi o açúcar. Teria sido


plantado em substituição ao algodão na Baixada Ocidental, mais especificamente nas vilas
de Alcântara, Guimarães e Viana e nas margens do rio Pindaré, a partir dos anos quarenta
do século XIX em função da decrescente rentabilidade da cotonicultura. Segundo Cabral,
percebe-se que nessa época ocorria o mesmo na maior parte do nordeste, devido às
condições favoráveis do mercado externo. Já no final da década de setenta, o setor
apresentava sinais de crise provocada por condições de concorrência desfavoráveis.12

Ribeiro procura demonstrar que a produção de açúcar possui algumas características


que a diferenciam da cotonicultura. Aponta que além de mais dispendiosa e complexa,
exigia também maior número de mão-de-obra, concluindo que essa atividade produtiva só
estava ao alcance de “fazendeiros abastados”. Por isso, com o desenvolvimento da cultura

9
Id. Os caminhos do gado: conquista e ocupação do sul do Maranhão. S. Luís: SIOGE, 1992. p. 106-107.
Ver também, MESQUITA, Francisco de A. L. Vida e obra da economia algodoeira no Maranhão: uma
análise das relações de produção na cultura do algodão, 1850- 1890. S. Luís: UFMA, 1987. p., 82-83. Ver
também mapa da p. 15.
10
Id. Ibid, p. 165.
11
Ver mapa sobre as divisões fisiográficas do Maranhão na página 15.
12
Id. Ibid, p. 73-77; MESQUITA, Francisco de A. L. Op. cit. p. 60.
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canavieira teria surgido uma “nova classe”, com “novo estilo de vida” baseado na
“ostentação, cujo padrão de vida tornou-a perdulária”.13

Quanto ao arroz, este produto tivera importância na pauta de exportações até a


primeira metade do século XIX. No período abordado nesta dissertação, o arroz
praticamente desapareceu como produto de exportação e sua produção acabou sendo
direcionada para o consumo interno.

O fraco desempenho do setor agroexportador gerou nos contemporâneos a idéia de


que o Maranhão passava por uma profunda crise econômica e financeira. Ela pode ser
encontrada com freqüência tanto nos jornais quanto na literatura do final do século XIX.
Para os observadores e comentaristas da época, esta crise teria se aprofundado ao longo da
segunda metade do século, provocando a decadência não apenas da economia, mas
repercutindo nas diversas esferas do mundo social, moral e político, atingindo inclusive a
produção artística da província. Aranha, por exemplo, em livro de memórias escreveu:
A sua velha civilização, modesta e lenta, baseava-se, como a de todo o
Brasil, no trabalho escravo. Quando a emancipação se acelera, os
lavradores maranhenses trataram de vender seus escravos para os
emperrados fazendeiros do sul. As fazendas privadas de trabalhadores
caíram em letargia e pouco a pouco, onde foram cultura e produção,
espraiava-se a miséria das taperas. Os fazendeiros vieram para a capital
disputar empregos públicos. A política limitou-se a esse jogo de empregar
e desempregar cabos eleitorais. O governo extremamente pobre,
desanimado, sem energia para suscitar o trabalho criador, assistia
apático a degenerescência da província. Expandiam-se os vícios ociosos,
principalmente os da sensualidade desenfreada. Os homens das fazendas
foram transportados para a capital. Todos viviam na mancebia, até os
cônegos da Sé, incitando os vigários da roça e os frades. As mulatas e as
filhas das cunhãs espalhavam eflúvios afrodisíacos e entorpeciam todo o
Maranhão. A fúria sertaneja imperava numa sede de sangue e numa
voracidade de latrocínios. A vida humana, incerta aos caprichos do
bacamarte. Enquanto os instintos se desbragavam, os espíritos
definhavam. Aquela floração intelectual brilhante, artificial, da classe dos
senhores, extinguia-se. A poesia e a criação estilizavam-se na gramática e
na cópia de clássicos verbais, longínquos e estranhos. Os que deviam
trazer seiva nova não tinham ainda surgido ou não eram entendidos. 14

13
RIBEIRO, Jalila Ayubi J. op. cit. p. 47-50.
14
ARANHA, Graça O meu próprio romance. 4.ed. São Luís: ALUMAR, 1996. p. 90-91.
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Como fica claro no texto de Aranha, acreditava-se que a abolição da escravatura era
a causa principal da crise econômica e da decadência do Maranhão. A Abolição teria
simplesmente tirado os braços da lavoura, levando os fazendeiros à total falência em um
momento em que os produtos maranhenses estavam em baixa no mercado exportador,
encontrando-se os fazendeiros descapitalizados e sem meios de conseguir crédito.

Essa interpretação tornou-se comum na historiografia sobre o Maranhão. Corrêa,


por exemplo, pactua com a visão de completa decadência do Maranhão no período final do
Império:
Foi abolida a escravidão do escravo: permaneceu a escravidão da terra.
Os senhores cercados de dívidas e escravos, ficaram sem escravos e com
mais dívidas. (...) Aqueles que sobreviveram à hecatombe social, no
Maranhão, desacreditando das minas de Gurupi e da borracha de
Pinheiro, instalaram, associados a outros interesses, abrupto, um parque
industrial.15

A idéia de decadência estaria ligada, segundo Almeida e Faria, à visão que se tinha
do passado como um tempo de prosperidade em oposição ao tempo de decadência: o tempo
da prosperidade estaria ligado ao do auge do algodão, isto é, se estenderia de
aproximadamente 1755/56 até por volta de 182016. A partir dessa data a economia teria
entrado em uma profunda crise gerando então a decadência material e cultural/moral do
Maranhão.17

Segundo Cabral, não havia propriamente decadência no sentido em que Aranha


expõe, mas crise no setor agroexportador provocada basicamente por dois fatores: as
condições desfavoráveis de concorrência dos produtos maranhenses no mercado externo,
principalmente o algodão e as contradições do sistema escravista e o problema gradual da
abolição da escravatura. Esses fatores teriam impossibilitado, entre outras coisas, o

15
CORREA, Rossini, Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. S. Luís: SIOGE, 1993.
p. 141-143.
16
ALMEIDA, Alfredo W. B. de. Op. cit.; FARIA, Regina H. M. de. Op. cit.

17
Ver VIVEIROS, Jerônimo de História do comércio do Maranhão. S. Luís: ACM, 1954. 3v.
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desenvolvimento tecnológico no setor agrário e a especialização da mão-de-obra, além de
criar uma mentalidade em que o trabalho manual se tornava desprezível. Isso teria
impedido a utilização da mão-de-obra dos índios desengajados18 e dos homens livres
pobres19, que existiam em quantidade suficiente para suprir a carência de braços provocada
inicialmente pelo tráfico interprovincial e depois pelo fim do sistema escravista.20

Nas décadas de sessenta e setenta, se tentou buscar mecanismos que possibilitassem


um reequilíbrio econômico e financeiro da província e da elite econômica maranhense. No
entanto, as medidas tomadas não conseguiram seu intento em função das próprias
contradições do sistema escravista. Entre essas medidas estariam a mecanização da
produção, a imigração estrangeira com a fundação de cinco colônias no interior da província
e a tentativa de reforma na escravidão que objetivava evitar os maus tratos aos escravos,
propondo estabelecer uma relação cordial entre senhor e escravo. Tais iniciativas acabaram
por fracassar devido à falta de capital, à inoperância do governo e em função da mentalidade
escravista dos fazendeiros.

Assim, para a autora citada, a baixa produtividade e a má qualidade do algodão


estariam intimamente ligados a essas contradições impostas pelo sistema vigente. Dessa
forma, duas forças contrárias - uma endógena (escravismo, ausência de tecnologia
adequada, má qualidade das sementes, desconhecimento de técnicas agrícolas modernas, e
monocultura) e outra exógena (os fluxos e refluxos da economia internacional e a
concorrência externa) – teriam agido provocando a desestruturação da economia
18
Entende-se, neste trabalho, por ‘índios desengajados’ aqueles que viviam fora das aldeias, mas que se
negavam a aceitar inserção no processo de produção de mercadorias para o mercado.
19
Não se pode esquecer que havia no Maranhão uma quantidade significativa de homens livres pobres
vivendo da produção de subsistência. Para ASSUNÇÃO, Mathias R. Cultura popular e socieddade regional no
Maranhão do século XIX. In (Orgs.) BRESSONE, T. Maria T. e QUEIROZ, Tereza Aline P. América Latina:
imagens, imaginção e imaginário. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, São Paulo: EDUSP, 1997, esse
percentual tendeu a crescer a partir do final dos anos setenta com a imigração nordestina causada pela seca
ocorrida entre 1875 e 1877.

20
CABRAL, Maria do Socorro C. 1984, Op. cit, p. 90. A autora considera que entraram no Maranhão, nesse
momento, cerca de 16.000 cearenses, sendo que a maioria não foi inserida no trabalho das grandes
propriedades, vivendo à margem do sistema agroexportador.
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maranhense. Essa situação acabou por atingir, conforme se verá, o mundo da política – é
mister considerar que a maioria dos que possuíam cargos representativos e funções
administrativas faziam parte da elite econômica, seja ela ligada ao comércio ou a produção.

Ribeiro aborda outros aspectos ao analisar a desagregação do sistema escravista no


Maranhão, cerne do sistema agroexportador. Defende que o fim do escravismo provocara a
desestruturação da economia, pois havia uma mentalidade que lhe era subjacente, a qual
impediria sua sobrevivência fora dos moldes em que fora montado: latifúndio monocultor,
escravismo e exportação de matéria-prima.21

Através dos jornais da época pode-se perceber como os contemporâneos viam a


abolição da escravatura. Acompanhando os debates travados na Câmara Geral a esse
respeito, os jornalistas locais não manifestaram rejeição ao projeto abolicionista. A grande
preocupação era que a abolição devia, obrigatoriamente, vir acompanhada da indenização,
lembrando que viviam em um país cujo Estado seguia as premissas do liberalismo, em que a
propriedade é um bem inalienável. Em editorial, o jornal “O Commercio de Caxias” traz o
que poderia ser a principal preocupação dos fazendeiros daquela região:

Não sabemos, mesmo, como e porque meios poderão satisfazer os seus


compromissos aquelles que adquiriram compromissos ao tempo em que
contavam com mais esse elemento que instantaneamente desapareceu sem
ser substituido por outro.22

Aproximadamente um ano depois o mesmo jornal volta à questão, ligando-a agora


ao crescimento do republicanismo na região:
“Está no domínio de todos o acto praticado pelos eleitores de São José
dos Mattões que, em número mais ou menos crescido, se manifestaram
republicanos, dando assim uma prova da aversão que lhes merece um
governo que tão violentamente os esbulhou” .23

21
RIBEIRO, Jalila Ayubi J. Op. cit.
22
Commércio de Caxias, Caxias: 26 maio 1888.
23
Commercio de Caxias, Caxias: 30 mar. 1889.
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No entanto, esses receios todos, segundo a “Pacotilha”, não correspondiam à verdade


dos fatos. De acordo com o jornal, apesar da abolição, a fábrica de tecidos de Caxias estava
em pleno funcionamento. Além disso, alguns ludovicenses buscavam capital para a
instalação de duas fábricas em São Luís (papel, fiação e tecidos) e uma “usina agrícola” em
Caxias, cuja mudança nas relações de trabalho de servil para trabalho livre ia ao encontro do
que havia de mais moderno. Muitos lavradores persistiriam, mesmo com algumas
dificuldades, buscando novas técnicas e novo regime de trabalho. Assim, fazia-se necessário
inserir o negro liberto no mercado de trabalho, lembrando o articulista que todos sabiam
estar a escravidão irremediavelmente condenada. Nesse sentindo, analisando novamente os
impactos da Abolição na economia, esse jornal traz alguns dados esclarecedores:
Caso a crise fosse grave o commercio teria retraido, no entanto elle
sofreu uma expansão com relação a 1887. O rendimento da alfandega no
anno de 1888 é a resposta mais cabal que se pode apresentar aos que
affirmavão a paralisia, sinão o aniquilamento do commercio com a
reforma do estado servil.24

O impacto da escravidão e sua abolição sobre a vida econômica da província,


continua sendo um tema cercado de controvérsias. Enquanto historiadores como Cabral e
Ribeiro afirmam que a estrutura de trabalho baseada no latifúndio e na escravidão constituiu
a causa fundamental da crise econômica e social que afetou o Maranhão nas últimas décadas
do Império, outros lançam dúvidas sobre o peso exercido pela escravidão e pela grande
propriedade na economia e sociedade maranhense.25 Reis, por exemplo, demonstra que a
forma de trabalho que predominava no Maranhão no último quartel do século XIX, era o
trabalho livre. Segundo este autor, o Censo de 1872 indica que havia 86.939 homens livres
trabalhando na lavoura (71%), enquanto o número de escravos era de 36.964 (29%). Além
disso, mais da metade dos escravos estariam concentrados nas áreas urbanas. Reis procura
demonstrar também, que o Maranhão estava deixando de ser uma área de produção voltada
para o mercado internacional. Assim, “no exercício de 1865/66, 95% do valor das
exportações globais realizaram-se no exterior, não passando de 5% o valor do comércio

24
Pacotilha, São Luís: 4 jan. 1889.
25
CABRAL, Maria do Socorro C. 1984, Op. cit; RIBEIRO, Jalila Ayubi J. Op. cit.
14
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interprovincial”. Duas décadas depois teriam passado para 70% e 30%, respectivamente, 26
ou seja, o Maranhão estava deixando lenta e progressivamente de ser uma área de produção
voltada para o mercado internacional direcionando-se para o mercado interno.

Reis considera também que a produção voltada para o mercado interno era, em boa
parte composta de cereais (arroz, milho e principalmente mandioca), fruto da pequena
produção realizada em terras devolutas ou por agregados nas grandes propriedades. 27 A
partir da década de 80 também o algodão passa a fazer parte desse rol de produtos devido à
instalação das fábricas de têxteis de Caxias e São Luís.

A partir dessas considerações, Reis concluiu que a idéia de decadência não era
compatível com o que de fato estava acontecendo na economia maranhense, pois mesmo
com os abalos provocados pelas oscilações dos preços tanto do algodão quanto do açúcar no
mercado internacional, os grandes comerciantes e a aristocracia agrária souberam buscar
espaço para investimento e reprodução do capital anteriormente acumulado na instalação de
um parque fabril têxtil, bem como de um engenho central.28

1.2 A Pecuária e o sertão maranhense

Antes de mais nada se faz necessário procurar definir o que se compreende por
sertão maranhense. O termo costuma ser utilizado de maneira imprecisa para nomear todo o
interior da província/estado do Maranhão, isto é, tudo aquilo que não é litoral ou a região
em torno do golfão maranhense, denominado Baixada. No entanto, nesta dissertação,
denomina-se sertão as regiões central (Médio Sertão) e sul (Alto Sertão) do Maranhão,
conforme se vê no mapa à frente.
26
Ver REIS, Flávio A. Op. cit p. 13-14.
27
Segundo ASSUNÇÃO, Mathias R. op. cit. p., 193, a partir de meados do século dezenove a importância do
campesinato “foi reforçada pelos seguintes fatores: o fluxo contínuo de pessoas livres migrando do interior
semi-árido do nordeste e a liberdade alcançada por alguns escravos por meios legais e ilegais”. Esses
nordestinos teriam se fixado no território maranhense, como agregado ou em áreas devolutas, vivendo à
margem do mercado de exportação.
28
Sobre a instalação do parque fabril e do engenho central no Maranhão ver CALDEIRA, José de R. C. Op.
cit: e REIS, Flávio A. Op. cit.
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O Alto Sertão ou região de Pastos Bons caracterizou-se pela colonização nordestina,


em especial a baiana, impulsionado pela expansão da pecuária. Na altura de Caxias, no
Médio Sertão, esta frente de expansão encontrou-se com a frente de expansão agrícola
oriunda do litoral. Assim, o Médio sertão recebeu influência tanto da cotonicultura, como da
pecuária. Barra do Corda e Grajaú marcariam a passagem do Médio para o Alto Sertão,
como tais regiões estão pensadas neste trabalho.29

Além da diferença existente entre as frentes de expansão, dois elementos a elas


ligados nos chamam a atenção e nos auxiliam na caracterização das regiões. O primeiro é
concernente à questão cultural. Entende-se que o sertanejo possui manifestações culturais
que o diferenciam do homem das regiões diretamente ligadas à capital, que sofreram maior
influência da cultura lusitana, devido à presença do setor mercantil português ser o principal
elo com o que chamavam na época de mundo civilizado – a Europa.

A região sertaneja, por sua vez, quase não foi diretamente tocada pela cultura
portuguesa. Ela já chegava filtrada, através dos baianos, pernambucanos, cearenses e
piauienses. O contato permanente com a natureza, a rudeza da vida provocada pelo fato de

29
Ver mapa na página 15.
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MAPA I – REGIÕES FISIOGRÁFICAS E SEDES DOS CLUBES REPUBLICANOS MARANHENSES

se viver em uma área de fronteira e em permanente conflito com os índios, tornou a ligação
com a cultura “civilizada” muito frágil. Isso possibilitou aos sertanejos um outro olhar,
levando-os a estabelecer relações de solidariedade que não eram determinantes na Baixada,
região dominada e controlada pela capital e dependentes dos grandes comerciantes
portugueses de São Luís.

O segundo elemento diz respeito à economia, que é definidora não só do uso do


espaço, mas também dos valores agregados a essa utilização. Na região devassada pela
frente litorânea predominou a agroexportação; conseqüentemente os valores agregados
foram aqueles do mundo mercantil europeu, de acumulação a qualquer preço. No entanto, o
sertão foi ocupado para fins de produção interna. A predominância da pecuária possibilitou
aos sertanejos estabelecer não só relações de produção diferentes da região monocultora,
mas, acima de tudo, interligar-se através de uma rede viária às diversas regiões interioranas
e litorâneas do Norte-Nordeste que sofriam com a carência de gado para alimentação e
como força motriz.

Por um longo tempo, o Alto Sertão maranhense manteve-se mais ligado


economicamente a outras províncias do que a própria capital. Sua produção era
comercializada principalmente com o Pará, Pernambuco e Bahia. O gado saía das pastagens
direto para essas províncias, o que de certa forma impossibilitava a arrecadação de tributos.
A distância dificultava a presença mais efetiva do aparato jurídico, político e fiscal do
Estado. Pode-se afirmar que esta presença só foi sentida com mais intensidade pelos
habitantes do Alto Sertão maranhense em razão das medidas centralizadoras do final do
Período Regencial e no início do Segundo Reinado. De acordo com Reis, nessa época,
objetivando ampliar seu raio de ação o governo procurou adotar algumas medidas
centralizadoras. Para isso, fez a Interpretação do Ato Adicional (1840), reformou o Código
de Processo Penal (1841), bem como em 1850 atribuiu a Guarda Nacional ao Ministério da
Justiça: “Essas medidas diminuíram o raio de independência das chefias locais frente ao governo
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central e fortaleceram o papel das lideranças regionais que tivesse trânsito na Câmara Geral e nos
Ministérios”.30

A insatisfação dos sertanejos com o projeto de centralização que, no entanto, não os


integravam ao poder regional teria, segundo Cabral, criado as condições necessárias para
que o descontentamento aumentasse. Na década de vinte do século XIX teria ocorrido um
caso em Pastos Bons, em 1828, que foi denominado na história regional de República de
Pastos Bons. Ao que tudo indica, proclamações foram espalhadas concitando o povo a se
levantar contra o governo imperial e pregando a independência da região, que seria
transformada na República de Pastos Bons. A autora levanta a hipótese de que por trás desse
movimento estariam pessoas que participaram da Confederação do Equador e que, com a
repressão, fugiram para o interior do país. Faltam ainda pesquisas para que se possa
desvendar o que de fato ocorreu naquela vila.31

Quanto a Balaiada (1838-1841), Cabral afirma que um dos fatores que levou à
deflagração do movimento teria sido as medidas centralizadoras do governo provincial.
Fazendeiros do sul teriam participado do movimento destacando-se entre eles Militão
Bandeira Barros, um dos líderes da República de Pastos Bons. A presença desses
fazendeiros na Balaiada estaria ligada, segundo a autora, à “revogação das leis que criavam
os cargos de prefeitos e que extinguiam os cargos de juiz de paz”. 32 O juiz de paz era, então,
um elemento de suma importância na localidade, pois exercia função de polícia e de
administrador público. Além, disso o cargo era eletivo. Já o de prefeito seria indicado pelo
presidente da província, inserindo, assim, elementos estranhos às sociedade locais,
possibilitando interferências nas relações de poder já estabelecidas.

A presença crescente de tentáculos do poder Central no sertão acabou por gerar mais
tensão, pois os sertanejos, embora reivindicassem uma maior atuação do governo, não
queriam perder a autonomia a que estavam acostumados. Por isso, conforme será visto no
segundo e no terceiro capítulos, o centralismo era ponto de preocupação, daí a reivindicação
30
REIS, Flávio A. Op. cit., p. 33.
31
CABRAL, Maria do Socorro C. Os caminhos... P. 186-187.
32
CABRAL, Maria do Socorro C. Política e educação... 1984, p. 188.
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e a crença de que para saírem da marginalidade a única via seria a federação e a autonomia
para os municípios. Essa situação fez com que um seguimento da elite sertaneja buscasse
instrumentos que viabilizassem a criação de uma identidade sertaneja com o objetivo de
fortalecer o poder local com relação ao regional.

Essa tentativa de criar uma identidade sertaneja pode ser claramente identificada na
realização de encontros, que Cabral denominou Roda de amigos. Muitos deles teriam dado
origem a grêmios literários. De acordo com essa autora, nessas rodas discutiam-se questões
concernentes a realidade local, regional e nacional, bem como havia troca de livros e jornais
para leituras. Afirma ainda, que aos poucos ia sendo gestada uma “representação do
sertanejo como um tipo distinto dos demais maranhenses, pelas qualidades inatas de seu
caráter”. Entre estas estariam: “rebeldia, altivez, espírito livre, patriotismo, alma nobre,
civismo, alma revolucionária, rebelde nato”.33

Um outro momento importante que os sertanejos utilizavam para trocar experiências


e discutir política e economia e ao mesmo tempo criar laços de solidariedade eram as
desobrigas (encontros populares e religiosos com a presença de um vigário). Nesses
encontros reuniam os habitantes de uma determinada região para a realização de
casamentos, batizados, confissões, missas etc.34

Abranches relata uma festa em que houve um rodeio com o objetivo de marcar o
gado que seria posteriormente engordado para venda no mercado. Na ocasião, ele fez um
discurso sobre a situação da região e a necessidade de se mudar o regime de governo, como
meio para alterar a situação do sertão e do sertanejo. A resposta dos vaqueiros em forma de
um desafio acompanhado de viola, mostra um pouco das imagens do que é liberdade para
aquelas pessoas:

33
CABRAL, Maria do Socorro C. 1992, p. 196.
34
Op. cit, p. 193-196.
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“Este doutor da cidade


a todos nós nos perguntou
- sabeis o que é liberdade? –
E vem, e vai, nos assunta...
Eu respondo á deixa vossa ;
liberdade é, bem o sei,
não ter escravo na roça,
não ser escravo de rei,
liberdade, no sertão,
não é ter imperador:
aqui manda o coração,
é ele o nosso senhor.
Amamos muito a nossa terra;
somos povo brasileiro,
por isso fazemos a guerra
a tudo que é estrangeiro.
Somos todos bem-te-vis,
todos filhos dos balaios;
não curvamos a cerviz,
valemos mais do que raios”. 35

Analisando o relato de Abranches, na Esfinge do Grajaú, Cabral procurou pontuar no


discurso dos sertanejos algumas expressões no que tangenciam os problemas por eles
enfrentados: “abandono”, “desconhecimento”, “terra desditosa”, “caixão de pancada”, “terra
ignorada”, “oprimida”, “esquecida” etc.36

Com efeito, um dos maiores problemas enfrentados pelos sertanejos diz respeito ao
transporte de mercadorias. Como o gado não era comercializado e consumido na própria
região, tornava-se necessário que fossem abertas estradas (picadas) por onde seriam
conduzidos em direção aos mercados. Outro problema era que nas áreas de pecuária quase
não se praticava a agricultura, fazendo com que a região fosse abastecida com os gêneros
necessários não só à subsistência dos sertanejos, mas também àqueles utilizados nos
cuidados com o gado. Entre esses produtos, o sal era artigo de primeira necessidade.37

35
ABRANCHES, Dunshee de. A esfinge do Grajaú, 2. ed. Ver., São Luís: ALUMARr, 1993, p. 133.
36
CABRAL, Maria do Socorro C. 1992, Op. cit., p. 184.
37
Ver BRANDES, Galeno E. Barra do Corda na História do Maranhão, São Luís: SIOGE, 1994. p. 186.
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O transporte dessas mercadorias de São Luís até Barra do Corda ou Grajaú realizava-
se sem problemas, pois havia rios navegáveis até essas localidades, e por isso tornaram-se
entrepostos comerciais importantes. A partir do momento em que saíam dessas vilas em
direção ao sul da província a situação ficava mais difícil devido a quase completa ausência
de estradas.

Em meados do século XIX o governo provincial, preocupado em integrar o sertão


para não entregar às províncias vizinhas parte de suas receitas provenientes do comércio de
gado, decidiu implementar projetos de construção de uma rede viária que possibilitassem
melhor acesso às áreas sertanejas. Foram então construídas as seguintes estradas:
_ “de Barra do Corda a Pedreiras.
_ de Carolina a Pastos Bons e Caxias, com 180 léguas.
_ de Carolina a Chapada [posteriormente Grajaú].
_ de Barra do Corda a Chapada.
_ de Barra do Corda a Coroatá, com 50 léguas.
_ de Carolina a Monção, com 60 léguas”.38

As insatisfações dos sertanejos permaneceram latentes praticamente durante todo o


Segundo Reinado, vindo a renascer no início dos anos oitenta, quando Izaac Martins - que
acabara de se formar em Direito pela Faculdade de Recife – provocou cisão no Partido
Liberal, criando assim uma dissidência localizada em Barra do Corda e áreas adjacentes. 39
Participaram inicialmente dessa dissidência apenas alguns familiares seus, mas aos poucos o
movimento ganhou força estendendo-se até Grajaú, Loreto e Mirador, região bastante
tumultuada em função das acirradas lutas políticas pelo controle local entre liberais e
conservadores. O conflito de maior destaque deu-se entre os irmãos Leda e o coronel Araújo
Costa, apelidado de “Cristo do Grajaú” ou simplesmente de “Araújo costado”. É a pior
possível a imagem que Abranches produziu deste político, líder dos conservadores na
região. Já os irmãos Leda foram retratados com boa tinta, afinal eram liberais, ou melhor,
republicanos históricos. Ainda de acordo com esse autor, Luís Leda afirmara que: “A
38
CABRAL, Maria do Socorro C. 1984, Op. cit., p. 99.
39
Existem algumas informações desencontradas sobre a origem dessa dissidência criada ou da qual participou
Izaac Martins: para o “Diário do Maranhão” de 7 de março de 1889, o motivo foi o fato de Izaac Martins ter
sido preterido para uma vaga na Assembléia provincial em 1884, vaga essa que coube a Viana Vaz. Para “O
Nacional” de 5 de fevereiro de 1892, Izaac Martins teria se filiado ao Partido Liberal em 1885. Com a
ascensão dos conservadores acabou abrindo dissidência com Viana Vaz, de Codó, e trocou seu voto e o de
seus amigos pela cadeira de juiz municipal de Barra do Corda.
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república é o sonho de nós todos, pois fora sempre o ideal dos bem-te-vis quando se
levantaram contra os recolonizadores do Brasil”.40

O aparecimento de um crescente número de dissidências políticas, como a de Izaac


Martins em Barra do Corda, refletia uma acirrada concorrência por cargos políticos e
empregos públicos que por sua vez era um reflexo das dificuldades enfrentadas pela
economia de exportação no litoral. Embora o sul do Maranhão produzisse para o mercado
interno, essa produção era consumida principalmente nas áreas litorâneas, onde se
concentrava a maior parte da população e o capital. Partindo do pressuposto de que o gado
era utilizado não só para alimentação, mas como força motriz nos engenhos e fornecedor de
matéria prima (couro) para embalagem do açúcar que seria exportado, entende-se porque
aquela região sofreu fortemente a crise do setor agrário exportador.

De acordo com Cabral a circulação de mercadorias e de idéias vindas de São Luís,


Pernambuco e do centro-sul do país acabou por possibilitar a criação de um clube literário
em Barra do Corda, no qual funcionários públicos e intelectuais debatiam a realidade local,
regional e nacional. Aos poucos, “fazendeiros a eles ligados por parentesco, amizade ou
vínculos políticos, em geral [passaram a participar e apoiar] suas idéias, apesar de muitos
deles não serem ainda adeptos convictos do novo regime”. 41 Desse modo, Barra do Corda
tornou-se por essa época o centro propulsor do republicanismo no sul da província. Credita-
se esse fato à sua localização, pois conforme se viu a vila fica na entrada para o Alto Sertão.
Além disso essa vila era um dos maiores centros de comércio da região, só perdendo para
Caxias. Junto com as mercadorias que chegavam de São Luís, vinham também as notícias e
os jornais do Rio de Janeiro, em especial “O Paiz”, dirigido por Quintino Bocayuva. Assim,
em Barra do Corda circulavam mercadorias e idéias entre vaqueiros e fazendeiros que ali
iam renovar seus estoques de sal e de outros produtos oriundos da capital. O radicalismo do
diretório de Barra do Corda chegou ao ponto de seus membros anunciarem que estavam
dispostos a participar conjuntamente de um movimento insurrecional. A adesão dos
40
ABRANCHES, Dunshee de. 1993, Op. cit., p. 105.
41
CABRAL, Maria do Socorro C. 1992, Op. cit., P. 189-190.
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criadores de gado ao movimento deixava “transparecer suas insatisfações políticas
reveladoras das tensões presentes nas relações entre eles e o governo provincial,
representante do poder central”.

1.3 As relações de poder no final do Império

Foi por volta dos anos 50 e 60 do século XIX que começou a ser formado o quadro
de atores que fariam carreira política no Maranhão do Segundo Reinado. Durante o
denominado período da “conciliação” ocorreu a ascensão de bom número de magistrados
aos cargos de representação (legislativo) como em funções administrativas, possibilitando o
surgimento do político de carreira, oriundo quase sempre da Faculdade de Direito de Recife.
Além da formação acadêmica, muitos alunos daquela instituição acabavam por se envolver
em discussões de caráter político, possibilitando lhes ao retornarem o desempenho de
funções ligadas ao aparelho político-administrativo e judiciário da Coroa na província.
Rossini, ao estudar a formação social do Maranhão, elaborou uma tabela em que faz o
levantamento do número de formandos pela Faculdade de Direito de Olinda – Recife 42 entre
os anos de 1832 e 1922. Vale a pena atentar para os dados nela contidos. Em um total de
307 alunos, mais da metade (158 alunos) concentrou-se nas décadas de sessenta, setenta e
oitenta – período em que se formaram os atores que dominaram a cena política maranhense
no final do Império e ao longo da República Velha, entre outros: Joaquim e Felipe Franco
de Sá (liberais), Augusto Olímpio Gomes de Castro (conservador), Carlos Fernando
Ribeiro - Barão de Grajaú (liberal), Izaac Martins (liberal/republicano), Benedito Pereira
Leite (conservador), Urbano Santos (conservador), Frederico Figueira
(Conservador/republicano), Araújo Costa (conservador), Luís Domingues (conservador),

42
Para se ter uma idéia da importância da Faculdade de Direito do Recife na formação de quadros para os
partidos e administração pública Imperial ver CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: elite e
política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980. Sobre a importância da Faculdade de Direito de São Paulo
para a formação de quadros políticos ver ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: bacharelismo liberal na
política brasileira. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1988
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Arthur Colares Moreira (conservador) etc. Isso sem contar intelectuais como Celso
Magalhães e Graça Aranha, entre outros.

TABELA I – NÚMERO DE MARANHENSES FORMADOS NA FACULDADE


DE DIREITO DE OLINDA – RECIFE – 1832-1922
PERÍODO CONCLUDENTES
1832-1842 30
1843-1852 29
1853-1862 40
1863-1872 56
1873-1882 27
1883-1892 75
1893-1902 16
1903-1912 31
1913-1922 3
Total 307
FONTE: CORREA, Rossini. Op. cit., p. 154

O elevado número de bacharéis formados no período de 1863 a 1892 provocou uma


disputa pelos cargos públicos, o que por sua vez produziu uma série de descontentamentos e
ressentimentos, resultando na formação de dissidências políticas. Observando os atores que
fundaram ou aderiram aos clubes republicanos antes da proclamação da República, nota-se
que a participação dos bacharéis de Recife poderia ter sido maior. Mérian reconhece que a
maioria deles volta imbuída de idéias republicanas, mas sua definição polítco-partidária era
decorrente de outras injunções:
O fato de pertencer a um ou outro partido, dependia menos das
convicções do indivíduos que de suas relações com os grupos de famílias
que dominavam a vida política e utilizavam os partidos para a satisfação
de suas ambições ou de seus interesses pessoais. Cada nova eleição via
uma renovação completa dos funcionários públicos em caso de derrota do
partido que até então estivesse no poder.43

43
MÉRIAN, Jean-Yves Aluízio Azevedo: vida e obra (1857 – 1913): o verdadeiro Brasil do século XIX. Rio
de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1988, p. 148.
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Ou seja, não bastava a adesão ao republicanismo durante o período estudantil para


gerar um propagandista da República. Os laços familiares e a necessidade de conseguir
emprego público gritavam mais alto. A maioria dos que participaram dos clubes
republicanos fizeram-no após algum incidente que frustrou seus projetos profissionais.

Os estudiosos que lidam com questões políticas que se reportam à década de oitenta
do século XIX, tratam o período como um dos mais tumultuados da história do Maranhão.44
De fato, as questões ligadas ao problema das divisões internas dos partidos políticos
começaram na década anterior, vindo a se agravar na seguinte. No entanto, essas
divergências, ao menos no início, não implicavam em um agravamento com conseqüências
que levassem ao esfacelamento das elites agrária e mercantil enquanto controladores do
aparato jurídico, político e administrativo na província.45 Porém, ainda não foram feitos
estudos profundos sobre as razões das diversas cisões ocorridas.

Como haviam somente dois partidos que possuíam em seus quadros basicamente
representantes dos setores dominantes – e uma minoria pertencente às camadas médias –, tal
fato impossibilitava que as facções buscassem outros caminhos para chegar ao poder.
Mesmo que existissem essas vias, não havia porque buscá-las, pois atitudes desse tipo
significariam um rompimento com a ordem estabelecida, considerando que tanto o Partido
Liberal quanto o Partido Conservador representavam os mesmos interesses oligárquicos, em
especial dos setores ligados a agroexportação. 46 Não havia por parte da maioria dos

44
Entre os trabalhos cita-se REIS, Flávio A. op. cit.; ABRANCHES, Dunshee de. Op. cit., 1993; CABRAL,
Maria do Socorro C. 1984, Op. cit.; MOREIRA, Arthur Q. Collares. Gomes de Castro, Benedicto Leite e
Urbano Santos. Rio de Janeiro: “Jornal do Comércio” Rodrigues e Cia, 1939. Tumultuado no sentido de que
foi marcado pela irrupção de diversas facções no Partido Liberal local, além de disputas entre os dois
diretórios do Partido Conservador maranhense.
45
Para se ter uma visão aprofundada das questões ligadas a problemática política nacional do Segundo
Reinado ver CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: elite e política Imperial. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 1980; ______. Teatro de sombras: a política imperial. São Paulo: Vértice, 1988.
46
Embora a afirmativa pareça ser exagerada, acredita-se que de fato os partidos Liberal e Conservador
maranhenses representavam basicamente os interesses da agroexportação, pois os seus líderes estavam ligados
por laços de parentesco e amizade com os setores agroexportadores. Isso não implica em que os setores não
ligados diretamente ao mercado externo fossem excluídos da luta partidária. No sertão, por exemplo, havia
certa predominância de liberais; já sobre as camadas médias as informações são contraditória: ABRANCHES,
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partidários convicções políticas, mas sim ambições e interesses individuais – basta que se
observe a ciranda de “derrubadas” a cada alteração de gabinete. Como afirma Cabral:
As divergências atendiam somente a interesses diferentes das frações
dominantes e não acarretavam mudanças profundas que ameaçassem o
status quo. As questões defendidas por esses partidos, portanto, não
visavam mudanças radicais na ordem estabelecida, pondo fim às
discriminações econômicas e sociais existentes. Objetivavam, sobretudo, a
hegemonia de uma ou de outra fração de fazendeiros, principal base de
sustentação desses partidos provinciais.47

Embora as elites agrária e mercantil estivessem em dissenso no aspecto político, tal


fato não ameaçava sua hegemonia. A adesão, por exemplo, de parte da elite agrária aos
clubes republicanos demonstra que os mesmos não ofereciam um risco de ruptura com o
status quo. Ao contrário, aderiram acreditando que fazendo parte das fileiras do novo
partido, em ascensão em nível nacional, estariam participando de um projeto que tinha
como objetivo a manutenção da ordem vigente. Segundo Faoro, o que distinguia os
republicanos dos “liberais progressistas e radicais” era apenas o fato de aqueles terem
proposto o regime republicano em lugar do monárquico.48

As dissidências ocorriam principalmente nos períodos eleitorais devido a exclusão


de alguma facção ou indivíduo da relação dos candidatos. O fato de se sentirem no direito
de serem candidatos e não poderem participar, levou inúmeros políticos a se rebelarem
contra seus líderes/chefes, dando origem a pequenas facções – às vezes não tão pequenas
assim – que acabavam por se aliarem ao partido oposto, num conluio voltado para a derrota
dos adversários49. Afinal, em um sistema de base oligárquica, em que o chefe possuía o
controle das nomeações e das indicações dos candidatos aos cargos de representação era
comum que houvesse dissensões partidárias. Nas palavras de Carvalho, “eram comuns as

Dunshee de. Op. cit., 1993 afirma que as camadas médias e os profissionais liberais estavam mais próximos do
Partido Liberal. No entanto, MÉRIAN, Jean-Yves. Op. cit., 1988, diz que havia uma tendência de essas
camadas da sociedade maranhense agruparem-se ao lado dos conservadores devido terem posições mais
progressistas, principalmente com relação a abolição da escravatura.
47
CABRAL, Maria do Socorro C. 1984, Op. cit., p.121.
48
FAORO, Raymundo, Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 6ª. Ed., Porto
Alegre: Globo, 1984. 2 v.,p. 451.
49
Sobre as questões concernentes às divisões e subdivisões dos partidos monárquicos no Maranhão ver REIS,
Flávio A. op. cit..
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dissidências, seja de caráter provincial, seja de caráter pessoal, seja de caráter ideológico.
Mais comum no Partido Liberal, o Conservador também não estava imune”.50

No caso do Maranhão, embora as dissidências liberais fossem em maior quantidade,


elas não implicaram, em momento algum no rompimento completo, pois poderiam provocar
o esfacelamento do partido no Maranhão. Na maioria das vezes eram grupos bem regionais
e que pouca significação tinham isoladamente no processo eleitoral, uma vez que não
abrangiam todo um distrito mas, quando muito uma comarca. É o caso da dissidência
provocada pela não indicação de Izaac Martins como candidato a deputado em 1884, fato
que afetou apenas algumas vilas do sul do Maranhão, conforme foi visto. Outra dissidência
ocorreu sob a direção do advogado e Deputado Geral Francisco de Paula Belfort Duarte,
pelo mesmo motivo que a anteriormente citada. No sul do Maranhão, em Carolina, surgiu
outra dissidência liderada pelo fazendeiro Alípio de Carvalho; e, por último, a facção criada
por José Rodrigues Fernandes, da região de Codó. 51 Essas facções dissidentes do Partido
Liberal acabariam se desvinculando do partido, dando origem aos primeiros clubes
republicanos maranhenses, que serão tratados no segundo capítulo.

Além das pequenas facções provocadas pelas dissidências descritas acima, o Partido
Liberal encontrava-se dividido em duas grandes alas: a “salista” e a “marcenilista”. A
origem dessas alas estaria ligada ao retorno dos liberais ao poder, devido a mudança de
gabinete no final da década de 1870. Com a morte de João Pedro Dias Vieira, líder máximo
da grei liberal no Maranhão, no início dos anos sessenta, assume a direção do partido na
província o senador Marcelino Nunes Alves. Somente a partir das eleições de 1878 é que
seu poder começou a ser de fato contestado por Felipe Franco de Sá, apoiado por Carlos
Fernando Ribeiro, futuro Barão do Grajaú, ambos filhos de famílias tradicionais de
Alcântara.52

50
CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras... 1988, Op. cit., p. 150.
51
Ver mapa sobre as localidades em que surgiram os clube republicanos na página 15.5
52
Entre a morte de Joaquim Franco de Sá, em 1851 e a ascensão de Felipe F. de Sá, em 1878, o que seria o
então Partido Liberal foi chefiado, primeiro, por João Pedro Dias Vieira e depois por Antônio Marcelino
Nunes Gonçalves. Nesse momento, Carlos Fernando Ribeiro já fazia parte do Partido Liberal e chefiava a ala
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As dissidências no Partido Conservador começaram no final da década de setenta


quando Gomes de Castro53 entrou em choque com o todo poderoso senador Vieira da Silva
e o presidente do partido no Maranhão, Silva Maia. Para as eleições gerais de 1878, na
montagem da chapa, Vieira da Silva e Silva Maia impuseram o nome de João Henrique
(sobrinho de Vieira da Silva) para a vaga de Heráclito Aranha que era deputado geral já há
duas legislaturas. Gomes de Castro não aceitou a imposição dando margem à cisão que
durou o restante do período imperial, chegando ao extremo de ocorrer a formação de dois
diretórios conservadores: um liderado por Silva Maia (maísta) e o outro por Gomes de
Castro (castristas). Como Silva Maia e Vieira da Silva estavam em idade avançada, aos
poucos, Gomes de Castro acabou ocupando parte do espaço político de ambos, tornando-se
a principal liderança do partido e da província.

De acordo com Reis, o principal motivo responsável pela fragmentação dos partidos
em diversas facções está relacionado ao aparecimento de uma “nova geração de políticos”,
que fazia pressão para ter acesso aos postos de mando e a cargos de representação. Assim,
as dissidências são inerentes ao problema da competição intra-oligárquica. Quando os
partidos estavam divididos em apenas duas facções, tornava-se menos complexo resolver as
pendências no momento de ir às urnas54. Este problema adquiria proporções preocupantes
quando o número de descontentes aumentava significativamente fugindo ao controle das
lideranças partidárias. Era o que ocorria no Maranhão na década de oitenta, principalmente
com o Partido Liberal.

alcantarense, porém não caracterizando a formação de uma facção dissidente. Felipe Franco de Sá acabou
sendo nomeado senador em 1882 e Carlos Fernando Ribeiro recebeu o título de Barão de Grajaú.
53
O trabalho mais completo sobre esse ator político e líder oligárquico durante os anos oitenta do século XIX
no Maranhão, foi escrito por MOREIRA, Arthur Q. Collares Op. cit.1939.
54
REIS, Flávio A. Op. cit.
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A partir do momento em que os partidos se fragmentam e suas chefias enfraquecem,
o sistema oligárquico entra em crise, pois as lideranças perdem a credibilidade e o poder de
interlocução entre as esferas local e central através da troca clientelística do uso que se
fazia dos cargos. Como atender a tantos grupos sem que um deles saia insatisfeito com a
fatia que lhe foi garantida na divisão dos cargos (poder)? O não atendimento às
reivindicações de determinados indivíduos que exerciam certa liderança local foi sem
dúvida um fator de desarticulação da política-partidária, provocando o enfraquecimento das
oligarquias nesse momento.

O quadro político em que se encontrava o Maranhão no final do Império era,


portanto, caracterizado por dissidências e conflitos em ambos os partidos monarquistas.
Dissidências que facilitaram o aparecimento dos clubes republicanos e prepararam terreno
para os novos conflitos que assolaram o Maranhão nos primeiros anos da República.

Capítulo 2
DA PROPAGANDA À PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA (1888 – 1889)
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Acredita nisso? Bem mostra o doutor que é idealista como já fomos, e tem
ilusões de moço. Pois, se a República fosse implantada um dia em nossa
terra, pensa mesmo que o governo cairia em suas mãos e na de meia dúzia
de outros jovens de alma pura e sã ? O próprio Paula Duarte, que acaba
de aderir ao novo credo, boêmio inveterado como é, e gasto pelas noite
perdidas nas casas de diversões, não teria forças nem autoridade para
chefia do movimento. E, desculpe dizer-lhe, sendo o Maranhão o que é,
os atuais partidos mudariam de rótulo e continuariam a dar as cartas os
Gomes de Castro, Os Franco de Sá, Os Vieiras da Silva e seus lugares-
tenentes, os Abílios, os Ribeiros das Cunha, os Costa Rodrigues, e os
Joões Henriques et reliqua.
Leão Leda (Apud ABRANCHES, 1993).

2.1 Abolição e República


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Quando se estuda a passagem da Monarquia para a República incomoda o fato de
que há uma tendência de centralizar e universalizar o momento político a partir do que
ocorria no centro-sul do país. Os movimentos republicanos no Norte e Nordeste têm sido
negligenciados pela historiografia. Mas, é importante ressaltar que em algumas províncias
do Norte e Nordeste o republicanismo começava a ganhar força durante os últimos anos do
Império. É o caso do Pará, província onde os republicanos estavam razoavelmente
organizados, e de Pernambuco, província em que o movimento emergiu ainda na década de
70, ganhando número significativo de adeptos na década seguinte.

A maior parte dos clubes republicanos maranhenses surgiu nos anos de 1888 e 1889,
no bojo da lei Áurea. Segundo Boehrer 55, o primeiro clube republicano maranhense teria
surgido no ano de 1887, na vila de Cururupu, “sob a presidência de Manoel Pires da
Fonseca”. Em São Luís, outro clube foi fundado em abril de 1888. Alguns meses depois,
começou a circular nessa cidade um jornal voltado para a propaganda republicana, “O Novo
Brazil”. Quanto a Barra do Corda, vila do Alto Sertão, a fundação do clube deu-se
concomitantemente à do jornal “O Norte – órgão de idéias democráticas”, em novembro de
1888.56 Os outros clubes republicanos de que se tem notícia foram criados no início de
1889.57 Porém, é preciso não exagerar a força dos republicanos na província.

Embora existisse um número significativo de republicanos para o período58, além


de não terem conseguido se organizar em partido, esses não possuíam cacife político

55
Ver BOEHRER, George C. A.. Op. cit. p. 169.

56
MEIRELLES, Mário Martins. O Maranhão e a República. S. Luís: SIOGE, 1990, p. 12-14.
57
Conseguiu-se apurar a existência de clubes republicanos nas seguintes localidades: Carolina, Barra do
Corda, Cururupu, Mirador, Grajaú, Riachão, Loreto, São José dos Matões, Caxias, Picos, Codó e São Luís.
58
Chegou-se a esta conclusão calculando o percentual de “republicanos manifestos” entre os eleitores de três
localidades onde se organizaram clubes. Inicialmente tomou-se o total de habitantes de cada localidade no
Censo de 1890 e calculou-se o número de eleitores segundo a indicação de Renato Lessa A invenção
republicana – Campos Sales, as bases da decadência da Primeira República brasileira. São Paulo, Editora
Vertice, 1988, p. 31, e José Murilo de Carvalho, Teatro de sombras: a política imperial. S.Paulo, ed. Vértice,
1988, p. 141, de serem esses equivalentes a 1.5% da população após a lei eleitoral de 1881. Estes dados foram
comparados com o número de signatários dos manifestos republicanos. Obteve-se assim os seguintes
indicadores: Picos, 7.657 habitantes, 9 “republicanos manifestos” que correspondem a 7.8% dos eleitores; São
José dos Mattões, 10.759 habitantes, 33 signatários, equivalentes a 20.47% dos eleitores; e Carolina, 7.226
habitantes, 24 signatários e 22.19% dos eleitores.
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suficiente para influenciar e, muito menos, controlar a montagem da máquina política e
administrativa do Estado, após a instauração do regime republicano.

Como foi dito, os indícios sugerem que a idéia de República ganhou força no
Maranhão somente após a abolição da escravatura, com a lei Áurea em 1888. Isso não
implica em afirmar que não havia republicanos no período anterior. George Boehrer cita a
existência de quatro jornais voltados para a propaganda republicana: “A Esperança” e “O
Democrata”, publicados ainda na década de 70, bem como os já citados “O Novo Brazil” e
“O Norte”, do final da década seguinte. No entanto, para esse historiador, a existência dos
jornais não implicava que houvesse um movimento republicano articulado na província 59.
Parte-se do princípio de que tal conclusão é procedente. Porém, a leitura dos jornais sugere
que nos últimos anos da década seguinte, com a criação dos clubes republicanos a partir dos
diretórios de Barra do Corda e de São Luís e dos jornais de propaganda, passou a existir um
movimento articulado. Percebe-se que esses dois diretórios republicanos surgiram no bojo
da abolição da escravatura. No período anterior, parte dos republicanos estavam
preocupados em auxiliar na organização da sociedade contra o sistema escravista, isto é,
fazendo a campanha abolicionista. No entanto, isso não implica que todos os abolicionistas
fossem republicanos, pois, como no restante do país, muitos aderiram ao republicanismo em
função da abolição não vir acompanhada de indenização. Para os republicanos
abolicionistas, extinta a escravatura era chegada a hora de abolir a monarquia, “tornando
todos os livres cidadãos”.60

Segundo Abranches61 uma parte dos abolicionistas eram republicanos, mas a maioria
era proveniente das juventudes liberal e conservadora, que somente chegariam ao poder
após a Proclamação da República, conforme será tratado no terceiro capítulo deste trabalho.
Entre os republicanos apontados como abolicionistas estão Francisco de Paula Belfort
Duarte (advogado e jornalista), Aloisio Porto (estudante do Liceu Maranhense), Satiro
Antonio de Faria (proprietário de tipografia e jornalista), Dunshee de Abranches (Estudante

59
Ver BOEHRER, George C. A. Op. cit. 1958.
60
Os republicanos da propaganda, em especial Sousândrade, consideravam que a monarquia impedia inclusive
a maioria dos homens livres de serem cidadãos, principalmente após a lei eleitoral de 1881.
61
ABRANCHES, Dunshhe de. O Cativeiro. 2ª edição, São Luís: ALUMAR, 1992, p. 139-162.
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de Direito), Antônio Lobo (professor), Mariano Leda (professor) e Sousândrade (poeta e
engenheiro).62

A proximidade entre republicanos e abolicionistas pode ser constatada no trabalho de


Luz. Segundo esse autor, Dunshee de Abranches fundou em 1885 juntamente com Ovídio
Pinto (advogado) e Francisco Nina Rodrigues (médico), o jornal a “Gazeta do Povo (...)
com o programa da propaganda abolicionista e republicana”. 63 Embora o jornal tivesse vida
curta, foi em torno desse veículo que foi sendo estruturado o clube republicano de São Luís,
fundado em abril de 1888.

Em meados de 1888, o republicano Dunshee de Abranches foi enviado como


promotor pelo então presidente da província, José Moreira Alves da Silva, para a região de
Barra do Corda e Grajaú com o objetivo de auxiliar na solução dos conflitos que envolviam
liberais e conservadores. Chegando em Barra do Corda estabeleceu relações com os
republicanos daquela vila, entre eles o comerciante Antônio Rocha Lima, o juiz municipal
Izaac Martins e o promotor Frederico Figueiras. Após algumas reuniões, criaram o clube
republicano local que passou a funcionar como diretório regional. Em uma das edições de
agosto de 1898 de “O Norte”, em editorial, afirma-se que Izaac Martins foi o chefe da
campanha abolicionista no sertão e que depois saíra a propagar o republicanismo,
organizando meetings, fundando clubes e organizando o partido republicano.64

Conforme se depreende da leitura dos jornais, não havia por parte da maioria da
população maranhense resistência à abolição, tanto que muitos fazendeiros estavam
libertando seus escravos. Porém, entre os proprietários ligados ao setor agroexportador,
havia reivindicações no sentido de que a abolição deveria ser acompanhada de indenização
de seus plantéis de escravos. Nesse sentido, a Lei Áurea acabou gerando um sentimento de
revolta entre os escravistas. Percebe-se claramente esse sentimento de frustração e abandono
com relação ao regime monárquico. Tais sentimentos levaram fazendeiros da região de
Caxias a fundar diversos clubes republicanos.
62
Diário do Maranhão, São Luís, 16 maio 1888.
63
LUZ, Joaquim Vieira da. Dunshee de Abranches e outras figuras. Rio de Janeiro, Oficinas gráficas do
Jornal do Brasil, 1954, p. 81.
64
Não foi possível precisar a data da edição pelo fato de estar deteriorada.
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Dessa forma pode-se dividir os republicanos históricos da província em dois grupos
distintos. O primeiro grupo teria participado de forma efetiva da campanha abolicionista e
após o treze de maio de 1888, fundado os clubes objetivando a destruição do regime
monárquico acreditando ser possível ampliar a cidadania. São produtos desse grupo os
clubes republicanos do Alto Sertão e o diretório republicano de São Luís. O segundo grupo
era composto principalmente pelos republicanos da região de Caxias, área de economia
agroexportadora, que aderiram ao republicanismo por se sentirem traídos com a abolição
sem indenização. É expressivo o seguinte trecho do Commercio de Caxias, de 13 de abril de
1889:

Unamo-nos todos; imponhamos a observância das leis ou a reforma do


systema governativo; porque desaparecidas aquellas este não tem mais
razão de ser: o captiveiro não deve pesar sobre nós; estamos em patria
livre e somos livres”

ou ainda:

Quebrou-se o cárcere da escravidão negra, quebre-se o governo


absolutista da família de Bragança, que não tem mais razão de governar
num continente livre como este. Estamos é a espera de maior movimento
nessa capital para aqui fazermos alguma coisa a favor da república. 65

Para estes fazendeiros a abolição sem indenização representava a falência completa


da economia local. Acreditavam que a República se não traria de volta a escravidão, iria
ressarci-los de alguma forma dos prejuízos.

Entre os republicanos abolicionistas de São Luís, um dos mais aguerridos era o poeta
Souzandrade. Para ele, não bastava ser abolicionista, era preciso ser também republicano,
pois somente com a implantação do regime republicano todos se tornariam cidadãos. Após a
proclamação da República chegou ao ponto de doar duas de suas fazendas aos antigos
escravos que nelas trabalhavam. Além de ser contra a indenização pretendida pelos
senhores de escravos, propunha que estes fossem indenizados, não só pela situação a que

65
O fragmento citado faz parte de uma carta da vila de Guimarães e publicada no jornal “O Novo Brazil” , de
São Luís em 7 de novembro de 1889. Essa vila situa-se na Baixada, região agroexportadora (açúcar) em que
predominava o trabalho escravo.
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foram expostos, para que não passassem da “escravidão aos vícios”, conforme costumava
repetir em seus inúmeros artigos sobre essa questão.

Sobre a instalação do regime republicano não descartava a possibilidade do uso da


pressão como foi feita para abolir a escravatura. Em sua opinião,

não quer-se a república depois da morte do velho rei , cousa que


alembra sapato de defuncto e que nem Mathusalem assignara; quer-se a
república de todos os vivos e gloriosos. Que ella surgira como o astro dia,
e todo o momento a esperamos, cremos....66

Além disso, para Sousândrade, com a implantação da República era preciso que a
liberdade e a igualdade fossem garantidas, pois sem elas não haveria cidadania. Nesse
sentido, acabar com a escravidão seria apenas o primeiro passo rumo a República.

Em editorial de O Globo, festejando a queda da Monarquia, o poeta volta ao


problema da cidadania. Para ele, a abolição havia libertado os escravos, a República
libertaria os cidadãos do jugo da Monarquia;

“ ... o povo brazileiro contempla hoje o horizonte da sua libertação.


Foram libertos os escravos – hoje são libertos os cidadãos. A humilhação
não será mais a partilha de nós todos; cada um de nossos filhos poderá
repetir orgulhosamente e sombranceiro – não temos mais senhor”. 67

Acompanhar a propaganda republicana no Maranhão significa, ante de mais nada, ler


o jornal “O Novo Brazil”, publicado em São Luís a partir de julho de 1888, sob a direção de
Satiro Antonio de Faria, jornalista que se tornou republicano a partir dos acontecimentos de
1848 na França. Esse jornal possui uma especificidade: além de não conter publicidade é
denso em informações sobre o movimento republicano em todo o Brasil, com muitos textos
de análises de conjuntura e discussões sobre os diferentes projetos de República. Nele se
pode encontrar tanto o modelo norte americano, quanto o positivista ou o jacobino.

66
O Novo Brazil, São Luís, 30 abr. 1889.
67
O Globo, São Luís 16 nov. 1889.
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A maioria dos textos que o compõem são transcritos de outros órgãos republicanos
ou assinados por pseudônimos referentes à Revolução Francesa ou ainda ligados à república
dos Estados Unidos da América. Apenas o poeta Sousândrade e o advogado Paula Duarte
(dissidente do Partido liberal no início dos anos 80) assinavam seus textos panfletários de
caráter doutrinário-pedagógico. Sousândrade possuía uma coluna chamada Scentelhas na
qual procurava explicar ao público leitor os benefícios do regime republicano. Além de
poeta, era também muito utópico e romântico em suas reflexões políticas. Seus textos em
prosa são normalmente curtos e didáticos. Neles faz constantemente a analogia ao novo
regime utilizando-se de elementos da natureza, como o sol, os astros, a aurora, etc. e da
mitologia grega, chegando inclusive a propor a fundação de uma universidade, em São Luís,
denominada Atlântida. Ao mesmo tempo, repete constantemente o lema da Revolução
Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.68

2.2 O Sertão e a idéia de República

Segundo Cabral, o sertão do Maranhão foi uma área de povoamento espontâneo, não
oficial, onde o nordestino, em especial o baiano, penetrou à procura de novas áreas de
pastagens para o gado. A vinculação da região com o norte da província era dificultada pela
distância, bem como pelas condições de acesso, pois só havia as picadas e os rios
interligando as duas regiões. Dessa forma, o Alto Sertão encontrava-se abandonado sócio-
economicamente, sem representatividade política e composto por uma maioria de homens
livres pobres que viviam à margem, sem recursos e pouca atenção das autoridades
constituídas. Ali reinava o conflito, a desordem, o patriarcalismo, o mandonismo e a
carência de instituições legais e representativas, conseqüência da precariedade material
provocada pela deficiência de projetos que o inserisse de fato na província.69

68
O Novo Brazil, São Luís, 30 abr. 1889.
69
CABRAL, Maria do S. Coelho. 1992, Op. cit.
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Uma das regiões mais tensas do sertão era, sem dúvida, a de Grajaú, onde havia um
conflito entre as famílias Costa (ligada ao Partido Conservador) e Barros e Leda (do Partido
Liberal). O clima de tensão levou à tentativa de assassinato de Araújo Costa, chefe do
Partido Conservador local, em 1882. Um artigo do jornal “Pacotilha”, sobre a violência no
sul da província indica que esse contendo ainda predominava em 1886.70 Outro artigo do
jornal liberal “A Federação”, demonstrava preocupação com os conflitos políticos ocorridos
em Grajaú e Mirador, os quais estavam sendo criticados como exemplos extremos dos
confrontos entre liberais e conservadores.71 Isso pode ser visto em uma carta de Turiaçu, vila
situada no noroeste da província e publicada em “A Federação” :
...se não fosse a prudência e quase a covardia dos liberais já se teria dado
por cá o que se deu no Grajahu, Mirador e outros lugares da província...
entendem que por estar a política conservadora por cima, tudo que é lícito
fazer, contanto que se acomodem os amigos, se cumpram as promessas
absurdas e se satisfaçam as exigências pífias e vingativas: prometerão
cartório a outro e fazem de tudo quanto podem..., prometerão o juizado
municipal a outra... Não trepidão na violência e arbitrariedades.72

Permeava o mesmo clima de tensão em Grajaú, quando ali chegou o republicano


Dunshee de Abranches que em 1888 fora nomeado promotor para investigar os conflitos
que quase geraram uma guerra civil local.73

Ao que tudo indica, o ano de 1886 foi bastante emblemático quanto à violência no
sul da província, mais especialmente na região de Pastos Bons, Mirador e Grajaú. Ali os
conflitos entre os liberais e conservadores exacerbavam. A presença do Estado se dava pela
via do partido então no poder. Assim, eram freqüentes as ‘derrubadas’ para desmontar o
grupo situacionista anterior e instalar um novo “batalhão” de protegidos, pagando os
compromissos assumidos por ocasião das eleições (clientelismo e nepotismo) que
referendavam os novos donos do poder; bem como as reações daqueles que perderam suas
regalias. Sobre tais disputas registrou o jornal O Echo:

70
Pacotilha, São Luís, 15 fev. 1886.
71
A Federação, São Luís, 11 set. 1886.
72
A Federação, São Luís, 23 maio 1886.
73
Abranches, Dunshee de 1993, Op. cit.
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“Não há segurança individual e a propriedade com a maior ameaça em
sua tranquilidade. Perdemos a esperança fagueira nos vultos mais
requintados deste partido, que são os excellentíssimos senhores Castro e
Bandeira de Mello.74

De acordo com esse jornal a situação de violência predominava a tal ponto que a
legalidade já não reinava:
Política dos Zarolhos
Há um princípio político que na actualidade se ergue sombranceiro – o
strabismo. Ser zarolho – eis em que consiste hoje o caminho do poder. É
das olympicas alturas que o augusto fulmina os mortos que o rei de copas
impõe como evangelho – olhar de esguelha e caminhar torto. A desviação
do eixo occular..”.75

Tanto os jornais da época como Almeida, apontam que os motivos de tanta


desordem e violência relacionam-se com a ausência de policiamento na região, fato que
aumentava as disputas políticas e provocava a elevação do número de salteadores e
quilombos:
O terror e o medo se espalharam pelas vilas, que tornavam-se presas
fáceis da ação do chamados salteadores e de grupos de pilhagem ou os
desordeiros do sertão. Boatos e novidades sem autores conhecidos
circulavam na capital e no interior dando conta de ataques iminentes.76

Os indícios registrados pela imprensa demonstram que o sertão do Maranhão,


aparentava ser uma terra de ninguém, ou melhor, era de quem estava próximo ao governo ou
mais bem armado – o grande proprietário rural fazendo as vezes do “agente” estatal. 77 Por
isso, havia um clima constante de descontentamento por parte da maioria da população
sertaneja, em especial daquelas pessoas ligadas à produção e circulação de mercadorias.
Mas a insatisfação atingia tanto o fazendeiro quanto o homem pobre livre que estava em
meio a todo esse conflito pelo poder local e pela posse da terra. A longa distância que
separava o sul do Maranhão do centro político e administrativo provincial, a ausência de
infraestrutura para transporte das mercadorias produzidas na região, a falta de segurança, as
perseguições políticas e a falta de perspectivas de que essas questões pudessem ser
equacionadas tornavam a região uma área em permanente clima de tensão. As disputas pelo
74
O Echo, São Luís, 9 abr. 1886.
75
Ver O Echo, São Luís, 4 jan. 1886.
76
ALMEIDA, Alfredo W. B. de. op. cit., p. 163.
77
Ver CABRAL, Maria do Socorro C. 1992, Op. cit., p. 182-185.
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poder eram constantes e não raro as armas falavam mais alto. Como as autoridades faziam
parte ou representavam interesses partidários (ou mesmo de indivíduos), era comum cenas
violentas nas ruas das pequenas vilas e lugarejos. Nesse sentido, se tem registrado o relato
por Brandes. Conta o autor que seu avô, reproduzindo o que ouvira do pai, relatava:
Havia nos idos dos anos de (18)88, entre outras, duas agremiações
políticas no sertões. Os conservadores e os liberais. Eram partidos
monarquistas pelo fato de existirem de direito naquele Sistema.
Confrontavam-se no campo cívico e às vezes enfrentavam-se no corpo a
corpo, empunhando pelos ruas, rifles e outras armas, pondo fim a muitas
vidas, não escapando dos crimes como vítimas, as próprias autoridades
(grifou-se).78

Embora aquela região fosse carente de ordem e de lei, havia uma lógica que regia as
relações sociais sertanejas. Além do fato de a região estar completamente desprovida de
infraestrutura, o que realmente mais preocupava o sertanejo era o fato de que participava de
um governo só com o ônus, isto é, pagando impostos e sendo reprimidos com extrema
violência pelos mandatários do poder, quando ignorava as determinações governamentais. A
idéia de que o sertanejo era “violento” e “preguiçoso” fazia parte do imaginário do homem
da capital, em especial da elite ludovicense. A imagem que o sertanejo fazia de si mesmo
era bastante diferente de acordo com Souza Bispo, intelectual e jornalista ligado ao Alto
sertão, e conhecedor da situação do homem sertanejo. Parte de seus artigos foram
transformados no Livro “Espinhos de Mandacarus” publicado em 1925. Em um de seus
artigos o autor faz as seguintes afirmações:
Há no interior do estado, um mal que se não acaba – a politicalha. È
fanatismo político que reina, absoluto, maléfico, coctando todas as
energias capazes; matando, aniquillando num duello mefítico e constante,
todos os commettimentos, todas as iniciativas.
A politicalha, inimiga fidalgal de tudo quanto possa elevar-nos moral e
materialmente, vive a crocitar, e negra e apavorante, pelos municípios do
interior. Legítima filha do espectrismo político, é ella ditando leis,
impondo decretos, corrompendo os caracteres que impede se não acenda,
e cintilhe e rebrilhe nas consciencias subornadas, a luz da verdade, a luz
do direito, a luz da justiça.

78
BRANDES, Edgard Galeno. 1994, Op. cit. p. 215.
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Tudo corrompe e degrada, o fantasma da inconsciencia. Não há surto de
propgresso que vingue e fortifique. Não há, iniciativa particular que não
soffra os embates e contrachoques das injunções mesquinhas dessa
instituição diabólica. Até as relações familiares desparecem dando lugar
ao ódio, que passa de geração em geração com stigma de maldição. Tudo
isso vem do partidarismo de campanário, da política mal compreendida.
Enfim da politicalha.
ao dia em que os filhos do sertão, fugindo do horror à responsabilidade,
prezarem o dever cívico que lhes assiste cumprir. Ao dia em que o
sertanejo compreender que não pode sem graves contratempos, dispensar
o Estado, o auxílio do sertão; ao dia em que a gente do interior, que nada
tem a não ser produto do próprio esforço, reagir contra as exigencias
absurdas de régulos politiqueiros: nesse dia um novo sol derramará, por
sobre os montes e serranias, luz clara e morna vivificando”
É um dever sagrado, a reivindicação de seus direitos!
... possa o sertão, para o sertanejo, para o proscrito continental, só
tributos, os mesmos tributos exigem os que governam.79

O olhar de Abranches, não foi diferente ao se referir ao sertanejo e ao sertão:


A alma dos sertões é constituída por uma raça de homens de honra e de
espírito forte, decididos e libertados de preconceitos vis, a lutarem
incessantemente contra o despotismo e o opressão. O sangue, que nos
corre nas veias, foi em boa parte derramado na defesa da independência e
das grandes causas nacionais.
O homem do sertão(...), era apegado visceralmente ao solo: sadio, altivo,
trabalhador; cioso de sua independência e de seus haveres; lavrando
bravamente as roças; tratando com carinho os rebanhos; abominando o
parasitismo burocrático; sonhando eternamente com um Brasil maior;
(...) as próprias canções dos violeiros nos desafios tinha sempre um fundo
patriótico.80

Diante do descaso das administrações provincial e imperial, reinava no sertão a


insatisfação com sua situação marginal e caótica, desprovida de condições mínimas de
existência. Ali, os desbravadores travavam uma heróica luta contra a natureza para dela
retirarem seu sustento e os índios iam sendo alijados de seu habitat, expulsos pelo avanço
da agropecuária, apesar de reagirem, em certas ocasiões, com extrema violência.

79
SOUZA BISPO, Cândido Ferreira de. Espinhos de Mandacarus. São Luís: Typografia M. Silva e filhos,
1925, p. 57-59.
80
ABRANCHES, Dunshee de. 1993, Op. cit., p. 70; 155.
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Os sertanejos reivindicavam maior atenção dos governantes, mas estes priorizavam


as regiões agroexportadoras objetivando equilibrar as finanças da província. Por outro lado,
as constantes trocas de presidentes da província também devem ter contribuído para que
algumas solicitações não fossem atendidas.81 O certo é que o Alto Sertão pouco se
beneficiou das medidas modernizadoras (navegação a vapor, estradas, engenho central,
fábricas têxteis) implementadas na província na segunda metade do século XIX.82

Nesse contexto, foi o sertão um campo propício para a germinação das idéias
republicanas. Seus partidários, conforme será visto, conheciam os modelos de República
implementados na França e nos Estados Unidos 83, mas sua motivação maior era o
federalismo, a autonomia, como uma maneira de reação à hegemonia política da parte norte
da província.

No Maranhão percebia-se, então, uma tensão entre o sertão e a parte norte da


província, à qual somavam-se os conflitos latentes intra classes (senhores de engenho X
lavradores, fazendeiros X comerciantes) e inter classes (proprietários dos meios de produção
X despossuídos, senhores X escravos).

Assim, a idéia de República ganhou força no confronto entre estratos da classe


dominante do Maranhão, como uma expressão da insatisfação dos sertanejos em relação ao
descaso do governo. E, embora eles não apresentassem um projeto político ideológico bem
estruturado, preconizavam o federalismo em suas últimas conseqüências. Defendiam que os
municípios deviam ter ampla autonomia de gestão orçamentária e independência em relação
aos poderes central e provincial, que neles poderiam intervir. Paralelamente propagavam as
vantagens da República concebida por Montesquieu, em que os três poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário) eram independentes, sem interferência de um sobre o outro, apesar

81
Ver em anexo o que afirma o editorial do primeiro número de O Norte, de Barra do Corda.
82
Sobre esta modernização ver REIS, Flávio A. Op. cit.; CALDEIRA, José de R. C. Op. cit.
83
Ver CARVALHO, José Murilo de. 1990, Op. cit.
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de harmônicos entre si. Propunham, por fim, que os cargos da magistratura fossem
preenchidos por concurso, única possibilidade da ‘justiça triunfar’, como almejavam.

2.3 Os clubes: três casos

No início de 1889 os jornais de São Luís e do interior 84 começaram a informar sobre


a criação de vários clubes republicanos no sertão maranhense. De acordo com os jornais, a
crise econômica e financeira da província seria um dos principais responsáveis pela adesão
de parte da população ao republicanismo. O jornal que mais deu destaque à fundação dos
clubes citados foi o “Commercio de Caxias”, publicado na vila de Caxias, situada no Médio
Sertão.

As informações sobre a criação dos clubes republicanos estavam, de uma maneira


geral, relacionadas a discussões de caráter econômico, ligando-os ao problema da abolição
ocorrida em 1888. De acordo com os editoriais desse jornal, o crescimento do
republicanismo na região estava relacionado a insatisfações dos fazendeiros e lavradores
escravistas em função da lei Áurea, que pôs fim ao sistema escravista, não ter vindo
acompanhada de uma política indenizatória. É o caso da criação dos clubes republicanos da
Vila de São José dos Mattões e de Picos.85

A vila de São José dos Mattões, conforme pode ser observada no mapa do capítulo
anterior (p. 15), se situa na fronteira entre o Alto e o Médio Sertão, embora com
características econômica e sociais do Médio Sertão. Nessa vila, os proprietários de terras e
lavradores foram diretamente afetados pela abolição, visto que a base do trabalho era
escravista. Dessa forma, o lançamento do manifesto de adesão ao regime republicano, bem
como o estabelecimento de vínculo com o diretório de São Luís, explicita a discordância

84
Ver os seguintes jornais: em São Luís, Pacotilha, Diário do Maranhão e O Novo Brazil e no sertão
Commércio de Caxias.
85
Ver em anexo cópia dos manifestos citados, além do da vila de Carolina.
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daqueles republicanos com a política imperial vigente. Afinal, em uma única década foram
duplamente prejudicados: primeiro com a lei Saraiva, que impediu aos analfabetos o direito
de voto. O segundo golpe foi provocado pela abolição sem indenização.

A República, nesse aspecto, representava a possibilidade de recuperação dos direitos


políticos perdidos, ou seja, o direito de voto. Para os republicanos era preciso que o país
fosse democratizado, pois somente em um Estado democrático seria possível resguardar o
direito de propriedade, como ocorria no modelo de República adotado nos Estados Unidos:
“Queremos uma constituinte que por um só parto nos dê à luz uma constituição igual a da
república norte americana, com poder de transformar essa já gasta monarquia em poderosa
República Sul-Americana”. 86

O Manifesto do clube republicano de Picos, publicado em “O Novo Brazil” 87, pode


ser dividido em quatro pontos não excludentes. No primeiro ponto encontra-se a discussão
sobre as formas e regime de governo: Monarquia e República, governo aristocrático e
governo democrático. Para os autores do manifesto, a República seria a melhor forma de
governo por ser baseada na ciência e pela possibilidade do povo poder participar
ativamente, ou seja, haveria uma expansão significativa dos direitos políticos e sociais. O
governo monárquico, ainda segundo esse manifesto, por ser centralizador, possibilitaria o
avanço da corrupção material e moral da sociedade.

No segundo ponto, o manifesto define o que considera como democracia: governo


que defende a liberdade, em que as leis são elaboradas “conforme decisões do povo” e das
assembléias. Para que um Estado seja democrático, enfatiza o manifesto, é preciso que o
povo tenha cultura, que seja alfabetizado, pois sem instrução ele “vive em completo reinado
de trevas”.88 É por isso, afirma, que o desenvolvimento e o progresso de um país estão
diretamente ligados a cultura formal de seu povo. A Monarquia, ao não criar as condições

86
O Novo Brazil, São Luís: 15 abr. 1889.
87
O Novo Brazil, São Luís, 12 mar. 1889.
88
Id idib.
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necessárias para instruir o povo brasileiro, estaria condenando o país a “decadência physica
e moral”.

O terceiro ponto, alavancado no documento refere-se aos problemas do Médio


Sertão, mais especificamente da pequena vila. Afirma que o progresso ali existente era
mérito dos seus habitantes, muito embora existissem muitas questões para serem resolvidas
– cita a necessidade de desobstrução do rio Itapecuru, obra que somente o Estado poderia
assumir.

A denúncia da ausência do Estado enquanto órgão fomentador do progresso,


encontra-se também em vários estudos e memórias sobre a região. 89 Esses autores são
unânimes em considerar que o sertão sofria com a ausência de infraestrutura. De acordo
com o manifesto o descaso do governo poderia ser detectado pela preferência que o
Imperador tinha em viajar para o exterior, ao invés de procurar conhecer de perto a real
situação de seu país, especialmente o Norte.

O quarto problema discutido pelo manifesto refere-se aos problemas provocados


pela lei de 13 de maio. De acordo com os autores, a situação econômica da região era de
crise, pois além de faltar mão-de-obra na lavoura, os proprietários perderam seu crédito no
comércio e nos bancos. A culpa pela crise seria do
governo que só nos tem legado a miséria, a fome, o descrédito, as trevas,
a ignorância, a defraudação dos cofres públicos, a falta de segurança
pública e individual, e por último o attentado ao sagrado direito de
propriedade.90

89
Ver ABRANCHES, Dunshee de. 1993, Op. cit.; CARVALHO, Carlota. O Sertão: subsídios para a história
e a geografia do Brasil, 2ª edição, Imperatriz: Ética editora, 2000; e, CABRAL, Maria do Socorro C. 1992,
Op. cit..
90
O Novo Brazil, São Luís: 12 abr. 1889.
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Ao considerar o governo culpado das mazelas do país e da província, os
republicanos de Picos propõem uma única alternativa: mudar o regime de governo,
adotando no lugar da Monarquia a República, “pois vemmos nella a verdadeira forma de
governo, a única conforme a sciência, a mais econômica, aquella que tende chegar a todo
povo, quando atinge o seu máximo aperfeiçoamento”.91

A última preocupação presente neste manifesto refere-se ao problema da sucessão


monárquica, pois com a morte de D. Pedro II, o país passaria a ser governado por “uma
senhora sem cultura e beata” e por “um estrangeiro ganancioso e aventureiro”.92

A escritora Carvalho93 ao descrever o sertão maranhense, narra que Carolina, mesmo


embrenhada no extremo sul do Alto Sertão, era uma vila em que parte da população
apreciava a literatura. De acordo com a autora, era comum existirem nas vilas sertanejas
grêmios literários em que as pessoas se reuniam para discutir literatura e fazer trocas e
leituras de jornais de São Luís e do Rio de Janeiro. Nesse mesmo trabalho Abranches afirma
que um dos jornais da Corte mais lido entre os republicanos do Alto Sertão era “O Paiz”. 94
Essas informações levam à crença de que muitos dos grêmios teriam sido transformados em
clubes republicanos, entre eles o de Carolina. Essa crença tem como base as informações
fornecidas por Alípio Alcides de Carvalho a Abranches, de que todos os republicanos de
Carolina votariam em Quintino Bocaiuva nas eleições de 1889.95

Ainda de acordo com Abranches96, o clube republicano de Carolina, liderado por


Alípio Alcides de Carvalho, criado ainda em 1888, estava ligado ao diretório de Barra do
Corda. A comunicação que era feita inicialmente através de cartas e panfletos monográficos,
a partir do final de 1888 passou a ser via jornal “O Norte”, ligado ao diretório citado. No
manifesto, os republicanos carolinenses expuseram de forma objetiva a situação de crise da
província. Culparam a monarquia pela situação de atraso do país como um todo e

91
Id. Ibid.
92
Id. Ibid. 12 abr. 1889.
93
CARVALHO, Carlota. Op. cit.
94
ABRANCHES,. Dunshee de. A esfinge do Grajaú 2ª ed. Ver.,1993, p. 79.
95
Id. Ibid., p. 187.
96
Id. Ibid.
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enfatizaram a idéia de que “independência e progresso são incompatíveis com a realeza”. 97
Ou seja, a causa da crise econômica e financeira da província não era provocada pelo
modelo agroexportador, mas pela má administração e pela inoperância de D. Pedro II.

Ao encerrar o manifesto, os republicanos de Carolina procuraram deixar claro a


proposta por eles defendida de um Estado descentralizado e federativo (“Viva a República
federativa brazileira!”). A bandeira do federalismo aliado a República, como se viu, era
lugar comum em todo o sertão, pois acreditavam que o principal responsável pelas carências
“materiais” da região era o centralismo monárquico.98

Dos manifestos republicanos mencionados, o mais bem elaborado é o de Picos.


Neste manifesto a discussão sobre economia ligando-a com a abolição deixa transparecer,
em primeiro lugar, a composição social dos republicanos daquela vila – principalmente
proprietários de terras e de escravos – e, em segundo lugar, as razões que os levaram a
aderir ao republicanismo: a abolição sem indenização e a insatisfação com a lei eleitoral de
1881, que restringiu os direitos políticos dos cidadãos. Essas mesmas razões também foram
utilizadas para justificar a adesão de parte dos habitantes de S. José do Mattões, pois a
economia desta vila era baseada na produção de algodão tendo como base a utilização de
mão-de-obra escrava. Ao contrário destas vilas, Carolina sendo área de criação de gado, foi
pouco afetada pela abolição, pois ali predominava o trabalho livre. O manifesto deixa claro
que o problema dos sertanejos daquela região era de “ordem material e moral”, ou seja,
questionavam a carência de infraestrutura e a ausência de autonomia. Ao informar que os
membros do clube republicanos de Carolina eram pessoas que deixaram as “fileiras dos
partidos liberal e conservador”99, o manifesto deixa entrever que os republicanos
carolinenses faziam parte das elites, isto é, eram comerciantes, pecuaristas, profissionais
liberais e funcionários públicos entre outros.

97
Ver O Novo Brazil, São Luís, 15 abr. 1889.
98
Os republicanos de São Luís também vestiam a bandeira do federalismo, tendo como base a autonomia
municipal. Nesse sentido, assim se expressou Paula Duarte em O Novo Brazil 15abr. 1889: “Nós não tratamos
de outro intuito; nenhum outro fim alveja o Partido republicano senão armar a nação de centros de resistência e
de vida local e individual, de modo que possa cada um governar-se como deva e queira, cada município de
acordo com as suas tendências e aspirações...”.
99
Ver O Novo Brazil, São Luís,15 abr. 1889.
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2.4 O movimento ganha corpo

Tanto os jornais republicanos quanto os demais jornais ligados aos Partidos Liberal e
Conservador100 mostram que a propaganda atingiu seu objetivo, pois logo no início de 1889
surgiram vários clubes republicanos espalhados pela província, principalmente na parte sul.
É também nesse momento que as conferências sobre essa temática crescem
substantivamente, em São Luís e no sertão.

Como já foi exposto, o jornal “O Novo Brazil”, traz a partir de março de 1889, notas
convidando a população para as conferências republicanas de São Luís 101, além de algumas
notícias sobre o que estava acontecendo no sertão maranhense. Segundo esse jornal 102,
ocorrera em São Luís uma conferência ministrada por Paula Duarte, a qual, compareceram
mais de seiscentas pessoas de várias profissões (negociantes, oficiais superiores, deputados,
magistrados, camaristas etc.)103 No mês de julho desse mesmo ano teriam ocorrido outras
duas conferências em que os republicanos foram apedrejados pelos libertos de 13 do maio
(denominados capoeiras) insuflados pelos monarquistas. O poeta Sousândrade, em sua
coluna Scentelhas, do “Novo Brazil”, denuncia o fato afirmando não ver razão para o ato
bárbaro do dia 28 de julho - data em que se comemora a adesão do Maranhão ao Brasil
independente - pois os republicanos, nesse dia, estavam apenas assistindo a uma
manifestação cívica e não fazendo propaganda: “... porque ninguém orava e em silêncio
olhavam as festas da vitória com verdadeiro esplendor celebradas no glorioso aniversário

100
Os jornais que publicavam notícias sobre a existência de clubes republicanos sendo criados no Maranhão e
que estavam ligados aos partidos monárquicos são os seguintes: a Pacotilha, O Diário do Maranhão, O Globo e
o Já citado Commécio do Maranhão.
101
Em o “Globo” de 1 de dezembro de 1889 foi publicado uma carta de José Picot, dono do Hotel de França,
local em que os republicanos reuniam-se inicialmente para suas discussões e posteriormente para as
conferências públicas.
102
Ver O Novo Brazil, SãoLuís, 16 mar. 1889.
103
O clube republicano de São Luís recebeu correspondência enviada por Saldanha Marinho informando sobre
o Congresso Federal Republicano que se realizaria no Rio de Janeiro no final de 1888. O escolhido para
representá-lo foi Paula Duarte, que acabou recebendo convite de Campos Sales para ir até São Paulo, onde
estudaram juntos, e também à Minas Gerais como conferencista a pedido do Partido Republicano. Ver O Novo
Brasil, 8 set.1888; 7 nov.1888; 15 nov. 1888; e O Diário do Maranhão 29 out. 1888.
48
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maranhense”.104 Depois de reclamar garantias às autoridades para que os republicanos
tivessem possibilidades de se reunirem livremente, faz Sousândrade a irônica observação:
“Por mim guardei uma pedrinha, material diamantina ao monumento da república”.105

Diversas conferências foram realizadas ainda no segundo semestre de1889. Por


ocasião das eleições para a Câmara Geral, realizadas em 30 de agosto de 1889, o poeta
Sousândrade lançou-se deputado. Embora tenha sido derrotado, sua candidatura demonstra
que os republicanos estavam mais confiantes com o crescimento de suas idéias. Em
Cururupu (litoral ocidental maranhense), segundo carta do republicano Fabrício Caldas
d`Oliveira, ocorreu algo insólito: ali, os republicanos definiram que nenhum dos membros
do clube deveria votar em candidatos dos partidos monárquicos nas eleições de 31 de agosto
de 1889 para a Câmara Geral; todos, sem exceção, deveriam praticar a abstenção. Porém,
dois deles, Manoel Pires da Fonseca e Raymundo Epimaco d`Oliveira (irmão do remetente)
desrespeitaram a deliberação e foram expulsos do clube.106

Por ocasião da visita do Conde d`Eu a São Luís ocorreram também algumas
manifestações de caráter republicano. Para deixar bem claro o descontentamento com a
presença dessa personalidade na cidade foi fundado o Jornal “A Luz”. Seu editorial de
lançamento é bastante claro sobre o que pretendia enquanto órgão anti-monárquico e
republicano:
Traz como bandeira a gloriosa Idea republicana, de que será campeão
humilde, mas esforçado. É seu intuito combater ardentemente em prol da
causa sancta da democracia brasileira, victimada por uma classe de
principes ineptos ou fanaticos que engordam a custa do suor da nação
para melhor feril-a em suas liberdades e em seu desenvolvimento e
progresso.
Urge que desfechemos o supremo golpe na caduca instituição monarchia,
nos esphacedos partidos que a sustentão, ainda que em aparencia tão
somente, finalmente nos tyranos caducados de que se compõe a família
privilegiada que nos governa e que semelhante à parasita enfezada
enrosca-se obstinadamente na grande árvore nacional.107
104
Ver O Novo Brazil, São Luís, ago. 1889.
105
Id. Ibid.
106
Ver Pacotilha, São Luís, 23 out. 1890.
107
A passagem de Conde D’Eu por São Luís foi marcada por uma série de manifestações pró republicanas
organizadas tanto pelo clube quanto pelos estudantes do Lyceu. Em função das manifestações dos estudantes o
Inspetor de instrução Pública acabou sendo demitido de sua função acusado de não ter impedido essas
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Esse jornal teve vida curta, porém, seus poucos números possuem textos bastante
enfáticos de repúdio à possibilidade de um terceiro reinado. De fato, a estadia de Conde
D`Eu em São Luís foi bastante conturbada, pois os estudantes do Liceu maranhense
organizaram uma série de manifestações em que davam “vivas à República” e “morras `a
monarquia”.108 Essas manifestações, em que utilizavam a bandeira dos Estados Unidos,
levaram à demissão do inspetor de instrução pública, cônego Leopoldo Damasceno.

No início de setembro de 1889 surgiu um novo jornal aberto às idéias republicanas. O


republicano Paula Duarte se afasta do “Novo Brazil” e fundando, juntamente com o liberal
Casimiro Dias Vieira Júnior (futuro chefe de polícia da Junta Provisória de governo no
Maranhão), o diário o “Globo”. Embora fosse um jornal comercial estava aberto às idéias
republicanas – algo próximo ao que Quintino Bocaiuva fizera com A República, no Rio de
Janeiro.109 O poeta Sousândrade passou a escrever em o Globo a coluna “Práticas familiares
de democracia”, em que procurou de maneira bastante didática explicar a diferença entre
um governo monárquico e um governo republicano. Esse mesmo jornal se transformou, com
a proclamação da República, em órgão oficial (oficioso) da junta provisória, pois além de
ser utilizado para publicar os decretos do governo, era somente esse diário que recebia as
informações oficiais e as publicava em primeira mão.

2.5 A proclamação da República

manifestações. Silva Jardim, que esteve em várias capitais de províncias do Nordeste para organizar
manifestações contra o 3º Reinado, ao que tudo indica não chegou até São Luís, pois os jornais não falam de
sua estadia na cidade.
108
Ver Pacotilha, São Luís,4 jul. 1889.
109
BASBAWM, Leôncio. História sincera da República. 48. ed, São Paulo: Alfa-Omega, 1976, p. 208,
v. 1.
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Com a ascensão do Gabinete Ouro Preto em julho de 1889, os liberais começaram a


empreender uma série de reformas visando impedir o crescimento dos republicanos. 110
Porém, a insatisfação já atingira muitos dos setores da sociedade. Um conluio entre os
fazendeiros do café de São Paulo (organizados no Partido Republicano Paulista), os
republicanos do Rio de Janeiro e Minas Gerais e os militares descontentes dentro do
Exército convenceram o marechal Deodoro da Fonseca a dar um golpe de Estado em 15 de
novembro de 1889, tomando o poder, derrubando a Monarquia e proclamando a República.

A maioria dos historiadores111 concorda que a forma como fora feita a abolição
provocou um desgaste significativo nas bases de sustentação do regime monárquico.
Concorda também que os republicanos se aproveitaram desse desgaste do governo para
melhor marcarem posição, pois muitos monarquistas estavam aderindo ao movimento
republicano. Contudo, não se pode explicar a queda da Monarquia apenas a partir desse
fator. Da mesma forma não se pode superestimar o papel da questão religiosa, pois boa parte
dos republicanos eram indiferentes à igreja e ao clero na medida em que propunham
liberdade de crenças e cultos, separação da igreja do Estado e casamento civil. A questão
religiosa acabou por reforçar a visão de que era necessária a separação entre a Igreja e o
Estado.

110
A plataforma do Gabinete Ouro preto era extensa. Entre tanto itens extraiu-se os seguintes: alargamento do
voto; plena autonomia aos municípios e províncias; liberdade de ensino e seu aperfeiçoamento; lei da terra que
possibilite sua aquisição, respeitando o direito de propriedade; redução dos fretes e desenvolvimento dos
meios de rápida comunicação de acordo com um plano previamente elaborado; amortização do papel-moeda;
etc. Ver CHACON, Vamireh História dos partidos brasileiros: discurso e praxis de seus programas. 3. ed.

111
Ver, entre outros, BASBAWM, Leôncio Op. Cit.; BEIGUELMAN, Paula Formação política do Brasil. S.
Paulo, Ática, 1974. BOEHRER, George C. A Op. cit.; CASALECCHI, J. Ênio. O Partido Republicano
Paulista (1889-1926). São Paulo, Brasiliense, 1987; COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia a República
— momentos decisivos. S. Paulo, Grijalbo, 1999; COSTA,. Cruz. Pequena história da República. Rio de
Janeiro, 2. ed., Civilização Brasileira, 1972;
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Outro fator que a historiografia procura destacar como essencial na queda da
Monarquia diz respeito ao papel do Exército brasileiro. Para uns, o Exército foi manipulado
pelos civis e para outros, ao contrário, foi o propulsor do movimento que levou à
proclamação da República. De fato, boa parte dos militares do Exército havia aderido ao
republicanismo por influência das idéias positivistas, no entanto, havia poucos oficiais de
alta patente entre os republicanos.

Não se pode tratar a queda da Monarquia partindo apenas de um fator básico. É preciso
que se verifique as transformações pelas quais passava o país naquele momento histórico. O
aparecimento de novas camadas urbanas, graças ao crescimento do setor de serviços; a lei
eleitoral de 1881, que excluía a maioria de participar do processo eleitoral; a abolição sem
indenização; a falta de uma política voltada para a substituição do trabalho servil pelo livre;
o descontentamento militar; a relação da igreja com o Estado; e o crescimento dos clubes e
partidos republicanos na maioria das províncias, principalmente no eixo econômico que
sustentava o Estado no momento (Centro-Sul), enfim, um leque de fatores levou ao conluio
que provocou a tomada do poder e instalação do regime republicano.112

Mas, como foi recebida em São Luís e no restante do Maranhão a notícia dos
eventos de 15 de novembro, ocorridos no Rio de Janeiro?

Conforme se viu, durante o ano de 1889 a idéia de República criou corpo na província
do Maranhão. O crescimento do movimento republicano local torna-se evidente quando se
observa que no ano de 1887 havia apenas um clube organizado (em Cururupu) e em meados
de 1889 esse número havia se elevado para quatorze. 113 Além disso, foram criados dois
jornais voltados especificamente para a propaganda dessas idéias. Aliás, durante esse ano o
sertão vivia um momento de euforia. Identificou-se naquela região, a existência de onze
clubes republicanos em pleno funcionamento e pode ser que outros tenham existido.

112
COSTA, Emília Viotti da. Op. cit., p. 454-460.
113
Vilas onde foram organizados os clubes republicanos: São Luís e Cururupu (Baixada e litotal); Codó,
Caxias, s e São José dos Mattões (Médio Sertão); e, Picos, Carolina, Grajaú, Loreto, Barra do Corda, Riachão,
Imperatriz, Pastos Bons, Mirador (Alto Sertão).
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Segundo Abranches, no final de 1889, Barra do Corda era um centro febril de atividade
republicana, funcionando como “Diretório Central” para todo o Alto Sertão.114

Se no sertão a situação era um tanto quanto tensa, beirando à violência,


principalmente na região do Grajaú, devido às disputas políticas entre os liberais (que se
diziam republicanos) e os conservadores, em São Luís o ambiente era outro. Os republicanos
ludovicenses trilharam um caminho diferente. Os textos do “Novo Brazil” enfatizavam a
idéia de que era preciso que a mudança de regime se fizesse sem traumas, alterando as
estruturas de mando, permitindo que todos tivessem acesso à cidadania pelo voto. A idéia de
cidadania e participação popular fica bastante evidente no artigo publicado em “O Novo
Brazil”, que procura estabelecer as diferenças entre a Monarquia que existia e a República
que pretendiam:
Monarquia - é um governo de privilégio, da vontade de um homem.
Republica é o governo da opinião pública, do desejo de uma nação.
Monarquia - é o povo governado.
República - o povo se governa, delegando embora os serviços da
administração nas mãos de alguns homens que só se ocupam de política.
Monarquia - é um governo de uma pessoa, impopular.
República - é um governo de sociedade, popular.
Monarquia - o Sr. do paiz tem o poder de herança.
República - o chefe de Estado tem o poder por que a patria existe e o
encarrega d`ell.
Monarquia - os governados são chamados de suditos pelo Sr.
República - são chamados cidadãos pelo cidadão presidente.115

Foi com essa idéia de República que boa parte dos republicanos de São Luís viram
os acontecimentos de 15 de novembro. Os editoriais dos jornais, que em um primeiro
momento foram apáticos aos primeiros telegramas da Corte – salvo o “Globo” –, aos poucos
foram sendo inflamados pelas notícias que chegavam pelo único aparelho de telégrafo da
cidade, sob controle do governo.

114
ABRANCHES, Dunshee de. 1993 Op. cit..
115
Ver O Novo Brazil, São Luís,7 jul. 1889.
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O “Globo”, ao dar a notícia da proclamação da República, foi bastante eloqüente e


enfático: “O povo brazileiro contempla hoje o horizonte da sua libertação. (...) A
humilhação não será mais a partilha de nós todos; cada um dos nossos filhos poderá repetir
orgulhoso e sombranceiro – não temos mais um senhor”. 116 Devido a essa simpatia
manifesta pelos eventos ocorridos na Corte, no dia 17 de novembro de 1889, sua sede quase
foi depredada, principalmente pelos libertos do 13 de maio que viam o novo regime a partir
do olhar daqueles que estavam perdendo o poder, isto é, os monarquistas: temiam que a
República trouxesse de volta o jugo da escravidão. Os ânimos exaltaram-se tanto que a
polícia acabou por intervir e o resultado foi de extrema violência para os revoltosos : quatro
mortos e mais de uma dezena de feridos, dentre estes, vários tiveram parte de seus membros
amputados em função dos ferimentos recebidos.

A violência do dia 17 de novembro levou, como aponta Abranches, a Junta


Provisória de Barra do Corda, em sessão secreta, a romper com a Junta Governativa de São
Luís, chegando a propor que caso o Governo Provisório sediado no Rio de Janeiro não
tomasse providências, eles mesmos fariam “descendo parte dos nossos homens armados
para São Luís, a fim de restabelecer a moralidade e a ordem na administração pública”.117

Imediatamente após a tentativa de depredação de o Globo, o Jornal publicou um


artigo de Sousândrade intitulado “Proclamação ao povo”, em que canta o novo regime de
forma a buscar convencer a população a aderir. 118 É um artigo militante partindo do
princípio de que uma nova era estava se iniciando; que a Monarquia significava passado e
atraso e a República trazia a idéia de luz, de progresso, de liberdade, de igualdade e alegria
universal.

116
Ver o Globo, São Luís,16 nov. 1889.
117
ABRANCHES, Dunshee de. 1993, Op. cit., p. 198-199.
118
Ver O Globo, São Luís,19 nov. 1889.
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Em São Luís, devido à violência com que foram tratados pela polícia os
manifestantes do episódio do dia 17 de novembro, somente a partir de 20 de novembro é
que tiveram início as manifestações realizadas em praça pública favoráveis ao novo regime,.
A partir dessa data, a imprensa aponta onze passeatas em apoio ao novo regime, promovidas
por estudantes, trabalhadores da prensa, caixeiros, funcionários públicos etc. Por outro lado,
são incontáveis as declarações de adesão claramente circunstanciais que vinham através de
cartas de juizes, delegados, presidentes de Câmaras Municipais, fazendeiros espalhados pelo
interior e funcionários públicos em cargos de chefia. Elas fazem parte de outro tipo de
adesão: aquela de caráter meramente político e interesseiro, fruto do desejo de permanecer
nas funções publicas e de estar próximo ao poder para dele continuar a usufruir, tendo com
o bem público uma relação exclusivamente patrimonialista. 119 Nota-se também que a
maioria das adesões vieram dos conservadores. Os liberais demoraram um pouco a aceitar a
perda do controle do Estado.

Havia um entusiasmo latente estampado naqueles que há algum tempo sonhavam


com o novo regime. Especialmente para os que eram sonhadores, isto é, aqueles que
acreditavam que seria possível sair do plano da abstração, da teoria e ir à prática política
republicana a partir dos pressupostos do que deveria ser um Estado republicano. No entanto,
logo nos primeiros dias esses republicanos foram obrigados a aceitar a junta provisória
formada em 18 de novembro de 1889, em que eram minoria. Tiveram de sentar-se lado a
lado com velhos inimigos, políticos dos partidos monárquicos a quem tanto questionavam.
Faziam parte da junta quatro militares (Tenente Coronel. João Luís Tavares - presidente e
comandante do 5º B/F, Capitão Tenente Floriano da Costa Barreto - Capitão dos Portos, 1º
Tenente Augusto F. Monteiro da Silva – comandante da Escola dos Aprendizes
Marinheiros, Capitão João Lourenço Milanez); e três civis: Francisco Xavier de Carvalho
(comerciante, conservador maísta que se filiara ao Partido Liberal), Dr. José Francisco de

119
Com relação à discussão sor e a relação patrimonialita entre as elites e Estado no Brasil ver: HOLANDA,
Sergio Buarque de As Raízes do Brasil, 13. ed., Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979 e FAORO, Raymundo. Op.
cit..
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Viveiros (político conservador castrista), e Francisco de Paula Belfort Duarte (advogado e
republicano histórico).120

Possivelmente foi Paula Duarte, chefe do clube republicano de São Luís, quem
escreveu um artigo em o “Globo”, procurando justificar esta união, afirmando em editorial
que era o momento de todos se unirem, pois a República “desperta ditosa ao mais brilhante
sol do novo mundo”. Segundo Paula Duarte o que importava era consolidar a “revolução”.
Para isso era preciso investir em educação e distribuir justiça, pois a “monarchia não era
constituída por cidadãos. Todos pagavam impostos mas tu não eras contemplado nos
orçamentos: não te davam as escolas suficientes, não te preparavam para o futuro” 121, diz
outro artigo do mesmo jornal em 20 de novembro de 1889. Além disso, esse artigo
procurou mostrar os objetivos do novo regime. Entre outras coisas, este deveria: instruir o
povo, distribuir justiça, desenvolver o comércio, a navegação, a indústria e a lavoura, além
de reformar as instituições para que funcionassem tendo como base a liberdade e a
igualdade.

O jornal Pacotilha, embora tenha apoiado o novo regime, não o fez de modo
incondicional, procurando manter uma certa distância do poder. Mesmo assim não deixou
de contribuir para a organização deste, pois procurou de forma didática mostrar o que era a
República, como ela deveria funcionar e qual seria o papel do povo e da educação no
regime republicano. Todavia, fez questão de manter uma certa postura crítica diante do
governo provisório. Essa marginalidade levou o jornal a uma atitude que na época foi
considerada de oposição, sendo por isso criticada.

Em uma de suas réplicas ao o “Globo”, o jornal “Pacotilha” afirmou:

120
MEIRELES, Ver Mário M. 1990 Op. cit., p.19.
121
Ver o Globo, São Luís, 19 dez. 1889.
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É uma crença geral que na republica instituída há diferenças entre os
soldados da mesma grey e adeptos do mesmo partido nacional
republicano e d`ahi os phenomenos que apontamos, que não podem ser
negados, por quem quer que empregue um pouco de attenção observando
o que se passa no Estado.122

Algumas semanas depois, na edição de 17 de dezembro de 1889, a mesma Pacotilha


voltou a acusar a junta provisória de abuso de poder ao permitir perseguições políticas e atos
de violência contra a população. Esse artigo foi publicado justamente no dia em que
desembarcava no Maranhão o primeiro governador nomeado pelo governo provisório do
Rio de Janeiro, Pedro A. Tavares Júnior.123

Quando chegou a São Luís, Tavares Júnior, encontrou a população amedrontada com
o autoritarismo da junta governativa. Ao assumir o governo em 17 de dezembro, um mês
após a adesão do Maranhão ao novo regime, uma de suas primeiras medidas foi a anulação
de todos os decretos da Junta124, fazendo tudo voltar ao que era no dia 21 de novembro,
embora tenha reeditado boa parte desses decretos. No dia 23 de dezembro, decretou a
liberdade de culto, o fim das verbas ao culto católico e mandou dispensar dos cargos os
religiosos que trabalhassem em órgãos públicos. Justificou que essas medidas eram
imperativas para sanear os cofres públicos.

Pode-se dizer que foi tempestuoso o primeiro mês do Maranhão sob o regime
republicano. O entusiasmo provocado pela proclamação da República nos republicanos
históricos ia dando lugar ao desânimo, pois se sentiram marginalizados do poder, isto é, não
conseguiram tomar posse do aparato estatal local para desenvolver as propostas defendidas
desde o início da propaganda nos idos de 1888. Talvez essa tenha sido a maior das
decepções por eles sofrida: ver no poder, em plena vigência do regime republicano, aqueles
a quem abominavam, era como que presenciar a ascensão do Leviatan ao poder. Não é à toa
122
Ver Pacotilha, São Luís, 23 nov.1889.
123
Ver Pacotilha, São Luís, 17 dez 1889.
124
Entre os decretos considerados infelizes politicamente pela imprensa do período cita-se: de 13 de dezembro
– extingue a Escola dos Educandos e Artífices para utilizar o prédio como quartel do corpo de segurança; e, de
14 de dezembro que proíbe o trabalho aos domingos em todo o território maranhense, com penas de multas e
até prisão para os que não cumprissem – excetuou deste decreto apenas os hotéis, restaurantes, farmácias,
açougues e padarias. Ver : Coleção de leis do Estado do Maranhão, 1892-1893.
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que republicanos como Paula Duarte e Souzandrade acabaram no isolamento. O primeiro foi
para o Rio de Janeiro, onde faleceu alguns anos depois como funcionário público e o
segundo morreu pobre, vendendo pedras de sua quinta.

Já os republicanos históricos de Barra do Corda permaneceram na luta. Não se


permitiram aos conluios com os antigos monarquistas que estavam no poder e por isso
foram impedidos de exerce funções políticas representativas na esfera estadual. Izaac
Martins, por exemplo, conseguiu ser eleito e tomar posse como senador na elaboração da
primeira Constituição estadual, mas logo depois o Congresso local foi dissolvido:
posteriormente ele perdeu o cargo de juiz de direito conforme se verá adiante.

2.6 A Junta e o povo

A proclamação da República em seu reflexo no Maranhão, assim como no restante


do país, passa a idéia de ausência. Em um primeiro momento, ausência de participação
popular e ausência de monarquistas, considerando que a maioria dos políticos agiu como se
sempre tivessem sido republicanos. Em um segundo momento, ausência de republicanos
históricos no governo, uma vez que foram excluídos pelos adesistas.

Segundo Aristides Lobo, o povo assistiu bestializado à chegada do regime


republicano. Que o povo não tinha condições de entender integralmente o que estava
ocorrendo, é fato incontestável, pois fazia parte de uma sociedade em que a maioria era
composta de excluídos, frutos do sistema escravista recém-extinto (tanto na situação
escravos e libertos, como na de livres pobres), à margem da educação formal e de direitos
políticos e sociais. E não se pode esquecer que os analfabetos estavam legalmente excluídos
do direito do voto desde 1881.
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De uma maneira geral o povo entra no noticiário em forma de anedotas ou quando se


torna caso de polícia, situação que pouco mudou nesses 113 anos de República. É como se a
sociedade em questão fosse composta apenas pelas elites e camadas médias da população.
Encontram-se as múltiplas faces do povo apenas nos romances ou memórias. Ali os autores
recriam a realidade a partir de sua visão de mundo, de como seus sentidos a captam. Através
do relato dos literatos contemporâneos pode-se perceber os diferentes olhares que lançam
sobre o povo.

Em “Vencidos e Degenerados”125, romance do mesmo nível do clássico “O Mulato”,


de Aluízio Azevedo126, porém com outro enfoque, o povo constitui o cerne de toda a obra.
Se algum outro setor da sociedade é destacado a imagem é caricaturada, principalmente
quando se trata dos comerciantes e caixeiros portugueses. Nessa obra percebe-se não o povo
“bestializado”, mas pessoas e indivíduos preocupados com a conjuntura local, com a
sobrevivência cotidiana e com formas de escamotear sua mestiçagem para não serem
completamente excluídos. Percebe-se nessa obra uma preocupação em mostrar que parte do
povo – o branco pobre, o negro, os artesãos, os diaristas, aqueles que viviam de “bico”, o
operário, enfim todos os que estavam em situação de carência material - buscava o
conhecimento das letras para inserir-se no mundo dos cidadãos.

Esse trabalho, escrito cerca de 30 anos depois de “O Mulato”, enfoca justamente o


período que se estende da abolição aos primeiros anos do novo regime. Tendo como cenário
a cidade de São Luís, o autor (um mulato), procura retratar a sociedade ludovicense, bem
como os conflitos de poder ali existentes, a partir da ótica dos vencidos, isto é, do povo,
dentro de uma conjuntura em que predominava a política oligárquica e coronelista . O
romance tem como tônica não a sociedade escravista, mas seus resquícios no tempo
imediatamente posterior à abolição, em que o negro era visto não como um indivíduo senhor
125
Ficção histórica produzida por, MORAIS, Nascimento de. Vencidos e degenerados. 4. ed., S. Luís: Centro
Cultural N. Moraes, 1982. Escrita no início da década de dez, teve sua primeira edição em 1915. A obra retrata
o período histórico entre 1888 e 1894, aproximadamente e tem como protagonista central o filho de uma
escrava com branco adotado por uma família de classe média.
126
AZEVEDO, Aluízio O Mulato, 7. ed., São Paulo: Ática, 1987.
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de si, mas um liberto e por isso inferior. O autor enfatiza a busca de inserção destes não só
no mundo do trabalho, mas, também, nas diversas esferas das relações sociais e atividades
culturais, tais como: os jornais, as reuniões públicas, as festas públicas e particulares, o
viver nas ruas, a violência cotidiana. De fato, acredita-se que Moraes traga um pouco da
alma da cidade de São Luís clareando as relações sociais ali desenvolvidas. A partir de sua
visão de mundo faz uma releitura do real e reapresenta127 o povo como atuante, ágil e
solidário. Além disso, demonstra também as insatisfações latentes que fazem lembrar as
greves de diversas categorias profissionais ocorridas em setembro e outubro de 1891128.

Também na novela “Nova aurora”, de Marques, a inclusão do povo é bastante


significativa129. Nessa obra produzida na mesma década em que Nascimento de Morais
escreveu “Vencidos e Degenerados”, o autor privilegia o mesmo espaço físico, porém em
um tempo ainda menor (os primeiros meses do regime republicano), tendo como cenário as
tramas políticas logo após a proclamação da República. Seu objetivo, ao que tudo indica,
teria sido fazer uma crítica à Junta Provisória por seu autoritarismo e perseguição ao
populacho, bem como à maciça adesão de monarquistas ao novo regime, que segundo
afirma - não possuía uma ideologia republicana e democrática. A pequena propriedade -
“Aurora” - seria a representação, em um primeiro momento, do Maranhão monárquico. Era
naquela quinta ou chácara que os amigos liberais reuniam-se para jogar e discutir a
conjuntura local e nacional. Com o advento do regime republicano as reuniões diminuíram,
chegando mesmo a cessar por algum tempo, pois os que haviam assumido o poder poderiam
interpretá-las como “conluios sebastianistas”.130 Quando o proprietário, um liberal, e seus
amigos certificaram-se de que as alterações eram superficiais e que os mandatários seriam
eles mesmos, alteraram o nome da propriedade para “Nova Aurora”.

127
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 16, afirma que “captar o
fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa se manifesta naquele fenômeno, e
como ao mesmo tempo nele se esconde ... por isso a essência pode ser tão real quanto o fenômeno, e o
fenômeno tanto quanto a essência ...”
128
Nos meses referidos ocorreram greves de várias categorias de trabalhadores em São Luís. Os Jornais A
Cruzada e Pacotilha deram bastante relevo aos eventos no calor da hora.
129
MARQUES, Astolfo. 1913 Op. cit..
130
O termo sebastianismo é utilizado por Marques no sentido de monarquistas. Essa mesma expressão foi
também bastante utilizada na imprensa situacionista no início de 1892 para tentar desmoralizar a oposição
representada naquele momento, pelo Partido Republicano liderado por Costa Rodrigues, conforme será visto.
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Como o povo aparece nesse trabalho? Procurando demonstrar que no novo regime
político havia falta de democracia e ação exacerbada dos republicanos da capital e dos
dirigentes da Junta Governativa, o autor recorre ao massacre de 17 de novembro de 1889,
quando o “povo liberto”, insuflado pelos “monarquistas liberais”, começou a se aglomerar
já no dia 16, culminando com uma grande manifestação em que saíram em passeata pela
cidade no dia seguinte.131 O autor cita poucos nomes (alguns modificados), mas, dá uma
clara idéia de quem eram os participantes: estivadores, prensadores, operários,
embarcadiços, catreiros e pescadores aos quais outros vinham se juntar.

Era o mesmo povo de “Vencidos e Degenerados” a gritar vivas à Redentora e morras


aos republicanos. “Era o meetting, por convite anônimo” em que “todos os homens que, no
ano anterior, estavam delirantes pela extinção do trabalho servil, achavam-se congregados
na praça, tomando uma guarda avançada ao trono em que desejariam ver Izabel, a
Redentora...”.132

Em “Nova aurora” o povo aparece a partir de um enfoque político bem específico,


pois ali o que interessa já para o autor era decifrar parte dos acontecimentos ocorridos no
final de 1889 e início de 1890. A ausência de participação popular favorável ao novo regime
é um fato que dificilmente poderá ser questionado. Mesmo tendo ocorrido uma passeata
organizada pelos mesmos trabalhadores da prensa que haviam participado do mencionado
meetting que terminara em tragédia. Vale a pena destacar que esse evento terminou no
Largo do Carmo onde o Tenente Coronel Tavares e o republicano Paula Duarte, membros
da Junta Provisória de governo, participavam de uma manifestação que tinha como objetivo
destruir o Pelourinho. Ali, segundo o jornal “Pacotilha”, Paula Duarte uniu-se a multidão e
“num abraço fraternal”, destruiu o “symbolo da tirania”. 133 Essa manifestação pró República
se deve mais ao fato de que após o episódio de 17 de novembro, a polícia passou a agir de

131
A narrativa do massacre de 17 de novembro de 1889, feita por MARQUES, Astolfo. Op. cit., p. 46-66,
corresponde ao descrito nos jornais da época: “O Globo”, de 18 e 21 de novembro de1889 e a Pacotilha, de 18
de novembro de 1889 e 3 de junho de1893.
132
MARQUES, Astolfo. Op. cit., p. 53.
133
Ver Pacotilha São Luís, 26 nov.1889, e também MARQUES, Astolfo. Op. cit., p. 91–92.
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forma extrema, prendendo e torturando aqueles que eram apontados como lideranças
daquele movimento, do que sincera adesão ao novo regime. A destruição do Pelourinho
usando como subterfúgio a justificativa de que era ali que os escravos recebiam uma parcela
de seus “merecimentos”, não levou em conta, segundo Marques, o significado histórico
daquela peça. De acordo com esse autor aquele pelourinho era um monumento da cidade
desde 1815 e pouco servira para açoitar os negros escravizados.

Assim sendo, de acordo com Marques134, parte do povo ludovicense não assistiu
“bestializado” a proclamação da República. Não importa aqui se a manifestação foi
promovida por incentivo de A ou B. O que importa é que houve uma manifestação popular,
embora anti-republicana. Não que os manifestantes fossem monarquistas convictos, apenas
não conseguiam conceber que aquela que lhes havia concedido a liberdade não os pudesse
governar – isso demonstra também que o discurso dos republicanos históricos era (ou virou)
apenas retórica para parte da sociedade, visto que não possuía credibilidade entre os libertos
do 13 de maio. Se estes não tinham consciência de que a liberdade não lhes fora concedida,
mas conquistada, é uma outra história.

Não se pode esquecer que o povo vivia a mercê dos grandes proprietários e
comerciantes, em um Estado voltado para os interesses de uma minoria. Moraes ao fazer a
crítica da sociedade de seu tempo assim se expressa:
A nata social é um composto de portugueses capitalistas e descendentes
dos cujos, e algumas famílias pobres e mal arrumadas que se curvam à
vontade suprema e por isso, ganham um pedacinho de bem aventurança ...
o artista é, aplicando a frase do poeta, a vítima imbele que o tufão
roubou.135

A partir do fuzilamento de 17 de novembro de 1889, o governo provisório através de


seu chefe de Polícia, Casimiro Júnior, começou a prender todos aqueles que eram suspeitos
de terem participado do evento, principalmente os trabalhadores. Os presos sofreram
diversas formas de tortura objetivando inibir quaisquer manifestações questionadoras ao
novo regime. Tais fatos não foram noticiados nos dias subseqüentes, indicando haver
134
Id. Ibid.
135
MORAES, José Nascimento de. Op. cit., p. 51.
62
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censura na imprensa local. Esta suspeita se confirma com a veiculação de relatos sobre o
ocorrido um mês depois, às véspera da chegada do primeiro governador enviado pelo
Governo Provisório da República, Pedro Tavares Júnior. A proximidade do término da
administração da Junta Provisória repressora certamente encorajava as críticas dos
opositores.

Devido a repressão violenta aos ex escravos no célebre episódio de 17 de novembro,


as manifestações de adesão ao regime demoraram alguns dias para acontecer. Os estudantes
do Liceu, um dos centros de idéias republicanas da capital maranhense, emudeceram e só
organizaram a primeira passeata pró República no dia 22 de novembro. Para a população
como um todo era preciso ter alguma certeza de que o governo não iria agir com o restante
da sociedade como agira com o populacho por ocasião do meetting de 17 de novembro. É
preciso salientar que não foi a Junta Governativa que deu a ordem para atirar. Mesmo
porque ela ainda não existia oficialmente, pois só tomou posse em 18 de novembro de 1889.
O trabalho repressivo fora feito pelos soldados do 5º Batalhão, sediado em São Luís e não
pela polícia provincial.

Um ano depois o jornal do Partido Católico, “A Cruzada” , antiga “A Civilização”,


na coluna “Prosas e Glosas”, ao avaliar o novo regime relembrou o já citado episódio para
justificar sua visão de que o povo só aderira à República por medo. Afirmou também que as
adesões foram “antes producto do terror, do medo do sangue vertido na véspera”. 136 É
sempre bom lembrar que tal avaliação foi feita em um período em que o jornal estava na
oposição.

A imprensa política procurou durante esse período, retratar o povo de acordo com
seus projetos. Ora o apresenta como formado por cidadãos que devem ser respeitados, ora
como massa de manobra. O mesmo povo que se manifestou contra o novo regime antes que
fosse formada a Junta governativa - possivelmente incentivado pelos liberais que perderam

136
Ver A Cruzada, São Luís, 18 nov.1890.
63
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o poder137 – e por isso violentamente reprimido acusado de estar anarquizando um momento
tão glorioso, era visto também como uma massa completamente despolitizada, sendo
utilizado para dar credibilidade a certos atos políticos. É o caso, por exemplo, do golpe de
18 de dezembro de 1891, quando o governador Lourenço de Sá perdeu o poder para a
oposição como consequência da política adotada por Floriano Peixoto, que resolvera
substituir os governadores que aceitaram ou apoiaram o golpe de Estado proferido pelo
Presidente Deodoro, que fechou o Congresso e decretou estado de sítio, como será visto
adiante.

Talvez se possa compreender melhor o conceito de povo vigente na época ao atentar-


se para a crítica de Izaac Martins ao Golpe de 18 de dezembro acima mencionado e que
dissolvera a Assembléia Legislativa da qual ele fazia parte. Depois de algumas
considerações sobre a arbitrariedade do presidente Deodoro e elogios ao contragolpe de
Floriano Peixoto fazendo o país voltar à legalidade, passou a criticar o novo presidente pela
deposição dos governos estaduais, o que o teria tornado “mais vil que Deodoro”. Ao
questionar os acontecimentos de São Luís, usou como argumento a questão da participação
popular, afirmando que não se pode buscar a legalidade de um movimento com base na
participação de “um pequeno agrupamento do povo da capital; a pequena parte do povo de
um só município”. Prossegue expressando sua visão sobre o povo:
a peior parte, talvez aquella mesma que apedrejou, por ocasião da
adhesão da capital à heróica revolução de 15 de novembro; ... é esta,
podemos affirmar, a plebe ignorante, sem noções de cousa alguma, que
representou agora o povo maranhense....138

Outro dado esclarecedor do conceito de povo entre os grupos politicamente


organizados no início da República e que auxilia na confirmação do que aqui se enfatiza,
isto é, de que na maioria das vezes o povo era conduzido devido à falta de uma prática
política que o tornasse cidadão, pode-se encontrar no “Diário de Notícias”, que através de
seu editorial de 19 de setembro de 1893, acusa o governo estadual (na figura de Monsenhor

137
O poeta republicano Sousandrade ao escrever em “O Globo”, de 19 de novembro de1889, deixa
transparecer que os manifestantes foram induzidos ao ataque à redação do jornal: “Andam esses pescadores de
águas turvas mentindo aos cidadãos da áurea Lei de 13 de maio – que os republicanos os quer escravizar”.
138
Ver Pacotilha São Luís, 2 fev. 1892.
64
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Mourão, presidente da Câmara estadual) de má fé por informar ao presidente da República
que “o povo em massa havia organizado um batalhão patriótico para defender o governo”.
Segundo o jornal, a criação do batalhão teria sido definida por reunião, em palácio,
composta de sete autoridades “... para defender o Estado em qualquer situação de
emergência difficil” e que o povo jamais fora consultado.

De acordo com Carvalho, a República trouxe pouco de novo para a “ordem social e
política”, pois “O liberalismo já havia sido implantado pelo regime imperial em quase toda
sua extensão”.139 No aspecto político a República teria trazido como novidade “a franquia
eleitoral” ao “eliminar a exigência de renda, mantendo a de alfabetização”. Dessa forma,
segundo o autor, o novo regime acabou por criar a figura de “cidadão ativo” e “cidadão
inativo”. Vai mais além em sua crítica ao afirmar que se instalou no país “uma ordem
liberal, mas profundamente antidemocrática e resistente a esforço de democratização”. 140

Mesmo com todos os problemas existentes no que concerne à questão da


participação popular, isto é, da democratização do novo regime de tal forma que ele se
diferenciasse do anterior, é preciso deixar claro que havia todo um discurso voltado para a
ampliação dos direitos políticos e sociais. Segundo esse discurso, a única possibilidade de
tornar o povo cidadão era criar as condições necessárias para que tivesse acesso à educação.
Seria necessário fundar novas escolas, contratar professores, enfim, possibilitar à população
o domínio da grafia. Foi nesse sentido que o Globo começou a publicar três dias depois do
episódio de 17 de novembro uma série de textos enfatizando a necessidade de se instruir o
povo, pois sem instrução não se distribui justiça. Além disso, o jornal defendia a idéia de
que era preciso fazer uma ampla reforma nas instituições tendo como base a liberdade e a
igualdade; Fazia-se necessário também desenvolver “a economia, o comércio, a navegação,
a lavoura e a indústria”.141 Na edição seguinte, continuando a discutir a ligação entre
educação e justiça, afirma ser esse o principal meio para, diferenciar o regime republicano
do monárquico “Porque a monarchia não era composta por cidadãos. Todos pagavam
139
, CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados — o imaginário da República que não foi. 3. ed., S.
Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 43.
140
Id. Ibid., p. 43.
141
Ver o Globo, São Luís, 20 nov. 1889.
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141
impostos mas tu não era contemplado nos orçamentos: não te davam escolas suficientes, não
te preparavam para o futuro”.142

Não cabe duvidar, aqui, que havia republicanos que visavam à implantação de um
regime democrático e, até certo ponto, popular. Sousândrade era um desses idealistas.
Assim que se organizou a intendência da capital, ele foi escolhido pelo governador Pedro
Tavares, como presidente da intendência de São Luís. Durante sua administração foram
fundadas várias escolas com a criação de treze novas cadeiras para as chamadas “escolas 21
de abril”, em homenagem a Tiradentes. O mesmo jornal publicou uma carta do cidadão
Raimundo da Silva Perdigão (de Monção) colocando-se à “disposição para dar aulas das
primeiras letras gratuitamente pois a causa republicana é prioritária”. 143 Em São Luís
circulou nota nos diversos jornais, no final de dezembro de 1889 e início de janeiro de
1890, divulgando a abertura de uma escola noturna para ensinar as primeiras letras, pois na
República era preciso que todos soubessem ler e escrever para se tornarem cidadãos.

Concluindo, o que os jornais e os autores das obras literárias trazem de informações


sobre o governo da Junta Provisória, bem como sobre a participação do povo no processo
político durante o primeiro mês da República, mostra um quadro pouco otimista caso se
compare com o discurso das lideranças dos clubes republicanos. Deve-se levar em
consideração que os republicanos históricos pouco conseguiram fazer no sentido de
implementar seus projetos, pois além de ínfima representação na Junta Governativa, o
tempo de governo foi diminuto. A crescente adesão à República, foi outro fator que
impediu os republicanos histórico de assumirem o poder no estado do Maranhão, pois a
presença maciça de ex. liberais e conservadores suplantou a daqueles

142
Ver o Globo, São Luís, 22 nov. 1889.
143
Ver O Diário do Maranhão, São Luís, 1 jun. 1890.
66
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Capítulo 3

A GÊNESE DA REESTRUTURAÇÃO OLIGÁRQUICA: QUERELAS E


INTRIGAS NAS TRAMAS DOS NOVOS PARTIDOS

Ao se estudar o período imediatamente posterior à Proclamação da República (1889-1894),


constata-se que a maioria dos membros do Partido Liberal e do Partido Conservador
aderiram ao novo regime. Esses “republicanos de 16 de novembro” acabaram roubando a
cena política dos republicanos históricos na maior parte dos estados brasileiros,
principalmente aqueles mais distantes do centro do poder, o Rio de Janeiro. Assim, a célebre
frase de Machado de Assis, em Quincas Borba, “ao vencedor as batatas” não cabe nesse
contexto, pois se por um lado os republicanos conseguiram alterar o regime de governo de
Monarquia para República, por outro lado, “as batatas”, isto é, o poder, manteve-se fora do
alcance de suas mãos na maior parte das antigas províncias. De acordo com Costa
67
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O aparecimento no palco, sem nenhum constrangimento, de velhos
titulares da monarquia indicava que não havia nenhuma
incompatibilidade profunda entre esses velhos quadros e o que
representavam, com a nova ordem política.144

A historiografia existente sobre a passagem da Monarquia para a República


demonstra que as províncias foram imediatamente aderindo ao novo regime instaurado com
o golpe militar do marechal Deodoro da Fonseca, apoiado/arquitetado pelos republicanos
sediados na Corte e em São Paulo. O “festival” adesionista foi tamanho que deixou
incomodado um conjunto de republicanos idealistas. Parte dos republicanos históricos
passou a se manifestar pela imprensa; muitos, inclusive, desiludidos com o que viam,
tornaram-se céticos: como poderia haver liberdade, igualdade e fraternidade ou ordem e
progresso se os que estavam governando eram os mesmos a quem combatiam no passado
recente? A renovação no quadro dos homens públicos ficou bastante aquém do desejado e
esperado por muitos dos sinceros, utópicos e românticos da propaganda republicana.

Também no Maranhão uma parcela dos republicanos históricos ficou desiludida com
a forma como o governo republicano estava sendo estruturado. Um dos mais antigos
membros do clube republicano de São Luís, Antônio Satiro de Farias, assim se expressou
em carta publicada em O Nacional:
“Hoje, cansado de luctas e ainda mais coberto de soffrimentos e
desgostos, que me tem arruinado physica e materialmente; aborrecido e
descrente não sei o que farei, pois sou um homem que se embriaga com a
cachaça política e um bêbado quando vê um copo, bate-lhe o coração; os
olhos querem saltar e a língua pega-se-lhe ao céu da boca!”.145

Segundo o jornalista Jamegão, da Pacotilha, a maioria dos maranhenses que se


diziam monarquistas aderiram sem crise de consciência ao novo regime: “E nós nos
sentimos perfeitamente bem, tão bem como sob a nossa querida monarchia, que já hoje não
nos a causa saudades”. Na edição de 18 de novembro de 1891 ao fazer a avaliação dos dois
primeiros anos de República a Pacotilha afirma que tão logo fora nomeada a Junta

144
COSTA, Cruz. Pequena história da República. 2. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972, p.
46.
145
O Nacional, São Luís, 20 abr. 1892.
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Governativa, em 18 de novembro de 1889, tornou-se difícil encontrar monarquistas no
Maranhão – “os que permaneceram monarchistas se afastaram da vida pública”.146

No caso maranhense conforme já citado, devido a fragilidade dos republicanos


históricos, a junta provisória de governo refletiu a conjuntura política anterior. A presença
de políticos monarquistas foi quase que absoluta - só não foi maior porque o número de
militares suplantou o de civis -, cabendo aos republicanos apenas um participante, assim
como aos liberais, depostos pelo golpe militar que proclamou a República.

3.1 Partidos e eleições

Mesmo não estando ainda organizados legal e formalmente em 1890, as centelhas


dos novos partidos já se espalhavam pela “Atenas decadente”. As novas agremiações
estavam sendo gestadas e buscando espaços para que seus candidatos fossem eleitos para a
Assembléia Nacional Constituinte. Políticos da envergadura de Costa Rodrigues, Casimiro
Júnior, José Rodrigues Fernandes e Francisco Machado da Cunha (liberais); Benedito Leite,
Gomes de Castro, Silva Maia (conservadores) buscavam vagas para os seus e para si.

Foram esses políticos que no final de 1890 e início de 1891 criaram os primeiros
partidos políticos de caráter estritamente estadual. Boa parte desses partidos tiveram vida
efêmera. Justifica-se sua curta existência tanto no Maranhão quanto no restante do Brasil,
devido as indefinições do primeiro ano do regime republicano (1889-1890). Havia, assim,
uma tensão que pressionava os atores políticos a esperarem por novos acontecimentos. Na
medida em que se espalhava a notícia de que a adesão ao novo regime era maciça, ex-
participantes dos extintos partidos monárquicos e republicanos históricos começaram a
organizar os novos partidos, agora com a possibilidade de não estarem mais sob o jugo dos
poderosos e tradicionais líderes dos partidos do regime monárquico.

146
Pacotilha, São Luís, 12 fev. 1890
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141
É importante ressaltar que durante a chamada República Velha não se conseguiu
organizar um partido republicano nacional.147 Durante o governo de Floriano Peixoto, o
paulista Francisco Glicério tentou organizar um partido de caráter federal/nacional, o que
provocaria a centralização das decisões em um partido único. Porém, para Floriano Peixoto
não era interessante a idéia de partido único pois acabaria por enfraquecer o poder do
presidente da República em detrimento do presidente do partido. Prudente de Moraes
também se opôs ao projeto de Francisco Glicério, por não achar conveniente “adotar uma
forma política que nos limites lhes tiraria o poder”.148 Por esta e outras razões posteriores
não foi possível criar um sistema partidário em que predominassem partidos de caráter
nacional. Assim, praticamente todos os partidos organizados do período eram estaduais, isto
é, atuavam especificamente dentro de um dos Estados-membros da nova federação, embora
obedecessem a orientações da capital federal.

No Maranhão, logo nos dois primeiros anos de República, surgiram quatro


partidos149 cujas origens eram os antigos partidos Liberal e Conservador. Ao analisar a
estrutura partidária dessa província durante o Império, Reis afirma que ali era comum
“facções de descontentes de dentro de um partido [aliarem-se] a facções de outro partido,
numa barganha para eleger seus respectivos candidatos”. 150A leitura dos jornais mostra que
no início da República essa prática foi mantida através dos diversos partidos oriundos das
antigas facções e que apenas o Partido Republicano procurou manter certa coerência
programática, pois tinha origem na parte mais progressista dos liberais, bastante
representativo tanto na Ilha de São Luís,quanto no Alto Sertão, liderado pelo liberal-
republicano Costa Rodrigues, que passou a controlar o jornal Pacotilha.

147
BELLO, José Maria. História da República. 5. ed., São Paulo: Nacional, 1964, p. 148-164.
148
CARDOSO, Fernando Henrique. Op. cit., p. 46.
149
Partido Republicano, Partido Nacional, Partido Católico e Partido Constitucional.
150
REIS, Flávio A. Op. cit., p. 42.
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Essa proximidade entre liberais “pacotilheiros” de São Luís e republicanos históricos
do sertão maranhense fica mais evidente quando se comparam as cartas e os editoriais do
jornal contra o governo ou que questionavam artigos dos jornais ligados aos outros partidos.
Não se encontra, por exemplo, nenhuma carta de Izaac Martins publicada em outro jornal
que não a Pacotilha. A relação de proximidade entre esse jornal e os republicanos
sertanejos é também demonstrada quando chega a notícia do falecimento desse destacado
político do Alto Sertão, em agosto de 1898. O jornal abriu espaço para amplas
manifestações de pesar durante aproximadamente 15 dias, enquanto os jornais da situação
guardaram silêncio ou deram espaços mínimos para o fato. Todas as vezes que A Cruzada
ou o Nacional se referiam a Izaac Martins era em tom de crítica, visto que o consideravam
um oposicionista radical.

Embora os primeiros partidos maranhenses dos anos iniciais da República tenham


sido criados por dissidentes, tal fato não implica que fossem compostos apenas por políticos
de alguma forma ligados aos ex-partidos monárquicos. Os artigos dos jornais da época
indicam que, a partir da mudança de regime de governo, houve uma certa alteração no perfil
dos atores políticos ligados diretamente aos partidos. No final do período monárquico os
partidos Liberal e Conservador maranhenses eram compostos basicamente por indivíduos
ligados principalmente à terra (proprietários e lavradores) e comerciantes, além de
profissionais liberais (normalmente filhos das elites) e empregados públicos de alto escalão.
No início da República, com a ampliação dos direitos políticos, principalmente a partir da
aprovação da Constituição de 1891, que acabou com o voto censitário, as camadas médias
passaram a ter certo peso dentro desses partidos.

O primeiro partido criado no Maranhão na vigência do novo regime político foi o


Partido Republicano, composto por antigos liberais, chefiado pelo médico Costa Rodrigues
que no momento da derrocada do Império substituíra o Barão de Grajaú como chefe do
Partido Liberal maranhense, e por parte dos republicanos históricos, tanto de São Luís
quanto do Alto Sertão. A origem do Partido Republicano está diretamente ligada à formação
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do Diretório Republicano em 26 de Novembro de 1889. O Diretório fora criado logo após a
adesão dos partidos monarquistas ao regime republicano.

Aos poucos, durante os anos de 1890 e 1891, de acordo com o desenvolvimento das
práticas políticas e das decisões tomadas no Rio de Janeiro, foi sendo arquitetado e
estruturado o sistema partidário maranhense. Com relação à composição sócio-econômica
dos partidos políticos maranhenses, existe uma certa dificuldade para definição. Percebe-se
porém, que o mais popular deles era o Partido Republicano, agremiação composta
principalmente por pessoas ligadas ao mundo urbano, isto é, ao comércio, indústria,
profissões liberais e empregos públicos. Faltam porém dados empíricos sobre essa questão.

Tanto o Partido Católico, liderado por monsenhor Guedelha Mourão e Luís


Domingues, quanto o Partido Constitucional, chefiado por José Fernandes e Casimiro Dias
Vieira Jr., foram formados por membros dos antigos Partidos Liberal e Conservador em
1891. Somente o Partido Nacional caracterizou-se por certa homogeneidade, pois a maioria
de seus membros fazia apenas parte do Partido Conservador, representado principalmente
pela ala castrista, liderada inicialmente pelo todo poderoso conselheiro Gomes de Castro.
Com o afastamento dele ainda em 1891, Benedito Pereira Leite, assumiu a direção do
Partido Nacional, conseguindo no ano seguinte a proeza de costurar a união dos partidos
Católico, Constitucional e Nacional, criando dessa forma o Partido Federalista, através de
um diretório composto por três membros de cada um dos partidos anteriores. 151

De acordo com editorial de O Nacional152, a fusão se justificava devido ao fato de ser


necessário um partido que fosse guardião do federalismo, numa alusão crítica ao Partido
Republicano, acusando-o de tentar impor o centralismo ou unitarismo. Em seu manifesto, o

151
Segundo “O Nacional” de 30 de janeiro de 1892, seriam membros do diretòrio do Partido Federalista:
Benedito Leite (Funcionário Público), José F. Viveiros (capitalista) e Antônio J. de Lima Jr (proprietário),
oriundos do Partido Nacional; Casimiro Jr (jornalista), José Rodrigues Fernandes (médico) e Francisco Xavier
de Carvalho (comerciante), pelo Partido Constitucional; e Monsenhor Tolentino G. Mourão (clérigo),
Raimundo J. Ewerton Maia (advogado) e Luís Domingues.
152
Ver O Nacional, São Luís, 30 jan. 1892.
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Partido Federalista apregoa que “nossa força nos há de vir do povo, pois que o governo não
passa de um mandatário nosso, incumbido de levar a effeito as nossas determinações”.153

Ainda em junho de 1892 surgiu a primeira crise interna do Partido Federalista devido
ao afastamento de parte dos membros do antigo Partido Nacional, em função do retorno de
Gomes de Castro do Rio de Janeiro, pois não reconheciam Benedito Leite como chefe do
partido. Porém, após o compromisso dos federalistas de que Gomes de Castro teria uma
cadeira no senado, onde seria independente, essa “facção” ou dissidência volta a fazer parte
do Partido Federalista.154 Durante o período da dissidência o Partido Federalista perdeu o
controle do jornal O Nacional, que passou a atuar na oposição vindo a ser empastelado no
final de agosto de 1892. Assim, para que esse partido pudesse veicular suas idéias e
propagandear sua ação no governo foi criado o jornal de nome “ Federalista”, tendo entre
seus editores Benedito Leite e Urbano Santos. Em sua primeira edição foi publicado o
programa do partido constando as seguintes propostas:
Cooperar para que se torne uma verdade entre nós o systema federativo
concedendo aos estados maior somma de liberdade e não admitindo entre
elles outros vínculos que não os da solidariedade dos grandes interesses
da representação e da defeza no exterior;
“Dar aos municípios toda a autonomia na gestão de seus negócios ou em
todas as suas relações moraes e econômicas;
“Defender e garantir a liberdade do voto;
“Combater quaisquer privilégios ou distinções odiosas entre as classes
sociaes;
“Defender e garantir a todos os cidadãos a mais ampla liberdade em
matéria de religião.155

A criação do Partido Constitucional, por sua vez, está diretamente relacionada a


eleição para a Assembléia Constituinte Estadual de 1891. No momento de compor a chapa
para o governo estadual, o governador Lourenço A. de Sá e Albuquerque (14-03 a 18-12-
1891)156 pressionou o Partido Nacional e o Partido Republicano para integrarem uma única
153
Ver O Nacional, São Luís, 1 fev. 1892.
154
A versão de que a cadeira do senado foi entregue a Gomes de Castro objetivando o retorno do Partido
Nacional para o Federalista encontra-se em MOREIRA, Arthur Q. Collares Op. cit., p. 50.
155
Ver o Federalista, São Luís, 1 set. 1892.
156
De acordo com MEIRELES, Mário M. O Maranhão..., 1990, Op. cit., p. 29, o governador José Lourenço
fora indicado para o cargo pelo ministro da Justiça, Barão de Lucena, que pretendia criar um bloco do Norte e
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chapa para o executivo. Costa Rodrigues, receoso de perder o poder, viu-se na contingência
de aceitar a chapa única. Porém, o Partido Católico, em protesto, lançou um manifesto
repudiando essa manobra, ao mesmo tempo em que organizou uma chapa de oposição.
Durante a campanha o jornal A Cruzada acusou a situação de estar usando a máquina
administrativa para impedir que os “católicos” obtivessem resultados satisfatórios. Entre as
acusações estariam a de alteração das relações de eleitores e o controle das comissões e
mesas eleitorais de diversas comarcas157. O Partido Católico, liderado por Monsenhor
Guedelha Mourão, ao montar a lista dos candidatos à Assembléia Constituinte do estado,
excluiu dela uma série de nomes importantes, entre os quais estavam os deputados federais
Casimiro Dias e José Rodrigues Fernandes, além de Francisco Xavier de Carvalho, um dos
fundadores desse Partido. Os três, descontentes, convocaram uma reunião pública fundando
então o Partido Constitucional, com aproximadamente 400 participantes na capital.

Nota-se que, de uma maneira geral, as divergências eram mais de caráter pessoal
(cada liderança procurava controlar a distribuição dos cargos públicos) do que motivados
por propostas voltadas para a construção da Res-pública. O projeto das elites mantinha-se o
mesmo do regime anterior: manutenção do sistema agroexportador e do status quo. Embora
o Partido Republicano e o Partido Federalista defendessem o federalismo, os republicanos
davam maior ênfase a questão da autonomia dos municípios, enquanto os federalistas
partiam da premissa de que ao estado caberia uma parcela maior de controle sobre a
arrecadação.

Nordeste com o objetivo de fortalecê-lo politicaamente.


157
Essa situação foi denunciada na Câmara Federal pelo deputado Casimiro D. Vieira Jr. citando a vila de S.
José dos Mattões e Guimarães, onde segundo ele, a oposição estaria sofrendo ameaças de ter seus nomes
retirados da relação de votantes. Logo após as eleições muitas cartas foram enviadas para o jornal “A
Cruzada”, do Partido Católico, relatando as dificuldades encontradas pelos eleitores para participarem do
pleito. Entre elas destacam-se duas como referência: a primeira foi enviada de S. José dos Mattões por um
mesário afirmando que foi impedido de exercer sua função e ao mesmo tempo apontava algumas dificuldades
que os eleitores tiveram de enfrentar para participarem do processo eleitoral: sessão muito distante (31 léguas);
presença de soldados nas salas de votação; transferência de eleitores de sessão; e, situação obtendo mais votos
do que o legal. Em Mirador, no Alto Sertão, de acordo com a segunda carta, a situação possuía 140 eleitores de
um total de “quinhentos e tantos”. No entanto obteve mais de 400 votos. Além disso, na última hora fora feita
a divisão de sessões sem aviso aos eleitores..
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O que se observa é que para a substituição do regime monárquico pelo republicano
não bastava apenas que os adeptos do republicanismo substituíssem os monarquistas que
estavam no poder. Para que de fato o país caminhasse de acordo com a nova doutrina, era
preciso promover a institucionalização do novo regime. Além disso, era necessário que se
convocasse uma Assembléia Constituinte para elaborar o novo “contrato social” que
estabelecesse novos canais de mediação entre a sociedade e o Estado.

Assim, é possível afirmar que no primeiro ano de regime republicano o país viveu
uma certa anarquia institucional. Sobre a sociedade pairava o poder de um marechal que
governava por decretos, e sequer era republicano. Porém, foi nesse contexto que começaram
a ser gestados os novos partidos nos diversos Estados-membros da recente federação. Pode-
se dizer que à época das eleições para o Congresso Constituinte a situação partidária ainda
estava bastante indefinida, embora os membros dos antigos partidos monarquistas, agora
republicanos, já estivessem há algum tempo buscando alianças, tendo como base as velhas
dissidências. Pretendiam com isso criar canais e mecanismos que possibilitasse senão o
controle do Estado, ao menos dele participar e nele influir. No entanto, as alterações na
estrutura partidária levaram ao aparecimento de novas lideranças principalmente a partir das
dissidências já existentes. Isso quando não conseguiam acordar para a composição de um
novo partido em que esses atores tivessem certo destaque. Nesse sentido, os primeiros anos
de República em todas as unidades da nova federação foram não só de reestruturação
oligárquica (conforme se verá) mas, antes também, de reestruturação partidária.

3.2 Velhas práticas políticas em regime novo I

Entre os anos de 1890 e 1894 realizaram-se vários pleitos eleitorais tanto para
representações locais (estadual e municipal) e federal (Constituinte e Congresso Nacional).
O primeiro deles ocorreu em setembro de 1890 com o objetivo de formar a Assembléia
Nacional Constituinte para a elaboração da nova constituição, agora de caráter republicano.
O que deveria se transformar em uma nova prática mostrou na realidade que pouco ou quase
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nada havia mudado tanto nas ações quanto na postura dos políticos maranhenses. As
práticas eleitorais do velho regime continuaram sendo aplicadas – fraudes, impedimento de
votos, desaparecimento de urnas, mesas de um único “partido” impedindo a manifestação
do voto, voto de bico de pena etc. – afinal, se a mudança de regime não foi acompanhada da
substituição dos atores políticos, não haveria porque ocorrer mudanças substanciais no
modo de fazer política. As denúncias veiculadas nos jornais deixam transparecer que havia
um descontentamento latente com relação às regras impostas pelo Governo Provisório.

Como a maioria da população maranhense era analfabeta, a democracia tão


propalada pelos republicanos históricos ficou no discurso dos palanques e nos artigos dos
jornais de propaganda. A idéia de se instalar uma República democrática com bases no
pensamento clássico iluminista, especialmente em J. J. Rousseau, ou mesmo no modelo dos
Estados Unidos da América, deu lugar à permanência do domínio oligárquico, havendo
apenas a renovação de parte das lideranças políticas em função do falecimento dos velhos
caciques ou ao afastamento destes devido as dissidências existentes nos antigos partidos
monárquicos, conforme veremos a seguir. Nesse contexto, faz sentido o grito do professor
Carlos Bento, personagem republicana do livro de Moraes: “Terra perdida! Perdidos sonhos
de uma população ávida de progresso e desenvolvimento!”158

Os constantes atritos entre o marechal-presidente Deodoro da Fonseca e o Congresso


Nacional chegaram ao limite entre os meses de agosto e novembro de 1891. Como
conseqüência da dificuldade de um acordo, Deodoro da Fonseca dissolve o Congresso
Nacional passando a governar por decretos. Os estados se posicionaram diferentemente
diante dessa arbitrariedade. De uma maneira geral, naqueles estados em que havia um
número maior de republicanos a tendência foi de oposição. No caso do Maranhão, o
governador Lourenço de Sá apoiou a dissolução do Congresso. Em a Pacotilha, jornal ligado
ao governo estadual, foram publicados inúmeros editoriais procurando justificar os
procedimentos do presidente da República. Já os jornais ligados aos partidos de oposição

158
MORAES, José Nascimento de. Op. cit., p. 124.
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(Católico, Constitucional e Nacional) se posicionaram contra e reivindicavam o retorno da
constitucionalidade e da legalidade ao país.

Com a queda do presidente Deodoro da Fonseca - em função do desgaste ocorrido na


relação conflituosa que se estabeleceu entre ele e o Congresso - assume Floriano Peixoto.
Embora tenha havido reações contrárias à sua ascensão ao poder por parte tanto de militares
quanto de civis,o vice acabou por assumir. Sua permanência no poder deveu-se
principalmente ao acordo feito com o Partido Republicano Paulista, em que se destacavam
naquele momento, as figuras de Bernardino de Campos, e Prudente de Moraes, na
presidência da Câmara e do Senado, respectivamente. Uma das primeiras medidas política
de Floriano Peixoto foi a “derrubada”, isto é, a substituição dos governadores que apoiaram
o ato de Deodoro em fechar o Congresso. Esse fato teve múltiplas repercussões nos
diversos estados, pois tal medida feria o preceito constitucional que estabelecia autonomia
às unidades da federação.159

Os acontecimentos do Rio de Janeiro afetaram imediatamente o Maranhão, pois o 1º


vice-governador, em exercício Carlos E. de Andrade Peixoto, que estava substituindo o
governador Lourenço Augusto de Sá e Albuquerque, licenciado temporariamente, havia
apoiado o golpe de Deodoro. A oposição aproveitou-se do momento político e tomou o
poder em 26 de novembro de 1891, anunciando, em manifesto, que uma Junta Provisória
composta por representantes dos partidos Nacional, Constituicional e Católico, bem como
do exército e da Armada160 passariam a governar o Estado até que se estabelecesse a
normalidade.161 No dia seguinte ao golpe que derrubou o vice-governador Carlos Peixoto,
isto é, em 27 de novembro de 1891, chegou ordem de Floriano Peixoto para que a
Constituição fosse respeitada. Com isso o governo deposto reassumiu novamente o poder.

159
CARDOSO, Fernando Henrique. Op. cit., p. 40-43.
160
A Junta Provisória possuía a seguinte composição: Cel. Joaquim Manoel de Medeiros (comandante do 5º
Batalhão), Capitão-tenente Oton de Carvalho Bulhão (Armada), Benedito Leite (Partido nacional), Ewerton
Maia (Partido Católico) e Cunha Machado (Partido Constitucional).
161
Ver a Pacotilha, São Luís, 26 nov. 1891 e A Cruzada, São Luís, 27 nov. 1891.
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Entre os líderes desse movimento estavam Benedito Leite, do Partido Nacional;
Francisco da Cunha Machado, do Partido Constitucional; e Raymundo J. Ewerton Maia, do
Partido Católico. Embora os participantes do golpe local usassem como justificativa o fato
de que o governo deposto havia apoiado o ato anticonstitucional de Deodoro ao dissolver o
Congresso, o que fica patente é que estavam insatisfeitos com o governo de Lourenço de Sá.
Acusavam-no de praticar “pernambucada”, isto é, de ter preenchido a máquina
administrativa, em especial o Judiciário, com pernambucanos, preterindo os maranhenses.

De acordo com “A Cruzada” , o governo de Lourenço de Sá estava envolvido em


uma série de irregularidades e ilegalidades. Em primeiro lugar, fora eleito antes mesmo que
a Constituição Estadual estivesse pronta. Para esse jornal, porta-voz do Partido Católico, a
eleição só poderia ter ocorrido após a promulgação da Constituição Estadual. Em segundo
lugar, acusava o governador de estar administrando o estado de forma autoritária, visto que
logo após o encerramento dos trabalhos constituintes, aquela assembléia entrou em recesso,
passando Lourenço de Sá a governar o estado por meio de decretos. O terceiro ponto refere-
se a questões ligadas a problemas administrativos. Além disso, o jornal acusa o governo de
cercear a liberdade de expressão e de perseguir funcionários públicos ligados aos partidos de
oposição.162

A volta da legalidade e o retorno de Carlos Peixoto ao governo, conforme orientação


de Floriano Peixoto, só fez aumentar as insatisfações dos partidos de oposição. Com isso, as
críticas dos jornais da oposição se intensificaram e, no dia 18 de dezembro de 1891,
seguindo agora no bojo do que estava ocorrendo no restante do país, (exceto no Pará e Rio
Grande do Sul), os partidos Nacional, Católico e Constitucional retomaram o poder.
Formou-se a segunda Junta Provisória, composta apenas pelos civis da Junta anterior. Os
jornais dos partidos que tomaram o poder fizeram campanha no sentido de informar a
população de que o ocorrido não fora um golpe, mas um movimento popular e democrático
com o objetivo de moralizar a administração pública estadual. Segundo os jornais que
apoiaram o golpe de estado local, o que ocorrera fora um movimento popular em que o povo

162
Ver A Cruzada, São Luís, 18 nov. 1891.
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saiu às ruas em passeata (aproximadamente 3000 pessoas) exigindo a deposição de todo o
governo, representado naquele momento pelo 2º vice-governador, Agripino Azevedo (a
quem Lourenço de Sá entregara o governo). Logo após, a Junta de Governo 163 aclamou
como governador o Capitão-tenente Manoel Ignácio Belfort Vieira, que governara o
Maranh~~ao no final de 1890.164 Em mensagem ao Congresso Constituinte Estadual (1892)
o governador Belfort Vieira fez menção ao episódio da seguinte forma: “Pois que, as seis
horas da tarde do mesmo dia, diante do pronunciamento popular, teve [Agripino Azevedo]
de entregar o governo a uma 2ª junta de governo”.165 De acordo com os jornais um dos
principais motivos que teria levado Agripino Azevedo a aceitar a deposição foi a presença
em São Luís de um certo Tenente Machado, que afirmava ser representante do governo
federal em São Luís. Havia, de fato, um navio da Marinha ancorado na Praia Grande, bem
em frente ao palácio dos Leões, sede do governo estadual.

O jornal aliado do governo deposto, Lourenço de Sá, na edição do dia seguinte ao


golpe se refere ao episódio da seguinte forma:
Consumou-se hontem o inaudito atentado a Lei do Direito, rasgou-se na
praça pública a constituição política deste Estado, sendo violentamente
arrancado da cadeira de governador o cidadão que se achava investido
desse alto cargo por delegação do povo.166

Uma das conseqüências imediatas do golpe de 18 de dezembro foi a renúncia de


todos os membros do Partido Republicano que faziam parte da Intendência municipal de
São Luís. Esses intendentes haviam sidos eleitos em novembro de 1892. Novas eleições
foram convocadas, mas o Partido Republicano, além de não lançar candidatos, concitou seus
filiados a abstenção.

A queda do governo de Lourenço de Sá seguiu a tônica do ocorrido na maioria dos


estados brasileiros do período. Em alguns, inclusive, aqueles que estavam sendo alijados do
poder reagiram provocando sérios conflitos. Os jornais do período, no bojo dos fatos, não se
163
Benedito Leite (Partido nacional), Ewerton Maia (Partido Católico) e Cunha Machado (Partido
Constitucional.
164
Ver O Nacional, São Luís, 19 dez. 1891 e A Cruzada, São Luís, 19 dez. 1891.
165
Ver A Cruzada, São Luís, 11 jun. 1892.
166
Ver a Pacotilha, São Luís, 19 nov. 1891.
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cansavam de relatar que nos estados vizinhos, em especial no Ceará e em Pernambuco, a
situação estava ficando fora de controle.167

Até a tentativa de golpe em 26 de novembro e posterior golpe de 18 de dezembro de


1891, os partidos políticos do Maranhão não faziam oposição sistemática ao governo
federal. As oposições e confrontos políticos possuíam um caráter especificamente local,
voltados para a disputa e controle do aparato jurídico-político e administrativo do estado.
Somente após a dissolução do Congresso Nacional por Deodoro da Fonseca, é que os
partidos assumiram posições bem definidas a favor ou contra o governo. A partir desse
momento o Partido Republicano tornou-se oposição e o Partido Federalista passou a dar
apoio ao governo federal. Nas eleições para presidente da República em 1894, apenas o
Partido Federalista do Maranhão apoiou a candidatura presidencial de Prudente de Moraes.

Logo após a queda de Lourenço de Sá, em 18 de dezembro de 1891, a Junta


Provisória168 dissolveu a Assembléia Legislativa e anulou a Constituição Estadual usando
como justificativa o fato de a Assembléia não estar compatível com a ‘vontade popular’,
pois era liberal e fora contra a mudança de governo. Além disso, a Junta Provisória e o novo
governador eleito Capitão-tenente Belfort Vieira consideravam que a Constituição Estadual
não satisfazia as necessidades e aspirações do povo maranhense, 169 pois fora elaborada
principalmente por representantes eleitos pelo Partido Republicano.

A crise política que se instalou no Maranhão por ocasião do golpe de dezembro de


1891 estendeu-se por todo o ano de 1892 e 1893. Os jornais ligados à situação e à oposição
mantinham-se sempre alertas buscando fatos que pudessem ser explorados. Nesse sentido, O
Nacional traz em seu editorial de 25 de janeiro de 1892, a notícia de que um médico
maranhense, que no momento residia no Rio de Janeiro, estaria se articulando com outras
figuras da capital para criar o Partido Restaurador. Nesse mesmo dia, na coluna “Sem rumo”
167
Ver a Pacotilha, São Luís, 21 dez. 1891.
168
No período estudado nessa dissertação (1888-1894) foram criadas três Juntas Provisórias no Maranhão:
primeira Junta Governativa (18/ 11 – 17/ 12/ 1889); segunda Junta Provisória ( 27/ 11 – 28/ 11/ 1891); terceira
Junta Governativa (18/ 12/ 1891 – 06/ 01/ 1892).
169
A dissolução do Congresso e anulação da Constituição constam do decreto nº 114 de 31/ 12/ 1891 – ver
Leis do Estado do Maranhão 1892 - 1893.
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da Pacotilha, Gil Sarsa procurou refutar qualquer ligação entre a criação do novo partido e o
médico Costa Rodrigues: “Sebastianismo, é uma espécie de prompto alívio de que servem o
governo nas occasiões diffíceis, para justificar qualquer bandalheiras”. 170 Além disso, a
oposição publica em seu jornal um violento e duro editorial atacando a situação e acusando
Benedito Leite de lançar falsos boatos com o objetivo de provocar a cizânia na oposição. A
idéia era, segundo o jornal, colocar a população contra a oposição, desacreditando-a
politicamente.171

3.3 Uma vós clama no deserto: a reação do Alto Sertão

O Partido Republicano, em protesto contra as primeiras medidas (autoritárias)


tomadas inicialmente pela Junta governativa e depois pelo governador “aclamado”, Belfort
Vieira (8-01 a 28-07-1892), lançou manifesto conclamando a população a reagir contra a
deposição do governo de Lourenço de Sá. A reação ao golpe foi maior nas vilas em que
existiram clubes de propaganda republicana, especialmente no Alto sertão. O Jornal
Pacotilha deu ampla publicidade aos manifestos de protestos ao golpe de 18 de dezembro de
1891. Entre os manifestos destacam-se os de Barra do Corda, Loreto e São José dos Mattões

Foi na vila de Barra do Corda que ocorreram os ataques mais veementes contra o
movimento que derrubou o governo de Lourenço de Sá. Observe-se a seguinte declaração
da Intendência:

“D’onde vem portanto, essa gritaria infernal que perturba a nossa


organização política? Nasce do interesse pessoal, da paixão desordenada,
do desconhecimento do bem, da falta de civismo (...)
Na qualidade, pois de republicanos convictos e dedicados; em nome dos
verdadeiros republicanos desta comarca, d’aqueles que desejam o
engrandecimento da pátria por meio das públicas liberdades (...) vimos à
imprensa declarar (...) que não entramos nessa mystificação indecente
que se está operando em nosso Estado”.172

170
Ver a Pacotilha, São Luís, 25 jan. 1892.
171
Ver a Pacotilha, São Luís, 26 jan. 1892.
172
Ver a Pacotilha, São Luís, 2 mar. 1892.
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O manifesto dos republicanos de Barra do Corda deve ser observado dentro de um


contexto bem específico, pois além de ser um protesto contra o golpe, era também expressão
de solidariedade a Izaac Martins, juiz de Direito e republicano que se negou a aceitar o novo
governo e que por isso estava sendo ameaçado de perder o cargo, o que de fato acabou por
acontecer.

Já o manifesto de Izaac Martins, de 18 de janeiro de 1892173, começa fazendo uma


análise da conjuntura nacional anterior ao golpe do marechal Deodoro da Fonseca,
chamando-o de ditador e traidor da República. Depois, tece elogios a Floriano Peixoto pelo
contra-golpe restituindo a legalidade, para posteriormente criticá-lo e achá-lo indigno do
cargo por estar apoiando as deposições aos governos estaduais e considerando-o por isso,
pior que Deodoro, pois este ao menos respeitara a autonomia dos Estados durante seu
governo. Com relação aos acontecimentos do 18 de dezembro em São Luís, questiona a
falta de apoio popular à tomada do poder pela oposição. Utiliza-se de dois argumentos para
definir o movimento como anti-popular. Primeiro afirma que apenas o povo de São Luís
participou (havia, segundo ele, cerca de 40 municípios compondo o estado). Segundo, a
parte do povo que teria participado não possuía qualidades para representar o conjunto dos
maranhenses, pois foram aqueles que tentaram destruir o jornal “O Globo”, em novembro
de 1889, ou seja, os pobres, a “plebe ignorante”.174

Prosseguindo em sua campanha contra o governo de Belfort Vieira, a Pacotilha


publicou um ofício de Izaac Martins dirigido ao governador Belfort Vieira informando-o
que repudiava a forma como fora empossado no cargo. No documento, declara não
reconhecê-lo como governador do Estado do Maranhão “em nome do Direito, dos princípios
federativos, da magistratura, da Constituição e da representação eleita do Estado, contra o
poder illegal e criminoso que vos foi outorgado”.175

173
O manifesto de Izaac Martins protestando contra o golpe de 18 de dezembro de 1891 foi publicado na
edição do jornal Pacotilha, São Luís, 12 fev. 1892.
174
Ver a Pacotilha, São Luís, 12 fev. 1892.
175
O ofício de Izaac Martins enviado ao governador Belfort Vieira foi publicado pela Pacotilha de 15 de março
de 1892.
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A atitude de Izaac Martins em não reconhecer o novo governador do Maranhão


causou polêmica e debate nos jornais de São Luís. O apoio ao Juiz de Direito vinha do
diário dos republicanos, Pacotilha. Já A Cruzada e O Nacional questionavam a postura
considerada rebelde do magistrado barracordense. A polêmica aumentou quando o
governador Belfort Vieira assinou o decreto nº 128, de 14 de março de 1892. Por esse
decreto, Izaac Martins é afastado do exercício da magistratura pesando-lhe as seguintes
acusações: recusa em reconhecer o poder legítimo do governador e recusa em dar posse ao
promotor e ao delegado nomeados pelo governador, além de ser acusado de sedição. Em
resposta a essas acusações o magistrado chama a Junta Provisória de Truinvirato e alega não
poder ser demitido pelo governador porque a Constituição Federal determinava a harmonia
entre os poderes.176 No entanto, só recuperou seu cargo por decisão judicial, quando o
Tribunal da Relação o absolveu. Porém, algum tempo depois, ainda em 1892, foi feita uma
reforma no Judiciário, na qual foi eliminado dos quadros da magistratura.

Para que o Partido Federalista consolidasse seu poder era necessário que fosse
anulada toda e qualquer resistência, toda e qualquer oposição no estado. Como os
republicanos de Barra do Corda possuíam certa liderança no Alto Sertão, era importante que
o exemplo de Izaac Martins não fosse seguido. Por isso, era preciso que sua punição fosse
no mínimo exemplar, como de fato ocorreu, pois os atores políticos a ele ligados não
conseguiram ser eleitos para o legislativo estadual e federal nos dez primeiros anos de
República. Somente no início do século XX é que o primeiro republicano histórico
maranhense conseguiu espaço no legislativo federal: Dunshee de Abranches.177 Porém, fazia
muito tempo que ele vivia no Rio de Janeiro, trabalhando no Jornal do Brasil. Izaac Martins,

176
Para saber mais sobre essa querela entre Izaac Martins e Belfort Vieira consultar os seguintes jornais:
Pacotilha, na seguintes edições: 4 fev. 1892, 12 fev. 1892, 15 mar. 1892, 18 mar. !892, 30 mar. 1892, 31 mar.
1892, 1 abr. 1892, 26 abr. 1982, 22 jul. 1892, 10 set. 1892, 4dez. 1892, 13 ago. 1898 e O Nacional 16 mar.
1892.
177
De acordo com Joaquim Vieira da Luz, Dunshee de Abranches teria recebido por volta de 1896, o convite
de Benedito Leite, para preencher uma vaga como deputado federal. Porém não aceitou por respeito aos
amigos de Barra do Corda. Ver LUZ, Joaquim Vieira da. Op. cit.
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por exemplo, foi derrotado nas duas eleições em que saiu candidato: a primeira em 1896 e a
segunda em 1898, ano em que faleceu.

Esse enfrentamento entre Izaac Martins e os federalistas, ao que tudo indica,


provocou o fortalecimento do Partido Republicano em Barra do Corda, pois provocou uma
aproximação maior entre os republicanos históricos e os ex liberais liderados por Costa
Rodrigues, numa tentativa de somar esforços contra o grupo de Benedito Leite e de
Monsenhor Mourão. O Partido Republicano, segundo seu programa, era constituído por
uma junta local que deveria seguir as diretrizes traçadas pelo diretório estadual, que por sua
vez estaria ligado ao diretório central chefiado por Quintino Bocayuva no Rio de Janeiro.

O principal ponto de defesa do manifesto do Partido Republicano de Barra do


Corda refere-se ao federalismo. Dá ênfase à “autonomia do Estado e do município, (...)
sendo o município a base do sistema partidário este lhe dedicará atenção especial
objetivando promovel-o material e moralmente”. 178 Para Carvalho os fazendeiros e
comerciantes ligados à exportação, e os integrantes da burocracia central eram de uma
maneira geral centralistas, enquanto aqueles que se ligavam “às profissões liberais urbanas e
à agricultura de produção para o mercado interno” tendiam a ser descentralizadores.179 No
caso do Nordeste, a bandeira centralizadora preponderava, pois o setor agroexportador
encontrava-se em crise e reivindicava mais atenção do Estado como medida de proteção. Já
nas áreas de expansão do setor agro-exportador (centro-sul) predominava o federalismo,
pois vinha ao encontro de suas necessidade de “expansão e dinamização da agricultura
cafeeira”.180 No caso do Alto Sertão, a bandeira do federalismo justificava-se, segundo o
manifesto, pelo fato de que o governo central cobrava seus tributos ao mesmo tempo em que

178
Ver Pacotilha, São Luís, 22 abr. 1892. Nessa edição o jornal trás cópia do manifesto que contou com 74
assinaturas.
179
Ver CARVALHO, José Murilo de. Federalismo e centralização no Império brasileiro: história e argumento.
In Pontos e Bordados. Belo Horizonte, UFMG, 1998, 168.

180
Sobre as razões que levaram o setor agroexportador a alçar a bandeira do federalismo ver: SOUSA, Maria
do Carmo Campello de O processo político partidário na Primeira República, In. MOTA, Carlos Guilherme,
Brasil em Perspectiva, São Paulo, 3ª edição, 1982, p. 164.
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o privava de benefícios “materiais e morais” necessários para o desenvolvimento da
região.181

A bandeira da descentralização é antiga. No Império foi motivo de dissensões ainda


na Regência. Mais tarde, no início dos anos sessenta, essa discussão voltou à tona com a
Liga Progressista. Com a queda do Gabinete Liberal de Zacarias, em 1868, o dissenso
aumentou provocando, dois anos depois no aparecimento do Partido Republicano através do
manifesto publicado a 3 de dezembro de 1870, que incorporou as bandeiras do liberais
progressistas acrescentando-lhes a proposta de substituição do regime monárquico pelo
republicano.182 Estes republicanos da primeira hora reivindicavam a descentralização e o
federalismo. A busca de autonomia para as antigas províncias e, chegando ao extremo, para
os municípios, aliada à idéia de República soou naquele momento como algo
revolucionário. Para os velhos políticos era algo inatingível; para os republicanos, uma
utopia possível.

A idéia de um Estado como soma de um conjunto de estados, em que estes


possuíssem o máximo de autonomia, nos moldes da jovem, mas não tão jovem, república
norte americana era algo que muito agradava a boa parte dos republicanos de norte a sul do
país, especialmente aos paulistas. Ali, segundo Sousa, buscou-se a idéia de federalismo para
resolver problemas ligados ao setor cafeeiro que precisava de autonomia para estabelecer
não só relações direta com o mercado externo, mas, principalmente para poder contrair
dívidas sem ser necessário o aval do poder central, pois durante o Império havia uma série
de barreiras impostas pelo governo Imperial impedindo tais práticas.183 Essas restrições
dificultavam o crescimento econômico e colocavam uma série de empecilhos para que a
administração local fosse exercida pelos filhos da terra.

181
Em editorial do primeiro número de O Norte, de Barra do Corda, o jornal fez duras críticas a falta de
retorno do impostos em forma de obras para a região. Ver em Anexo o editorial de 12 de novembro de 1888,
de O Norte.
182
Ver FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 444-451.

183
Ver SOUSA, Maria do Carmo Campello de. Op. cit., p. 164.
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No caso do Maranhão, um dos mais ardorosos defensores do modelo norte


americano de República foi o poeta Souzandrade. No início da década de 1880, ele residira
nos Estados Unidos, onde publicou um jornal que era enviado para São Luís. Seu contato
com as instituições republicanas daquele país o fez um admirador inconteste do liberalismo
americano. Os sertanejos do Alto e Médio Sertão também se inspiraram nesse modelo de
Estado ao propagandearem o republicanismo naquelas plagas. Tanto o manifesto
republicano do Clube de Picos quanto o de Carolina, conforme foi visto no segundo
capítulo, fazem alusão a esse modelo de governo e de sociedade. Segundo esses manifestos,
somente em uma República federativa seria possível alcançar as melhorias morais e
materiais almejadas.

3.4 Velhas práticas políticas em novo regime II

Foi somente após o golpe de 18 de dezembro de 1891 que as relações de poder


entre os partidos começaram a se definir no Maranhão. A decisão de Floriano Peixoto,
naquele momento, era de incentivar e, ao mesmo tempo, acatar as deposições ocorridas nos
estados, dando liberdade para que os diferentes grupos definissem como seria o
realinhamento oligárquico. Nesse sentido, afirma Cardoso:
O problema número um que terá de ser enfrentado por Floriano (...) é o
de proceder a uma ampla ‘derrubada’. Restabelece o ‘Império da lei’ no
governo federal e ato contínuo, pela lógica implacável da política, é
levado a destituir – com o apoio das ‘novas oligarquias’ – os homens de
Deodoro nas situações federais.184

Segundo Sousa, ao substituir os governadores dos estados, Floriano estava


buscando apoio parlamentar para seu governo, pois possuía minoria no Congresso.185

184
Ver CARDOSO, Fernando Henrique. Op. cit., p. 42.

185
Ver SOUSA, Maria do Carmo Campello de. Op. cit., p. 175.
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A partir desse momento, com a união dos partidos que participaram do golpe
criando o poderoso Partido Federalista, teve início a reestruturação oligárquica. 186 A fusão
de “constitucionais”, “católicos” e “nacionais” criou as condições necessárias para que se
rediscutisse os dissensos anteriores à República e se redefinisse qual a participação das
antigas facções, agora organizadas em um único partido, na estrutura de poder que se
pretendia montar. Assim, as futuras eleições teriam como função específica dar
constitucionalidade às novas oligarquias que assumiram o poder.

Para que esse controle fosse possível era necessário que se fizesse uma ampla
reforma jurídico-política no estado do Maranhão, de tal maneira que a oposição fosse
excluída dos cargos de representação em um primeiro momento. A dissolução da
Assembléia Legislativa e a anulação da Constituição de 1891 foram os primeiros atos de
uma série que se seguiu. De imediato, era preciso definir como seria o jogo político, isto é,
quem possuía o controle do estado. O próximo passo foi convocar eleição para a elaboração
de uma nova Constituição. Entre os meses de março e maio de 1892realizou se a campanha
eleitoral, bem como foram definidas as regras para as eleições: voto em uma única chapa
para o poder executivo indicando o nome do candidato, profissão e residência; com relação
aos constituintes, cada partido deveria escolher as pessoas que fariam parte da chapa.

O ato de impedir a oposição de lançar legalmente candidato ao executivo (a


chapa seria composta apenas por membros do Partido Federalista) demonstra a força do
Partido Federalista. Leve-se em consideração que os intendentes municipais eram nomeados
pelo governo, pois ainda não havia sido aprovada a legislação concernente a essa questão - o
que dava aos federalistas o controle da maioria das mesas eleitorais e, consequentemente, de
organizar a relação dos votantes de cada comarca.

186
A maioria dos líderes políticos da República Velha no Maranhão nasceram na década de 50 e início da
década de 60 do século XIX: Costa Rodrigues (1853), Casimiro Júnior (1853), Manoel I. Belfort Vieira
(1857), Benedito P. Leite (1858), Urbano Santos (1859) e, Francisco da Cunha Machado (1860) . A renovação
se deu de forma bastante natural, pois a maioria dos líderes do período da monarquia faleceram ou se auto
exilaram.
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A primeira dificuldade enfrentada pelo partido foi a composição de uma chapa
de consenso para formar o novo governo, considerando que o Federalista era um partido
com muitos líderes.187 A aprovação da legislação eleitoral, bem como a definição da chapa,
gerou protestos dentro do próprio partido. Augusto O. Viveiros de Castro, em carta ao “O
Nacional” questiona a falta de representação das minorias, o que ia de encontro com as
idéias e propostas do Partido Nacional quando na oposição. Afirma, também, que a
legislação eleitoral não garantia que a autoridade do governo saísse do voto popular, pois o
governador aclamado, Belfort Vieira, era candidato. Segundo Viveiros de castro havia outro
fato agravante: o candidato a primeiro vice-governador, Casimiro Júnior, era primo do
pretendente ao cargo majoritário, (Belfort Vieira). Tal situação caracterizaria, segundo o
autor do protesto, a formação de uma oligarquia familiar no poder, “e as oligarchias são
sempre funestas à liberdade”.188

Para que o Partido Federalista funcionasse a contento e passasse a controlar o estado


era preciso aparar muitas arestas. E aparar arestas significava impedir ou dificultar a
ascensão de parte das lideranças dos três partidos que deram origem ao Federalista. Para o

grupo ligado a Benedito Leite,189 a existência de tantos líderes dificultava a manutenção do


poder estadual sob controle do Partido, isto é, sob domínio de seu grupo. Além disso, era
preciso impedir que a oposição, liderada por Costa Rodrigues, voltasse a ter representação
significativa no Legislativo. Entre o ano de 1892 e 1907 a oposição não conseguiu eleger
nenhum representante no âmbito estadual.

Logo no início de 1892 ocorreu o afastamento de Francisco Xavier de Carvalho,


antigo Liberal e um dos fundadores do Partido Constitucional. Xavier de Carvalho afirmou
não aceitar a fusão por serem os Partidos Católico e Nacional nada mais do que subdivisões
187
A chapa de consenso da situação foia composta pelo governador aclamado capitão-tenente Belfort Vieira
(governador), Casimiro Júnior (1º vice, Partido Constitucional), Alfredo da Cunha Martins (2º vice, Partido
Nacional) e Barão de Tromahy (3º vice, Partido Católico)
188
Ver carta de Augusto Olimpo Viveiros de Castro publicada em O Nacional de 9 de março de 1892.
189
Os mais importantes seriam: Urbano Santos, Luís Domingues, Hugo Barradas, José Francisco Viveiros e
Collares Moreira.
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do velho Partido Conservador.190 Mais tarde, José Rodrigues Fernandes (acusado de ter
traído o partido ao alterar a chapa nas eleições para a intendência de S. Luís), Cunha
Machado (que depois acabou retornando ao Partido) e Ewerton Maia também se afastaram,
cada um por razões diferentes.191 As dissensões foram de tal maneira que um ano após a
fundação do Partido Federalista poucos daqueles que o formaram, nele permaneciam, entre
os quais Benedito Leite, Urbano Santos, Collares Moreira, e Monsenhor Mourão, presidente
da Constituinte Estadual de 1892, e depois presidente da Assembléia Legislativa por duas
legislaturas seguidas.

O afastamento, mesmo que temporário, de parte das lideranças ligadas ao Partido


Constitucional e Católico, em um primeiro momento, e depois também do Partido Nacional
(com o retorno de Gomes de Castro do Rio de Janeiro, conforme citado anteriormente),
possibilitou ao grupo ligado a Benedito Leite planejar e executar uma série de medidas
visando o controle do aparato jurídico, político e administrativo do Maranhão. Entre as
medidas destacam-se: elaboração da Lei Orgânica dos municípios, reformulação do poder
judiciário e adiamento das eleições para preenchimento de vagas no Congresso Nacional.
Com essas medidas, o Partido Federalista (enquanto situacionista) se fortalece, ampliando
poder para impor condições aos dissidentes que pretendiam retornar ao partido. É o caso,
por exemplo, do acordo já citado, que possibilitou ao Gomes de Castro tornar-se senador
nas eleições de 1893.

As eleições marcadas para maio de 1892 objetivavam a formação da Assembléia


Constituinte Estadual. Nessas eleições, a oposição se ausentou não lançando chapa por
acreditar que as cartas estavam marcadas visto que não lhes eram assegurados sequer o terço
das vagas, de acordo com a Pacotilha de 3 e 4 de maio de 1892, a comissão diretora do
Partido Republicano “recommenda a seus correligionários, de acordo com o chefe do
mesmo Partido (...) que guardem rigorosa abstemnção nas eleições estaduaes...”. Conforme
190
Ver carta desse político publicada na Pacotilha de 26 de fevereiro de 1892.
191
É importante destacar que esses afastamentos de uma maneira geral eram temporários, já que não havia
muitas opções caso se pretendesse continuar na vida pública. José Fernandes, por exemplo, embora afastado
do Partido Federalista em meados de 1893 (era então Intendente de São Luís), voltou ao partido e foi eleito
deputado federal para a terceira legislatura. Já Cunha Machado sofreu um alijamento maior, só conseguindo
ser eleito deputado federal novamente a partir da sexta legislatura.
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se mencionou, na capital a abstenção chegou a mais da metade, dando força para que a
oposição se mantivesse de bandeira erguida, em constante ataque ao governo de Belfort
Vieira e, mais especificamente, a Benedito Leite, Urbano Santos e Monsenhor Mourão. Um
exemplo dessa disputa palmo a palmo pela opinião dos eleitores foi a circular publicada em
A Pacotilha, a qual de acordo com o jornal, estava passando de mão em mão por todo o
Estado:
Ilmo Sr.

As conveniências partidárias aconselham que as vagas abertas no


Congresso Federal sejam preenchidas com os nomes dos nossos amigos
drs. João Raymundo P. da Silva (vulgo Quesilha), Raymundo Joaquim
Ewerton Maia (vulgo Faquinha) e Benedito P. Leite (vulgo Biné) que são
os preferidos do nosso governador “aclamado”.
Pedimos que V.S. envide os seos esforços no sentido de triumphar a chapa
do governo, podendo a eleição em caso de dúvida, ser feita em casa
particular do chefe cathólico d’esta localidade.
Se os adversários se abstiverem, deve V.S. fazer figurar na ata mais de
dois terços do eleitorado, visto que devemos tornar conhecida nossa
influência e provar que o nosso partido conta com a maioria do eleitorado
do nosso estado.
Se a opposição concorrer (o que cumpre a todo transe evitar, para que
não nos exponhamos a uma derrota) neste caso depurem-lhe a votação em
benefício de Quesilha e Faquinha.
A opposição tem direito a esse logar, mas nós devemos empregar todos os
meios por prejudical-a; e quando não seja possível – sacrifique o nome do
Biné, pois já estamos desconfiados que elle nos quer trair.
Mendes Mourão[Monsenhor Mourão]
Casimiro Sabiá[Casimiro Dias]
Ewerton Faquinha[Ewerton Maia]
Domingos Gerente[Luís Domingues] .192

É remota a possibilidade de que tal circular tenha sido escrita pelos partidos que
faziam parte da coligação que deu origem ao Partido Federalista. Ao que tudo indica foi
mais uma arma da oposição contra a situação. Somente os oposicionistas ligados a Costa
Rodrigues chamavam o governador Belfort Vieira de “aclamado”. Embora não se saiba a
autoria o documento diz muito sobre como funcionavam e funcionariam as eleições durante
a República Velha. O controle das mesas eleitorais pelo partido do governo era quase que
total.

192
Ver a Pacotilha, São Luís, 1 mar. 1892.
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Não por acaso, eram constantes os ataques do Partido Republicano acusando a
situação federalista de estar usando a máquina administrativa para comprar ou cooptar os
eleitores. A distribuição de cargos era um mecanismo de largo uso entre os políticos
maranhenses desse período. Predominava o uso clientelista do Estado. Embora a presença
do coronel fosse fundamental para que a situação saísse vitoriosa nas eleições desse período,
ele não possuía o controle das funções públicas. Nesse caso fazia-se necessário a
interferência do próprio governo ou de políticos a ele ligados para que acontecesse a
distribuição dos cargos públicos.193 Faoro também considera que “O coronel fazia política e
complementava a administração pública, no âmbito municipal, dentro do partido...”. Para o
autor havia “uma ‘troca de proveitos’ entre o chefe político e o governo estadual, com o
atendimento, por parte daquele, dos interesses e reivindicações do eleitorado rural”.194

A prática do clientelismo e do nepostimo, dois instrumentos de controle eleitoral


largamente utilizados, era constantemente denunciada pela oposição. De acordo com carta
de Mirador publicada na Pacotilha de 16 de fevereiro de 1892, Monsenhor Mourão estaria
distribuindo cargos do judiciário a parentes seus: Juiz Municipal (Ignácio Lucas de Souza
Rangel – cunhado), Delegado de Polícia (Ignácio Mourão – irmão) e o cargo de Promotor
(Aristides Mourão – casado com sua sobrinha). Na edição do dia seguinte nova denuncia
envolvendo o secretário de governo Lopes Gonçalves: Coletoria de Renda (avô), Promotor
Público (irmão), Agente do Correio (irmão), Coletoria Geral (tio) e para Juiz Municipal
outro irmão. Ainda nesse mesmo contexto, Moraes informa:
O governo está petado e a peia do preconceito é a peior de todas. O
governo não pode agir contra a companhia A, porque seu parente , sr. B,
é compadre do primo do dr. C, que é um dos chefes militantes no partdio
situacionista. Não pode contra companhia D, porque é um dos seus
diretores, o sr. E, que é sobrinho do F, que é compadre do dr. G, que é
presidente do Congresso, ou administrador do mercado.195

193
Ver CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual. In
Pontos e Bordados, Belo Horizonte, UFMG, 1998, P. 132 e 135.
194
FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 631.

195
MORAES, José Nascimento de. Op. cit., p. 51.
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Sob esse ângulo, a República manteve uma série de práticas políticas clientelísticas
do período imperial. Se partirmos do pressuposto de que o setor de serviços quase que
inexistia, restava à população, em especial à classe média, apegar-se ao Estado, pois este era
o maior empregador.196 Consequentemente, a alternância de partidos no poder durante o
Império possibilitava que a cada gabinete houvesse a substituição de boa parte dos
funcionários da administração pública (degola). Na República ocorrem alterações, pois, com
a reestruturação oligárquica, há uma certa permanência de determinado grupo político no
poder estadual e municipal.

Havia porém, por parte de certa parcela dos republicanos históricos, o desejo de que
essa situação deixasse de existir; pretendiam que o Estado estivesse voltado para os
interesses do povo, isto é, que se efetivasse a separação entre o público e o privado. Paula
Duarte em editorial do “Globo”, além de fazer uma série de questionamentos sobre a relação
que se estabeleceu entre os partidos e a administração pública imperial, afirma que essas
relações clientelistas “em verdade nada mais fizeram do que armazenar os pesares do povo”.
Para ele, com a “revolução”, esse tipo de prática política desaparecerá, já que foi por
“conseqüência dos erros cometidos” que o Império desmoronou197. Além de Paula Duarte,
outros republicanos também se preocupavam com o problema da moral nos tempos da
republica. Sousândrade, por exemplo, não conseguindo pactuar com as mazelas do novo
regime, se auto-exilou. Já os republicanos do Sertão se mantiveram atentos e na expectativa
de que a República expandisse os direitos civis e políticos da população.

Embora a Assembléia Constituinte de 1892 fosse integrada apenas por membros do


Partido Federalista, tal fato não implica que a nova Carta Magna tenha sido aprovada e
promulgada a toque de caixa. O Federalista era, não se pode esquecer, um partido
extremamente heterogêneo. Basicamente o que os unia era tão somente o fazer oposição à
Costa Rodrigues e àqueles que o rodeavam. Os antigos conservadores, agora no Partido
Federalista, viam o Partido Republicano, devido a sua composição, como o refúgio dos

196
Os trabalhos referentes as instalações do parque fabril de São Luís e Caxias, das décadas de 80 e 90 do
século não trazem dados referentes ao número de operários,
197
Ver O Globo, São Luís, 10 dez. 1889.
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Liberais. E como tal era preciso impedi-los de chegar ao poder; já os liberais dissidentes
questionavam a autoridade a liderança de Costa Rodrigues, que assumiu a chefia do Partido
após a Proclamação da República devido ao afastamento de Felipe Franco de Sá,
monarquista convicto.

Observando a composição das duas assembléias constituintes estaduais e


comparando-as com as duas últimas legislatura do Império (1886/87 e 1888/89) nota-se que
ocorreu uma alteração significativa no quadro de representação política estadual. É preciso
lembrar que o Congresso Constituinte era composto por trinta e cinco membros (20
deputados e 15 senadores), enquanto que o legislativo estadual no Império possuía trinta e
seis cadeiras na última legislatura, distribuídos em seis distritos. Acredita-se que a
renovação nos quadros de representação está relacionada ao fato de que boa parte dos
velhos políticos possuíam uma relação de fidelidade para com seus líderes. Estes, ao se
afastarem, acabaram por levar consigo boa parte dos seus liderados. Tal fato veio ao
encontro dos novos atores em ascensão que almejavam a liderança política estadual e que
foram responsáveis pela formação dos novos partidos e pela reestruturação oligárquica. É
bastante significativa a renovação do legislativo estadual se se compara as duas últimas
legislaturas do Império (1886/87-1888/89) com as duas primeiras da República, pois mesmo
com a grande quantidade de adesistas logo após a Proclamação da República, tal fato não
implicou em impedimento de renovação dos atores políticos daquela casa, pois a maioria
dos legisladores eram novatos, visto que, ainda não havia sido eleita para cargos de
representação estadual ou federal.198 Conclui-se que, antes de haver a reestruturação
oligárquica, foi necessário reestruturar os partidos políticos.

Com a saída de parte dos constitucionais do Partdido Federalista, Benedito Leite e


seu grupo saem fortalecidos, embora Monsehor Mourão ainda apareça nos jornais como
uma liderança de prestígio dentro do Partido. Durante o ano de 1893 a oposição se referia ao
governo como ‘clericalismo’ em uma alusão ao poder de monsenhor Mourão, presidente da

198
É importante pontuar que tanto a primeira Assembléia Constituinte quanto a segunda, após o encerramento
dos trabalhos e promulgação das respectivas constituições estaduais, foram transfor,madas em Assembléias
Legislativas
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Assembléia Legislativa, sobre o governo de Cunha Martins, 2º vice governador (30/ 11/
1892 a 27/ 10/ 1893).

O que se percebe é que não havia empecilho algum por parte dos federalistas ao
poder adquirido pelo monsenhor. A oposição procurou desmoralizar sua participação nas
atividades públicas tendo como base o programa do Partido Católico, que se propõe, entre
outras coisas, suprimir o casamento civil obrigatório; abolir as leis da mão morta; tornar

TABELA II - QUADRO COMPARATIVO DAS LEGISLATURAS


PROVINCIAIS (1886/87 E 1888/89) COM AS LEGISLATURAS ESTADUAIS (1891 E
1892/94) NO MARANHÃO.

Legislatura Participaram em 1891 Participaram em


Império: 36 Total 1892/94 Total
representantes 35 35

-Francisco José V. de castro -Luís A. D. da Silva


Ano 1886/87 -Raimundo da C. Fernandes -Casimiro D. V. Júnior
-Viriato J. C. Lemos 4 -Aristides A. C. de Sousa 4
-Alcebíades A. e Silva -Viriato J. C. Lemos (11.1 %)
(11.1%)
Ano 1888/89 -Antonio J. M. Pereira -João R. da S. Filho
-Agripino Azevedo -Gustavo C. Fernandes Veras
-Antonio B.B. Godois 5 -Viriato J. C. Lemos 7
-Filinto P. de Faria -Antônio martin Machado
-Viriato J. C. Lemos
(13.8 %) -Silvério C. Ferro
(19.4%)
-Aristides Lobão
-Faustino de C. moreira

Fonte: Anais da Assembléia Legislativa da Província/Estado do Maranhão 1886 – 1892.

oficial o ensino moral e religioso; proteger e auxiliar as corporações e instituições católicas;


e, manter o caráter religioso dos cemitérios. De acordo com a oposição, em artigo
publicados em A Pacotilha, tal programa ia de encontro não só ao que se propunha o Partido
Federalista mas, acima de tudo, ao que se pretendia para o Brasil enquanto regime
republicano.199 A estratégia das lideranças do Partido Federalista, ao que tudo indica, era
bastante simples: quanto mais frentes fossem abertas contra a oposição, mais fraca esta

199
As edições do final de agosto e início de setembro de 1893 são riquíssima sobre essa questão do poder
clerical no governo maranhense tendo como base de toda a polêmica a presença de Monsenhor Mourão por
sua postura centralizadora e, até certo ponto, autoritária.
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ficaria. Monsenhor Mourão praticava, então, aquilo que Carvalho chama de ‘mandonismo’,
isto é, ele é o “mandão, o potentado, o chefe, (...) aquele que, em função do controle de
algum recurso estratégico...”200 exerce certo domínio sobre a população.

Com a proximidade das eleições gerais de 1894, Casimiro Júnior, em final de


mandato como deputado federal retorna a São Luís e assume como 1º vice governador no
lugar de Cunha Martins. Sua principal função seria auxiliar no processo eleitoral de tal
forma que a situação saísse vitoriosa. Por decisão do presidente Floriano Peixoto as eleições
acabaram por ocorrer somente em março de 1894. Como eram eleições definidas por
legislação federal, o grupo situacionista foi obrigado a permitir à oposição o terço previsto
em lei, isto na segunda legislatura. De tal maneira que o Partido Republicano acabou por
conseguir duas das vagas para a Câmara Federal e o Federalista ficou com as outras cinco
existentes.201 Considerando as notícias dos jornais de oposição, as abstenções foram bastante
significativas e as fraudes também, principalmente nos municípios de predomínio do Partido
Republicano.

De acordo com a Pacotilha, mesmo o partido situacionista exigindo que os


funcionários públicos de São Luís votassem, as abstenções chegaram a mais de 50% . No
caso das fraudes, o mais comum teria sido a troca de nomes na hora da contagem dos votos.
Esse jornal tornou público um telegrama enviado pelo então governador, Casimiro Júnior,
ao governo do estado do Pará informando o resultado oficial das eleições no primeiro
distrito (São Luís, Paço do Lumiar e São José do Ribamar, todos da Comarca de São Luís)
citando como eleitos para compor o legislativo federal, Benedito Leite, Luís Domingues e o
governador afastado, Belfort Vieira, que concorria a uma cadeira no Senado. Ocorre que,
segundo esse jornal, os resultados ainda eram parciais e até o momento a oposição estava
ganhando202 naquele distrito..

200
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Rio de
Janeiro, Revista Dados, nº 40, 1977, p. 131.
201
Partido Republicano: Costa Rodrigues e Crhistiano Cruz (reeleitos); Partido Federalista: Benedito Leite,
Luís Domingues, Casimiro Dias Júnior (reeleitos), Antônio E. de Berredo e Gustavo Collaço Veras (eleitos).
Para a terceira legislatura a oposição não conseguiu fazer nenhum representante. Ver REIS, Flávio A. Op. cit.,
anexo VII, p. 219.
202
Ver Pacotilha, São Luís, 13 mar. 1894.
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3.5 O cerco começa a se fechar: centralismo oligárquico

As eleições de 1894 marcam de certa forma o posicionamento mais rigoroso dos


partidos em nível nacional. O Partido Federalista apoiou Prudente de Moraes para
presidente, aliando-se a partir desse momento, ao governo federal, e o Partido Republicano
ao apoiar José Luís de Almeida Couto foi, consequentemente, para a oposição. A partir
desse momento, o quadro político-partidário tende a se definir. Benedito Leite se manteve
no controle da máquina administrativa local ao mesmo tempo em que controlava a indicação
dos nomes daqueles que deveriam assumir as funções de representação estadual e federal.
Com isso, a oposição sofreu o ostracismo. Somente a partir de 1906 é que começou a haver
uma certa abertura para que a oposição ocupasse certos espaços a nível local. A oposição
liderada por Costa Rodrigues só conseguiu participar de forma mais efetiva do processo
político administrativo no Maranhão após a morte de Benedito Leite.

Elemento essencial para que os diferentes grupos políticos conquistassem espaço e


atenção pública era, sem dúvida, o controle sobre pelo menos um jornal que veiculasse,
senão suas idéias e propostas, ao menos as posições desse grupo com relação ao controle e
exercício do poder local e nacional. Para isso durante os primeiros anos do regime
republicano foram fundados alguns jornais de circulação diária ou semanal: O Nacional,
ligado ao Partido Nacional, liderado por Gomes de Castro; A Cruzada, Ligado ao Partido
Católico, sob direção de Monsenhor Mourão; “O Federalista”, do Partido Federalista,
chefiado por Benedito Leite e Urbano Santos; e, um conjunto de jornais menores também
de caráter político, como A Luta, e o Diário de Notícias.

Todos esse jornais defendiam posições bem precisas. Eram órgãos voltados para a
propaganda político-partidária. No período em questão, o mais comum era os embates
envolvendo a Pacotilha e A Cruzada, ou, O Nacional e a Pacotilha. Por vezes, os conflitos
levaram ao apedrejamento ou empastelamento de jornais. É o caso de A Luta, A Cruzada e
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de O Nacional, todos atacados por seus rivais, quando estes estavam no exercício do poder e
não poupavam esforços para que deixassem de veicular suas posições bem como os ataques
ásperos e contundentes à situação.203 De acordo com Moraes, que nos idos da segunda
década do século vinte atuou como cronista em vários jornais, a imprensa a seu tempo é
quase sempre partidária, ou ataca com violência e não raramente com
virulência, sem distinguir o homem do político, ou no exagero do elogio se
empenha a rédea solta. Se conveniência da politicagem sobrevêm, ela se
firma incolor e incaracterística.204

Uma das principais características do Maranhão desse período é a ausência de


democracia no jogo político partidário, pois eram remotas as possibilidades da oposição sair
vitoriosa por esforço próprio e conseguir chegar ao poder. Esse domínio, por certo tempo,
de determinado grupo oligárquico só foi possível, acredita-se, devido ao controle do
Judiciário, das representações (estadual e federal) e da máquina administrativa. Essa
estrutura de poder começou a ser montada no final de 1891, com o golpe que derrubou o
governo de Lourenço de Sá, criando a partir de então as condições necessárias para a fusão
dos partidos de oposição, tendo como resultado inicial, conforme se viu anteriormente, a
fundação do Partido Federalista.

A partir da ascensão dos federalistas ao poder começou a ser delineada a


nova estrutura de mando no Maranhão: regras eleitorais que impossibilitaram à oposição
eleger seus representantes; promulgação de uma nova Constituição Estadual que fortaleceu
o Poder Executivo; e criação da lei orgânica dos municípios.

Entre os instrumentos utilizados para que a oposição fosse impedida de chegar ao


poder, até pelo menos 1906, estaria o veto sobre o voto distrital para a eleição estadual e a

203
No caso de A Cruzada a situação se diferencia, pois a tentativa de empastelamento se deu no auge das
críticas proferidas contra o governo de Lourenço de Sá. Na verdade não houve empastelamento, mas
suspensão de suas atividades a mando do governo justificando que o jornal estaria pondo em risco a
tranqüilidade pública. A Pacotilha, embora apoiasse o governo, afirmava ser essa atitude um ato perigoso,
“pois atacar a liberdade é commetter um crime”; depois justifica a ação do governo afirmando que no caso a
decisão fora acertada pois visa reprimir a violência. . Mesmo assim o jornal continuou a circular com o nome
de “Cruzeiro”. A partir de 24 de novembro volta a circular com o nome anterior. Ver A Cruzada de 19 de
novembro de 1891; O Cruzeiro de 23 de novembro1891 e a Pacotilha de 20 e 22 de novembro de 1891.
204
MORAES, José Nascimento de. Op. cit., p. 43.
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organização de chapa completa para o Executivo, em que nas cédulas deveriam constar os
nomes de todos os candidatos de acordo com o número de vagas disponíveis. A eleição com
“lista completa” tinha como objetivo garantir a “recomposição oligárquica”. Através desses
mecanismo procuravam impedir que os coronéis das localidades e dos distritos pertencentes
à oposição saíssem vitoriosos. Assim, o legislativo estadual seria preenchido apenas pelos
governistas, possibilitando inclusive a interferência nas eleições municipais.205

Outra forma de interferência se deu através de modificações na Lei Orgânica dos


Municípios, elaborada e promulgada em 1892. As alterações começaram a ser processadas
no ano seguinte, em 1893 e foram aprofundadas com reformas na Constituição Estadual em
1898 e 1904. Em conseqüência, alguns pontos importantes foram alterados, no sentido de
promover uma maior centralização do poder e perda de autonomia (tanto política quanto
financeira) por parte das câmaras municipais, a saber: apropriação pelo Estado de tributos
municipais (de consumo, de profissões e indústrias e a décima urbana). Com a transferência
desses tributos da alçada municipal para a estadual a situação das finanças municipais
entrou em colapso, permitindo a interferência política do governo estadual. A partir de
1898, a Constituição impôs que as câmaras municipais deveriam prestar contas de suas
decisões aos poderes Executivo e Legislativo, dando a estes a autoridade para alterar
medidas tomadas no âmbito municipal.206

No que concerne ao Executivo estadual, também foram feitas uma série de manobras
visando a seu fortalecimento. Com relação ao Judiciário a Constituição previa, entre outras
coisas, a irremovibilidade dos juízes municipais, a não ser a pedido; no caso dos juízes do
Superior Tribunal era previsto que “serão nomeados pelo governador dentre os Juízes de
Direito pela ordem de antigüidade”.207 Essa situação também foi modificada através do
artigo 8 da reforma da Constituição do Estado do Maranhão de 9 de maio de 1904,

205
Ver REIS, Flávio A. Op. cit., p. 52.
206
Id. Ibid., p. 53-54.
207
Constituição do Estado do Maranhão de 1892, art.72.
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possibilitando que aumentasse a margem de escolha dos juízes e membros do Supremo
Tribunal de Justiça pelo governador.208

A situação de preponderância do Executivo em relação ao Judiciário tornou-se aos


poucos flagrante. Até mesmo o Legislativo acabou por sentir essa interferência na medida
em que as nomeações dos juízes eram feitas a partir de indicações das principais lideranças
partidárias da situação. A presença de juízes atrelados ao governo levava a uma distorção
dos julgamentos e concessão de habeas corpus. É comum encontrar-se denúncias do
atrelamento político do Judiciário ao Executivo. Parte dessas denúncias vêm em forma de
quadrinhas humorísticas picantes sobre determinadas personalidades políticas. É o caso, por
exemplo, do episódio ocorrido m Coroatá, no qual quatro vereadores foram presos por se
posicionarem contra as decisões do presidente da intendência local, não o reconhecendo em
sua função. Foram presos a mando do Juiz, sobrinho do Monsenhor Mourão, presidente do
Assembléia Legislativa. Conseguiram habeas corpus, mas permaneceram presos. Fato
semelhante ocorreu também em Cururupu.209 Essa situação de desrespeito às decisões
judiciais gerou inúmeras quadrinhas, como as que se seguem, escritas por alguém que assina
como Taboca:
Outrora quando um habeas corpus
Conseguia um cidadão,
Posto era em liberdade,
Mas hoje fica na prisão.
Acima dos tribunaes
Paira um juiz, que é sobrinho
Do titio, que aqui rufa
E manda rufar o pinho.
Deixemos pois, de tolices
Que o mundo nunca avessou,
Isto de lei, de justiça,
Isto sim, foi que mudou.210

208
REIS, Flávio A. Op. cit., p.54-55
209
Durante a eleição para deputado federal ocorrida no final de 1892 os membros do Partido Republicano se
rebelaram e invadiram a casa do mesário e presidente da Câmara municipal para tomar o livro com a relação
dos eleitores, pois, segundo eles a ata da eleição havia sido falsificada. Aproveitaram também para depor os
intendentes, elegendo outros para os cargos, pois consideravam que as eleições ocorridas em novembro
daquele ano fora forjada pelos federalistas. O governo do Estado enviou força policial para a vila e os líderes
(a maioria composta de republicanos históricos) foram presos. Conseguiram um Habeas Corpus, mas este não
foi respeitado pelo delegado.
210
Ver a Pacotilha, São Luís, 10 ago. 1893.
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As medidas visando o fortalecimento do Executivo também atingiram o Legislativo


estadual com a alteração principalmente do artigo 27º da Constituição de 1892. A partir de
1904, quando houvesse veto a resoluções da Assembléia Legislativa pelo governo, este
poderia devolvê-las juntamente com sugestões para serem novamente apreciadas e votadas.
Além disso, foi alterado o quorum para a rejeição, que exigia dois terços dos deputados
presentes na sessão para dois terços do total de deputados da casa; 211 e, por fim, passou-se a
aceitar apenas vetos parciais com relação às lei orçamentárias e à definição das forças
públicas.212

Durante o ano de 1893, o jornal A Cruzada deixou de circular ficando apenas


“O Federalista” como defensor dos interesses da situação, isto é, controlado diretamente
pelos membros do Partido Federalista e a serviço deste e do governo. A situação contava
também com o apoio do Diário do Maranhão, jornal que era sempre governista,
independentemente do partido que estivesse no poder. Por outro lado, a oposição ganhou
força com o lançamento de um novo jornal diário, o Diário de Notícias, dirigido por ex-
federalistas do antigo Partido Constitucional, que começou a circular em maio de 1893,
encerrando suas atividades no final de 1894. Coincidentemente o primeiro número desse
jornal noticiou, o afastamento de José Rodrigues Fernandes e Cunha Machado do Partido
Federalista acompanhados por dez deputados.213 As edições seguintes demonstram que o
novo diário, embora na oposição, não afinava politicamente com o grupo de Costa
Rodrigues, mas comungava com a Pacotilha no sentido de fazer oposição ao governo
federalista. O caminho encontrado foi o de evidenciar os conflitos internos dos federalistas
enquanto governo.

Esses episódios são importantes, pois mostram que havia uma luta intestina no
Partido Federalista. A disputa pela liderança do partido prolongou-se por todo o ano de

211
Ainda em 1892, logo após a promulgação da nova constituição estadual, a Assembléia Legislativa resolveu
alterar esse artigo através do substitutivo do deputado Aristides Coelho. A discussão desse substitutivo se
encontra em A Cruzada de 26 de agosto de1892.
212
Ver Constituição Estadual do Maranhão de 1892 e Reforma da Constituição Estadual de 1904.
213
Checando a relação dos deputados dissidentes constatamos que a maioria fazia parte do Partido
Constitucional. Ao se colocarem em oposição ao governo estavam apenas seguindo seus líderes. Ver Diário
de Notícias, 8 mai.1893.
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1894. Aos poucos, porém, a figura política de Benedito Leite foi suplantando a dos demais,
impondo a todos através de conluios e conchavos, os nomes chaves para os cargos de
representação e funções administrativas tanto estadual como federal no Maranhão. De tal
maneira que, primeiro enquanto deputado federal (1892 – 1896) e depois como senador da
República (1896 – 1906) e, por fim, como governador (1906 – 1909) ele foi costurando as
teias do poder de forma que sua autoridade passou a ser respeitada por todos os Membros do
Partido Fedreralista. Porém, é preciso deixar bem claro, que não se conseguiu detectar em
nenhum momento alguma discussão pela imprensa que transparecesse a idéia de um projeto
de República, no âmbito nacional ou estadual, tanto por parte dos federalistas quanto dos
‘republicanos’, ao contrário dos chamados “históricos”, que tinham suas propostas, mesmo
que fossem românticas.

Com relação a recomposição oligárquica no Maranhão, pode-se dividir o período de


1889/94 em dois. O primeiro (1889/92), caracteriza-se pela fragmentação oligárquica e a
criação de inúmeros partidos políticos tendo como base as dissidências existentes no Partido
Conservador e, principalmente, no Partido Liberal. Nesse período foram criados os partidos
Republicano, Nacional, Católico, Constitucional e, por fim, o Partido Federalista através da
fusão dos três últimos.

O segundo período (1892/94) é caracterizado pela busca de um norteamento político


que efetivasse a hegemonia dos antigos conservadores no cenário estadual. Para isso foi
costurada a coligação que deu origem ao Partido Federalista. Esse partido, durante o ano de
1892, sofreu uma série de problemas ligados principalmente ao número excessivo de
dirigentes. Com a saída ou afastamento, conforme se viu anteriormente, de parte da
liderança de cada uma das agremiações que o formaram, aos poucos o grupo de Benedito
Leite passou a controlar não só o partido, mas todos os mecanismos de funcionamento do
aparato jurídico, político e administrativo do Estado
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Propôs-se no início dessa dissertação mapear a organização dos clubes
republicanos no Maranhão, bem como a gênese da reestruturação oligárquica ocorrida nos
primeiros anos da consolidação do regime republicano. Partiu-se da hipótese de que havia
no Maranhão um movimento de propaganda republicana organizado (principalmente no
Alto Sertão) e articulado através de dois diretórios centrais. No entanto, com a instauração
do regime republicano, os republicanos históricos não conseguiram se apossar da máquina
administrativa do estado.

Para atingir esse propósito utilizou-se da descrição da situação material e infra-


estrutural do sertão maranhense, tendo como objetivo entender quais seriam as razões que
teriam levado os sertanejos a criarem os clubes republicanos no Alto Sertão, região
pecuarista voltada para o abastecimento do mercado interno.

Além das questões ligadas especificamente aos sertanejos, foi necessário estender
também o olhar sobre a situação dos partidos políticos maranhenses no final do Império.
Ficou evidente que tanto o Partido Liberal quanto o Partido Conservador possuíam
problemas internos e por isso ambos estavam divididos em duas grandes alas. O Partido
Conservador, mais estável, dividia-se em ‘castristas’ (liderada pelo senador Gomes de
Castro) e maísta (liderada por Silva Maia). Já o Partido Liberal estava dividido em duas
grandes dissidências: a ‘Salista’ e a ‘marcelinista’, além de várias pequenas dissidências
espalhadas por toda a província. As pesquisas indicaram que parte dos clubes republicanos
surgiram no bojo dessas dissidências do Partido Liberal. Entre esses clubes destacam-se o
liderado pelo juiz municipal Izaac Martins, de Barra do Corda e o clube de São Luís,
liderado pelo advogado Paula Duarte.

Embora os republicanos do Maranhão não tenham conseguido criar na província o


Partido Republicano, como ocorreu na maior parte das províncias do Sul e do Sudeste,
conseguiram ao menos por em circulação dois jornais voltados especificamente para a
propagandear o republicanismo tanto pelo sertão (O Norte, de Barra do Corda) como na
capital (O Novo Brazil, de São Luís). Foi através desses veículos de propaganda que
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conseguiram dar certa unidade as idéias e projetos, seja seguindo o modelo positivista, o
modelo liberal norte americano, ou ainda, um misto dos dois.

As lideranças do movimento republicano maranhense estavam umbilicalmente


ligada à Faculdade de Direito de Recife. Dunshee de Abranches, Izaac Martins, Frederico
Figueiras, Antônio Bayma, Francisco Machado e muitos outros, passaram pelos bancos
daquela faculdade. No retorno a seus lugares de origem, buscaram empregos na área da
magistratura, administração ou em cargos de representação. As dissidências ocorriam, em
sua maioria, em função de preterimentos. Revoltados com a situação de marginalidade
pessoal e diante do clima de insatisfação reinante acabavam por encampar a bandeira do
republicanismo contra o que se considerava como desmandos do sistema político vigente.
Ou seja, para a maioria dos que aderiram a causa republicana a questão era menos
ideológica que prática Não por acaso, nota-se que a maioria absoluta dos clubes
republicanos surgiram após a lei Áurea, isto é, a partir do momento em que os proprietários
ficaram descapitalizados.

A Proclamação da República pegou a maioria dos maranhenses de surpresa.


Embora fossem constantes os artigos e editoriais afirmando que a Monarquia estava morta,
que só faltava enterrá-la, não se esperava que os Braganças perdessem o trono através de um
golpe militar comandado por um monarquista, em conluio com o Partido Republicano e
fazendeiros do Partido Republicano Paulista. Proclamada a República, era preciso criar as
condições de governabilidade. A primeira dificuldade veio em forma de uma manifestação
popular realizada principalmente por negros libertos pela lei Áurea, que instigados por
monarquistas tentaram depredar as oficinas do jornal dirigido pelo republicano Paula
Duarte. O motivo da revolta foi o boato de que os republicanos pretendiam restaurar a
escravidão.

A segunda dificuldade relaciona-se com a organização da Junta Governativa e sua


conturbada administração. A maioria dos membros da Junta eram ligados aos partidos
monárquicos. Apenas um republicano, Paula Duarte, compôs essa Junta que governou a
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Maranhão por um mês. A Junta Governativa deveria apenas conservar a ordem e garantir a
governabilidade até que o governador nomeado chegasse. No entanto, aprovou uma série de
decretos que gerou mal-estar na população. Ao tomar posse o primeiro governador
nomeado, Pedro Tavares Júnior, decretou a anulação de todas as medidas tomadas pela
Junta.

A formação dos primeiros partidos políticos maranhenses teve início ainda em


1890, por ocasião das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, promulgada em
1891. As duas correntes políticas majoritárias no Império se organizaram inicialmente
através do Partido Republicano (liberais) e do Partido Nacional (conservadores). O Partido
Conservador, mais organizado e menos dilacerado por dissidências, conseguiu compor
chapa reunindo membros castristas e maístas, criando o Partido Nacional. Já o Partido
Liberal, que encontrava-se completamente fragmentado nesse momento (o Barão do
Grajaú falecera e Felipe Franco de Sá saíra da cena política com a Proclamação da
República) transformou-se em Partido Repubicano.

A partir do início de 1890, com as adesões se multiplicando, o estado começou a ser


organizado tendo como base as orientações enviadas pelo governo provisório republicano
do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em era feita a avaliação da situação financeira do
estado, foram nomeados os intendentes dos municípios maranhenses, procurando garantir às
vilas em que havia clubes republicanos maioria numérica de republicanos históricos. Foi tão
somente no âmbito municipal que os republicanos históricos foram contemplados com
parcela do poder, pois apenas Izaac Martins conseguiu uma vaga como senador para o
Congresso Constituinte Estadual de 1891. A partir do final de 1891, com o golpe de estado
impetrado pelos partidos Nacional, Católico e Constitucional e posterior à criação do
Partido Federalista, em 1892, os republicanos históricos foram praticamente excluídos, por
mais de uma década, de qualquer participação em cargos do Legislativo a nível estadual e
federal.
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Da recusa de se aceitar Costa Rodrigues como líder dos liberais organizados no
Partido Republicano (ex-Partido Liberal) surgiu o Partido Católico e, posteriormente, o
Partido Constitucional. Quanto aos republicanos históricos, também se dividiram de acordo
com a liderança de cada partido. A maioria dos ‘históricos’ juntou-se ao Partido
Republicano e uma minoria migrou para o Partido Católico.

Essa fragmentação partidária nos dois primeiros anos de República pode ser
considerada como normal se se considerar que o momento histórico era bastante indefinido.
Para que a nova oligarquia que estava sendo forjada assumisse o poder e passasse a
administrar o estado, seria necessário redefinir as forças políticas. Para isso era importante
que se criasse partidos que possuíssem certa estabilidade e seus dirigentes fossem
respeitados. O acontecimento central que possibilitou esse rearranjo político partidário,
tanto em nível nacional quanto local, foi a dissolução do Congresso Nacional pelo
presidente Deodoro da Fonseca e o retorno da constitucionalidade promovido pelo vice-
presidente Floriano Peixoto. No bojo desses fatos ocorreu o golpe de Estado impetrado por
‘nacionais’, ‘católicos’ e ‘constitucionais’ possibilitando a formação de um partido capaz de
fazer frente ao Partido Republicano, isto é, o Partido Federalista.

Com a ascensão dos federalistas ao poder a partir de 1892, uma série de reformas
políticas foram empreendidas visando impedir que os republicanos voltassem a controlar a
máquina administrativa do estado. Entre as reformas aludidas as mais importantes foram:
elaboração de uma Constituição Estadual mais centralizadora; reforma judiciária
possibilitando ao governo do estado maior controle sobre a nomeação dos juízes; alteração
no regimento da Assembléia Legislativa no sentido de dificultar os vetos do Legislativo aos
projetos do Executivo; e a elaboração da Lei Orgânica dos Municípios, com o objetivo de
controlar as eleições municipais e os tributos.

A partir de 1894 o grupo de Benedito Leite passou a controlar a maior parte dos
cargos de confiança dentro do Estado do Maranhão. Além disso, a legislação eleitoral, ao
impor chapa única, praticamente impedia a oposição ‘costista’ de conquistar mandatos de
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representação estadual. Devido a impossibilidade do Partido Republicano alcançar os cargos
de representação, o Partido Federalista passou a governar tendo como oposição apenas os
jornais Pacotilha e Diário de Notícias. A oposição feita pelo jornal dos republicanos era
considerável. O jornal fazia constantes campanhas contra a ‘turma do Biné’, apelido pelo
qual Benedito Leite era conhecido. Mesmo com um dos principais órgãos da imprensa
diária contra, o Partido Federalista conseguiu se impor politicamente, mesmo após a morte
de Benedito Leite, em 1909.

ANEXOS

Documento nº1
Manifesto do club republicano da villa de Picos *

Concidadãos,

Quando se trata de formas de governo deve-se prescindir do despotismo e da


anarquia, porque aquele é o abuso do poder e a anarquia é a negação de todo governo.
Ambos constituem um estado anômalo e enfermo da sociedade civil.
As diferentes formas de governo resultam principalmente dos diversos modos de
constituição e exercício do poder legislativo, que é verdadeiramente o poder soberano.
Debaixo deste ponto diz-se a forma de governo ou é monarchia, quando uma
personalidade é o único arbítrio na legislação, ou aristocrática, quando um corpo ou uma
classe de homens, privilegiada por qualquer modo que seja (pelo nascimento ou pela
riqueza)exerce o poder soberano; ou democrática quando povo todo é quem faz a lei.
Estas formas que o pensamento pode conceber abstractamente e, raras vezes se
realizão de um modo puro, sem mistura.
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A história política no mostra geralmente uma combinação em que uma ou outra
dessas formas predomina, mas só nos tempos modernos é que se tem procurado estabelecer
no systema constitucional, os princípios, segundo os quaes essas formas se devem combinar
para o bem geral da sociedade.
O valor das diferentes formas de governo e de suas combinações, é proporcionado
aos gráos de cultura do povo.
Por conseguinte a melhor forma de governo é sempre a que numa época dada
satisfaz melhor os interesses geraes, collocando o poder nas mão dos que podem fazer
triumphar, com mais independência e inteligência, o princípio da justiça contra a ignorância
e o interesse particular.
O estado de cultura de um povo pode pois legitimar plenamente a forma monarchica
ou aristocrática, pura ou misturada; quando a maioria não tem instrucção, nem
conhecimentos necessários, para com inteligência tomar parte no exercício effetivo do poder
soberano.
Não há nada na natureza physica ou moral do homem que nos induza a crer que elle
nascera para viver debaixo de uma única forma de governo; antes, vê-se que elle pode tanto
viver n’uma monarchia quanto n’uma república, e que os mesmos povos passam
sucessivamente por diferentes formas de governo.
Por isso diz Montesquieu que o governo mais conforme com a natureza é o que
melhor se acommoda com a disposição do povo o qual é estabelecido.
Sem embargo porém desta verdade muitos publicistas occupão-se em mostrar as
vantagens e desvantagens de cada uma das formas simples de governo, concluindo d’ahi
que a melhor forma seria a que reunisse as excellências de cada uma das formas simples.
Dizem que a excellência da monarchia está na paz interna, na presteza da execução;
mas que a inteligência de um só homem não é bastante para compreender os interesses da
nação e fazer as melhores leis.
Que as vantagens da democracia são a liberdade (que é a isenpção das restrições
desnecessárias) as leis gerais e conforme as decisões do povo, a frugalidade e a
opportunidade que as assembléias populares dão dão aos homens de talento de offereceram
ao público os seus préstimos.
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É justamente esta a forma de governo, que mais se harmoniza com o gênio
brasileiro.
Em apoio a essa asserção basta as seguintes ponderações:
Qual a vantagem que a monarchia traz para o Brazil?
Qual o progresso que tem introduzido?
Qual a instrucção?
Qual proveito tem tirado o Estado com a religião?
Qual, em fim, os nossos melhoramentos?
Não é preciso que sejamos dotados de uma descommunal inteligência para para
conhecermos que a monarchia esse governo para o progresso procura libertar-se de seus
effeitos – é a principal decadência physica e moral do nosso paiz.
Nem uma vantagem tem tirado della, a não ser o nosso completo descrédito e
aniquilamento.
Os homens de caracter são logo corrompidos pelo mecanismo do poder que tudo
gasta e estraga.
Progresso não conhecemos, pois ahi estão incultas as nossas matas, ricas de florestas
verdejantes pela fertilidade do solo que trilhamos composto de preciosas madeiras e cortada
de rios navegáveis, conservando-se a maior parte delles por desobstruir-se.
Há mais de meio secculo que foi declarada a independência, por uma constituição
que nunca foi a vontade nacional, e sim a vontade de Pedro I e só foi aceita a sombra da
ignorância que só assim podia medrar a monarchia - e jamais trazendo no frontespício o
nome da Santpíssima Trindade – é fácil de ver-se que a ignorância de envolto com o
phanatismo, recebeu a constituição como inspirada por Deus.
Seria injustiça calarmos sobre o nome do autor de Marilia de Derceu e Tiradentes e
outros que (...) propagavam a idéa republicana, foram por isso victimas da déspota
monarchia – e desta arte ficamos escravisados pela sagrada e inviolável pessoa de D. Pedro
II a quem e a sua gerarchia foi entregue a sorte do nosso infeliz paiz.
Para provar que só à sombra da supina ignorância pode encontrar apoio a monarchia
no Brazil – é apellar-se para a nação e enterrogar os seus 13 milhões de habitantes quaes os
que conhece o artigo 1º da constituição política.
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A começar por esta pequena villa das Ribeirinhas que há pouco acaba de surgir no
sertão de nossa província, a margem do alto Itapecuru – ainda por desobstruir-se e que com
tanta galardia caminha seus altos destinos, devido somente a habilidade de seus habitantes,
que nada deve ao governo o seu progresso – quantos são os que conhecem o artigo 1º da
constituição.
Sem receio de errarmos declaramos que entre suas 2 mil almas, pouco mais ou
menos, só uma dezena conhece a constituição, as mais não podem mesmo definir esse
vocabulário.
A falta de instrucção no nosso paiz, é justamente a verdadeiramente decadência deste
pobre povo, que vive em completo reinado de trevas, onde parece dormir perpetuamente.
E só por esse meio pode ainda ser governo a dinastia Bragança, essa maldita
parasita, que carregamos como um verdadeiro pesadello, e julga este vampiro jamais chegar
o dia da sociedade.
A religião ganhadera firmando-se o seu alicerce, na constituição monarchica –
derramou-se por toda a superfície de Santa Cruz, caminha fanatisando suas ovelhas – em
falsos dogmas calcando aos pés a religião ou Martyr de Golgotha – metamorphoseando o
templo do pescador da Galiléia – em praça de mercado Romano e por esta bestialisado em
suas virtudes, este povo digno de melhor sorte.
É possível que a despóntada teoria dos falsos pregadores de Roma, encontrar o clero
em pleno secculo 19?
Não é necessário que acabemos de uma vez por todas com todos esses males, com
todos esses disparates, com estes cortejos de aduladores da monarchia – procurando libertar-
nos da terrível tradição colonial
Não pode medrar a monarchia no seio da Opulenta América. Em quanto nossos
irmão da América florescem e progridem, nós retrogradamos a olhos vistos.
Em quanto os seus cofres nadão em ouro, nós pedimos esmolas aos estrangeiros.
Em quanto (...) milhões de dolars em instruir seu povo – nós imitimos apólices e
moeda papel agravando ainda mais a sorte dos tísicos cofres públicos da nação – pagando os
professores e a polícia com essas apólices – depreciada pela metade do valor.
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Em fim; vivemos em instrucção, sem commércio, sem indústrias, sem manufaturas,
sem arte e sem agricultura, não obstantes as imensas belezas de nosso solo.
Quem é pois o responsável por tudo isto? É a forma de governo. É o Senhor D.
Pedro II, que não obstante o estrangeiro alcunhá-lo de salvo, no entanto deixa como um mau
piloto so sobrar a grande nau do Estado que em tão má hora lhe foi confiada.
Podemos garantir que o Sr. D. Pedro II no longo reinado de mais de meio sécculo
não conhece o Brazil – nunca dignou-se a percorrer as províncias – em especialidade as do
Norte, para saber avaliar as necessidades Palpitantes de cada uma dellas. Ao passo que por
vezes tem passado a Europa em viagem de recreio e a conta dos míseros cofres públicos – e
por lá esbanjando centenas de contos.
A inexperiência da Sra. D. Izabel, acaba de aniquilar completamente a lavoura e
sendo coadjuvada por este acto fúnebre, por uma câmara servil, e um gabinete composto de
homens sem programas, sem crenças definidas como políticos e baldos de servir como
patriotas.
Com a rápida passagem da áurea lei de 13 de maio ficarão apodrecidos com os
applausos e hymnos de glória que como homenagem recebião do povo brasileiro, resultou o
idiotismo do chefe de gabinete. São cortes dos grandes homens – Petrarca no dia de seu
maior benefício – ficou pelado.
O velho monarcha incompatibilizou-se para com a nação o seu crâneo outrora
proclamado dos Homeros, dos Virgílios, dos Dantes, dos Lamartines, dos Goethes, dos
Raphaes, dos Victor Hugos, dos Dumas, dos Alexandres, Herculanos, acaba de roubar-lhe
acaba de roubar-lhe toda esta riqueza de conhecimentos a diabete imperial.
A Senhora Izabel acaba também incompatibilizar-se com a rosa de ouro que o
Vaticano acaba de prophetizar o destino fatal que está reservado a D. Izabel – com tão
elevada distincção.
Estava pois reservado o anno de 1889 para a destruição do grande império, que se
acha guardado pela diabete, pelo clero, pelo usurário e pelos idiotas.
Eis o quadro lúgubre que se encerra o velho pardieiro que se chama Brazil, e que a
pouco será representado na França, em exposição!
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Não podemos pois continuar neste triste estado de cousas, cooperando para as loucas
vaidades e luxos de um mau governo, que só nos tem legado a miséria, a fome, o descrédito,
as trevas, a ignorância, a defraudação dos cofres públicos, a falta de segurança públic e
individual, e por último o attentado contra o sagrado direito de propriedade.
São estes os fructos da podre monarchia.
Repudiamos semelhante regimem e abraçamos de todo coração o regimem da
República, pois vemos nella a verdadeira forma de governo, a única conforme a sciência, a
mais econômica, aquella que tende chegar to o povo, quando atinge o seu máximo
aperfeiçoamento.
E haverá quem acalenta esperança de ver a regeneração da pátria emergir desse
oceano de depravação moral, que cada vez mais sobe e avoluma?
Como se não bastara para tolher-nos o caminhamento a crise econômica agravada a
mais e mais pelos acrescentamento do deficit, gerado e alimentado pelas larguezas
ministeriaes, pelos escandalososo contractos lesivos aos interesses da fazenda, pelas grossas
sommas devoradas pela família imperial, pelos esbanjamentos da realeza achacada e
itinerante, com uma comitiva de espavento dar se no momento da crise política motivado
pelo estado mérbido do Imperador, cuja mentalidade desequilibrada dar lugar a breve trecho
de transição forçada para o terceiro reinado, indo parar a tutoria do paiz a um estrangeiro
ganancioso e aventureiro e de uma senhora sem cultura e beata.
Quando mesmo a pátria houvesse de atravessar por entre as scenas de uma revolução
como disse o manifesto paranaense, seria mil vezes preferível conquistar tão subido preço a
purificação do carácter nacional – a vel-o descer cada vez mais na escala da degradação
moral.
Concidadãos! A luta pela República. Picos, 24 de fevereiro de 1889.

Venâncio Vieira Torres


José Fernandes
Antônio Rodrigues Bayma
Fermiano V. Torres
Severo José Machado
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José Dias de O. Pimentel
Justino Ferreira de Souza
José Fernandes de Moura Brito
Joaquim Dias de Oliveira Pimentel.

* Publicado em O Novo Brazil de 12 de abril de 1889.


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Documento nº2
Manifesto republicano de São José dos Mattões*

“Privado do mais sagrado direito de todos os povos expulsos da comunhão social


sem outro recurso que não seja o da liberdade de imprensa, vimos por meio della protestar
perante a nação inteira contra senão iníqua subversiva e anticonstitucional lei de 9 de janeiro
de 1881, que nos negou o direito de voto, direito que nos garante a enfrme e atidemocrática
constituição do Império sabendo que bem dilacerada já vai essa intitulada lei orgânica do
paiz.; conhecendo do grande movimento republicano, que felizmente já em nossa capital
conta para o mais número de duzentos eleitores vendo os seus progressos, quer nas cidades
quer nos campos pedimos contra aquella injusta que nos nivelou do zero a justa reforma:
queremos uma constituinte que por um só parto nos dê a luz uma constituição igual a da
república norte-americana, com o poder de transformar essa já gasta monarquia em
poderosa República-Sul-Americana.
Convencidos da justiça e força do nosso protesto, certos do passo gigantesco que
damos na senda dos povos civilizados, temos que o nosso protesto, o nosso alto pedido vai
coincidir com as aspirações de todos os brazileiros.
Viva a liberdade!
Viva a egualdade!
Viva a fraternidade!
Carolina*, 06 de fevereiro de 1889.
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Joaquim de Souza Maia


João do Rego Maranhão
Telemaco Carlos Montoril
Doroteu Nougueira de S. Maya
Lino Fernandes M. Leal
José Moreira Sobrinho
José Nogueira de Souza
Carlos Pedro Franco
Liberato Cavalcante Maranhão
Se,bastião de O. Pimentel
Joaquim Sardinha
Liandro Pereira Britto
José M. Gonçalves Araújo
Manoel Lino de Araújo
Antônio da Cruz de Oliveira
Aleixo Joaquim de Oliveira
Filadelfo F. de Carvalho
Manoel do Rego Maranhão
José do R. Maranhão
Raimundo de Albuquerque Maranhão
Antônio H. da Costa
Theodoro Pires de souza
José V Machado
Francisco Carneiro de Holanda
José Antônio de Souza
Benedito Alves Pacheco
José Pedro F. de Brito
Joaquim Alves Bezerra
Sebastião Dias Soares
Jovino de Souza Martins
Pedro F. de Oliveira
Raymundo R. Landim
Pedro Viera Monteiro”
115

* Publicado em O Novo Brazil de 15 de abril de 1889.Embora o jornal “O Novo Brazil” tenha


indicado ser este manifesto da vila de Carolina, a relação dos assinantes indica pertencer aos republicanos de
São José dos Mattões. Além disso, na mesma edição o jornal publica o manifesto de Carolina, que era liderado
por Alípio Alcides de Carvalho, residente naquela vila.

Documento nº3
Manifesto Republicano Carolinense de eleitores*

O Novo Brazil nº 23 de 15/ 04/ 1889


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“De 1822 até hoje temos experiência bastante para reconhecer a impossibilidade da
monarchia brazileira na solução do grande problema que envolve o engrandecimento moral
e material da nação.
A mais simples consideração nos leva a evidência que a independência e o progresso
são incompatíveis com a realeza no Império do Brasil, attenta a absorpção total dos
rendimentos do paiz.
Baseados nesse princípio inconcurso de liberdade, que exprime com admirável
exactidão todas as nossas necessidades, todos os nossos desejos numa palavra a grandeza
completa de nossa pátria, e acompanhando esse brado ingente que se faz ouvir do
Amazonas, do Rio Grande do Sul e do Atlântico dos extremos de Goyaz e Matto Grosso,
para evitarmos o crime de leza nação, nós os carolinenses deixamos as fileiras dos partidos
liberal e conservador, a que pertencíamos aceitamos desde já o programa do Centro
Republicano da Corte pelo que pomos a disposição de todo o Partido Republicano do
Império nossa adhesão, os nossos votos.
É pois tempo brazileiros, de darmos o passo para avante. Não há esmorecer, uma
constância a par da verdadeira dedicação nos trará em breve com a República Sul-
Americana, a luz do progresso material e moral do nosso querido Brazil. Não recueis
comarcas do 6º districto.
Viva a República Federativa brazileira!
Carolina, 7 de fevereiro de 1889.
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Alipio Alcides de Carvalho


João Alves da Silva Joca
Candido Alves Pacheco
Antonio do Rego Maranhão
Manoel Gomes de Amorim
Joaquim Alves Lima
Ignacio Alves dos Santos Lessa
Pedro Pereira Lima
Joaquim da Cunha Araujo
Francisco Bernardino Gomes Barata
Augusto Cesar de Oliveira Pimentel
Joaquim Bernardino Gomes
Ambrozio Jose de Souza
Romualdo Luiz Rodrigues
Germano Rodrigues da Silva
Manoel Gonçalves Braga
Jose Elias de Souza
João Ayres da Silva Mascarenhas
Jose Saturnino Pereira Jacome”

O Novo Brazil nº 23 de 15/ 04/ 1889


118

Documento nº4
Editorial de “O Norte” de Barra do Corda – Ano 1, n 1*

Barra do Corda 10 de novembro de 1888

“O título que toma um jornal deve exprimir a síntese das idéias que constituem o seu
programa.
Sob este ponto de vista, Democrata ou Republicano, deveriam ser palavras que
encimassem o nosso pequeno jornal. Ele é do povo, para o povo e pelo povo.
Mas uma circunstância de pouca importância privou-nos de batizal-o com o nome, que
mais analogia tem com o seu fim.
“Q Norte” foi o nome que tomamos para esta folha. Escolhendo este título não
tivemos em o valor e a importância que goza esta palavra na linguagem náutica ou no estudo
das ciências cosmográficas; mas fomos determinados por outro motivo.
Somos filhos d’esta parte do Império, que não participa da natureza do todo que tem
deveres e não tem direitos correlativos; que paga pesado imposto, concorre com grandes
somas para o Tesouro Público, mas a que toca a mínima fatia na divisão do bolo
orçamentário; que vegeta ahi das migalhas que sobejam as suas irmãs queridas do sul.
Somos “nortistas” e isso explica o motivo de nossa escolha.
Somo inimigos dos programas e dos systemas, daqueles por que são as mais das vezes
promessas vans, e destes por que tolhem o passo ao estudo e quase sempre assentam em uma
base estrita ou falsa. Nada obstante sujeitamo-nos à praxe de dar um programa para cada
coisa, para uma festa, para um jornal, para um partido, para um ministério, etc.
Ahí vai, pois, o nosso “programa sistematisado” que esperamos seja mais bem
cumprido do que nossos partidos e ministérios cumprem os seus.
“O Norte” não tem a pretensão de ser um jornal ilustrado, literário, científico e
político. Nascido em um meio rude e agreste falará alinguagem de todos. Do povo por este
sustentado defenderá com coragem, energia, dedicação, e lealdade os seus direitos e legítimos
interesses. Será uma válvula a suas queixas, uma atalaia vigilantes de sua liberdade.
Em política será francamente dedicado as idéias democráticas, guardando o respeito
mútuo que deve haver entre os partidos constituídos, quer no terreno das idéias, quer em suas
manifestações práticas.
119

O seu final é a liberdade em toda sua extensão e compreensão, com uma única
restricção, a que lhe é imposta pela razão e pela lei.
Defenderá a liberdade do trabalho aplicado à lavoura, ao comércio e a indústria,
protestando sempre contra a faculdade de decretar impostos, quando estes não forem
rigorosamente necessários aos legítimos interesses da coletividade.
Defenderá a liberdade da consciência do pensamento e da palavra em todas as usas
lícitas manifestações uma vez que esta nobilíssima faculdade humana seja acompanhada da
secularíssima responsabilidade.
Defenderá a liberdade política para que a par da ordem e do respeito devido às nossas
instituições se vá operando uma revolução pacífica e profunda; nos homens, nas coisas e nas
nossas próprias instituições, que tanto se ressentem da falta de um verdadeiro cunho de
moralidade e progresso.
Defenderá a liberdade de ensino, combatendo a ignorância e o pretenso direito de nada
aprender.
Defenderá a igualdade entre os homens, combatendo os preconceitos que nascem de
circunstâncias meramente acidentares, mostrando que entre o branco e preto, o mulato e o
mestiço, o rico e o pobre, o nobre e o plebeu, o sábio e o ignorante nenhuma diferença
essencial existe, senão a dos merecimentos, que conquistam o trabalho, o estudo, a
honestidade e a virtude; e provando que sendo todos os homens indivíduos a mesma espécie,
effeitos da mesma causa, filhos do mesmo pai, tem a mesma natureza, gozam das msmas
faculdades, tem o mesmo fim, e por isso são especificamente iguais.
Não deixará nunca a altura dos princípios para descer às individualidades.
Combaterá os erros, os defeitos e os crimes, amando sempre ao homem.
Em matéria de religião guardará sempre o mais profundo e respeitos silêncio. Em fim.
“O Norte” será um incansável lidador em prol dos mais vitais interesses desta zona da
Província, chamando sempre a atenção do governo para tudo o que for útil aos seus
habitantes quer se trate da pública administração, quer se trate de melhoramentos materiais
para o comércio e a lavoura, como limpeza e desobstrução de rios, abertura de estradas, e quer
se trate de melhoramentos morais, como criação de escolas, catequese de índios e outras
medidas que tendam a elevar o povo a altura de culto e civilizado”.

* Publicado em O Novo Brazil de 12 de novembro de 1888.


120

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