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ARACAJU
2016
ESPELHO, ESPELHO MEU: QUEM SOU EU?
A TRANSEXUALIDADE E OS DESAFIOS PARA O
RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO
BRASIL
ARACAJU
2016
ESPELHO, ESPELHO MEU: QUEM SOU EU?
A TRANSEXUALIDADE E OS DESAFIOS PARA O
RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO
BRASIL
BANCA EXAMINADORA:
ARACAJU
2016
Dória, Thenisson Santana
D696e Espelho, espelho meu: quem sou? a transexualidade e os desafios para
o reconhecimento da identidade de gênero no brasil . / Thenisson Santana
Dória ; orientação [de] Profª. Drª. Verônica Teixeira Marques – Aracaju:
UNIT, 2017.
Inclui bibliografia.
Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos)
CDU: 347.156(81)
Nenhum grau de repressão vai mudar a natureza das coisas.
Destratar uma pessoa por ser transexual é a mesma coisa por
discriminar alguém por ser negro, judeu, índio, ou ser gay.
À Prof.ª Dr.ª Verônica Marques, “Vero”, obrigado por me guiar pela pesquisa com
zelo, competência e exemplar dedicação. Agradeço, em especial, pela paciência com que
invariavelmente me ajudou nos dias de incerteza e demasiado desconhecimento dos meandros
acadêmicos. Quanta honraria tê-la como orientadora!
Ao Prof. Dr. David Sánchez Rubio e sua esposa Pilar, obrigado pela delicadeza e o
gesto sempre fraternal e solidário. Vocês são o melhore exemplo a se seguir!
Aos meus queridos parceiros de sala de aula, o meu carinhoso agradecimento por
reavivar as melhores recordações. Obrigado à Manuella Vergne, doce e sempre cúmplice
Manu, meu anjo da guarda, por repartir o sentimento de alegria e vibração positiva em todos
os momentos, isto desde que éramos “especiais”; ao Afonso Oliva, pela presença sempre
amiga nos dias de incomparável desespero cibernético; à Marta Franco, pela cumplicidade em
estabelecer uma conexão, onde em alguns momentos o olhar dispensava as palavras; ao
Vilobaldo Neto, pessoa de grandioso coração; à Adriana Caetano, Caio Dória e Lídia Anjos,
só nós sabemos das memoráveis e inesquecíveis tardes de aprendizagem, chá e guloseimas.
Ao meu sócio, Dr. Júlio Carrera Correia, o meu muito obrigado. À equipe do
escritório de advocacia Dória e Carrera Advogados Associados: Emille, Isleide, Mônica,
Raquel e Vinícius, obrigado pelo apoio e empenho quando não pude me fazer presente.
Aos estimados parceiros de todas as horas, de ontem e sempre, Ana Simei, José
Roberto, Cinthia, Henri Clay, Rosa Helena, Lenora, Marta, Meire, Vilma, Rosane, Cesar
Britto, Marluce e Fábio Túlio, obrigado pelos afagos, aconchego e sinais de alerta em todos os
momentos da vida.
A definição sexual da pessoa humana não está atrelada ao sexo, caso seja compreendida
somente nos aspectos anatômico e fisiológico, porquanto o gênero, ao ser concebido sob o
prisma psicológico e cultural, pode possibilitar um redimensionamento da natureza humana.
Nessa perspectiva de amplitude de compreensão da natureza humana, a transexualidade é
retratada como a identificação com o gênero oposto ao sexo que fora naturalmente concebido,
gerando, a partir disso, um conflito íntimo, enquanto na esfera social brasileira, tem-se um
quadro histórico onde se retrata preconceito e discriminação aos transexuais. Por tais razões,
partindo da experiência íntima e conflituosa entre sexo e gênero, as dificuldades de adequação
no âmbito social e os desafios suportados tanto na esfera clínica, com as intervenções
realizadas no corpo e a necessidade de alteração do nome e sexo no assento de registro civil, é
que se propõe a presente pesquisa, a fim de justificar o reconhecimento da identidade de
gênero, e os seus efeitos decorrentes no âmbito jurídico e legal, com todos os desafios
existentes, à luz dos direitos humanos, da justiça e dos princípios da autonomia pessoal e da
dignidade da pessoa humana.
The sexual definition of the human person is not tied to sex if it is understood only in the
anatomical and physiological aspects, since gender, when conceived under the psychological
and cultural prism, can enable a resizing of human nature. In this perspective of
comprehension of human nature, transsexuality is portrayed as the identification with the
gender opposite to the sex that was naturally conceived, generating, from this, an intimate
conflict, while in the Brazilian social sphere, there is a historical picture Where prejudice and
discrimination are portrayed to transsexuals. For these reasons, starting from the intimate and
conflicting experience between sex and gender, the difficulties of adequacy in the social scope
and the challenges supported in the clinical sphere, with the interventions performed in the
body and the need to change the name and sex in the registration seat Civil society, is that this
research is proposed in order to justify the recognition of gender identity and its legal and
legal effects, with all the existing challenges, in the light of human rights, justice and the
principles of Autonomy and dignity of the human person.
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................................12
4 ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE..........................................................................71
4.1 Identidade de Gênero e o Direito.............................................................................................73
4.2 Alteração de Nome e Sexo no Registro Civil: Ativismo Judicial............................................78
4.2.1 Um nome para quem precisa........................................................................................81
5 CONCLUSÕES..............................................................................................................................84
REFERÊNCIAS...............................................................................................................................88
1
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Transtornos mentais e
comportamentais. CID -10. OPAS/OMS (Organização Panamericana da Saúde/Organização Mundial de Saúde).
Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde. São Paulo: EDUSP, 2000, p. 358.
2
GOLDIM, José Roberto, Bordas, Francis C., RAYMUNDO, Marcia M. Aspectos Bioéticos e Jurídicos do
Transexualismo. In Bioética e Sexualidade. Org. Tereza Rodrigues Vieira. São Paulo: Editora Jurídica
Brasileira, 2004. p. 100.
3
DÓRIA e MARQUES. Sexualidade e Gênero trans: Muito além da inclusão do nome social nos registros
acadêmicos. In: VIII Colóquio Internacional 'Educação e Contemporaneidade', 2014, São Cristóvão. Anais do
VIII Colóquio Internacional. São Cristóvão: EDUCON, 2014. v. 1. p. 1-9.
4
DÓRIA, Thenisson S. Construção da Identidade de Gênero a partir do Ativismo Judicial Sergipano.
Apresentação de trabalho no CONADI, Grupo de Trabalho Sobre Direitos Humanos, 2013.
5
DÓRIA, Thenisson S.; MARQUES, Verônica T.. A Tansexualidade na Atualidade: Direito à Identidade de
Gênero e os Desafios da Despatologização. Sempesq, n. 16, 2014.
femininas, além do ideário de felicidade a ser alcançado frente a uma pureza originariamente
impositiva6.
A presente investigação busca indagar, inicialmente, quem é o/a transexual e a gama
de subjetividades que o/a envolve. Como é exercitada a liberdade de expressão e a pluralidade
da sexualidade dentro do direito da personalidade? Além disso, como ocorre a construção do
processo identitário e a autonomia do corpo, com ou sem a realização da cirurgia de
readequação de sexo? Sob qual circunstância, e possibilidade jurídica e legal, pode ocorrer a
alteração de prenome e gênero no assentamento de registro civil para o/a transexual?
Aprofundando as indagações, pode se considerar que a problematização reside nas
seguintes vertentes: i. Como pode ser considerado o fenômeno da transexualidade, mero
capricho passageiro ou um distúrbio biológico e/ou psíquico? ii. Quais são os desafios
enfrentados por um indivíduo transexual que "molda" o corpo à necessidade de
reconhecimento íntimo e social? iii. Como a legislação se posiciona no sentido de assegurar
proteção aos indivíduos que transitam entre gêneros? iv. A retificação do registro civil do/a
transexual está condicionada à intervenção cirúrgica de adequação de sexo? Qual é o papel do
poder judiciário nessa circunstância?
Trazer o tema à baila, pela via acadêmica, no curso de Direitos Humanos da
Universidade Tiradentes (UNIT), impõe-se de modo obrigatório, seja pela necessidade de
uma reflexão, viabilizando uma interlocução interdisciplinar com a academia nas esferas
sociológica, filosófica, antropológica, clínica e, em especial, contribuir para que no âmbito
legal e das decisões judiciais tenhamos assegurado o direito de escolha e individualização
do/a transexual longe do preconceito, discriminação ou marginalização, sem olvidar da
necessidade da proteção estatal em respeito à dignidade da pessoa humana.
O trabalho foi estruturado em três capítulos que compõem o seu desenvolvimento,
tendo como mote o que fora aventado alhures. Tem-se a esperança de que o trabalho
apresentado não tenha sido construído em vão e que tampouco a discussão se esvaia,
notadamente pela especificidade e complexidade inerentes ao tema.
O primeiro capítulo retrata a compreensão bibliográfica da Sexualidade, Sexo e
Gênero, com um entendimento que prioriza a diversidade, sem que se proponha ser definitiva.
Tem por objeto específico a transexualidade e o processo de construção identitária, sob a
6
DÓRIA, Thenisson S.; MARQUES, Verônica T.. Transexualidade: Paradoxo em si mesmo, reconhecimento
da identidade de gênero e a busca da felicidade. Biodireito. XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI –
UFS, Aracaju/SE, 2015, p. 568-584.
gama de subjetividades inerentes à natureza humana. Sob o âmbito das distorções que cercam
a transexualidade, o transtorno de identidade de gênero e a necessidade de despatologização
da transexualidade, para se chegar, finalmente, ao procedimento de intervenções no corpo e as
consequências jurídicas decorrentes do procedimento cirúrgico de readequação sexual.
O segundo capítulo cuida da Proteção da Transexualidade à Luz dos Direitos
Humanos, sob a ótica da bioética, direito ao corpo, liberdade de expressão, imagem,
princípios da autonomia da vontade individual e da dignidade da pessoa humana. O terceiro
capítulo lança-se a discorrer acerca dos Atributos da Personalidade, identidade de gênero e o
Direito, com foco na ótica jurídica e legal e pinceladas sobre decisão emblemática que
inaugurou no estado de Sergipe, por meio do ativismo judicial, uma nova jurisprudência
quanto ao entendimento de alteração de sexo e nome no assentamento de registro civil, com
base na identidade de gênero e no princípio da dignidade da pessoa humana. Outras decisões
judiciais são apresentadas, a fim de se ter um quadro, ainda que não conclusivo, de como o
judiciário vem enfrentando a matéria, além de apontar os desafios que persistem no Brasil
para reconhecimento e afirmação da identidade de gênero, sem deixar de considerar a
completa ausência de uma legislação específica protetora dos direitos dos/as transexuais.
As questões que nos propomos debater guardam em si uma interlocução dentro dos
desafios suportados para que a identidade de gênero seja amplamente reconhecida, tanto na
esfera social quanto legal. Não se pretende perder de vista o ciclo pendular da vida, de idas e
vindas, tampouco estagnar sob uma conclusão estática, ao contrário, o intento maior é retratar
as múltiplas possibilidades da transexualidade a partir da auto identificação, com ou sem a
realização do procedimento cirúrgico transgenitalizador, repercutindo na dignidade da pessoa
humana e efetividade dos direitos fundamentais.
A metodologia adotada parte de um trabalho analítico, inspirado na dialética, que
considera as múltiplas determinações de ordem macro e micro do direito da personalidade,
com ênfase na esfera transexual, no percurso em espiral: tese, antítese e síntese.
Nessa perspectiva, trata-se de pesquisa acadêmica bibliográfica, uma vez que incidirá
sobre material já elaborado, contemplando livros e artigos voltados à temática transexual.
Um estudo de documentos como leis e repositórios de jurisprudência, enveredando,
igualmente, pelo direito comparado, com a esperança de que seja lançada nova luz à
compreensão da transexualidade, tanto a condição individual quanto em sua repercussão
coletiva, frente à necessidade de exercício pleno da cidadania no Estado brasileiro.
2 SEXUALIDADE, SEXO E GÊNERO
7
FREUD, S. Esboço de Psicanálise. (1940 [1938]) Sobre a psicoterapia. Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas de Sigmund Freud; trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, v.23, 1975.p. 177.
8
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 17.
depois de saberem que sofreram uma mutilação acidental ou que os genitais externos foram
maus formados9.
Dr. Stoller ligou sexo ao aspecto anatômico e fisiológico e entendeu por gênero uma
situação que guarda mais relação com as conotações psicológicas e/ou culturais que o próprio
sexo, dimensionando o seu significado a uma melhor compreensão da psicodinâmica do ser
humano.
Butler assegura-nos que certos tipos de "identidade de gênero" parecem ser meras
falhas de desenvolvimento por não se conformarem às normas da inteligibilidade cultural, no
entanto a persistência e proliferação dessa identidade de gênero criam oportunidades de
críticas e disseminação, expondo os limites e os objetivos de matrizes rivais e subversiva de
desordem do gênero10.
Ainda, no entender de Butler, “o gênero só pode denotar uma unidade de
experiência, de sexo, gênero e desejo, quando se entende que o sexo, em algum sentido, exige
um gênero — sendo o gênero uma designação psíquica e/ou cultural do eu — e um desejo —
sendo o desejo heterossexual e, portanto diferenciando-se mediante uma relação de oposição
ao outro gênero que ele deseja” 11.
Sob o mesmo viés, Butler, ao tratar da ordem compulsória do sexo/gênero/desejo,
ressalta que o um sistema binário de gêneros encerra a crença em uma relação de ligação entre
gênero e sexo, pois ao se construir uma teoria de independência do gênero do sexo, o próprio
gênero se torna um artifício flutuante, com a consequência de que homem e masculino podem,
com igual facilidade, significar tanto um corpo feminino como um masculino, e mulher e
feminino, tanto um corpo masculino como um feminino12.
E, sacramentando o entendimento acerca do que venha a ser gênero, Butler assim se
pronuncia:
O gênero não é um substantivo, mas tampouco é um conjunto de atributos
flutuantes, pois vimos que o seu efeito substantivo é performaticamente
produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência do gênero.
Consequentemente, o gênero mostra ser performativo no interior do discurso
herdado da metafísica da substância — constituinte da identidade que
9
GOMARIZ, Enrique. Los estudios de género y sus fuentes epistemológicas: Periodización y perspectivas. In
Fin de Siglo. Género y Cambio Civilizatorio; Santiago de Chile: Isis Internacional Ediciones de las Mujeres, n.
17,1992, p.1).
10
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.39.
11
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 45.
12
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.p. 24-25.
supostamente é. Nesse sentido, o gênero é sempre um feito, ainda que não
seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra13.
E devemos pensar que um dia, talvez, numa outra economia de corpos e dos
prazeres, já que não se compreenderá muito bem de que maneira os ardis da
sexualidade e do poder que sustêm seu dispositivo conseguiram submerter-
nos a essa austera monarquia do sexo, a ponto de votar-nos à tarefa infinita
de forçar seu segredo e de extorquir a essa sombra as confissões mais
verdadeiras16.
Ainda que tenhamos a necessidade de entender o sexo sob uma perspectiva múltipla,
na literatura médica, Nahoum apresenta um esquema pluridimensional, classificando-o como
13
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 48.
14
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Revista Educação e Realidade. Vol. 16, n. 2,
1995, p. 71-99.
16
MICHAELIS. Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/sexo%20_1044519.html > Acesso em: 09 jan. 2016.
16
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A Vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 23ª Ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 2013, p.174.
genético, gonádico, somático, legal ou civil, de criação e psicossocial17. Ainda do ponto de
vista clínico, Guerra-Júnior ressalta que as mudanças endócrinas são decorrentes de um
processo que começa no feto, passa pela puberdade e vai até a maturação sexual completa e a
fertilidade. Nesse caso, a puberdade não é um evento isolado, mas, em verdade, um estágio
crítico de diferenciação sexual18.
Em 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) produziu algumas definições
operacionais em relação à sexualidade, sexo, saúde sexual e os direitos sexuais19.
Significativamente a organização informou que as definições foram apresentadas
como uma contribuição para o debate, mas não representaram uma posição oficial, devido à
pressão de setores conservadores. Ainda assim, reputa-se como valiosa contribuição,
sobretudo pelo caráter elucidativo: a) Sexo: Sexo refere-se às características biológicas que
definem humanos como mulheres e homens. Enquanto este conjunto de características
biológicas não é mutuamente exclusivo, desde que há indivíduos que possuem ambas, ele
tende a diferenciar os humanos como homens e mulheres. De uso generalizado em muitos
idiomas, o termo “sexo” é usualmente utilizado com o significado de “atividade sexual”, mas,
para propósitos técnicos no contexto das discussões sobre sexualidade e saúde sexual, dá-se
preferência à definição acima; b) Sexualidade: Sexualidade é um aspecto central do ser
humano do começo ao fim da vida e circunda sexo, identidade de gênero e papel, orientação
sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. Sexualidade é vivida e expressa em
pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e
relacionamentos. Enquanto a sexualidade pode incluir todas estas dimensões, nem todas são
sempre vividas ou expressadas. A sexualidade é influenciada pela interação de fatores
biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos,
religiosos e espirituais; c) Saúde sexual: Saúde sexual é um estado físico, emocional, mental
e social do bem-estar em relação à sexualidade; não é meramente a ausência de doenças,
disfunções ou debilidades. A saúde sexual requer uma abordagem positiva e respeitosa da
sexualidade das relações sexuais, tanto quanto a possibilidade de ter experiências prazerosas e
sexo seguro, livre de coerção, discriminação e violência. Para se alcançar e manter a saúde
sexual, os direitos sexuais de todas as pessoas devem ser respeitados, protegidos e satisfeitos;
17
NAHOUM, Jean Claude. O homossexualismo visto por um médico. Separata das Vozes, Rio de Janeiro, ano
61, n. 12, p. 1087, dez. 1997.
18
GUERRA-JÚNIOR, Gil. Determinação e Diferenciação Sexual Normal na Espécie Humana. In:
Identidade Sexual e Transexualidade. Org: VIEIRA, Tereza R.; PAIVA, Luiz Airton S. de. São Paulo: Roca,
2009, p. 22.
19
Organização Mundial de Saúde. Novas definições operacionais da OMS em relação à sexualidade. Disponível
em: <http:/www.who.int/reproductive-health/gender/index.html>. Acesso em: 15 jan. 2016.
d) Direitos sexuais: Direitos sexuais abarcam os direitos humanos que já são reconhecidos
em leis nacionais, documentos internacionais de direitos humanos e outras declarações
acordadas. Eles incluem os direitos de todas as pessoas, livre de coerção, discriminação e
violência, para: a obtenção do mais alto padrão de saúde sexual, incluindo acesso a cuidados e
serviços de saúde sexual e reprodutiva; procurar, receber e concede informação relacionada à
sexualidade; educação sexual; respeito pela integridade corporal, escolher seus parceiros;
decidir ser ou não sexualmente ativo; ter relações sexuais consensuais; casamento consensual;
decidir se, não, ou quando ter filhos; e buscar satisfação, vida sexual saudável e prazerosa. O
exercício responsável dos direitos humanos requer que todas as pessoas respeitem os diretos
dos outros20.
Conforme aduz Ventura, o sexo legal ou jurídico é entendido como aquele que “deve
obrigatoriamente constar no assento do nascimento de uma pessoa” (Lei n. 6015/1973),
embora seja, em princípio, imutável, cabendo sua alteração em razão de erro cometido no
momento do registro. Em geral, é estabelecido segundo a aparência anatômica externa do
órgão genital e constitui um critério diferenciador de aquisição de direitos ou de obrigações
legais21.
No entanto, sobrepondo-se ao sexo juridicamente estabelecido, Vieira aponta a
possibilidade de que o sexo psíquico seja imutável, ou seja, aquele em que a pessoa sente
verdadeiramente pertencer, devendo o registro civil, em decorrência de tal situação, expressar
esta adequação22.
Para Lauretis o sistema de sexo-gênero é uma construção sociocultural com
investigação do sistema de representação e atribuição aos significados de identidade, valor,
prestígio, posição de parentesco, status na hierarquia social, entre outros, sendo considerado,
assim, tanto o produto quanto o processo de sua representação23.
Enquanto isso, reforçando os mandamentos anteriores, Madureira e Branco
constataram a impossibilidade de se atrelar o gênero à composição biológica, ao contrário, "os
processos identitários funcionam como coordenadas culturais no processo de constituição da
20
CORRÊA Sonia, ALVES José Eustáquio Diniz Alves; JANNUZZI, Paulo. Direitos e saúde sexual e
reprodutiva: marcoteórico-conceitual e sistema de indicadores. In: Cavenaghi S, Organizadora. Indicadores
municipais de saúde sexual e reprodutiva. Rio de Janeiro: ABEP,Brasília: UNFPA; 2006. p. 53.
21
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 21.
22
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Identidade Sexual: Aspectos Éticos e Jurídicos da Adequação de prenome e
sexo no Registro Civil. In: Identidade Sexual e Transexualidade. Org: VIEIRA, Tereza R.; PAIVA, Luiz Airton
S. de. São Paulo: Roca, 2009, p. 187.
23
LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. Tradução de Suzana Funck. In: HOLLANDA, Heloisa
(Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 212.
subjetividade, além de posicionarem os sujeitos concretos em suas relações com os diversos
grupos sociais existentes nos contextos culturais em que estão inseridos"24.
Louro, pesquisadora brasileira que atua na área da educação salienta que não são
necessariamente as características sexuais que determinarão o que é feminino ou masculino
em dada sociedade ou num momento histórico, mas a forma como essas características são
representadas e valorizadas. Para que se compreenda o lugar de homens e mulheres nas
relações sociais, pouco importa os sexos, mas exatamente o que foi construído sobre eles. O
debate, nesse caso, é erguido através de uma nova linguagem, na qual gênero será o conceito
fundamental25.
O pensamento da autora é reforçado do seguinte modo:
24
MADUREIRA, Ana Flávia do A.; BRANCO, Ângela Maria Cristina U. de Abreu. Identidades Sexuais Não-
hegemônicas: Processos Identitários e Estratégias para Lidar com o Preconceito. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
Vol. 23 n. 1, Universidade de Brasília, Jan-Mar 2007, p.82 .
25
LOURO, Guacira L. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 6ª Ed. São Paulo:
Vozes, 1997, p. 21.
26
LOURO, Guacira L. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 6ª Ed. São
Paulo:Vozes, 1997, p. 22.
27
BUENO, Heitor C., Corpos, Prazeres e Paixões. Rev. Hist. UEG - Anápolis, v.3, n.1, p. 209-212, jan./jun.
2014.
28
PARKER, Richard. Corpos, prazeres e paixões: cultura sexual no Brasil contemporâneo. São Paulo: Best
Seller. 1991.
obra O Segundo Sexo29 de sua autoria, passou para história de modo atemporal, tornando-se
um clássico; adquiriu importância e magnitude na releitura e desconstrução de conceitos
considerados absolutos à época, o que reverbera até os dias contemporâneos.
A assertiva de Beauvoir pode ser considerada, possivelmente, como a maior de todas
as provocações que o feminismo trouxe à revolução do pensamento social e político no último
século. Beauvoir viu-se investida com a possibilidade de compreender a si mesma ainda que
se visse constantemente no embate da história30.
No entanto, para contrapor, vale igualmente citar o pensamento de Joan Scott: “(...)
os conflitos recorrentes do feminismo devem ser vistos como sintomas das contradições nos
discursos políticos que produziram o próprio feminismo; em outras palavras, o feminismo
nasce a partir das ideias do individualismo, dos direitos e das obrigações sociais do indivíduo
e, ao mesmo tempo, critica esse mesmo corpus de ideias ao questionar a pretensa
universalidade da noção de indivíduo que excluía as mulheres” 31.
O movimento feminista salienta Galinkin, Fellow e Santos, se iniciou com
reivindicações por igualdade de direitos entre homens e mulheres, caracterizou-se como um
movimento político e acadêmico visando mudanças, não apenas nas relações sociais, mas na
maneira de pensá-las. No entanto, enquanto movimento social, tem repercutido sobre a
realidade política, jurídica e acadêmica, trazendo mudanças nas relações sociais e na sua
compreensão32.
Para Bento, a “visibilização da mulher, como numa categoria universal, correspondia
a uma necessidade política de construção de uma identidade coletiva que se traduziria em
conquistas nos espaços públicos"33.
Com isso, a compreensão da sexualidade saiu da esfera biológica e passou a ser
estudada também sob o aspecto político, social, religioso, cultural. Nesse passo, o pensador
Michel Foucault passou a discutir a sexualidade como dispositivo de poder, defendendo que
não existiria uma regra básica, uniforme e única para sua compreensão. Desse modo,
29
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, v.I, II. Tradução Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1980, p. 9.
30
SANTOS, Magda Guadalupe dos. Simone de Beauvoir. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Sapere
Aude v.1 - n.2 2º sem. 2010 Belo Horizonte p.108-122.
31
(MELO, Érica. Feminismo: velhos e novos dilemas uma contribuição de Joan Scott*. Cadernos Pagu (31),
julho-dezembro de 2008:553-564).
32
GALINKIN, Ana Lúcia; FELLOW, Amanda Zauli; SANTOS, Claudiene. Estudos de Gênero na Psicologia
Social. In: GALINKIN, Ana Lúcia; SANTOS, Claudiene. (Orgs) Gênero e Psicologia - Interfaces. Brasília:
TechnoPolitik, 2010, p.21.
33
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 73.
Não se deve descrever a sexualidade como um ímpeto rebelde, estranha por
natureza e indócil por necessidade, a um poder que, por sua vez, esgota-se na
tentativa de sujeitá-la e muitas vezes fracassa em dominá-la inteiramente.
Ela aparece mais como um ponto de passagem particularmente denso pelas
relações de poder; entre homens e mulheres, entre jovens e velhos, entre pais
e filhos, entre educadores e alunos, entre padre e leigos, entre administração
e população. 34
Ainda, para Foucault, “o poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma
certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica
complexa numa sociedade determinada” 35.
Portanto, ao fazer o resgate da história da sexualidade, Foucault vai além do sexo-
natureza, não se prendendo unicamente a uma abordagem biológica, ao contrário, realça, sob
outro prisma, como a sexualidade fora relegada a uma existência discursiva, tanto na ordem
da economia, da pedagogia da medicina e da justiça. Arrisca em dizer que talvez nenhum
outro tipo de sociedade jamais tenha acumulado, num período histórico relativamente curto,
tal quantidade de discurso sobre sexo.
Chauí, ao resumir o pensamento de Foucault sobre o discurso da sexualidade, afirma
que o sexo, enquanto objeto, precisa ser abandonado, uma vez que a liberação do "dispositivo
da sexualidade" não passa necessariamente pelo sexo-desejo como um contra-ataque, mas
pelos corpos e pelos prazeres36.
Ainda, no entender de Foucault, a reinterpretação de todo o dispositivo de
sexualidade, em termos de repressão generalizada e vinculação de tal repressão a mecanismos
gerais de dominação e exploração, abria a possiblidade de um deslocamento tático
considerável, tendo como base crítica histórico-política da repressão sexual. O valor da crítica
de Reich e seus efeitos, na realidade, foram consideráveis. No entanto, a possiblidade de
sucesso estava ligada ao fato de que se desenrolava ainda no campo da sexualidade, e não fora
ou contra ele37.
Para Prado e Machado, autores contemporâneos, a sexualidade é determinante, assim
como o ar que respiramos, na constituição dos sujeitos. No entanto, devido a símbolos, rituais
34
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A Vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 23ª Ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 2013, p. 114.
35
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A Vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 23ª Ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 2013, p. 103.
36
CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual. Essa Nossa (Des)Conhecida. 3ª Ed., São Paulo: Brasiliense, 1984, p.
186.
37
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A Vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 23ª Ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 2013, p. 143.
e valores que estruturam e dão coesão às práticas e instituições sociais, os hábitos sexuais
podem depender exclusivamente da construção social entre/pelos seres humanos, fundidos
nos contextos culturais, geopolíticos e padrões morais38.
Rebouças, ao investigar as "tramas entre subjetividades e direito", parte de uma
análise da obra de Foucault para compreender o lugar da subjetividade moderna em alguns de
seus dispositivos: a loucura, deliquência e sexualidade. A fim de fazer jus ao elevado
conhecimento da autora, sobretudo em relação à obra de Foucault e, para não padecer de uma
imprecisão que poderia vir a macular o seu trabalho, a partir de uma interpretação aquém do
poder de suas palavras, vale a transcrição ipsis litteris:
Enquanto isso, a filósofa Marcia Tiburi, defende que Butler, ao final dos anos 80,
propôs a desconstrução e reconstrução do movimento feminista, sob o prisma da identidade
sexual de gênero. “Verdade que o tema central da obra de Butler é o “gênero”, mas, olhando
de perto, gênero não é um problema do campo da “sexualidade”, é um problema político e,
mais perigosamente, um problema ontológico” 40.
Collin, seguindo a mesma linha, reforça: “Até um pensamento que se livra da
inscrição biológico-morfológica dos sexos, para pensar o feminino e o masculino apenas
como categorias – independentes de suas inscrições empíricas (os homens, as mulheres) –
continua sofrendo a contaminação deste dualismo que seria preciso apagar. O indefinido
continua definido, de certo modo, ao articular-se com o definido” 41.
38
PRADO, Marco A. M.; MACHADO, Frederico V. Preconceito contra homossexualidades – a hierarquia da
invisibilidade. São Paulo: Cortez, 2008, p. 15.
39
REBOUÇAS, G. M. Tramas entre subjetividades e direito: A constituição do sujeito em Michel Foucault e
os sistemas de resolução de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p.p. 51-52.
40
TIBURI, Márcia. Judith Butler: Feminismo como provocação. Revista Cult. Ed. 185, 2014. Disponível em:
<http://revistacult.uol.com.br/home/2014/01/judith-butler-feminismo-como-provocacao/>Acessoem 04.12.2015.
41
COLLIN, Françoise. Praxis da diferença. Notas sobre o trágico do sujeito. 1992, p. 5.
Butler, ao discorrer sobre a questão das mulheres como sujeito do feminismo, aventa
a possibilidade de um não enquadramento diante da lei, reforçando, com isso, a versatilidade
do gênero e a interlocução com outros ramos diferentes da sexualidade. Assim, despontou
uma crítica à hegemonia heterossexual, bem como a possibilidade de o corpo ser representado
como um mero instrumento ou meio com o qual um conjunto de significados culturais é
apenas externamente relacionado42.
Tanto assim é que, com veemência, assevera:
Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é;
o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero
da “pessoa” transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas
porque o gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente
nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções
com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de
identidades discursivamente constituídas. Resulta que se tornou impossível
separar a noção de gênero das interseções políticas e culturais em que
invariavelmente ela é produzida e mantida. 43
42
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p . 19.
43
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p . 20.
44 MISKOLCI, Richard. Dossiê – Teoria Queer. Revista CULT, São Paulo, nº 193. p.p. 33- 35, ago 2014.
45
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 48.
O esforço da teoria de Butler, neste contexto, foi o da desnaturalização como
uma desmistificação do sexo e do gênero, que seriam, em momentos
diferentes, tratados como destino. A partir de então, eles seriam construções
discursivas entre as quais não haveria diferença. A ideia fundamental da
pensadora é a de que o discurso habita o corpo e que, de certo modo, faz esse
corpo, confunde-se com ele. Por isso, a diferença entre sexo e gênero não
seria mais o caminho para a luta feminista. Mas o respeito aos corpos cuja
liberdade depende, em última instância, de serem livres do discurso que os
constitui. Ou de simplesmente poderem existir em um mundo que os nega, e
que os nega pelo discurso que não é, de modo algum, apenas uma fala
qualquer46.
Ainda, na esfera Queer, importante ressaltar a noção de Camp, criada pela teórica e
ensaísta norte-americana Susan Sontag, que foi além de uma definição. Trata-se de uma
expressão esotérica voltada para a sensibilidade descompromissada e despolitizada, além de
ser um certo tipo de esteticismo, não propriamente se referindo à beleza, mas a uma
estilização. “Na realidade, a essência do camp é a sua predileção pelo inatural: pelo artifício e
pelo exagero” 47.
A evolução da humanidade e a ampliação de conceitos têm obrigado a sociedade,
continuadamente, a pensar e repensar acerca da sexualidade. As ciências políticas,
antropologia, sociologia, psicologia, medicina e vivências sociais têm possibilitado a quebra
de paradigmas, trazendo um novo entendimento às questões voltadas para a sexualidade,
gênero e processos identitários, impondo ao direito, igualmente, um realinhamento de
posição, notadamente através de decisões judiciais, que têm quebrado paradigmas.
Delimitar a sexualidade à compleição física ou à classificação masculino/feminino,
mostra-se estreito e sectário, ainda mais pela possibilidade performativa de gênero, das
experiências e construção de corporeidades, tanto na linha estética quanto no campo da
ciência.
Segundo Peres, a visão reducionista do sexo, estabelecida em função do estritamente
fisiológico, vinculada somente a fatores genéticos, tornou-se nos últimos cinquenta anos,
progressivamente insuficiente48. Vieira, por sua vez, reforça a teoria ao afirmar que o sexo do
indivíduo é complexo demais para ser reduzido ao seu aparelho genital49.
46
TIBURI, Márcia. Judith Butler: Feminismo como provocação. Revista Cult. Ed. 185, 2014. Disponível em
<http://revistacult.uol.com.br/home/2014/01/judith-butler-feminismo-como-provocacao/> Acesso em
04.12.2015.
47
SONTAG, Susan. Notas sobre o Camp. In: Contra a interpretação. Porto Alegre: LPM, 1987, p. 318.
48
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 66 .
49
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Mudança de sexo: aspectos médicos, psicológicos e jurídicos. São Paulo: Editora
Santos, 1996, p.7.
Galinkin, Fellow e Santos frisaram que no final dos anos 80 e na década de 90, do
século XX "outras identidades de gênero também passaram a ser objeto de estudo das
psicologias, como gays, lésbicas, transexuais, transgêneros, assim como as alternativas
afetivo-sexuais fora do modelo heterossexual hegemônico" 50 . Segundo as autoras, a partir
disso, psicólogos passaram a se interessar pelo tema; a produção de pesquisas ampliou a
discussão e o interesse acadêmico e político.
Dentro das variações da sexualidade, merece ser mencionada a homossexualidade,
que é tão remota na história da humanidade quanto à heterossexualidade. O vocábulo foi
criado pelo médico húngaro Karoly Benkert e introduzido na literatura técnica, no ano de
1869. Dias, esclarece que o termo é formado pela raiz da palavra grega homo, que quer dizer
“semelhante, e pela palavra latina sexus, passando a significar “sexualidade semelhante” 51.
O senso comum pode atribuir à homossexualidade uma visão estereotipada, quando
em verdade, segundo Fry e MacRae “não há nenhuma verdade absoluta sobre o que é
homossexualidade e que as ideias e práticas a ela associadas são produzidas historicamente no
interior de sociedades concretas e que são intimamente relacionadas com o todo destas
sociedades” 52.
Conforme aduz Facchini, além da homossexualidade masculina e feminina, outras
manifestações de identidade pessoal ou coletiva são reconhecidas, tomando-se como
parâmetro a própria condição humana ou a eleição do gênero como farol norteador. Os
bissexuais se sentem atraídos tanto por homens quanto por mulheres, muito embora paire um
certo estranhamento ou desconfiança notadamente em razão do "não-reconhecimento da
legitimidade da adoção de uma auto identidade "bissexual" por indivíduos que relatassem
práticas sexuais, ainda que não exclusivamente, com pessoas do mesmo sexo"53.
Na cultura pop, de fácil acesso, o suplemento especial editado na rede de
computadores, desmitifica o tema e esclarece a população acerca das inúmeras vertentes sobre
o universo trans, conceitua categorias de gênero contemporâneas, considera que genderqueer
ou sexo não binário, são indivíduos que não se identificam com nenhum gênero específico ou
transitam entre eles; crossdresser gostam de se vestir como o sexo oposto ao designado no
nascimento no dia a dia ou em situações de fetiche, mas não se identificam com o sexo
50
GALINKIN, Ana Lúcia; FELLOW, Amanda Zauli; SANTOS, Claudiene. Estudos de Gênero na Psicologia
Social. In: GALINKIN, Ana Lúcia; SANTOS, Claudiene. (Orgs) Gênero e Psicologia - Interfaces. Brasília:
TechnoPolitik, 2010, p.24.
51
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: O preconceito e a Justiça. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2001, 37.
52
FRY, Peter. e MacRae, Edward. O que é homossexualidade. São Paulo, Brasiliense, 1985. p. 10
53
FACCHINI, Regina. “Sopa de letrinhas?”: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos
anos 90. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 270.
oposto; dragqueens e dragkings, homens e mulheres, respectivamente, que se vestem com
roupas do sexo oposto para fins performáticos54.
Ainda há seres que nascem com caracteres tanto masculinos quanto femininos,
inseridos, portanto, na dimensão da intersexualidade, historicamente conhecidos como
hermafroditas.
Money, ao realizar um estudo nesse campo, desenvolveu o conceito de gênero com
as expressões "papel de gênero" ou "identidade de gênero" ou "identidade/função de gênero",
e posteriormente criou o conceito de "síndrome de disforia de gênero 55 ". No entanto, a
expressão “síndrome de disforia do gênero” apesar de ser comumente utilizada como
sinônimo de transexualismo, devido à publicação em 1994 do DSM IV (Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais), dentro da psiquiatria poderá ter conceito diferente, com
a possibilidade ou não, de acordo com a teoria empregada, englobar a transexualidade, como
sendo esta espécie e aquela gênero56.
Segundo Machado, a má formação binária, que se origina no nascimento, afasta os
intersexos dos padrões já conhecidos, configurando-se uma ambiguidade em decorrência da
genitália incompletamente formada. Ao discorrer sobre a rotina de um Hospital no Rio
Grande do Sul, a autora lança suas impressões, a saber:
54
UOL. TAB. Disponível em <http://tab.uol.com.br/trans/> Acesso em 20.08.2015.
55
MONEY, J. Sex reassignment as related to hermaprhoditism and transsexualism. In: GREEN, R.;
MONEY, J. Transsexualism and sex reassignment. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1969. p. 91-114.
56
ARÁN, M. MURTA, D. LIONÇO, T., Transexualidade e Saúde Pública no Brasil. Ciência e Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, vol. 14, n.4,p. 1141-1149, jul./ago. 2009. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232009000400020&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 20 dez. 2015.
57
MACHADO, Lia Zanotta. Antropologia e direitos humanos. Vol. 4. Organizadoras: Miriam Pillar Grossi,
Maria Luiza Heilborn, Lia Zanotta Machado. Blumenau : Nova Letra, 2006, p. 18.
58
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 44.
A Resolução 1.664/2003, do Conselho Federal de Medicina (CFM), “considerando
anomalias de diferenciação sexual as situações clínicas conhecidas no meio médico como
genitália ambígua, ambiguidade genital, intersexo, hermafroditismo verdadeiro, pseudo-
hermafroditismo (masculino ou feminino), disgenesia gonadal, sexo reverso, entre outras”,
define as normas técnicas necessárias para o tratamento de pacientes.
Ceccarelli, no tocante ao tema, alerta-nos:
59
CECCARELLI, Paulo Roberto, in Viviani, A., (Org.) Temas da Clínica Psicanalítica, São Paulo:
Experimento, 1998, 137-147.
60
BBCBrasil.Diponívelem:<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/11/131101_alemanha_genero_registr
o_fn> Acesso em 15.06.2015.
possibilitando a visibilidade e hegemonia de valores 61 , não devendo ser desmerecido o
mistério que sempre há em cada pessoa.
Segundo Bento, quando se diz “transexual”, na verdade não se está descrevendo uma
situação, mas um efeito sobre os conflitos do sujeito que não encontra no mundo nenhuma
categoria classificatória e, a partir de então, buscará “comportar-se como transexual” 64. A
autora arremata do seguinte modo:
Sob o aspecto clínico, Cossi aduz que não se pode falar que se trata de uma
síndrome, mas de síndromes, de uma mescla de sintomas e proclamações diferentes - a
61
SEDGWICK, Eve Kosofsky, Epistemology of the Closet. In: ABELOVE, Henry et alli. The lesbian and gay
studies reader. New York/London, Routledge, 1993:45-61. Cadernos Pagu, nº 28, janeiro-junho de 2007, p.19-
54; Tradução: Plínio Dentzien; Revisão: Richard Miskolci e Júlio Assis Simões.
62
GREEN, R., Mythological, Historical, and Cross-Cultural aspects of Transsexualism, in Transsexualism
and sex reassignement .Baltimore, John Hopkins University Press, 1969, 13-22.
63
CECCARELLI, Paulo Roberto, in Viviani, A., (Org.) Temas da Clínica Psicanalítica, São Paulo:
Experimento, 137-147, 1998.
64
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 47
65
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 16
variedade é tamanha que chega a impossibilitar a precisão de um quadro. Não há um consenso
em relação ao diagnóstico. Por outro lado, as pesquisas em Psicologia e Psicanálise também
não são unânimes quanto à definição diagnóstica e etiológica do transexualismo, bem como
em relação a terapêutica a ser adotada66.
Para Castel, o termo transexual psíquico foi utilizado pela primeira vez, em 1910,
pelo sexólogo Magnus Hirschfeld para se referir a travestis fetichistas67, enquanto o sexólogo
alemão, radicalizado nos Estados Unidos da América, Dr. Harry Benjamin, cunhou na década
de 40, do século XX, o termo transexualismo, estabelecendo a um só tempo uma distinção
entre travestismo e transexualismo. Saliente-se que o sufixo "ismo" sempre foi denotativo de
condutas sexuais perversas, como, por exemplo, "homossexualismo"68.
Hirschauer, traz a baila que Benjamin fue el primero em dinstinguir em um artículo a
transexuales de travestidos introduciendo em el discurso médico la dicotomia
transexuales/travestidos (TS-TV) basada, a su vez, em la dicotomia hombre-mujer del
discurso heteronormativo 69.
Bento, mostra-nos que, adiante, em 1949, o termo "transexual" foi utilizado pela
primeira vez por Caudwell, quando "publicou um estudo de caso de um transexual masculino.
Nesse trabalho, são esboçadas algumas características que viriam a ser consideradas
exclusivas dos/as transexuais. Até então, não havia uma nítida separação entre transexuais,
travestis e homossexuais". Ainda aduz que em 1966, Dr. Benjamin propôs uma escala de
"orientação sexual" 70 . Em 1969, realizou-se em Londres o primeiro congresso da Harry
Benjamin Association, sofrendo alteração de denominação, no ano de 1977, para Harry
Benjamin International Gender Dysphoria Association (HBIGDA)71. Portanto,
66
Há uma grande diversidade dentre do quadro clínico e sua etiologia é indefinida (COSSI, Rafael Kalaf. Corpo
em Obra: Contribuições para a clínica psicanalítica do transexualismo. São Paulo: nVersos, 2011, p. 39).
67
Castel PH. Algumas reflexões para estabelecer a cronologia do "fenômeno transexual" (1910-1995). Rev bras
Hist 2001; 21(41):77-111. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882001000200005&lng=pt&nrm=isso. Acessado em: 03 jan. 2016.
68
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 44.
69
HIRSCHAUER, S . Die soziale Konstruktion der Transsexualitat. Suhrkamp Taschenbuch Wissenschaft,
Frankfurt/ Main, 1999, p.p. 96-97.
70
Escala de Harry Benjamin de Orientação Sexual. Desorientação e Indecisão de Sexo e Gênero (Homens),
inspirada nas classificações, oriundas do século XIX, de Krafft-Ebing, Hirschfeld e Ellis. Disponível em:
<www.genderpsychology.org>. Acessado em: 10 jan. 2016.
71
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p.42-43.
SOC) que orientam profissionais que trabalham com transexualidade em
todo mundo. Atualmente, o SOC está em sua 6ª. versão. Além desse guia,
dois outros documentos são reconhecidos como oficiais na orientação do
diagnóstico de transexualidade: o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM - 4ª. versão), da Associação Psiquiátrica
Americana (APA), e o Código Internacional de Doenças (10ª. versão), da
Organização Mundial de Saúde72.
72
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 43.
73
SALDANHA, P.H..OLAZÁBAL, Luiza Campos. Valor do Estudo Citogenético no Transexualismo. Arq.
Neuro-Psiquiat. São Paulo, Vol. 34;nº 3, Setembro, 1976, p.254.
74
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p.47.
75
BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2005,
p. 132.
tomar um rumo oposto ao seu corpo biológico, manifestando por volta dos 2
anos e meia a identidade de gênero, ou seja, a noção interna de pertencer ao
gênero masculino ou feminino começa a se definir. Para os transexuais
"secundários ou periféricos", são os que mantêm o seu comportamento
compatível com aspectos biológicos, geralmente em função da pressão
familiar e social e, habitualmente, só irão explicitar sua verdadeira
identidade de gênero mais tarde, na idade adulta. Têm um grau de
identificação com o sexo oposto mais flutuante e podem apresentar um
comportamento travéstico; a orientação pode ser bissexual ou até
heterossexual, durante período de sua vida, chegando a ser comum o
76
casamento e adoção de filhos .
Para Ramsey, o processo transexual - a jornada que começa com uma terapia e vestir
como o outro sexo, passa por tratamento hormonal e termina em cirurgia - não é um capricho
passageiro77.
É a busca consistente de integração física, emocional, social, espiritual e sexual,
conquistada a enormes penas pessoais. O sofrimento psíquico do transexual se encontra no
sentimento de uma total inadequação entre, de um lado, a anatomia do sujeito e seu "sexo
psicológico" e, de outro lado, este mesmo "sexo psicológico" e sua identidade civil. Essas
pessoas, cujo sentimento de identidade sexual não concorda com a anatomia, manifestam uma
exigência compulsiva, imperativa e inflexível de "adequação do sexo", expressão utilizada
pelos próprios transexuais78.
Nota-se que é curioso observar que os papeis sexuais ou a sexualidade em si estão
intimamente ligados à transexualidade, no entanto, ao contrário da performance pública e
social, o impulso para a prática sexual é pouco desenvolvido, sobretudo pela forte rejeição ao
órgão genital. Conclui-se, que o desejo do transexual em ser reconhecido por meio do gênero
com que se identifica é preponderante ao ato sexual.
Segundo Hodja79, os/as transexuais são indivíduos que recusam totalmente o sexo
atribuído80. Identificam-se psicologicamente com o sexo oposto, embora biologicamente não
sejam portadores de qualquer anomalia e apresentam um enorme conflito, visto que, desde a
76
COSTA, 1994; ABDO, 1997 apud BRUNS, Maria Alves de Toledo; PINTO, Maria Jaqueline Coelho.
Vivência Transexual: o corpo desvela seu drama. Campinas: Editora Átomo, s/d, p. 18-19.
77
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 32.
78
CECCARELLI, Paulo Roberto, in Viviani, A., (Org.) Temas da Clínica Psicanalítica, São Paulo:
Experimento, 1998, p. 137-147.
79
HOJDA, M.J.S. Mudança de sexo: causas e consequência. Intersexualidade e transexualidade. Revista
Brasileira de Medicina, vol. 42, n. 18, 1985.
80
Sexo atribuído: a atribuição de sexo é feita levando-se em conta, apenas, a aparência genitália externa do
indivíduo e não fatores que são determinantes do sexo (Gondenson e Anderson. Dicionário de sexo. São Paulo:
Ática, 1989, s.p.)
infância, têm a sensação de ter nascido com o corpo “trocado”, isto é, percebem-se
aprisionados em um corpo que não se identificam como seu.
O processo identitário, na esfera transexual, para Ramsey, deve partir da própria auto
percepção, resultando na não satisfação com o status biológico, a partir do diagnóstico de
disforia de gênero, ou seja, “o sentimento de infelicidade ou depressão quanto ao próprio
sexo”. Alia-se a isto, a busca permanente por tratamento hormonal e/ou cirurgia de
redesignação sexual81.
Bento chama-nos atenção para o fato de que a posição identitária em ser "transexual"
oferece um sentido provisório à vida, implicando um trabalho em escala social de desconstruir
os jargões rotineiramente lançados como "veado/travesti/sapatão", Nesse caso, não se explica
quem eu sou, mas recuperam-se as margens por meio do "Eu não sou"82.
Conforme frisa Butler, os/as transexuais ao afastar-se do campo da subjetivação, na
seara da sexualidade, rejeitam o órgão genital e incessantemente buscam uma solução, seja
pela via do tratamento hormonal ou, em alguns casos, da cirurgia de adequação de sexo.
Afirmam repetidamente uma descontinuidade radical entre os prazeres sexuais e partes
corporais. O que se quer em termos de prazer, com frequência, exige uma participação
imaginária de partes do corpo, que a pessoa pode não possuir. Nesse caso, o status imaginário
do desejo não se restringe à identidade transexual; a natureza fantasística do desejo não revela
o corpo como sua base ou sua causa, mas como sua ocasião e objeto83.
A existência, nesse caso, seria justificada pela negação ou partiria da indagação
contínua, quem sou eu? O processo de individualização torna-se necessário a partir do sentido
de identificação.
Ricoeur, já asseverou que identificar alguma coisa é poder fazer que o outro conheça,
no seio de uma gama de coisas particulares do mesmo tipo, aquela sobre a qual é nossa
intenção discorrer. Concluindo que identificar nesse sentido elementar não é ainda se
identificar a si mesmo, mas identificar "alguma coisa"84.
Ramsey, mais uma vez traz luz à ribalta, ao afirmar que ao deixar a adolescência,
durante o início da idade adulta, o/a transexual, que assim ainda não se reconheça, passa por
três trajetos que costumam adotar: sacrificam seus sentimentos de ser homem ou mulher
biológica “real”; afogam os problemas na bebida ou outras substâncias que alteram a
81
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 31.
82
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 209.
83
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.108.
84
RICOEUR, Paul. O Si-mesmo como um outro. Trad. Luci Moreira Cesar, Campinas: Papirus, 1991, p. 39.
consciência; ou começam fazer terapia, podendo resultar na compreensão da confusão quanto
ao gênero. Com a descoberta da transexualidade, o passo seguinte é a cirurgia85.
Bento, com precisão cirúrgica, chama a atenção para a propositura de que o
"dispositivo da transexualidade" é alimentado pelas verdades socialmente estabelecidas para
os gêneros, levando-a a sugerir que a formulação dos saberes que o estruturam, nada existe
que seja conhecimento neutro86.
Segundo Butler, “se a diferenciação do gênero decorre do tabu do incesto e do tabu
anterior da homossexualidade, então “tornar-se” um gênero é um laborioso processo de
tornar-se naturalizado, processo que requer uma diferenciação de prazeres e de partes
corporais, com base em significados com características de gênero” 87.
Nesse caso, podemos considerar o/a transexual a personificação do próprio tabu?
Freud, ao tratar a questão alerta-nos do quão perigoso pode ser a quebra de um tabu,
salientando que o rompimento de um paradigma pode se voltar para o próprio transgressor,
quando,
(...) qualquer um que faz o que é proibido, isto é, que viola o tabu, se torna ele
próprio tabu. Como harmonizar isto com o fato de o tabu se ligar não somente a uma
pessoa que fez o que é proibido como também a pessoas em estados específicos, aos
próprios estados, bem como objetos impessoais? Qual pode ser o atributo perigoso
que permanece o mesmo em todas essas condições diferentes? Só pode ser uma
coisa: a qualidade de excitar a ambivalência dos homens e de tentá-los a transgredir
a proibição.
Qualquer um que tenha violado um tabu torna-se tabu porque possui a perigosa
qualidade de tentar os outros a seguir-lhe o exemplo: por que se lhe deve permitir
fazer o que é proibido a outros? Assim, ele é verdadeiramente contagioso naquilo
em que todo exemplo incentiva a imitação e, por esse motivo, ele próprio deve ser
88
evitado .
85
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 90-91 .
86
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 23.
87
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 107.
88
FREUD, S. Totem e tabu. In: Obras completas de Sigmund Freud; trad. Dr. J.P. Porto. Rio de Janeiro: Delta,
v.14. 1950, p. 27.
89
BRUNS, Maria Alves de Toledo; PINTO, Maria Jaqueline Coelho. Vivência Transexual: o corpo desvela seu
drama. Campinas: Editora Átomo, (s/d), p. 46
Para Peres, na transexualidade persiste uma incongruência entre o sexo atribuído na
certidão de nascimento e a identidade de gênero do indivíduo. Não se cogita de o/a transexual
ser um/a doente mental90. Enquanto isso, Butler nos acena que não há identidade de gênero
por trás do próprio gênero; essa identidade é performativamente constituída pelas próprias
expressões consideradas como seus resultados91.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a transexualidade remonta à
patologização resultante do quadro clínico, denomina-se Transtorno de Identidade de Gênero
(TIG), impondo a elaboração de um laudo a diagnosticá-lo. Pode ser "regularizado" caso
ocorra o realinhamento ao fenótipo masculino ou feminino após a submissão à cirurgia de
transgenitalização, viabilizando a alteração do registro de assentamento civil quanto ao nome
e gênero após provocação judicial pela parte interessada, sendo que:
Para concluir, seria por oportuno indagar: existe um roteiro exato e pré-determinado
a definir o que seja transexualidade? Segundo os estudiosos, há um processo em construção
da identidade sexual a definir a transexualidade, podendo vários aspectos influenciar no
diagnóstico. A transexualidade, acompanhando o ritmo veloz dos dias atuais, requer sua
compreensão dentro do contexto sujeito-mundo, onde toda humanidade assim está inserida.
90
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 125.
91 BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
Castel afirma que não há uma conclusão exata acerca da construção identitária,
origem e definição da transexualidade: "caracteriza-se pelo sentimento intenso de não
pertença ao sexo anatômico, sem por isso manifestar distúrbios delirantes (a impressão de
sofrer uma metamorfose sexual é banal na esquizofrenia, mas neste caso é acompanhada de
alucinações diversas), e sem bases orgânicas (como o hermafroditismo ou qualquer outra
anomalia endócrina)" 94. Portanto,
93 BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 25.
94 Castel PH. Algumas reflexões para estabelecer a cronologia do "fenômeno transexual" (1910-1995). Rev
bras Hist 2001; 21(41):77-111. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882001000200005&lng=pt&nrm=isso. Acessado em: 03 jan. 2016.
exaustivo do transexualismo. Suas teorias marcaram profundamente tanto a
pesquisa como a prática cirúrgica nesse domínio. 95
95
CECCARELLI, Paulo Roberto, in Viviani, A., (Org.) Temas da Clínica Psicanalítica, São Paulo:
Experimento, 137-147, 1998.
96
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 38-39.
97
<https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_POPULA%C3%87%C3%83O_TRANS.
pdf?1334065989> Acesso em: 01 jul. 2015.
A autonomia no dispositivo de montagem corporal e os papéis sociais são erguidos
com parâmetros diferenciados entre transexuais e travestis, embora com ênfase no gênero,
liberdade de expressão e autonomia sobre o uso do corpo.
Conforme salienta Hall, o processo de construção da identidade deve-se ao gênero,
porquanto,
A identidade é realmente algo formado, ao longo de tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento. [...] Ela permanece sempre incompleta, está
sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. [...] em vez de falar da
identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-
la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da
plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de
uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas
formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros98.
Travestis são aquelas que promovem modificações nas formas do seu corpo
visando a deixá-lo cotidianamente como pessoas pertencentes ao gênero
feminino sem, no entanto desejar explicitamente recorrer à cirurgia de
transgenitalização para retirar o pênis e construir uma vagina.
[...]
As transformistas, por sua vez, promovem intervenções leves — que podem
ser rapidamente suprimidas ou revertidas — sobre as formas masculinas do
corpo, assumindo as vestes e a identidade femininas somente em ocasiões
específica100.
Para as travestis a vestimenta feminina ganha uma importância maior, uma vez que
serve como objeto de identificação rotineira, usada cotidianamente, não tendo como
98
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós- Mordenidade. DP&A, 11ª ed.. Rio de Janeiro, 2006, p.10.
99
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 122.
100
BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p. 18.
finalidade precípua servir ao show business, artifício comumente utilizado pelas
transformistas. Ademais, segundo Benedetti, a utilização do gênero gramatical feminino
destinado às travestis, além de valorizar o próprio processo de construção do gênero adotado,
possui justificativa política, uma vez que o respeito e a garantia à construção feminina estão
entre as principais reivindicações do movimento trans101.
Francoeur explana que, no sentido clínico, há o entendimento que aponta o
significado de travesti-se como o de vestir-se com roupas de outro sexo com propósitos de
entretenimento ou, ainda, viver o papel homossexual ou parafílico necessário para acomodar
algum nível de conflito de gênero102.
O processo externo de feminilização tem uma importância fundamental na
construção identitária das travestis. Há toda uma "montagem" a personificar a figura feminina
onde mãos, caras e bocas dominam a cena. A voz ganha uma afinação, a vestimenta assume
papel de destaque e a linguagem corporal, portanto são os meios de comunicação; dão o sinal
da visibilidade e referendam a transformação diária a que se submetem.
A sobrevivência, com estilo, passa necessariamente pela construção e reafirmação
diária do processo de transformação de gênero; a identidade desejada e diuturnamente
defendida passa ser um adorno com característica de troféu.
O arquétipo construído pelas travestis tem a finalidade de identificá-las e
individualizá-las, servindo, efetivamente, como bandeira de sobrevivência e firmamento. O
rosto e a postura ganham uma dimensão que extrapolam o próprio ser, possuem vida e
dinâmica singulares, antecipam a alma e o sentimento, tendo como finalidade precípua a
justificação da própria existência e, sobretudo, a tomada de posição estratégica em se manter
com dignidade nas esferas do poder.
101 BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p. 19.
102 FRANCOEUR, Robert T. The Complete Dictionary of Sexology, Published by Continuum, New York,
1995, s.p.
103BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p. 132.
Soma-se à performance, a expressão do olhar, o cabelo, a vestimenta que
contribuirão à composição identitária da travesti, o que servirá à incorporação do gênero
feminino, em detrimento do masculino. Segundo Benedetti: "A ingestão de hormônios, as
aplicações de silicone, as roupas e os acessórios, o acuendar a neca, as depilações são
momentos de um processo que é maior e que tem por resultado a própria travesti e o universo
que ela cria e habita"104. Deleuze e Guattari já aduziam que,
O rosto não age aqui como aqui como individual, é a individualização que
resulta da necessidade de que haja rosto. O que conta não é a individualidade
do rosto, mas a eficácia da cifração que ele permite operar, em quais casos.
Não é questão de ideologia, mas de economia e de organização de poder.
Não dizemos, certamente que o rosto, a potência do rosto, engendra o poder
e o explica. Em contrapartida, determinados agenciamentos de poder têm
necessidade de produção de rosto, outros não.105
104 BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p. 131.
105
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. (1996) Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução: Aurélio
Gerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia Cláudia Leal e Suely Rolnik. Rio de Janeiro: Editora 34. v.3. 2012. p.
47.
106
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 39.
internacional de adolescentes o mesmo aparato de segurança e legalidade
que é dado aos transexuais ditos “independentes” 107.
Pela notícia veiculada, infere-se que adolescentes sem uma estrutura muscular e
orgânica plenamente desenvolvida são inseridos nas rotas do tráfico e aliciados à exploração
sexual, necessitando de intervenções corpóreas para aparentarem, num curto período, um
biótipo carregado de erotismo e sexualidade.
Benedetti explica que o abandono da família e as expulsões dos lares pelos pais,
parece ser um passo necessário à construção de uma identidade que fortaleça a figura da
travesti, ocorrendo quase sempre na puberdade. Esses acontecimentos costumam ser
caracterizados por aventuras na rua e embates com a polícia, entre outras ocorrências. O
contato e a convivência com outras pessoas, em iguais condições, possibilita às travestis uma
liberdade até então não desfrutada. É nesse instante que o aprendizado sobre o feminino
começa a fluir, culminando com o batismo de um nome feminino, afirmando sua qualidade
maior108.
A construção identitária, tanto da travesti quanto do/da transexual, guarda
característica própria. Bento ressalta que: “a identidade de gênero não é uma essência que
adquire visibilidade pelos atos; ao contrário, são os atos, linguísticos e corporais, que darão
vida aos sujeitos generificados. O trabalho de fabricação das identidades é permanente, tem
um caráter incluso109.
Szaniawski salienta o seguinte:
Nesse toar, cabe-nos questionar: existe, ou não, uma identidade trans? Para Lima, “o
termo “trans” expressa as vivências que atravessam e vazam a naturalização dos corpos, a
biologização das identidades, o binarismo dos gêneros e os enquadramentos classificatórios,
107
O GLOBO. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/meninos-sao-aliciados-para-
virar-transexuais-em-sp-3950782>. Acessado em: 14 ago. 2014.
108
BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p.p. 102-103
109
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de
Janeiro: Garamond, 2006, p. 204.
110
SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual: estudo
sobre o transexualismo. Aspectos médicos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p . 94
principalmente as experiências travestis, transexuais e transgêneros” 111 . Para a autora, é
possível assinalar pressupostos fundamentais para compreendermos a política das identidades
na contemporaneidade:
1) a ideia de que não existem sujeitos anteriores aos discursos e práticas nem
discursos e práticas anteriores aos sujeitos. Os sujeitos são efeitos das
relações de poder; 2) os sujeitos se tornam reconhecíveis (para si e para o
outro) a partir da inteligibilidade dos gêneros; 3) a inteligibilidade é
construída através de uma relação binária entre sexo e norma cuja reiteração
normativa produz e regula os sujeitos, seus corpos e desejo imprimindo uma
suposta estabilidade binária dos gêneros; 4) a matriz normativa não captura
todos os corpos que produz. Forma-se assim uma zona de abjeção povoada
por uma miríade de possibilidades que reiteram e subvertem a matriz. A
abjeção não constitui apenas o outro exterior, mas se dá numa relação com a
norma. Não existe aqui a ideia de um original cujos abjetos seriam a sua
negação; 5) dizer que os sujeitos são efeitos das relações de poder é
reconhecer a dimensão de assujeitamentos e, por fim, 6) reconhecer a
dimensão de assujeitamento é reconhecer o potencial de subversão, de
resistências, pois assim como as identidades trans as resistências não são um
112
ato exterior ao dispositivo do poder, mas opera no âmbito deste .
Bento, por sua vez, sob outra vertente, salienta que as unidades que as identidades
proclamam são construídas no interior do jogo do poder e da exclusão; resultam de um
processo de fechamento, de produção e reprodução de margens, delimitadas por fronteiras
intransponíveis sob o manto do discurso. O “Eu sou” implica um trabalho de negociações
com as idealizações, ao passo que o “Eu não sou”, depende de reiterações discursivas e não
discursivas; devendo ser enfatizadas as idealizações que orientam a construção do “Eu quero
ser”, os polos positivados das identificações113.
Butler aponta-nos a possibilidade de uma identidade construída, onde os atributos de
gênero não são expressivos, mas performativos nas várias maneiras como corpo mostra ou
produz sua significação cultural, onde não há identidade preexistente pela qual um ato ou
atributo possa ser medido; tampouco há atos de gênero verdadeiros ou falsos, reais ou
distorcidos, uma vez que a postulação de uma identidade de gênero verdadeira se revelaria
111
LIMA, Fátima. Corpos, Gêneros, Sexualidades: Políticas de Subjetivação. Porto Alegre: Rede UNIDA,
2014, p.38.
112
LIMA, Fátima. Corpos, Gêneros, Sexualidades: Políticas de Subjetivação. Porto Alegre: Rede UNIDA,
2014, p.44.
113 BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de
Janeiro: Garamond, 2006, p. 213
uma ficção reguladora. Como portadores desses atributos, os gêneros podem se tornar
completa e radicalmente incríveis114.
114 BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro;
Companhia das Letras. 2014, p.201
115
ALMEIDA, Sérgio. Transexualidade e Etiologias: como desvendar este mistério. In: Identidade Sexual e
Transexualidade. Organizadores: VIEIRA, Tereza R.; PAIVA, Luiz Airton S. de. São Paulo: Roca, 2009, p 50.
116
ADRIÁN, Tamara. Un ensayo de determinación de la situación actual del problema a la luz del examen del
derecho comparado. Arilha, M.; Lapa, T.S.; Pisaneschi, T.C. (Orgs.). Transexualidade, travestilidade e direito à
saúde. São Paulo: Oficina Editorial, 2010, p.13.
realizado a partir de uma exaustiva avaliação, que inclui um histórico do caso, testes
psicológicos e sessões de terapia” 117.
Temos, desde 2009, no cenário nacional e internacional a campanha “Stop Trans
Patologization 2012” que defende o direito das pessoas modificarem livremente seus corpos
de modo a adequá-los às suas necessidades particulares e contingentes118.
Arán, Murta e Lionço reforçam o caloroso debate em torno da compreensão
patologizante do fenômeno transexual, em especial por aqueles que se opõem a sua definição
como uma categoria psiquiátrica, porquanto a argumentação crítica ao diagnóstico se baseia
na tese de que o fenômeno não está relacionado a qualquer alteração de função, mas à
percepção de uma inadequação às normas de gênero119.
Nesse caso, como assim defende Butler, a transexualidade deve ser compreendida
como uma entre muitas possibilidades humanas de determinação do próprio gênero,
enfraquecendo a autonomia, se associada à patologia120.
Ainda, para Butler, na mesma obra, o diagnóstico reforça formas de avaliação
psicológica alheias à pessoa diagnosticada. O diagnóstico, ainda que seja proclamado à
revelia da pessoa interessada, considera os efeitos delirantes como se fossem resultantes de
uma disforia. Há uma aceitação que certas normas de gênero não foram adequadamente
assimiladas, fruto de algum erro ou falha, levando à patologização, voltando-se especialmente
contra jovens trans e queers.
Quanto aos efeitos danosos da patologização, a própria Butler, assim sustenta:
117
DATASUS. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde –
CID-10. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm>. Acesso em: 08 mar. 2015.
118
Stop Trans Pathologization 2012. Acesso em: < http://www.stp2012.info/old/pt>. Acesso em: 03 fev. 2016.
119
ARÁN, Márcia. MURTA, Daniela. LIONÇO, Tatiana., Transexualidade e Saúde Pública no Brasil.
Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, vol. 14, n.4, jul./ago. 2009. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000400020&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 20 dez. 2015.
120
BUTLER Judith. Desdiagnosticando o gênero. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 19 Jan
2009, p. 95-126.
121
BUTLER, Judith. Desdiagnosticando o gênero. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 19 Jan
2009. p. 95-126.
É iminente a possibilidade de exclusão do transtorno de identidade de gênero do rol
de doenças nos manuais da OMS, como noticiado pela mídia em dezembro de 2013, havendo
a possibilidade de ser catalogado como uma discordância ou incongruência de gênero122. Os
desafios da despatologização, tal qual o entendimento da identidade trans, são complexos,
especialmente por existir o temor de o amparo governamental ser subtraído na assistência à
saúde.
Segundo Adrián,
122
UOL. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/12/1378921-transexualismo-
deve-sair-da-lista-de-doencas-mentais.shtml>. Acesso em: 20 mai. 2015.
123
ADRIÁN, Tamara. Un ensayo de determinación de la situación actual del problema a la luz del examen
del derecho comparado. Arilha, M.; Lapa, T.S.; Pisaneschi, T.C. (Orgs.). Transexualidade, travestilidade e
direito à saúde. São Paulo: Oficina Editorial, 2010, p. 72.
124
UOL. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/12/1378921-transexualismo-
deve-sair-da-lista-de-doencas-mentais.shtml>. Acesso em: 20 mai. 2015.
sexual psíquica da pessoa interessada, conjuntamente com os princípios da autonomia e da
não-discriminação125.
Bento, ao produzir sua pesquisa, trabalhou com o agrupamento de duas teorias, a
primeira tendo como referência o “transexual stolleriano” inspirado no psicanalista Robert
Stoller, a segunda sob uma estrutura biológica, o “transexual benjaminiano”, em referência ao
endocrinologista Harry Benjamin que definiram critérios para diagnosticar o “verdadeiro
transexual”, levando em conta as características que fossem compartilhadas por todo/a
transexual, o que proporcionou dois desdobramentos umbilicalmente ligados, o primeiro, a
produção de protocolos e demais orientações aceitas internacionalmente no tratamento dos
transexuais e, o segundo, a universalização do/a transexual126.
Para Ventura existe uma possibilidade biotécnica de “mudança de sexo” e da
demanda transexual, reacendendo as discussões sobre os limites da autonomia corporal e
sexual da pessoa em relação às cirurgias e transformações no corpo, assim como a
legitimidade moral e legal de alteração e vivência de uma nova identidade sexual por meio
dos recursos biotecnocientíficos127.
Ainda, segundo Ventura, há duas espécies de restrições e/ou limitações para a
“mudança de sexo”. Em primeiro lugar, a obrigatoriedade de um protocolo diagnóstico e
terapia para que se confirme que a pessoa é portadora do transtorno psíquico de identidade de
gênero e possibilite o acesso aos procedimentos hormonais e cirúrgicos, inclusive a cirurgia
de transgenitalização, visando à adequação sexual. A segunda restrição é de ordem legal,
relacionada à impossibilidade, a princípio, de alteração do sexo no assentamento de registro
civil, já que o ordenamento jurídico considera o sexo um dos elementos do estado civil da
pessoa, também a princípio, de natureza imutável e indisponível128.
Para Borges, no entanto, “as cirurgias a que se submetem os/as transexuais não
implicam, exatamente, deliberada “mudança de sexo”. São procedimentos médicos de
ajustamento da apresentação física do paciente à sua convicção sexual psíquica”129.
125
ARÁN, Márcia. MURTA, Daniela. LIONÇO, Tatiana., Transexualidade e Saúde Pública no Brasil.
Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, vol. 14, n.4, jul./ago. 2009. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000400020&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 20 dez. 2015.
126
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 133
127
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 11.
128
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010,
p. 11-12.
129
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada, Editora Saraiva, 2ª
Edição rev., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 191.
Segundo Bento, todos/as os/as transexuais benjaminianos/as desejam solucionar seus
conflitos mediante a realização da cirurgia de adequação de sexo. Indaga: se vivemos em uma
sociedade composta de homens e mulheres com corpos sexualmente apropriados, como
classificar pessoas que têm o sentimento de pertencer ao gênero contrário ao que a
composição binária indica, mas que, no entanto, não querem se submeter à cirurgia ou não
concedem uma importância crucial ao procedimento transgenitalizador? 130
A autora, respondendo à própria indagação, diz que o “sentimento de ser ou estar
incompleto, ou mesmo em débito, constitui as contingências identitárias e, para muitos/as
transexuais, não é a cirurgia que lhes garantirá a coerência identitária que procuram; para
outros, porém, a cirurgia pode representar a possibilidade de ascenderem à condição humana”
131
.
Enquanto isso, Ventura reforça a controvérsia sob outro viés:
Para a autora, a concepção normativa dita a regra de que o normal é a coerência entre
sexo-gênero, implícita a compreensão de sexo e gênero a partir de aspectos biológicos.
Qualquer outra combinação que não seja fundamentada em uma matriz binária heterossexual -
mulher/feminino, homem/masculino – convertendo-se em um sistema regulador da
sexualidade dos sujeitos, é considerada uma patologia133.
Elimar Szaniawski considera a cirurgia de adequação de sexo “terapia cirúrgica de
mudança de sexo”, para esclarecer sua natureza terapêutica, e aponta muitos inconvenientes
práticos ou consequências negativas de tal procedimento134.
No entanto, o estudo realizado com 141 transexuais em 1993 na Holanda, por Snaith,
Tarsh e Reid, demonstrou que “não há razão para por em dúvida o efeito terapêutico da
cirurgia de redesignação de sexo”, como relatado por Ramsey135.
130
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 157.
131
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 160.
132
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 12.
133
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010,
p.13.
134
SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual: estudo
sobre o transexualismo. Aspectos médicos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. p. 84 e 166.
Com é reiteradamente relatado pela literatura especializada, o IV Congresso
Brasileiro de Medicina Legal realizado em São Paulo, no ano de 1974, classificou como
mutilante, e não como corretiva, a cirurgia para troca de sexo tipificando sua realização uma
lesão sob o ponto de vista penal, o que ensejou a conclusão de que a intervenção feria o
Código de Ética Médica, motivando uma ação judicial. O médico Roberto Farina, autor da
cirurgia, foi absolvido da acusação, por ter atendido fins terapêuticos.
Somente em 1997, com o advento da Resolução CFM nº 1.482, do Conselho Federal
de Medicina, (revogada posteriormente pela Resolução CFM nº 1.652/2002 e atualmente em
vigor a Resolução CFM nº 1.955/2010), foi autorizada no Brasil a realização de cirurgias de
transgenitalização em pacientes transexuais, visando ao caráter terapêutico da medida,
segundo determinados critérios, com implantação de um programa em hospitais que
atendessem aos requisitos necessários, dentre eles a constituição de equipe multidisciplinar
composta por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social,
após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto para confirmação diagnóstica.
Ainda, a Portaria do MS nº 457, também de 2008, considerou a necessidade de
identificar e estruturar os serviços de assistência aos indivíduos com indicação para o
processo transexualizador, estruturando o processo de credenciamento e habilitação.
Vale ser observado, devido à especificidade, que a Resolução 1.482/CFM considera
que “o/a paciente transexual é portador/a de desvio psicológico permanente de identidade
sexual com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação ou autoextermínio”.
Em 2008, o Ministério da Saúde (MS) editou a Portaria nº 1.707, definindo as
Diretrizes Nacionais para o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde - SUS,
custeado pelo Poder Público. Foi revogada pela Portaria 2.803, de 19 de novembro de 2013,
em decorrência, dentre outras razões, da decisão judicial proferida no dia 13 de setembro de
2013 em sede de execução na referida Ação Civil Pública, que determinou ao Ministério da
Saúde o cumprimento integral, no prazo de 30 (trinta) dias, das medidas necessárias para
possibilitar a realização no Sistema Único de Saúde (SUS) de todos os procedimentos
médicos para garantir a cirurgia de transgenitalização e a readequação sexual no Processo
Transexualizador, conforme os critérios estabelecidos na Resolução nº 1.652 de 2002 do
Conselho Federal de Medicina (CFM).
Faz-se necessário esclarecer que no dia 31.07.2013, foi publicada no Diário Oficial
da União a Portaria 859, que ampliava as diretrizes do processo transexualizador pelo SUS,
135
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 133-134.
com determinação que as redes de saúde pública atendessem, com tratamento hormonal,
jovens a partir dos 16 anos, e que a cirurgia para a readequação de sexo fosse realizada, pelo
SUS, a partir dos 18 anos. Porém, na tarde, do mesmo dia de publicação da Portaria, o
Ministério da Saúde informou, por nota, que a portaria que definia as novas medidas para o
processo transexualizador, seria suspensa.
Desse modo, mantêm-se as diretrizes de assistência ao/a usuário/a (transexuais e
travestis) com demanda para realização do Processo Transexualizador no SUS, nos termos da
Portaria 2803/2013, que estabeleceu, dentre outros, os seguintes critérios:
Pois bem, para concluir, como bem asseverou Bento, os processos corporais podem
ser pensados como metáfora da construção identitária, exigindo um trabalho permanente
construindo margens discursivas de delimitação com outras experiências136.
Embora não se tenha o intento de parecer taxativo, tampouco limitado, conclui-se
que o sentimento e natureza humana, com toda gama de subjetividades e diversidade sexual,
encontram-se circuncidados nos versos da velha canção: “mistérios sempre há de pintar por
aí”137.
136
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 25-26.
137
GIL, Gilberto. Esotérico. Intérprete: Gilberto Gil. LP Um Banda Um. Polygram, 1976.
3 A TRANSEXUALIDADE À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS
Sánchez Rubio, em sua obra Encantos e Desencantos dos Direitos Humanos, com
precisão, aponta-nos um dilema crucial acerca do muito que é dito e o que é feito e na ideia
comum e restrita que temos sobre direitos humanos. Diz o autor:
É quadro típico, tópico e clássico ter como pacífica a separação que existe
entre o que se diz e o que se faz em matéria de direitos humanos. Quase todo
o mundo tem na cabeça a ideia de que é muito diferente a teoria e a prática
sobre os direitos humanos. Este abismo é considerado indiscutível e muito
difícil de superar. Muito se escreveu e muito se disse sobre possíveis causas
desse distanciamento, mas pouco são os estudos que partem da premissa de
que talvez esta separação entre o que é dito e que é feito, entre o plano do ser
e do dever ser, resida na nossa própria maneira de pensar os direitos
humanos.138
Por outro lado, as Cortes Internacionais de Direitos Humanos têm promovido uma
política de proteção ao ser humano a fim de combater o preconceito, a discriminação e a
violência extrema em razão da orientação sexual e identidade de gênero. Alguns países já
possuem leis específicas que cuidam da identidade de gênero.
Além disso, na mesma linha de proteção, também é fomentada uma política de
garantir saúde aos/às transexuais, com facilidade de tratamento hormonal e submissão ao
procedimento cirúrgico transgenitalizador, assegurando um alinhamento da identidade de
gênero à compleição física e, por conseguinte, possibilidade de alteração do registro civil.
No tocante à legislação que assegure a identidade de gênero o Brasil mantém-se
inerte sobre o tema, notadamente na esfera legislativa, relegando ao Judiciário a palavra final
sobre a possibilidade de alteração do registro civil de nascimento quanto ao nome e ao sexo.
Em virtude disso, impõe-se ao/a transexual a obrigatoriedade de demandar em Juízo
a fim de requerer a alteração do assento de nascimento, mesmo que já tenha se submetido ao
procedimento cirúrgico transgenitalizador, tendo que se subjugar às convicções da autoridade
judicial e submeter-se a perícias clínicas e psicológicas para comprovação do sexo e validação
do estado psíquico.
138 RUBIO, Davi Sánchez. Encantos e desencantos dos direitos humanos: de emancipações, libertações e
dominações. Tradução Ivone Fernandes Morcilho Lixa, Helena Henkin. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2014, p. 121.
3.1 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA INDIVIDUAL
Como bem nos aponta a jurista Camilla Gonçalves, “a autonomia está implicitamente
referida no art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na alusão à razão e
consciência dos homens como denominador comum que garante a liberdade, a igualdade e a
dignidade: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados
de razão e de consciência 139 devem agir uns para com os outros em espírito de
fraternidade”140.
De acordo com Roxana Borges, a autonomina jurídica individual, em sentido amplo,
“coincide com o conceito de liberdade jurídica, significando a faculdade de atuar licitamente.
A licitude da conduta reside, nesse aspecto, na ausência de sua proibição”. Segundo a mesma
autora, em sentido restrito, entende-se a autonomia privada “como o poder atribuído pelo
ordenamento jurídico ao indivíduo para que este possa reger, com efeitos jurídicos, suas
próprias relações” 141.
Ter autonomia, segundo Miriam Ventura, significa dispor de si mesmo de forma
integral e ter a capacidade para esse exercício. A autonomia individual carrega em si duas
dimensões: a capacidade para distinguir a ação apropriada a ser adotada e a ação, que implica
a escolha de uma decisão142.
A autonomia, sob a ótica de Luís Roberto Barroso, expressa a vontade livre, a
capacidade do indivíduo de se autodeterminar em conformidade com a representação de
certas leis.
Para exemplificar, vale dizer:
139
Destaque assinalado pela própria autora.
140
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 114.
141
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada, Editora Saraiva, 2ª
Edição rev., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 47.
142
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 21.
conceito foi invocado em decisões como Lawrence v. Texas, a propósito da
legitimidade das relações homoafetivas. Na mesma linha da dignidade como
autonomia foi a decisão da Corte Constitucional da Colômbia ao decidir pela
inconstitucionalidade da proibição da eutanásia. O julgado fez expressa
menção a uma perspectiva secular e pluralista, que deve respeitar a
autonomia moral do indivíduo. A mesma Corte, ao julgar o caso Lais versus
Pandemo, reconheceu não apenas a licitude da prostituição voluntária, como
expressão da autodeterminação individual, como assegurou aos
trabalhadores do sexo direitos trabalhistas” 143.
143
BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público.
Mimeografado, dezembro de 2010. p. 27. [Os casos apontados foram devidamente individualizados pelo autor,
na referida obra]
144
BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público.
Mimeografado, dezembro de 2010. p. 18.
145
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 44-45.
Sob a perspectiva da legislação comparada pela ótica dos direitos humanos,
Gonçalves narra que o direito à identidade de gênero ganha tratamento diferenciado ao redor
do planeta, sendo admitido em alguns países o reconhecimento do gênero de identificação
independentemente da realização de cirurgia de redesignação de sexo, enquanto outros
estabelecem como exigência o procedimento cirúrgico como condição para alteração do
registo de assentamento civil146.
Em julho de 1989, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovou a
Recomendação 1.117 sobre discriminação contra os/as transexuais, bem como uma
Resolução, anexo II, sobre a condição dos/as transexuais, aconselhando todos os Estados-
Membros aprovarem legislação relativa à transexualidade que “proibisse toda a discriminação
no gozo de direitos e liberdades fundamentais, de acordo com o disposto no artigo 14.º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem” 147.
Um grupo eminente de especialistas em direitos humanos, orientação sexual e
identidade de gênero, entre os dias 6 e 9 de novembro de 2006, desenvolveu, discutiu e
refinou os Princípios Yogyakarta, sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos
Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero, no sentido de dar mais
clareza e coerência às obrigações de direitos humanos dos Estados.
Os Princípios de Yogyakarta, embora careça de uma conotação jurídica, trouxe a
ideia de que os direitos humanos são universais, indivisíveis, mas ao mesmo tempo
interdependentes e inter-relacionados, considerando a orientação sexual e a identidade de
gênero um espelho da dignidade da pessoa humana, não podendo ser motivo de
discriminação e abuso148.
Adrián salienta que na esfera internacional, a título de proteção aos/as transexuais, os
Princípios de Yogiakarta também podem ser adotados sobre a aplicação da legislação
internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, sob
o seguinte fundamento:
149 ADRIÁN, Tamara. Un ensayo de determinación de la situación actual del problema a la luz del examen del
derecho comparado. Arilha, M.; Lapa, T.S.; Pisaneschi, T.C. (Orgs.). Transexualidade, travestilidade e direito à
saúde. São Paulo: Oficina Editorial, 2010, p. 29.
150
Organização das Nações Unidas – ONU. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/> Acesso em 09 jan.
2016.
151
Organização das Nações Unidas – ONU. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Discrimination/A.HRC.19.41_Spanish.pdf> Acesso em 09 jan. 2016.
1. Proteger as pessoas da violência homofóbica e transfóbica. Incluir a
orientação sexual e a identidade de gênero como características protegidas
por leis criminais contra o ódio. Estabelecer sistemas efetivos para registrar e
relatar atos de violência motivados pelo ódio. Assegurar investigação
efetiva, instauração de processo contra os perpetradores e reparação das
vítimas de tal violência. Leis e políticas de asilo devem reconhecer que a
perseguição de alguém com base em sua orientação sexual ou identidade de
gênero pode ser um motivo válido para um pedido de asilo.
2. Prevenir a tortura e o tratamento cruel, desumano e degradante às pessoas
LGBT em detenção através da proibição e punição de tais atos, garantindo
que as vítimas sejam socorridas. Investigar todos os atos de maus tratos por
agentes do Estado e levar os responsáveis à justiça. Prover treinamento
apropriado aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e garantir um
controle eficaz dos locais de detenção.
3. Revogar leis que criminalizam a homossexualidade, incluindo todas as
leis que proíbem a conduta sexual privada entre adultos do mesmo sexo.
Assegurar que não sejam presos ou detidos em razão de sua orientação
sexual ou identidade de gênero, e não sejam submetidos a exames físicos
degradantes e desnecessários com a finalidade de determinar sua orientação
sexual.
4. Proibir a discriminação com base na orientação sexual e identidade de
gênero. Promulgar leis abrangentes que incluam a orientação sexual e
identidade de gênero como motivos proibidos para discriminação. Em
especial, assegurar o acesso não discriminatório a serviços básicos, inclusive
no contextos de emprego e assistência médica. Prover educação e
treinamento para prevenir a discriminação e estigmatização de pessoas
intersexo e LGBT.
5. Proteger as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica
para as pessoas intersexo e LBGT. Qualquer limitação destes direitos deve
ser compatível com o direito internacional e não deve ser discriminatória.
Proteger indivíduos que exercitam seus direitos de liberdade de expressão,
de associação e de reunião dos atos de violência e intimidação por grupos
152
privados .
152
ONU, versão para o português, 2013, Disponível em:
<http://www.onu.org.br/img/2013/03/nascidos_livres_e_iguais.pdf>, Acesso em: 12 jan. 2016.
153
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 100.
consequente discriminação [...] devendo esse preconceito ser entendido como uma opinião ou
conjunto de opiniões que são acolhidas de modo acrítico passivo pela tradição, pelo costume
ou por uma autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão”154.
Nesse toar, faz-se necessário o respeito, com o livre direito de expressão e cidadania
ao/a transexual, considerando que há um conflito decorrente do aprisionamento de corpos em
busca de autonomia e um dilema entre a composição morfológica e a identidade de gênero. A
redefinição das relações de gênero e o reconhecimento dessas identidades por parte do Estado
e da Sociedade, com amparo nos princípios de Direitos Humanos, é a alternativa a ser
construída para uma vida mais digna.
154
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 18ª tirage, Rio de Janeiro:
Campus. 1992, p. 203- 204.
Enquanto, no preâmbulo, foram adotados os seguintes preceitos:
155
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. e atual 2ª
tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 30.
156
VIEIRA, Oscar Vilhena, A desigualdade e a Subversão do Estado de Direito. Revista Internacional de
Direito e Cidadania, nº 1, Junho-2008. p. 185-201.
como sendo uma estratégia, sem ninguém a dirigi-la, e todos cada vez mais emaranhados
nela, que tem como única finalidade o aumento da ordem e do próprio poder” 157.
Pois bem, como salientado por Peres e Toledo, mostra-se cruel e desumano, não
obstante a sensação de pertencimento e auto percepção levem ao enfrentamento da violência e
discriminação nos campos político e social:
157
RABINOW, Paul., DREYFUS, Hubert. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do
estruturalismo e da hermenêutica, Tradução de Vera Porto Carrero, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995:
XXII.
158
PERES, William Siqueira., TOLEDO, Lívia Gonsalves. Dissidências Existenciais de Gênero: resistências e
enfrentamentos ao biopoder. Psicologia Política, 2011, p. 261-277.
ginástica ou ida ao dentista, sepultamento, ser beneficiário/a de pensão ou estar na condição
de herdeiro/a de bens159.
163
SOARES, Carmem Lúcia. (Org.) Corpo, Conhecimento e Educação: Notas Esparsas, In Corpo e História.
São Paulo: Autores Associados, 2001, p. 120.
164
LIMA, Fátima. Corpos, Gêneros, Sexualidades: Políticas de Subjetivação. Porto Alegre: Rede UNIDA,
2014, p. 25.
165
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In. LOURO, Guacira Lopes
(Org.) O corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. s/p.
166
LIMA, Fátima. Corpos, Gêneros, Sexualidades: Políticas de Subjetivação. Porto Alegre: Rede UNIDA,
2014, p.19.
Se a subversão for possível, será uma subversão a partir de dentro dos
termos da lei, por meio das possibilidades que surgem quando ela se vira
contra si mesma e gera metamorfoses inesperadas. O corpo culturalmente
construído será então libertado, não para o seu passado “natural”, nem para
seus prazeres originais, mas para um futuro aberto de possibilidades
culturais167.
Ora, seria por oportuno indagar que se que paira sobre a transexualidade um
paradoxo resultante da necessidade de "moldar" a compleição física à velha e conhecida
moldura de formação binária masculino/feminino?
Em sendo a resposta positiva, seria esse paradoxo falsídico, uma vez que o resultado
poderia ser considerado autocontraditório e resultaria de uma auto rejeição? Ou, seria a
transexualidade, tão somente, uma antinomia?
Ainda, a fim de aprofundar a indagação, será que o/a transexual poderia ser
considerado/a a personificação do paradoxo em si ao desejar assumir outra identidade que vai
se concretizar no decorrer do tempo, a depender de acontecimento futuro e incerto (o
procedimento transgenitalizador)?
Nesse caminhar, a genitália, de tão rejeitada, não estaria ganhando uma posição de
destaque, sendo alçada à responsabilização da infelicidade do indivíduo e se sobrepondo à
alma ou ao próprio sentimento, além da gama de subjetividades que pode amplamente ser
vivenciada longe dos esquadros sexuais já conhecidos?
Afora tais indagações, na reprodução de significados culturais sobre como deve ser a
masculinidade e a feminilidade, merece ser destacado o filme Transamérica. Nele poder-se-ia
considerar que a “moldura” de uma pessoa transexual, já se encontra previamente
estabelecida na esfera social, a fim de se moldar ao estabelechiment político e
comportamental? Ainda, por intermédio da película cinematográfica, seria possível perquirir
onde se inicia a verdade e como se instala o discurso de superioridade das regras? Há, de fato,
um patamar no qual a identidade de gênero é posicionada como um dilema da condição
transexual?
Logo, na primeira cena, quando entrevistada pelo psiquiatra do serviço público de
saúde, a personagem Bree Ozbourne, uma transexual prestes a se submeter à cirurgia de
redesignação de sexo, procura se amoldar ao que se espera dela, expressando repulsa/negação
ao seu pênis, além da relação de rejeição ao próprio corpo.
167
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.139-140.
O diálogo merece destaque, seja pela necessidade urgente de a paciente "livrar-se" de
sua genitália na esperança de que, a partir daí, surja uma nova mulher que passe a ser a
perfeita tradução de sua identidade e luz, plenamente adaptada e moldada às exigências
sociais e, sobretudo, curada, livre de uma doença. Vejamos:
168
TUCKER, D. Transamérica. Filme americano. Duração: 103m. 2005.
3.5 DIREITO À SAÚDE E A BIOÉTICA
A agressão à cidadania transexual pode ser reportada, além das limitações impostas,
discriminação e preconceito, também no âmbito da saúde, porquanto a fim de se submeterem
à cirurgia de readequação de sexo os/as transexuais precisam provar à equipe multidisciplinar
que efetivamente são quem dizem ser, ficando a mercê de um diagnóstico favorável, sem
deixar de olvidar que o entendimento clínico é de que a transexualidade consiste em uma
patologia mental, ao contrário do que defendem os interessados, que almejam somente aliar a
adequação corporal ao gênero que se identificam.
Reportando-se ainda ao filme Transamérica, a personagem Bree, ao considerar
estranho o fato de uma cirurgia plástica curar uma doença mental, agora sob a análise de
Bento, vale a seguinte transcrição:
Bree esqueceu que, mesmo depois da cirurgia, ela continuará sendo vista
como uma doente pela APA [Associação Psiquiátrica América]. A cirurgia
não cura nada, apenas dá melhores condições de vida para o/a enfermo/a e
deve ser realizada em casos extremados, quando esta “aberração” não
consegue reverter-se por outros caminhos terapêuticos169.
Todo direito possui uma destinação. No decorrer dos últimos três séculos,
principalmente, esse destinatário passou de “homem” e “cidadão”, como na Declaração de
Direitos Francesa, até chegar ao ser humano, como na Declaração Universal de Direitos
Humanos.
Nessa passagem, entes específicos foram objeto de tutela das diversas Declarações e
Convenções, como a criança e o adolescente, o idoso, a mulher, o diferente funcional etc.
Com o advento da DUDH todo ser humano foi elevado à condição de pessoa garantidora de
direitos. Não somente, aqueles que eram considerados cidadãos de um determinado Estado.
Há de se observar, no entanto, que essa equiparação é eivada de questionamentos
ainda não pacificados pelas diversas vertentes da filosofia, a se pensar, por exemplo, o que é
um ser humano, ou o que seria uma pessoa, ou mais ainda: o que é uma pessoa humana? Esse
questionamento é fundamental para a discussão de direitos que são pleiteados, e que apesar de
suas razões - condição de ser humano - não são garantidos.
169
BENTO, Berenice. O que é Transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 67
Essa é uma indagação que percorre a filosofia desde a era pré-socrática, mas foi Kant
que trouxe a primeira definição de consistência. De acordo com o autor, a condição de pessoa
não se resume à estrutura de indivíduo por ser constituída de dois elementos: a) um corpo e b)
uma estrutura psíquica, que transcende a matéria. Essa estrutura psíquica é tratada por Kant
como algo que pertence à metafísica, algo imaterial, intocável, mas que constitui a pessoa.
Isso significa que a pessoa vai além da sua objetificação material e transcende até sua
personalidade, daí a ideia de que os direitos são destinados às pessoas.
Ora, se todo ser humano, ou toda pessoa tem direito à saúde - física ou psíquica -,
basta comprovar a qualidade de pessoa para que esse direito tenha legitimidade de ser
exercitado ou até mesmo postulado perante o Judiciário. O que não ocorre diante a
problemática da argumentação que aqui se persegue. Isso acontece porque existem alguns
direitos que possuem destinatários específicos, ou seja, que além de serem considerados
pessoas, sofrem de alguma vulnerabilidade. No situação trazida à baila. o/a destinatário/a é
inerente ao direito, e não o inverso.
O caminho que a dialética se reporta no presente trabalho, consiste na ideia de que o
direito em abstrato pode preexistir à pessoa, mas a sua materialização depende da existência,
da identificação e do reconhecimento dessa pessoa. Vale dizer, novamente com relação ao
direito à saúde: Toda pessoa humana tem direito à saúde. Mas, o direito a um determinado
remédio, ou tratamento, depende primeiro da existência desse medicamento ou deste
tratamento, e depois da identificação específica do/a destinatário/a que foi reconhecido/a
como detentor/a desse direito pelo Estado, seja mediante ato legislativo, seja mediante decisão
judicial concreta.
Assim, antes mesmo de submissão à cirurgia de readequação de sexo, o/a transexual
tem direito ao tratamento condizente com a sua necessidade, a fim de garantir as integridades
física e psíquica, seja por acompanhamento de profissional voltado às especificidades
terapêutica, endrócrina, clínica, cirúrgica, estética, assistencial etc.
Ainda, adentrando no campo da bioética, interroga-se: como são estabelecidos os
limites pela ciência no uso do corpo? No caso da transexualidade, o que passa a retratar a
verdade, o corpo originário ou o novo biótipo que surge após diversos procedimentos
cirúrgicos e tratamento hormonal? Existe uma posição coerente e uníssona no que diz respeito
à autonomia corporal, aliada à integridade física e psicológica, perante os direitos humanos?
Conforme nos relata Gonçalves, a bioética foi definida por Reich na primeira edição
da Encyclopedia of Bioethics, ganhando um conceito definitivo na segunda edição da obra,
em 1995, nos seguintes termos: “estudo sistemático das dimensões morais das ciências da
vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um contexto
multidisciplinar” 170.
Sustenta ainda Gonçalves, por si, que o enfoque bioético refere-se “à reflexão sobre a
transformação da vida, que se identifica nos tratamentos e na cirurgia voltados à
transformação do corpo do/a transexual” 171. Reflete também sobre o binômio saúde-doença,
levando em conta o sofrimento psíquico em um corpo saudável, acompanhado do desejo por
intervenções físicas de consideráveis proporções.
Por outro lado, Ventura chama-nos atenção para o conceito de biotecnociência tem
sido um motivo de preocupação, uma vez que, como um instrumento do poder político,
aparentemente de modo paradoxal, amplia as possibilidades de controle e restrições à
liberdade pessoal. Portanto,
170
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p.41.
171
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p.43.
172 VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 15
com isso, o acesso à saúde, o que transferiria ao usuário do serviço o custeio do tratamento.
No caso abaixo, o judiciário, por meio do ativismo judicial, amparado em direitos
fundamentais protetivos, deferiu o pleito autoral e garantiu à proteção à cidadania. Vejamos:
176
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2007/03/01/ult1766u20574.jhtm> Acesso em 13 dez.
2014.
patologias psiquiátricas 177 . O decreto, do Ministério da Saúde suprime a expressão
“transtornos precoces de identidade de gênero” de um artigo do código da Previdência Social
relativo a “patologias psiquiátricas de longa duração” 178.
O Tribunal de Cassação Francês, desde 1992, após a condenação do país pela Corte
Européia de Direitos Humanos, passou a admitir a mudança de nome e sexo no registro civil
com base no respeito à vida privada, consagrado no art. 8º da Convenção Europeia de Direitos
Humanos, embora com a exigência a submissão da pessoa à intervenção cirúrgica.
A Argentina aprovou no mês de maio de 2012 a Ley de Identidad de Género nº
26.743/12 que ultrapassa as raias da formalidade, garantindo a alteração dos documentos e
assentamentos civis de acordo com a “identidade de gênero auto percebida” além de autorizar
no sistema público de saúde intervenções cirúrgicas e tratamentos hormonais, se necessários.
A nova lei define identidade de gênero como a "vivência interna e individual tal como cada
pessoa a sente, que pode corresponder ou não ao sexo determinado no momento do
nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo".179
No Brasil, no entanto, não há qualquer dispositivo de Lei que cuide da Identidade de
Gênero, impulsionando os/as interessados/as ao Judiciário, havendo necessidade de se buscar
uma resposta com base nas convicções do julgador, além da submissão a perícias médicas e
psicológicas, em franco desrespeito à situação auto percebida, à autonomia individual e ao
direito de dispor do corpo do modo que lhe convier, não se privilegiando o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana.
Vieira esclarece-nos que no Brasil ainda não há uma lei ou norma que regulamente
expressamente o pedido intentado pelo/a transexual de alteração de gênero e prenome no
Registro Civil, visando à adequação identitária. Segundo a autora, a lei constitui uma base
segura para a sentença de acolhimento do pedido de adequação. No entanto, a ausência de
previsão legal não é suficiente para negativa dos pleitos e recusa aos avanços da Medicina e
da Psicanálise180.
177
MORENO, Yolanda B. Butos. La Transexualidade. Madri:Editorial Dykison. 2008. P. 165.
178
. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u693920.shtml> Acesso em
13 dez. 2014.
179
Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/congresso-da-argentina-aprova-lei-de-
identidade-de-genero.html> Acesso em 17 mar. 2015.
180
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no Registro Civil. São Paulo: Editora Revistas dos
Tribunais, 2008. p. 172-173
A Constituição Federal brasileira estabelece como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, no seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana. Ainda, ratificou o
direito ao nome como princípio básico em consonância com a ONU, na Declaração dos
Direitos da Criança, de 1959. Evidencia-se, portanto, que o nome é um dos direitos da
personalidade, conforme assim dispõe o Código Civil: “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao
nome, nela compreendidos o prenome e o sobrenome.”
A Lei de Registros Públicos - Lei n. 6.015/1973 autoriza a possibilidade de alteração
do nome, permitindo que qualquer pessoa possa requerê-la, até um ano após atingir a
maioridade, desde quando não prejudique os apelidos de família (art. 56), permitindo a
alteração do prenome, adequando-o por apelidos públicos (art. 58).
Tramita no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade,
intentada pela Procuradoria da República, "para que se dê ao art. 58 da Lei 6.015/73
interpretação conforme a Constituição, de modo a reconhecer aos transexuais, que assim
desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, o direito à substituição de
prenome e sexo no registro civil"181.
O pleito pretende que se reconheça aos/as transexuais, que assim o desejarem,
independentemente da cirurgia de transgenitalização, o direito à substituição de prenome e
sexo no registro civil.
Em relação aos que optarem pela não realização da cirurgia, devem também ser
observados os requisitos de: (a) idade superior a 18 anos; (b) que se encontrem há pelo menos
três anos sob a convicção de pertencer ao gênero oposto ao biológico, (c) tenham alta
probabilidade que não mais mudarão sua identidade de gênero. A partir disso, esses critérios
devem ser atestados por especialistas que avaliem aspectos clínicos, psicológicos e sociais,
mantendo-se ainda à submissão do transexual ao poder de uma equipe multidisciplinar.
Enquanto a Corte Maior não se pronuncia, nas palavras de Gonçalves, “a realidade
que se abre diante de tais considerações inspira a reflexão sobre a possibilidade de se
reconhecer a identidade de gênero independentemente da mudança física do sexo, no
pressuposto de que a melhor proteção jurídica, sob a ótica dos direitos humanos, é aquela que
realiza a igualdade da diferença” 182, sem deixar de olvidar a performatividade reiteradamente
aventada.
181
ADI 4275-1/600, distribuída em 21.07.2007.
182
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 217
Por meio da via legislativa - Projeto de Lei 5.002/2013 - busca-se a aprovação da Lei
de Identidade de Gênero183, “Lei João Nery”. João Nery foi o primeiro transexual masculino a
ser operado no Brasil. Relata a sua história na autobiografia intitulada “Viagem Solitária”
(2011), cuja trajetória narra a reinvenção de um indivíduo para achar o seu lugar ao mundo.
O Projeto de Lei tem por objetivo alterar o art. 58 da Lei 6.015/1973, garantindo o
reconhecimento da identidade de gênero, o livre desenvolvimento da pessoa conforme a
identidade de gênero e, por fim, concedendo um tratamento de acordo com sua identidade de
gênero.
Dentre as muitas justificativas aventadas no Projeto de Lei, transcrevemos:
A identidade de gênero passará, então, a ser compreendida por meio do novo texto
legal, da seguinte maneira: “Artigo 2º - Entende-se por identidade de gênero a vivência
interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não
com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo. Parágrafo
único: O exercício do direito à identidade de gênero pode envolver a modificação da
aparência ou da função corporal através de meios farmacológicos, cirúrgicos ou de outra
índole, desde que isso seja livremente escolhido, e outras expressões de gênero, inclusive
vestimenta, modo de fala e maneirismos”.
A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Comissão Especial de Diversidade
Sexual, elaborou um Anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual, que reconhece para os/as
transexuais livre expressão da identidade de gênero. Portanto, no Capítulo VII, além do
reconhecimento da identidade de gênero, outros direitos protetivos restam estabelecidos, a
saber:
VII - DIREITO À IDENTIDADE DE GÊNERO
Art. 33 - Transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais têm direito à
livre expressão de sua identidade de gênero.
183
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1059446.pdf
Art. 34 - É indispensável a capacitação em recursos humanos dos
profissionais da área de saúde para acolher transexuais, travestis,
transgêneros e intersexuais em suas necessidades e especificidades.
Art. 35 - É assegurado acesso aos procedimentos médicos, cirúrgicos e
psicológicos destinados à adequação do sexo morfológico à identidade de
gênero.
Parágrafo único - É garantida a realização dos procedimentos de
hormonoterapia e transgenitalização particular ou pelo Sistema Único de
Saúde – SUS.
Art. 36 - Não havendo risco à própria vida, é vedada a realização de
qualquer intervenção médico-cirúrgica de caráter irreversível para a
determinação de gênero, em recém-nascidos e crianças diagnosticados como
intersexuais.
Art. 37 - Havendo indicação terapêutica por equipe médica e
multidisciplinar de hormonoterapia e de procedimentos complementares
não-cirúrgicos, a adequação à identidade de gênero poderá iniciar-se a partir
dos 14 anos de idade.
Art. 38 - As cirurgias de redesignação sexual podem ser realizadas somente
a partir dos 18 anos de idade.
Art. 39 - É reconhecido aos transexuais, travestis e intersexuais o direito à
retificação do nome e da identidade sexual, para adequá-los à sua identidade
psíquica e social, independentemente de realização da cirurgia de
transgenitalização.
Art. 40 - A sentença de alteração do nome e sexo dos transexuais, travestis e
intersexuais será averbada no Livro de Registro Civil de Pessoas Naturais.
Parágrafo único - Nas certidões não podem constar quaisquer referências à
mudança levada a efeito, a não ser a requerimento da parte ou por
determinação judicial.
Art. 41 - Quando houver alteração de nome ou sexo decorrente de decisão
judicial é assegurada a retificação em todos os outros registros e
documentos, sem qualquer referência à causa da mudança.
Art. 42 - O alistamento militar de transexuais, travestis e intersexuais
ocorrerá em data especial e de forma reservada, mediante simples
requerimento encaminhado à Junta do Serviço Militar.
Art. 43 - Será concedido ou cancelado o Certificado de Alistamento Militar
– CAM, mediante a apresentação do mandado de averbação expedido ao
Registro Civil.
Art. 44 - É garantido aos transexuais, travestis e intersexuais que possuam
identidade de gênero distinta do sexo morfológico o direito ao nome social,
pelo qual são reconhecidos e identificados em sua comunidade:
I – em todos os órgãos públicos da administração direta e indireta, na esfera
federal, estadual, distrital e municipal;
II – em fichas cadastrais, formulários, prontuários, entre outros documentos
do serviço público em geral;
III – nos registros acadêmicos das escolas de ensino fundamental, médio e
superior.
Art. 45 - Em todos os espaços públicos e abertos ao público é assegurado o
uso das dependências e instalações correspondentes à identidade de gênero.
184
<http://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/28/politica/1440778259_469516.html> Acesso em: 03.01.2016.
alterado no assentamento civil de nascimento, têm que interpor ação judicial de interesse
voluntário.
O caso concreto mais emblemático que se teve notícia no país foi o da transexual
Roberta Close, porquanto, após se submeter à cirurgia de adequação de sexo no ano de 1989,
obteve êxito definitivo no dia 04 e março de 2005, após um longo périplo pelas vias
judiciais185.
Ao longo do tempo, desde então, os tribunais têm sido instados a decidirem com
maior frequência acerca do reconhecimento da identidade de gênero, unas ações precedidas
da realização da cirurgia de alteração de sexo, outras amparadas tão somente na identidade de
gênero, sem qualquer intervenção cirúrgica anterior que venha balizar o pedido.
Eis como têm se pronunciado nossos tribunais, de Estados da Federação diversos, a
título meramente exemplificativo, conforme ementas abaixo transcritas:
185
Para maiores detalhes recomenda-se a leitura do artigo A transexualidade no Passado e o Caso Roberta
Close. In VIEIRA, Tereza R.; PAIVA, Luiz Airton S. de. A transexualidade no Passado e o Caso Roberta
Close. São Paulo: Roca, 2009. p. 1-11.
conformação das características e anatomia ao sexo psicológico. Portanto,
tendo em vista que o sexo psicológico é aquele que dirige o comportamento
social externo do indivíduo e considerando que o requerente se sente mulher
sob o ponto de vista psíquico, procedendo como se do sexo feminino fosse
perante a sociedade, não há qualquer motivo para se negar a pretendida
alteração registral pleiteada. A sentença, portanto, merece ser reformada para
determinar a retificação no assento de nascimento do apelante para que passe
a constar como "PN". Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP, AC
0013934-31.2011.8.26.0037, 10ª C. Dir. Priv., Rel. Carlos Alberto Garbi, p.
23/09/2014).
186
JURISPRUDÊNCIAS. Direito Homoafetivo:
<http://www.direitohomoafetivo.com.br/jurisprudencia.php?a=26&s=68#t> Acesso em: 20.01.2016.
inclusive com depoimento da parte interessada e oitiva de testemunhas, o autos foram
conclusos ao julgamento.
No entanto, a fim de formar o convencimento, o juízo requisitou informações sobre a
realização do procedimento cirúrgico, obtendo como resposta que a requente se encontrava
preparada para submissão à cirurgia.
Considerando a ausência de data precisa para designação da cirurgia, o Juízo
prolatou decisão, aguardando ad infinitum a realização a cirurgia de transgenitalização. Não
resignada com tal decisão, a autora promoveu a interposição de recurso próprio, Agravo de
Instrumento, visando obter reforma do despacho judicial e, por conseguinte, que o julgador
fosse obrigado a decidir a causa.
Após a decisão do incidente, o julgador de segundo grau em decisão monocrática,
determinou que o feito tivesse prosseguimento e, por conseguinte, fosse apreciado a questão
de fundo, ou seja, a retificação do nome e sexo no registro de nascimento da autora.
O pedido foi julgado improcedente na data de 24 de maio de 2012, sob o fundamento
de que a autora ainda não havia sido submetida ao procedimento de adequação de sexo, não
obstante fosse conhecida de forma pública e notória sob o prenome feminino e intimamente
auto percebida como do sexo oposto ao que fora lançado no assento de registro civil.
Foi interposto Recurso de Apelação pela parte autora, requerendo reforma da
sentença no sentido de que fosse deferido o pleito inicial. Enquanto isso, o Ministério Público
Estadual, igualmente, promoveu a interposição de Recurso de Apelação, visando tão somente
à modificação do nome nos livros de registro, pouco levando em conta quanto ao
constrangimento que se perpetuaria perante a incongruência entre o nome e o sexo constantes
em seu registro.
Finalmente, aos 30 de outubro de 2012, foi proferido acórdão com provimento total
ao recurso da autora, autorizando a mudança no registro civil quanto ao nome e ao sexo, sob o
fundamento que:
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O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30
de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,
CONSIDERANDO a competência normativa conferida pelo artigo 2º da Resolução CFM nº
1.246/88, combinado ao artigo 2º da Lei nº 3.268/57, que tratam, respectivamente, da
expedição de resoluções que complementem o Código de Ética Médica e do zelo pertinente à
fiscalização e disciplina do ato médico;
CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de
identidade sexual, com rejeição do fenotipo e tendência à auto mutilação e ou auto-
extermínio;
CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva da genitália
externa, interna e caracteres sexuais secundários não constitui crime de mutilação previsto no
artigo 129 do Código Penal, visto que tem o propósito terapêutico específico de adequar a
genitália ao sexo psíquico;
CONSIDERANDO a viabilidade técnica para as cirurgias de neocolpovulvoplastia e ou
neofaloplastia;
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 199 da Constituição Federal, parágrafo quarto, que
trata da remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa mais
importante no tratamento de transexualismo;
CONSIDERANDO que o artigo 42 do Código de Ética Médica veda os procedimentos
médicos proibidos em lei, e não há lei que defina a transformação terapêutica da genitália in
anima nobili como crime;
CONSIDERANDO que o espírito de licitude ética pretendido visa fomentar o
aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimular a pesquisa cirúrgica de
transformação da genitália e aprimorar os critérios de seleção;
CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução CNS nº 196/96;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária de 10 de setembro de 1997,
RESOLVE:
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30
de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 199 da Constituição Federal, parágrafo quarto, que
trata da remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa mais
importante no tratamento de pacientes com transexualismo;
RESOLVE:
Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação
de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista,
psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios abaixo definidos, após, no mínimo, dois
anos de acompanhamento conjunto:
1. Diagnóstico médico de transgenitalismo;
2. Maior de 21 (vinte e um) anos;
3. Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.
Art. 5º Que as cirurgias para adequação do fenótipo feminino para masculino só poderão ser
praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados para a pesquisa.
Art. 6º Que as cirurgias para adequação do fenótipo masculino para feminino poderão ser
praticadas em hospitais públicos ou privados, independente da atividade de pesquisa.
Parágrafo 1º - O Corpo Clínico destes hospitais, registrado no Conselho Regional de
Medicina, deve ter em sua constituição os profissionais previstos na equipe citada no artigo
4º, aos quais caberá o diagnóstico e a indicação terapêutica.
Parágrafo 2º - As equipes devem ser previstas no regimento interno dos hospitais, inclusive
contando com chefe, obedecendo os critérios regimentais para a ocupação do cargo.
Parágrafo 3º - A qualquer ocasião, a falta de um dos membros da equipe ensejará a
paralisação de permissão para a execução dos tratamentos.
Parágrafo 4º - Os hospitais deverão ter Comissão Ética constituída e funcionando dentro do
previsto na legislação pertinente.
Art. 8º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução
CFM nº 1.482/97.
Ministério da Saúde
Secretaria de Atenção à Saúde
Ministério da Saúde
Gabinete do Ministro
2251 Médico
33 psiquiatra
Médico
2251
Endocrinolo
55
gista
2252 Médico
85 Urologista
2516 Assistente
05 Social
4 2252 Médico
85 Urologista
Médico
2252
ginecologist
50
a obstetra
2252 Médico
35 Cirurgião
Plástico
2235
05 Enfermeiro
2515
Psicólogo
10
Médico
2251 Endocrinolo
55 gista
2516 Assistente
05 Social
Art. 14. Ficam incluídos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS os
procedimentos a seguir:
03.01.13.004-3 - Acompanhamento do usuário(a) no processo
Procedimento:
transexualizador exclusivo nas etapas do pré e pós-operatório
Modalidade: 01 - Ambulatorial
Instrumento de
Registro: 02 - BPA-I (Individualizado)
Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Sexo: Ambos
Valor Ambulatorial
SA: R$ 39,38
Valor Ambulatorial
Total: R$ 39,38
Valor Hospitalar SP: R$ 0,00
Valor Hospitalar
Total: R$0,00
Quantidade Máxima: 02
CID: F64.0
Valor Ambulatorial
SA: R$ 50,00
Sexo: Ambos
Quantidade Máxima: 01
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
Registro: 03 - AIH (Proc. Principal)
Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Hospitalar
R$ 528,06
SP:
Valor Hospitalar
R$ 760,22
SH:
Valor Hospitalar
Total: R$ 1288,28
Sexo: Masculino
Quantidade
01
Máxima:
Média
8
Permanência:
Pontos: 270
Especialidade do
Leito: 01 - Cirúrgico
CID: F64.0
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
Registro: 03 - AIH (Proc. Principal)
Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Hospitalar
SH: R$ 181,88
Valor Hospitalar
Total: R$ 418,48
Atributo
001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Complementar:
Sexo: Masculino
Quantidade
01
Máxima:
Media
01
Permanência:
Pontos: 270
Especialidade do
01 - Cirúrgico
Leito:
CID: F64.0
Instrumento de
02 - BPA-I (individualizado)
Registro:
Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Ambulatorial
SA: R$ 65,52
Valor Ambulatorial
R$ 65,52
Total:
Sexo: Masculino
Quantidade Máxima: 01
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor Hospitalar R$ 284,93
SP:
Valor Hospitalar
SH: R$ 524,96
Valor Hospitalar
Total: R$ 809,89
Atributo
Complementar: 001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Sexo: feminino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade
01
Máxima:
Media
03
Permanência:
Pontos: 250
Especialidade do
01 - Cirúrgico
Leito:
CBO: 225235, 225250, 225255
CID: F64.0
153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Serviço / Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento pré e pós-
Classificação: operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.03 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós
Habilitação: - operatório.
IDENTIDAD DE GÉNERO
Ley 26.743
Toda pessoa tem o direito ao padrão mais alto alcançável de saúde física e mental, sem
discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero. A saúde sexual e
reprodutiva é um aspecto fundamental desse direito.
Os Estados deverão:
a) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para
assegurar o gozo do direito ao mais alto padrão alcançável de saúde, sem discriminação por
motivo de orientação sexual ou identidade de gênero;
b) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para
garantir que todas as pessoas tenham acesso às instalações, bens e serviços de atendimento à
saúde, inclusive à saúde sexual e reprodutiva, e acesso a seu próprio histórico médico, sem
discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero;
c) Assegurar que as instalações, bens e serviços de atendimento à saúde sejam planejados para
melhorar o status de saúde e atender às necessidades de todas as pessoas, sem discriminação
por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero, mas levando em conta essas
características, e que os registros médicos relacionados a isso sejam tratados de forma
confidencial;
d) Desenvolver e implementar programas para enfrentar a discriminação, preconceito e outros
fatores sociais que solapam a saúde das pessoas por efeito de sua orientação sexual ou
identidade de gênero;
e) Assegurar que todas as pessoas sejam informadas e empoderadas para tomarem suas
próprias decisões no que diz respeito ao atendimento e tratamento médicos, com
consentimento realmente baseado em informações confi áveis, sem discriminação por motivo
de orientação sexual ou identidade de gênero;
f) Garantir que todos os programas e serviços de saúde sexual e reprodutiva, educação,
prevenção, atendimento e tratamento respeitem a diversidade de orientações sexuais e
identidades de gênero, estando igualmente disponíveis para todas as pessoas, sem
discriminação;
g) Facilitar o acesso daquelas pessoas que estão buscando modificações corporais
relacionadas à redesignação de sexo/gênero, ao atendimento, tratamento e apoio competentes
e não discriminatórios;
h) Assegurar que todos os provedores de serviços de saúde tratem os/as clientes e seus
parceiros ou parceiras sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de
gênero, inclusive no que diz respeito ao reconhecimento de parceiros e parceiras como
parentes mais próximos;
i) Adotar políticas e programas de educação e treinamento necessários para capacitar as
pessoas que trabalham nos serviços de saúde a proverem o mais alto padrão alcançável de
atenção à saúde a todas as pessoas, com pleno respeito à orientação sexual e identidade de
gênero de cada uma.
Princípio 18: PROTEÇÃO CONTRA ABUSOS MÉDICOS