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UNIVERSIDADE TIRADENTES

DIRETORIA DE PESQUISA E EXTENSÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

Thenisson Santana Dória

ESPELHO, ESPELHO MEU: QUEM SOU EU?


A TRANSEXUALIDADE E OS DESAFIOS PARA O
RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO
BRASIL

ARACAJU
2016
ESPELHO, ESPELHO MEU: QUEM SOU EU?
A TRANSEXUALIDADE E OS DESAFIOS PARA O
RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO
BRASIL

Thenisson Santana Dória

Dissertação apresentada como requisito para


obtenção do título de mestre no Programa de
Pós-graduação em Direito (Mestrado em Direitos
Humanos) linha de pesquisa Direitos Humanos na
Sociedade. Universidade Tiradentes.

ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª VERÔNICA TEIXEIRA MARQUES

ARACAJU
2016
ESPELHO, ESPELHO MEU: QUEM SOU EU?
A TRANSEXUALIDADE E OS DESAFIOS PARA O
RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO
BRASIL

Thenisson Santana Dória

Dissertação apresentada como requisito para


obtenção do título de mestre no Programa de
Pós-graduação em Direito (Mestrado em Direitos
Humanos) linha de pesquisa linha de pesquisa
Direitos Humanos na Sociedade. Universidade
Tiradentes.

APROVADO EM: ____/ _____/ ______.

BANCA EXAMINADORA:

Profª. Drª Verônica Teixeira Marques (Orientadora) - UNIT/SE

Profª. Drª Claudiene Santos (Titular externo) – UFS/SE

Profª. Drª Gabriela Maia Rebouças (Titular interno) - UNIT/SE

ARACAJU
2016
Dória, Thenisson Santana
D696e Espelho, espelho meu: quem sou? a transexualidade e os desafios para
o reconhecimento da identidade de gênero no brasil . / Thenisson Santana
Dória ; orientação [de] Profª. Drª. Verônica Teixeira Marques – Aracaju:
UNIT, 2017.

129 p. il.: 30cm

Inclui bibliografia.
Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos)

1.Transexualidade. 2. Identidade de gênero. 3. Adequação de sexo. 4.


Alteração do registro civil. 5. Direitos humanos. I. Marques, Verônica
Teixeira. II. Universidade Tiradentes. III. Título.

CDU: 347.156(81)
Nenhum grau de repressão vai mudar a natureza das coisas.
Destratar uma pessoa por ser transexual é a mesma coisa por
discriminar alguém por ser negro, judeu, índio, ou ser gay.

Ministro Luís Roberto Barroso


Esta pesquisa é carinhosamente dedicada à Adriana Lohanna
“Fashion” dos Santos que, diariamente e generosamente, me ensina
como se (re)inventa a identidade de gênero.
AGRADECIMENTOS

Obrigado à minha mãe, Maria da Conceição, pela delicadeza em preparar a cada


manhã o alimento e, silenciosamente, me ensinar o real significado da palavra amor. À
Loinha, o meu sempre bem querer, musa clássica da sétima arte, que me inspira à literatura, à
música e aos sonhos, reais e cinematográficos.

À Prof.ª Dr.ª Verônica Marques, “Vero”, obrigado por me guiar pela pesquisa com
zelo, competência e exemplar dedicação. Agradeço, em especial, pela paciência com que
invariavelmente me ajudou nos dias de incerteza e demasiado desconhecimento dos meandros
acadêmicos. Quanta honraria tê-la como orientadora!

Agradeço à Coordenadora do Programa do Mestrado em Direitos Humanos da


UNIT, Prof.ª Dr.ª Liziane Paixão, a perfeita tradução das palavras “elegância e refinamento”,
aliada ao pleno domínio do conhecimento.

Ao Prof. Dr. David Sánchez Rubio e sua esposa Pilar, obrigado pela delicadeza e o
gesto sempre fraternal e solidário. Vocês são o melhore exemplo a se seguir!

À Prof.ª Dr.ª Claudiene Santos, obrigado pela participação na banca examinadora e,


em especial, pela colaboração no engrandecimento do trabalho.

Aos demais professores do programa mestrado em Direitos Humanos, meu especial


apreço e agradecimento: Waldimeiry Correa, Karyna Sposato, Leslie Shérida Ferraz, Luis
Gustavo Grandinetti, Gabriela Rebouças e Ilzver Matos.

Aos meus queridos parceiros de sala de aula, o meu carinhoso agradecimento por
reavivar as melhores recordações. Obrigado à Manuella Vergne, doce e sempre cúmplice
Manu, meu anjo da guarda, por repartir o sentimento de alegria e vibração positiva em todos
os momentos, isto desde que éramos “especiais”; ao Afonso Oliva, pela presença sempre
amiga nos dias de incomparável desespero cibernético; à Marta Franco, pela cumplicidade em
estabelecer uma conexão, onde em alguns momentos o olhar dispensava as palavras; ao
Vilobaldo Neto, pessoa de grandioso coração; à Adriana Caetano, Caio Dória e Lídia Anjos,
só nós sabemos das memoráveis e inesquecíveis tardes de aprendizagem, chá e guloseimas.

Ao meu sócio, Dr. Júlio Carrera Correia, o meu muito obrigado. À equipe do
escritório de advocacia Dória e Carrera Advogados Associados: Emille, Isleide, Mônica,
Raquel e Vinícius, obrigado pelo apoio e empenho quando não pude me fazer presente.

Aos estimados parceiros de todas as horas, de ontem e sempre, Ana Simei, José
Roberto, Cinthia, Henri Clay, Rosa Helena, Lenora, Marta, Meire, Vilma, Rosane, Cesar
Britto, Marluce e Fábio Túlio, obrigado pelos afagos, aconchego e sinais de alerta em todos os
momentos da vida.

À Zelma e Lucivânia, o meu carinho e sincero agradecimento quando das boas


vindas.
RESUMO

A definição sexual da pessoa humana não está atrelada ao sexo, caso seja compreendida
somente nos aspectos anatômico e fisiológico, porquanto o gênero, ao ser concebido sob o
prisma psicológico e cultural, pode possibilitar um redimensionamento da natureza humana.
Nessa perspectiva de amplitude de compreensão da natureza humana, a transexualidade é
retratada como a identificação com o gênero oposto ao sexo que fora naturalmente concebido,
gerando, a partir disso, um conflito íntimo, enquanto na esfera social brasileira, tem-se um
quadro histórico onde se retrata preconceito e discriminação aos transexuais. Por tais razões,
partindo da experiência íntima e conflituosa entre sexo e gênero, as dificuldades de adequação
no âmbito social e os desafios suportados tanto na esfera clínica, com as intervenções
realizadas no corpo e a necessidade de alteração do nome e sexo no assento de registro civil, é
que se propõe a presente pesquisa, a fim de justificar o reconhecimento da identidade de
gênero, e os seus efeitos decorrentes no âmbito jurídico e legal, com todos os desafios
existentes, à luz dos direitos humanos, da justiça e dos princípios da autonomia pessoal e da
dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Transexualidade. Identidade de Gênero. Adequação de Sexo. Alteração


do Registro Civil. Direitos Humanos.
ABSTRACT

The sexual definition of the human person is not tied to sex if it is understood only in the
anatomical and physiological aspects, since gender, when conceived under the psychological
and cultural prism, can enable a resizing of human nature. In this perspective of
comprehension of human nature, transsexuality is portrayed as the identification with the
gender opposite to the sex that was naturally conceived, generating, from this, an intimate
conflict, while in the Brazilian social sphere, there is a historical picture Where prejudice and
discrimination are portrayed to transsexuals. For these reasons, starting from the intimate and
conflicting experience between sex and gender, the difficulties of adequacy in the social scope
and the challenges supported in the clinical sphere, with the interventions performed in the
body and the need to change the name and sex in the registration seat Civil society, is that this
research is proposed in order to justify the recognition of gender identity and its legal and
legal effects, with all the existing challenges, in the light of human rights, justice and the
principles of Autonomy and dignity of the human person.

Keywords: Transsexuality. Gender identity. Adequacy of Sex. Amendment of the Civil


Registry. Human Rights.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CFM....................= Conselho Federal de Medicina;

CID.....................= Código Internacional de Doenças;

DUDH................= Declaração Universal dos Direitos Humanos;

GM/MS ou MS...= Gabinete do Ministro/Ministério da Saúde ou Ministério da Saúde;

HBIGDA............= Harry Benjamin International Gender Dysphoria Association;

LGBTI................= Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais;

OMS...................= Organização Mundial da Saúde;

TIG.....................= Transtorno de Identidade de Gênero;

Trans..................= Pessoas que se declaram em situações de trânsito identitário de gênero;

UFS...................= Uniersidade Federal de Sergipe

UNIT.................= Universidade Tiradentes.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................................12

2 SEXUALIDADE, SEXO E GÊNERO..........................................................................................16


2.1 A Etiologia da Transexualidade................................................................................................30
2.2 A Construção Identitária: Espelho, espelho meu: Quem sou eu?.............................................36
2.3 Transtorno de Identidade de Gênero e Despatologização.........................................................44
2.4 A Cirurgia de Adequação de Sexo ...........................................................................................46

3 A TRANSEXUALIDADE À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS.............................................51


3.1 Princípio da Autonomia Individual..........................................................................................52
3.2 Princípios da Universabilidade e Não Discriminação..............................................................53
3.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana..............................................................................57
3.4 Direito ao Próprio Corpo..........................................................................................................61
3.5 Direito à Saúde e a Bioética.....................................................................................................65

4 ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE..........................................................................71
4.1 Identidade de Gênero e o Direito.............................................................................................73
4.2 Alteração de Nome e Sexo no Registro Civil: Ativismo Judicial............................................78
4.2.1 Um nome para quem precisa........................................................................................81

5 CONCLUSÕES..............................................................................................................................84

REFERÊNCIAS...............................................................................................................................88

ANEXOS. PADRÕES DE NORMATIZAÇÃO DA TRANSEXUALIDADE............................93

ANEXO 1 - RESOLUÇÃO CFM nº 1.482 /1997.............................................................................94


ANEXO 2 - RESOLUÇÃO CFM nº 1.652/2002..............................................................................96
ANEXO 3 - RESOLUÇÃO CFM nº 1.955/2010..............................................................................99
ANEXO 4 - PORTARIA Nº 457, DE 19 DE AGOSTO DE 2008..................................................101
ANEXO 5 - PORTARIA Nº 2.803, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2013........................................106
ANEXO 6 - LEY DE IDENTIDAD DE GÉNERO Nº 26.743/2012..............................................122
ANEXO 7 - PROJETO DE LEI 5.002/2013 (LEI JOÃO NERY)..................................................125
ANEXO 8 - PRINCÍPIOS DE YOGIOKARTA PROTETIVOS DA SAÚDE..............................128
1 INTRODUÇÃO

Frágil fluidez, vulnerabilidade, carência do ser humano e a conexão entrecortada por


megabytes parecem dominar, nos dias atuais, o cenário das relações humanas. O envio de
mensagens virtuais e imagens instantâneas tem assumido um papel central, sendo considerado
algo coadjuvante a vivência “na vida real” entre os indivíduos. Vive-se um tempo veloz e de
intensa transformação, uma permuta continuada de papéis e trânsito entre gêneros. O ser
humano paira entre o embate da solidez e um estado líquido, sem que o estado das coisas e,
por conseguinte, da natureza humana, possibilite uma condensação plena.
Aliado a tudo isso, há o consumo desenfreado. O descarte do ser humano é refletido
nas relações de emprego, na escala de produção industrial, na atuação social e profissional, e
do mesmo modo, na sexualidade. O prazer virtual pode ser isolado, a partir da construção ou
até mesmo desconstrução de fantasias; em parceria, através de um consentimento mútuo. Tem
ganhado no século atual uma ressonância e preponderância às conexões amorosas reais, ainda
que estas possam guardar uma gama de sentimentos e sensações, tais como dor, apreensão,
medo, alegria, gozo.
No campo da sexualidade, na esfera íntima, também há exercício de poder, que pode
ser socialmente exercitado ou camuflado, trazido à ribalta, o holofote social, de modo
enviesado, inclusive. O sexo, que pode ser compreendido em diferentes aspectos, serve,
notadamente, como parâmetro a distinguir e a classificar a natureza humana em macho ou
fêmea, masculino ou feminino.
A compleição física tem preponderado sob outros aspectos que podem individualizar
um ser humano, tanto na seara sexual quanto social, sendo esta a razão que nos levou a
elaboração do presente trabalho, partindo da necessidade de identificação de seres humanos –
os/as transexuais – que não se moldam ao padrão e suportam um tratamento desigual no
exercício da cidadania, além dos desafios que enfrentam pela reivindicação de
reconhecimento da identidade de gênero e, toda gama de consequência que daí decorre.
O entendimento do sexo encontra-se intimamente ligado às ciências biológicas,
amparado na formação binária e na dicotomia homem/mulher a fim de justificar a identidade
sexual. No entanto, sob outro prisma, esta mesma identidade sexual pode tomar compreensão
diversa, partindo do entendimento do que venha a ser gênero, sob os aspectos psicológicos e
culturais, de cada época, e de determinada sociedade.
Muito embora a heterossexualidade, enquanto manifestação da sexualidade seja
tomada como modelo predominante e alçada ao padrão de normalidade, no nosso tempo
outras variações são amplamente legitimadas, apesar de estarem inseridas como minorias nas
siglas LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis e Intersexuais). Segundo
Goldim, Bordas e Raymundo “A Organização Mundial de Saúde 1 define transexualismo
como um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto, em decorrência,
geralmente, de um sentimento de mal-estar ou de inadaptação em relação a seu próprio sexo
anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento
hormonal a fim de adequar o seu corpo tanto quanto possível ao sexo desejado” 2.
Em artigos e resumos anteriormente elaborados, a vivência transexual e os desafios
suportados para construção de uma identidade sexual foram enfrentados em escalas
específicas. Inicialmente, no contexto da educação, nos últimos anos, delineou-se a
necessidade do respeito à dignidade da pessoa humana, reconhecimento de direitos ao
indivíduo transexual, isto além da inclusão do nome social nos registros escolares3. No campo
jurídico, o ativismo judicial foi ressaltado quando uma decisão inédita no Estado de Sergipe
autorizou a alteração do registro civil quanto ao nome e o sexo, sem que a parte autora tenha
se submetido ao procedimento cirúrgico de adequação de sexo4.
Decorre a necessidade do realinhamento da condição sexual de uma vontade própria
ou por ser considerado um transtorno de identidade de gênero? Caso a Organização Mundial
de Saúde (OMS) retire a transexualidade do rol de doenças patológicas 5 o Estado se eximirá
de proporcionar recursos à realização dos procedimentos cirúrgicos? E, finalmente, no
aspecto filosófico, questionou-se se a transexualidade não se configura um paradoxo em si por
personificar no mesmo elemento corpóreo a ambiguidade entre as figuras masculinas e

1
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Transtornos mentais e
comportamentais. CID -10. OPAS/OMS (Organização Panamericana da Saúde/Organização Mundial de Saúde).
Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde. São Paulo: EDUSP, 2000, p. 358.
2
GOLDIM, José Roberto, Bordas, Francis C., RAYMUNDO, Marcia M. Aspectos Bioéticos e Jurídicos do
Transexualismo. In Bioética e Sexualidade. Org. Tereza Rodrigues Vieira. São Paulo: Editora Jurídica
Brasileira, 2004. p. 100.
3
DÓRIA e MARQUES. Sexualidade e Gênero trans: Muito além da inclusão do nome social nos registros
acadêmicos. In: VIII Colóquio Internacional 'Educação e Contemporaneidade', 2014, São Cristóvão. Anais do
VIII Colóquio Internacional. São Cristóvão: EDUCON, 2014. v. 1. p. 1-9.
4
DÓRIA, Thenisson S. Construção da Identidade de Gênero a partir do Ativismo Judicial Sergipano.
Apresentação de trabalho no CONADI, Grupo de Trabalho Sobre Direitos Humanos, 2013.
5
DÓRIA, Thenisson S.; MARQUES, Verônica T.. A Tansexualidade na Atualidade: Direito à Identidade de
Gênero e os Desafios da Despatologização. Sempesq, n. 16, 2014.
femininas, além do ideário de felicidade a ser alcançado frente a uma pureza originariamente
impositiva6.
A presente investigação busca indagar, inicialmente, quem é o/a transexual e a gama
de subjetividades que o/a envolve. Como é exercitada a liberdade de expressão e a pluralidade
da sexualidade dentro do direito da personalidade? Além disso, como ocorre a construção do
processo identitário e a autonomia do corpo, com ou sem a realização da cirurgia de
readequação de sexo? Sob qual circunstância, e possibilidade jurídica e legal, pode ocorrer a
alteração de prenome e gênero no assentamento de registro civil para o/a transexual?
Aprofundando as indagações, pode se considerar que a problematização reside nas
seguintes vertentes: i. Como pode ser considerado o fenômeno da transexualidade, mero
capricho passageiro ou um distúrbio biológico e/ou psíquico? ii. Quais são os desafios
enfrentados por um indivíduo transexual que "molda" o corpo à necessidade de
reconhecimento íntimo e social? iii. Como a legislação se posiciona no sentido de assegurar
proteção aos indivíduos que transitam entre gêneros? iv. A retificação do registro civil do/a
transexual está condicionada à intervenção cirúrgica de adequação de sexo? Qual é o papel do
poder judiciário nessa circunstância?
Trazer o tema à baila, pela via acadêmica, no curso de Direitos Humanos da
Universidade Tiradentes (UNIT), impõe-se de modo obrigatório, seja pela necessidade de
uma reflexão, viabilizando uma interlocução interdisciplinar com a academia nas esferas
sociológica, filosófica, antropológica, clínica e, em especial, contribuir para que no âmbito
legal e das decisões judiciais tenhamos assegurado o direito de escolha e individualização
do/a transexual longe do preconceito, discriminação ou marginalização, sem olvidar da
necessidade da proteção estatal em respeito à dignidade da pessoa humana.
O trabalho foi estruturado em três capítulos que compõem o seu desenvolvimento,
tendo como mote o que fora aventado alhures. Tem-se a esperança de que o trabalho
apresentado não tenha sido construído em vão e que tampouco a discussão se esvaia,
notadamente pela especificidade e complexidade inerentes ao tema.
O primeiro capítulo retrata a compreensão bibliográfica da Sexualidade, Sexo e
Gênero, com um entendimento que prioriza a diversidade, sem que se proponha ser definitiva.
Tem por objeto específico a transexualidade e o processo de construção identitária, sob a

6
DÓRIA, Thenisson S.; MARQUES, Verônica T.. Transexualidade: Paradoxo em si mesmo, reconhecimento
da identidade de gênero e a busca da felicidade. Biodireito. XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI –
UFS, Aracaju/SE, 2015, p. 568-584.
gama de subjetividades inerentes à natureza humana. Sob o âmbito das distorções que cercam
a transexualidade, o transtorno de identidade de gênero e a necessidade de despatologização
da transexualidade, para se chegar, finalmente, ao procedimento de intervenções no corpo e as
consequências jurídicas decorrentes do procedimento cirúrgico de readequação sexual.
O segundo capítulo cuida da Proteção da Transexualidade à Luz dos Direitos
Humanos, sob a ótica da bioética, direito ao corpo, liberdade de expressão, imagem,
princípios da autonomia da vontade individual e da dignidade da pessoa humana. O terceiro
capítulo lança-se a discorrer acerca dos Atributos da Personalidade, identidade de gênero e o
Direito, com foco na ótica jurídica e legal e pinceladas sobre decisão emblemática que
inaugurou no estado de Sergipe, por meio do ativismo judicial, uma nova jurisprudência
quanto ao entendimento de alteração de sexo e nome no assentamento de registro civil, com
base na identidade de gênero e no princípio da dignidade da pessoa humana. Outras decisões
judiciais são apresentadas, a fim de se ter um quadro, ainda que não conclusivo, de como o
judiciário vem enfrentando a matéria, além de apontar os desafios que persistem no Brasil
para reconhecimento e afirmação da identidade de gênero, sem deixar de considerar a
completa ausência de uma legislação específica protetora dos direitos dos/as transexuais.
As questões que nos propomos debater guardam em si uma interlocução dentro dos
desafios suportados para que a identidade de gênero seja amplamente reconhecida, tanto na
esfera social quanto legal. Não se pretende perder de vista o ciclo pendular da vida, de idas e
vindas, tampouco estagnar sob uma conclusão estática, ao contrário, o intento maior é retratar
as múltiplas possibilidades da transexualidade a partir da auto identificação, com ou sem a
realização do procedimento cirúrgico transgenitalizador, repercutindo na dignidade da pessoa
humana e efetividade dos direitos fundamentais.
A metodologia adotada parte de um trabalho analítico, inspirado na dialética, que
considera as múltiplas determinações de ordem macro e micro do direito da personalidade,
com ênfase na esfera transexual, no percurso em espiral: tese, antítese e síntese.
Nessa perspectiva, trata-se de pesquisa acadêmica bibliográfica, uma vez que incidirá
sobre material já elaborado, contemplando livros e artigos voltados à temática transexual.
Um estudo de documentos como leis e repositórios de jurisprudência, enveredando,
igualmente, pelo direito comparado, com a esperança de que seja lançada nova luz à
compreensão da transexualidade, tanto a condição individual quanto em sua repercussão
coletiva, frente à necessidade de exercício pleno da cidadania no Estado brasileiro.
2 SEXUALIDADE, SEXO E GÊNERO

Não obstante os temas sexualidade, identidade sexual, sexo e gênero tenham


ganhado destaque na literatura especializada no início dos anos 80 do século passado, há de se
ressaltar que o movimento feminista desde a década de 1960 passou a lutar pela igualdade de
direitos e de igual tratamento social e profissional entre homens e mulheres.
No entanto, se retrocedermos no tempo, não se pode desprezar o escândalo causado
por Freud em plena era vitoriana, ao provocar impacto com suas teorias, nada convencionais,
no tocante à sexualidade, tanto que os seus principais achados são: “a) A vida sexual não
começa apenas na puberdade, mas inicia-se, com manifestações claras, logo após o
nascimento. b) É necessário fazer uma distinção nítida entre os conceitos de "sexual" e
"genital". O primeiro é o conceito mais amplo e inclui muitas atividades que nada têm a ver
com os órgãos genitais. c) A vida sexual inclui a função de obter prazer das zonas do corpo,
função que subsequentemente é colocada a serviço da reprodução. As duas funções, muitas
vezes, falham em coincidir completamente”7.
Ao longo da história o tratamento destinado à sexualidade adquiriu contornos
multifacetados, com isso faz-se necessário demonstrar, ainda que de modo sintético, um
quadro evolutivo no trato com a questão, inclusive com a nítida diferença conceitual entre os
termos “sexualidade”, “identidade sexual”, “sexo” e “gênero”. O embaralhamento dessas
expressões, especialmente pelo senso comum, leva a entendimento contrário, uma vez que são
consideradas sinônimas, sendo utilizada a mesma definição para situações díspares.
Mais de uma década após a utilização do termo identidade de gênero, por Money
(apud Ramsey, 1998:17), a diferença conceitual entre sexo e gênero foi definida, tomando
como ponto de partida a intersexualidade pelo psiquiatra Robert Stoller em 1968, na obra Sex
and Gender, pois baseado em suas pesquisas com meninos e meninas que, devido a
problemas anatômicos, haviam sido educados/as de acordo com um sexo que,
fisiologicamente, não era o seu8. Ele observou que esses meninos e meninas se empenhavam
em manter as formas de um comportamento para os quais haviam sido educados/as, inclusive

7
FREUD, S. Esboço de Psicanálise. (1940 [1938]) Sobre a psicoterapia. Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas de Sigmund Freud; trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, v.23, 1975.p. 177.
8
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 17.
depois de saberem que sofreram uma mutilação acidental ou que os genitais externos foram
maus formados9.
Dr. Stoller ligou sexo ao aspecto anatômico e fisiológico e entendeu por gênero uma
situação que guarda mais relação com as conotações psicológicas e/ou culturais que o próprio
sexo, dimensionando o seu significado a uma melhor compreensão da psicodinâmica do ser
humano.
Butler assegura-nos que certos tipos de "identidade de gênero" parecem ser meras
falhas de desenvolvimento por não se conformarem às normas da inteligibilidade cultural, no
entanto a persistência e proliferação dessa identidade de gênero criam oportunidades de
críticas e disseminação, expondo os limites e os objetivos de matrizes rivais e subversiva de
desordem do gênero10.
Ainda, no entender de Butler, “o gênero só pode denotar uma unidade de
experiência, de sexo, gênero e desejo, quando se entende que o sexo, em algum sentido, exige
um gênero — sendo o gênero uma designação psíquica e/ou cultural do eu — e um desejo —
sendo o desejo heterossexual e, portanto diferenciando-se mediante uma relação de oposição
ao outro gênero que ele deseja” 11.
Sob o mesmo viés, Butler, ao tratar da ordem compulsória do sexo/gênero/desejo,
ressalta que o um sistema binário de gêneros encerra a crença em uma relação de ligação entre
gênero e sexo, pois ao se construir uma teoria de independência do gênero do sexo, o próprio
gênero se torna um artifício flutuante, com a consequência de que homem e masculino podem,
com igual facilidade, significar tanto um corpo feminino como um masculino, e mulher e
feminino, tanto um corpo masculino como um feminino12.
E, sacramentando o entendimento acerca do que venha a ser gênero, Butler assim se
pronuncia:
O gênero não é um substantivo, mas tampouco é um conjunto de atributos
flutuantes, pois vimos que o seu efeito substantivo é performaticamente
produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência do gênero.
Consequentemente, o gênero mostra ser performativo no interior do discurso
herdado da metafísica da substância — constituinte da identidade que

9
GOMARIZ, Enrique. Los estudios de género y sus fuentes epistemológicas: Periodización y perspectivas. In
Fin de Siglo. Género y Cambio Civilizatorio; Santiago de Chile: Isis Internacional Ediciones de las Mujeres, n.
17,1992, p.1).
10
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.39.
11
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 45.
12
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.p. 24-25.
supostamente é. Nesse sentido, o gênero é sempre um feito, ainda que não
seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra13.

Segundo Scott, gênero pode ser entendido como um elemento constitutivo de


relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, implicando em quatro
aspectos relacionados entre si. Primeiro: símbolos culturalmente disponíveis; segundo:
conceitos normativos; terceiro: explosão da noção de fixidade, que, segundo a Autora, refere-
se à mutabilidade da aparência de representação binária dos gêneros, e serve à natureza do
debate ou da repressão que leva a aparência de uma permanência eterna na representação
binária dos gêneros; e, finalmente, o quarto aspecto: a identidade subjetiva. Conclui a autora,
que gênero é um meio de decodificar o sentido e de compreender as relações complexas entre
diversas formas de interação humana14.
O sexo pode ter vários significados na língua portuguesa. Segundo o Dicionário
Michaelis, sob o aspecto biológico, representa um conjunto de caracteres estruturais e
funcionais, segundo os quais um ser vivo é classificado como macho ou fêmea; classifica as
pessoas que têm a mesma organização anátomo-fisiológica no que se refere à geração sexo
masculino, sexo feminino; pode sugerir qualidades físicas que despertam o apetite sexual, e
também representa os órgãos sexuais externos; entre outras definições15.
Foucault depois de tratar da sexualidade, do ser sexuado e das regulações de poder a
que se encontra submetido por força do próprio sexo, prazeres e desejos, ao final, realça a
força que o sexo possui na contemporaneidade, quando diz:

E devemos pensar que um dia, talvez, numa outra economia de corpos e dos
prazeres, já que não se compreenderá muito bem de que maneira os ardis da
sexualidade e do poder que sustêm seu dispositivo conseguiram submerter-
nos a essa austera monarquia do sexo, a ponto de votar-nos à tarefa infinita
de forçar seu segredo e de extorquir a essa sombra as confissões mais
verdadeiras16.

Ainda que tenhamos a necessidade de entender o sexo sob uma perspectiva múltipla,
na literatura médica, Nahoum apresenta um esquema pluridimensional, classificando-o como

13
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 48.
14
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Revista Educação e Realidade. Vol. 16, n. 2,
1995, p. 71-99.
16
MICHAELIS. Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/sexo%20_1044519.html > Acesso em: 09 jan. 2016.
16
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A Vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 23ª Ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 2013, p.174.
genético, gonádico, somático, legal ou civil, de criação e psicossocial17. Ainda do ponto de
vista clínico, Guerra-Júnior ressalta que as mudanças endócrinas são decorrentes de um
processo que começa no feto, passa pela puberdade e vai até a maturação sexual completa e a
fertilidade. Nesse caso, a puberdade não é um evento isolado, mas, em verdade, um estágio
crítico de diferenciação sexual18.
Em 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) produziu algumas definições
operacionais em relação à sexualidade, sexo, saúde sexual e os direitos sexuais19.
Significativamente a organização informou que as definições foram apresentadas
como uma contribuição para o debate, mas não representaram uma posição oficial, devido à
pressão de setores conservadores. Ainda assim, reputa-se como valiosa contribuição,
sobretudo pelo caráter elucidativo: a) Sexo: Sexo refere-se às características biológicas que
definem humanos como mulheres e homens. Enquanto este conjunto de características
biológicas não é mutuamente exclusivo, desde que há indivíduos que possuem ambas, ele
tende a diferenciar os humanos como homens e mulheres. De uso generalizado em muitos
idiomas, o termo “sexo” é usualmente utilizado com o significado de “atividade sexual”, mas,
para propósitos técnicos no contexto das discussões sobre sexualidade e saúde sexual, dá-se
preferência à definição acima; b) Sexualidade: Sexualidade é um aspecto central do ser
humano do começo ao fim da vida e circunda sexo, identidade de gênero e papel, orientação
sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. Sexualidade é vivida e expressa em
pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e
relacionamentos. Enquanto a sexualidade pode incluir todas estas dimensões, nem todas são
sempre vividas ou expressadas. A sexualidade é influenciada pela interação de fatores
biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos,
religiosos e espirituais; c) Saúde sexual: Saúde sexual é um estado físico, emocional, mental
e social do bem-estar em relação à sexualidade; não é meramente a ausência de doenças,
disfunções ou debilidades. A saúde sexual requer uma abordagem positiva e respeitosa da
sexualidade das relações sexuais, tanto quanto a possibilidade de ter experiências prazerosas e
sexo seguro, livre de coerção, discriminação e violência. Para se alcançar e manter a saúde
sexual, os direitos sexuais de todas as pessoas devem ser respeitados, protegidos e satisfeitos;

17
NAHOUM, Jean Claude. O homossexualismo visto por um médico. Separata das Vozes, Rio de Janeiro, ano
61, n. 12, p. 1087, dez. 1997.
18
GUERRA-JÚNIOR, Gil. Determinação e Diferenciação Sexual Normal na Espécie Humana. In:
Identidade Sexual e Transexualidade. Org: VIEIRA, Tereza R.; PAIVA, Luiz Airton S. de. São Paulo: Roca,
2009, p. 22.
19
Organização Mundial de Saúde. Novas definições operacionais da OMS em relação à sexualidade. Disponível
em: <http:/www.who.int/reproductive-health/gender/index.html>. Acesso em: 15 jan. 2016.
d) Direitos sexuais: Direitos sexuais abarcam os direitos humanos que já são reconhecidos
em leis nacionais, documentos internacionais de direitos humanos e outras declarações
acordadas. Eles incluem os direitos de todas as pessoas, livre de coerção, discriminação e
violência, para: a obtenção do mais alto padrão de saúde sexual, incluindo acesso a cuidados e
serviços de saúde sexual e reprodutiva; procurar, receber e concede informação relacionada à
sexualidade; educação sexual; respeito pela integridade corporal, escolher seus parceiros;
decidir ser ou não sexualmente ativo; ter relações sexuais consensuais; casamento consensual;
decidir se, não, ou quando ter filhos; e buscar satisfação, vida sexual saudável e prazerosa. O
exercício responsável dos direitos humanos requer que todas as pessoas respeitem os diretos
dos outros20.
Conforme aduz Ventura, o sexo legal ou jurídico é entendido como aquele que “deve
obrigatoriamente constar no assento do nascimento de uma pessoa” (Lei n. 6015/1973),
embora seja, em princípio, imutável, cabendo sua alteração em razão de erro cometido no
momento do registro. Em geral, é estabelecido segundo a aparência anatômica externa do
órgão genital e constitui um critério diferenciador de aquisição de direitos ou de obrigações
legais21.
No entanto, sobrepondo-se ao sexo juridicamente estabelecido, Vieira aponta a
possibilidade de que o sexo psíquico seja imutável, ou seja, aquele em que a pessoa sente
verdadeiramente pertencer, devendo o registro civil, em decorrência de tal situação, expressar
esta adequação22.
Para Lauretis o sistema de sexo-gênero é uma construção sociocultural com
investigação do sistema de representação e atribuição aos significados de identidade, valor,
prestígio, posição de parentesco, status na hierarquia social, entre outros, sendo considerado,
assim, tanto o produto quanto o processo de sua representação23.
Enquanto isso, reforçando os mandamentos anteriores, Madureira e Branco
constataram a impossibilidade de se atrelar o gênero à composição biológica, ao contrário, "os
processos identitários funcionam como coordenadas culturais no processo de constituição da

20
CORRÊA Sonia, ALVES José Eustáquio Diniz Alves; JANNUZZI, Paulo. Direitos e saúde sexual e
reprodutiva: marcoteórico-conceitual e sistema de indicadores. In: Cavenaghi S, Organizadora. Indicadores
municipais de saúde sexual e reprodutiva. Rio de Janeiro: ABEP,Brasília: UNFPA; 2006. p. 53.
21
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 21.
22
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Identidade Sexual: Aspectos Éticos e Jurídicos da Adequação de prenome e
sexo no Registro Civil. In: Identidade Sexual e Transexualidade. Org: VIEIRA, Tereza R.; PAIVA, Luiz Airton
S. de. São Paulo: Roca, 2009, p. 187.
23
LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. Tradução de Suzana Funck. In: HOLLANDA, Heloisa
(Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 212.
subjetividade, além de posicionarem os sujeitos concretos em suas relações com os diversos
grupos sociais existentes nos contextos culturais em que estão inseridos"24.
Louro, pesquisadora brasileira que atua na área da educação salienta que não são
necessariamente as características sexuais que determinarão o que é feminino ou masculino
em dada sociedade ou num momento histórico, mas a forma como essas características são
representadas e valorizadas. Para que se compreenda o lugar de homens e mulheres nas
relações sociais, pouco importa os sexos, mas exatamente o que foi construído sobre eles. O
debate, nesse caso, é erguido através de uma nova linguagem, na qual gênero será o conceito
fundamental25.
O pensamento da autora é reforçado do seguinte modo:

Pretende-se, dessa forma, recolocar o debate no campo do social, pois é nele


que se constroem e se reproduzem as relações (desiguais) entre os sujeitos.
As justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas
diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendidas fora
de sua constituição social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas
condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de
representação26.

Bueno, ao sintetizar a obra literária de Parker, que se propôs analisar a complexidade


da sexualidade brasileira, ressalta que não há como desprezar a relação de poder que envolve
os papéis de gênero e sexuais27. O autor originário defende que "seja na linguagem do corpo,
no sistema de classificações sexuais (como exemplos os gays, lésbicas e “cornos”) ou no
fluxo da vida cotidiana, o poder acaba por legitimar uma elaborada estrutura hierárquica na
qual os homens se distinguem uns dos outros em termos de autoridade e domínio, ao passo
que as mulheres se distinguem de acordo com a sua submissão e sujeição ao jogo” 28.
Não seria por demais dizer que o movimento feminista ganhou considerável impulso
a partir da conduta da escritora Simone de Beauvoir, que passou a inspirar gerações de
mulheres, e a provocar uma mudança cultural com a quebra de paradigmas. "Não se nasce
mulher, torna-se mulher", instigante e provocante frase que inaugura o segundo volume da

24
MADUREIRA, Ana Flávia do A.; BRANCO, Ângela Maria Cristina U. de Abreu. Identidades Sexuais Não-
hegemônicas: Processos Identitários e Estratégias para Lidar com o Preconceito. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
Vol. 23 n. 1, Universidade de Brasília, Jan-Mar 2007, p.82 .
25
LOURO, Guacira L. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 6ª Ed. São Paulo:
Vozes, 1997, p. 21.
26
LOURO, Guacira L. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 6ª Ed. São
Paulo:Vozes, 1997, p. 22.
27
BUENO, Heitor C., Corpos, Prazeres e Paixões. Rev. Hist. UEG - Anápolis, v.3, n.1, p. 209-212, jan./jun.
2014.
28
PARKER, Richard. Corpos, prazeres e paixões: cultura sexual no Brasil contemporâneo. São Paulo: Best
Seller. 1991.
obra O Segundo Sexo29 de sua autoria, passou para história de modo atemporal, tornando-se
um clássico; adquiriu importância e magnitude na releitura e desconstrução de conceitos
considerados absolutos à época, o que reverbera até os dias contemporâneos.
A assertiva de Beauvoir pode ser considerada, possivelmente, como a maior de todas
as provocações que o feminismo trouxe à revolução do pensamento social e político no último
século. Beauvoir viu-se investida com a possibilidade de compreender a si mesma ainda que
se visse constantemente no embate da história30.
No entanto, para contrapor, vale igualmente citar o pensamento de Joan Scott: “(...)
os conflitos recorrentes do feminismo devem ser vistos como sintomas das contradições nos
discursos políticos que produziram o próprio feminismo; em outras palavras, o feminismo
nasce a partir das ideias do individualismo, dos direitos e das obrigações sociais do indivíduo
e, ao mesmo tempo, critica esse mesmo corpus de ideias ao questionar a pretensa
universalidade da noção de indivíduo que excluía as mulheres” 31.
O movimento feminista salienta Galinkin, Fellow e Santos, se iniciou com
reivindicações por igualdade de direitos entre homens e mulheres, caracterizou-se como um
movimento político e acadêmico visando mudanças, não apenas nas relações sociais, mas na
maneira de pensá-las. No entanto, enquanto movimento social, tem repercutido sobre a
realidade política, jurídica e acadêmica, trazendo mudanças nas relações sociais e na sua
compreensão32.
Para Bento, a “visibilização da mulher, como numa categoria universal, correspondia
a uma necessidade política de construção de uma identidade coletiva que se traduziria em
conquistas nos espaços públicos"33.
Com isso, a compreensão da sexualidade saiu da esfera biológica e passou a ser
estudada também sob o aspecto político, social, religioso, cultural. Nesse passo, o pensador
Michel Foucault passou a discutir a sexualidade como dispositivo de poder, defendendo que
não existiria uma regra básica, uniforme e única para sua compreensão. Desse modo,

29
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, v.I, II. Tradução Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1980, p. 9.
30
SANTOS, Magda Guadalupe dos. Simone de Beauvoir. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Sapere
Aude v.1 - n.2 2º sem. 2010 Belo Horizonte p.108-122.
31
(MELO, Érica. Feminismo: velhos e novos dilemas uma contribuição de Joan Scott*. Cadernos Pagu (31),
julho-dezembro de 2008:553-564).
32
GALINKIN, Ana Lúcia; FELLOW, Amanda Zauli; SANTOS, Claudiene. Estudos de Gênero na Psicologia
Social. In: GALINKIN, Ana Lúcia; SANTOS, Claudiene. (Orgs) Gênero e Psicologia - Interfaces. Brasília:
TechnoPolitik, 2010, p.21.
33
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 73.
Não se deve descrever a sexualidade como um ímpeto rebelde, estranha por
natureza e indócil por necessidade, a um poder que, por sua vez, esgota-se na
tentativa de sujeitá-la e muitas vezes fracassa em dominá-la inteiramente.
Ela aparece mais como um ponto de passagem particularmente denso pelas
relações de poder; entre homens e mulheres, entre jovens e velhos, entre pais
e filhos, entre educadores e alunos, entre padre e leigos, entre administração
e população. 34

Ainda, para Foucault, “o poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma
certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica
complexa numa sociedade determinada” 35.
Portanto, ao fazer o resgate da história da sexualidade, Foucault vai além do sexo-
natureza, não se prendendo unicamente a uma abordagem biológica, ao contrário, realça, sob
outro prisma, como a sexualidade fora relegada a uma existência discursiva, tanto na ordem
da economia, da pedagogia da medicina e da justiça. Arrisca em dizer que talvez nenhum
outro tipo de sociedade jamais tenha acumulado, num período histórico relativamente curto,
tal quantidade de discurso sobre sexo.
Chauí, ao resumir o pensamento de Foucault sobre o discurso da sexualidade, afirma
que o sexo, enquanto objeto, precisa ser abandonado, uma vez que a liberação do "dispositivo
da sexualidade" não passa necessariamente pelo sexo-desejo como um contra-ataque, mas
pelos corpos e pelos prazeres36.
Ainda, no entender de Foucault, a reinterpretação de todo o dispositivo de
sexualidade, em termos de repressão generalizada e vinculação de tal repressão a mecanismos
gerais de dominação e exploração, abria a possiblidade de um deslocamento tático
considerável, tendo como base crítica histórico-política da repressão sexual. O valor da crítica
de Reich e seus efeitos, na realidade, foram consideráveis. No entanto, a possiblidade de
sucesso estava ligada ao fato de que se desenrolava ainda no campo da sexualidade, e não fora
ou contra ele37.
Para Prado e Machado, autores contemporâneos, a sexualidade é determinante, assim
como o ar que respiramos, na constituição dos sujeitos. No entanto, devido a símbolos, rituais

34
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A Vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 23ª Ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 2013, p. 114.
35
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A Vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 23ª Ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 2013, p. 103.
36
CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual. Essa Nossa (Des)Conhecida. 3ª Ed., São Paulo: Brasiliense, 1984, p.
186.
37
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A Vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 23ª Ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 2013, p. 143.
e valores que estruturam e dão coesão às práticas e instituições sociais, os hábitos sexuais
podem depender exclusivamente da construção social entre/pelos seres humanos, fundidos
nos contextos culturais, geopolíticos e padrões morais38.
Rebouças, ao investigar as "tramas entre subjetividades e direito", parte de uma
análise da obra de Foucault para compreender o lugar da subjetividade moderna em alguns de
seus dispositivos: a loucura, deliquência e sexualidade. A fim de fazer jus ao elevado
conhecimento da autora, sobretudo em relação à obra de Foucault e, para não padecer de uma
imprecisão que poderia vir a macular o seu trabalho, a partir de uma interpretação aquém do
poder de suas palavras, vale a transcrição ipsis litteris:

O empreendimento de uma sociedade de controle sobre os indivíduos, sobre


as populações não seria tão bem sucedido se não pudesse encerrar, no
cotidiano de qualquer indivíduo, e não só do louo ou do delinquente, o ela
permanente com a culpa e a normalização. Na percepção das facetas de
cosntução desta subjetividade que é a moderna, a sexualidade não estará a
salvo dos mecanismos de poder. Provavelmente, ela seja o campo que
permita uma maior intromissão dos dispositivos de normalização no
indivíduo, No exercício da sexualidade, o indivíduo se experimenta como a
natureza, instinto, interioridade. E assim, a naturalizaçãi dis standards de
sexualidade cria, talvez, a ilusão da origem, fazer crer na essência do poder
sobre o desejo39.

Enquanto isso, a filósofa Marcia Tiburi, defende que Butler, ao final dos anos 80,
propôs a desconstrução e reconstrução do movimento feminista, sob o prisma da identidade
sexual de gênero. “Verdade que o tema central da obra de Butler é o “gênero”, mas, olhando
de perto, gênero não é um problema do campo da “sexualidade”, é um problema político e,
mais perigosamente, um problema ontológico” 40.
Collin, seguindo a mesma linha, reforça: “Até um pensamento que se livra da
inscrição biológico-morfológica dos sexos, para pensar o feminino e o masculino apenas
como categorias – independentes de suas inscrições empíricas (os homens, as mulheres) –
continua sofrendo a contaminação deste dualismo que seria preciso apagar. O indefinido
continua definido, de certo modo, ao articular-se com o definido” 41.

38
PRADO, Marco A. M.; MACHADO, Frederico V. Preconceito contra homossexualidades – a hierarquia da
invisibilidade. São Paulo: Cortez, 2008, p. 15.
39
REBOUÇAS, G. M. Tramas entre subjetividades e direito: A constituição do sujeito em Michel Foucault e
os sistemas de resolução de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p.p. 51-52.
40
TIBURI, Márcia. Judith Butler: Feminismo como provocação. Revista Cult. Ed. 185, 2014. Disponível em:
<http://revistacult.uol.com.br/home/2014/01/judith-butler-feminismo-como-provocacao/>Acessoem 04.12.2015.
41
COLLIN, Françoise. Praxis da diferença. Notas sobre o trágico do sujeito. 1992, p. 5.
Butler, ao discorrer sobre a questão das mulheres como sujeito do feminismo, aventa
a possibilidade de um não enquadramento diante da lei, reforçando, com isso, a versatilidade
do gênero e a interlocução com outros ramos diferentes da sexualidade. Assim, despontou
uma crítica à hegemonia heterossexual, bem como a possibilidade de o corpo ser representado
como um mero instrumento ou meio com o qual um conjunto de significados culturais é
apenas externamente relacionado42.
Tanto assim é que, com veemência, assevera:

Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é;
o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero
da “pessoa” transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas
porque o gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente
nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções
com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de
identidades discursivamente constituídas. Resulta que se tornou impossível
separar a noção de gênero das interseções políticas e culturais em que
invariavelmente ela é produzida e mantida. 43

Conjuntamente com outros pesquisadores e ativistas, foi desenvolvida a Teoria


Queer, tendo Butler como um dos seus expoentes. Miskolci traz a baila o feito do movimento
Queer que criou um pensamento político voltado para a crítica de ordem social assim como
sexual. Um novo vocabulário para compreensão da sexualidade, gênero, desejo e relações de
poder passou a ser utilizado; “heteronormatividade” e “heterossexismo” e noções de
epistemologia do armário e de uma matriz heterossexual alargaram a compreensão da
sexualidade e do gênero, suas articulações, assim como suas relações com outras diferenças e
desigualdades44.
Butler, dentro dos estudos Queer, desenvolveu a teoria da performatividade, e
afirma, como se um corolário fosse, que não há identidade de gênero por trás das expressões
do gênero; a identidade é performaticamente constituída, pelas próprias “expressões” tidas
como seus resultados45.
O pensamento de Butler ganha ressonância, quando nos deparamos com a seguinte
consideração:

42
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p . 19.
43
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p . 20.
44 MISKOLCI, Richard. Dossiê – Teoria Queer. Revista CULT, São Paulo, nº 193. p.p. 33- 35, ago 2014.
45
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 48.
O esforço da teoria de Butler, neste contexto, foi o da desnaturalização como
uma desmistificação do sexo e do gênero, que seriam, em momentos
diferentes, tratados como destino. A partir de então, eles seriam construções
discursivas entre as quais não haveria diferença. A ideia fundamental da
pensadora é a de que o discurso habita o corpo e que, de certo modo, faz esse
corpo, confunde-se com ele. Por isso, a diferença entre sexo e gênero não
seria mais o caminho para a luta feminista. Mas o respeito aos corpos cuja
liberdade depende, em última instância, de serem livres do discurso que os
constitui. Ou de simplesmente poderem existir em um mundo que os nega, e
que os nega pelo discurso que não é, de modo algum, apenas uma fala
qualquer46.

Ainda, na esfera Queer, importante ressaltar a noção de Camp, criada pela teórica e
ensaísta norte-americana Susan Sontag, que foi além de uma definição. Trata-se de uma
expressão esotérica voltada para a sensibilidade descompromissada e despolitizada, além de
ser um certo tipo de esteticismo, não propriamente se referindo à beleza, mas a uma
estilização. “Na realidade, a essência do camp é a sua predileção pelo inatural: pelo artifício e
pelo exagero” 47.
A evolução da humanidade e a ampliação de conceitos têm obrigado a sociedade,
continuadamente, a pensar e repensar acerca da sexualidade. As ciências políticas,
antropologia, sociologia, psicologia, medicina e vivências sociais têm possibilitado a quebra
de paradigmas, trazendo um novo entendimento às questões voltadas para a sexualidade,
gênero e processos identitários, impondo ao direito, igualmente, um realinhamento de
posição, notadamente através de decisões judiciais, que têm quebrado paradigmas.
Delimitar a sexualidade à compleição física ou à classificação masculino/feminino,
mostra-se estreito e sectário, ainda mais pela possibilidade performativa de gênero, das
experiências e construção de corporeidades, tanto na linha estética quanto no campo da
ciência.
Segundo Peres, a visão reducionista do sexo, estabelecida em função do estritamente
fisiológico, vinculada somente a fatores genéticos, tornou-se nos últimos cinquenta anos,
progressivamente insuficiente48. Vieira, por sua vez, reforça a teoria ao afirmar que o sexo do
indivíduo é complexo demais para ser reduzido ao seu aparelho genital49.

46
TIBURI, Márcia. Judith Butler: Feminismo como provocação. Revista Cult. Ed. 185, 2014. Disponível em
<http://revistacult.uol.com.br/home/2014/01/judith-butler-feminismo-como-provocacao/> Acesso em
04.12.2015.
47
SONTAG, Susan. Notas sobre o Camp. In: Contra a interpretação. Porto Alegre: LPM, 1987, p. 318.
48
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 66 .
49
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Mudança de sexo: aspectos médicos, psicológicos e jurídicos. São Paulo: Editora
Santos, 1996, p.7.
Galinkin, Fellow e Santos frisaram que no final dos anos 80 e na década de 90, do
século XX "outras identidades de gênero também passaram a ser objeto de estudo das
psicologias, como gays, lésbicas, transexuais, transgêneros, assim como as alternativas
afetivo-sexuais fora do modelo heterossexual hegemônico" 50 . Segundo as autoras, a partir
disso, psicólogos passaram a se interessar pelo tema; a produção de pesquisas ampliou a
discussão e o interesse acadêmico e político.
Dentro das variações da sexualidade, merece ser mencionada a homossexualidade,
que é tão remota na história da humanidade quanto à heterossexualidade. O vocábulo foi
criado pelo médico húngaro Karoly Benkert e introduzido na literatura técnica, no ano de
1869. Dias, esclarece que o termo é formado pela raiz da palavra grega homo, que quer dizer
“semelhante, e pela palavra latina sexus, passando a significar “sexualidade semelhante” 51.
O senso comum pode atribuir à homossexualidade uma visão estereotipada, quando
em verdade, segundo Fry e MacRae “não há nenhuma verdade absoluta sobre o que é
homossexualidade e que as ideias e práticas a ela associadas são produzidas historicamente no
interior de sociedades concretas e que são intimamente relacionadas com o todo destas
sociedades” 52.
Conforme aduz Facchini, além da homossexualidade masculina e feminina, outras
manifestações de identidade pessoal ou coletiva são reconhecidas, tomando-se como
parâmetro a própria condição humana ou a eleição do gênero como farol norteador. Os
bissexuais se sentem atraídos tanto por homens quanto por mulheres, muito embora paire um
certo estranhamento ou desconfiança notadamente em razão do "não-reconhecimento da
legitimidade da adoção de uma auto identidade "bissexual" por indivíduos que relatassem
práticas sexuais, ainda que não exclusivamente, com pessoas do mesmo sexo"53.
Na cultura pop, de fácil acesso, o suplemento especial editado na rede de
computadores, desmitifica o tema e esclarece a população acerca das inúmeras vertentes sobre
o universo trans, conceitua categorias de gênero contemporâneas, considera que genderqueer
ou sexo não binário, são indivíduos que não se identificam com nenhum gênero específico ou
transitam entre eles; crossdresser gostam de se vestir como o sexo oposto ao designado no
nascimento no dia a dia ou em situações de fetiche, mas não se identificam com o sexo
50
GALINKIN, Ana Lúcia; FELLOW, Amanda Zauli; SANTOS, Claudiene. Estudos de Gênero na Psicologia
Social. In: GALINKIN, Ana Lúcia; SANTOS, Claudiene. (Orgs) Gênero e Psicologia - Interfaces. Brasília:
TechnoPolitik, 2010, p.24.
51
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: O preconceito e a Justiça. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2001, 37.
52
FRY, Peter. e MacRae, Edward. O que é homossexualidade. São Paulo, Brasiliense, 1985. p. 10
53
FACCHINI, Regina. “Sopa de letrinhas?”: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos
anos 90. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 270.
oposto; dragqueens e dragkings, homens e mulheres, respectivamente, que se vestem com
roupas do sexo oposto para fins performáticos54.
Ainda há seres que nascem com caracteres tanto masculinos quanto femininos,
inseridos, portanto, na dimensão da intersexualidade, historicamente conhecidos como
hermafroditas.
Money, ao realizar um estudo nesse campo, desenvolveu o conceito de gênero com
as expressões "papel de gênero" ou "identidade de gênero" ou "identidade/função de gênero",
e posteriormente criou o conceito de "síndrome de disforia de gênero 55 ". No entanto, a
expressão “síndrome de disforia do gênero” apesar de ser comumente utilizada como
sinônimo de transexualismo, devido à publicação em 1994 do DSM IV (Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais), dentro da psiquiatria poderá ter conceito diferente, com
a possibilidade ou não, de acordo com a teoria empregada, englobar a transexualidade, como
sendo esta espécie e aquela gênero56.
Segundo Machado, a má formação binária, que se origina no nascimento, afasta os
intersexos dos padrões já conhecidos, configurando-se uma ambiguidade em decorrência da
genitália incompletamente formada. Ao discorrer sobre a rotina de um Hospital no Rio
Grande do Sul, a autora lança suas impressões, a saber:

No seu dia-a-dia, percebi que os médicos permitem-se utilizar entre eles o


termo genitália ambígua quando se referem a algumas condições que
consideram “intersexualidade”, mas salientam a importância de não o fazer
frente às famílias, situação na qual julgam preferível o uso da expressão
genitália incompletamente formada57.

Para Ramsey, no entanto, “a intersexualidade assemelha-se à transexualidade, no


sentido em que em ambas as condições, as pessoas experimentam confusão de gênero.
Sentem-se sós, deslocadas, deprimidas e frustradas”58.

54
UOL. TAB. Disponível em <http://tab.uol.com.br/trans/> Acesso em 20.08.2015.
55
MONEY, J. Sex reassignment as related to hermaprhoditism and transsexualism. In: GREEN, R.;
MONEY, J. Transsexualism and sex reassignment. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1969. p. 91-114.
56
ARÁN, M. MURTA, D. LIONÇO, T., Transexualidade e Saúde Pública no Brasil. Ciência e Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, vol. 14, n.4,p. 1141-1149, jul./ago. 2009. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232009000400020&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 20 dez. 2015.
57
MACHADO, Lia Zanotta. Antropologia e direitos humanos. Vol. 4. Organizadoras: Miriam Pillar Grossi,
Maria Luiza Heilborn, Lia Zanotta Machado. Blumenau : Nova Letra, 2006, p. 18.
58
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 44.
A Resolução 1.664/2003, do Conselho Federal de Medicina (CFM), “considerando
anomalias de diferenciação sexual as situações clínicas conhecidas no meio médico como
genitália ambígua, ambiguidade genital, intersexo, hermafroditismo verdadeiro, pseudo-
hermafroditismo (masculino ou feminino), disgenesia gonadal, sexo reverso, entre outras”,
define as normas técnicas necessárias para o tratamento de pacientes.
Ceccarelli, no tocante ao tema, alerta-nos:

(...) Se nos chamados estados intersexuais, onde existe de fato uma má


formação anatômica, nosso sentimento por essas pessoas é o de compaixão,
de compreensão, no caso dos transexuais somos, na maioria das vezes,
tomados por um sentimento de espanto, horror e até mesmo de rejeição.
Como se o problema que o transexual nos apresenta, resultasse de um ato
voluntário de sua parte, um ato contra a natureza: de onde vem essa
diferença de sentimentos? Será que os intersexuados seriam “vitimas” de sua
anatomia, enquanto que os transexuais ousaram” interferir sobre ela? .
59

Assim, após o tratamento cirúrgico e "definição adequada do gênero", o registro civil


será levado a efeito em consonância com a aparência física que fora moldada pelos protocolos
clínicos. Nesse viés, por ser considerada uma anomalia e o Estado promover investigação
precoce com vistas a uma definição adequada do gênero e tratamento em tempo hábil, como
salientado na Resolução do CFM, alhures apontada, as limitações do indivíduo são realçadas,
ao invés das potencialidades, uma vez que em muitos dos casos, por se encontrar ainda na
infância, não lhe cabe escolha.
Objetivando retirar dos pais a pressão quanto à determinação do sexo de modo
precoce, em maio de 2013 a Alemanha aprovou uma lei permitindo o registro de crianças
intersexos deixando em branco/indefinido nos documentos oficiais a indicação do sexo, o que
poderá ser preenchido, ou não, quando o(a) interessado(a) na fase adulta fizer a escolha pelo
gênero que mais se identifica60.
Nesse toar, conclui-se que a temática da sexualidade esteve por muito tempo
confinada ao espaço privado, silenciosamente embutida no âmbito doméstico, velada e
recolhida ao “armário”, cabendo que seja trazida à roda de discussão, para sua compreensão

59
CECCARELLI, Paulo Roberto, in Viviani, A., (Org.) Temas da Clínica Psicanalítica, São Paulo:
Experimento, 1998, 137-147.
60
BBCBrasil.Diponívelem:<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/11/131101_alemanha_genero_registr
o_fn> Acesso em 15.06.2015.
possibilitando a visibilidade e hegemonia de valores 61 , não devendo ser desmerecido o
mistério que sempre há em cada pessoa.

2.1 A ETIOLOGIA DA TRANSEXUALIDADE

Green aduz que embora seja considerado um fenômeno intimamente ligado à


contemporaneidade, "o sentimento de ser do outro sexo, que os transexuais afirmam possuir, é
provavelmente tão antigo como qualquer outra forma de expressão da sexualidade" 62 .
Ceccarelli, ainda explana:

Da mitologia greco-romana ao século XIX passando pelas mais variadas


fontes literárias e antropológicas, encontramos relatos de personagens que se
vestiam regularmente, ou até definitivamente, como membros do outro sexo,
se dizendo sentir como do outro sexo. Isto mostra a extensão do fenômeno
indicando, ao mesmo tempo, que aquilo que hoje é conhecido e designado
sob o termo de “transexualismo” não é próprio nem a nossa cultura nem a
nossa época: o que é recente é a possibilidade de “mudar de sexo” graças às
novas técnicas cirúrgicas e a hormonoterapia63.

Segundo Bento, quando se diz “transexual”, na verdade não se está descrevendo uma
situação, mas um efeito sobre os conflitos do sujeito que não encontra no mundo nenhuma
categoria classificatória e, a partir de então, buscará “comportar-se como transexual” 64. A
autora arremata do seguinte modo:

Definir a pessoa transexual como doente é aprisioná-la, fixá-la em uma


posição existencial que encontra no próprio indivíduo a fonte explicativa
para os seus conflitos, perspectiva diferente daqueles que a interpretam
como uma experiência identitária, é um desdobramento inevitável de uma
ordem de gênero que estabelece a inteligibilidade dos gêneros no corpo65.

Sob o aspecto clínico, Cossi aduz que não se pode falar que se trata de uma
síndrome, mas de síndromes, de uma mescla de sintomas e proclamações diferentes - a

61
SEDGWICK, Eve Kosofsky, Epistemology of the Closet. In: ABELOVE, Henry et alli. The lesbian and gay
studies reader. New York/London, Routledge, 1993:45-61. Cadernos Pagu, nº 28, janeiro-junho de 2007, p.19-
54; Tradução: Plínio Dentzien; Revisão: Richard Miskolci e Júlio Assis Simões.
62
GREEN, R., Mythological, Historical, and Cross-Cultural aspects of Transsexualism, in Transsexualism
and sex reassignement .Baltimore, John Hopkins University Press, 1969, 13-22.
63
CECCARELLI, Paulo Roberto, in Viviani, A., (Org.) Temas da Clínica Psicanalítica, São Paulo:
Experimento, 137-147, 1998.
64
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 47
65
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 16
variedade é tamanha que chega a impossibilitar a precisão de um quadro. Não há um consenso
em relação ao diagnóstico. Por outro lado, as pesquisas em Psicologia e Psicanálise também
não são unânimes quanto à definição diagnóstica e etiológica do transexualismo, bem como
em relação a terapêutica a ser adotada66.
Para Castel, o termo transexual psíquico foi utilizado pela primeira vez, em 1910,
pelo sexólogo Magnus Hirschfeld para se referir a travestis fetichistas67, enquanto o sexólogo
alemão, radicalizado nos Estados Unidos da América, Dr. Harry Benjamin, cunhou na década
de 40, do século XX, o termo transexualismo, estabelecendo a um só tempo uma distinção
entre travestismo e transexualismo. Saliente-se que o sufixo "ismo" sempre foi denotativo de
condutas sexuais perversas, como, por exemplo, "homossexualismo"68.
Hirschauer, traz a baila que Benjamin fue el primero em dinstinguir em um artículo a
transexuales de travestidos introduciendo em el discurso médico la dicotomia
transexuales/travestidos (TS-TV) basada, a su vez, em la dicotomia hombre-mujer del
discurso heteronormativo 69.
Bento, mostra-nos que, adiante, em 1949, o termo "transexual" foi utilizado pela
primeira vez por Caudwell, quando "publicou um estudo de caso de um transexual masculino.
Nesse trabalho, são esboçadas algumas características que viriam a ser consideradas
exclusivas dos/as transexuais. Até então, não havia uma nítida separação entre transexuais,
travestis e homossexuais". Ainda aduz que em 1966, Dr. Benjamin propôs uma escala de
"orientação sexual" 70 . Em 1969, realizou-se em Londres o primeiro congresso da Harry
Benjamin Association, sofrendo alteração de denominação, no ano de 1977, para Harry
Benjamin International Gender Dysphoria Association (HBIGDA)71. Portanto,

A HBIGDA legitimou-se como uma das associações responsáveis pela


normatização do “tratamento” para as pessoas transexuais em todo o mundo
e publica, regularmente, as Normas de Tratamento (Standards of Care -

66
Há uma grande diversidade dentre do quadro clínico e sua etiologia é indefinida (COSSI, Rafael Kalaf. Corpo
em Obra: Contribuições para a clínica psicanalítica do transexualismo. São Paulo: nVersos, 2011, p. 39).
67
Castel PH. Algumas reflexões para estabelecer a cronologia do "fenômeno transexual" (1910-1995). Rev bras
Hist 2001; 21(41):77-111. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882001000200005&lng=pt&nrm=isso. Acessado em: 03 jan. 2016.
68
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 44.
69
HIRSCHAUER, S . Die soziale Konstruktion der Transsexualitat. Suhrkamp Taschenbuch Wissenschaft,
Frankfurt/ Main, 1999, p.p. 96-97.
70
Escala de Harry Benjamin de Orientação Sexual. Desorientação e Indecisão de Sexo e Gênero (Homens),
inspirada nas classificações, oriundas do século XIX, de Krafft-Ebing, Hirschfeld e Ellis. Disponível em:
<www.genderpsychology.org>. Acessado em: 10 jan. 2016.
71
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p.42-43.
SOC) que orientam profissionais que trabalham com transexualidade em
todo mundo. Atualmente, o SOC está em sua 6ª. versão. Além desse guia,
dois outros documentos são reconhecidos como oficiais na orientação do
diagnóstico de transexualidade: o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM - 4ª. versão), da Associação Psiquiátrica
Americana (APA), e o Código Internacional de Doenças (10ª. versão), da
Organização Mundial de Saúde72.

Saldanha e Olazábal enfatizam que quanto ao aspecto genético, o transexualismo é


caracterizado como uma entidade psiquiátrica, distinta da homossexualidade e travestismo,
revendo-se suas manifestações sindrômicas. As duas principais causas etiológicas plausíveis
são: a hipótese psicanalítica fundamentada na regressão psicossexual com estampagem da
figura materna e o modelo neuroendócrino que pressupõe alterações nos centros de identidade
sexual do hipotálamo durante o desenvolvimento do embrião, sem que ocorra o efeito
masculinizante da testosterona73.
Bento, realça que o saber médico ao diagnosticar o sujeito como “transexual” apaga
a legitimidade da pluralidade, uma vez que põe em funcionamento um conjunto de regras
alicerçado nos protocolos, que tem por objetivo encontrar o/a “verdadeiro/a transexual”. A
nomeação da transexualidade implica pressuposições e suposições sobre os atos apropriados e
não apropriados que os/as transexuais devem atualizar em suas práticas74.
Benedetti destaca que a transexualidade guarda características próprias, a começar
pelo início da manifestação comportamental, diferenciando-se inclusive das travestis, que não
procuram promover a alteração de sexo gerada pelo desconforto e rejeição ao órgão genital;
"não desejam ser como as mulheres. Seu objetivo, antes, é se sentirem como mulheres, se
sentirem femininas"75.
Indo mais a fundo, Pinto e Bruns, chamam-nos a atenção para as diferenças que são
observadas na própria transexualidade:

O transexual parece estar no extremo de um "continuum" que vai do


homossexual extremamente afeminado, passando por alguns graus de
travestismo. Podem ser classificados em dois grupos: os "primários ou
puros" e os "secundários ou periféricos". São considerados "primários ou
puros" aqueles que, desde a infância, sentem intensamente sua identidade

72
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 43.
73
SALDANHA, P.H..OLAZÁBAL, Luiza Campos. Valor do Estudo Citogenético no Transexualismo. Arq.
Neuro-Psiquiat. São Paulo, Vol. 34;nº 3, Setembro, 1976, p.254.
74
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p.47.
75
BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2005,
p. 132.
tomar um rumo oposto ao seu corpo biológico, manifestando por volta dos 2
anos e meia a identidade de gênero, ou seja, a noção interna de pertencer ao
gênero masculino ou feminino começa a se definir. Para os transexuais
"secundários ou periféricos", são os que mantêm o seu comportamento
compatível com aspectos biológicos, geralmente em função da pressão
familiar e social e, habitualmente, só irão explicitar sua verdadeira
identidade de gênero mais tarde, na idade adulta. Têm um grau de
identificação com o sexo oposto mais flutuante e podem apresentar um
comportamento travéstico; a orientação pode ser bissexual ou até
heterossexual, durante período de sua vida, chegando a ser comum o
76
casamento e adoção de filhos .

Para Ramsey, o processo transexual - a jornada que começa com uma terapia e vestir
como o outro sexo, passa por tratamento hormonal e termina em cirurgia - não é um capricho
passageiro77.
É a busca consistente de integração física, emocional, social, espiritual e sexual,
conquistada a enormes penas pessoais. O sofrimento psíquico do transexual se encontra no
sentimento de uma total inadequação entre, de um lado, a anatomia do sujeito e seu "sexo
psicológico" e, de outro lado, este mesmo "sexo psicológico" e sua identidade civil. Essas
pessoas, cujo sentimento de identidade sexual não concorda com a anatomia, manifestam uma
exigência compulsiva, imperativa e inflexível de "adequação do sexo", expressão utilizada
pelos próprios transexuais78.
Nota-se que é curioso observar que os papeis sexuais ou a sexualidade em si estão
intimamente ligados à transexualidade, no entanto, ao contrário da performance pública e
social, o impulso para a prática sexual é pouco desenvolvido, sobretudo pela forte rejeição ao
órgão genital. Conclui-se, que o desejo do transexual em ser reconhecido por meio do gênero
com que se identifica é preponderante ao ato sexual.
Segundo Hodja79, os/as transexuais são indivíduos que recusam totalmente o sexo
atribuído80. Identificam-se psicologicamente com o sexo oposto, embora biologicamente não
sejam portadores de qualquer anomalia e apresentam um enorme conflito, visto que, desde a

76
COSTA, 1994; ABDO, 1997 apud BRUNS, Maria Alves de Toledo; PINTO, Maria Jaqueline Coelho.
Vivência Transexual: o corpo desvela seu drama. Campinas: Editora Átomo, s/d, p. 18-19.
77
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 32.
78
CECCARELLI, Paulo Roberto, in Viviani, A., (Org.) Temas da Clínica Psicanalítica, São Paulo:
Experimento, 1998, p. 137-147.
79
HOJDA, M.J.S. Mudança de sexo: causas e consequência. Intersexualidade e transexualidade. Revista
Brasileira de Medicina, vol. 42, n. 18, 1985.
80
Sexo atribuído: a atribuição de sexo é feita levando-se em conta, apenas, a aparência genitália externa do
indivíduo e não fatores que são determinantes do sexo (Gondenson e Anderson. Dicionário de sexo. São Paulo:
Ática, 1989, s.p.)
infância, têm a sensação de ter nascido com o corpo “trocado”, isto é, percebem-se
aprisionados em um corpo que não se identificam como seu.
O processo identitário, na esfera transexual, para Ramsey, deve partir da própria auto
percepção, resultando na não satisfação com o status biológico, a partir do diagnóstico de
disforia de gênero, ou seja, “o sentimento de infelicidade ou depressão quanto ao próprio
sexo”. Alia-se a isto, a busca permanente por tratamento hormonal e/ou cirurgia de
redesignação sexual81.
Bento chama-nos atenção para o fato de que a posição identitária em ser "transexual"
oferece um sentido provisório à vida, implicando um trabalho em escala social de desconstruir
os jargões rotineiramente lançados como "veado/travesti/sapatão", Nesse caso, não se explica
quem eu sou, mas recuperam-se as margens por meio do "Eu não sou"82.
Conforme frisa Butler, os/as transexuais ao afastar-se do campo da subjetivação, na
seara da sexualidade, rejeitam o órgão genital e incessantemente buscam uma solução, seja
pela via do tratamento hormonal ou, em alguns casos, da cirurgia de adequação de sexo.
Afirmam repetidamente uma descontinuidade radical entre os prazeres sexuais e partes
corporais. O que se quer em termos de prazer, com frequência, exige uma participação
imaginária de partes do corpo, que a pessoa pode não possuir. Nesse caso, o status imaginário
do desejo não se restringe à identidade transexual; a natureza fantasística do desejo não revela
o corpo como sua base ou sua causa, mas como sua ocasião e objeto83.
A existência, nesse caso, seria justificada pela negação ou partiria da indagação
contínua, quem sou eu? O processo de individualização torna-se necessário a partir do sentido
de identificação.
Ricoeur, já asseverou que identificar alguma coisa é poder fazer que o outro conheça,
no seio de uma gama de coisas particulares do mesmo tipo, aquela sobre a qual é nossa
intenção discorrer. Concluindo que identificar nesse sentido elementar não é ainda se
identificar a si mesmo, mas identificar "alguma coisa"84.
Ramsey, mais uma vez traz luz à ribalta, ao afirmar que ao deixar a adolescência,
durante o início da idade adulta, o/a transexual, que assim ainda não se reconheça, passa por
três trajetos que costumam adotar: sacrificam seus sentimentos de ser homem ou mulher
biológica “real”; afogam os problemas na bebida ou outras substâncias que alteram a

81
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 31.
82
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 209.
83
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.108.
84
RICOEUR, Paul. O Si-mesmo como um outro. Trad. Luci Moreira Cesar, Campinas: Papirus, 1991, p. 39.
consciência; ou começam fazer terapia, podendo resultar na compreensão da confusão quanto
ao gênero. Com a descoberta da transexualidade, o passo seguinte é a cirurgia85.
Bento, com precisão cirúrgica, chama a atenção para a propositura de que o
"dispositivo da transexualidade" é alimentado pelas verdades socialmente estabelecidas para
os gêneros, levando-a a sugerir que a formulação dos saberes que o estruturam, nada existe
que seja conhecimento neutro86.
Segundo Butler, “se a diferenciação do gênero decorre do tabu do incesto e do tabu
anterior da homossexualidade, então “tornar-se” um gênero é um laborioso processo de
tornar-se naturalizado, processo que requer uma diferenciação de prazeres e de partes
corporais, com base em significados com características de gênero” 87.
Nesse caso, podemos considerar o/a transexual a personificação do próprio tabu?
Freud, ao tratar a questão alerta-nos do quão perigoso pode ser a quebra de um tabu,
salientando que o rompimento de um paradigma pode se voltar para o próprio transgressor,
quando,

(...) qualquer um que faz o que é proibido, isto é, que viola o tabu, se torna ele
próprio tabu. Como harmonizar isto com o fato de o tabu se ligar não somente a uma
pessoa que fez o que é proibido como também a pessoas em estados específicos, aos
próprios estados, bem como objetos impessoais? Qual pode ser o atributo perigoso
que permanece o mesmo em todas essas condições diferentes? Só pode ser uma
coisa: a qualidade de excitar a ambivalência dos homens e de tentá-los a transgredir
a proibição.
Qualquer um que tenha violado um tabu torna-se tabu porque possui a perigosa
qualidade de tentar os outros a seguir-lhe o exemplo: por que se lhe deve permitir
fazer o que é proibido a outros? Assim, ele é verdadeiramente contagioso naquilo
em que todo exemplo incentiva a imitação e, por esse motivo, ele próprio deve ser
88
evitado .

Bruns e Pinto salientam que a violação do tabu é reforçada pela convicção


transexual, que se manifesta pelo uso de roupas do sexo oposto e pela solicitação de
tratamentos hormonais e cirúrgicos adequados, buscando atribuir ao corpo a aparência do
sexo desejado visando fundamentar o pedido de “mudança legal de nome e de sexo no
registro civil” 89.

85
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 90-91 .
86
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 23.
87
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 107.
88
FREUD, S. Totem e tabu. In: Obras completas de Sigmund Freud; trad. Dr. J.P. Porto. Rio de Janeiro: Delta,
v.14. 1950, p. 27.
89
BRUNS, Maria Alves de Toledo; PINTO, Maria Jaqueline Coelho. Vivência Transexual: o corpo desvela seu
drama. Campinas: Editora Átomo, (s/d), p. 46
Para Peres, na transexualidade persiste uma incongruência entre o sexo atribuído na
certidão de nascimento e a identidade de gênero do indivíduo. Não se cogita de o/a transexual
ser um/a doente mental90. Enquanto isso, Butler nos acena que não há identidade de gênero
por trás do próprio gênero; essa identidade é performativamente constituída pelas próprias
expressões consideradas como seus resultados91.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a transexualidade remonta à
patologização resultante do quadro clínico, denomina-se Transtorno de Identidade de Gênero
(TIG), impondo a elaboração de um laudo a diagnosticá-lo. Pode ser "regularizado" caso
ocorra o realinhamento ao fenótipo masculino ou feminino após a submissão à cirurgia de
transgenitalização, viabilizando a alteração do registro de assentamento civil quanto ao nome
e gênero após provocação judicial pela parte interessada, sendo que:

Nos transexuais masculinos, as cirurgias consistem na histerectomia, na


mastectomia e na construção do pênis [...] Para as transexuais femininas, a
cirurgia consiste na produção da vagina e de plástica para a produção dos
pequenos e grandes lábios. A produção da vagina é realizada mediante o
aproveitamento dos tecidos externos do pênis para revestir as paredes da
92
nova vagina .

Para concluir, seria por oportuno indagar: existe um roteiro exato e pré-determinado
a definir o que seja transexualidade? Segundo os estudiosos, há um processo em construção
da identidade sexual a definir a transexualidade, podendo vários aspectos influenciar no
diagnóstico. A transexualidade, acompanhando o ritmo veloz dos dias atuais, requer sua
compreensão dentro do contexto sujeito-mundo, onde toda humanidade assim está inserida.

2.2 A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA: ESPELHO, ESPELHO MEU: QUEM SOU EU?

Na construção do processo identitário, o ser humano, ainda nascituro, carrega em si a


ideia pré-concebida, uma marca daquilo que está por vir prendendo-se à categorização do
binômio masculino/feminino, obedecendo ao parâmetro aceitável da anatomia fisiológica e da
identificação sexual.

90
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 125.
91 BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia

das Letras. 2014, p. 48.


92
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 50 .
Uma composição biológica que se afaste dessa noção é considerada estranha,
podendo ser tratada como uma aberração à natureza humana, de difícil compreensão e,
sobretudo, aceitação.
Essa desaprovação, justificada para atender às leis da natureza, encontra amparo no
ideário social comum, em decorrência da dificuldade de entendimento da diversidade sexual e
da multiplicidade de identidades de gênero, somado ao preconceito, exclusão, discriminação e
amarga violência, que podem levar esses indivíduos, considerados transgressores na escala
social, à invisibilidade.
Bento, nesse aspecto, nos esclarece:

Se a sociedade divide-se em corpos-homens e corpos-mulheres, aqueles que


não apresentam essa correspondência fundante tem a estar fora da categoria
do humano. Aponto ainda que a sexualidade não apresenta uma relação
direta com a identidade de gênero. Quando dizem "sou um homem/uma
mulher em um corpo equivocado", não se deve interpretar tal posição como
se estivessem afirmando que ser mulher/homem é igual a ser heterossexual.
As histórias de mulheres transexuais lésbicas e de homens transexuais gays
indicam a necessidade de interpretar a identidade de gênero, a sexualidade, a
subjetividade e o corpo como modalidade relativamente independentes no
processo de construção das identidades93.

Castel afirma que não há uma conclusão exata acerca da construção identitária,
origem e definição da transexualidade: "caracteriza-se pelo sentimento intenso de não
pertença ao sexo anatômico, sem por isso manifestar distúrbios delirantes (a impressão de
sofrer uma metamorfose sexual é banal na esquizofrenia, mas neste caso é acompanhada de
alucinações diversas), e sem bases orgânicas (como o hermafroditismo ou qualquer outra
anomalia endócrina)" 94. Portanto,

As tentativas de definir o transexualismo, assim como a de elucidar sua


gênese, refletem bem a complexidade da questão transexual demonstrando,
além disto, que entre os pesquisadores não há unanimidade quanto a sua
origem. Da mesma forma, as propostas terapêuticas - terapia, psicanálise,
tratamento médico-cirurgical e até mesmo lobotomia - são extremamente
controvertidas e, por vezes, francamente divergentes. Em psicanálise, vários
autores propuseram teorias diferentes para tentar elucidar o problema, e é ao
psicanalista norte americano Robert Stoller que devemos o estudo mais

93 BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 25.
94 Castel PH. Algumas reflexões para estabelecer a cronologia do "fenômeno transexual" (1910-1995). Rev
bras Hist 2001; 21(41):77-111. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882001000200005&lng=pt&nrm=isso. Acessado em: 03 jan. 2016.
exaustivo do transexualismo. Suas teorias marcaram profundamente tanto a
pesquisa como a prática cirúrgica nesse domínio. 95

Butler ao fazer referência à introdução aos diários de Herculine Babin, um


hermafrodita francês do século XIX, salienta que somente na edição inglesa datada de 1978,
Foucault questiona se a noção de um sexo verdadeiro é necessária. Tempos depois, Butler
retoma o tema na contemporaneidade, elaborando a análise seguinte:

A noção de que pode haver uma “verdade” do sexo, como Foucault a


denomina ironicamente, é produzida precisamente pelas práticas reguladoras
que geram identidades coerentes por via de uma matriz de normas de gênero
coerentes. A heterossexualização do desejo requer e institui a produção de
oposições discriminadas e assimétricas entre “feminino” e masculino”, em
que estes são compreendidos como atributos expressivos de “macho” e de
fêmea”. A matriz cultural por intermédio da qual a identidade de gênero se
torna inteligível exige que certos tipos de “identidade” não possam “existir”
— isto é, aquelas em que o gênero não decorre do sexo e aquelas em que as
práticas do desejo não “decorrem” nem do “sexo” nem do “gênero”. Nesse
contexto, “decorrer” seria uma relação política de direito instituído pelas leis
culturais que estabelecem e regulam a forma e o significado da
sexualidade96.

A partir da tríade sócio-político-cultural tem-se o entendimento e as especificidades


inerentes às experiências trans, vivenciadas por transexuais, transformistas e travestis. A
questão é colocada em pauta tomando como ponto de partida a construção do processo de
identidade decorrente do auto percepção e busca pelo reconhecimento social. Portanto,

Reconhecendo-se a diversidade de formas de viver o gênero, dois aspectos


cabem na dimensão transgênero, enquanto expressões diferentes da
condição. A vivência do gênero como: 1. Identidade (o que caracteriza
transexuais e travestis); ou como 2. Funcionalidade (representado por
crossdressers, drag queens, drag kings e transformistas). Há ainda as pessoas
que não se identificam com qualquer gênero. Aqui no Brasil ainda não há
consenso quanto a como denominá-las. Alguns utilizam o termo queer,
outros a antiga denominação andrógino ou, ainda, reutilizam a palavra
transgênero97.

95
CECCARELLI, Paulo Roberto, in Viviani, A., (Org.) Temas da Clínica Psicanalítica, São Paulo:
Experimento, 137-147, 1998.
96
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p. 38-39.
97
<https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_POPULA%C3%87%C3%83O_TRANS.
pdf?1334065989> Acesso em: 01 jul. 2015.
A autonomia no dispositivo de montagem corporal e os papéis sociais são erguidos
com parâmetros diferenciados entre transexuais e travestis, embora com ênfase no gênero,
liberdade de expressão e autonomia sobre o uso do corpo.
Conforme salienta Hall, o processo de construção da identidade deve-se ao gênero,
porquanto,
A identidade é realmente algo formado, ao longo de tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento. [...] Ela permanece sempre incompleta, está
sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. [...] em vez de falar da
identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-
la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da
plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de
uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas
formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros98.

Peres, amparada na definição do jurista Heleno Claudio Fragoso, aponta-nos o


primeiro ponto relevante de distinção entre transexuais e travestis, qual seja, as travestis não
possuem aversão ao sexo biológico, reconhecendo-se tanto como homens ou mulheres, em
conformidade com o órgão genital externo, enquanto para os/as transexuais os órgãos sexuais
provocam verdadeira repulsa, não constituindo uma fonte de prazer. Essa repugnância pelo
sexo biológico provoca um desejo compulsivo de reversão sexual só satisfeito mediante o
procedimento cirúrgico99. Reforçando a teoria esposada, Benedetti acrescenta:

Travestis são aquelas que promovem modificações nas formas do seu corpo
visando a deixá-lo cotidianamente como pessoas pertencentes ao gênero
feminino sem, no entanto desejar explicitamente recorrer à cirurgia de
transgenitalização para retirar o pênis e construir uma vagina.
[...]
As transformistas, por sua vez, promovem intervenções leves — que podem
ser rapidamente suprimidas ou revertidas — sobre as formas masculinas do
corpo, assumindo as vestes e a identidade femininas somente em ocasiões
específica100.

Para as travestis a vestimenta feminina ganha uma importância maior, uma vez que
serve como objeto de identificação rotineira, usada cotidianamente, não tendo como

98
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós- Mordenidade. DP&A, 11ª ed.. Rio de Janeiro, 2006, p.10.
99
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 122.
100
BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p. 18.
finalidade precípua servir ao show business, artifício comumente utilizado pelas
transformistas. Ademais, segundo Benedetti, a utilização do gênero gramatical feminino
destinado às travestis, além de valorizar o próprio processo de construção do gênero adotado,
possui justificativa política, uma vez que o respeito e a garantia à construção feminina estão
entre as principais reivindicações do movimento trans101.
Francoeur explana que, no sentido clínico, há o entendimento que aponta o
significado de travesti-se como o de vestir-se com roupas de outro sexo com propósitos de
entretenimento ou, ainda, viver o papel homossexual ou parafílico necessário para acomodar
algum nível de conflito de gênero102.
O processo externo de feminilização tem uma importância fundamental na
construção identitária das travestis. Há toda uma "montagem" a personificar a figura feminina
onde mãos, caras e bocas dominam a cena. A voz ganha uma afinação, a vestimenta assume
papel de destaque e a linguagem corporal, portanto são os meios de comunicação; dão o sinal
da visibilidade e referendam a transformação diária a que se submetem.
A sobrevivência, com estilo, passa necessariamente pela construção e reafirmação
diária do processo de transformação de gênero; a identidade desejada e diuturnamente
defendida passa ser um adorno com característica de troféu.
O arquétipo construído pelas travestis tem a finalidade de identificá-las e
individualizá-las, servindo, efetivamente, como bandeira de sobrevivência e firmamento. O
rosto e a postura ganham uma dimensão que extrapolam o próprio ser, possuem vida e
dinâmica singulares, antecipam a alma e o sentimento, tendo como finalidade precípua a
justificação da própria existência e, sobretudo, a tomada de posição estratégica em se manter
com dignidade nas esferas do poder.

É a não-adequação, aos olhos do senso comum, entre os significados dos


seus corpos e os de suas práticas sociais e sexuais, que confere às travestis
um poder especial, ambíguo, uma aura subversiva e perigosa, mas ao mesmo
tempo sedutora e libertária. Elas questionam e reinventam os próprios modos
de fabricação dos sujeitos, trazendo para si o poder de conformar suas
curvas, seus desejos, suas práticas e significados do gênero.103

101 BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p. 19.
102 FRANCOEUR, Robert T. The Complete Dictionary of Sexology, Published by Continuum, New York,
1995, s.p.

103BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p. 132.
Soma-se à performance, a expressão do olhar, o cabelo, a vestimenta que
contribuirão à composição identitária da travesti, o que servirá à incorporação do gênero
feminino, em detrimento do masculino. Segundo Benedetti: "A ingestão de hormônios, as
aplicações de silicone, as roupas e os acessórios, o acuendar a neca, as depilações são
momentos de um processo que é maior e que tem por resultado a própria travesti e o universo
que ela cria e habita"104. Deleuze e Guattari já aduziam que,

O rosto não age aqui como aqui como individual, é a individualização que
resulta da necessidade de que haja rosto. O que conta não é a individualidade
do rosto, mas a eficácia da cifração que ele permite operar, em quais casos.
Não é questão de ideologia, mas de economia e de organização de poder.
Não dizemos, certamente que o rosto, a potência do rosto, engendra o poder
e o explica. Em contrapartida, determinados agenciamentos de poder têm
necessidade de produção de rosto, outros não.105

Nesse passo, as travestis buscam, no processo de construção da identidade, a


identificação com o feminino, não desprezando a potencialidade sexual e prazerosa que pode
advir dessa condição. Ramsey explica que "as travestis gostam de se estimular sexualmente,
ao passo que a maioria dos transexuais não toca ou sequer expressa a posse dos genitais de
nascença ou de seus caracteres sexuais secundários"106.
Não obstante a aura glamour-artística, as travestis são levadas, notadamente na
escala profissional, à marginalização, ocasionando uma migração para grandes centros, à
exploração sexual e a um possível estado de imobilização por dívidas contraídas perante
rufiões ou cafetinas, estampando os noticiários:

Meninos a partir de 14 anos são aliciados no Ceará, no Rio Grande do Norte


e no Piauí e, aos poucos, são transformados em mulheres para se
prostituírem nas ruas de São Paulo e em países da Europa. Misturados a
travestis maiores de idade, eles são distribuídos em três pontos tradicionais
de prostituição transexual em São Paulo: além da Indianópolis, são
encaminhados para a região da Avenida Cruzeiro do Sul, na Zona Norte, e
Avenida Industrial, em Santo André, no ABC paulista.[...] Assim como eles
recebem a proteção da Polícia Militar para não serem agredidos por grupos
homofóbicos, os novos fios do novelo se entrelaçam, dando à rede de tráfico

104 BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p. 131.
105
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. (1996) Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução: Aurélio
Gerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia Cláudia Leal e Suely Rolnik. Rio de Janeiro: Editora 34. v.3. 2012. p.
47.
106
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 39.
internacional de adolescentes o mesmo aparato de segurança e legalidade
que é dado aos transexuais ditos “independentes” 107.

Pela notícia veiculada, infere-se que adolescentes sem uma estrutura muscular e
orgânica plenamente desenvolvida são inseridos nas rotas do tráfico e aliciados à exploração
sexual, necessitando de intervenções corpóreas para aparentarem, num curto período, um
biótipo carregado de erotismo e sexualidade.
Benedetti explica que o abandono da família e as expulsões dos lares pelos pais,
parece ser um passo necessário à construção de uma identidade que fortaleça a figura da
travesti, ocorrendo quase sempre na puberdade. Esses acontecimentos costumam ser
caracterizados por aventuras na rua e embates com a polícia, entre outras ocorrências. O
contato e a convivência com outras pessoas, em iguais condições, possibilita às travestis uma
liberdade até então não desfrutada. É nesse instante que o aprendizado sobre o feminino
começa a fluir, culminando com o batismo de um nome feminino, afirmando sua qualidade
maior108.
A construção identitária, tanto da travesti quanto do/da transexual, guarda
característica própria. Bento ressalta que: “a identidade de gênero não é uma essência que
adquire visibilidade pelos atos; ao contrário, são os atos, linguísticos e corporais, que darão
vida aos sujeitos generificados. O trabalho de fabricação das identidades é permanente, tem
um caráter incluso109.
Szaniawski salienta o seguinte:

A problemática da identidade sexual de alguém é, porém, muito mais ampla


do que seu simples sexo morfológico. Deve-se, pois, considerar o
comportamento psíquico que o indivíduo tem diante de seu próprio sexo. Daí
resulta que o sexo compõe-se da conjugação dos aspectos físico, psíquico e
comportamental da pessoa, caracterizando-se, consequentemente, seu estado
sexual110.

Nesse toar, cabe-nos questionar: existe, ou não, uma identidade trans? Para Lima, “o
termo “trans” expressa as vivências que atravessam e vazam a naturalização dos corpos, a
biologização das identidades, o binarismo dos gêneros e os enquadramentos classificatórios,
107
O GLOBO. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/meninos-sao-aliciados-para-
virar-transexuais-em-sp-3950782>. Acessado em: 14 ago. 2014.
108
BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005, p.p. 102-103
109
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de
Janeiro: Garamond, 2006, p. 204.
110
SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual: estudo
sobre o transexualismo. Aspectos médicos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p . 94
principalmente as experiências travestis, transexuais e transgêneros” 111 . Para a autora, é
possível assinalar pressupostos fundamentais para compreendermos a política das identidades
na contemporaneidade:

1) a ideia de que não existem sujeitos anteriores aos discursos e práticas nem
discursos e práticas anteriores aos sujeitos. Os sujeitos são efeitos das
relações de poder; 2) os sujeitos se tornam reconhecíveis (para si e para o
outro) a partir da inteligibilidade dos gêneros; 3) a inteligibilidade é
construída através de uma relação binária entre sexo e norma cuja reiteração
normativa produz e regula os sujeitos, seus corpos e desejo imprimindo uma
suposta estabilidade binária dos gêneros; 4) a matriz normativa não captura
todos os corpos que produz. Forma-se assim uma zona de abjeção povoada
por uma miríade de possibilidades que reiteram e subvertem a matriz. A
abjeção não constitui apenas o outro exterior, mas se dá numa relação com a
norma. Não existe aqui a ideia de um original cujos abjetos seriam a sua
negação; 5) dizer que os sujeitos são efeitos das relações de poder é
reconhecer a dimensão de assujeitamentos e, por fim, 6) reconhecer a
dimensão de assujeitamento é reconhecer o potencial de subversão, de
resistências, pois assim como as identidades trans as resistências não são um
112
ato exterior ao dispositivo do poder, mas opera no âmbito deste .

Bento, por sua vez, sob outra vertente, salienta que as unidades que as identidades
proclamam são construídas no interior do jogo do poder e da exclusão; resultam de um
processo de fechamento, de produção e reprodução de margens, delimitadas por fronteiras
intransponíveis sob o manto do discurso. O “Eu sou” implica um trabalho de negociações
com as idealizações, ao passo que o “Eu não sou”, depende de reiterações discursivas e não
discursivas; devendo ser enfatizadas as idealizações que orientam a construção do “Eu quero
ser”, os polos positivados das identificações113.
Butler aponta-nos a possibilidade de uma identidade construída, onde os atributos de
gênero não são expressivos, mas performativos nas várias maneiras como corpo mostra ou
produz sua significação cultural, onde não há identidade preexistente pela qual um ato ou
atributo possa ser medido; tampouco há atos de gênero verdadeiros ou falsos, reais ou
distorcidos, uma vez que a postulação de uma identidade de gênero verdadeira se revelaria

111
LIMA, Fátima. Corpos, Gêneros, Sexualidades: Políticas de Subjetivação. Porto Alegre: Rede UNIDA,
2014, p.38.
112
LIMA, Fátima. Corpos, Gêneros, Sexualidades: Políticas de Subjetivação. Porto Alegre: Rede UNIDA,
2014, p.44.
113 BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de
Janeiro: Garamond, 2006, p. 213
uma ficção reguladora. Como portadores desses atributos, os gêneros podem se tornar
completa e radicalmente incríveis114.

2.3 TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO E DESPATOLOGIZAÇÃO

Ao adentrar no presente tópico, saliente-se que Almeida, sob o aspecto clínico,


considera os/as transexuais pessoas, homens e mulheres, que apresentam identidade cruzada,
pensando, atuando, agindo, falando e amando como se fossem do sexo oposto115.
Devido a numerosas críticas, o termo “transexualismo” foi revisado pela Associação
Americana de Psiquiatria em 2001, passando a ser reconhecido como “Transtorno de
Identidade de Gênero” (TIG) para se referir aos casos mais graves de Disforia de Gênero
(categoria 302.85), valendo dizer:

Desde el punto de vista de la psiquiatría oficial representada por la APA, la


terminología que se ha impuesto actualmente es la de Trastornos de
Identidad de Género y su caracterización y protocolo de tratamiento fue
incorporado por primera vez (I) en el Manual de Enfermedades Mentales
((Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM) de los
Estados Unidos, en su versión III de 1968, revisado en 1973 (DSM III-R), y
(II) posteriormente modificado, de forma sustancial, en el DSM IV, en su
versión 2001 (DSM IV-R). Por su parte, (III) la Clasificación Internacional
de Enfermedades de la Organización Mundial de la Salud (CIE-10) también
reconoce la transexualidad como una condición médica que afecta la salud, y
describe sus caracteres y tratamiento116.

Portanto, a transexualidade é designada para os sujeitos que evidenciam uma forte


identificação com o sexo contrário à aparência anatômica, acompanhada por uma insatisfação
constante com o sexo aparente, independentemente do momento em que se manifeste a
disforia.
O Transtorno de Identidade de Gênero foi catalogado pela Organização Mundial da
Saúde (OMS), entre outras instituições internacionais, a exemplo da HBIGDA, credenciadas a
orientar o diagnóstico, sob o CID-10 (categoria F-64-0): “O diagnóstico da transexualidade é

114 BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro;
Companhia das Letras. 2014, p.201
115
ALMEIDA, Sérgio. Transexualidade e Etiologias: como desvendar este mistério. In: Identidade Sexual e
Transexualidade. Organizadores: VIEIRA, Tereza R.; PAIVA, Luiz Airton S. de. São Paulo: Roca, 2009, p 50.
116
ADRIÁN, Tamara. Un ensayo de determinación de la situación actual del problema a la luz del examen del
derecho comparado. Arilha, M.; Lapa, T.S.; Pisaneschi, T.C. (Orgs.). Transexualidade, travestilidade e direito à
saúde. São Paulo: Oficina Editorial, 2010, p.13.
realizado a partir de uma exaustiva avaliação, que inclui um histórico do caso, testes
psicológicos e sessões de terapia” 117.
Temos, desde 2009, no cenário nacional e internacional a campanha “Stop Trans
Patologization 2012” que defende o direito das pessoas modificarem livremente seus corpos
de modo a adequá-los às suas necessidades particulares e contingentes118.
Arán, Murta e Lionço reforçam o caloroso debate em torno da compreensão
patologizante do fenômeno transexual, em especial por aqueles que se opõem a sua definição
como uma categoria psiquiátrica, porquanto a argumentação crítica ao diagnóstico se baseia
na tese de que o fenômeno não está relacionado a qualquer alteração de função, mas à
percepção de uma inadequação às normas de gênero119.
Nesse caso, como assim defende Butler, a transexualidade deve ser compreendida
como uma entre muitas possibilidades humanas de determinação do próprio gênero,
enfraquecendo a autonomia, se associada à patologia120.
Ainda, para Butler, na mesma obra, o diagnóstico reforça formas de avaliação
psicológica alheias à pessoa diagnosticada. O diagnóstico, ainda que seja proclamado à
revelia da pessoa interessada, considera os efeitos delirantes como se fossem resultantes de
uma disforia. Há uma aceitação que certas normas de gênero não foram adequadamente
assimiladas, fruto de algum erro ou falha, levando à patologização, voltando-se especialmente
contra jovens trans e queers.
Quanto aos efeitos danosos da patologização, a própria Butler, assim sustenta:

[...] não se deve subestimar a força patologizante do diagnóstico,


especialmente para jovens que podem não ter os recursos críticos para resistir
a essa força. Nesses casos, o diagnóstico pode ser debilitante, senão assassino.
Algumas vezes, o diagnóstico assassina a alma; e, algumas vezes, torna-se um
fator para o suicídio. Assim, o que está em jogo neste debate é altamente
importante, pois parece ser, afinal, uma questão de vida ou morte; para alguns,
o diagnóstico parece significar a própria vida e, para outros, o diagnóstico
parece significar a morte. Para outros, ainda, ele pode muito bem ser uma
121
benção ambivalente ou, de fato, uma maldição ambígua .

117
DATASUS. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde –
CID-10. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm>. Acesso em: 08 mar. 2015.
118
Stop Trans Pathologization 2012. Acesso em: < http://www.stp2012.info/old/pt>. Acesso em: 03 fev. 2016.
119
ARÁN, Márcia. MURTA, Daniela. LIONÇO, Tatiana., Transexualidade e Saúde Pública no Brasil.
Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, vol. 14, n.4, jul./ago. 2009. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000400020&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 20 dez. 2015.
120
BUTLER Judith. Desdiagnosticando o gênero. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 19 Jan
2009, p. 95-126.
121
BUTLER, Judith. Desdiagnosticando o gênero. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 19 Jan
2009. p. 95-126.
É iminente a possibilidade de exclusão do transtorno de identidade de gênero do rol
de doenças nos manuais da OMS, como noticiado pela mídia em dezembro de 2013, havendo
a possibilidade de ser catalogado como uma discordância ou incongruência de gênero122. Os
desafios da despatologização, tal qual o entendimento da identidade trans, são complexos,
especialmente por existir o temor de o amparo governamental ser subtraído na assistência à
saúde.
Segundo Adrián,

[...] esta despatologización debería contribuir a permitir el acceso a la salud


en condiciones de no-discriminación y a disminuir el estigma que existe aún.
En este sentido, el derecho mismo a la salud ha evolucionado para cobrir
situaciones que antes quedaban desprotegidas de la cobertura médica, debido
a prejuicios de diferente naturaleza, particularmente de tipo religioso o
social123.

Através dessa trajetória, constata-se que o entendimento da variabilidade e riqueza


sociocultural do universo humano ou o vasto caleidoscópio de possibilidades na esfera da
sexualidade encontra-se em constante evolução, merecendo uma continuada revisão do seu
entendimento e conceitos, onde deve ser privilegiado, como assim defende a Associação
Brasileira de Homens Trans o direito à autonomia, sem que a transexualidade se mantenha no
rol de doenças mentais124.

2.4 CIRURGIA DE ADEQUAÇÃO DE SEXO

Conforme nos ensinam Arán, Murta e Lionço, a cirurgia de transgenitalização ou


adequação terapêutica do sexo, como assim defende é considerada a etapa mais importante no
tratamento do “transexualismo”, especialmente pela possibilidade de adaptar a morfologia
genital ao sexo com o qual o indivíduo se identifica. O referido procedimento foi justificado,
entre os debates ocorridos ao fim dos anos 70 do século XX, inicialmente, com base no
princípio de beneficência, uma vez que permite a integração entre o corpo e a identidade

122
UOL. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/12/1378921-transexualismo-
deve-sair-da-lista-de-doencas-mentais.shtml>. Acesso em: 20 mai. 2015.
123
ADRIÁN, Tamara. Un ensayo de determinación de la situación actual del problema a la luz del examen
del derecho comparado. Arilha, M.; Lapa, T.S.; Pisaneschi, T.C. (Orgs.). Transexualidade, travestilidade e
direito à saúde. São Paulo: Oficina Editorial, 2010, p. 72.
124
UOL. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/12/1378921-transexualismo-
deve-sair-da-lista-de-doencas-mentais.shtml>. Acesso em: 20 mai. 2015.
sexual psíquica da pessoa interessada, conjuntamente com os princípios da autonomia e da
não-discriminação125.
Bento, ao produzir sua pesquisa, trabalhou com o agrupamento de duas teorias, a
primeira tendo como referência o “transexual stolleriano” inspirado no psicanalista Robert
Stoller, a segunda sob uma estrutura biológica, o “transexual benjaminiano”, em referência ao
endocrinologista Harry Benjamin que definiram critérios para diagnosticar o “verdadeiro
transexual”, levando em conta as características que fossem compartilhadas por todo/a
transexual, o que proporcionou dois desdobramentos umbilicalmente ligados, o primeiro, a
produção de protocolos e demais orientações aceitas internacionalmente no tratamento dos
transexuais e, o segundo, a universalização do/a transexual126.
Para Ventura existe uma possibilidade biotécnica de “mudança de sexo” e da
demanda transexual, reacendendo as discussões sobre os limites da autonomia corporal e
sexual da pessoa em relação às cirurgias e transformações no corpo, assim como a
legitimidade moral e legal de alteração e vivência de uma nova identidade sexual por meio
dos recursos biotecnocientíficos127.
Ainda, segundo Ventura, há duas espécies de restrições e/ou limitações para a
“mudança de sexo”. Em primeiro lugar, a obrigatoriedade de um protocolo diagnóstico e
terapia para que se confirme que a pessoa é portadora do transtorno psíquico de identidade de
gênero e possibilite o acesso aos procedimentos hormonais e cirúrgicos, inclusive a cirurgia
de transgenitalização, visando à adequação sexual. A segunda restrição é de ordem legal,
relacionada à impossibilidade, a princípio, de alteração do sexo no assentamento de registro
civil, já que o ordenamento jurídico considera o sexo um dos elementos do estado civil da
pessoa, também a princípio, de natureza imutável e indisponível128.
Para Borges, no entanto, “as cirurgias a que se submetem os/as transexuais não
implicam, exatamente, deliberada “mudança de sexo”. São procedimentos médicos de
ajustamento da apresentação física do paciente à sua convicção sexual psíquica”129.

125
ARÁN, Márcia. MURTA, Daniela. LIONÇO, Tatiana., Transexualidade e Saúde Pública no Brasil.
Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, vol. 14, n.4, jul./ago. 2009. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000400020&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 20 dez. 2015.
126
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 133
127
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 11.
128
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010,
p. 11-12.
129
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada, Editora Saraiva, 2ª
Edição rev., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 191.
Segundo Bento, todos/as os/as transexuais benjaminianos/as desejam solucionar seus
conflitos mediante a realização da cirurgia de adequação de sexo. Indaga: se vivemos em uma
sociedade composta de homens e mulheres com corpos sexualmente apropriados, como
classificar pessoas que têm o sentimento de pertencer ao gênero contrário ao que a
composição binária indica, mas que, no entanto, não querem se submeter à cirurgia ou não
concedem uma importância crucial ao procedimento transgenitalizador? 130
A autora, respondendo à própria indagação, diz que o “sentimento de ser ou estar
incompleto, ou mesmo em débito, constitui as contingências identitárias e, para muitos/as
transexuais, não é a cirurgia que lhes garantirá a coerência identitária que procuram; para
outros, porém, a cirurgia pode representar a possibilidade de ascenderem à condição humana”
131
.
Enquanto isso, Ventura reforça a controvérsia sob outro viés:

[...] é moralmente legítima a tutela da psiquiatria, a medicalização e a


judicialização de uma condição sexual para o acesso a direitos de cidadania,
garantidos nos estatutos éticos e legais nas sociedades democráticas, para
132
todas as pessoas, indistintamente?

Para a autora, a concepção normativa dita a regra de que o normal é a coerência entre
sexo-gênero, implícita a compreensão de sexo e gênero a partir de aspectos biológicos.
Qualquer outra combinação que não seja fundamentada em uma matriz binária heterossexual -
mulher/feminino, homem/masculino – convertendo-se em um sistema regulador da
sexualidade dos sujeitos, é considerada uma patologia133.
Elimar Szaniawski considera a cirurgia de adequação de sexo “terapia cirúrgica de
mudança de sexo”, para esclarecer sua natureza terapêutica, e aponta muitos inconvenientes
práticos ou consequências negativas de tal procedimento134.
No entanto, o estudo realizado com 141 transexuais em 1993 na Holanda, por Snaith,
Tarsh e Reid, demonstrou que “não há razão para por em dúvida o efeito terapêutico da
cirurgia de redesignação de sexo”, como relatado por Ramsey135.

130
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 157.
131
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 160.
132
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 12.
133
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010,
p.13.
134
SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual: estudo
sobre o transexualismo. Aspectos médicos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. p. 84 e 166.
Com é reiteradamente relatado pela literatura especializada, o IV Congresso
Brasileiro de Medicina Legal realizado em São Paulo, no ano de 1974, classificou como
mutilante, e não como corretiva, a cirurgia para troca de sexo tipificando sua realização uma
lesão sob o ponto de vista penal, o que ensejou a conclusão de que a intervenção feria o
Código de Ética Médica, motivando uma ação judicial. O médico Roberto Farina, autor da
cirurgia, foi absolvido da acusação, por ter atendido fins terapêuticos.
Somente em 1997, com o advento da Resolução CFM nº 1.482, do Conselho Federal
de Medicina, (revogada posteriormente pela Resolução CFM nº 1.652/2002 e atualmente em
vigor a Resolução CFM nº 1.955/2010), foi autorizada no Brasil a realização de cirurgias de
transgenitalização em pacientes transexuais, visando ao caráter terapêutico da medida,
segundo determinados critérios, com implantação de um programa em hospitais que
atendessem aos requisitos necessários, dentre eles a constituição de equipe multidisciplinar
composta por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social,
após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto para confirmação diagnóstica.
Ainda, a Portaria do MS nº 457, também de 2008, considerou a necessidade de
identificar e estruturar os serviços de assistência aos indivíduos com indicação para o
processo transexualizador, estruturando o processo de credenciamento e habilitação.
Vale ser observado, devido à especificidade, que a Resolução 1.482/CFM considera
que “o/a paciente transexual é portador/a de desvio psicológico permanente de identidade
sexual com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação ou autoextermínio”.
Em 2008, o Ministério da Saúde (MS) editou a Portaria nº 1.707, definindo as
Diretrizes Nacionais para o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde - SUS,
custeado pelo Poder Público. Foi revogada pela Portaria 2.803, de 19 de novembro de 2013,
em decorrência, dentre outras razões, da decisão judicial proferida no dia 13 de setembro de
2013 em sede de execução na referida Ação Civil Pública, que determinou ao Ministério da
Saúde o cumprimento integral, no prazo de 30 (trinta) dias, das medidas necessárias para
possibilitar a realização no Sistema Único de Saúde (SUS) de todos os procedimentos
médicos para garantir a cirurgia de transgenitalização e a readequação sexual no Processo
Transexualizador, conforme os critérios estabelecidos na Resolução nº 1.652 de 2002 do
Conselho Federal de Medicina (CFM).
Faz-se necessário esclarecer que no dia 31.07.2013, foi publicada no Diário Oficial
da União a Portaria 859, que ampliava as diretrizes do processo transexualizador pelo SUS,

135
RAMSEY, Gerald. Transexuais: Perguntas e Respostas. São Paulo: Summus, 1998, p. 133-134.
com determinação que as redes de saúde pública atendessem, com tratamento hormonal,
jovens a partir dos 16 anos, e que a cirurgia para a readequação de sexo fosse realizada, pelo
SUS, a partir dos 18 anos. Porém, na tarde, do mesmo dia de publicação da Portaria, o
Ministério da Saúde informou, por nota, que a portaria que definia as novas medidas para o
processo transexualizador, seria suspensa.
Desse modo, mantêm-se as diretrizes de assistência ao/a usuário/a (transexuais e
travestis) com demanda para realização do Processo Transexualizador no SUS, nos termos da
Portaria 2803/2013, que estabeleceu, dentre outros, os seguintes critérios:

I - integralidade da atenção a transexuais e travestis, não restringindo ou


centralizando a meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais
intervenções somáticas;
II - trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional;
III - integração com as ações e serviços em atendimento ao Processo
Transexualizador, tendo como porta de entrada a Atenção Básica em saúde,
incluindo-se acolhimento e humanização do atendimento livre de
discriminação, por meio da sensibilização dos trabalhadores e demais
usuários e usuárias da unidade de saúde para o respeito às diferenças e à
dignidade humana, em todos os níveis de atenção.

Pois bem, para concluir, como bem asseverou Bento, os processos corporais podem
ser pensados como metáfora da construção identitária, exigindo um trabalho permanente
construindo margens discursivas de delimitação com outras experiências136.
Embora não se tenha o intento de parecer taxativo, tampouco limitado, conclui-se
que o sentimento e natureza humana, com toda gama de subjetividades e diversidade sexual,
encontram-se circuncidados nos versos da velha canção: “mistérios sempre há de pintar por
aí”137.

136
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 25-26.
137
GIL, Gilberto. Esotérico. Intérprete: Gilberto Gil. LP Um Banda Um. Polygram, 1976.
3 A TRANSEXUALIDADE À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

Sánchez Rubio, em sua obra Encantos e Desencantos dos Direitos Humanos, com
precisão, aponta-nos um dilema crucial acerca do muito que é dito e o que é feito e na ideia
comum e restrita que temos sobre direitos humanos. Diz o autor:

É quadro típico, tópico e clássico ter como pacífica a separação que existe
entre o que se diz e o que se faz em matéria de direitos humanos. Quase todo
o mundo tem na cabeça a ideia de que é muito diferente a teoria e a prática
sobre os direitos humanos. Este abismo é considerado indiscutível e muito
difícil de superar. Muito se escreveu e muito se disse sobre possíveis causas
desse distanciamento, mas pouco são os estudos que partem da premissa de
que talvez esta separação entre o que é dito e que é feito, entre o plano do ser
e do dever ser, resida na nossa própria maneira de pensar os direitos
humanos.138

Por outro lado, as Cortes Internacionais de Direitos Humanos têm promovido uma
política de proteção ao ser humano a fim de combater o preconceito, a discriminação e a
violência extrema em razão da orientação sexual e identidade de gênero. Alguns países já
possuem leis específicas que cuidam da identidade de gênero.
Além disso, na mesma linha de proteção, também é fomentada uma política de
garantir saúde aos/às transexuais, com facilidade de tratamento hormonal e submissão ao
procedimento cirúrgico transgenitalizador, assegurando um alinhamento da identidade de
gênero à compleição física e, por conseguinte, possibilidade de alteração do registro civil.
No tocante à legislação que assegure a identidade de gênero o Brasil mantém-se
inerte sobre o tema, notadamente na esfera legislativa, relegando ao Judiciário a palavra final
sobre a possibilidade de alteração do registro civil de nascimento quanto ao nome e ao sexo.
Em virtude disso, impõe-se ao/a transexual a obrigatoriedade de demandar em Juízo
a fim de requerer a alteração do assento de nascimento, mesmo que já tenha se submetido ao
procedimento cirúrgico transgenitalizador, tendo que se subjugar às convicções da autoridade
judicial e submeter-se a perícias clínicas e psicológicas para comprovação do sexo e validação
do estado psíquico.

138 RUBIO, Davi Sánchez. Encantos e desencantos dos direitos humanos: de emancipações, libertações e
dominações. Tradução Ivone Fernandes Morcilho Lixa, Helena Henkin. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2014, p. 121.
3.1 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA INDIVIDUAL

Como bem nos aponta a jurista Camilla Gonçalves, “a autonomia está implicitamente
referida no art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na alusão à razão e
consciência dos homens como denominador comum que garante a liberdade, a igualdade e a
dignidade: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados
de razão e de consciência 139 devem agir uns para com os outros em espírito de
fraternidade”140.
De acordo com Roxana Borges, a autonomina jurídica individual, em sentido amplo,
“coincide com o conceito de liberdade jurídica, significando a faculdade de atuar licitamente.
A licitude da conduta reside, nesse aspecto, na ausência de sua proibição”. Segundo a mesma
autora, em sentido restrito, entende-se a autonomia privada “como o poder atribuído pelo
ordenamento jurídico ao indivíduo para que este possa reger, com efeitos jurídicos, suas
próprias relações” 141.
Ter autonomia, segundo Miriam Ventura, significa dispor de si mesmo de forma
integral e ter a capacidade para esse exercício. A autonomia individual carrega em si duas
dimensões: a capacidade para distinguir a ação apropriada a ser adotada e a ação, que implica
a escolha de uma decisão142.
A autonomia, sob a ótica de Luís Roberto Barroso, expressa a vontade livre, a
capacidade do indivíduo de se autodeterminar em conformidade com a representação de
certas leis.
Para exemplificar, vale dizer:

Na jurisprudência de diversos países é possível encontrar decisões fundadas


na autonomia como conteúdo da dignidade. No julgamento do caso
Rodriguez, a Suprema Corte canadense fez expressa menção à “habilidade
individual de fazer escolhas autônomas”, embora, no caso concreto, tenha
impedido o suicídio assistido. Na Suprema Corte americana, o mesmo

139
Destaque assinalado pela própria autora.
140
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 114.
141
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada, Editora Saraiva, 2ª
Edição rev., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 47.
142
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 21.
conceito foi invocado em decisões como Lawrence v. Texas, a propósito da
legitimidade das relações homoafetivas. Na mesma linha da dignidade como
autonomia foi a decisão da Corte Constitucional da Colômbia ao decidir pela
inconstitucionalidade da proibição da eutanásia. O julgado fez expressa
menção a uma perspectiva secular e pluralista, que deve respeitar a
autonomia moral do indivíduo. A mesma Corte, ao julgar o caso Lais versus
Pandemo, reconheceu não apenas a licitude da prostituição voluntária, como
expressão da autodeterminação individual, como assegurou aos
trabalhadores do sexo direitos trabalhistas” 143.

O autor se ampara na singularidade da filosofia kantiana a fim de fundamentar a sua


posição, defendendo que a lei não é uma imposição externa (heterônoma), mas a que cada
indivíduo dá a si mesmo. Em suma:

A autonomia da vontade é o elemento ético da dignidade humana, associado


à capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao seu direito de fazer
escolhas existenciais básicas. Ínsita na autonomia está a capacidade de fazer
valorações morais e de cada um pautar sua conduta por normas que possam
ser universalizadas. A autonomia tem uma dimensão privada, subjacente aos
direitos e liberdades individuais, e uma dimensão pública, sobre a qual se
apoiam os direitos políticos, isto é, o direito de participar do processo
eleitoral e do debate público. Condição do exercício adequado da autonomia
pública e privada é o mínimo existencial, isto é, a satisfação das
necessidades vitais básicas144.

Nesse toar, Segundo Ventura, a perspectiva da autonomia individual e, sobretudo, a


possibilidade de decidir livremente sobre intervenções no próprio corpo e na identidade
pessoal, pode ser problematizada a partir dos princípios da indisponibilidade do corpo e do
estado da pessoa. A autonomia como liberdade de ação, está associada à garantia de
prerrogativas legais para decidir livremente sobre aspectos da vida pessoal, implicando a
limitação do poder médico sobre as intervenções no paciente145.

3.2 PRINCÍPIOS DA UNIVERSALIDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO

143
BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público.
Mimeografado, dezembro de 2010. p. 27. [Os casos apontados foram devidamente individualizados pelo autor,
na referida obra]
144
BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público.
Mimeografado, dezembro de 2010. p. 18.
145
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 44-45.
Sob a perspectiva da legislação comparada pela ótica dos direitos humanos,
Gonçalves narra que o direito à identidade de gênero ganha tratamento diferenciado ao redor
do planeta, sendo admitido em alguns países o reconhecimento do gênero de identificação
independentemente da realização de cirurgia de redesignação de sexo, enquanto outros
estabelecem como exigência o procedimento cirúrgico como condição para alteração do
registo de assentamento civil146.
Em julho de 1989, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovou a
Recomendação 1.117 sobre discriminação contra os/as transexuais, bem como uma
Resolução, anexo II, sobre a condição dos/as transexuais, aconselhando todos os Estados-
Membros aprovarem legislação relativa à transexualidade que “proibisse toda a discriminação
no gozo de direitos e liberdades fundamentais, de acordo com o disposto no artigo 14.º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem” 147.
Um grupo eminente de especialistas em direitos humanos, orientação sexual e
identidade de gênero, entre os dias 6 e 9 de novembro de 2006, desenvolveu, discutiu e
refinou os Princípios Yogyakarta, sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos
Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero, no sentido de dar mais
clareza e coerência às obrigações de direitos humanos dos Estados.
Os Princípios de Yogyakarta, embora careça de uma conotação jurídica, trouxe a
ideia de que os direitos humanos são universais, indivisíveis, mas ao mesmo tempo
interdependentes e inter-relacionados, considerando a orientação sexual e a identidade de
gênero um espelho da dignidade da pessoa humana, não podendo ser motivo de
discriminação e abuso148.
Adrián salienta que na esfera internacional, a título de proteção aos/as transexuais, os
Princípios de Yogiakarta também podem ser adotados sobre a aplicação da legislação
internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, sob
o seguinte fundamento:

En este orden de ideas es menester recordar la existencia de los llamados


Principios de Yogiakarta Sobre la Aplicación de la Legislación Internacional

146 GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da


Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p.227.
147 GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 98-99.
148 Princípios Sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em Relação à Orientação
Sexual e Identidade de Gênero. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/gays/principios_de_yogyakarta.pdf>. Acesso em 03 jan. 2016. Tradução
para o português: Jones de Freitas. Julho, 2007p. 6.
de los Derechos Humanos en Relación con la Orientación Sexual y la
Identidad de Género redactados bajo la modalidad de soft-law que incluyen
una relectura en clave de diversidad sexual de los principios de derechos
humanos contenidos en diferentes convenciones y tratados sobre la materia.
Y en cuanto al derecho a la salud, se estabelece lo siguiente, todo en
coherencia con la despatologización de la transexualidad y el travestismo149.

Segundo a autora, tais princípios englobam, também, o direito à saúde e o combate


ao abuso médico, enumerados nos Princípios 17 e 18, relacionados nos Anexos,
estabelecendo uma coerência com a despatologização da transexualidade.
Em junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas adotou a
Resolução 17/19, primeira resolução da ONU voltada à orientação sexual e identidade de
gênero150. Expressando forte preocupação em relação à violência e discriminação contra as
pessoas, em todas as regiões do mundo, por causa de sua orientação sexual e identidade de
gênero, nessa mesma Assembleia Geral foi solicitado ao Alto Comissariado de Direitos
Humanos um estudo que documentasse as práticas discriminatórias e atos de violência contra
as pessoas por motivo de sua orientação sexual e identidade de gênero, e como a legislação
internacional de direitos humanos poderia ser utilizada para combatê-los151.
O estudo que fora realizado demonstrou a preocupação da Comunidade Europeia na
aplicação de normas internacionais de direitos humanos que se regem pelos princípios da
universalidade e não discriminação, uma vez que todos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos, incluídas as pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans, e que têm o direito de gozar da
proteção dessas normas internacionais, respeitando-se os direitos à vida, segurança,
intimidade, direito de não ser submetido a tortura, discriminação e direito à liberdade de
expressão, associação e reunião pacífica.
Subsequentemente à publicação do relatório mencionado, foi lançado um manual,
intitulado “Nascidos Livres e Iguais”, sob responsabilidade do Alto Comissariado para
Direitos Humanos, da ONU, contendo cinco obrigações que deveriam ser assumidas pelos
Estados a fim de evitar violação de direitos humanos – atitudes homofóbicas, falta de
proteção jurídica e combate à discriminação - em razão de orientação sexual e identidade de
gênero. Foram elas:

149 ADRIÁN, Tamara. Un ensayo de determinación de la situación actual del problema a la luz del examen del
derecho comparado. Arilha, M.; Lapa, T.S.; Pisaneschi, T.C. (Orgs.). Transexualidade, travestilidade e direito à
saúde. São Paulo: Oficina Editorial, 2010, p. 29.
150
Organização das Nações Unidas – ONU. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/> Acesso em 09 jan.
2016.
151
Organização das Nações Unidas – ONU. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Discrimination/A.HRC.19.41_Spanish.pdf> Acesso em 09 jan. 2016.
1. Proteger as pessoas da violência homofóbica e transfóbica. Incluir a
orientação sexual e a identidade de gênero como características protegidas
por leis criminais contra o ódio. Estabelecer sistemas efetivos para registrar e
relatar atos de violência motivados pelo ódio. Assegurar investigação
efetiva, instauração de processo contra os perpetradores e reparação das
vítimas de tal violência. Leis e políticas de asilo devem reconhecer que a
perseguição de alguém com base em sua orientação sexual ou identidade de
gênero pode ser um motivo válido para um pedido de asilo.
2. Prevenir a tortura e o tratamento cruel, desumano e degradante às pessoas
LGBT em detenção através da proibição e punição de tais atos, garantindo
que as vítimas sejam socorridas. Investigar todos os atos de maus tratos por
agentes do Estado e levar os responsáveis à justiça. Prover treinamento
apropriado aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e garantir um
controle eficaz dos locais de detenção.
3. Revogar leis que criminalizam a homossexualidade, incluindo todas as
leis que proíbem a conduta sexual privada entre adultos do mesmo sexo.
Assegurar que não sejam presos ou detidos em razão de sua orientação
sexual ou identidade de gênero, e não sejam submetidos a exames físicos
degradantes e desnecessários com a finalidade de determinar sua orientação
sexual.
4. Proibir a discriminação com base na orientação sexual e identidade de
gênero. Promulgar leis abrangentes que incluam a orientação sexual e
identidade de gênero como motivos proibidos para discriminação. Em
especial, assegurar o acesso não discriminatório a serviços básicos, inclusive
no contextos de emprego e assistência médica. Prover educação e
treinamento para prevenir a discriminação e estigmatização de pessoas
intersexo e LGBT.
5. Proteger as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica
para as pessoas intersexo e LBGT. Qualquer limitação destes direitos deve
ser compatível com o direito internacional e não deve ser discriminatória.
Proteger indivíduos que exercitam seus direitos de liberdade de expressão,
de associação e de reunião dos atos de violência e intimidação por grupos
152
privados .

Segundo Gonçalves, as recomendações dos órgãos internacionais, demonstrando


preocupação com a violência e discriminação contra transexuais, propagam o valor da
tolerância no plano internacional, ao tempo em que apontam a obrigação de se manter o
respeito para com os que detêm uma identidade de gênero não padronizada, reafirmando a
democracia como regime político favorável à proteção dos direitos humanos153.
Bobbio, sobre o tema, entende que “o problema da tolerância em face de quem é
diverso por motivos físicos ou sociais, põe em evidência o tema do preconceito e da

152
ONU, versão para o português, 2013, Disponível em:
<http://www.onu.org.br/img/2013/03/nascidos_livres_e_iguais.pdf>, Acesso em: 12 jan. 2016.
153
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 100.
consequente discriminação [...] devendo esse preconceito ser entendido como uma opinião ou
conjunto de opiniões que são acolhidas de modo acrítico passivo pela tradição, pelo costume
ou por uma autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão”154.
Nesse toar, faz-se necessário o respeito, com o livre direito de expressão e cidadania
ao/a transexual, considerando que há um conflito decorrente do aprisionamento de corpos em
busca de autonomia e um dilema entre a composição morfológica e a identidade de gênero. A
redefinição das relações de gênero e o reconhecimento dessas identidades por parte do Estado
e da Sociedade, com amparo nos princípios de Direitos Humanos, é a alternativa a ser
construída para uma vida mais digna.

3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Declaração de Direitos e Deveres do Homem, aprovada na IX Conferência


Internacional Americana, em Bogotá, em abril de 1948 e o artigo 1º da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948
demonstra a consagração, no plano internacional, da dignidade como valor da pessoa humana.
A exposição de motivos e o preâmbulo da Declaração de Direitos e Deveres do
Homem, Aprovada na Nona Conferência Internacional Americana, em Bogotá, no ano de 1948,
se mostram essenciais ao estudo desse tema, porquanto contextualizam a dignidade como
valor que deve nortear os direitos e garantias fundamentais.
Na exposição de motivos, assim vem justificado:

Que os povos americanos dignificaram a pessoa humana e que suas


Constituições nacionais reconhecem que as instituições jurídicas e políticas,
que regem a vida em sociedade, têm como finalidade principal a proteção
dos direitos essenciais do homem e a criação de circunstâncias que lhe
permitam progredir espiritual e materialmente e alcançar a felicidade.// Que,
em repetidas ocasiões, os Estados americanos reconheceram que os direitos
essenciais do homem não derivam do fato de ser ele cidadão de determinado
Estado, mas sim do fato dos direitos terem como base os atributos da pessoa
humana.// Que a proteção internacional dos direitos do homem deve ser a
orientação // principal do direito americano em evolução.// Que a
consagração americana dos direitos essenciais do homem, unida às garantias
oferecidas pelo regime interno dos Estados, estabelece o sistema inicial de
proteção que os Estados americanos consideram adequado às atuais
circunstâncias sociais e jurídicas, não deixando de reconhecer, porém, que
deverão fortalecê-lo cada vez mais no terreno internacional, à medida que
essas circunstâncias se tornem mais propícias.

154
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 18ª tirage, Rio de Janeiro:
Campus. 1992, p. 203- 204.
Enquanto, no preâmbulo, foram adotados os seguintes preceitos:

Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, como são


dotados pela natureza de razão e consciência, devem proceder fraternalmente
uns para com os outros. // O cumprimento do dever de cada um é exigência
do direito de todos. Direitos e deveres integram-se correlativamente em toda
a atividade social e política do homem. Se os direitos exaltam a liberdade
individual, os deveres exprimem a dignidade dessa liberdade. // Os deveres
de ordem jurídica dependem da existência anterior de outros de ordem
moral, que apoiam os primeiros conceitualmente e os fundamentam. // É
dever do homem servir o espírito com todas as suas faculdades e todos os
seus recursos, porque o espírito é a finalidade suprema da existência humana
e a sua máxima categoria. // É dever do homem exercer, manter e estimular a
cultura por todos os meios ao seu alcance, porque a cultura é a mais elevada
expressão social e histórica do espírito. // E, visto que a moral e as boas
maneiras constituem a mais nobre manifestação da cultura, é dever de todo
homem acatar-lhe os princípios.

A justificativa deste novo sistema de proteção encontra-se no preâmbulo da


Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os


membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, // Considerando que
o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos
bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de
um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da
liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado
como a mais alta aspiração do homem comum, // Considerando essencial
que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o
homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e
a opressão, //Considerando essencial promover o desenvolvimento de
relações amistosas entre as nações, //Considerando que os povos das Nações
Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na
dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos
homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e
melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,// Considerando
que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação
com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e
liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades, //
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é
da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, // A
Assembléia Geral proclama // A presente Declaração Universal dos Diretos
Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as
nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade,
tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da
educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela
adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por
assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos,
tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos
dos territórios sob sua jurisdição.

Nesse toar, considerando o contexto histórico-cultural em que foram proclamadas as


declarações em comento, tem-se a dignidade como valor intrínseco da pessoa humana a ser
utilizado como forma de prevenir e combater todo e qualquer tipo de abuso contra todos os
povos e nações.
No Brasil, a dignidade da pessoa humana foi inserida, formalmente, no ordenamento
jurídico apenas no ano de 1988, pela Constituição Cidadã. Sua localização na Constituição
Federal já denota sua importância jurídica e social, vez que é o fundamento de um Estado
Democrático de Direito – um Estado de Princípios.
Tal lição pode ser extraída dos ensinamentos do saudoso jurista Canotilho, citado
pela professora e advogada Piovesan: “(...) direito do Estado de Direito do século XIX e da
primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do Estado
Constitucional Democrático e de Direito leva a sério os princípios, é um direito de
princípios”155.
Vieira, ao analisar a desigualdade, defende que a exclusão social e econômica,
oriunda de níveis extremos e persistentes de desigualdade, causa a invisibilidade daqueles
submetidos à pobreza extrema, a demonização daqueles que desafiam o sistema e a imunidade
dos privilegiados, minando a imparcialidade da lei. A invisibilidade é um problema
preocupante num regime democrático ou sob um contexto consumista156.
Conclui o autor dizendo que a desigualdade coloca os mais carentes em posição de
desvantagem, uma vez que há uma marginalização aos olhos daqueles que têm melhor
condição, bem como aos olhos dos agentes públicos. Os indivíduos de nível inferior não
conseguem atingir um patamar real de completa cidadania e não são reconhecidos como
detentores de direitos.
Detendo-nos sobre os/as transexuais, o quadro de desigualdade, pode ser considerado
um efeito do biopoder, que vem a significar “o crescente ordenamento em todas as esferas sob
o pretexto de desenvolver o bem-estar dos indivíduos e das populações. Esta ordem se revela

155
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. e atual 2ª
tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 30.
156
VIEIRA, Oscar Vilhena, A desigualdade e a Subversão do Estado de Direito. Revista Internacional de
Direito e Cidadania, nº 1, Junho-2008. p. 185-201.
como sendo uma estratégia, sem ninguém a dirigi-la, e todos cada vez mais emaranhados
nela, que tem como única finalidade o aumento da ordem e do próprio poder” 157.
Pois bem, como salientado por Peres e Toledo, mostra-se cruel e desumano, não
obstante a sensação de pertencimento e auto percepção levem ao enfrentamento da violência e
discriminação nos campos político e social:

A desigualdade, esse efeito do biopoder, está presente em todas as etapas de


vida das travestis, dos(as) transexuais e dos(as) transgêneros e podem ser
cartografadas logo nas primeiras experiências vividas de discriminação,
estigmatização, violência e exclusão. Em geral, essas experiências ocorrem
inicialmente no espaço familiar pela rejeição, humilhação, ridicularização e
violência sobre qualquer tipo de expressão das masculinidades em corpos
biológicos femininos e das feminilidades em corpos biológicos masculinos,
intensificando-se diante da expressão da orientação do desejo homossexual.
Essa experiência de estigmatização no seio da família dá início a um
processo de enfraquecimento da autoestima e da crença em si mesmos(as).
Devido a isso, a necessidade de um sentimento de pertença os(as) leva à
aproximação de pessoas que coadunam de mesmos gostos, desejos, sonhos;
pessoas que de certa forma compartilham de suas experiências,
necessidades, desejos e projetos. Esses contatos iniciais com indivíduos que
se identificam com seus estilos de vida são imprescindíveis para que possam
se fortalecer para os enfrentamentos das forças discriminatórias e
excludentes, tanto no âmbito pessoal como em engajamentos políticos158.

O preconceito e a discriminação, aliados às dificuldades do cotidiano, podem tornar


tormentosa a vida de um/a transexual, sobretudo pela ausência de uma cidadania plena. As
dificuldades enfrentadas são inúmeras, ainda mais se há uma incongruência entre a identidade
de gênero e a compleição física, além da documentação do registro civil que pode se
configurar um motivo de constrangimentos quando em desalinho com a aparência.
Almeida e Murta exemplificam atividades rotineiras vivenciadas por qualquer
pessoa, mas que, para transexuais e/ou travestis e igualmente familiares, podem configurar de
extrema complexidade e ser motivo de preconceito ou discriminação, sobretudo por envolver
documentos, a exemplos de compras com cartão de crédito, emissão de passaporte, check-in
de uma passagem aérea ou terrestre, pagamento de ingresso de cinema ou teatro servindo-se
da carteira de estudante, aquisição de um imóvel ou automóvel, reclamação de direitos na
condição de consumidor/a ou trabalhador/a, frequência às dependências de uma academia de

157
RABINOW, Paul., DREYFUS, Hubert. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do
estruturalismo e da hermenêutica, Tradução de Vera Porto Carrero, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995:
XXII.
158
PERES, William Siqueira., TOLEDO, Lívia Gonsalves. Dissidências Existenciais de Gênero: resistências e
enfrentamentos ao biopoder. Psicologia Política, 2011, p. 261-277.
ginástica ou ida ao dentista, sepultamento, ser beneficiário/a de pensão ou estar na condição
de herdeiro/a de bens159.

3.4 DIREITO AO PRÓPRIO CORPO

Há uma controvérsia sobre o significado de construção, baseando-se na polaridade


filosófica convencional entre o livre-arbítrio e determinismo, como assim defende Butler. Nos
limites desses termos, “o corpo” aparece como um meio passivo onde se inscrevem
significados culturais, ou então como um instrumento pelo qual a vontade de apropriação ou
interpretação determina o significado cultural. Segue dizendo que o “corpo” é em si mesmo
uma construção, assim como o é a miríade de “corpos” que constitui o domínio dos sujeitos
com marcas de gênero160.
Bento arremata, ao afirmar que a experiência transexual caracteriza-se pelos
deslocamentos, na disputa entre o gênero e o corpo-sexuado, quando se afirma: “sou um/a
homem/mulher em um corpo equivocado”. Ainda, segundo a autora, a plasticidade do corpo
se revela em “seios não-lactantes; úteros não-procriativos; clitóris que, mediante a utilização
de hormônios, crescem até se transformarem em órgãos sexuais externos; próstatas que não
produzem sêmen; vozes que mudam de tonalidade; barbas, bigodes e pelos que cobriam
rostos e peitos inesperados”161.
Segundo Ricoeur, a prioridade reconhecida nos corpos é da maior importância para a
noção de pessoa, pois se o conceito de pessoa não é menos uma noção primitiva que a de
corpo, não há possibilidade de uma segunda referência distinta, a alma, por exemplo. Nessa
linha, conclama que "as pessoas sejam também corpos"162.
No entanto, segundo Soares, o corpo tem um “papel” específico no momento atual,
onde não parece haver fronteiras e tudo se revela como já ultrapassado. O corpo, ao que
parece, já pode ser visto também como um reservatório de produtos caros, função que se
agrega a outra plenamente aceita que é a de exibir-se, variando o lugar que pode ser o imenso

159 Almeida, G. & Murta, D. Reflexões sobre a possibilidade da despatologizacao da transexualidade e a


necessidade da assistencia integral a saude de transexuais no Brasil. Sexualidad, Salud y Sociedad. Revista
Latinoamericana ISSN 1984-‐6487/n.14 Ago. 2013. pp.380-‐407 / Dossier n.2 /
www.sexualidadsaludysociedad.org.
160
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.27
161
BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006, p. 106
162
RICOEUR, Paul. O Si-mesmo como um outro. Trad. Luci Moreira Cesar, Campinas: Papirus, 1991, p. 46.
campo esportivo e seu pódio, as passarelas da moda, as academias de ginástica, as casas
noturnas ou os cardápios humanos que são oferecidos no planetário e rentável comércio
sexual. Assim, arremata:

A subjetividade humana que implica mergulho e reflexão, compreensão de


desejos e sonhos reduz-se à intimidade narcísica de centímetros de bíceps,
cinturas, coxas, nádegas, de pedaços do corpo que são transformados com
astúcia e perseverança com o auxílio não apenas dos exercícios físicos mas,
também, de todo um mercado que existe em função da norma a ser
alcançada. São aminoácidos, vitaminas e alimentos dietéticos, cirurgias que
acrescentam e/ou retiram coisas para que o corpo atinja a forma ou,
163
conforme Certeau, para que ele possa se adequar à norma .

Lima compreende que os corpos se materializam a partir da reiteração entre a norma


e o sexo. Os gêneros são, antes de tudo ficcionais e, na sua materialidade, assumem contornos
políticos importantes que acabam por segregar, estigmatizar e, por vezes, eliminar os outros
que não correspondem à ideia de normalidade164.
Enquanto, para Butler, torna-se fundamental questionar a invisibilização de existência
dos corpos, tendo em vista que a consequência da lógica heteronormativa, que possibilita um
regramento de identidades consideradas admitidas e identifica as excluídas, produz, a partir desse
discurso, uma zona de abjeção que consiste na invisibilidade e inexistências desses corpos. Essa
matriz excludente, sobre a qual se formam simultaneamente os sujeitos abjetos, persiste no
campo inabitável da vida social. Arremata a autora, ao afirmar: “Neste sentido, pois, o sujeito
é constituído através da força da exclusão e da abjeção, uma força que produz um exterior
constitutivo relativamente ao sujeito, um exterior abjeto que está, afinal, "dentro" do sujeito,
como seu próprio e fundante repúdio” 165.
Nessa perspectiva, Lima salienta que certas invenções corporais e performatividades
de gênero podem ganhar a dimensão de “armas” nas “lutas” contemporâneas166.
Já, Butler, defende seu ponto de vista sob o seguinte prisma:

163
SOARES, Carmem Lúcia. (Org.) Corpo, Conhecimento e Educação: Notas Esparsas, In Corpo e História.
São Paulo: Autores Associados, 2001, p. 120.

164
LIMA, Fátima. Corpos, Gêneros, Sexualidades: Políticas de Subjetivação. Porto Alegre: Rede UNIDA,
2014, p. 25.
165
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In. LOURO, Guacira Lopes
(Org.) O corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. s/p.
166
LIMA, Fátima. Corpos, Gêneros, Sexualidades: Políticas de Subjetivação. Porto Alegre: Rede UNIDA,
2014, p.19.
Se a subversão for possível, será uma subversão a partir de dentro dos
termos da lei, por meio das possibilidades que surgem quando ela se vira
contra si mesma e gera metamorfoses inesperadas. O corpo culturalmente
construído será então libertado, não para o seu passado “natural”, nem para
seus prazeres originais, mas para um futuro aberto de possibilidades
culturais167.

Ora, seria por oportuno indagar que se que paira sobre a transexualidade um
paradoxo resultante da necessidade de "moldar" a compleição física à velha e conhecida
moldura de formação binária masculino/feminino?
Em sendo a resposta positiva, seria esse paradoxo falsídico, uma vez que o resultado
poderia ser considerado autocontraditório e resultaria de uma auto rejeição? Ou, seria a
transexualidade, tão somente, uma antinomia?
Ainda, a fim de aprofundar a indagação, será que o/a transexual poderia ser
considerado/a a personificação do paradoxo em si ao desejar assumir outra identidade que vai
se concretizar no decorrer do tempo, a depender de acontecimento futuro e incerto (o
procedimento transgenitalizador)?
Nesse caminhar, a genitália, de tão rejeitada, não estaria ganhando uma posição de
destaque, sendo alçada à responsabilização da infelicidade do indivíduo e se sobrepondo à
alma ou ao próprio sentimento, além da gama de subjetividades que pode amplamente ser
vivenciada longe dos esquadros sexuais já conhecidos?
Afora tais indagações, na reprodução de significados culturais sobre como deve ser a
masculinidade e a feminilidade, merece ser destacado o filme Transamérica. Nele poder-se-ia
considerar que a “moldura” de uma pessoa transexual, já se encontra previamente
estabelecida na esfera social, a fim de se moldar ao estabelechiment político e
comportamental? Ainda, por intermédio da película cinematográfica, seria possível perquirir
onde se inicia a verdade e como se instala o discurso de superioridade das regras? Há, de fato,
um patamar no qual a identidade de gênero é posicionada como um dilema da condição
transexual?
Logo, na primeira cena, quando entrevistada pelo psiquiatra do serviço público de
saúde, a personagem Bree Ozbourne, uma transexual prestes a se submeter à cirurgia de
redesignação de sexo, procura se amoldar ao que se espera dela, expressando repulsa/negação
ao seu pênis, além da relação de rejeição ao próprio corpo.

167
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro; Companhia
das Letras. 2014, p.139-140.
O diálogo merece destaque, seja pela necessidade urgente de a paciente "livrar-se" de
sua genitália na esperança de que, a partir daí, surja uma nova mulher que passe a ser a
perfeita tradução de sua identidade e luz, plenamente adaptada e moldada às exigências
sociais e, sobretudo, curada, livre de uma doença. Vejamos:

— Já houve tentativa de suicídio?


— Não
— Já teve a sensação de que está sendo perseguida?
— Não
— Algum histórico de doença mental na família?
— Não
— Quais procedimentos médicos?
— Utilizaram eletrólise, três anos de terapia, cirurgia plástica pra deixar o
rosto feminino, lift nos seios, redução da testa e afinamento do queixo e da
voz.
— Você está bem convincente.
— Tento disfarçar, ser discreta. Acredito que posso ficar assim até a
operação.
— Você se considera uma pessoa feliz?
— Sim. Quero dizer, não. Quero dizer, eu serei.
— Miss Ozbourne, não existe uma resposta certa para isso.
— Sim, sou uma pessoa muito feliz.
— Como posso ajudá-la se não é honesta comigo?
— Pode assinar essa autorização para mim, por favor?
— A Associação Americana de Psiquiatria considera a categoria de disforia
de gênero um grave transtorno mental.
— Eu vou fazer esta operação, nem que um médico descubra que não há
nada de errado além do meu corpo. Eu serei uma mulher. Não considera
estranho que uma cirurgia plástica possa curar um transtorno mental?
— Como se sente em relação ao seu pênis?
— Ele me enoja. Nem consigo olhá-lo.
— E os seus amigos?
— Eles também não gostam
— Digo, você tem amigos que lhe apoiam?
— Sou bem próxima à minha terapeuta.
— E sua família?
— Minha família está morta168.

Ainda que se tenha uma limitação do uso do corpo em decorrência da do próprio


princípio da indisponibilidade, no caso do/a transexual a autonomia individual e a necessidade
terapêutica de atender os anseios da pessoa interessada sobrepõe qualquer limitação, não
podendo sequer ser aventado um efeito mutilante, discussão que já foi ultrapassada na esfera
legal, como já fora exposto e que será, adiante, esmiuçada.

168
TUCKER, D. Transamérica. Filme americano. Duração: 103m. 2005.
3.5 DIREITO À SAÚDE E A BIOÉTICA

A agressão à cidadania transexual pode ser reportada, além das limitações impostas,
discriminação e preconceito, também no âmbito da saúde, porquanto a fim de se submeterem
à cirurgia de readequação de sexo os/as transexuais precisam provar à equipe multidisciplinar
que efetivamente são quem dizem ser, ficando a mercê de um diagnóstico favorável, sem
deixar de olvidar que o entendimento clínico é de que a transexualidade consiste em uma
patologia mental, ao contrário do que defendem os interessados, que almejam somente aliar a
adequação corporal ao gênero que se identificam.
Reportando-se ainda ao filme Transamérica, a personagem Bree, ao considerar
estranho o fato de uma cirurgia plástica curar uma doença mental, agora sob a análise de
Bento, vale a seguinte transcrição:

Bree esqueceu que, mesmo depois da cirurgia, ela continuará sendo vista
como uma doente pela APA [Associação Psiquiátrica América]. A cirurgia
não cura nada, apenas dá melhores condições de vida para o/a enfermo/a e
deve ser realizada em casos extremados, quando esta “aberração” não
consegue reverter-se por outros caminhos terapêuticos169.

Todo direito possui uma destinação. No decorrer dos últimos três séculos,
principalmente, esse destinatário passou de “homem” e “cidadão”, como na Declaração de
Direitos Francesa, até chegar ao ser humano, como na Declaração Universal de Direitos
Humanos.
Nessa passagem, entes específicos foram objeto de tutela das diversas Declarações e
Convenções, como a criança e o adolescente, o idoso, a mulher, o diferente funcional etc.
Com o advento da DUDH todo ser humano foi elevado à condição de pessoa garantidora de
direitos. Não somente, aqueles que eram considerados cidadãos de um determinado Estado.
Há de se observar, no entanto, que essa equiparação é eivada de questionamentos
ainda não pacificados pelas diversas vertentes da filosofia, a se pensar, por exemplo, o que é
um ser humano, ou o que seria uma pessoa, ou mais ainda: o que é uma pessoa humana? Esse
questionamento é fundamental para a discussão de direitos que são pleiteados, e que apesar de
suas razões - condição de ser humano - não são garantidos.

169
BENTO, Berenice. O que é Transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 67
Essa é uma indagação que percorre a filosofia desde a era pré-socrática, mas foi Kant
que trouxe a primeira definição de consistência. De acordo com o autor, a condição de pessoa
não se resume à estrutura de indivíduo por ser constituída de dois elementos: a) um corpo e b)
uma estrutura psíquica, que transcende a matéria. Essa estrutura psíquica é tratada por Kant
como algo que pertence à metafísica, algo imaterial, intocável, mas que constitui a pessoa.
Isso significa que a pessoa vai além da sua objetificação material e transcende até sua
personalidade, daí a ideia de que os direitos são destinados às pessoas.
Ora, se todo ser humano, ou toda pessoa tem direito à saúde - física ou psíquica -,
basta comprovar a qualidade de pessoa para que esse direito tenha legitimidade de ser
exercitado ou até mesmo postulado perante o Judiciário. O que não ocorre diante a
problemática da argumentação que aqui se persegue. Isso acontece porque existem alguns
direitos que possuem destinatários específicos, ou seja, que além de serem considerados
pessoas, sofrem de alguma vulnerabilidade. No situação trazida à baila. o/a destinatário/a é
inerente ao direito, e não o inverso.
O caminho que a dialética se reporta no presente trabalho, consiste na ideia de que o
direito em abstrato pode preexistir à pessoa, mas a sua materialização depende da existência,
da identificação e do reconhecimento dessa pessoa. Vale dizer, novamente com relação ao
direito à saúde: Toda pessoa humana tem direito à saúde. Mas, o direito a um determinado
remédio, ou tratamento, depende primeiro da existência desse medicamento ou deste
tratamento, e depois da identificação específica do/a destinatário/a que foi reconhecido/a
como detentor/a desse direito pelo Estado, seja mediante ato legislativo, seja mediante decisão
judicial concreta.
Assim, antes mesmo de submissão à cirurgia de readequação de sexo, o/a transexual
tem direito ao tratamento condizente com a sua necessidade, a fim de garantir as integridades
física e psíquica, seja por acompanhamento de profissional voltado às especificidades
terapêutica, endrócrina, clínica, cirúrgica, estética, assistencial etc.
Ainda, adentrando no campo da bioética, interroga-se: como são estabelecidos os
limites pela ciência no uso do corpo? No caso da transexualidade, o que passa a retratar a
verdade, o corpo originário ou o novo biótipo que surge após diversos procedimentos
cirúrgicos e tratamento hormonal? Existe uma posição coerente e uníssona no que diz respeito
à autonomia corporal, aliada à integridade física e psicológica, perante os direitos humanos?
Conforme nos relata Gonçalves, a bioética foi definida por Reich na primeira edição
da Encyclopedia of Bioethics, ganhando um conceito definitivo na segunda edição da obra,
em 1995, nos seguintes termos: “estudo sistemático das dimensões morais das ciências da
vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um contexto
multidisciplinar” 170.
Sustenta ainda Gonçalves, por si, que o enfoque bioético refere-se “à reflexão sobre a
transformação da vida, que se identifica nos tratamentos e na cirurgia voltados à
transformação do corpo do/a transexual” 171. Reflete também sobre o binômio saúde-doença,
levando em conta o sofrimento psíquico em um corpo saudável, acompanhado do desejo por
intervenções físicas de consideráveis proporções.
Por outro lado, Ventura chama-nos atenção para o conceito de biotecnociência tem
sido um motivo de preocupação, uma vez que, como um instrumento do poder político,
aparentemente de modo paradoxal, amplia as possibilidades de controle e restrições à
liberdade pessoal. Portanto,

No contexto da biopolítica, e da medicalização como instrumento do


biopoder, já no período entre o século XVIII e XIX conferiu-se à Medicina
Social e ao Direito posições estratégicas na governabilidade dos corpos –
individual e social – como principais responsáveis pela regulação sanitária
do espaço social, que pode implicar em restrições à autonomia individual,
em prol desse bom funcionamento necessário dos corpos172.

No entanto, apesar dos avanços biotecnocientíficos, ainda há uma forte carga de


discriminação voltada para os/as transexuais, com violação sistemática dos direitos
fundamentais, pois, a fim de obter a materialização do direito à saúde, por meio de um
tratamento digno para o realinhamento da compleição física, antecipadamente deve ser
declarado/a portador/a de distúrbio mental, sendo desconsiderada por completo a identidade
de gênero, a identificação com o sexo oposto, o sentimento íntimo.
Muitas das vezes, o estado se nega a cumprir com sua obrigação mínima de proteção
à saúde do cidadão, sendo acionado judicialmente a fim de cumprir a decisão judicial, sob
pena de cominação pecuniária e imposição da obrigação de fazer.
No caso abaixo, houve flagrante discriminação por motivo de gênero, decorrente da
exclusão da lista de procedimentos médicos custeados pelo Sistema Único de Saúde para
realização das cirurgias de transgenitalização e procedimentos complementares, impedindo,

170
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p.41.
171
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p.43.
172 VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010,
p. 15
com isso, o acesso à saúde, o que transferiria ao usuário do serviço o custeio do tratamento.
No caso abaixo, o judiciário, por meio do ativismo judicial, amparado em direitos
fundamentais protetivos, deferiu o pleito autoral e garantiu à proteção à cidadania. Vejamos:

DIREITO CONSTITUCIONAL. TRANSEXUALISMO. INCLUSÃO NA


TABELA SIH-SUS DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS DE
TRANSGENITALIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E
PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE SEXO.
DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE GÊNERO. DIREITOS
FUNDAMENTAIS DE LIBERDADE, LIVRE DESENVOLVIMENTO DA
PERSONALIDADE, PRIVACIDADE E RESPEITO À DIGNIDADE
HUMANA. DIREITO À SAÚDE. FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO.
1 – A exclusão da lista de procedimentos médicos custeados pelo Sistema
Único de Saúde das cirurgias de transgenitalização e dos procedimentos
complementares, em desfavor de transexuais, configura discriminação
proibida constitucionalmente, além de ofender os direitos fundamentais de
liberdade, livre desenvolvimento da personalidade, privacidade, proteção à
dignidade humana e saúde.
2 – A proibição constitucional de discriminação por motivo de sexo protege
heterossexuais, homossexuais, transexuais e travestis, sempre que a
sexualidade seja o fator decisivo para a imposição de tratamentos
desfavoráveis.
3 – A proibição de discriminação por motivo de sexo compreende, além da
proteção contra tratamentos desfavoráveis fundados na distinção biológica
entre homens e mulheres, proteção diante de tratamentos desfavoráveis
decorrentes do gênero, relativos ao papel social, à imagem e às percepções
culturais que se referem à masculinidade e à feminilidade.
4 – O princípio da igualdade impõe a adoção de mesmo tratamento aos
destinatários das medidas estatais, a menos que razões suficientes exijam
diversidade de tratamento, recaindo o ônus argumentativo sobre o cabimento
da diferenciação. Não há justificativa para tratamento desfavorável a
transexuais quanto ao custeio pelo SUS das cirurgias de
neocolpovulvoplastia e neofaloplastia, pois (a) trata-se de prestações de
saúde adequadas e necessárias para o tratamento médico do transexualismo e
(b) não se pode justificar uma discriminação sexual (contra transexuais
masculinos) com a invocação de outra discriminação sexual (contra
transexuais femininos).
5 – O direito fundamental de liberdade, diretamente relacionado com os
direitos fundamentais ao livre desenvolvimento da personalidade e de
privacidade, concebendo os indivíduos como sujeitos de direito ao invés de
objetos de regulação alheia, protege a sexualidade como esfera da vida
individual livre da interferência de terceiros, afastando imposições indevidas
sobre transexuais, mulheres, homossexuais e travestis.
6 – A norma de direito fundamental que consagra a proteção à dignidade
humana requer a consideração do ser humano como um fim em si mesmo, ao
invés de meio para a realização de fins e de valores que lhe são externos e
impostos por terceiros; são inconstitucionais, portanto, visões de mundo
heterônomas, que imponham aos transexuais limites e restrições indevidas,
com repercussão no acesso a procedimentos médicos.
7 – A força normativa da Constituição, enquanto princípio de interpretação,
requer que a concretização dos direitos fundamentais empreste a maior força
normativa possível a todos os direitos simultaneamente, pelo que a
compreensão do direito à saúde deve ser informada pelo conteúdo dos
diversos direitos fundamentais relevantes para o caso.
8 – O direito à saúde é direito fundamental, dotado de eficácia e
aplicabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres nas relações dos
poderes públicos entre si e diante dos cidadãos, superada a noção de norma
meramente programática, sob pena de esvaziamento do caráter normativo da
Constituição.
9 – A doutrina e a jurisprudência constitucionais contemporâneas admitem a
eficácia direta da norma constitucional que assegura o direito à saúde, ao
menos quando as prestações são de grande importância para seus titulares e
inexiste risco de dano financeiro grave, o que inclui o direito à assistência
médica vital, que prevalece, em princípio, inclusive quando ponderado em
face de outros princípios e bens jurídicos.
10 – A inclusão dos procedimentos médicos relativos ao transexualismo,
dentre aqueles previstos na Tabela SIH-SUS, configura correção judicial
diante de discriminação lesiva aos direitos fundamentais de transexuais, uma
vez que tais prestações já estão contempladas pelo sistema público de saúde.
11- Hipótese que configura proteção de direito fundamental à saúde
derivado, uma vez que a atuação judicial elimina discriminação indevida que
impede o acesso igualitário ao serviço público.
12 – As cirurgias de transgenitalização não configuram ilícito penal,
cuidando-se de típicas prestações de saúde, sem caráter mutilador.
13 – As cirurgias de transgenitalização recomendadas para o tratamento do
transexualismo não são procedimentos de caráter experimental, conforme
atestam Comitês de Ética em Pesquisa Médica e manifestam Resoluções do
Conselho Federal de Medicina.
14 – A limitação da reserva do possível não se aplica ao caso, tendo em vista
a previsão destes procedimentos na Tabela SIH-SUS vigente e o muito
reduzido quantitativo de intervenções requeridas.
14 – Precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, da Corte Européia de Justiça, do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, da Suprema Corte dos Estados Unidos, da Suprema Corte
do Canadá, do Tribunal Constitucional da Colômbia, do Tribunal
Constitucional Federal alemão e do Tribunal Constitucional de Portugal.
DIREITO PROCESSUAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A
FAZENDA PÚBLICA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO.
15 – O Ministério Público Federal é parte legítima para a propositura de
ação civil pública, seja porque o pedido se fundamenta em direito
transindividual (correção de discriminação em tabela de remuneração de
procedimentos médicos do Sistema Único de Saúde), seja porque os direitos
dos membros do grupo beneficiário têm relevância jurídica, social e
institucional.
16 – Cabível a antecipação de tutela, no julgamento do mérito de apelação
cível, diante da fundamentação definitiva pela procedência do pedido e da
presença do risco de dano irreparável ou de difícil reparação, dado o grande
e intenso sofrimento a que estão submetidos transexuais nos casos em que os
procedimentos cirúrgicos são necessários, situação que conduz à auto-
mutilação e ao suicídio. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
17 – Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, é possível a atribuição de eficácia nacional à
decisão proferida em ação civil pública, não se aplicando a limitação do
artigo 16 da Lei nº 7.347/85 (redação da Lei nº 9.494/97), em virtude da
natureza do direito pleiteado e das graves conseqüências da restrição
espacial para outros bens jurídicos constitucionais.
18 – Apelo provido, com julgamento de procedência do pedido e imposição
de multa diária, acaso descumprido o provimento judicial pela
Administração Pública. (Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação
Cível nº 2001.71.00.026279-9/RS. RELATOR : Juiz Federal ROGER
RAUPP RIOS. APELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
APELADO : UNIÃO FEDERAL).

Ainda que se venha desconsiderar o diagnóstico despatologizante, a proteção do


estado na integridade física do/a transexual, mesmo que se reitere uma interpretação estreita, e
pouca diversificada, do que venha a ser identidade de gênero. Portanto, devido ao número
limitado de laboratórios de tratamento hormonal e os centros de cirurgia de redesignação de
sexo, no Brasil, torna-se de fundamental importância manter a saúde publica de todo e
qualquer cidadão.
4 ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade se personificam na pessoa humana, daí a


obrigatoriedade por parte do Estado em proteger à integridade física, à honra, imagem, à
intimidade, o nome e à identidade pessoal, com todos os seus atributos.
O Código Civil brasileiro de 1916 não disciplinou os direitos da personalidade.
Omitiu-se em razão da ideologia adotada, que meramente dava ênfase aos interesses
patrimoniais das classes dominantes da época, satisfazendo-se, o legislador de 1916, com as
garantias individuais tuteladas pelo art. 72 da Constituição Federal de 1891.
A consagração da dignidade humana na esfera internacional e a incorporação à
Constituição brasileira de 1988 trouxeram ao foco os direitos da personalidade, atingindo o
direito privado, em especial o direito civil, antes restrito ao direito das coisas, contratos e com
o foco nas relações contratualistas.
A fim de tutelar os direitos inerentes à personalidade humana, o Código Civil
brasileiro de 2002, no Capítulo II, do Título I, Livro I, da Parte Geral, em onze artigos (arts.
11 a 21), dedica-se à proteção da pessoa, nos aspectos essenciais, a considerar uma evolução
se confrontado com o Código Civil de 1916. No entanto, após uma análise apurada, o
diploma legal contém sérios equívocos no tratamento dos direito da personalidade, sequer
atendendo os anseios da sociedade.
O Código Civil de 2002 embora reconheça expressamente o direito à livre orientação
sexual como direito especial de personalidade a ser tutelado, salientando-se a infeliz
colocação do legislador ao tratar da questão como mera escolha, o legislador não fez
qualquer menção a outra modalidade de sexualidade diferentemente da heterossexual, dirá de
indivíduos com transtornos de identidade de gênero.
Após a submissão da cirurgia de readequação de sexo o transexual pode requerer pela
via judicial, sobretudo pela não tipificação legal de sua condição, com amparo na Lei de
Registros Públicos (6.015/1973), a alteração de nome e do sexo, uniformizando-se o registro
cartorário à identidade de gênero, além de consagrar os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana e da solidariedade social. Tais pleitos, no entanto, ficam a mercê
do entendimento pessoal do julgador, merecendo aplausos na maioria dos casos, conforme a
jurisprudência pátria tem se posicionado, mas em outros denotam injustificado preconceito e
discriminação.
A situação se agrava, caso o pedido de averbação no assento civil seja formulado sem
que tenha sido realizada à cirurgia de adequação terapêutica de sexo, uma vez que para
alguns juristas a autorização caracterizaria ameaça à segurança das relações sociais e da
ordem jurídica; mantendo os transexuais presos ao arquétipo físico em oposição ao
sentimento, na maioria das vezes em condição sub-humana, à margem da sociedade.
Como relata Vieira, existe uma sólida corrente favorável ao direito da identidade de
gênero do/a transexual, seja por via administrativa, judicial ou legislativa. Na Suécia,
Alemanha, Holanda, Itália, em certos estados dos Estados Unidos e Canadá, os direitos dos/as
transexuais foram consagrados pelo Legislativo. Na Dinamarca, Finlândia, Noruega, Bélgica,
Luxemburgo, França, Suíça, Portugal, Turquia, Peru, Colômbia, entre outros, há um
reconhecimento do gênero identitário pelas vias administrativa ou judicial173.
Gonçalves aponta-nos a exigência da cirurgia irreversível, nos termos dos art. 1º e
art. 3º da Lei Italiana 164, de 14.04.1982, como condição para a mudança no registro oficial
de nascimento, o que não mais se faz presente na lei inglesa, na espanhola, ou na portuguesa,
percebendo-se que os mais de trinta anos transcorridos desde a vigência da lei sueca de 1972
até a promulgação do Gender Recogtion Act do Reino Unido, em 2004, produziram efeitos no
que toca à compreensão jurídica da transexualidade, sob o aspecto da identidade de gênero174.
Ainda, na mesma esteira de explanação, Gonçalves, ressalta que os países que não
exigem a adaptação cirúrgica do sexo para reconhecimento da identidade de gênero, além da
Espanha e recentemente Portugal, temos a Áustria e o Reino Unido. Contrariamente, a
cirurgia é exigida na Alemanha, na França, Suécia e Bélgica175.
A Lei espanhola de Identidade de Gênero foi aprovada em 2007 por unanimidade,
pelo senado federal, que assegurou a adequação do gênero no registro civil sem que o
indivíduo obrigatoriamente necessite se submeter à cirurgia de adequação de sexo, sendo
necessário, tão somente, o diagnóstico médico de “disforia de gênero” e a certificação de que
a pessoa tenha sido tratada clinicamente por, pelo menos, dois anos, nem a obrigatoriedade de
obtenção de uma decisão judicial propícia176
Moreno nos retrata que, desde fevereiro de 2010, a transexualidade não é mais
considerada uma doença mental na França, primeiro país do mundo a retirá-lo da lista de

173 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Direito à adequação do transexual, Disponível em


<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/7438-7437-1-PB.htm> Acesso em 31 de out. 2013.
174 GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 227
175 GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 227

176
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2007/03/01/ult1766u20574.jhtm> Acesso em 13 dez.
2014.
patologias psiquiátricas 177 . O decreto, do Ministério da Saúde suprime a expressão
“transtornos precoces de identidade de gênero” de um artigo do código da Previdência Social
relativo a “patologias psiquiátricas de longa duração” 178.
O Tribunal de Cassação Francês, desde 1992, após a condenação do país pela Corte
Européia de Direitos Humanos, passou a admitir a mudança de nome e sexo no registro civil
com base no respeito à vida privada, consagrado no art. 8º da Convenção Europeia de Direitos
Humanos, embora com a exigência a submissão da pessoa à intervenção cirúrgica.
A Argentina aprovou no mês de maio de 2012 a Ley de Identidad de Género nº
26.743/12 que ultrapassa as raias da formalidade, garantindo a alteração dos documentos e
assentamentos civis de acordo com a “identidade de gênero auto percebida” além de autorizar
no sistema público de saúde intervenções cirúrgicas e tratamentos hormonais, se necessários.
A nova lei define identidade de gênero como a "vivência interna e individual tal como cada
pessoa a sente, que pode corresponder ou não ao sexo determinado no momento do
nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo".179
No Brasil, no entanto, não há qualquer dispositivo de Lei que cuide da Identidade de
Gênero, impulsionando os/as interessados/as ao Judiciário, havendo necessidade de se buscar
uma resposta com base nas convicções do julgador, além da submissão a perícias médicas e
psicológicas, em franco desrespeito à situação auto percebida, à autonomia individual e ao
direito de dispor do corpo do modo que lhe convier, não se privilegiando o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana.

4.1. IDENTIDADE DE GÊNERO E O DIREITO

Vieira esclarece-nos que no Brasil ainda não há uma lei ou norma que regulamente
expressamente o pedido intentado pelo/a transexual de alteração de gênero e prenome no
Registro Civil, visando à adequação identitária. Segundo a autora, a lei constitui uma base
segura para a sentença de acolhimento do pedido de adequação. No entanto, a ausência de
previsão legal não é suficiente para negativa dos pleitos e recusa aos avanços da Medicina e
da Psicanálise180.

177
MORENO, Yolanda B. Butos. La Transexualidade. Madri:Editorial Dykison. 2008. P. 165.
178
. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u693920.shtml> Acesso em
13 dez. 2014.
179
Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/congresso-da-argentina-aprova-lei-de-
identidade-de-genero.html> Acesso em 17 mar. 2015.
180
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no Registro Civil. São Paulo: Editora Revistas dos
Tribunais, 2008. p. 172-173
A Constituição Federal brasileira estabelece como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, no seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana. Ainda, ratificou o
direito ao nome como princípio básico em consonância com a ONU, na Declaração dos
Direitos da Criança, de 1959. Evidencia-se, portanto, que o nome é um dos direitos da
personalidade, conforme assim dispõe o Código Civil: “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao
nome, nela compreendidos o prenome e o sobrenome.”
A Lei de Registros Públicos - Lei n. 6.015/1973 autoriza a possibilidade de alteração
do nome, permitindo que qualquer pessoa possa requerê-la, até um ano após atingir a
maioridade, desde quando não prejudique os apelidos de família (art. 56), permitindo a
alteração do prenome, adequando-o por apelidos públicos (art. 58).
Tramita no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade,
intentada pela Procuradoria da República, "para que se dê ao art. 58 da Lei 6.015/73
interpretação conforme a Constituição, de modo a reconhecer aos transexuais, que assim
desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, o direito à substituição de
prenome e sexo no registro civil"181.
O pleito pretende que se reconheça aos/as transexuais, que assim o desejarem,
independentemente da cirurgia de transgenitalização, o direito à substituição de prenome e
sexo no registro civil.
Em relação aos que optarem pela não realização da cirurgia, devem também ser
observados os requisitos de: (a) idade superior a 18 anos; (b) que se encontrem há pelo menos
três anos sob a convicção de pertencer ao gênero oposto ao biológico, (c) tenham alta
probabilidade que não mais mudarão sua identidade de gênero. A partir disso, esses critérios
devem ser atestados por especialistas que avaliem aspectos clínicos, psicológicos e sociais,
mantendo-se ainda à submissão do transexual ao poder de uma equipe multidisciplinar.
Enquanto a Corte Maior não se pronuncia, nas palavras de Gonçalves, “a realidade
que se abre diante de tais considerações inspira a reflexão sobre a possibilidade de se
reconhecer a identidade de gênero independentemente da mudança física do sexo, no
pressuposto de que a melhor proteção jurídica, sob a ótica dos direitos humanos, é aquela que
realiza a igualdade da diferença” 182, sem deixar de olvidar a performatividade reiteradamente
aventada.

181
ADI 4275-1/600, distribuída em 21.07.2007.
182
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: O Reonhecimento da
Identidade de Gênero entre os Direitos da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2014. p. 217
Por meio da via legislativa - Projeto de Lei 5.002/2013 - busca-se a aprovação da Lei
de Identidade de Gênero183, “Lei João Nery”. João Nery foi o primeiro transexual masculino a
ser operado no Brasil. Relata a sua história na autobiografia intitulada “Viagem Solitária”
(2011), cuja trajetória narra a reinvenção de um indivíduo para achar o seu lugar ao mundo.
O Projeto de Lei tem por objetivo alterar o art. 58 da Lei 6.015/1973, garantindo o
reconhecimento da identidade de gênero, o livre desenvolvimento da pessoa conforme a
identidade de gênero e, por fim, concedendo um tratamento de acordo com sua identidade de
gênero.
Dentre as muitas justificativas aventadas no Projeto de Lei, transcrevemos:

Travestis, transexuais e transgêneros são, hoje, no Brasil, homens e mulheres


sem selo de qualidade, sem o carimbo dos oficiais competentes. Pessoas
clandestinas. Mas ser homem ou ser mulher é um atributo “determinável por
inspeção”? Quem determina quem tem direito a ser João ou Maria? O que é
um nome? As perguntas parecem mal formuladas. Não há como o Estado
determinar por lei a autenticidade masculina dos homens ou a autêntica
feminidade das mulheres! Parafraseando Viveiros de Castro, só é homem ou
mulher quem se garante.

A identidade de gênero passará, então, a ser compreendida por meio do novo texto
legal, da seguinte maneira: “Artigo 2º - Entende-se por identidade de gênero a vivência
interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não
com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo. Parágrafo
único: O exercício do direito à identidade de gênero pode envolver a modificação da
aparência ou da função corporal através de meios farmacológicos, cirúrgicos ou de outra
índole, desde que isso seja livremente escolhido, e outras expressões de gênero, inclusive
vestimenta, modo de fala e maneirismos”.
A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Comissão Especial de Diversidade
Sexual, elaborou um Anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual, que reconhece para os/as
transexuais livre expressão da identidade de gênero. Portanto, no Capítulo VII, além do
reconhecimento da identidade de gênero, outros direitos protetivos restam estabelecidos, a
saber:
VII - DIREITO À IDENTIDADE DE GÊNERO
Art. 33 - Transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais têm direito à
livre expressão de sua identidade de gênero.

183
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1059446.pdf
Art. 34 - É indispensável a capacitação em recursos humanos dos
profissionais da área de saúde para acolher transexuais, travestis,
transgêneros e intersexuais em suas necessidades e especificidades.
Art. 35 - É assegurado acesso aos procedimentos médicos, cirúrgicos e
psicológicos destinados à adequação do sexo morfológico à identidade de
gênero.
Parágrafo único - É garantida a realização dos procedimentos de
hormonoterapia e transgenitalização particular ou pelo Sistema Único de
Saúde – SUS.
Art. 36 - Não havendo risco à própria vida, é vedada a realização de
qualquer intervenção médico-cirúrgica de caráter irreversível para a
determinação de gênero, em recém-nascidos e crianças diagnosticados como
intersexuais.
Art. 37 - Havendo indicação terapêutica por equipe médica e
multidisciplinar de hormonoterapia e de procedimentos complementares
não-cirúrgicos, a adequação à identidade de gênero poderá iniciar-se a partir
dos 14 anos de idade.
Art. 38 - As cirurgias de redesignação sexual podem ser realizadas somente
a partir dos 18 anos de idade.
Art. 39 - É reconhecido aos transexuais, travestis e intersexuais o direito à
retificação do nome e da identidade sexual, para adequá-los à sua identidade
psíquica e social, independentemente de realização da cirurgia de
transgenitalização.
Art. 40 - A sentença de alteração do nome e sexo dos transexuais, travestis e
intersexuais será averbada no Livro de Registro Civil de Pessoas Naturais.
Parágrafo único - Nas certidões não podem constar quaisquer referências à
mudança levada a efeito, a não ser a requerimento da parte ou por
determinação judicial.
Art. 41 - Quando houver alteração de nome ou sexo decorrente de decisão
judicial é assegurada a retificação em todos os outros registros e
documentos, sem qualquer referência à causa da mudança.
Art. 42 - O alistamento militar de transexuais, travestis e intersexuais
ocorrerá em data especial e de forma reservada, mediante simples
requerimento encaminhado à Junta do Serviço Militar.
Art. 43 - Será concedido ou cancelado o Certificado de Alistamento Militar
– CAM, mediante a apresentação do mandado de averbação expedido ao
Registro Civil.
Art. 44 - É garantido aos transexuais, travestis e intersexuais que possuam
identidade de gênero distinta do sexo morfológico o direito ao nome social,
pelo qual são reconhecidos e identificados em sua comunidade:
I – em todos os órgãos públicos da administração direta e indireta, na esfera
federal, estadual, distrital e municipal;
II – em fichas cadastrais, formulários, prontuários, entre outros documentos
do serviço público em geral;
III – nos registros acadêmicos das escolas de ensino fundamental, médio e
superior.
Art. 45 - Em todos os espaços públicos e abertos ao público é assegurado o
uso das dependências e instalações correspondentes à identidade de gênero.

Nesse compasso, a comunidade trans aguarda, entre a grande imensidão do mar e o


rochedo, um posicionamento do legislador que assegure uma cidadania plena, livre de
preconceito e discriminação e, sobretudo, protegida pelo Estado, assegurando a possibilidade
de alteração de nome e sexo no registro civil, sem que, haja necessidade de provocação do
Judiciário, com ou sem a submissão ao procedimento cirúrgico transgenitalizador.
Segundo o sítio, da rede mundial de computadores, El País, os direitos reconhecidos
à comunidade de transexuais na América Latina, segundos vários articulistas, são esses:

Até 1997, as cirurgias de mudança de sexo eram proibidas no Brasil.


Somente em 2008 o Governo oficializa as cirurgias de redesignação sexual,
implantando o chamado ‘Processo Transexualizador’ por meio do Sistema
Único de Saúde. Atualmente, cinco hospitais estão habilitados: O Hospital
das Clinicas da Universidade Federal de Goiás; Hospital de Clínicas de
Porto Alegre; Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro; Fundação Faculdade de Medicina da USP; e
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Para mudar o nome no Brasil, é preciso entrar com uma ação judicial e
apresentar ao menos dois laudos médicos atestando que a pessoa é
transexual e vive como uma mulher – ou homem - há anos. A
transexualidade hoje é reconhecida como um 'transtorno de identidade', por
isso é necessário apresentar um laudo que comprove esse ‘transtorno’.
Documentos como fotos e cartas de amigos atestando que conhecem a
pessoa como ela se apresenta também são pedidos.
Na Argentina, aqueles que têm seguro de saúde têm cobertura da seguradora
para realizar a cirurgia. O restante da população que depende do serviço
público de saúde pode se operar nos hospitais públicos gratuitamente.
Para mudar o nome não é necessário ir até um cartório. Os interessados
devem apenas ir a uma espécie de escritório público de registros com uma
declaração e a testemunha de um funcionário do local, informa Alejandro
Rebóssio.
No Chile, as cirurgias não são realizadas nem pelo sistema público e nem
pelo privado. Um juiz determina os requisitos necessários para autorizar a
mudança de nome. Pode pedir uma avaliação psicológica e psiquiátrica, e,
segundo o critério do próprio magistrado, pode também exigir que a cirurgia
tenha sido feita. A pessoa que quiser mudar sua identidade deve comprovar
estar vivendo em transição há ao menos cinco anos e apresentar
testemunhas.
Graças a uma reportagem do programa de televisão Contato do Canal 13,
que mostrou pela primeira vez a realidade de uma menina transexual no
Chile, ocorreu uma grande mudança de mentalidade na sociedade chilena. O
caso de Andy, cujo colégio acaba de ser multado por não aceitar que ela
assistisse às aulas como menina, provocou a reação de muitos pais que se
atreveram a assumir a condição de seus filhos e filhas, informa Rocío
Montes.
A Colômbia subsidia as cirurgias de mudança de sexo, que são feitas em
caso de hermafroditas menores de idade e em casos como quando a Corte
Constitucional ordenou que se operasse uma jovem diagnosticada com
‘transtorno de identidade sexual’. As seguradoras de saúde estão obrigadas a
fazer as cirurgias depois que um homem conseguiu na Justiça o direito à
identidade sexual, em 2012. A Justiça entendeu que, nesse caso, as
intervenções não são estéticas, e sim definitivas para a construção da
identidade.
Desde junho deste ano, para mudar o nome nos documentos basta ir a um
cartório. Antes disso, era preciso se submeter a exames físicos para
comprovar a mudança de sexo. Hoje, o trâmite dura cerca de cinco dias. Mas
isso tem gerado dúvidas, como por exemplo, se um homem muda de sexo,
então qual é a idade que ele deveria se aposentar? Na Colômbia, as mulheres
também se aposentam antes dos homens.
Também há dúvidas sobre se a mudança de sexo for feita, duas pessoas do
mesmo sexo poderão se casar. Isso também está em debate na Colômbia,
informa Elizabeth Reyes.
O governo do México não financia as operações de mudança de sexo. Na
Cidade do México, por exemplo, o governo subsidia somente em alguns
casos o tratamento hormonal, mas não vai além disso. Sobre a mudança de
nome, cada um dos 31 Estados tem suas próprias leis. Mas na Cidade do
México, a capital federal do país, desde março deste ano há um trâmite
simples. Antes dessa data, as pessoas que desejavam mudar legalmente seu
gênero deviam recorre a um juizado especial no Tribunal da Família. O
processo poderia demorar até seis meses, informou Paula Chouza.
No Peru, o sistema público de saúde não subsidia as cirurgias. A forma de
mudar o nome no documento de identidade é por meio de um processo
judicial. O juiz deve realizar uma observação na certidão de nascimento –
que indica que a mudança obedece a uma decisão judicial promovida pelo
interessado. Com isso, a pessoa solicita a mudança do seu nome e sexo no
Registro Nacional de Identificação e Estado Civil (Reniec). Naaminn
Cárdenas, o primeiro transexual que solicitou ao Reniec a mudança de seu
nome e sexo (de masculino para feminino), conseguiu a alteração em 2011,
após um trâmite de oito anos na Justiça. Uma comunicação do Reniec afirma
que segundo o Código Civil, qualquer mudança ou adição de nome de uma
pessoa, no qual abrange outros dados como sexo, só poderá ser realizada por
motivos justificados e mediante autorização judicial, informa Jacqueline
Fowks.
A Bolívia não reconhece legalmente a transexualidade. Os códigos de
família recentemente aprovados permitem que os pais escolham qual
sobrenome - paterno ou materno - virá primeiro, mas não falam de mudança
de sexo. Portanto, no há apoio estatal às cirurgias. O único caso público de
mudança legal de sexo foi o de Roberta Benzi, que tem cerca de 50 anos e é
de classe alta. Ela entrou na Justiça há mais de uma década para conseguir
uma identidade com sexo feminino e denunciou abusos da polícia no
processo. As poucas transexuais que existem estão quase todas nos setores
populares e seguem usando seus documentos com as identidades que lhes
foram designadas ao nascer, o que as põem em situação de vulnerabilidade,
informa Fernando Molina184.

4.2 ALTERAÇÃO DE NOME E SEXO NO REGISTRO CIVIL: ATIVISMO JUDICIAL

Em razão da ausência de Lei específica que consagre a Identidade de Gênero, o


Judiciário tem sido provocado a decidir acerca do destino das pessoas interessadas em alterar
o Registro Civil, seja quanto ao nome e o sexo, submetendo-se à subjetividade do julgador.
No Brasil, as decisões tem gerado na comunidade trans sentimentos díspares, uma
vez que os/as transexuais, após a cirurgia genital, ou não, para terem os seus nomes e sexo

184
<http://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/28/politica/1440778259_469516.html> Acesso em: 03.01.2016.
alterado no assentamento civil de nascimento, têm que interpor ação judicial de interesse
voluntário.
O caso concreto mais emblemático que se teve notícia no país foi o da transexual
Roberta Close, porquanto, após se submeter à cirurgia de adequação de sexo no ano de 1989,
obteve êxito definitivo no dia 04 e março de 2005, após um longo périplo pelas vias
judiciais185.
Ao longo do tempo, desde então, os tribunais têm sido instados a decidirem com
maior frequência acerca do reconhecimento da identidade de gênero, unas ações precedidas
da realização da cirurgia de alteração de sexo, outras amparadas tão somente na identidade de
gênero, sem qualquer intervenção cirúrgica anterior que venha balizar o pedido.
Eis como têm se pronunciado nossos tribunais, de Estados da Federação diversos, a
título meramente exemplificativo, conforme ementas abaixo transcritas:

São Paulo - Retificação de registro civil. Transexual que preserva o fenótipo


masculino. Requerente que não se submeteu à cirurgia de transgenitalização,
mas que requer a mudança de seu nome em razão de adotar características
femininas. Possibilidade. Adequação ao sexo psicológico. Laudo pericial
que apontou transexualismo. Na hipótese dos autos, o autor pediu a
retificação de seu registro civil para que possa adotar nome do gênero
feminino, em razão de ser portador de transexualismo e ser reconhecido no
meio social como mulher. Para conferir segurança e estabilidade às relações
sociais, o nome é regido pelos princípios da imutabilidade e
indisponibilidade, ainda que o seu detentor não o aprecie. Todavia, a
imutabilidade do nome e dos apelidos de família não é mais tratada como
regra absoluta. Tanto a lei, expressamente, como a doutrina buscando
atender a outros interesses sociais mais relevantes, admitem sua alteração em
algumas hipóteses. Os documentos juntados aos autos comprovam a
manifestação do transexualismo e de todas as suas características,
demonstrando que o requerente sofre inconciliável contrariedade pela
identificação sexual masculina que tem hoje. O autor sempre agiu e se
apresentou socialmente como mulher. Desde 1998 assumiu o nome de xxxx.
Faz uso de hormônios femininos há mais de vinte e cinco anos e há vinte
anos mantém união estável homoafetiva, reconhecida publicamente.
Conforme laudo da perícia médico-legal realizada, a desconformidade
psíquica entre o sexo biológico e o sexo psicológico decorre de
transexualismo. O indivíduo tem seu sexo definido em seu registro civil com
base na observação dos órgãos genitais externos, no momento do
nascimento. No entanto, com o seu crescimento, podem ocorrer disparidades
entre o sexo revelado e o sexo psicológico, ou seja, aquele que gostaria de
ter e que entende como o que realmente deveria possuir. A cirurgia de
transgenitalização não é requisito para a retificação de assento ante o seu
caráter secundário. A cirurgia tem caráter complementar, visando a

185
Para maiores detalhes recomenda-se a leitura do artigo A transexualidade no Passado e o Caso Roberta
Close. In VIEIRA, Tereza R.; PAIVA, Luiz Airton S. de. A transexualidade no Passado e o Caso Roberta
Close. São Paulo: Roca, 2009. p. 1-11.
conformação das características e anatomia ao sexo psicológico. Portanto,
tendo em vista que o sexo psicológico é aquele que dirige o comportamento
social externo do indivíduo e considerando que o requerente se sente mulher
sob o ponto de vista psíquico, procedendo como se do sexo feminino fosse
perante a sociedade, não há qualquer motivo para se negar a pretendida
alteração registral pleiteada. A sentença, portanto, merece ser reformada para
determinar a retificação no assento de nascimento do apelante para que passe
a constar como "PN". Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP, AC
0013934-31.2011.8.26.0037, 10ª C. Dir. Priv., Rel. Carlos Alberto Garbi, p.
23/09/2014).

Piauí - Apelação cível. Ação de modificação de registro civil.


Transexualismo. Modificação do prenome sem a realização de cirurgia de
transgenitalização. Dignidade da pessoa humana. Direito à identidade
pessoal. Reforma da sentença. Recurso provido. Suficientemente
demonstradas que as características da parte autora, físicas e psíquicas, não
estão de acordo com os predicados que o seu nome masculino representa
para si e para a coletividade, tem-se que a alteração do prenome é medida
capaz de resgatar a dignidade da pessoa humana, sendo desnecessária a
prévia transgenitalização. Decisão unânime, de acordo com o parecer
ministerial superior. (TJPI, AC 2012.0001.008400-3, 2ª C. Esp. Cív., Rel.
Des. Brandão de Carvalho, p. 22/01/2014).

Rio de Janeiro - Agravo de instrumento. Ação em que se pleiteia a alteração


de nome e sexo em assento de nascimento. Insurgência contra a decisão que
determinou a suspensão do processo até a data marcada para a realização da
cirurgia de transgenitalização. Acerto da decisão recorrida quanto à
modificação de sexo no registro. Possibilidade de antecipação da tutela no
tocante à mudança do prenome, passando a se adotar no registro o nome
social do requerente. Art. 273, § 6º, do CPC. Parecer subscrito por dois
peritos a confirmar que o requerente é social e profissionalmente
reconhecido como mulher. Identidade social em conflito com o nome de
registro. Alteração do nome que independe da realização da operação
programada. Necessidade da modificação do nome evidenciada. Decisões
judiciais sobre a possibilidade de alteração de nome civil. Art. 57 da Lei
6.015/73. Recurso parcialmente provido. Art. 557, § 1º-A, do CPC. (TJRJ,
AI 0060493-21.2012.8.19.0000, 6ª C. Cív., Rel. Des. Wagner Cinelli de
Paula Freitas, p. 08/03/2013).

Rio Grande do Sul - Apelação cível. Retificação de registro civil.


Transgênero. Mudança de nome e de sexo. Ausência de cirurgia de
trangenitalização. Constatada e provada a condição de transgênero da autora,
é dispensável a cirurgia de transgenitalização para efeitos de alteração de seu
nome e designativo de gênero no seu registro civil de nascimento. A
condição de transgênero, por si só, já evidencia que a pessoa não se
enquadra no gênero de nascimento, sendo de rigor, que a sua real condição
seja descrita em seu registro civil, tal como ela se apresenta socialmente.
Deram provimento. Unânime. (TJRS, AC 70057414971, 8ª C. Cív., Rel.
Des. Rui Portanova, p. 05/06/2014).

Pernambuco - Constitucional. Civil. Processual Civil e Registro Público.


Alteração de nome e sexo em assento civil de nascimento sem a realização
de cirurgia de redesignação sexual. Requerente portadora de transexualismo
(CID-10 F 64.0), devidamente comprovado nos autos mediante atestado
médico e fotografias. Desnecessidade e inviabilidade de realização de
procedimento cirúrgico. Pedido com precedente no artigo 109 da Lei nº
6.015/73 e na Jurisprudência. Feito de jurisdição voluntária. Prova material
incontroversa. Caráter social da ação. Adequação da realidade psicossocial
da requerente à realidade jurídica. Efetivação do princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana. Novo prenome proposto que se adequa a
identificar a requerente sem dificuldade, ante a semelhança com o anterior.
Utilização do nome anterior apenas para fins de nome de fantasia
profissional, nos termos do art. 57, § 1º, da Lei 6.015/73. Parecer favorável
do Ministério Público. Procedência dos pedidos deduzidos na exordial.
(TJPE, Proc. nº 0180-59.13, Juiz de Direito José Adelmo Barbosa da Costa,
p. 08/04/2013) 186.

4.2.1 Um Nome Para Quem Precisa

Por oportuno, reportamo-nos ao caso que intentou o pedido de Retificação do


Registro Civil quanto ao nome e ao sexo, perante a 6ª Vara Privativa de Assistência Judiciária
Gratuita da Comarca de Aracaju/SE, que veio a tramitar em segredo de justiça. Saliente-se
que a interessada ainda não havia se submetido á cirurgia de adequação de sexo, guardando
distinção ao caso Roberta Close, que já havia harmonizado a compleição física à identidade
de gênero.
A peça inaugural, distribuída em 03 de julho de 2009, amparando-se na
fundamentação de dissonância entre o sexo biológico e o sexo psicológico e na convicção que
se encontrava envolvida erroneamente num corpo masculino, visando retificar o apontamento
do registro civil relativo ao prenome e também mudança de sexo, do masculino para
feminino, como originariamente havia sido registrada.
A primeira assentada, para oitiva da parte autoral foi designada para o dia 04 de
setembro de 2009, que não aconteceu. Foi redesignada para o dia 03 de novembro de 2009,
considerando-se a magistrada incompetente para apreciação do feito, em decorrência da
mudança de endereço da autora para outro domicílio.
Os autos foram remetidos para a Comarca de domicílio da requerente, não seguindo
com o processamento devido, uma vez que o juiz da localidade suscitou o conflito negativo de
competência, remetendo os autos ao Tribunal de Justiça para decidir acerca do incidente.
O incidente em tela foi julgado na data de 23 de junho de 2010, e considerada a vara
originária competente para apreciar o feito. Após a realização de sucessivas audiências,

186
JURISPRUDÊNCIAS. Direito Homoafetivo:
<http://www.direitohomoafetivo.com.br/jurisprudencia.php?a=26&s=68#t> Acesso em: 20.01.2016.
inclusive com depoimento da parte interessada e oitiva de testemunhas, o autos foram
conclusos ao julgamento.
No entanto, a fim de formar o convencimento, o juízo requisitou informações sobre a
realização do procedimento cirúrgico, obtendo como resposta que a requente se encontrava
preparada para submissão à cirurgia.
Considerando a ausência de data precisa para designação da cirurgia, o Juízo
prolatou decisão, aguardando ad infinitum a realização a cirurgia de transgenitalização. Não
resignada com tal decisão, a autora promoveu a interposição de recurso próprio, Agravo de
Instrumento, visando obter reforma do despacho judicial e, por conseguinte, que o julgador
fosse obrigado a decidir a causa.
Após a decisão do incidente, o julgador de segundo grau em decisão monocrática,
determinou que o feito tivesse prosseguimento e, por conseguinte, fosse apreciado a questão
de fundo, ou seja, a retificação do nome e sexo no registro de nascimento da autora.
O pedido foi julgado improcedente na data de 24 de maio de 2012, sob o fundamento
de que a autora ainda não havia sido submetida ao procedimento de adequação de sexo, não
obstante fosse conhecida de forma pública e notória sob o prenome feminino e intimamente
auto percebida como do sexo oposto ao que fora lançado no assento de registro civil.
Foi interposto Recurso de Apelação pela parte autora, requerendo reforma da
sentença no sentido de que fosse deferido o pleito inicial. Enquanto isso, o Ministério Público
Estadual, igualmente, promoveu a interposição de Recurso de Apelação, visando tão somente
à modificação do nome nos livros de registro, pouco levando em conta quanto ao
constrangimento que se perpetuaria perante a incongruência entre o nome e o sexo constantes
em seu registro.
Finalmente, aos 30 de outubro de 2012, foi proferido acórdão com provimento total
ao recurso da autora, autorizando a mudança no registro civil quanto ao nome e ao sexo, sob o
fundamento que:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL.


Pedido realizado por transexual – Inclusão de prenome feminino no registro
civil – Cabimento. A incoincidência da identidade do transexual provoca
desajuste psicológico, não se podendo falar em bem-estar físico, psíquico ou
social. Assim, o direito à adequação do registro é uma garantia à saúde, e a
negatividade modificação afronta imperativo constitucional, revelando
severa violação aos direitos humanos. Sentença reformada. Recurso do autor
conhecido e provido. Recurso do Ministério Público conhecido e
parcialmente provido. Decisão unânime. (TJ/SE. Processo nº 2012214127.
Des. Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima. j. 30.10.2012)
À guisa de conclusão, a acórdão transitou em julgado no dia 15 de fevereiro de 2013.
Até esta data, a autora ainda não se submeteu à cirurgia de adequação de sexo. No decorrer do
andamento processual, a requerente ainda foi constrangida quando se fez comparecer a uma
das audiências, com solicitação de seu documento civil e, consequente impedimento de
entrada às dependências do Fórum sob a alegação de que havia uma “inconsistência” entre o
documento e a sua aparência.
Desse modo, a penúria processual e os constrangimentos suportados trouxeram à
autora uma situação de desconforto, isto, sobretudo pela ausência de legislação específica que
autorize sem maior burocracia e sofrimento por parte dos/as transexuais a alteração no
registro civil.
O caso sob análise possibilita realçar a dimensão dos princípios da autonomia
pessoal e da dignidade da pessoa humana, porquanto: a. prestigiou a auto percepção que a
interessada tinha e tem de si mesma, mormente no que tange a preponderância da identidade
de gênero sobre a composição morfológica; b. proteção aos direitos humanos, minimizando
preconceito, discriminação, dor e constrangimentos rotineiros suportados pela interessada,
consagrando o princípio da dignidade da pessoa humana.
5 CONCLUSÕES

Anualmente acontecem, em vários estados do país, a Parada do Orgulho Gay, celebrando à


diversidade sexual. O evento permite aos seus integrantes exercitarem a liberdade de expressão
dentro do Estado Democrático de Direito em que vivemos. As pessoas podem se manifestar,
respeitar a escolha do outro e o país poderá vislumbrar um grau de maturidade até então
inimaginável.
Recentemente as redes sociais e a mídia nacional foram bombardeadas por manifestações
fervorosas contrárias, e favoráveis, ao comercial veiculado pela marca "O Boticário". De um lado
houve boicote à compra, enquanto do outro, uma campanha para aumentar a aquisição dos produtos
do fabricante. A polêmica se deu em virtude da exibição do vídeo de propaganda em homenagem
ao dia dos namorados, onde foram exibidas cenas que envolviam casais gays e heterossexuais. Até
o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abriu um processo para avaliar e
julgar a propaganda após o recebimento de mais de vinte denúncias de consumidores que
consideraram o comercial "desrespeitoso à sociedade e à família".
Curiosamente, no passado, outras marcas multinacionais, para citar algumas delas - Coca-
Cola, Renault, Motorola, Banco do Brasil, Facebook, Aviação Gol e Apple - serviram-se de
símbolos gays para incentivar o consumo de seus produtos e não houve o estardalhaço atual.
O que efetivamente tem mudado? Retrocedemos à Idade Média, onde a Igreja Católica
mantinha o Tribunal da Inquisição, e a fogueira era o destino certo aos que ofendessem a fé e os
bons costumes? Tornamo-nos muito mais intoleráveis ao outro, à diversidade e não mais
suportamos lidar com o diferente? Estamos à mercê de um novo parâmetro onde o discurso deve ser
uníssono? Ou, simplesmente, viramos julgadores sumários, cumpridores das próprias decisões e
canibais de nós mesmos?
O ideário de democracia encontra empecilhos em obstáculos que parecem intransponíveis
ante as graves contradições nos propósitos deliberativos e participativos que procuram negar a
existência humana à singularidade que lhe é peculiar, correndo risco de a própria essência humana
ser aniquilada pela negação de um patamar mínimo, necessário à sobrevivência.
Será que vivemos um tempo sombrio, fruto de uma histeria coletiva que nega o poder do
conhecimento em prol da força que deve imperar pela ignorância? Em pleno século XXI
atravessamos um oceano de ondas revoltas, transparecendo uma falta de racionalidade tanto nas
profundezas da religião quanto na compreensão da sexualidade, como se vivêssemos um processo
de patologização onde as vivências e experiências humanas voltadas, notadamente à diversidade
sexual, precisem ser enquadradas, capturadas em códigos, encerradas em diagnósticos pejorativos e
maledicentes.
O que realmente tem incomodado? Entre a vasta imensidão do deserto e a possibilidade de
se estacionar em um oásis permeado por preconceito, discriminação e violência, lançar-se ao
desconhecido, que aqui pode ser representado pelo diálogo de se permitir mostrar-se e conhecer o
outro, talvez não seja tão tenebroso a se manter inerte, no papel de vítima, esperando como último
sinal misericordioso a felicidade, desesperadamente desejada.
O reconhecimento da identidade de gênero perante o exercício mitigado da cidadania
requer uma política voltada para a diversidade. Os mecanismos jurídicos e legais de proteção,
mormente decisões judiciais proferidas por meio do ativismo judicial, possibilitarão o
empoderamento da comunidade trans, a fim de que seja ultrapassada a barreira da
invisibilidade de corpos “abjetos” que não se coadunam com uma lógica predominantemente
heteronormativa.
Na tutela jurisdicional, o Estado observa a lesão ou ameaça de lesão ao um bem da
vida, e no ato de sua apreciação reconhece a vulnerabilidade da pessoa para conceder-lhe o
direito pretendido. No caso das pessoas humanas que verdadeiramente necessitam da
mudança do nome no Registro Geral, de uma operação de mudança de gênero ou de quaisquer
outros direitos que já são garantidos a qualquer pessoa, o que falta é a reconhecimento dela
pelo Estado.
Alcançado o êxito da intervenção cirúrgica, o reconhecimento de uma nova
identidade do/a transexual se sujeita ao crivo do poder judiciário, à deliberação do julgador,
onde fica reforçado o entendimento binário de existência de dois sexos, masculino e feminino,
admitindo-se timidamente na esfera jurídica uma diversidade sexual com aceitação de um
indivíduo reconhecido legalmente pela simples razão de se identificar com o sexo oposto, não
obstante mantenha um fenótipo que rejeita.
Como demonstrado, a cidadania do/a transexual está envolta no manto da
desigualdade, se comparada ao modelo heteronormativo, agravando-se ainda mais pela
vulnerabilidade com que esses indivíduos encontram-se sujeitos à exploração sexual e
assolando as estatísticas em decorrência dos crimes de ódio – transfobia – de que são vítimas.
Nesse toar, muito embora o Conselho Federal de Medicina tenha pacificado o
entendimento, a doutrina contemporânea tem reconhecido a relativização do princípio da
inviolabilidade do corpo humano através do consentimento, somando-se à comprovada
necessidade terapêutica a dignificar o ser humano, isto a minimizar a simbologia
estigmatizadora e estereotipada que circula nos discursos depreciativos em face dos
transexuais e a violência que galopa sem freios.
A manutenção de regras, dogmas e códigos sociais mantém-se amparada na
perpetuação do poder do mais forte sobre o mais fraco. O que dizer quando se é impedido de
vir à luz, vê-se obrigado a viver na clandestinidade em decorrência da impossibilidade de
obtenção do reconhecimento social?
A exclusão social, oriunda de níveis extremos e persistentes de desigualdade, causa a
invisibilidade dos que são considerados impuros, excluídos da ordem, demonizados por
desafiarem o sistema e a casta dos privilegiados, constituindo-se, no entanto, a personificação
de um tabu. Assim, tanto sob o prisma do tratamento desigual, quanto do ponto de vista da
"impureza", os indivíduos trans são alijados do sistema socioeconômico, sem que tenham
qualquer amparo legal a garantir uma visibilidade detentora de direitos.
Desse modo, podemos afirmar que, ao nos debruçarmos sobre a questão transexual e
toda complexidade que lhe permeia, visando tirá-la do limo e trazendo-a a ribalta, esperamos
ter contribuído com uma minoração das desigualdades voltadas para a identidade sexual e de
gênero, confrontando o processo desumanizador de construção de estigmas envolvendo a
transexualidade.
A intenção desse trabalho não foi alçar a transexualidade ao papel de vítima, ao
contrário, teve como intuito estimular uma reflexão sobre os possíveis efeitos da
discriminação, preconceito e exclusão social, rotineiramente praticados pela sociedade,
Estado e poder judiciário e, por conseguinte, as consequências políticas quanto à desigualdade
no exercício da cidadania. Há, de fato, um descompasso no avançar da ciência, no marasmo
que reina na confecção de leis e no atendimento às necessidades vitais de sobrevivência de
seres humanos vulneráveis, a exemplo dos trans, que integram uma imensa minoria e
reivindicam uma iluminação incandescente e de última geração, a estampar suas feições em
todos os setores produtivos do país, em cores nada proibidas, sob o alegre remelexo do corpo,
roçadas de braços e bamboleio de quadris.
O maior desafio é obedecer aos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, conforme os ditames da Carta Magna, na construção de uma sociedade mais “livre,
justa e solidária” e na promoção do bem estar social do cidadão, independentemente da
orientação sexual ou identidade de gênero “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade, e quaisquer formas de discriminação” (art. 3º, incisos I e IV).
A fim de se permear a esfera da cidadania, minimizando a desigualdade social,
impõe-se tratar o/a transexual com dignidade, reconhecendo-o/a sob a vasta riqueza de sua
personalidade e diversidade, sem que obrigatoriamente seja submetido/a ao crivo do poder
judiciário em busca do referendo de sua autonomia, em oposição à patologização do estado
físico e mental, tendo o foco de uma grande angular a exibir a fotografia ampliada da
cidadania e da dignidade da pessoa humana.
Por fim, o intento principal foi fomentar o debate, a fim de mantê-lo reluzente e atual
e, de certo modo, desmitificado de tabu, preconceito e discriminação, cumprindo à academia
o papel de enriquecer o ser humano e a sociedade, notadamente por meio da presente
discussão científica.
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dos Tribunais, 2005.

SZANIAWSKI, Elimar Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual: estudo sobre o
transexualismo. Aspectos médicos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

TIBURI, Márcia. Judith Butler: Feminismo como provocação. Revista Cult. Ed. 185, 2014. Disponível em
<http://revistacult.uol.com.br/home/2014/01/judith-butler-feminismo-como-provocacao/> Acesso em
04.12.2015.

TUCKER, D. Transamérica. Filme americano. Duração: 103m. 2005.

VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: Saúde e Cidadania. Rio de Janeiro:EdUERJ, 2010.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Direito à adequação do transexual, Disponível em


<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/7438-7437-1-PB.htm> Acesso em 31 de out. 2013.

_______.Mudança de sexo: aspectos médicos, psicológicos e jurídicos. São Paulo: Editora Santos, 1996.

_______.Bioética e Sexualidade, (Coordenação). São Paulo: Jurídica Brasileira. 2004.

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UOL. TAB. Disponível em <http://tab.uol.com.br/trans/> Acesso em 20.08.2015.


ANEXOS
PADRÕES DE NORMATIZAÇÃO DA TRANSEXUALIDADE
ANEXO 1

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 1.482 /97

Revogada pela Resolução CFM nº 1.652/2002

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30
de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,
CONSIDERANDO a competência normativa conferida pelo artigo 2º da Resolução CFM nº
1.246/88, combinado ao artigo 2º da Lei nº 3.268/57, que tratam, respectivamente, da
expedição de resoluções que complementem o Código de Ética Médica e do zelo pertinente à
fiscalização e disciplina do ato médico;
CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de
identidade sexual, com rejeição do fenotipo e tendência à auto mutilação e ou auto-
extermínio;
CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva da genitália
externa, interna e caracteres sexuais secundários não constitui crime de mutilação previsto no
artigo 129 do Código Penal, visto que tem o propósito terapêutico específico de adequar a
genitália ao sexo psíquico;
CONSIDERANDO a viabilidade técnica para as cirurgias de neocolpovulvoplastia e ou
neofaloplastia;
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 199 da Constituição Federal, parágrafo quarto, que
trata da remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa mais
importante no tratamento de transexualismo;
CONSIDERANDO que o artigo 42 do Código de Ética Médica veda os procedimentos
médicos proibidos em lei, e não há lei que defina a transformação terapêutica da genitália in
anima nobili como crime;
CONSIDERANDO que o espírito de licitude ética pretendido visa fomentar o
aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimular a pesquisa cirúrgica de
transformação da genitália e aprimorar os critérios de seleção;
CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução CNS nº 196/96;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária de 10 de setembro de 1997,

RESOLVE:

1. Autorizar, a título experimental, a realização de cirurgia de transgenitalização do tipo


neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e ou procedimentos complementares sobre gônadas e
caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo;
2. A definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:
- desconforto com o sexo anatômico natural;
- desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do
próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
- permanência desse distúrbio de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;
- ausência de outros transtornos mentais.
3. A seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe
multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social,
obedecendo aos critérios abaixo definidos, após dois anos de acompanhamento conjunto:
- diagnóstico médico de transexualismo;
- maior de 21 (vinte e um) anos;
- ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia;
4. As cirurgias só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos
adequados à pesquisa.
5. Consentimento livre e esclarecido, de acordo com a Resolução CNS nº 196/96;
6. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 10 de setembro de 1997.

WALDIR PAIVA MESQUITA


Presidente

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE


2º Secretário
ANEXO 2

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 1.652/2002


(Publicada no D.O.U. de 2 dez 2002, n. 232, Seção 1, p.80/81)

(Revogada pela Resolução CFM nº 1955/2010)

Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.482/97.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30
de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a competência normativa conferida pelo artigo 2º da Resolução CFM nº


1.246/88, combinado ao artigo 2º da Lei nº 3.268/57, que tratam, respectivamente, da
expedição de resoluções que complementem o Código de Ética Médica e do zelo pertinente à
fiscalização e disciplina do ato médico;

CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de


identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e ou auto-extermínio;

CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva da genitália


externa, interna e caracteres sexuais secundários não constitui crime de mutilação previsto no
artigo 129 do Código Penal, visto que tem o propósito terapêutico específico de adequar a
genitália ao sexo psíquico;

CONSIDERANDO a viabilidade técnica para as cirurgias de neocolpovulvoplastia e ou


neofaloplastia;

CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 199 da Constituição Federal, parágrafo quarto, que
trata da remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa mais
importante no tratamento de pacientes com transexualismo;

CONSIDERANDO que o artigo 42 do Código de Ética Médica veda os procedimentos


médicos proibidos em lei, e não há lei que defina a transformação terapêutica da genitália in
anima nobili como crime;

CONSIDERANDO que o espírito de licitude ética pretendido visa fomentar o


aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimular a pesquisa cirúrgica de
transformação da genitália e aprimorar os critérios de seleção;

CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução CNS nº 196/96;

CONSIDERANDO o estágio atual dos procedimentos de seleção e tratamento dos casos de


transexualismo, com evolução decorrente dos critérios estabelecidos na Resolução CFM nº
1.482/97 e do trabalho das instituições ali previstas;
CONSIDERANDO o bom resultado cirúrgico, tanto do ponto de vista estético como
funcional, das neocolpovulvoplastias nos casos com indicação precisa de transformação o
fenótipo masculino para feminino;

CONSIDERANDO as dificuldades técnicas ainda presentes para a obtenção de bom


resultado tanto no aspecto estético como funcional das neofaloplastias, mesmo nos casos com
boa indicação de transformação do fenótipo feminino para masculino;

CONSIDERANDO que o diagnóstico, a indicação, as terapêuticas prévias, as cirurgias e o


prolongado acompanhamento pós-operatório são atos médicos em sua essência;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária de 6 de novembro de 2002,

RESOLVE:

Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou


procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como
tratamento dos casos de transexualismo.

Art. 2º Autorizar, ainda a título experimental, a realização de cirurgia do tipo neofaloplastia


e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como
tratamento dos casos de transexualismo.

Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo


enumerados:
1. Desconforto com o sexo anatômico natural;
2. Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias
do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
3. Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;
4. Ausência de outros transtornos mentais.

Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação
de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista,
psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios abaixo definidos, após, no mínimo, dois
anos de acompanhamento conjunto:
1. Diagnóstico médico de transgenitalismo;
2. Maior de 21 (vinte e um) anos;
3. Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.

Art. 5º Que as cirurgias para adequação do fenótipo feminino para masculino só poderão ser
praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados para a pesquisa.

Art. 6º Que as cirurgias para adequação do fenótipo masculino para feminino poderão ser
praticadas em hospitais públicos ou privados, independente da atividade de pesquisa.
Parágrafo 1º - O Corpo Clínico destes hospitais, registrado no Conselho Regional de
Medicina, deve ter em sua constituição os profissionais previstos na equipe citada no artigo
4º, aos quais caberá o diagnóstico e a indicação terapêutica.
Parágrafo 2º - As equipes devem ser previstas no regimento interno dos hospitais, inclusive
contando com chefe, obedecendo os critérios regimentais para a ocupação do cargo.
Parágrafo 3º - A qualquer ocasião, a falta de um dos membros da equipe ensejará a
paralisação de permissão para a execução dos tratamentos.
Parágrafo 4º - Os hospitais deverão ter Comissão Ética constituída e funcionando dentro do
previsto na legislação pertinente.

Art. 7º Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido.

Art. 8º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução
CFM nº 1.482/97.

Brasília-DF, 6 de novembro de 2002.

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE RUBENS DOS SANTOS SILVA


Presidente Secretário Geral
ANEXO 3

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 1.955/2010


(Publicada no D.O.U. de 3 de setembro de 2010, Seção I, p. 109-10)

Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.652/02.


(Publicada no Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília-DF, n. 232, 2 dez.2002.
Seção 1, p.80/81)

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº


3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de
1958, e
CONSIDERANDO a competência normativa conferida pelo artigo 2º da Resolução CFM nº
1.246/88, publicada no DOU de 26 de janeiro de 1988, combinado ao artigo 2º da Lei nº
3.268/57, que tratam, respectivamente, da expedição de resoluções que complementem o
Código de Ética Médica e do zelo pertinente à fiscalização e disciplina do ato médico; (onde
se lê “Resolução CFM nº 1.246/88, publicada no D.O.U. de 26 de janeiro de 1988”, leia-
se “Resolução CFM nº 1.931/2009, publicada no D.O.U. de 24 de janeiro de 2009, Seção
I, p. 90.”)
CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de
identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio;
CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva da genitália
externa, interna e caracteres sexuais secundários não constitui crime de mutilação previsto no
artigo 129 do Código Penal brasileiro, haja vista que tem o propósito terapêutico específico de
adequar a genitália ao sexo psíquico;
CONSIDERANDO a viabilidade técnica para as cirurgias de neocolpovulvoplastia e/ou
neofaloplastia;
CONSIDERANDO o que dispõe o parágrafo 4º do artigo 199 da Constituição Federal, que
trata da remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa mais
importante no tratamento de pacientes com transexualismo;
CONSIDERANDO que o artigo 14 do Código de Ética Médica veda os procedimentos
médicos proibidos em lei, e o fato de não haver lei que defina a transformação terapêutica da
genitália in anima nobili como crime;
CONSIDERANDO que o espírito de licitude ética pretendido visa fomentar o
aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimular a pesquisa cirúrgica de
transformação da genitália e aprimorar os critérios de seleção;
CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução CNS nº 196/96, publicada no DOU de 16 de
outubro de 1996;
CONSIDERANDO o estágio atual dos procedimentos de seleção e tratamento dos casos de
transexualismo, com evolução decorrente dos critérios estabelecidos na Resolução CFM nº
1.652/02 e do trabalho das instituições ali previstas;
CONSIDERANDO o bom resultado cirúrgico, tanto do ponto de vista estético como
funcional, das neocolpovulvoplastias nos casos com indicação precisa de transformação do
fenótipo masculino para feminino;
CONSIDERANDO as dificuldades técnicas ainda presentes para a obtenção de bom
resultado tanto no aspecto estético como funcional das neofaloplastias, mesmo nos casos com
boa indicação de transformação do fenótipo feminino para masculino;
CONSIDERANDO que o diagnóstico, a indicação, as terapêuticas prévias, as cirurgias e o
prolongado acompanhamento pós-operatório são atos médicos em sua essência;
CONSIDERANDO o Parecer CFM nº 20/10, aprovado em 12 de agosto de 2010;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária de 12 de agosto de 2010,
RESOLVE:
Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou
procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como
tratamento dos casos de transexualismo.
Art. 2º Autorizar, ainda a título experimental, a realização de cirurgia do tipo neofaloplastia.
Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo
enumerados:
1) Desconforto com o sexo anatômico natural;
2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias
do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;
4) Ausência de outros transtornos mentais.(Onde se lê “Ausência de outros transtornos
mentais”, leia-se “Ausência de transtornos mentais”)
Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação
de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista,
psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios a seguir definidos, após, no mínimo,
dois anos de acompanhamento conjunto:
1) Diagnóstico médico de transgenitalismo;
2) Maior de 21 (vinte e um) anos;
3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.
Art. 5º O tratamento do transgenitalismo deve ser realizado apenas em estabelecimentos que
contemplem integralmente os pré-requisitos estabelecidos nesta resolução, bem como a
equipe multidisciplinar estabelecida no artigo 4º.
§ 1º O corpo clínico destes hospitais, devidamente registrado no Conselho Regional de
Medicina, deve ter em sua constituição os profissionais previstos na equipe citada no artigo
4º, aos quais caberá o diagnóstico e a indicação terapêutica.
§ 2º As equipes devem ser previstas no regimento interno dos hospitais, inclusive contando
com chefe, obedecendo aos critérios regimentais para a ocupação do cargo.
§ 3º Em qualquer ocasião, a falta de um dos membros da equipe ensejará a paralisação de
permissão para a execução dos tratamentos.
§ 4º Os hospitais deverão ter comissão ética constituída e funcionando dentro do previsto na
legislação pertinente.
Art. 6º Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido.
Art. 7º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução
CFM nº 1.652/02.

Brasília-DF, 12 de agosto de 2010


1.
2. ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA
Presidente Secretário-geral
ANEXO 4

Ministério da Saúde
Secretaria de Atenção à Saúde

PORTARIA Nº 457, DE 19 DE AGOSTO DE 2008

A Secretária de Atenção à Saúde - Substituta, no uso de suas atribuições,


Considerando a Portaria GM/MS nº 1.707, de 18 de agosto de 2008, que define as
Diretrizes Nacionais para o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde - SUS,
a serem implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três
esferas de gestão;
Considerando a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.652/2002, que autoriza
a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia como tratamento dos casos
de transexualismo;
Considerando a necessidade de identificar e estruturar os serviços que prestarão
assistência aos indivíduos com indicação para o Processo Transexualizador;
Considerando a necessidade de estruturar o processo de Credenciamento/ Habilitação dos
serviços que prestarão assistência aos indivíduos com indicação para o Processo
Transexualizador;
Considerando a necessidade de estabelecer critérios de indicação para a realização dos
procedimentos previstos no Processo Transexualizador, de transformação do fenótipo
masculino para feminino; e
Considerando a necessidade de apoiar os gestores do SUS na regulação, avaliação e
controle da atenção especializada no que concerne ao Processo Transexualizador, resolve:
Art. 1º - Aprovar, na forma dos Anexos desta Portaria a seguir descritos, a
Regulamentação do Processo Transexualizador no âmbito do Sistema Único de saúde -
SUS:
- Anexo I: Normas de Credenciamento/ Habilitação de Unidade de Atenção Especializada
no Processo Transexualizador, referência para a realização dos procedimentos para a
atenção aos indivíduos com indicação para a realização do Processo Transexualizador;
- Anexo II: Formulário de Vistoria do Gestor para Classificação e
Credenciamento/Habilitação de Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador;
- Anexo III: "Diretrizes de Atenção Especializada no Processo Transexualizador"; e
- Anexo IV: Relação dos Serviços com expertise, Habilitados para a realização dos
procedimentos previstos no Processo Transexualizador.
Art. 2º - Definir como Unidade de Atenção Especializada no Processo Transexualizador -
a unidade hospitalar que ofereça assistência diagnóstica e terapêutica especializada aos
indivíduos com indicação para a realização do processo transexualizador e possua
condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados a
este tipo de atendimento.
Parágrafo Único: São características da Unidade de Atenção Especializada:
I- Ser Hospital de Ensino, certificado pelo Ministério da Saúde e Ministério da Educação,
de acordo com a Portaria Interministerial MEC/MS nº 2.400, de 02 de outubro de 2007;
II- Ser Hospital contratualizado com o SUS de acordo com as Portaria Interministerial nº
1.006, de 27 de maio de 2004, Portarias GM/MS nº 2.352, de 26 de outubro de 2004, nº
1.702, de 17 de agosto de 2004, e nº 1.703, de 17 de agosto de 2004;
III- Estar articulado e integrado com o sistema de saúde local e regional;
IV- Dispor de estrutura de pesquisa e ensino organizados, com programas e protocolos
estabelecidos para o processo transexualizador; e
V- Ter adequada estrutura gerencial capaz de zelar pela eficiência, eficácia e efetividade
das ações prestadas;
Art. 3º - Definir como atribuições da Unidade de Atenção Especializada:
I- Apoiar a implantação das Diretrizes do Processo Transexualizador no SUS, que deve se
pautar:
a) Na integralidade da atenção, não restringindo ou centralizando a meta terapêutica às
cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas;
b) Na humanização da atenção, promovendo um atendimento livre de discriminação,
inclusive através da sensibilização dos trabalhadores e demais usuários da unidade de
saúde para o respeito às diferenças e à dignidade humana; e
c) Na constituição de equipe interdisciplinar e multiprofissional.
Art. 4º - Determinar que as Secretarias de Estado da Saúde e Secretarias Municipais de
Saúde, em Gestão Plena do Sistema, estabeleçam os fluxos assistenciais, os mecanismos
de referência e contra-referência dos pacientes e, ainda, adotem as providências
necessárias para que haja a articulação assistencial entre os serviços e, considerem na
distribuição geográfica das Unidades de Assistência os parâmetros a seguir:
I- ter base territorial de atuação definida por Macroregião;
II- população a ser atendida, conforme os parâmetros utilizados na Programação Pactuada
Integrada - PPI;
III- necessidade de cobertura assistencial;
IV- mecanismos de acesso com os fluxos de referência e contra-referência;
V- capacidade técnica e operacional dos serviços; e
VI- Expertise confirmada dos serviços e equipe.
Art. 5º - Definir que o credenciamento da Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador é descentralizado e, portanto, de responsabilidade do gestor estadual ou
municipal de acordo com sua competência de gestão, no qual:
I - Cabe ao gestor estadual ou municipal, de acordo com a gestão do estabelecimento,
alimentar ou registrar as informações no CNES;
II - Cabe a Comissão Intergestores Bipartite - CIB a aprovação, ou não, desse
credenciamento; e
III - O Credenciamento/habilitação das Unidades de Atenção Especializada para prestar
assistência aos indivíduos que possuem indicação para a realização do Processo
Transexualizador, após ser aprovado na Comissão Intergestores Bipartite - CIB ocorrerá
com a homologação pelo Ministério da Saúde, conforme estabelecido na Portaria GM/MS
nº 598, de 23 de março de 2006.
§1º Para fins de credenciamento de que trata o caput deste Artigo, deverão ser
utilizadas/seguidas as Normas de Credenciamento/ Habilitação de Unidade de Atenção,
referência para a realização dos procedimentos para a Atenção aos indivíduos com
indicação para a realização do Processo Transexualizador, conforme estabelecido no
Anexo I desta Portaria.
§2º Para fins de homologação do credenciamento e habilitação pelo Ministério da Saúde,
as Secretarias de Estado da Saúde deverão encaminhar os documentos a seguir descritos à
Coordenação Geral de Alta Complexidade, do Departamento de Atenção Especializada -
DAE/SAS/MS, a quem compete a respectiva habilitação e homologação:
I- Cópia da Resolução da CIB aprovando o Credenciamento;
II- Formulário de Vistoria do Gestor, conforme Anexo II desta Portaria; e
III- Informações sobre o impacto financeiro, conforme definido na Portaria GM/MS nº
598, de 23 de março de 2006.
§3º O credenciamento/habilitação da Unidade de Atenção Especializada será realizado
nos limites orçamentários previstos para o exercício financeiro pelo Ministério da Saúde.
§4º O Ministério da Saúde/Secretaria de Atenção à Saúde/ Departamento de Atenção
Especializada avaliará a indicação apresentada e verificará a disponibilidade de recursos
para publicação da Habilitação da Unidade.
Art. 6º - Definir que as Unidades de Atenção Especializada habilitadas para prestar
assistência aos indivíduos com indicação para a realização do Processo Transexualizador
deverão submeter-se à regulação, controle e avaliação do gestor estadual e municipal,
conforme as atribuições estabelecidas nas respectivas condições de gestão.
Art. 7º - Incluir, na tabela de serviços/classificações do Sistema de Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde - CNES e dos Sistemas de Informações Ambulatorial e
Hospitalar do SUS, o serviço de código 153 - Atenção especializada no Processo
Transexualizador e suas respectivas classificações conforme tabela a seguir:

Art. 8º - Criar o procedimento específico para tratamento hormonal pré-operatório à


cirurgia seqüencial de trangenitalização:
Redesignação sexual.

Parágrafo Único: os medicamentos hormonais quando fornecidos para Processo


Transexualizador não podem ser cobrados no âmbito dos programas de assistência
farmacêutica da atenção básica e de medicamentos excepcionais.
Art. 9º - Criar o procedimento específico para acompanhamento terapêutico no Processo
Transexualizador:
Art. 10 - Criar o procedimento específico para cirurgia de trangenitalização: Redesignação
Sexual.
Art. 11 - Estabelecer que os procedimentos definidos nos artigos 8º e 9º desta Portaria
serão operacionalizados no SIA/SUS, por meio de Autorização de Procedimentos
Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo (APAC).
Art. 12 - Estabelecer que as Unidades de Atenção Especializada que não mantiverem o
cumprimento do disposto nesta Portaria serão desabilitados pela Secretaria de Atenção à
Saúde - SAS.
Art. 13 - Estabelecer que os recursos orçamentários necessários à implementação desta
Portaria correrão por conta do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar o
Programa de Trabalho 10.302.1220.8585 - Atenção à Saúde da População para
Procedimentos de Média e Alta Complexidade.
Art. 14 - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
CLEUSA RODRIGUES DA SILVEIRA BERNARDO
ANEXO 5

Ministério da Saúde
Gabinete do Ministro

PORTARIA Nº 2.803, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2013(*)

Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS).


O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe conferem os
incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e
Considerando a decisão judicial transitada em julgado proferida nos autos da Ação Civil
Pública nº 2001.71.00.026279-9/RS, que versa sobre a implantação no SUS de cirurgias
de readequação sexual;
Considerando a decisão judicial proferida no dia 13 de setembro de 2013 em sede de
execução na referida Ação Civil Pública, que determinou ao Ministério da Saúde o
cumprimento integral, no prazo de 30 (trinta) dias, das medidas necessárias para
possibilitar a realização no Sistema Único de Saúde (SUS) de todos os procedimentos
médicos para garantir a cirurgia de transgenitalização e a readequação sexual no Processo
Transexualizador, conforme os critérios estabelecidos na Resolução nº 1.652 de 2002 do
Conselho Federal de Medicina (CFM);
Considerando o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei nº
8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), em especial a instituição da
Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES) e da Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (RENAME);
Considerando a Portaria nº 1.820/GM/MS, de 13 de agosto de 2009, que dispõe sobre os
direitos e deveres dos usuários(as) da saúde e assegura o uso do nome social no SUS;
Considerando a Portaria nº 4.279/GM/MS, de 30 de dezembro de 2010, que prioriza a
organização e implementação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) no país;
Considerando a Portaria nº 1.600/GM/MS, de 7 de julho de 2011, que reformula a Política
Nacional de Atenção às Urgências e a implementação da Rede de Atenção às Urgências;
Considerando a Portaria nº 2.836/GM/MS, de 1º de dezembro de 2011, que institui no
âmbito do SUS, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais;
Considerando a Portaria nº 3.088/GM/MS, de 23 de dezembro de 2011, que institui a
Rede de Atenção Psicossocial para Pessoas com Sofrimento ou Transtorno Mental com
Necessidades Decorrentes do Uso de Crack, Álcool e Outras Drogas no SUS;
Considerando a recomendação do Relatório nº 54 da Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias no SUS (CONITEC), de 7 de dezembro de 2012, no qual recomenda a
incorporação de novos procedimentos relativos ao processo transexualizador noâmbito do
SUS;
Considerando a Resolução nº 2, de 6 de dezembro de 2011, da Comissão Intergestores
Tripartite (CIT), que estabelece estratégias e ações que orientam o Plano Operativo da
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais no âmbito do SUS;
Considerando a necessidade de identificar, estruturar, ampliar e aprimorar a rede de
atenção à saúde e a linha de cuidado de transexuais e travestis;
Considerando a necessidade de atualizar o processo de habilitação dos serviços que
prestam assistência aos usuários(as) com demanda para o Processo Transexualizador;
Considerando a necessidade de estabelecer padronização dos critérios de indicação para a
realização dos procedimentos previstos no Processo Transexualizador, de transformação
do fenótipo masculino para feminino e do feminino para o masculino;
Considerando a necessidade de aprimorar a linha de cuidado no Processo
Transexualizador, em especial para pacientes que desejam a readequação para o fenótipo
masculino, pelo SUS;
Considerando a Resolução nº 1.955, de 3 de setembro de 2010, do Conselho Federal de
Medicina (CFM), que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução
CFM nº 1.652 de 2002; e
Considerando a necessidade de apoiar os gestores do SUS na regulação, avaliação e
controle da atenção especializada e na formação de profissionais de saúde, no que
concerne ao Processo Transexualizador, resolve:
Art. 1º Fica redefinido e ampliado o Processo Transexualizador no Sistema Único de
Saúde (SUS).
Art. 2º São diretrizes de assistência ao usuário(a) com demanda para realização do
Processo Transexualizador no SUS:
I - integralidade da atenção a transexuais e travestis, não restringindo ou centralizando a
meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas;
II - trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional;
III - integração com as ações e serviços em atendimento ao Processo Transexualizador,
tendo como porta de entrada a Atenção Básica em saúde, incluindo-se acolhimento e
humanização do atendimento livre de discriminação, por meio da sensibilização dos
trabalhadores e demais usuários e usuárias da unidade de saúde para o respeito às
diferenças e à dignidade humana, em todos os níveis de atenção.
Parágrafo único. Compreende-se como usuário(a) com demanda para o Processo
Transexualizador os transexuais e travestis.
Art. 3º A linha de cuidado da atenção aos usuários e usuárias com demanda para a
realização das ações no Processo Transexualizadoré estruturada pelos seguintes
componentes:
I - Atenção Básica: é o componente da Rede de Atenção à Saúde (RAS) responsável pela
coordenação do cuidado e por realizar a atenção contínua da população que está sob sua
responsabilidade, adstrita, além de ser a porta de entrada prioritária do usuário na rede; e
II - Atenção Especializada: é um conjunto de diversos pontos de atenção com diferentes
densidades tecnológicas para a realização de ações e serviços de urgência, ambulatorial
especializado e hospitalar, apoiando e complementando os serviços da atenção básica de
forma resolutiva e em tempo oportuno.
Art. 4º A integralidade do cuidado aos usuários e usuárias com demanda para a realização
das ações no Processo Transexualizador no Componente Atenção Básica será garantida
pelo:
I - acolhimento com humanização e respeito ao uso do nome social; e
II - encaminhamento regulado ao Serviço de Atenção Especializado no Processo
Transexualizador.
Art. 5º Para garantir a integralidade do cuidado aos usuários e usuárias com demanda para
a realização das ações no Processo Transexualizador no Componente Atenção
Especializada, serão definidas as seguintes modalidades:
I - Modalidade Ambulatorial: consiste nas ações de âmbito ambulatorial, quais sejam
acompanhamento clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e hormonioterapia,
destinadas a promover atenção especializada no Processo Transexualizador definidas
nesta Portaria e realizadas em estabelecimento de saúde cadastrado no Sistema de
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) que possua condições
técnicas, instalações físicas e recursos humanos adequados conforme descrito no anexo I a
esta Portaria; e
II - Modalidade Hospitalar: consiste nas ações de âmbito hospitalar, quais sejam
realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório, destinadas a promover
atenção especializada no Processo Transexualizador definidas nesta Portaria e realizadas
em estabelecimento de saúde cadastrado no SCNES que possua condições técnicas,
instalações físicas e recursos humanos adequados conforme descrito no anexo I a esta
Portaria.
Art. 6º A RAS é responsável pela integralidade do cuidado ao transexual e travesti no
âmbito do SUS.
Art. 7º Fica definido que, para fins de habilitação no Componente Atenção Especializada
no Processo Transexualizador, os gestores de saúde interessados deverão cumprir as
Normas de Habilitação previstas no anexo I, conforme modalidade assistencial
ambulatorial e/ou hospitalar do estabelecimento de saúde a ser habilitado, e encaminhar à
Coordenação-Geral de Média e Alta Complexidade (CGMAC/DAET/SAS/MS):
I - documento que comprove aprovação na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) ou,
quando for o caso, no Colegiado de Gestão da Secretaria de Saúde do Distrito Federal
(CGSES/DF) sobre o Processo Transexualizador, conforme definidos nesta Portaria; e
II - formulário de vistoria, devidamente assinado pelo gestor de saúde, para habilitação do
estabelecimento de saúde no Componente Atenção Especializada no Processo
Transexualizador, conforme anexo II a esta Portaria, seja para modalidade ambulatorial
e/ou hospitalar.
Art. 8º Ficam incluídas na Tabela de Habilitações do SCNES as seguintes habilitações
referentes ao Componente Atenção Especializada no Processo Transexualizador:
CÓDIGO NOME
Atenção Especializada no Processo Transexualizador realizando
30.02
Acompanhamento Clínico, Pré e Pós-Operatório e Hormonioterapia.
Atenção Especializada no Processo Transexualizador realizando Cirurgias e
30.03
Acompanhamento Pré e Pós-Operatório.
Art. 9º Os estabelecimentos habilitados em Unidade de Atenção Especializada no
Processo Transexualizador, conforme Código 30.01, até a presente data, nos termos do
anexo IV da Portaria nº 457/SAS/MS, de 19 de agosto de 2008, continuam habilitados e
deverão se adequar às novas habilitações conforme descrito nos arts. 3º a 8º, sob pena de
revogação da referida habilitação pelo Ministério da Saúde. (Alterado pela PRT GM/MS
nº 2736 de 09.12.2014)
Parágrafo único. Os estabelecimentos abaixo descritos mantêm-se habilitados em Unidade
de Atenção Especializada no Processo Transexualizador, e terão que se adequar, conforme
descrito no "caput" deste artigo: (Alterado pela PRT GM/MS nº 2736 de 09.12.2014)
UF MUNICÍPIO CNES ESTABELECIMENTO - RAZÃO SOCIAL
Hospital de Clínicas de Porto Alegre -
RS Porto Alegre 2237601 Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Porto
Alegre (RS)
Universidade Estadual do Rio de Janeiro - HUPE
Rio de
RJ 2269783 Hospital Universitário Pedro Ernesto/Rio de
Janeiro
Janeiro (RJ)
Hospital de Clínicas da Faculdade de
SP São Paulo 2078015 Medicina/FMUSPFundação Faculdade de
MedicinaMECMPAS - São Paulo (SP)
Hospital das Clinicas - Hospital das Clínicas da
GO Goiânia 2338424
Universidade Federal de Goiás/Goiânia (GO)

Art. 10. Os procedimentos da modalidade ambulatorial e hospitalar serão realizados


exclusivamente nos estabelecimentos de saúde habilitados nos Códigos 30.01, 30.02,
30.03 respectivamente.
Parágrafo único. Os estabelecimentos de saúde serão habilitados considerando os arts. 3º a
8º para realização do Componente Atenção Especializada no Processo Transexualizador,
seja na modalidade ambulatorial e/ou hospitalar, desde que cumpridas as exigências
estabelecidas por esta Portaria e:
I - para habilitação no Código 30.02, cumprir as exigências do anexo I e encaminhar
formulário de vistoria do anexo II, ambos da modalidade ambulatorial;
II - para habilitação no Código 30.03, cumprir as exigências do anexo I e encaminhar
formulário de vistoria do anexo II, ambos da modalidade hospitalar;
III - para habilitação nos Códigos 30.02 e 30.03, cumprir as exigências do anexo I e
encaminhar formulário de vistoria do anexo II, ambos das modalidades ambulatorial e
hospitalar.
Art. 11. Os estabelecimentos de saúde autorizados a prestarem assistência a transexuais e
travestis no âmbito do SUS submeter-se-ão à regulação, controle e avaliação dos seus
respectivos gestores de saúde.
Art. 12. O acesso aos procedimentos cirúrgicos de que trata esta Portaria será regulado por
meio da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC), quando houver
ausência ou insuficiência do recurso assistencial no Estado de origem, cabendo ao
Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas (DRAC/SAS/MS) adotar
as providências cabíveis para sua operacionalização.
Art. 13. Fica alterada na Tabela de Serviço/Classificação do SCNES a denominação da
classificação 001 do serviço 153 -Atenção Especializada no Processo Transexualizador
conforme descrita abaixo, incluindo a classificação 002 e as respectivas equipes mínimas
de Classificação Brasileira de Ocupação (CBO):
Códi
Código
go
da Gru CB
do Descrição Descrição Descrição
Classific po O
Serv
ação
iço
153 Atenção 001 Acompanha 1
Especializad mento
a no Clínico, pré e 2251 Médico
Processo pós- 33 psiquiatra
Transexuali operatório e
zador hormoniotera
pia.
Médico
2251 Endocrinolo
55 gista
2251 Médico
25 Clínico
2235
05 Enfermeiro
2515 Psicólogo
10
2516 Assistente
05 Social
2 2515
Psicólogo
10
Médico
2251 Endocrinolo
55 gista
2251 Médico
25 Clínico
2235
05 Enfermeiro
2516 Assistente
05 Social
002 Cirurgia e 3 Médico
2252
Acompanha ginecologist
50
mento pré e a obstetra
pós- Médico
operatório. 2252
Cirurgião
35
Plástico
2235
05 Enfermeiro

2251 Médico
33 psiquiatra

Médico
2251
Endocrinolo
55
gista

2252 Médico
85 Urologista

2516 Assistente
05 Social

4 2252 Médico
85 Urologista

Médico
2252
ginecologist
50
a obstetra

2252 Médico
35 Cirurgião
Plástico

2235
05 Enfermeiro

2515
Psicólogo
10

Médico
2251 Endocrinolo
55 gista

2516 Assistente
05 Social
Art. 14. Ficam incluídos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS os
procedimentos a seguir:
03.01.13.004-3 - Acompanhamento do usuário(a) no processo
Procedimento:
transexualizador exclusivo nas etapas do pré e pós-operatório

Consiste no acompanhamento mensal de usuário(a) no


Processo Transexualizador, no máximo dois atendimentos
mensais, durante no mínimo de 2 (dois) anos no pré-operatório
Descrição: e por até 1 ano no pós-operatório.

Origem SIGTAP 03.01.13.002-7

Complexidade: MC - Média Complexidade

Modalidade: 01 - Ambulatorial

Instrumento de
Registro: 02 - BPA-I (Individualizado)

Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)

Sexo: Ambos

Valor Ambulatorial
SA: R$ 39,38

Valor Ambulatorial
Total: R$ 39,38
Valor Hospitalar SP: R$ 0,00

Valor Hospitalar SH: R$ 0,00

Valor Hospitalar
Total: R$0,00

Idade Mínima: 18 Ano(s)

Idade Máxima: 75 Ano(s)

Quantidade Máxima: 02

225133, 225155, 225250, 225285, 251510, 225235, 251605,


CBO: 223810,, 225125.

CID: F64.0

153/001 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo


Serviço/classificação: Transexualizador) Acompanhamento Clínico, pré e pós-
operatório e hormonioterapia; 153/002 (Cirurgia e
Acompanhamento pré e pós-operatório).
Habilitação: 30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador; 30.02 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando Acompanhamento Clínico, pré e
pós-operatório e hormonioterapia; 30.03 Atenção Especializada
no Processo Transexualizador realizando Cirurgias e
Acompanhamento Pré e Pós-Operatório

03.03.03.009-7- Tratamento hormonal no processo


Procedimento: transexualizador.
Consiste na utilização de terapia medicamentosa hormonal
disponibilizada mensalmente para ser iniciada após o
Descrição:
diagnóstico no Processo Transexualizador (estrógeno ou
testosterona).
Origem SIGTAP 03.03.03.007-0
Complexidade: MC - Média Complexidade
Modalidade: 01 - Ambulatorial
Instrumento de
BPA-I (Individualizado)
Registro:
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:

Valor Ambulatorial
SA: R$ 50,00

Valor Ambulatorial R$ 50,00


Total:

Sexo: Ambos

Idade Mínima: 18 Ano(s)

Idade Máxima: 75 Ano(s)

Quantidade Máxima: 01

CBO: 225155, 225250, 225285, 225125

CID: F64.0 e F64.9

153/001 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo


Transexualizador) - Acompanhamento Clínico, pré e pós-
Serviço/Classificação:
operatório e hormonioterapia.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Habilitação: Transexualizador; 30.02 Atenção Especializada no Processo
Transexualizador, realizando Acompanhamento Clínico, pré e
pós-peratório e hormonioterapia.

Procedimento: 04.09.05.014-8 - Redesignação sexual no sexo masculino

Consiste na orquiectomia bilateral com amputação do pênis e


Descrição:
neocolpoplastia (construção de neovagina).
Origem SIGTAP 04.09.05.012-1

Complexidade: AC - Alta Complexidade

Modalidade: 02 - Hospitalar

Instrumento de
Registro: 03 - AIH (Proc. Principal)

Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)

Valor Hospitalar
R$ 528,06
SP:

Valor Hospitalar
R$ 760,22
SH:

Valor Hospitalar
Total: R$ 1288,28

Atributo 001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior


Complementar:

Sexo: Masculino

Idade Mínima: 21 Ano(s)

Idade Máxima: 75 Ano(s)

Quantidade
01
Máxima:

Média
8
Permanência:

Pontos: 270

Especialidade do
Leito: 01 - Cirúrgico

CBO: 225235, 225285, 225250

CID: F64.0

Serviço / 153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo


Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento clínico pré e pós-
Classificação:
operatório.
Habilitação: 30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador; 30.03. - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós
- operatório

Procedimento: 04.04.01.056-3 - Tireoplastia

Consiste na cirurgia de redução do Pomo de Adão com vistas à


feminilização da voz e/ou alongamento das cordas vocais no
Descrição:
processo transexualizador.
Origem SIGTAP 04.04.01.042-3

Complexidade: AC - Alta Complexidade

Modalidade: 02 - Hospitalar

Instrumento de
Registro: 03 - AIH (Proc. Principal)

Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)

Valor Hospitalar R$ 236,60


SP:

Valor Hospitalar
SH: R$ 181,88

Valor Hospitalar
Total: R$ 418,48

Atributo
001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Complementar:

Sexo: Masculino

Idade Mínima: 21 Ano(s)

Idade Máxima: 75 Ano(s)

Quantidade
01
Máxima:

Media
01
Permanência:

Pontos: 270

Especialidade do
01 - Cirúrgico
Leito:

CBO: 225275; 225215; 225235

CID: F64.0

Serviço / 153/002 - (Serviço Atenção Especializado no Processo


Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento clínico pré e pós-
Classificação:
operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Habilitação: Transexualizador; 30.03 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador, realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós
- operatório

Procedimento: 03.03.03.008-9 - Tratamento hormonal preparatório para


cirurgia de redesignação sexual no processo transexualizador.
Consiste na terapia medicamentosa hormonal a ser
Descrição: disponibilizada mensalmente no período de 2 anos que
antecede a cirurgia de redesignação sexual no Processo
Transexualizador (ciproterona).
Complexidade: MC - Média Complexidade
Modalidade: 01 - Ambulatorial

Instrumento de
02 - BPA-I (individualizado)
Registro:

Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)

Valor Ambulatorial
SA: R$ 65,52

Valor Ambulatorial
R$ 65,52
Total:

Sexo: Masculino

Idade Mínima: 18 Ano(s)

Idade Máxima: 75 Ano(s)

Quantidade Máxima: 01

CBO: 225155, 225250, 225285, 225125

CID: F64.0 e F64.9

153/001 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo


Transexualizador). Acompanhamento Clínico, pré e pós-
Serviço/Classificação:
operatório e hormonioterapia.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.02 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando Acompanhamento Clínico, pré e
Habilitação:
pós-operatório e hormonioterapia.

Procedimento: 04.10.01.019-7 - Mastectomia simples bilateral em usuária sob


processo transexualizador
Descrição: Procedimento cirúrgico que consiste na ressecção de ambas as
mamas com reposicionamento do complexo aréolo mamilar.
Complexidade: AC - Alta Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
03 - AIH (Proc. Principal)
Registro:

Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor Hospitalar R$ 284,93
SP:
Valor Hospitalar
SH: R$ 524,96
Valor Hospitalar
Total: R$ 809,89
Atributo
Complementar: 001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Sexo: feminino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade
01
Máxima:
Media
03
Permanência:
Pontos: 250
Especialidade do
01 - Cirúrgico
Leito:
CBO: 225235, 225250, 225255
CID: F64.0
153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Serviço / Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento pré e pós-
Classificação: operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.03 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós
Habilitação: - operatório.

04.09.06.029-1 - Histerectomia c/ anexectomia bilateral e


Procedimento:
colpectomia em usuárias sob processo transexualizador.
Procedimento cirúrgico de ressecção do útero e ovários, com
Descrição: colpectomia.
Complexidade: AC - Alta Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
03 - AIH (Proc. Principal)
Registro:
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor
R$ 511,90
Hospitalar SP:
Valor
R$ 683,90
Hospitalar SH:
Valor
R$ 1.195,80
Hospitalar
Total:
Atributo 001 - Inclui valor da anestesia, 004 - Admite permanência à
Complementar: maior
Sexo: Feminino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade
Máxima: 01
Média
Permanência: 03
Pontos: 300
Especialidade
01 - Cirúrgico
do Leito:
CBO: 225250
CID: F64.0
153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Serviço /
Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento clínico pré e
Classificação:
pós-operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Habilitação: Transexualizador 30.03
Atenção Especializada no Processo Transexualizador
realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós - operatório

Procedimento: 04.09.05.013-0 - Cirurgias complementares de redesignação sexual


Descrição: Consiste em cirurgias complementares tais como: reconstrução da
neovagina realizada, meatotomia, meatoplastia, cirurgia estética para
correções complementares dos grandes lábios, pequenos lábios e
clitóris e tratamento de deiscências e fístulectomia.
Complexidade: AC - Alta Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
03 - AIH (Proc. Principal)
Registro:
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor
R$ 214,67
Hospitalar SP:
Valor
R$ 183,38
Hospitalar SH:
Valor
Hospitalar R$ 398,05
Total:
Atributo
Complementar: 001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Sexo: Ambos
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade
Máxima: 01
Média
Permanência: 05
Pontos: 270
Especialidade
01 - Cirúrgico
do Leito:
CBO: 225235, 225285, 225250
CID: F64.0
153/002 - Serviço de Atenção Especializada no Processo
Serviço /
Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento clínico pré e pós-
Classificação:
operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.03 - Atenção Especializada no Processo
Habilitação:
Transexualizador realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós -
operatório.

03.01.13.003-5 - Acompanhamento de usuário(a) no Processo


Procedimento:
Transexualizador exclusivamente para atendimento clínico.
Descrição: Consiste no acompanhamento de usuário(a) no Processo
Transexualizador com atendimento mensal por equipe
multiprofissional, diferente do acompanhamento exclusivo das
etapas no pré ou pós operatório no processo transexualizador.
Complexidade: MC - Média Complexidade
Modalidade: 01 - Ambulatorial
Instrumento de
Registro: BPA-I (Individualizado)
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor Ambulatorial
R$ 39,38
SIA:
Valor Ambulatorial
R$ 39,38
Total:
Sexo: Ambos
Idade Mínima: 18 Ano(s)
Idade Máxima: 110 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
CBO: 225133, 225155, 251510, 251605,223810,
CID: F64.0, F64.9
Serviço/classificação: 153/001 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador). Acompanhamento Clínico, pré e pós-
operatório e hormonioterapia.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.02 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando acompanhamento Clínico, pré e
Habilitação: pós-operatório e hormonioterapia.

04.10.01.020-0- Plástica mamária reconstrutiva bilateral incluindo


Procedimento:
prótese mamária de silicone bilateral no processo transexualizador
Consiste em cirurgia Plástica mamária reconstrutiva bilateral
complementar ao processo de redesignação sexual no sexo
Descrição:
masculino no processo transexualizador, incluindo implante de
prótese mamária de silicone bilateral.
Complexidade: Media Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
03 - AIH (Proc. Principal)
Registro:
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor Hospitalar
SP: R$ 140,02
Valor Hospitalar
SH: R$ 1.663,90
Valor Hospitalar
Total: R$ 1803,92
Atributo
Complementar: 001 - Inclui valor da anestesia, 004 - Admite permanência à maior
Sexo: Masculino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade
01
Máxima:
Media
Permanência: 02
Pontos: 250
Especialidade do
Leito: 01 - Cirúrgico
CBO: 225235, 225250
153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Serviço / Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento pré e pós-
Classificação: operatório.
CID F64.0
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Habilitação:
Transexualizador 30.03 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando Cirurgias e acompanhamento pré e pós
- operatório.
§ 1º Os procedimentos de Código 03.01.13.004-3 - Acompanhamento do usuário(a) no
processo Transexualizador exclusivo nas etapas do pré e pós-operatório e Código
03.01.13.003-5 - Acompanhamento de usuário(a) no Processo Transexualizador
exclusivamente para atendimento clinico de que trata este artigo são excludentes entre si.
§ 2º Em relação ao cuidado dos usuários e usuárias no Processo Transexualizador:
I - a hormonioterapia que trata esta Portaria será iniciada a partir dos 18 (dezoito) anos de
idade do paciente no processo transexualizador; e
II - os procedimentos cirúrgicos de que trata esta Portaria serão iniciados a partir de 21
(vinte e um) anos de idade do paciente no processo transexualizador, desde que tenha
indicação específica e acompanhamento prévio de 2 (dois) anos pela equipe
multiprofissional que acompanha o usuário(a) no Serviço de Atenção Especializada no
Processo Transexualizador.
Art. 15. O SUS realizará, em caráter experimental, os procedimentos de vaginectomia e
neofaloplastia com implante de próteses penianas e testiculares, clitoroplastia e cirurgia de
cordas vocais em pacientes em readequação para o fenótipo masculino, nos termos da
Resolução nº 1.955, de 3 de setembro de 2010, do Conselho Federal de Medicina (CFM),
que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.652 de
2002.
Parágrafo único. Os procedimentos descritos no "caput" somente poderão ser realizados
em estabelecimentos definidos como hospitais de ensino, habilitados para realização da
Atenção Especializada no Processo Transexualizador, bem como a partir da assinatura de
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo paciente.
Art. 16. Os procedimentos descritos nesta Portaria poderão ser realizados somente nos
estabelecimentos de saúde habilitados pelo Ministério da Saúde para prestar Atenção
Especializada no Processo Transexualizador, conforme normas de habilitação
estabelecidas nos anexos a esta Portaria.
Art. 17. Os recursos financeiros para o custeio das atividades de que trata esta Portaria são
oriundos do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar o Programa de Trabalho
10.302.2015.8585 - Atenção à Saúde da População para Procedimentos de Média e Alta
Complexidade.
Parágrafo único. A aprovação do repasse de recursos financeiros de que trata esta Portaria
ficará condicionada à disponibilidade orçamentária e financeira do Ministério da Saúde.
Art. 18. Ficam aprovadas, na forma dos anexos a esta Portaria, as normas de habilitação e
formulários de vistoria do Processo Transexualizador no âmbito do SUS:
I - anexo I: Normas de Habilitação de Serviço de Atenção Especializado no Processo
Transexualizador, nas modalidades ambulatorial e/ou hospitalar; e
II - anexo II: Formulário de Vistoria do Gestor para Habilitação de Serviço de Atenção
Especializada no Processo Transexualizador, na modalidade ambulatorial e/ou hospitalar.
Art. 19. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos operacionais
na competência seguinte.
Art. 20. Ficam revogadas:
I - a Portaria nº 1.707/GM/MS, de 18 de agosto de 2008, publicada no Diário Oficial da
União nº 159, Seção 1, do dia 19 de agosto de 2008, p. 43; e
II - a Portaria nº 1.579/GM/MS, de 31 de julho de 2013, publicada no Diário Oficial da
União nº 147, Seção 1, do dia 1 de agosto de 2013, p. 48.

ALEXANDRE ROCHA SANTOS PADILHA


ANEXO 6

IDENTIDAD DE GÉNERO
Ley 26.743

Establécese el derecho a la identidad de género de las personas.


Sancionada: Mayo 9 de 2012
Promulgada: Mayo 23 de 2012
El Senado y Cámara de Diputados de la Nación Argentina reunidos en Congreso, etc.
sancionan con fuerza de Ley:
ARTICULO 1º — Derecho a la identidad de género. Toda persona tiene derecho:
a) Al reconocimiento de su identidad de género;
b) Al libre desarrollo de su persona conforme a su identidad de género;
c) A ser tratada de acuerdo con su identidad de género y, en particular, a ser identificada
deese modo en los instrumentos que acreditan su identidad respecto de el/los nombre/s de
pila, imagen y sexo con los que allí es registrada.
ARTICULO 2° — Definición. Se entiende por identidad de género a la vivencia interna e
individual del género tal como cada persona la siente, la cual puede corresponder o no con el
sexo asignado al momento del nacimiento, incluyendo la vivencia personal del cuerpo. Esto
puede involucrar la modificación de la apariencia o la función corporal a través de médios
farmacológicos, quirúrgicos o de otra índole, siempre que ello sea libremente escogido.
También incluye otras expresiones de género, como la vestimenta, el modo de hablar y los
modales.
ARTICULO 3º — Ejercicio. Toda persona podrá solicitar la rectificación registral del sexo, y
el cambio de nombre de pila e imagen, cuando no coincidan con su identidad de género
autopercibida.
ARTICULO 4º — Requisitos. Toda persona que solicite la rectificación registral del sexo, el
cambio de nombre de pila e imagen, en virtud de la presente ley, deberá observar los
siguientes requisitos:
1. Acreditar la edad mínima de dieciocho (18) años de edad, con excepción de lo estabelecido
en el artículo 5° de la presente ley.
2. Presentar ante el Registro Nacional de las Personas o sus oficinas seccionales
correspondientes, una solicitud manifestando encontrarse amparada por la presente ley,
requiriendo la rectificación registral de la partida de nacimiento y el nuevo documento
nacional de identidad correspondiente, conservándose el número original.
3. Expresar el nuevo nombre de pila elegido con el que solicita inscribirse.
En ningún caso será requisito acreditar intervención quirúrgica por reasignación genital total o
parcial, ni acreditar terapias hormonales u otro tratamiento psicológico o médico.
ARTICULO 5° — Personas menores de edad. Con relación a las personas menores de
dieciocho (18) años de edad la solicitud del trámite a que refiere el artículo 4º deberá ser
efectuada a través de sus representantes legales y con expresa conformidad del menor,
teniendo em cuenta los principios de capacidad progresiva e interés superior del niño/a de
acuerdo con lo estipulado en la Convención sobre los Derechos del Niño y en la Ley 26.061
de protección integral de los derechos de niñas, niños y adolescentes. Asimismo, la persona
menor de edad deberá contar con la asistencia del abogado del niño prevista en el artículo 27
de la Ley 26.061.
Cuando por cualquier causa se niegue o sea imposible obtener el consentimiento de alguno/a
de los/as representantes legales del menor de edad, se podrá recurrir a la vía sumarísima para
que los/as jueces/zas correspondientes resuelvan, teniendo en cuenta los principios de
capacidad progresiva e interés superior del niño/a de acuerdo con lo estipulado en la
Convención sobre los Derechos del Niño y en la Ley 26.061 de protección integral de los
derechos de niñas, niños y adolescentes.
ARTICULO 6° — Trámite. Cumplidos los requisitos establecidos en los artículos 4° y 5°,
el/la oficial público procederá, sin necesidad de ningún trámite judicial o administrativo, a
notificar de oficio la rectificación de sexo y cambio de nombre de pila al Registro Civil de la
jurisdicción donde fue asentada el acta de nacimiento para que proceda a emitir una nueva
partida de nacimiento ajustándola a dichos cambios, y a expedirle un nuevo documento
nacional de identidad que refleje la rectificación registral del sexo y el nuevo nombre de pila.
Se prohíbe cualquier referencia a la presente ley en la partida de nacimiento rectificada y en el
documento nacional de identidad expedido en virtud de la misma.
Los trámites para la rectificación registral previstos en la presente ley son gratuitos,
personales y no será necesaria la intermediación de ningún gestor o abogado.
ARTICULO 7° — Efectos. Los efectos de la rectificación del sexo y el/los nombre/s de pila,
realizados en virtud de la presente ley serán oponibles a terceros desde el momento de su
inscripción en el/los registro/s.
La rectificación registral no alterará la titularidad de los derechos y obligaciones jurídicas que
pudieran corresponder a la persona con anterioridad a la inscripción del cambio registral, ni
las provenientes de las relaciones propias del derecho de familia en todos sus órdenes y
grados, las que se mantendrán inmodificables, incluida la adopción.
En todos los casos será relevante el número de documento nacional de identidad de la
persona, por sobre el nombre de pila o apariencia morfológica de la persona.
ARTICULO 8° — La rectificación registral conforme la presente ley, una vez realizada, sólo
podrá ser nuevamente modificada con autorización judicial.
ARTICULO 9° — Confidencialidad. Sólo tendrán acceso al acta de nacimiento originaria
quienes cuenten con autorización del/la titular de la misma o con orden judicial por escrito y
fundada.
No se dará publicidad a la rectificación registral de sexo y cambio de nombre de pila en
ningún caso, salvo autorización del/la titular de los datos. Se omitirá la publicación en los
diarios a que se refiere el artículo 17 de la Ley 18.248.
ARTICULO 10. — Notificaciones. El Registro Nacional de las Personas informará el cambio
de documento nacional de identidad al Registro Nacional de Reincidencia, a la Secretaría del
Registro Electoral correspondiente para la corrección del padrón electoral y a los organismos
que reglamentariamente se determine, debiendo incluirse aquéllos que puedan tener
información sobre medidas precautorias existentes a nombre del interesado.
ARTICULO 11. — Derecho al libre desarrollo personal. Todas las personas mayores de
dieciocho (18) años de edad podrán, conforme al artículo 1° de la presente ley y a fin de
garantizar el goce de su salud integral, acceder a intervenciones quirúrgicas totales y parciales
y/o tratamientos integrales hormonales para adecuar su cuerpo, incluida su genitalidad, a su
identidad de género autopercibida, sin necesidad de requerir autorización judicial o
administrativa.
Para el acceso a los tratamientos integrales hormonales, no será necesario acreditar la
voluntad en la intervención quirúrgica de reasignación genital total o parcial. En ambos casos
se requerirá, únicamente, el consentimiento informado de la persona. En el caso de las
personas menores de edad regirán los principios y requisitos establecidos en el artículo 5°
para la obtención del consentimiento informado. Sin perjuicio de ello, para el caso de la
obtención del mismo respecto de la intervención quirúrgica total o parcial se deberá contar,
además, com la conformidad de la autoridad judicial competente de cada jurisdicción, quien
deberá velar por los principios de capacidad progresiva e interés superior del niño o niña de
acuerdo con lo estipulado por la Convención sobre los Derechos del Niño y en la Ley 26.061
de protección integral de los derechos de las niñas, niños y adolescentes. La autoridad judicial
deberá expedirse en un plazo no mayor de sesenta (60) días contados a partir de la solicitud de
conformidad.
Los efectores del sistema público de salud, ya sean estatales, privados o del subsistema de
obras sociales, deberán garantizar en forma permanente los derechos que esta ley reconoce.
Todas las prestaciones de salud contempladas en el presente artículo quedan incluidas en el
Plan Médico Obligatorio, o el que lo reemplace, conforme lo reglamente la autoridad de
aplicación.
ARTICULO 12. — Trato digno. Deberá respetarse la identidad de género adoptada por las
personas, en especial por niñas, niños y adolescentes, que utilicen un nombre de pila distinto
al consignado en su documento nacional de identidad. A su solo requerimiento, el nombre de
pila adoptado deberá ser utilizado para la citación, registro, legajo, llamado y cualquier outra
gestión o servicio, tanto en los ámbitos públicos como privados.
Cuando la naturaleza de la gestión haga necesario registrar los datos obrantes en el documento
nacional de identidad, se utilizará un sistema que combine las iniciales del nombre, el apellido
completo, día y año de nacimiento y número de documento y se agregará el nombre de pila
elegido por razones de identidad de género a solicitud del interesado/a.
En aquellas circunstancias en que la persona deba ser nombrada en público deberá utilizarse
únicamente el nombre de pila de elección que respete la identidad de género adoptada.
ARTICULO 13. — Aplicación. Toda norma, reglamentación o procedimiento deberá respetar
el derecho humano a la identidad de género de las personas. Ninguna norma, reglamentación
o procedimiento podrá limitar, restringir, excluir o suprimir el ejercicio del derecho a la
identidade de género de las personas, debiendo interpretarse y aplicarse las normas siempre a
favor del acceso al mismo.
ARTICULO 14. — Derógase el inciso 4° del artículo 19 de la Ley 17.132.
ARTICULO 15. — Comuníquese al Poder Ejecutivo Nacional.
DADA EN LA SALA DE SESIONES DEL CONGRESO ARGENTINO, EN BUENOS
AIRES, A LOS NUEVE DIAS DEL MES DE MAYO DEL AÑO DOS MIL DOCE.
— REGISTRADA BAJO EL Nº 26.743 —
AMADO BOUDOU. — JULIAN A. DOMINGUEZ. — Gervasio Bozzano. — Juan H.
Estrada
ANEXO 7

PROJETO DE LEI Nº 5.002 / 2013


(Dep. Jean Wyllys e Érika Kokay)

Dispõe sobre o direito à identidade


de gênero e altera o artigo 58 da Lei
6.015 de 1973.

LEI JOÃO W NERY


LEI DE IDENTIDADE DE GÊNERO

O Congresso Nacional decreta:


Artigo 1º - Toda pessoa tem direito:
I - ao reconhecimento de sua identidade de gênero;
II - ao livre desenvolvimento de sua pessoa conforme sua identidade de gênero;
III - a ser tratada de acordo com sua identidade de gênero e, em particular, a ser identificada
dessa maneira nos instrumentos que acreditem sua identidade pessoal a respeito do/s
prenome/s, da imagem e do sexo com que é registrada neles.
Artigo 2º - Entende-se por identidade de gênero a vivência interna e individual do gênero tal
como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o
nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo.
Parágrafo único: O exercício do direito à identidade de gênero pode envolver a modificação
da aparência ou da função corporal através de meios farmacológicos, cirúrgicos ou de outra
índole, desde que isso seja livremente escolhido, e outras expressões de gênero, inclusive
vestimenta, modo de fala e maneirismos.
Artigo 3º - Toda pessoa poderá solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do
prenome e da imagem registradas na documentação pessoal, sempre que não coincidam com a
sua identidade de gênero auto-percebida.
Artigo 4º - Toda pessoa que solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e
da imagem, em virtude da presente lei, deverá observar os seguintes requisitos:
I - ser maior de dezoito (18) anos;
II - apresentar ao cartório que corresponda uma solicitação escrita, na qual deverá manifestar
que, de acordo com a presente lei, requer a retificação registral da certidão de nascimento e a
emissão de uma nova carteira de identidade, conservando o número original;
III - expressar o/s novo/s prenome/s escolhido/s para que sejam inscritos.
Parágrafo único: Em nenhum caso serão requisitos para alteração do prenome:
I - intervenção cirúrgica de transexualização total ou parcial;
II - terapias hormonais;
III - qualquer outro tipo de tratamento ou diagnóstico psicológico ou médico;
IV - autorização judicial.
Artigo 5º - Com relação às pessoas que ainda não tenham dezoito (18) anos de idade, a
solicitação do trâmite a que se refere o artigo 4º deverá ser efetuada através de seus
representantes legais e com a expressa conformidade de vontade da criança ou adolescente,
levando em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da
criança, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
§1° Quando, por qualquer razão, seja negado ou não seja possível obter o consentimento de
algum/a dos/as representante/s do Adolescente, ele poderá recorrer ele poderá recorrer a
assistência da Defensoria Pública para autorização judicial, mediante procedimento
sumaríssimo que deve levar em consideração os princípios de capacidade progressiva e
interesse superior da criança.
§2º Em todos os casos, a pessoa que ainda não tenha 18 anos deverá contar com a assistência
da Defensoria Pública, de acordo com o estabelecido pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Artigo 6º - Cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 4º e 5º, sem necessidade de
nenhum trâmite judicial ou administrativo, o/a funcionário/a autorizado do cartório procederá:
I - a registrar no registro civil das pessoas naturais a mudança de sexo e prenome/s;
II - emitir uma nova certidão de nascimento e uma nova carteira de identidade que reflitam a
mudança realizada;
III - informar imediatamente os órgãos responsáveis pelos registros públicos para que se
realize a atualização de dados eleitorais, de antecedentes criminais e peças judiciais.
§1º Nos novos documentos, fica proibida qualquer referência à presente lei ou à identidade
anterior, salvo com autorização por escrito da pessoa trans ou intersexual.
§2º Os trâmites previstos na presente lei serão gratuitos, pessoais, e não será necessária a
intermediação de advogados/as ou gestores/as.
§3º Os trâmites de retificação de sexo e prenome/s realizados em virtude da presente lei serão
sigilosos. Após a retificação, só poderão ter acesso à certidão de nascimento original aqueles
que contarem com autorização escrita do/a titular da mesma.
§4º Não se dará qualquer tipo de publicidade à mudança de sexo e prenome/s, a não ser que
isso seja autorizado pelo/a titular dos dados. Não será realizada a publicidade na imprensa que
estabelece a lei 6.015/73 (arts. 56 e 57).
Artigo 7º - A Alteração do prenome, nos termos dos artigos 4º e 5º desta Lei, não alterará a
titularidade dos direitos e obrigações jurídicas que pudessem corresponder à pessoa com
anterioridade à mudança registral, nem daqueles que provenham das relações próprias do
direito de família em todas as suas ordens e graus, as que se manterão inalteráveis, incluída a
adoção.
§1º Da alteração do prenome em cartório prosseguirá, necessariamente, a mudança de
prenome e gênero em qualquer outro documento como diplomas, certificados, carteira de
identidade, CPF, passaporte, título de eleitor, Carteira Nacional de Habilitação e Carteira de
Trabalho e Previdência Social.
§2º Preservará a maternidade ou paternidade da pessoa trans no registro civil de seus/suas
filhos/as, retificando automaticamente também tais registros civis, se assim solicitado,
independente da vontade da outra maternidade ou paternidade;
§3º Preservará o matrimônio da pessoa trans, retificando automaticamente também, se assim
solicitado, a certidão de casamento independente de configurar uma união homoafetiva ou
heteroafetiva.
§4º Em todos os casos, será relevante o número da carteira de identidade e o Cadastro de
Pessoa Física da pessoa como garantia de continuidade jurídica.
Artigo 8º - Toda pessoa maior de dezoito (18) anos poderá realizar intervenções cirúrgicas
totais ou parciais de transexualização, inclusive as de modificação genital, e/ou tratamentos
hormonais integrais, a fim de adequar seu corpo à sua identidade de gênero auto-percebida.
§1º Em todos os casos, será requerido apenas o consentimento informado da pessoa adulta e
capaz. Não será necessário, em nenhum caso, qualquer tipo de diagnóstico ou tratamento
psicológico ou psiquiátrico, ou autorização judicial ou administrativa.
§2º No caso das pessoas que ainda não tenham de dezoito (18) anos de idade, vigorarão os
mesmos requisitos estabelecidos no artigo 5º para a obtenção do consentimento informado.
Artigo 9º - Os tratamentos referidos no artigo 11º serão gratuitos e deverão ser oferecidos
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelas operadoras definidas nos incisos I e II do § 1º do
art. 1º da Lei 9.656/98, por meio de sua rede de unidades conveniadas.
Parágrafo único: É vedada a exclusão de cobertura ou a determinação de requisitos distintos
daqueles especificados na presente lei para a realização dos mesmos.
Artigo 10º - Deverá ser respeitada a identidade de gênero adotada pelas pessoas que usem um
prenome distinto daquele que figura na sua carteira de identidade e ainda não tenham
realizado a retificação registral.
Parágrafo único: O nome social requerido deverá ser usado para a citação, chamadas e
demais interações verbais ou registros em âmbitos públicos ou privados.
Artigo 11º - Toda norma, regulamentação ou procedimento deverá respeitar o direito humano
à identidade de gênero das pessoas. Nenhuma norma, regulamentação ou procedimento
poderá limitar, restringir, excluir ou suprimir o exercício do direito à identidade de gênero das
pessoas, devendo se interpretar e aplicar as normas sempre em favor do acesso a esse direito.
Artigo 12º - Modifica-se o artigo 58º da lei 6.015/73, que ficará redigido da seguinte forma:
"Art. 58º. O prenome será definitivo, exceto nos casos de discordância com a identidade de
gênero auto-percebida, para os quais se aplicará a lei de identidade de gênero. Admite-se
também a substituição do prenome por apelidos públicos notórios."
Artigo 13º - Revoga-se toda norma que seja contrária às disposições da presente lei.
Artigo 14º - A presente lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, de fevereiro de 2013.
Jean Wyllys Érika Kokay
Deputado Federal PSOL/RJ Deputada Federal PT/DF
ANEXO 8

PRINCÍPIOS DE YOGIOKARTA PROTETIVOS DA SAÚDE

Princípio 17: DIREITO AO PADRÃO MAIS ALTO ALCANÇÁVEL DE SAÚDE

Toda pessoa tem o direito ao padrão mais alto alcançável de saúde física e mental, sem
discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero. A saúde sexual e
reprodutiva é um aspecto fundamental desse direito.
Os Estados deverão:
a) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para
assegurar o gozo do direito ao mais alto padrão alcançável de saúde, sem discriminação por
motivo de orientação sexual ou identidade de gênero;
b) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para
garantir que todas as pessoas tenham acesso às instalações, bens e serviços de atendimento à
saúde, inclusive à saúde sexual e reprodutiva, e acesso a seu próprio histórico médico, sem
discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero;
c) Assegurar que as instalações, bens e serviços de atendimento à saúde sejam planejados para
melhorar o status de saúde e atender às necessidades de todas as pessoas, sem discriminação
por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero, mas levando em conta essas
características, e que os registros médicos relacionados a isso sejam tratados de forma
confidencial;
d) Desenvolver e implementar programas para enfrentar a discriminação, preconceito e outros
fatores sociais que solapam a saúde das pessoas por efeito de sua orientação sexual ou
identidade de gênero;
e) Assegurar que todas as pessoas sejam informadas e empoderadas para tomarem suas
próprias decisões no que diz respeito ao atendimento e tratamento médicos, com
consentimento realmente baseado em informações confi áveis, sem discriminação por motivo
de orientação sexual ou identidade de gênero;
f) Garantir que todos os programas e serviços de saúde sexual e reprodutiva, educação,
prevenção, atendimento e tratamento respeitem a diversidade de orientações sexuais e
identidades de gênero, estando igualmente disponíveis para todas as pessoas, sem
discriminação;
g) Facilitar o acesso daquelas pessoas que estão buscando modificações corporais
relacionadas à redesignação de sexo/gênero, ao atendimento, tratamento e apoio competentes
e não discriminatórios;
h) Assegurar que todos os provedores de serviços de saúde tratem os/as clientes e seus
parceiros ou parceiras sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de
gênero, inclusive no que diz respeito ao reconhecimento de parceiros e parceiras como
parentes mais próximos;
i) Adotar políticas e programas de educação e treinamento necessários para capacitar as
pessoas que trabalham nos serviços de saúde a proverem o mais alto padrão alcançável de
atenção à saúde a todas as pessoas, com pleno respeito à orientação sexual e identidade de
gênero de cada uma.
Princípio 18: PROTEÇÃO CONTRA ABUSOS MÉDICOS

Nenhuma pessoa deve ser forçada a submeter-se a qualquer forma de tratamento,


procedimento ou teste, físico ou psicológico, ou ser confinada em instalações médicas com
base na sua orientação sexual ou identidade de gênero. A despeito de quaisquer classificações
contrárias, a orientação sexual e identidade de gênero de uma pessoa não são, em si próprias,
doenças médicas a serem tratadas, curadas ou eliminadas.
Os Estados deverão:
a) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para
garantir a proteção plena contra práticas médicas prejudiciais por motivo de orientação sexual
ou identidade de gênero, inclusive na base de estereótipos, sejam eles derivados da cultura ou
de outros fatores, relacionados à conduta, aparência física ou normas de gênero percebidas;
b) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para
assegurar que nenhuma criança tenha seu corpo alterado de forma irreversível por
procedimentos médicos, numa tentativa de impor uma identidade de gênero, sem o pleno e
livre consentimento da criança que esteja baseado em informações confi áveis, de acordo com
a idade e maturidade da criança e guiado pelo princípio de que em todas as ações relacionadas
a crianças, tem primazia o melhor interesse da criança;
c) Implementar mecanismos de proteção à criança, de modo que nenhuma criança seja sujeita
a abusos médicos ou corra esse risco;
d) Assegurar a proteção das pessoas de diversas orientações sexuais e identidades de gênero
contra pesquisas e procedimentos médicos antiéticos ou involuntários, inclusive em relação à
vacina, tratamentos ou microbicidas para o HIV/Aids e outras doenças;
e) Rever e emendar qualquer dispositivo ou programa de fi nanciamento de saúde, incluindo
aqueles de ajuda ao desenvolvimento, que possam promover, facilitar ou, de qualquer outra
forma, tornar possíveis esses abusos;
f) Garantir que qualquer tratamento ou aconselhamento médico ou psicológico não trate,
explícita ou implicitamente, a orientação sexual e identidade de gênero como doenças
médicas a serem tratadas, curadas ou eliminadas.

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