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ANAIS DO III SEMINÁRIO

POLÍTICAS PÚBLICAS
DE ACESSO À JUSTIÇA
E DIREITOS HUMANOS
Rosane Teresinha Carvalho Porto
Janaína Machado Sturza
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
Joice Graciele Nielsson
Organizadores

ANAIS DO III SEMINÁRIO


POLÍTICAS PÚBLICAS
DE ACESSO À JUSTIÇA
E DIREITOS HUMANOS

1ªEdição

Editora Dom Modesto


Blumenau, 2023
Editora Dom Modesto
Endereço: Rua Julio Michel, n 263, sala 5C, Blumenau/SC
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

A532 Anais do III Seminário Políticas Públicas de Acesso à Justiça


e Direitos Humanos [recurso eletrônico] / organizadores: Rosane
Teresinha Carvalho Porto ... [et al.].– Blumenau, SC: Dom
Modesto, 2023.
Dados eletrônicos (1 PDF).

Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-81399-25-2

1. Direitos humanos – Políticas públicas. 2. Direitos fundamentais


– Políticas públicas. 3. Direitos humanos – Congressos, seminários
etc. I. Porto, Rosane Teresinha Carvalho. II. Sturza, Janaína
Machado. III. Wermuth, Maiquel ngelo Dezordi. IV. Nielsson,
Joice Graciele. V. Título.
CDU 342.7(061.3)

Bibliotecária responsável: Bruna Heller – CRB 10/2348

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Prof. Dr. Sandro Cozza Sayão – UFPE/Brasil
Profª. Drª. Tássia Aparecida Gervasoni – IMED/Brasil
Profª. Drª. Vera Lucia Spacil Rada� – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Willame Parente Mazza – UESPI/Brasil
APRESENTAÇÃO 7

APRESENTAÇÃO

Com muita alegria recebi o convite da organizadora e proponente do evento


professora Doutora Rosane Teresinha Carvalho Porto para apresentar os ANAIS DO
III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS
HUMANOS, uma obra necessária e que traz as pesquisas apresentadas no grande
seminário que ocorreu em 10 e 11 de maio de 2023 na UNIJUÍ, promovido pelo Grupo
de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos, vinculado ao Programa de Pós-
graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ), com o apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul. (FAPERGS).
Este livro organizado por Rosane Teresinha Carvalho Porto, Janaína Machado
Sturza, Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth e Joice Graciele Nielsson dá voz a escritos
potentes sobre direitos humanos, onde seus autores escrevem com sensibilidade,
criticidade e cientificidade, em uma obra dividida em três importantes Grupos de
trabalhos: GT1 – Políticas públicas de Acesso à Justiça e Direitos Humanos, GT2 -
Biopolítica, Direitos Humanos e Gênero e GT3 – Biopolítica, Saúde e Direitos
Humanos. Passo a breves comentários sobre os grupos de trabalho artigos de modo a
chamar a atenção do leitor ou da leitora da importância desta obra.
O Grupo de Trabalho de Políticas Públicas de Acesso à justiça e Direitos
Humanos que abre a obra, traz temas importantíssimos, atuais e que precisam ser
discutidos, tratado de temas como a Violência doméstica, Teletrabalho, Mediação,
Estado Democrático, Globalização, Escravidão contemporânea, Sucessão de bens
digitais, Aporofobia, Solidariedade, Assédio no trabalho, Gênero, Algoritmização,
Saúde, E-governança, Potencialidade da Defensoria Pública, Acesso à Justiça, Justiça
Restaurativa, Dignidade Humana, Cidadania, Gestão de Conflitos, Reconhecimento
facial, Assistencial Social, Estado de Coisas Inconstitucional e Ressocialização.
Neste primeiro momento as pesquisas nos trazem as violências nos mais
diferentes lugares de convivência, privada e pública, verificada como herança
histórico-cultural decorrente de uma sociedade, geralmente, machista e sexista, onde
8 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

o patriarcalismo estrutural se legitima sobre corpos femininos. Mas não somente as


mulheres, as violências vão de forma mais extrema a setores vulneráveis, os
empobrecidos, e não tem tecnologia que dê conta de diminuir e de criar sociedades
saudáveis que reconheçam a dignidade da vida a cidadania e o respeito à
diversidade humana.
Os trabalhos foram desenvolvidos dando voz a história brasileira, desde a
escravidão, período mais difícil para o reconhecimento das cidadanias dos povos
negros, mas toda mudança do capitalismo e da globalização que muitas vezes
aumentou as violências para certas pessoas e geralmente para os libertos e mulheres,
e daí a luta do feminismo em mostrar a mulher como ser o mundo. Importante
destacar os estudos e a implementação da Justiça Restaurativa no Rio Grande do Sul,
mapeando-se as possibilidades de conflitos e possibilitando “a subalterna” falar,
buscando conexões com garantias de direitos humanos dentro da interseccionalidade
de raça e gênero.
O Grupo de Trabalho Biopolítica, Direitos Humanos e Gênero, em seguida, vem
com temas de grande relevância na academia e na sociedade como Mulheres e
Movimentos Feministas, Maternidade durante a escravidão, Cultura patriarcal,
Monitoração eletrônica, Corrupção Militar, Direito Fraterno, Justiça Restaurativa,
Violência Psicológica, Política Armamentista, Corpos Trans, Políticas Públicas,
Biopoder, Violências, Pobreza menstrual, Maternidade no Cárcere, Coletivos
Feministas, Gênero e estereótipos.
Neste grupo a grande ênfase foram as pesquisas de direitos humanos e gênero,
apontando o papel da mulher escravizada ou em cárcere, denunciando
estabelecimentos prisionais precários e desumanos, superlotados, em verdadeiro
“estado de coisa inconstitucional”, e quando se trata da mulher, o legado patriarcal
para influenciar o abandono da encarcerada, que aumenta as violências nos períodos
de maternidade e de pobreza menstrual. Possibilidades de políticas públicas são
pensadas, bem como monitoração eletrônica como instrumento auxiliar a efetividades
de medidas protetivas às vítimas de violência. E, tentando buscar no mundo
globalizado a redistribuição ao reconhecimento, com os aportes teóricos de Nancy
Fraser, que se desenvolveu as teorias de justiça para garantir a integração e a
promoção às demandas sociais modernas. Também foram denunciadas as violências
de corpos trans e o biopoder, que em um mundo pautado o binarismo de gênero, com
raízes fincadas no colonialismo e no patriarcado, buscam higienizar a sociedade,
negando espaços da sociedade, ou seja, produzindo uma sociedade de não-lugares aos
corpos Trans.
APRESENTAÇÃO 9
No último Grupo, que tratou de biopolítica, Saúde e Direitos Humanos trouxe
temas críticos, como o Controle Social, Sistema Prisional, Estabelecimentos de
Saúde, Saúde como Direito Universal, Reforma da Previdência, Barriga de aluguel,
Saúde no Trabalho, Monitoração Eletrônica, Racismo Institucional, Povos
Yanomami, Manipulação genética, Fluxos migratórios, Necropolítica, Transtornos
mentais, Liberdade de expressão e ódio, Cidadania, Mulheres e violências,
Aporofobia e Moradores de Rua, Direito Ambiental, Mudanças Climáticas e
Trabalhadores das prisões.
Neste grupo os temas foram variados e todos os aspectos atuais como
preconceito, discriminação, marginalização e desigualdade social, tem suas raízes no
período escravocrata. As sociedades atuais enfrentam problemas recorrentes
relacionados a crimes de ódio e de preconceito contra pessoas pobres e em situação de
vulnerabilidade. Denunciou-se o aumento significativo dos casos de violências
domésticas durante o isolamento social por decorrência do COVID-19, bem como as
violências contra a mulher como mercadoria ofertadas para entretenimento no
contexto do Capitalismo Gore. Ou seja, violências às mulheres exibidas em canais de
televisão ou meios digitais com o intuito de gerar audiência por lucro, retratando
conteúdos que retratam violências domésticas como entretenimento.
Essa importante coletânea de pesquisas, escrita a muitas mãos, demonstra
sensibilidade e humanismo com os temas principais deste grande Seminário: os
Direito Humanos, o Acesso à Justiça e as Políticas Públicas. Refletir e pesquisar sobre
os direitos humanos é tarefa urgente diante das violações inaceitáveis a que estão
sujeitas tantas pessoas em nosso país, especialmente as mulheres majoritariamente
negras e de baixa renda, as mulheres encarceradas, as trans: que fortalece a concepção
biologicista que predomina nos discursos. Esta é uma obra referencial, para todos que
querem aprofundar seus estudos e pesquisas nesses temas, mas, também, somarem
forças nessas lutas.

Blumenau, julho de 2023.

Lenice Kelner
Professora da graduação e mestrado em Direito (FURB), Doutora em Direito
(UNISINOS) com pós-doutoramento em criminologia (UERJ), mestre em ciência
jurídica (UNIVALI), Advogada e Coordenadora da Comissão de Direitos
Humanos da Subseção da OAB/SC.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS


HUMANOS

Resumo 1 22
PRESA NA TORRE DO PANÓPTICO: o desafio da vítima de violência
doméstica para salvar a si mesma e monitorar seu agressor
Joice Graciele Nielsson, Adriane Arriens Fraga Bitencourt, Ana Luísa Dessoy
Weiler

Resumo 2 27
TELETRABALHO NO BRASIL E NA ARGENTINA: sob a perspectiva
legislativa
Alana Kryszczum Krawechuka, Gabrieli Placido Callai e Rosane Teresinha
Carvalho Porto

Resumo 3 33
MEDIAÇÃO SOB O PRISMA DO DIREITO FUNDAMENTAL DO
ACESSO À JUSTIÇA
Alessandra Frei Silva

Resumo 4 37
O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A GLOBALIZAÇÃO:
desafios para a efetivação da democracia
Bibiana Knorr de Moura, Aline Michele Pedron Leves e Gilmar Antonio Bedin

Resumo 5 42
ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA – uma análise sobre as condições de
trabalho análogas à escravidão e a violação aos direitos humanos na
atualidade
Ana Andréa Bene�i e Rosane Teresinha Carvalho Porto
Resumo 6 50
SUCESSÃO DE BENS DIGITAIS: uma busca metodológica para sua
transmissão frente ao conflito de normas fundamentais
Ana Paula dos Santos Oliveira e Yan Carlos da Silva Nunes

Resumo 7 55
O NEOLOGISMO DA APOROFOBIA E SUA CORPORIFICAÇÃO NA
SOCIEDADE INTERNACIONAL
Anna Paula Bage�i Zeifert, Vitória Agnole�o e Isabela Liebeld Pinheiro

Resumo 8 60
O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NA PERSPECTIVA DE AXEL
HONNETH E COMO FATOR DE COMBATE À INJUSTIÇA
CLIMÁTICA E CONCREÇÃO DOS ODS 13 E 16 DA ONU
Sabrina Lehnen Stoll, Carina Lopes de Souza e Elenise Felzke Schonardie

Resumo 9 65
ASSÉDIO NO TRABALHO: uma perspectiva do assédio no ambiente de
trabalho no Brasil, Argentina e Chile
Carine da Silva Riquinho, Giulia Rossato de Barros e Rosane Teresinha
Carvalho Porto

Resumo 10 70
PARIDADE DE GÊNERO COMO POLÍTICA DE FORTALECIMENTO
DA DEMOCRACIA COM LIBERDADE
Carolina Menegon e Rafael Zimmermann

Resumo 11 75
ALGORITMIZAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS: os impactos da
modernização dos sistemas de justiça no direito de acesso à justiça
Daiane Schneider Leviski e Mateus de Oliveira Fornasier

Resumo 12 82
EQUIDADE NA SAÚDE: breves comparativos entre Brasil e Paraguai
Dionis Janner Leal

Resumo 13 87
E-GOVERNANÇA: um retorno às característica principais do Welfare
State
Mateus de Oliveira Fornasier e Ezequiel Cruz de Souza
Resumo 14 94
A POTENCIALIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NO COMBATE À
POBREZA
Fernando Eurico Lopes Arruda Filho

Resumo 15 99
MEDIAÇÃO DIGITAL NO BRASIL E ACESSO À JUSTIÇA: uma
análise crítica da virtualização do método autocompositivo
Ianne Magna de Lima

Resumo 16 104
ESCRAVIDÃO: de suas origens e fundamentos à contemporaneidade
João Guilherme Bene�i Bonmann e Rosane Teresinha Carvalho Porto

Resumo 17 109
A EMERGÊNCIA DE NOVOS TRATOS AOS CONFLITOS: o uso da
conciliação e da mediação como instrumento de solução
autocompositiva
Josi Anne dos Santos Fagundes

Resumo 18 124
PODE A SUBALTERNA FALAR? MAPEANDO A JUSTIÇA
RESTAURATIVA NA JUSTIÇA FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA DE DIREITOS HUMANOS DE
GÊNERO E RAÇA
Juliana Mayer Goulart e Rosane Teresinha Carvalho Porto

Resumo 19 131
A DIGNIDADE HUMANA E O CONTRATO DE TRABALHO
INTERMITENTE COMO UM DOS IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO
Júlia Batista Braucks e Elenise Felzke Schonardie

Resumo 20 137
DA REDISTRIBUIÇÃO AO RECONHECIMENTO: o mundo
globalizado e a teoria de justiça pós-westfaliana de Nancy Fraser
Lavinia Rico Wichinheski e Natália Cerezer Weber

Resumo 21 142
CIDADANIA, DIREITOS FUNDAMENTAIS E ACESSO À JUSTIÇA: a
democratização do acesso em municípios gaúchos não sedes de comarca
Luana Carolina Bonfada e Sergio Luis Allebrandt
Resumo 22 147
A GESTÃO DO CONFLITO E A AGENDA 2030 DA ONU: caminhos
possíveis pela mediação
Maria Eduarda Granel Cope�i, Gabrielle Scola Dutra e Charlise Paula Colet
Gimenez

Resumo 23 152
A SEGURANÇA PÚBLICA ATRAVÊS DO USO DE
RECONHECIMENTO FACIAL: uma análise da discriminação racial
Mérian Padilha Alves, Joice Graciele Nielsson e Laura De Lima Paulata

Resumo 24 157
GARANTINDO O ACESSO AO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA DA LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL:
como uma melhor regulamentação estatal pode enfrentar a (in)justiça na
efetivação do direito constitucional
Miguel Antonio Paes de Barros Filho

Resumo 25 163
POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA: Agenda 2030 como
instrumento de construção de sociedades justas e igualitárias
Natália Cerezer Weber, Lavinia Rico Wichinheski e Daniel Rubens Cenci

Resumo 26 168
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO SISTEMA
PRISIONAL BRASILEIRO E A VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE
HUMANA E DIREITOS DA PERSONALIDADE: um estudo para além
dos muros do cárcere
Sabrina Medina Andrecioli de Oliveira e Cleide Aparecida Gomes Rodrigues
Fermentão

Capítulo 27 174
RESSOCIALIZAÇÃO COMO UM DESAFIO AO APENADO QUE
ACREDITA NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA HISTÓRIA
Susielli Kétrin Tofolo e Charlise Paula Colet Gimenez

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO

Resumo 28 180
MULHERES E MOVIMENTOS FEMINISTAS: estudando sobre a
influência dos movimentos para a garantia da autonomia feminina
Aline Rodrigues Maroneze e Lucimary Leiria Fraga
Resumo 29 185
A EXPLORAÇÃO DOS VENTRES DE MULHERES ESCRAVIZADAS E
A (IM)POSSIIBILIDADE DA MATERNIDADE DURANTE A
ESCRAVIDÃO
Camily Laís Lütkemeyer e Gabriela Felden Scheuermann

Resumo 30 190
O LEGADO DA CULTURA PATRIARCAL PARA A (IN)VISIBILIDADE
DA MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
Daiane Specht Lemos da Silva e Osmar Veronese

Resumo 31 195
A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA COMO INSTRUMENTO
AUXILIAR A EFETIVIDADE DE MEDIDAS PROTETIVAS ÀS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Camilla dos Reis Marchioro, Fernanda Analu Marcolla e Maiquel Ângelo
Dezordi Wermuth

Resumo 32 200
A CARACTERIZAÇÃO DOS DECISORES JUDICIAIS NOS CRIMES
DE CORRUPÇÃO MILITAR
Francine Feldens

Resumo 33 205
O PROTAGONISMO FEMININO DAS MULHERES NA SOCIEDADE:
UMA ANÁLISE DO MOVIMENTO RED PILL SOB A PERSPECTIVA
DO DIREITO FRATERNO
Bruna Conceição Gonçalves Paschoal, Gabrielle Scola Dutra e Charlise Paula
Colet Gimenez

Resumo 34 211
JUSTIÇA RESTAURATIVA E A SAÚDE MENTAL DAS
TRABALHADORAS: construção de ambientes seguros para a mulher no
trabalho numa perspectiva de justiça restaurativa
Adriane Arriens Fraga Bitencourt e Juliana Mayer Goularte

Resumo 35 216
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: o neoliberalismo e as novas técnicas
psicopolíticas de violência contra mulher
Juliana Porciuncula e Jóice Graciele Nielsson
Resumo 36 221
APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA EM
ADOLESCENTES QUE VIVENCIAM A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO
LAR
Rosane Teresinha Carvalho Porto, Daniela Silva Fontoura Barcellos e Juliana
Tozzi Tietböhl

Resumo 37 226
VIVEMOS NA PONTA DA BALA: a política armamentista e as chacinas
ocorridas no Brasil
Lavinia Rico Wichinheski e Natália Cerezer Weber

Resumo 38 231
E SE NÃO FOSSE MARÍLIA? E SE FOSSE MARIA?
Luana Carolina Bonfada e Sergio Luis Allebrandt

Resumo 39 235
CORPOS TRANS, BIOPODER E O (NÃO) DIREITO À CIDADE
Lucimary Leiria Fraga, Aline Rodrigues Maroneze e Da�ini Carneiro da
Silva

Resumo 40 240
POLÍTICAS PÚBLICAS ADOTADAS DURANTE A COVID-19 PARA O
ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO RIO GRANDE
DO SUL
Luíse Pereira Herzog e Thalyta Karina Correia Chediak

Resumo 41 245
O BIOPODER E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DE GUERRA NO
SÉCULO XXI: uma perspectiva a partir de Michael Hardt e Antonio Negri
Mariana Chini, Gabrielle Scola Dutra e Janaína Machado Sturza

Resumo 42 250
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO MERCADORIA
OFERTADA PARA ENTRETENIMENTO NO CONTEXTO DO
CAPITALISMO GORE
Melina Macedo Bemfica, Ana Luísa Dessoy Weiler e Juliana Tozzi Tietböhl

Resumo 43 255
ABSORVENTES, PAPEL HIGIÊNICO E PANOS: a pobreza menstrual
como questão de saúde pública e violação aos Direitos Humanos
Nathalia das Neves Teixeira
Resumo 44 260
BREVES REFLEXÕES A RESPEITO DO EXERCÍCIO DA
MATERNIDADE NO CÁRCERE
Alana Maidana Roesler, Roana Funke Goularte e Carla Rosane da Silva
Tavares Alves

Resumo 45 265
COLETIVOS FEMINISTAS TRANSCONFINS PARA EFETIVAÇÃO DE
DIREITOS
Stéphani Fleck da Rosa

Resumo 46 270
GÊNERO E ESTEREÓTIPOS: os papéis sociais pré estabelecido às
mulheres por uma sociedade patriarcal
Victória Pedrazzi

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS

Resumo 47 276
APONTAMENTOS SOBRE A PERPLEXIDADE DOS DIREITOS
HUMANOS A PARTIR DO CONTROLE SOCIAL PELO SISTEMA
PRISIONAL
Micheli Pilau de Oliveira, Alexandre Juliani Riela e Maiquel Ângelo Dezordi
Wermuth

Resumo 48 281
SISTEMAS INFORMATIZADOS DOS ESTABELECIMENTOS DE
SAÚDE NO BRASIL: entre o direito à saúde e a proteção de dados
pessoais
Janaína Machado Sturza, Benhur Aurélio Formentini Nunes e Alexandre Juliani Riela

Resumo 49 286
A SAÚDE COMO DIREITO UNIVERSAL: os limites impostos pelas
fronteiras
Bruna Kronberg de Almeida, Maria Luiza Zimmermann e Janaína Machado
Sturza

Resumo 50 292
OS IMPACTOS DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA NA
APOSENTADORIA ESPECIAL E NA PROTEÇÃO DA SAÚDE DO
TRABALHADOR
Adriana Rafaela Paz Dias, Carolina Menegon e Daiane Caroline Kamphorst
Resumo 51 297
POLÍTICAS PÚBLICAS COMO ENFRENTAMENTO DA BARREIRA
LINGUÍSTICA DOS VENEZUELANOS PARA ACESSAR O DIREITO À
SAÚDE
Cláudia Marilia França Lima Marques e Janaína Machado Sturza

Resumo 52 302
BARRIGA DE ALUGUEL: o útero como uma mercadoria para a
biopolítica
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, Da�ini Carneiro da Silva, Ana Luísa
Dessoy Weiler

Resumo 53 307
TRABALHO E SAÚDE: a proteção ao meio ambiente de trabalho hígido
e seguro no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Élida Martins de Oliveira Taveira

Resumo 54 312
O ADVENTO DA TECNOLOGIA E O APRIMORAMENTO DA
MONITORIZAÇÃO ELETRÔNICA NO SISTEMA PENAL
BRASILEIRO
Vandriele da Silva, Fernanda Analu Marcolla e Maiquel Ângelo Dezordi
Wermuth

Resumo 55 317
RACISMO INSTITUCIONAL: obstaculização do acesso à saúde pública
no Brasil sob a perspectiva da fraternidade
Gabrielle Scola Dutra, Gabriel Bueno Da Silva e Fernando Antônio Sodré de
Oliveira

Resumo 56 323
DA TRAGÉDIA SANITÁRIA À TRAGÉDIA HUMANITÁRIA: uma
análise do caso do povo yanomami no contexto do direito à saúde
Maycon Richer De Albuquerque Santos, Gabrielle Scola Dutra, Janaína
Machado Sturza

Resumo 57 328
A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE PELA MEDIAÇÃO
FRATERNA SANITÁRIA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
Gabrielle Scola Dutra, Maria Eduarda Granel Cope�i e Charlise Paula Colet Gimenez
Resumo 58 333
AS PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS GERADAS PELA
INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA SOBRE A RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS FRENTE AO DEVER DE
PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE CONFORME AS
CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS DEBATIDAS PARA A FIXAÇÃO DO
TEMA 793 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Isadora Sorteia da Ponte e Noli Bernardo Hahn

Resumo 59 338
MANIPULAÇÃO GENÉTICA: o conflito entre o princípio da isonomia e
o princípio do progresso científico
Jéssica Cindy Kempfer

Resumo 60 342
O FENÔMENO DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS E SEUS IMPACTOS
NO PROCESSO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ACESSO À
SAÚDE
Maria Luiza Zimmermann, Bruna Kronberg de Almeida e Janaína Machado
Sturza

Resumo 61 347
A NECROPOLÍTICA COMO MECANISMO NAS MÃOS DO ESTADO
PARA PROMOVER A MORTE INDIRETA DOS PRESOS
PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS NO BRASIL
Mariele Cássia Bosche�i Dal Forno e Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Resumo 62 352
O PANÓPTICO CONTEMPORÂNEO: o uso da tornozeleira eletrônica
sob o olhar da monitoração constante idealizada por Foucault
Nadini Casali Bandeira, Emanuele Oliveira e Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Resumo 63 357
O ACESSO À SAÚDE PARA FINS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO
POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA AOS MAIS VULNERAVÉIS
Natália Cerezer Weber, Geisson Da Silva e Lavinia Rico Wichinheski

Resumo 64 362
O ÓDIO QUE VOCÊ SEMEIA: reflexões acerca da (falsa) liberdade de
expressão disseminada nas redes sociais contra mulheres negras
Nathalia Das Neves Teixeira, Da�ini Carneiro da Silva e Juliana Mayer Goulart
Resumo 65 367
INTERFACES BIOPOLÍTICAS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE
Paula Betina Bock de Prass e Sabrina Azevedo Wagner Bene�i

Resumo 66 372
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E OS OFÍCIOS DA CIDADANIA
BRASILEIROS: avanços e perspectivas à tutela da vida civil das pessoas
trans
Paula Fabíola Cigana e Janaína Machado Sturza

Resumo 67 377
MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA NO BRASIL:
perspectivas acerca das políticas públicas de saúde pela metateoria do
direito fraterno
Paula Fabíola Cigana, Gabrielle Scola Dutra e Janaína Machado Sturza

Resumo 68 382
ESTADO, APOROFOBIA E DIREITOS HUMANOS DA POPULAÇÃO
EM SITUAÇÃO DE RUA
Priscila Silva Biandaro

Resumo 69 387
A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL E A PROTEÇÃO DO
MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO
DIREITO FUNDAMENTAL
Anna Flávia Bacin, Daniel Rubens Cenci e Rodrigo Lenz

Resumo 70 392
OS EFEITOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA SAÚDE
HUMANA
Rodrigo Tonél e Daniel Rubens Cenci

Resumo 71 396
IMPACTO DOS ESTRESSORES OCUPACIONAIS NA VIDA DOS
TRABALHADORES DAS PRISÕES
Sabrina Azevedo Wagner Bene�i, Paula Betina Bock de Prass e
Eliane Raquel Rieth Bene�i
GT1
POLÍTICAS PÚBLICAS
DE ACESSO À
JUSTIÇA E DIREITOS
HUMANOS
SUMÁRIO

22 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

1
PRESA NA TORRE DO PANÓPTICO: o desafio da vítima de violência
doméstica para salvar a si mesma e monitorar seu agressor

TRAPPED IN THE PANOPTICON TOWER: the domestic violence


victim's challenge to save herself and monitor her aggressor

Trabalho desenvolvido a partir do artigo entregue para a disciplina “Direitos Humanos e


Diversidade de Gênero”, ministrada pela Professora Dra. Joice Graciele Nielsson, no
Mestrado em Direito da UNIJUÍ.

Joice Graciele Nielsson


Doutora em Direito pela UNISINOS. Professora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu
em Direito da UNIJUÍ. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos. E-
mail: joice.gn@gmail.com

Adriane Arriens Fraga Bitencourt


Mestranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
da UNIJUÍ. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos. Ijuí, Rio
Grande do Sul, Brasil. E-mail: adriane-bitencourt@susepe.rs.gov.br

Ana Luísa Dessoy Weiler


Mestranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
da UNIJUÍ. Bolsista PROSUC/CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos. Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: anadessoyweiler@hotmail.com

INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende avaliar os impactos do projeto gaúcho “Monitorando o
Agressor” na vida das mulheres vítimas de violência doméstica. Trata-se de um tema
de especial relevância, visto que o projeto entra em vigor no ano de 2023 e consiste na
monitoração eletrônica dos agressores que cumprem medidas protetivas da Lei Maria
da Penha e que demonstram potencial risco para a mulher, com o intuito de prevenir
o feminicídio e, consequentemente, diminuir o número de ocorrências do crime.
Como hipótese inicial, leva-se em conta a real necessidade de projetos que
seguramente visem prevenir e diminuir o número de ocorrências de violência contra
a mulher no âmbito doméstico e familiar, tendo como base os dados levantados pelo
Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 (FÓRUM BRASILEIRO DE
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 23


SEGURANÇA PÚBLICA, 2022), que demonstra a terrível realidade com números
alarmantes de feminicídio no Brasil, todavia, tendo em consideração o caráter punitivo
do uso da monitoração eletrônica, questiona-se a efetividade do uso dessa ferramenta
na prevenção da violência, com ênfase à prevenção da violência doméstica, conforme
proposta do projeto “Monitorando o agressor”.
O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o
emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental, fazendo uso de autores
como Rita Laura Segato, Montserrat Sargot, Maiquel Wermuth e Joice Nielsson.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A sobrevivente do holocausto e doutora em psicologia Edith Eger (2019), aos seus
90 anos de idade escreve a frase introdutória citada, a qual faz pensar no quanto a cura
vem pela possibilidade de desmantelar as prisões emocionais causadas por vivências
traumáticas ocorridas na história do sujeito. Sua experiência foi em Auschwi� e
conseguiu encontrar saídas para o aprisionamento.
Muitas mulheres vivenciam holocaustos cotidianos. A violência doméstica tem
tornado o domus em um silencioso ambiente gélido e mortífero do psiquismo humano,
deteriorando os relacionamentos e o desenvolvimento biopsicossocial do que lá
habitam.
Eger (2019) criou ferramentas para sobreviver e protagonizar sua história. No
entanto, não é o desfecho da maioria das mulheres. Segundo mostra o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública de 2022, em 2021, houve 2.028 tentativas de
feminicídio, 1.341 feminicídios e 221,4 mulheres vítimas de lesão corporal dolosa
oriundas de violência doméstica, sem considerarmos os casos em que as mulheres não
denunciam a violência psicológica, moral, patrimonial que vivenciam em seus
dolorosos cotidianos, bem como os efeitos danosos invisíveis nas estatísticas aos seus
filhos e demais familiares.
A privacidade do lar, que deveria garantir segurança e afetividade, também pode
trazer violência doméstica, como uma representação simbólica e real da violência de
gênero ocorrida no social. Sargot (2013) afirma que a violência contra a mulher é um
problema social endêmico e que a violência doméstica, portanto enraizada na vida
privada, é um continuum dessa violência estrutural, baseada na desigualdade de
gênero e que potencializa as relações de poder, naturalizando as diversas formas de
violência.
Diante disso, podemos pensar em lares que se tornam mais um campo de
concentração que um espaço de desenvolvimento de potencialidades psicossociais e
SUMÁRIO

24 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

de confiança. Nessa toada, Wermuth e Nielsson (2020) lançam um olhar


bionecropolítico estrutural da violência de gênero, e sobretudo, doméstica, que pode
ser pensado como o “gerenciamento” de poder sobre a vida e a morte desses corpos
femininos, haja vista o fato de o mesmo se perpetua a fim de garantir a manutenção
cultural, estrutural e de Estado dessa lógica de poder sobre esses corpos objetificados.
A exposição à violência familiar ocasiona danos severos à vítima. Segato (2005)
menciona que o sujeito é expropriado do controle do seu corpo, gerando inclusive
transtornos dissociativos de personalidade. Souza, Vizzoto e Gomes (2018) referem
haver danos na saúde mental, além de insegurança, vínculos afetivos fragilizados,
desordens psiquiátricas, gerando consequentemente uso e abuso de substâncias
psicoativas, entre outros.
Com intuito de proteger e resguardar a vítima, bem como prevenir feminicídios,
o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Secretaria de Segurança
Pública, está implementando um projeto piloto intitulado “Monitoramento do
Agressor”¹, que consiste no uso de tornozeleiras eletrônicas em agressores que
cumprem medidas protetivas da Lei Maria da Penha e que demonstram, em seu
histórico, potencial para atentar contra a integridade física da mulher (RIO GRANDE
DO SUL, 2022).
Este projeto emerge como uma alternativa de sanar os índices de feminicídios,
bem como garantir à vítima segurança e liberdade em seu cotidiano. No entanto, ao
analisar cautelosamente esta proposta de solução à violência doméstica, nota-se a
necessidade de elencar alguns questionamentos quanto à efetividade e efeito
psicossocial à vítima ao monitorar seu agressor.
Quanto ao monitoramento eletrônico, como sintetizam Wermuth e Mori (2021), a
monitoração eletrônica tende a se constituir como uma alternativa ao Estado de Coisas
Inconstitucional que se encontra o sistema prisional brasileiro, mas, de outro lado, a
sua aplicabilidade parece ser um convite a que se pense acerca da funcionalidade do
controle viabilizado por estas ferramentas, como elemento nevrálgico da sociedade
atual, frente à possibilidade de manutenção de uma atuação repressivo-punitiva do
Estado alicerçada em estigmas.
Faz-se necessário observar que a monitoração eletrônica tem a prerrogativa de
cumprimento de pena, haja vista o fato de que o dispositivo eletrônico passa a ser
utilizado como alternativa penal. O projeto coloca, portanto, o sujeito monitorado em

1 O projeto é uma iniciativa do Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher – EmFrente,
Mulher -, criado pelo Decreto nº 55.430/2020, ampliando a rede de apoio à mulher no Estado do Rio Grande do Sul e,
consequentemente, promover mudanças culturais no que tange à proteção da mulher contra qualquer tipo de
violência (RIO GRANDE DO SUL, 2021).
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 25


uma condição de encarceramento eletrônico em virtude do uso de uma tornozeleira
que o coloca em condição de, como afirma Campello (2019), carcereiro de si mesmo
um sujeito - mesmo que seja um agressor - que não está em cumprimento de pena.
Necessita-se considerar, sobretudo, a saúde mental dessa mulher, que além de
vítima, se tornará carcereira de seu algoz. Ao estar em poder de um dispositivo de
controle de seu agressor se manterá em (hiper)vigilância, perdendo sua liberdade - a
qual lutou para conquistar por meio de boletim de ocorrência - é colocada pelo Estado
na torre panóptica de Foucault, a fim de que o próprio Estado seja comunicado do
momento que deve punir o agressor.
Diante do exposto, torna-se inviável à mulher vítima de violência doméstica o
desmantelamento das suas prisões internas por meio da quebra de seus tijolos, como
propôs Eger (2019). Ao contrário, ela precisará pegar mais tijolos e construir uma torre
panóptica para vigiar seu agressor, a fim de proteger a si e seus filhos. O Estado tirou
de si a responsabilidade e a cimentou nesse castelo de Auschwi� privativo. A Lei nº
11.340/2006 (BRASIL, 2006) precisa criar “corpo” e gritar de tal maneira que os tijolos
caiam e o dispositivo de controle seja tirado das mãos daquela que necessita
sobreviver em sua então liberdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É urgente a necessidade de projetos que protejam e tirem a mulher e seus
dependentes do ciclo da violência doméstica, já que os traumas são profundos e a cura
vem a partir da possibilidade de ser livre e protagonista de sua história. A Lei nº
11.340/2006 é completa, mas a execução a fim de que alcance os objetivos de garantia
de proteção à vítima de violência doméstica precisa ser realizada de maneira que não
venha lavrar os terrenos dos traumas, os deixando mais profundos.
Os projetos a serem desenvolvidos precisam coibir a revitimização e garantir
novas possibilidades de escolhas às vítimas e aos agressores, e não andarem de mãos
dadas ao sistema patriarcal. Assim como ocorre na monitoração eletrônica de sujeitos
em cumprimento de pena, que é realizada pelo Estado, sugere-se que o mesmo seja
feito no projeto “Monitorando o Agressor”, a fim de que verdadeiramente a mulher
possa ter sua liberdade cotidiana, não vivendo em uma falsa expectativa de que seria
melhor a si saber onde ele está. Cabe aos órgãos da Segurança Pública saber onde ele
está para que ela usufrua de seu tempo onde quiser e como quiser.

Palavras-chave: Violência doméstica. Monitoração Eletrônica. Panóptico.


SUMÁRIO

26 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de setembro de 2006. Disponível em: h�p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 6 mar. 2023.

CAMPELLO. Ricardo Urquizas. O carcereiro de si mesmo. In: Tempo Social, [S. l.], v. 31, n. 3, p. 81-97,
2019. DOI: 10.11606/0103-2070.ts.2019.161057. Disponível em: h�ps://www.revistas.usp.br/ts/article/view/
161057. Acesso em: 8 maio. 2023..

EGER, Edith Eva. A Bailarina de Auchwi�. Rio de Janeiro: Sextante, 2019.

FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2000.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Metodologia de avaliação dos

grupos de qualidade da informação. In: FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA

PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública: 2022. São Paulo: FBSP, 2022.. Disponível em:h�ps://
forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/. Acesso em: 5 mar. 2023.

RIO GRANDE DO SUL, Governo do estado do. Estado implementa tornozeleiras eletrônicas para
monitorar agressores de mulheres. Governo do Estado do Rio Grande do Sul , Rio Grande do Sul, p. 1,
24 out. 2022. Disponível em: h�ps://www.estado.rs.gov.br/estado-implementa-tornozeleiras-eletronicas-
para-monitorar-agressores-de-mulheres. Acesso em: 5 mar. 2023.

SARGOT, Montserrat. El Femicidio como necropolítica en Centroamérica. Labrys Estudos Feministas,


Brasília, Montreal, Paris, n. 24, 2013. Disponível em h�ps://www.labrys.net.br/labrys24/feminicide/
monserat.htm Acesso em: 06 mar. 2023.

SEGATO, Rita Laura. La escritura en el cuerpo de las mujeres asesinadas en Ciudad Juárez. 1ª edição.
Buenos Aires: Tinta Limón. Disponível em: h�ps://www.feministas.org/IMG/pdf/rita_segato_.pdf. Acesso
em 06 mar. 2023.

SOUZA, Célia Mendes de; VIZZOTTO, Marília Martins; GOMES, Miria Benincasa. Relação entre violência
familiar e transtorno de estresse pós-traumático. In: Psicologia, saúde & doença, v 19, n 2, 2018, pp. 222-
233. h�p://dx.doi.org/10.15309/18psd190205 www.sp-ps.pt.

WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; MORI, Emanuele Dallabrida. A monitoração eletrônica de pessoas
no âmbito penal brasileiro: maximização da liberdade ou reforço do controle?. In: Revista Latino-
Americana de Criminologia, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 178–199, 2021. Disponível em: h�ps://periodicos.unb.br/
index.php/relac/article/view/36398. Acesso em: 6 mar. 2023.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 27

2
TELETRABALHO NO BRASIL E NA ARGENTINA: sob a
perspectiva legislativa

TELEWORKING IN BRAZIL AND ARGENTINA: a


legislative analysis

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa da Unijuí; Formas Alternativas de


Acesso à Justiça: História e Fundamentos. POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA
EM TEMPOS DE COVID-19: Limites e possibilidades da mediação sanitária nas demandas
judiciais de trabalhadores no Brasil, Argentina e Chile. Projeto financiado pelo Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - PIBIC/CNPq;

Alana Kryszczum Krawechuka


Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul - UNIJUÍ, Bolsista PIBIC/CNPq; E-mail: alana.krawechuka@sou.unijui.edu.br;

Gabrieli Placido Callai


Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul - UNIJUÍ; gabrieli.callai@sou.unijui.edu.br;

Rosane Teresinha Carvalho Porto


Doutora em Direito pela UNISC/RS. Mestre em Direito na área de concentração: Políticas
Públicas de Inclusão Social com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - CAPES. Estágio Pós-Doutoral pela Universidade Federal do Rio Grande Sul
(UFRGS). Pós-doutoranda pela UFRJ; Professora Permanente na UNIJUÍ. Professora na
graduação em direito e na Pós Lato Sensu na UNISC. Pesquisadora Recém-Doutora ARD-
FAPERGS: Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Edital FAPERGS
10/2020). E-mail: rosane.cp@unijui.edu.br.

INTRODUÇÃO
O presente resumo analisa a regulamentação do teletrabalho nas legislações
brasileira e argentina, a partir da instauração da crise sanitária da COVID-19. Busca-se
a resposta do seguinte questionamento: de qual forma esses países regulamentaram o
teletrabalho, bem como quais as diferenças das legislações na proteção ao trabalhador?
Com a pandemia, ocorreu a transformação na modalidade de desenvolver a prática
laborativa, pois diante da necessidade do isolamento social, fez-se necessária a adoção
de uma alternativa, até então pouco usual, a fim de garantir a continuidade do
emprego, sendo assim necessário a análise do teletrabalho. Para tanto, o método de
SUMÁRIO

28 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o emprego das técnicas


bibliográficas, utilizando autores como: Maria Aparecida Bridi, Rosane Teresina
Carvalho Porto, Ezequiel Cruz de Sousa e Lauren Carolina Vieira Correia.

A ADOÇÃO DO REGIME DO TELETRABALHO NO DIREITO COMPARADO:


BRASIL E ARGENTINA
No ano de 2020, o Brasil e o mundo depararam-se com um cenário provocado por
uma doença infecciosa até então desconhecida, restando instaurada a pandemia da
COVID-19. A fim de enfrentar o estado de calamidade pública, todas as relações
pessoais e profissionais precisaram passar por transformações. Diante da necessidade
do distanciamento social, a modalidade de trabalho presencial foi modificada para a
adoção do regime de teletrabalho, a fim de propiciar a continuidade da relação de
emprego.
Conforme Marisa Aparecida Bridi (2020), o teletrabalho é aquela modalidade em
que o empregador realiza as atividades laborais fora do espaço da empresa, ou seja,
aquele exercido no domicílio do trabalhador, sendo sinônimo de home office.
Ressalta-se que o teletrabalho é antecedente a pandemia, contudo no período da
pandemia da COVID-19 essa modalidade de prestação de serviço se fortaleceu.
Considerando a necessidade de adequação dos países, em especial no que tange
a legislação trabalhista, faz-se a análise das disposições normativas brasileira e
argentina a respeito do teletrabalho.
No Brasil, o teletrabalho foi instituído pela Lei nº. 13.467/17, sendo acrescido o
Capítulo II-A (Do Teletrabalho) ao Título II, na Consolidação das Leis do Trabalho
(Decreto Lei nº. 5.452/43). Sendo assim, as normatizações do teletrabalho estão no art.
75-A ao art. 75-F, da CLT.
A Argentina através da Lei nº 27.555 de 14 de agosto de 2020, institui e
regulamenta o teletrabalho. Sendo acrescentado o Capítulo IV (Do Contrato de
Teletrabalho) ao Título III, à Lei nº 20.744/76 (Regime do Contrato de Trabalho).
Na legislação brasileira, o art. 75-B da CLT, define o teletrabalho como sendo “a
prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira
preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de
comunicação”. Porém, o trabalho em home office não se confunde com o trabalho
externo, este entendido como aquele realizado fora das dependências da empresa,
pelo fato da sua natureza, como por exemplo o trabalho desenvolvido por: eletricistas,
motoristas profissionais, vendedores externos, entre outros. No §1º do referido
dispositivo, dispõe que, o comparecimento do empregado, ainda que habitual, às
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 29


dependências da empresa, para realização de tarefas não descaracteriza o regime de
teletrabalho. Sendo que, o trabalhador submetido ao regime de teletrabalho poderá
prestar serviços por jornada, por produção, ou ainda, por tarefa (art. 75-B, §2º, CLT).
O legislador também previu a adoção do regime de teletrabalho para estagiários e
aprendizes, conforme o §6º do art. 75-B da CLT.
A respeito da norma coletiva aplicada ao trabalhador em regime de teletrabalho,
conforme o §7º do artigo 75-B da CLT, aos empregados em teletrabalho aplicam-se as
disposições previstas na legislação local, bem como a previstas nas convenções e
acordos coletivos do trabalho relativas ao local onde o empregado estiver lotado.
Para os trabalhadores em regime de teletrabalho que residirem no exterior, se
estipulado entre as partes, aplica-se a Lei nº. 7.064/82, que dispõe sobre a situação de
trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. Não
havendo disposição entre as partes, aplica-se a regra da legislação celetista, que prevê
que o empregado admitido no Brasil que optar pela realização do teletrabalho em
território internacional, aplica-se a legislação brasileira, conforme explicita o §8º o
artigo 75-B da CLT.
O art. 75-C, §1º, da CLT, prevê a alteração entre regime presencial e de
teletrabalho, desde que haja acordo entre as partes. Para a transcrição do teletrabalho
para o presencial, por determinação do empregador, este precisa garantir o prazo de
quinze dias, para o empregado adequar-se (§2º, art. 75-C, CLT). Sendo que o
empregador é isento de responsabilidade das despesas ocasionadas do retorno do
trabalhador ao trabalho presencial (§3º, art. 75-C, CLT).
No tocante à aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos,
tecnologias e infraestrutura necessária para o desempenho do trabalho remoto, bem
como o reembolso de despesas arcadas pelo empregado, estas devem ser previstas em
contrato, conforme o art. 75-D, CLT. Sendo que, as referidas utilidades não integram a
remuneração do empregado. Ao contrário das outras formas de trabalho, a
responsabilidade pelas ferramentas necessárias para desenvolver o trabalho remoto,
inclusive as despesas contraídas pelo empregado diante da necessidade do exercício
do trabalho, não será exclusiva do empregador, pois como referido há a previsão do
acordo entre empregado e empregador.
O art. 75-E da CLT, reforça a obrigação do empregador de instruir os empregados
quanto às precauções a serem tomadas a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Conforme o parágrafo único do mesmo dispositivo, deve o empregado assinar termo
de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo
empregador. De acordo com Rosane Teresinha Carvalho Porto (2022, p. 50) “a
realização do teletrabalho não isenta o empregador da obrigação de manter o
SUMÁRIO

30 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

ambiente de trabalho sadio, bem como não o exime da responsabilidade civil


decorrente de danos que venham a ocorrer, por sua culpa, ao empregado em
teletrabalho.”
A fim de propiciar a inclusão conforme o art. 75-F, da CLT, o empregador deve
priorizar a adoção do trabalho remoto para empregados com deficiência e aos
empregados (as) com filhos ou crianças sob guarda judicial até 4 (quatro) anos de
idade.
No texto legislativo argentino, o art. 102 bis, conceitua o teletrabalho como sendo
aquele efetuado “total ou parcialmente no domicílio do trabalhador, ou em locais que
não seja o estabelecimento ou estabelecimentos do empregador, através da utilização
de tecnologias de informação e comunicação”. O art. 3º da Lei 27.555/20, prevê que a
remuneração dos trabalhadores remotos não poderá ser inferior à dos que trabalham
na modalidade presencial.
Os artigos 4º e 5º da norma argentina, preveem a jornada de trabalho e
respectivamente o direito à desconexão digital. Sendo que a jornada de trabalho deve
ser pactuada previamente, por escrito no contrato de trabalho de acordo com os
limites legais e convencionais vigentes, considerando o que for acordado por hora
como por metas. Com relação a desconexão a lei prevê que as plataformas utilizadas
pelo empregador, em regime de teletrabalho, devem ser desenvolvidas de acordo com
o horário da jornada, impossibilitando a ligação em período diverso. Como também o
trabalhador terá direito de não ser contactado e a desconectar-se dos dispositivos
digitais ou de tecnologias fora de sua jornada de trabalho ou no período de intervalo.
Essa conduta não é passível de punição pelo empregador ao empregado fazer o uso
da desconexão. O empregador, não pode exigir do trabalhador a execução de tarefas
laborais, nem enviar comunicação, seja por qualquer meio, fora do horário de
expediente.
Elencado também a normatização referente ao horário de trabalho remoto para
aqueles trabalhadores que, única ou conjuntamente, são responsáveis pelo cuidado
com menores de 13 (treze) anos, portadores de deficiências ou idosos que residam com
o trabalhador ou que necessitem de assistência. Tendo estes direitos a horários
compatíveis com as tarefas assistenciais desenvolvidas ou interrupção da jornada. Se
o empregador violar esses direitos, presume-se ato discriminatório. Contudo, através
de negociação coletiva, podem ser estabelecidas diretrizes para o exercício desse
direito (art. 6º Lei 27.555/20)
A transferência do trabalhador presencial para a modalidade de teletrabalho,
deve ser voluntária e efetuada por escrito, salvo casos de força maior comprovados.
Inclusive, o consentimento do trabalhador em regime presencial para migrar para o
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 31


trabalho remoto pode ser revogado pela pessoa a qualquer momento durante a
relação (art. 8º Lei 27.555/20). O empregador deve atribuir tarefas ao empregado, no
estabelecimento em que anteriormente as exerce, ou na sua ausência, no posto de
trabalho mais próximo do domicílio do empregado. O descumprimento pelo
empregador dá direito ao trabalhador de se considerar em situação de despedimento
ou de atuar para o restabelecimento das condições oportunamente modificadas. Se no
início da relação, eventual mudança para a modalidade presencial dar-se-á de acordo
com normas de convenção coletiva.
Na legislação argentina, diferente da brasileira, o empregador deve fornecer os
equipamentos e o suporte necessário para o empregado desempenhar as tarefas em
home office. Inclusive assume os custos de instalação, manutenção e reparo dos
equipamentos, ou compensação pelo uso das próprias ferramentas do empregado. O
empregado tem o dever de zelar pelo correto uso e manutenção das ferramentas de
trabalho, e não será responsável pelo desgaste no decorrer do tempo. Como de
responsabilidade do empregador a substituição de instrumentos que apresentarem
defeitos, o decurso do tempo que perdurar para a manutenção não prejudica o direito
do trabalhador de continuar a receber a remuneração salarial (art. 9º. Lei 27.555/20).
O trabalhador em teletrabalho receberá uma compensação pelos gastos elevados
em conectividade ou consumo de serviços que venham a suportar durante a relação
de emprego (art. 10 Lei 27.555/20). Inclusive, para o desempenho das atividades, o
empregador fornecerá ao empregado formação nas novas tecnologias, através de
disponibilização de cursos e ferramentas de apoio (art. 11 Lei 27.555/20).
Os trabalhadores, em teletrabalho, de acordo com os artigos 12 e 13 da lei
argentina, usufruíram de todos os direitos coletivos, para fins de representação
sindical, como parte da categoria dos profissionais que laboram de forma presencial.
O artigo 14 da legislação argentina, traz a proteção do trabalhador com relação à
higiene e segurança do trabalho, cabendo a autoridade de execução ditar as regras, a
fim de proporcionar a adequada proteção ao teletrabalhador. Cabendo, inclusive, a
inclusão das doenças decorrentes do teletrabalho na lista de doenças ocupacionais. Os
acidentes ocorridos no local, dia e por ocasião do teletrabalho, são considerados
acidentes de trabalho.
O legislador argentino, estabeleceu no artigo 15 da lei do teletrabalho, que os
sistemas de controle a fim de proteção dos bens e informações de propriedade do
empregado, devem contar com a participação sindical, para proteger a intimidade do
teletrabalhador e de sua família. Ficando vedado o uso de software de vigilância que
viole a privacidade do empregado (art. 16 Lei 27.555/20).
SUMÁRIO

32 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Em caso de prestação de teletrabalho transnacional, aplica-se ao contrato de


trabalho a lei do local de execução das tarefas ou a lei do domicílio do empregador, o
que seja mais favorável ao trabalhador (art. 17 Lei 27.555/20).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da existência das legislações brasileira e argentina versando sobre o
teletrabalho, observa-se que esta modalidade trouxe transformações no cenário
legislativo trabalhista de ambos os países. Todavia, apesar de ser uma modelo de
contratação existente há alguns anos, e com acréscimos normativos crescentes a partir
da instauração da pandemia da COVID-19, há matérias a serem normatizadas a fim
de efetivar direitos e garantias fundamentais, bem como suprir lacunas.
Palavras-chave: TELETRABALHO. PANDEMIA. BRASIL. ARGENTINA.

REFERÊNCIAS
ARGENTINA. Régimen legal del contrato de trabajo – Ley 27.555/2020. Disponível em:h�ps://www.
boletinoficial.gob.ar/detalleAviso/primera/233626/20200814. Acesso em 05 abr. 2023.

BRASIL. Lei nº 7.064 de 6 de dezembro de 1982. Dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou
transferidos para prestar serviços no exterior. Brasília, DF; Presidência da República. Disponível em: h�ps:/
/www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7064.htm. Acesso em 05 de abr. 2023.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de
Janeiro, RJ; Presidência da República. Disponível em: h�ps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
del5452.htm. Acesso em 06 de abr. 2023.

BRIDI, Maria Aparecida. Teletrabalho em tempos de pandemia e condições objetivas que desafiam a classe
trabalhadora. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; POCHMANN, Marcio (Orgs.) A devastação do trabalho: a
classe do labor na crise da pandemia. Brasília: Gráfica e Editora Positiva; Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) e Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente, 2020.
Disponível em: https://www.economia.unicamp.br/images/publicacoes/Livros/outros/a-desvastacao-do-
trabalho.pdf Acesso em: 06 de abr. 2023.

PORTO, R.T.C; SOUZA, E.C e; CORREIA L;C;V. O teletrabalho na pandemia: diálogos necessários entre
Brasil, Chile e Argentina. Blumenau, SC: Editora Dom Modesto, 2022. Disponível em: https://www.
dommodesto.com.br/wp-content/uploads/2022/11/9786586537918_EBOOK.pdf. Acesso em 06 de abr. 2023.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 33

3
MEDIAÇÃO SOB O PRISMA DO DIREITO FUNDAMENTAL
DO ACESSO À JUSTIÇA

MEDIATION UNDER THE PRISM OF THE


FUNDAMENTAL RIGHT OF ACCESS TO JUSTICE

Trabalho desenvolvido durante o curso de Doutorado em Direitos Humanos da Unijuí.

Alessandra Frei Silva


Doutoranda em Direitos Humanos na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – UNIJUÍ. Mestre em Processo Civil pela Universidade Paranaense –
UNIPAR. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade
Damásio de Jesus. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
– UEMS, unidade de Dourados. Advogada. E-mail: alessandrafrei@gmail.com.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho possui como tema a mediação enquanto meio consensual de
solução de conflitos e um dos instrumentos do processo civil para se assegurar a
implementação da direito fundamental do acesso à justiça.
O problema da pesquisa consiste em que a mediação ainda não possui ampla
utilização no país, sendo muitas vezes preterida em face do excessivo número de
demandas judiciais que surgem nos Tribunais, muitas vezes pelo próprio
desconhecimento das partes e da sociedade sobre a sua utilidade.
Neste sentido, como hipótese do estudo, trabalha-se com a ideia da mediação
enquanto política pública capaz de pacificar os conflitos para a população em geral, de
forma que o referido mecanismo extrajudicial está tendo cada vez mais sua aplicação
incentivada pelas autoridades e pode ser vista com bons olhos por parte daqueles que
necessitam de uma resposta para suas demandas.
A metodologia utilizada tomou como base a pesquisa bibliográfica.
SUMÁRIO

34 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Levando-se em conta que a sociedade é complexa e repleta de situações que dão
ensejo a conflitos, isso tendo em vista que as pessoas são diferentes, pensam e agem de
maneiras distintas, é natural a permanência dos litígios, os quais existem desde os
primórdios da civilização.
Não é razoável, e nem aceito pelo ordenamento jurídico nacional, à luz dos
Direitos Humanos, que os litigantes resolvam suas pendências de forma arbitrária
através da autotutela. Ao invés disso, as partes podem valer-se do Poder Judiciário
para ter a sua satisfação de sua pretensão, ou ainda fazer uso dos métodos
autocompositivos e adequados de solução das controvérsias.
Porém, é sabido que nas últimas décadas chegou aos tribunais um grande
número de demandas, e que muitas dessas demandas poderiam ser resolvidas de
outras formas mais céleres e simples, e muitos desses processos acabam fazendo com
que situações como as que versam sobre direitos indisponíveis, demorem ainda mais
tempo para serem solucionadas.
Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2020, p. 203) explicam que:

No Estado Constitucional, os conflitos podem ser resolvidos de


forma heterocompositiva ou autocompositiva. Há heterocomposição
quando um terceiro resolve a ameaça ou crise de colaboração na
realização do direito material entre as partes. Há autocomposição
quando as próprias partes resolvem seus conflitos.

Nesse sentido, como uma forma de pacificação social, os meios autocompositivos


de solução das controvérsias estão sendo cada vez mais incentivados, tanto que consta
logo no art. 3º do Código de Processo Civil/2015 e seus incisos, o qual, repetindo a ideia
contida no texto Constitucional, dispõe além de outros aspectos, que não se excluirá
da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, bem como que o Estado
promoverá, sempre que possível, a solução consensual de solução dos conflitos.
Pelo teor do dispositivo mencionado, verifica-se uma reafirmação do princípio da
jurisdição e da garantia constitucional do acesso à justiça, abrindo um leque de
oportunidades para que a problemática entre as partes seja solucionada da maneira
mais simples e eficaz ao incentivar o uso pelo Estado do sistema multiportas para
solução de litígios, incluindo-se a mediação.
Na mesma linha de intelecção, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2020, p. 211) ainda
ensinam que a autocomposição é a modalidade de resolução de conflitos que pode se
dar de forma espontânea ou estimulada, tal qual a mediação, e que neste sentido no
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 35


sistema de Justiça Multiportas a heterocomposição judicial, heterocomposição arbitral
e, também, a autocomposição através da conciliação e mediação são bem-vindos para
que se promova a proteção dos direitos.
Infere-se que a mediação, conforme explica Carvalho (2021), consiste na
interferência de uma terceira pessoa na lide de forma que esse terceiro irá contribuir
para que cheguem a um acordo através da retomada do diálogo.
Pelo teor do art. 165, §3º, Código de Processo Civil, quando as partes possuem
algum tipo de relação prévia, a mediação sempre será indicada.
José Miguel Garcia Medina (2017) defende que é positivo o estímulo da aplicação
dos meios consensuais de solução de controvérsias, porém ressalta que não pode
haver critérios discriminatórios no que diz respeito ao direcionamento para a
mediação de determinadas causas em que litiguem classes sociais menos favorecidas,
e se reservar o processo judicial tradicional a causas tidas como de maior relevância
cujas partes são compostas por determinados grupos dominantes na sociedade.
Ressalte-se que partindo-se da premissa de que a mediação, tanto em sua forma
extrajudicial como judicial, é componente do sistema de multiportas, e com esse
entendimento há uma mudança até mesmo na forma de se compreender o próprio
conceito de acesso à justiça (CATHARINA, 2020).
Por sua vez, sendo a mediação um modo de acesso à justiça, e sendo o acesso à
justiça um direito fundamental, percebe-se como os meios consensuais de solução dos
conflitos tão contribuem para concretização deste direito fundamental previsto no art.
5º, XXXV, da Constituição Federal.
Ainda, conforme esclarecem Gilmar Mendes e Paulo Gonet (2020, p. 168) aduzem
que os direitos fundamentais, tais como o acesso à justiça, possuem a prerrogativa de
participarem do núcleo do Estado de Direito democrático, atuando como limite do
poder e como diretriz para a sua ação, de modo que tais direitos fundamentais
exercem influência sobre todo o ordenamento jurídico.
Neste sentido é compreensível que o legislador buscou encontrar formas eficazes
de se implementar o acesso à justiça, uma vez que apenas o processo judicial
tradicional não mais corresponde aos anseios da sociedade no sentido de ter uma
prestação jurisdicional efetiva, célere da forma menos custosa e traumática possível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo presente estudo foi possível constatar que a mediação é uma das formas
adequadas e consensuais de solução de conflitos, que vem sendo cada vez mais
incentivada como uma forma de promover a pacificação social.
SUMÁRIO

36 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Outrossim, não se trata de uma obrigação das partes se submeterem à mediação,


mas sim uma faculdade que lhes assiste, devendo o Estado sempre incentivar a adoção
dos meios consensuais de solução de conflitos sempre que possível.
Por essa razão, a mediação é caracterizada por consistir numa política pública
para a promoção do direito fundamental do acesso à justiça, na medida em que os
meios adequados de solução de conflitos podem ser adotados tanto na esfera judicial
como extrajudicial, contribuindo, assim, na concretização de direitos humanos na
ordem jurídica nacional.
Por mais que o Estado deva incentivar a adoção dos meios consensuais de solução
de conflitos, não deve haver discriminação na seleção de quais causas são mais ou
menos importantes e quais serão levadas à mediação, na medida em que o seu uso
consiste em uma possibilidade dada às partes, e não uma obrigação.
Conclui-se, ainda, que a mediação contribui fortemente para se assegurar a
implementação do direito fundamental do acesso à justiça, na medida em que é
medida extrajudicial e judicial de encerramento dos litígios, ampliando os leques de
possibilidade das partes para sua pacificação.
Mais do que apenas colocar fim aos litígios, a mediação dentro do sistema
multiportas é instrumento capaz de acalmar os ânimos das partes ao ter a figura do
mediador enquanto incentivador do diálogo entre elas.
Palavras-chave: Mediação. Justiça multiportas. Acesso à justiça. Processo Civil.
Meios consensuais de solução de conflitos.

REFERÊNCIAS
ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. 5ª
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters, 2020. 2 v.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 15ª ed. rev., e
atual. São Paulo: Saraiva jur, 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: h�p://www.planalto.


gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 18 abr. 2023.

_______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: h�ps://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 18 abr. 2023.

CARVALHO, Sílzia Alves. A mediação no direito brasileiro: política pública, efetividade e segurança
jurídica. Revista do direito. Santa Cruz do Sul, nº 65, p. 83-101, dez. 2021. Disponível em: h�ps://online.
unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/15004/10210. Acesso em: 20 abr. 2023.

CATHARINA, A. de C. A mediação como política pública e sua contribuição para construção de uma nova
dimensão do princípio do acesso à justiça. Revista Direito das Políticas Públicas. Rio de Janeiro, v. 1, n° 2,
p. 130-147, 2020. Disponível em: h�p://seer.unirio.br/rdpp/article/view/9773/8542. Acesso em 19 abr. 2023.

MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2017.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 37

4
O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A GLOBALIZAÇÃO:
desafios para a efetivação da democracia

THE DEMOCRATIC STATE OF LAW AND GLOBALIZATION:


CHALLENGES for the effectiveness of democracy

Trabalho desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa do CNPq: Direitos Humanos,


Governança e Democracia.

Bibiana Knorr de Moura


Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado em
Direitos Humanos – da UNIJUÍ. Bacharela em Direito pela UNIJUÍ. Bolsista de Mestrado da
CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa do CNPq: Direitos Humanos, Governança e
Democracia (Mundus). E-mail: bibiana.moura1999@gmail.com;

Aline Michele Pedron Leves


Pós-Doutoranda, Doutora e Mestra pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito – Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos – da UNIJUÍ. Bacharela em Direito
pela UNIJUÍ. Bolsista de Pós-Doutorado da CAPES. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa do
CNPq: Direitos Humanos, Governança e Democracia (Mundus). Advogada (OAB/RS). E-
mail: aline.leves@sou.unijui.edu.br;

Gilmar Antonio Bedin


Pós-Doutor pelo Instituto de Estudios Avanzados da Universidad de Santiago de Chile
(IDEA/USACH). Doutor e Mestre em Direito pela UFSC. Professor dos Cursos de
Graduação em Direito e dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito –
Mestrado e Doutorado – da UNIJUÍ e da URI. Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq:
Direitos Humanos, Governança e Democracia (Mundus). E-mail: gilmarb@unijui.edu.br.

INTRODUÇÃO
A temática do presente trabalho consiste em apontar de que maneira a
globalização interfere na permanência do Estado Democrático de Direito como forma
garantidora da democracia constitucional no mundo atual. A globalização pode ser
definida como um fenômeno social e local que alterou drasticamente a forma de
estabelecimento das relações sociais, políticas e econômicas em todo o planeta. Fato é
que a sociedade está muito mais consciente dos problemas que são – e que devem ser
– enfrentados no século XXI e, por isso, a maior parte das atitudes produzem efeitos e
consequências para além das fronteiras nacionais.
SUMÁRIO

38 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Nesse sentido, problematiza-se o fato de que a globalização se constitui como um


verdadeiro desafio ao Estado Democrático de Direito, isso porque, hipoteticamente, a
soberania estatal estaria ameaçada em razão da relativização do conceito de Estado. À
vista disso, objetiva-se analisar o panorama da atual governança global difusa, na qual
os agentes estatais perderam a sua autonomia e centralização absolutas na medida em
que o poder global passou a ser descentralizado e regido por outros atores.
O presente trabalho justifica-se pela necessidade de investigar os novos direitos
diante da atual ordem mundial, considerando também a influência das mídias digitais
na expansão da democracia em virtude da liberdade de expressão e da comunicação
de ideias e opiniões que transpõe as fronteiras. No desenvolvimento deste estudo de
abordagem qualitativa foram empregados o método cientifico hipotético-dedutivo –
mediante o levantamento de uma hipótese embrionária que possibilitou a condução
dos resultados e a elaboração de uma conclusão específica – e a técnica de pesquisa
bibliográfica e documental indireta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Não se sabe até quando a globalização irá afetar a vida humana em sociedade e
principalmente os riscos que este fenômeno ainda pode acarretar, visto que além de
ser imprevisível, é irreversível. Nas palavras de Anthony Giddens (2008, p. 52, grifo do
autor): “Por globalização entendemos o fato de vivermos cada vez mais num «único
mundo», pois os indivíduos, os grupos e as nações tornaram-se mais
interdependentes”. Já Carlos Estevam Martins (1996, p. 1) entende que a globalização
é o “resultado da multiplicação e da intensificação das relações que se estabelecem
entre os agentes econômicos situados nos mais diferentes pontos do espaço mundial”.
É a partir dessas conceituações que se verifica a noção de sociedade internacional
como um conjunto de Estados, organismos internacionais e, sobretudo, de indivíduos
que atuam dentro de cada organização com características de universalidade e
igualdade. Isso significa que a sociedade internacional é descentralizada e, portanto,
não há um único poder que a administra. Assim, em momentos de tensão e crise há o
entendimento de que a sociedade internacional deve agir em prol dos interesses dos
mais afetados. Isto só é possível a partir da globalização.
Em contrapartida, Zygmunt Bauman (2021, p. 67) evidencia que “[...] o
significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é o do caráter
indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais”. Desse
modo, pode-se afirmar que a globalização propicia uma profunda conexão entre os
povos e por essa razão cria uma noção de difusão entre as pessoas, ou seja, é possível
saber o que ocorre em qualquer lugar do mundo.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 39


Os efeitos da globalização – que representam transformações sociais, econômicas,
culturais e políticas – enfraquecem o princípio da soberania e o Estado ganha novas
formas, visto que rompe com os limites territoriais (RODRIGUES; SILVA FILHO,
2020). Entende-se, então, que o princípio da soberania dos Estados está sendo
questionado a partir da globalização, e, assim, não possui mais caráter absoluto diante
da fragilidade econômica das fronteiras e até mesmo da ideia de povo ou nação. Mas,
não se pode afirmar que a soberania está extinta, pois é inegável que continua sendo
um princípio fundamental no Estado Democrático de Direito.
A globalização não possui os mesmos efeitos em todos os lugares, mas atinge a
todos da comunidade nacional. É justamente por esse contexto que nenhum Estado
pode ficar afastado da sociedade internacional e, “para se estar dentro dela impõe-se a
observância das regras e princípios progressivamente acolhidos pelos Estados de
Direito” (CANOTILHO, 1999, p. 8).
No ano de 2001, Flávia Piovesan já demonstrava que o Banco Mundial
reconheceu que a pobreza tem crescido em razão da globalização econômica. Este fato,
vinte e dois anos depois, somente se expandiu e, consequentemente, comprometeu
cada vez mais as noções de indivisibilidade dos direitos humanos, bem como de
universalidade do Estado de Direito, o qual Canotilho (1999) afirma como pretensão à
formatação de um Estado de qualidades.
Alguns dos princípios e valores demonstrados como fundamentais ao Estado de
Direito são a igualdade de todos os cidadãos e a segurança individual e coletiva.
Entretanto, o exército de excluídos frente aos direitos sociais fundamentais mostra-se
como um obstáculo ao mercado global. Esse desdobramento é acentuado pelos riscos
da globalização que alcançam principalmente os grupos sociais mais vulneráveis.
Dessa forma, a globalização trouxe inseguranças e obrigou os Estados a tomarem
medidas para proteger os cidadãos. Portanto, a sociedade internacional “coloca o
indivíduo sob sua proteção contra Estados soberanos que cometem as violações mais
graves aos direitos humanos. Com isso, os cidadãos nacionais, em sua maioria,
passam a ser, ao mesmo tempo cidadãos mundiais” (GÜNTHER, 2009, p. 11).
Não obstante, a liberdade do cidadão do mundo parece que está sendo suprimida
pelas regras da segurança, enquanto a liberdade econômica está crescendo em
conjunto com a comunicação e as novas tecnologias de mídias digitais, criando um
outro sentido de liberdade. Assim, o centro da questão é “o sentido e consistência da
globalização do Estado Democrático de Direito enquanto sistema de governança
mundial refletindo a pretensão de o Direito ser a mais poderosa referência da vida
civilizada e da modernidade” (SCURO NETO, 2007).
SUMÁRIO

40 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Notadamente, a universalidade da legislação claramente não pode ser seletiva e


afetar somente alguns indivíduos. Quando se trata de Estado de Direito, não deve
existir o preceito da dominação de uns sobre todos ou todos sobre alguns em razão do
princípio da soberania popular e da defesa do bem público, uma vez que o poder deve
atingir os interesses do povo.
Efetivamente, não se pode negar que os desafios existem e, por isso, é preciso
sempre buscar alternativas para enfrenta-los. Os efeitos da globalização são muitos e
têm como fim movimentar os bens de tecnologia, de informação, de comunicação e de
pessoas através das fronteiras nacionais. Sabe-se que os indivíduos não desejam ser
controlados, a não ser por eles próprios. Todavia, o desdobramento da sociedade atual
não permite, até o momento, que seja possível prever o que o futuro reserva ao Estado
Democrático de Direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado Democrático de Direito é a forma de Estado mais valorizada em
diversas partes do mundo na atualidade. O apego a esta forma de Estado está
vinculado as suas conquistas. Neste sentido, destaca-se que o Estado Democrático de
Direito tem, entre suas marcas mais importante, a ideia de subordinação do poder a
uma Constituição e, portanto, o poder se subordina ao direito.
Entender esta complexidade é fundamental. Além disso, também é muito
relevante compreender que o Estado Democrático de Direito consiste em uma
construção humana e que está sempre enfrentando novos desafios. Assim, a hipótese
embrionária apontou que a globalização tem se mostrado como um desafio ao Estado
Democrático de Direito, o que se confirmou ao longo da pesquisa, visto que o exercício
do poder estatal só é considerado válido quando respeita os limites impostos pela
ordem jurídica positivada.
Com efeito, o desenvolvimento tecnológico influenciou demasiadamente o
processo de aceleração do desenvolvimento da globalização e, assim, a interação entre
os povos abriu outro caminho de independência. Por conseguinte, a noção de tempo
e espaço não é mais a mesma que foi percebida nos séculos passados, pois as
catástrofes mundiais ocorridas em diversas regiões do mundo acabam mobilizando
todo o globo a fim de proteger os direitos humanos e os direitos individuais dos
cidadãos.
Por outro lado, faz-se fundamental a compreensão de que uma das motivações
para a descrença na democracia atual é que os eleitores não possuem mais expectativa
de mudança no governo. Isto é, a crise institucional em conjunto com a globalização
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 41


gerou frustrações aos eleitores, sobretudo aqueles financeiramente necessitados e
dependentes de auxílio do governo.
Sabe-se que a globalização produziu uma nova ordem global, porém isso não
significa que seus impactos são tão avassaladores a ponto de aniquilar o Estado de
Direito. De fato, é uma ameaça à garantia do poder estatal, porém enquanto condição
para a democracia e vice-versa, ainda está intacto. Deveras, o conceito de soberania
não é o mesmo e enfrenta modificações em virtude do avanço da globalização e das
novas tecnologias. Essa mudança é explicada pela redução da distância entre as
pessoas e pela massificação das mídias digitais de comunicação, facilitando o acesso à
informação e relações sociais em geral.
Palavras-chave: Democracia. Estado de Direito. Globalização. Soberania Estatal.

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de
Janeiro: Zahar, 2021.

BEDIN, Gilmar Antonio. Estado de Direito: tema complexo, dimensões essenciais e conceito. Revista
Direito em Debate - Unijuí, v. 22, n. 39, p. 144–152, Ijuí, 2013. Disponível em: h�ps://doi.org/10.21527/2176-
6622.2013.39.144-152. Acesso em: 02 mai. 2023.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva, 1999.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Tradução de Alexandra Figueiredo [et al]. Coordenação de José Manuel
Sobral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

GÜNTHER, Klaus. Os cidadãos mundiais entre a liberdade e a segurança. Tradução de Pedro Maia. Novos
Estudos - CEBRAP, n. 83, p. 11-25, mar., 2009. Disponível em:

h�ps://www.scielo.br/j/nec/a/7h4RGNmKkWdvNmLcBMCP36r/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 11 abr.


2023.

MARTINS, Carlos Estevam. Da globalização da economia à falência da democracia. Revista Economia e


Sociedade, v. 5, n. 1, p. 1-23, Campinas, 1996. Disponível em: h�ps://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.
php/ecos/article/view/8643185. Acesso em: 03 abr. 2023.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, democracia e integração regional: os desafios da globalização.


Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, v. 24, n. 53, p. 15-39, mar., 2001. Disponível
em: h�ps://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/130992. Acesso em: 03 mai. 2023.

RODRIGUES, Mariana Pereira; SILVA FILHO, Edson Vieira da. As crises institucionais e o esgotamento da
democracia liberal. Revista Brasileira de Sociologia do Direito - ABRASD, v. 7, n. 3, p. 89-108, set/dez.,
2020. Disponível em: h�p://revista.abrasd.com.br/index.php/rbsd/article/view/452. Acesso em: 30 abr. 2023.

SCURO NETO, Pedro. Globalização do Estado de Direito: sentido e consciência – Parte I. Revista Sociologia
Jurídica, n. 4, jan./jun., 2007. Disponível em: h�ps://sociologiajuridica.net/globalizacao-do-estado-de-
direito-sentido-e-consciencia-parte-i/. Acesso em: 10 abr. 2023.
SUMÁRIO

42 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

5
ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA – uma análise sobre as
condições de trabalho análogas à escravidão e a violação aos direitos
humanos na atualidade

CONTEMPORARY SLAVERY – an analysis of working conditions analogous to


slavery and the violation of human rights today

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da


Unijuí.

Ana Andrea Bene�i


Graduanda do curso de Direito, da Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul. Email: ana.andrea@sou.unijuí.edu.br

Rosane Teresinha Carvalho Porto


Pós-doutora em Direito e Sociedade pela Universidade La Salle. Professora da Graduação
em Direito e do Programa de Pós-graduação em Direito da UNIJUÍ. Ijuí, Rio Grande do Sul,
Brasil. E-mail: rosane.cp@unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
O presente projeto de pesquisa tem como tema a escravidão contemporânea,
trazendo uma análise sobre as condições trabalho análogas à escravidão, e a
consequente violação aos direitos humanos na atualidade.
Considerando os recentes acontecimentos, amplamente noticiados pela imprensa
oficial, em que diversas pessoas foram resgatadas vivendo em condições degradantes
ou análogas à escravidão, e também, pela relevância social da questão, devido a
importância do trabalho para o desenvolvimento humano, econômico e social, faz-se
necessária uma análise sobre as relações de trabalho a que muitos indivíduos são
submetidos na busca por subsistência ou melhores condições de vida.
Diante do exposto, cabem os seguintes questionamentos: Quais os principais
impactos deixados pela escravidão no Brasil, e que podem ser observados atualmente
em nossa sociedade? O que significa o termo escravidão contemporânea? Quais as
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 43


consequências do trabalho análogo à escravidão na dignidade da pessoa humana, que
não tem seus direitos respeitados? Qual a importância do Direito do Trabalho nas
relações laborais?
A escravidão deixou marcas profundas na sociedade brasileira. Aspectos atuais
como preconceito, discriminação, marginalização e desigualdade social, tem suas
raízes no período escravocrata. Embora legalmente, tenha ocorrido a abolição da
escravatura, o que se observa é que ela não foi totalmente erradicada do nosso meio.
Atualmente, o termo escravidão contemporânea é utilizado para explicar as
relações forçadas de trabalho, onde ocorre o cerceamento da liberdade do indivíduo.
Compreende situações de exploração nas quais a pessoa não pode recusar ou deixar o
trabalho devido a ameaças, violência (física e psicológica), coerção ou abuso de poder.
Em complemento, outro aspecto diz respeito às condições degradantes de
trabalho a que são submetidos muitos trabalhadores. Não raro, acompanhamos casos
de pessoas resgatadas de alojamentos precários, com água e alimentação insalubres e
insuficientes, jornadas de trabalho exaustivas, entre outros fatores, que, notadamente
violam as normas de proteção do trabalho no que tange a segurança, higiene e saúde
do trabalhador.
Muitas vezes, nas relações de trabalho, ocorrem graves violações aos princípios
fundamentais como a liberdade e a dignidade da pessoa humana, além da supressão
de direitos trabalhistas conquistados ao longo do tempo. Com isso, observam-se
impactos negativos na saúde física e mental dos trabalhadores, que se tornam cada vez
mais vulneráveis diante da falta de perspectivas e de oportunidades.
Por isso, salienta-se a importância de termos, a nível internacional e em nosso
ordenamento jurídico interno, instituições e organizações que se preocupam em
regulamentar, fiscalizar e garantir a observância dos princípios fundamentais e dos
direitos humanos e trabalhistas.
Quanto a abordagem a pesquisa será do tipo qualitativa, em relação aos objetivos
gerais, a pesquisa será do tipo exploratória. Na sua realização será utilizado o método
de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos:
a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e n
rede de computadores, interdisciplinares, capazes e suficientes para que o
pesquisador construa um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo,
responda o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os
objetivos propostos na pesquisa;
b) leitura e fichamento do material selecionado;
SUMÁRIO

44 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

c) reflexão crítica sobre o material selecionado;


d) exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Historicamente, a escravidão no Brasil teve início na época do descobrimento, por
volta do ano de 1.500, e perdurou, oficialmente, por mais de 300 anos, até a assinatura
da Lei Áurea, em 1888. Durante esse processo, atrocidades foram cometidas pelos
colonizadores, primeiramente com o povo indígena, e logo após com os africanos,
onde a mão de obra era explorada de maneira cruel e desumana.
Sobre a exploração da mão de obra indígena quando os colonizadores aqui
chegaram, Alberto Pereira Lopes (2017, p. 16) pontua que:

Os colonizadores, ao aportar nas terras brasileiras, encontram um


território já ocupado pelos índios. Utilizam-se, então, dos nativos
para o seu domínio, explorando o que lhes convinha de maior
necessidade para o comércio. A princípio, tinham que alcançar a
confiança dos indígenas para poderem se apropriar de sua força
de trabalho, trocando produtos naturais por objetos de pouco
valor.

Posterior à exploração e dizimação do povo indígena (que teve sua população


drasticamente reduzida), verifica-se a escravização do povo africano, que chegavam
ao Brasil pelo tráfico negreiro. Sobre isso, Lopes (2017, p. 16) complementa que:

Diante da comercialização dos produtos para a Europa, verifica-


se o processo de acumulação primitiva do capital, com a
maximização dos lucros por meio da exploração do trabalho
escravo indígena, no primeiro momento, e, no segundo, com o
tráfico de africanos escravizados para trabalhar na lavoura que se
consolidava.

Em relação a história da escravidão, sobretudo na América, Laurentino Gomes


(2019, p. 72-73), escreve que:

No passado, os escravos eram usados em serviços domésticos;


nas oficinas como marceneiros e ferreiros; na agricultura; nos
navios; marchavam como guerreiros para defender as causas de
seus senhores [...] a escravidão se tornou sinônimo de trabalho
intensivo, em grandes plantações de cana-de-açúcar, algodão,
arroz, tabaco e, mais tarde, café. Escravos eram usados também
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 45


na mineração do ouro, prata e diamantes. Estavam, portanto, em
condição equivalente à das máquinas agrícolas industriais de
hoje, como os tratores, arados, as colhedeiras e as plantadeiras
nas modernas fazendas do interior do Brasil.

Com isso, o autor demonstra que a exploração da mão de obra escrava ocorria em
diversos setores da economia, desde o serviço doméstico até o cultivo de grandes áreas
rurais. Em outras palavras, podemos dizer que a economia na época do colonialismo
desenvolveu-se, em grande parte, a partir do trabalho escravo. Produziam muita
riqueza, mas não recebiam nenhuma remuneração por isso.
O autor traz à tona, outra questão extremamente prejudicial advinda dessa época,
a discriminação racial. Em relação ao tema, Gomes (2019, p. 73) assevera sobre [...] “o
nascimento de uma ideologia racista, que passou a associar a cor de pele à condição de
escravo.” É de fácil percepção, que reflexos de tal ideologia podem ser observados
ainda hoje em nossa sociedade, como o preconceito, a discriminação e a
marginalização sofrida pelos negros.
No que tange à conceituação, Juliana Bezerra (2023), estabelece que a escravidão
era um modelo de trabalho, onde homens e mulheres trabalhavam de forma forçada,
sem receber nenhum tipo de remuneração em troca, e ainda sujeitos a castigos físicos
e humilhações. Além disso, os escravos eram considerados mercadorias, e como tal,
poderiam ser vendidos ou trocados a qualquer momento, conforme o interesse de seus
proprietários.
Diante do exposto, a autora assevera que o tratamento dispensado aos escravos
era desumano. Além de serem arrancados de suas famílias e de seus locais de origem,
também eram proibidos de exercer suas crenças e seus rituais. Em decorrência, houve
grande indignação e revolta por parte dos cativos.
Sobre essa questão, Lopes (2017) discorre que foram criados espaços, chamados
de quilombos, constituídos por negros que conseguiam fugir das senzalas e da
crueldade cometida por seus senhores, representando um momento de resistência
diante do processo escravocrata. Nesses lugares, os quilombolas, marginalizados pela
sociedade colonial da época, podiam viver conforme sua cultura e lutar em prol da sua
liberdade.
O autor segue sua explanação, aduzindo que, como consequência à forma de
tratamento acima descrita, conflitos foram gerados entre negros, senhores de escravos
e o próprio Estado, o que começava a gerar problemas, demonstrando o início do
declínio desse sistema.
SUMÁRIO

46 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Esse movimento de transformação vai atingindo todas as camadas sociais da


época. Dessa forma, Lopes (2017, p. 19 - 20), afirma que:

O movimento de transformação do cativeiro para a liberdade do


escravo torna-se cada vez mais presente em todas as camadas
sociais da sociedade colonial. Isso não se deveu à boa vontade de
tornar os negros livres. Ao contrário, articulou-se a um processo
que estava cada vez mais insustentável mediante às novas formas
de acumulação do capital por meio do crescimento da economia
de mercado baseada na propriedade privada, no lucro e na mão-
de-obra paga por meio de salário. Uma outra questão que
favoreceu o enfraquecimento do escravismo no Brasil foram os
valores cristãos que condenavam as práticas feitas pelos senhores
coloniais; tais valores estavam fundamentados nos princípios da
família e da solidariedade.

De acordo com o autor, o movimento abolicionista vinha ganhando força e


avançando em seus ideais. Principalmente, pela resistência dos escravos diante das
perversidades cometidas por seus senhores, e pela mobilização social, onde vários
setores da sociedade passaram a condenar o tratamento dispensado aos escravos, que
era contrário aos valores cristãos.
Por conseguinte, e após muita luta, a escravidão foi legalmente abolida no Brasil.
Segundo Lopes (2017, p. 21), “Com as mudanças ocorridas com a abolição da
escravatura, vai haver uma substituição nas relações de produção do cativo para o
trabalhador livre. Tal condição fez com que ao escravo fosse negado o direito ao
trabalho.” Contudo, para o autor, essa liberdade aos cativos, sem políticas públicas
adequadas, trazia consigo grandes problemas, considerando que muitos tornavam-se
indigentes, vivendo na miséria, em sua maioria analfabetos, sem qualquer tipo de
indenização. Ficavam, portanto, sujeitos à marginalização e a vulnerabilidade social.
Para EÇA et al. (2020), a luta constante por ideais como liberdade, igualdade e
dignidade desencadeou grandes conquistas para os trabalhadores, entre as quais,
destaca-se o reconhecimento dos direitos humanos e trabalhistas. No entanto, apesar
dos avanços ocorridos, ainda hoje, muitos trabalhadores são submetidos a condições
de trabalho degradantes ou consideradas análogas à escravidão.
Em relação a essa temática, a Organização Internacional do Trabalho (OIT),
através do disposto na Convenção número 29, em seu artigo 2ª, conceitua trabalho
escravo contemporâneo como sendo todo trabalho ou serviço, realizado de forma
forçada ou obrigatória, onde o indivíduo desempenha suas funções sob ameaça de
qualquer espécie, e de maneira contrária a sua vontade. Ou seja, para a referida
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 47


organização, o trabalho escravo está relacionado a restrição à liberdade de locomoção
do trabalhador.
Quanto as condições degradantes de trabalho, Costa e Rodrigues (2017, p. 55 –
56), estabelecem que:

As condições de trabalho degradantes são uma das características


principais do trabalho escravo. Lugares de acomodação dos
trabalhadores insalubres, ausência de banheiros, camas, até
mesmo usos compartilhados com animais. As falas dos sujeitos
aliciados para o trabalho escravo contemporâneo mostram con-
dições que estão aquém da dignidade, apontando, por exemplo,
a partilha de espaços e de água com animais das fazendas.

Conforme exposto pelos autores acima, observa-se nesses casos, o


descumprimento das normas de proteção do trabalho no que tange a segurança, saúde
e higiene do trabalhador. Tais violações geram consequências negativas para a saúde
física e mental dos indivíduos, que não possuem seus direitos mínimos respeitados.
Em contraponto, outro termo que merece destaque no mundo do labor, diz
respeito ao trabalho decente. Sobre isso, a OIT, estabeleceu a seguinte explicação:

o conceito de trabalho decente sintetiza a sua missão histórica de


promover oportunidades para que homens e mulheres
obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições
de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo
considerado condição fundamental para a superação da pobreza,
a redução das desigualdades sociais, a garantia da governa-
bilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.

De outro modo, significa dizer que o trabalho deve ser remunerado de forma
adequada, exercido com observância aos direitos humanos e trabalhistas, para que
possa ser considerado como instrumento de transformação e desenvolvimento.
Nesse sentido, ressalta-se a relevância de termos a nível nacional e internacional,
instituições que atuam tanto no combate à escravidão contemporânea, como na busca
por melhores condições de trabalho.
Em referência ao parágrafo anterior, a criação da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), em 1919, foi um fato relevante no mundo do trabalho. EÇA et al. (2020,
p. 82), afirmam que a mesma “... exerce um papel de suma importância no mundo,
visto que pauta-se, sobretudo no reconhecimento internacional dos direitos humanos
e trabalhistas.”
SUMÁRIO

48 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Os autores complementam que a referida organização, através da edição de


normativos e convenções, trazem definições sobre assuntos relacionados ao mundo do
trabalho, e orientam os países a adotar medidas cabíveis no combate ao trabalho
escravo.
Ademais, Eça et al. (2020), estabelece que o Direito do Trabalho possui um papel
fundamental para a proteção dos direitos dos trabalhadores, bem como, para a
promoção da dignidade e de melhores condições de labor para aqueles vendem sua
força de trabalho.
Contudo, os autores acrescentam uma constatação sobre a redução do padrão
laboral ao redor do mundo, atentando para o chamado mercado normativo. De modo
geral, significa dizer que existem locais com menores padrões normativos, o que
interessa empresas que buscam aumentar a sua produção e consequentemente, o
lucro.
Apesar dos esforços da OIT e demais órgãos fiscalizadores, a ocorrência de casos
envolvendo pessoas em condições de trabalho análogas à escravidão, ainda se faz
presente ao redor do mundo. Diante disso, a luta pela manutenção e ampliação dos
direitos humanos e trabalhistas, constituem um grande desafio para toda a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na sociedade atual, o trabalho é de fundamental importância para o


desenvolvimento do homem e da sociedade, e, as relações de trabalho passaram por
diversas modificações ao longo do tempo, visando adequar-se aos novos desafios que
vinham surgindo. Porém, nenhum contexto justifica a exploração da mão de obra
trabalhadora em detrimento de seus direitos e garantias fundamentais.
No entanto, a partir dos estudos realizados até o presente momento, concluímos
que a escravidão contemporânea é uma realidade no mundo todo. São muitos os casos
de pessoas vivendo em condições que ferem princípios fundamentais como a
liberdade e a dignidade da pessoa humana.
Destacamos, entre outros, a importância da Organização Internacional do
Trabalho e do Direito do Trabalho, na manutenção, regulamentação e ampliação dos
direitos humanos e trabalhistas nas relações laborais.

Palavras-chave: Escravidão. Escravidão contemporânea. Condições degradantes


de trabalho. Organização Internacional do Trabalho (OIT).
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 49


AGRADECIMENTOS
Agradecimento à Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
- UNIJUÍ, por proporcionar oportunidades para quem busca o conhecimento.
Agradecimento especial, à minha orientadora, professora Drª Rosane Teresinha
Carvalho Porto, pelo incentivo e disponibilidade demonstrados.

REFERÊNCIAS
BEZERRA, Juliana. Escravidão. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: h�ps://www.todamateria.com.br/
escravidao/. Acesso em: 11 abr. 2023.

COSTA, Nilziane Costa; RODRIGUES, Sávio José Dias. ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA: condições de
trabalho no relato de maranhenses resgatados de trabalho escravo contemporâneo. InterEspaço: Revista de
Geografia e Interdisciplinaridade, [S. l.], v. 3, n. 9, p. 49–65, 2017. DOI: 10.18764/2446-6549.v3n9p49-65.
Disponível em: h�p://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/interespaco/article/view/6261. Acesso em: 5
maio 2023.

EÇA, Vitor Salino de Moura; STURMER, Gilberto; TEIXEIRA, Sérgio Torres; BITTENCOURT, Luiz Antônio
da Silva. Direito Internacional do Trabalho. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2020.

GOMES, Laurentino. Escravidão: Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos
Palmares. 1. ed. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.

LOPES, Alberto Pereira. A escravidão moderna no Brasil: reflexões de um passado presente. Revista
Territórios e Fronteiras. [S, I.], v. 10, n. 1, p. 7 – 24, 2017. DOI: 10.22228/rt-f.v10i1.617. Disponível em: h�ps:/
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2023.

OIT – Organização Internacional do Trabalho. Convenções: C029 – trabalho forçado ou obrigatório. [s.d.].
Disponível em: h�ps://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235021/lang--pt/index.htm. Acesso em 28
abr. 2023.

OIT – Organização Internacional do Trabalho. Temas. Trabalho decente. [s.d.]. Disponível em h�ps://www.
ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang--pt/index.htm. Acesso em: 05 maio 2023.
SUMÁRIO

50 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

6
SUCESSÃO DE BENS DIGITAIS: uma busca metodológica para sua
transmissão frente ao conflito de normas fundamentais

SUCESSION OF DIGITAL GOODS: a methodological search for their


transmission in the face of the conflict of fundamental norms

Ana Paula dos Santos Oliveira


Mestre em Direito Ana Paula dos Santos Oliveira, Docente na Universidade Federal de
Rondônia. E-mail: ana_oliveiraa@hotmail.com

Yan Carlos da Silva Nunes


Bacharel em direito pela Universidade Federal de Rondônia- UNIR. Pós-graduando em
Direito para carreiras da magistratura pela EMERON: E-mail: yancarlos.silva@gmail.com

INTRODUÇÃO
Com a expansão tecnológico que a internet provocou surgiu um infinito campo de
novas possibilidades para o homem, que podem ter as mais diversas aplicações, seja
jogando online, utilizando as redes sociais para interação e afins ou a utilização destas
ferramentas como meio econômico a exemplo, a venda e compra de criptomoedas, as
transações bancárias, as compras e venda na rede por meio do e-commerce ou ainda o
uso de redes sociais para fins de produção de conteúdo gerando entretenimento e
lucro, como os canais no Youtube. Assim, fazendo eclodir um novo instituto jurídico
complexo e que vem causando divergência na doutrina quando sua sucessão, os
denominados bens digitais ou digital assets.
É perfeitamente inteligível, que surjam novos interesses e relações jurídicas para
as quais o ordenamento não esteja preparado, afinal o direito evolui a partir do fato
social, mas nem por isso se pode ignorá-las. Portanto, o presente artigo propõe-se a
analisar o instituto da herança digital, bem como as normas existentes no
ordenamento jurídico brasileiro para que se chegue a uma forma metodológica de
solução do conflito de normas fundamentais entre o direito à herança e da
personalidade.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 51


Para tanto, analisar-se-á os bens digitais sendo detalhados aspectos importantes
para a compreensão e definição da sua forma sucessória, como sua conceituação,
materialização e classificação, abordando a essencial divisão entre bens
economicamente valoráveis e bens não valoráveis, bem como a análise dos institutos
sucessórios que dispõe código civil, a fim de que se construa um arcabouço teórico
para formular a melhor metodologia de transmissão desses bens singulares.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em uma sociedade submersa cada vez mais nas tecnologias que emergem em
profusão no atual cenário, as pessoas interagem no mundo digital de diversas
maneiras e em todas elas disponibilizam dados digitais, seja usando um computador,
smartphone ou outro dispositivo tecnológico, assim armazenam durante a vida uma
série de bens dos mais variados no universo digital (ALMEIDA, 2019, p. 35).
Diante destas mudanças no seio social e devido seu impacto jurídico faz-se mister
a compreensão da novel ordem jurídica dos bens digitais, com sua devida definição,
conceituação e valoração para a melhor compressão quanto à problemática
apresentada. Porém imperioso é relembrar a definição doutrinária de bens, pois se não
outro os bens digitais podem-se dizer são subespécie de bens.
Assim, considerar-se-á bem como tudo que tem aplicação para a pessoa, seja na
seara econômica, seja por outros interesses, como de ordem psíquica de índole
subjetiva. Nesta intelecção, pode-se ter bens com valor econômico ou não, sendo que
os primeiros formam o patrimônio da pessoa (BEVILÁQUA, 2001, p. 233-234).
Em perspectiva mais aprofundada se pode inferir que os bens não precisam,
necessariamente, ter uma apreciação econômica, pois de forma natural são objetos de
direitos subjetivos dada a sua importância para o direito (GAGLIANO E PAMPLONA
FILHO, 2013, p. 301 e 302).
Nesta compreensão os bens digitais por sua generalidade e abrangência bem
como sua constante evolução podem ser divididos em duas grandes categorias: a) os
bens digitais com valor econômico, como exemplo tem-se contas de comerciantes que
operam exclusivamente através de plataformas na internet, como o Mercado livre e
eBay, dados de jogos provenientes de horas de trabalho e valores investidos; contas em
redes sociais que geram renda, blogs, livros entre outras possibilidades, e b) os bens
digitais sem valor econômico, também chamados de bens digitais com valor pessoal,
que inserem-se as fotos existentes em aplicativos que podem não ter valor econômico
para qualquer pessoa, mas são inestimáveis para os familiares do morto, contas em
SUMÁRIO

52 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

redes sociais com mero caráter pessoal, bloco de notas, diários virtuais entre outras
possibilidades (EDWARDS; HARBINGER 2013, p. 106).
Tal distinção é essencial para a compreensão da transmissão dos bens digitais e a
sua forma, por isso é mister a melhor cognição quanto a distinção entre os bens
economicamente valoráveis e os não economicamente valoráveis, para que a partir
deste domínio se possa definir a melhor forma de transmissão, visto que a sua
classificação terá imediata repercussão na forma que ocorrerá a transmissão destes
bens digitais.
Uma vez assentado nas premissas anteriormente construídas, mostra-se nítida e
evidenciada a herança digital, desde a classificação dos bens digitais, passando pela
forma de sucessão. Afirmada e compreendida, a herança digital, surge o problema de
como se dará sua transmissão frente ao caráter personalíssimo de alguns bens digitais.
A herança digital é em suma o somatório de todo o patrimônio digital deixado
pelo autor da herança, já o patrimônio digital é formado pelo conjunto de bens digitais
do indivíduo, que por sua vez, se subdivide em três categorias ou espécies: bens
digitais de natureza eminentemente patrimonial ou suscetíveis de valoração
econômica, bens digitais de natureza puramente personalíssima ou não suscetíveis de
valoração econômica e por fim os bens de natureza híbrida, que assenta as duas
característica ao mesmo tempo, menos comum, mas com sua relevância.
O patrimônio digital tem por característica própria uma estreita ligação com o
indivíduo, por isso atinge os direitos da personalidade, como privacidade e sigilo, o
Facebook, Instagram ou WhatsApp de um indivíduo podem possuir conversar, fotos,
documentos etc, que resguardam proteção jurídica inerente a esses direitos, entretanto
não por isso deixam de compor o patrimônio digital.
Estar-se-á defronte a um conflito de norma fundamentais, entre o direito a
herança e os direitos da personalidade, os quais não existe prevalência um sobre o
outro, devendo buscar formas para que se tutelar ambos os direitos, Fáveri (2014, p. 70)
afirma que “os direitos da personalidade sigilo e privacidade, que o falecido detinha
na constância de sua vida, não se perfazem em suficiente fundamento para obstar aos
familiares do defunto o acesso à sua herança digital.” Por isso, busca-se a partir da
classificação dos bens digitais definir a melhor forma de transmissão destes, frente ao
conflito de normas fundamentais.
Infere-se que os bens digitalmente constituídos podem ser herdados de duas
formas, mediante testamento ou sucessão legal a depender da sua classificação, assim
é preciso atenção quanto à sua natureza. Os bens digitais suscetíveis de valoração
econômica, devem sem nenhuma complicação compor a herança e serem transmitidos
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 53


pela via legítima, para que não haja prejuízo ao direito à herança, eis que o próprio
código civil assegura sua transmissão, visto que o patrimônio é demonstrado na
universalidade de direito, é composto por relações jurídicas dotadas de valor. Neste
sentido, Ribeiro (2016, p. 34) leciona:

Os bens com valoração econômica se enquadram no conceito de


patrimônio, assim a partir do momento que lhes é auferido valor
monetário, presume-se que os mesmos compõem o patrimônio
como bens em meio digital. Desse modo, em relação aos ativos
digitais com valoração econômica, parece não existirem maiores
dúvidas sobre o direito dos herdeiros.

Assim, demonstra-se que não há óbice quanto à possibilidade de transmissão da


herança digital em relação aos bens suscetíveis de valoração econômica, devendo
compor a legítima como qualquer outro bem econômico, e ter sua transmissão
deferida nos moldes desta. Como exemplo de bens digitais que podem se enquadrar
nesta hipótese, cita-se os canais no Youtube, moedas digitais, milhas aéreas, redes
sociais que geram monetização, e-books entre outros.
Já os bens digitais não suscetíveis de valoração econômica, por sua natureza não
tem a aptidão de integrar a herança legítima, isso ocorre pois, como lembra Franco
(2015, p. 35), “a definição de patrimônio considerada pelo direito brasileiro leva em
consideração somente o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa dotadas de valor
econômico”.
Deste modo, os bens digitais que não tem natureza econômica, sem óbices ainda
poderão ser herdados por expressão de última vontade do de cujus, que poderá fazer
por meio do testamento e sem obstáculo poderá ocorrer concomitante à legítima como
já mencionado. Assim, se a transmissão ocorrer pela via testamentária ou outra que
expresse a última vontade do autor da herança não há que se falar em ameaça aos
direitos da personalidade quando da transmissão dos bens digitais considerados
personalíssimos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de toda a exposição feita, é latente que com o avanço da tecnologia
moderna a nossa sociedade evolui também o que gera a necessidade de o organismo
de regulação social chamado direito também evolua para que acompanha tais avanços
sociais, precipuamente no que tange aos bens digitais e suas relações jurídicas. Assim,
e considerando a agitação jurídica acerca da destinação desses bens após a morte, que
acarreta em insegurança jurídica, é essencial que se debata e se defina uma forma legal
de transmissão.
SUMÁRIO

54 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Neste sentido, e diante de todo o abordado, infere-se que os bens digitais se


classificam em dois grupos primários, são eles, os bens digitais economicamente
valoráveis, ou seja, os bens que podem ser expressados monetariamente
independentemente da plataforma em que estejam, e os bens que não possuem valor
econômico, ou seja, estão ligados exclusivamente a pessoa, perfazem extensão do ser
ao mundo virtual. Assim, tendo em consideração todo o exposto intui-se que os bens
que possuem valor econômico devem ser transmitidos pela via legítima, em
consonância com o código civil e a constituição.
Por outro lado, no tange aos bens digitais não valoráveis economicamente, estes
merecem atenção especial, pois possuem certas objeções, uma vez que sua transmissão
pode violar direitos do de cujus e de terceiros que se relacionavam com ele. Neste turno
se infere que a melhor e única forma de salvaguardar os direitos da personalidade e
garantir o direito à herança desses bens, é que sejam feitos por expressão de última
vontade.
Desta forma, ocorrerá a ponderação e aplicação de dois direitos fundamentais
que se conflitam, assim viabilizando a garantia do direito sucessório e garantia
póstuma dos direitos personalíssimo para o de cujus e atual para terceiros.
Palavras-chave: Direito sucessório. Herança digital. Bens digitais.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Juliana Evangelista de. Testamento Digital: como se dá a sucessão dos bens digitais. Porto
Alegre, RS: Editora Fi, 2019. GRECO, Pedro Teixeira Pinos. Sucessão De Bens Digitais: Quem tem medo
do Novo? Disponível em:h�ps://digital.iabnacional.org.br/wp-content/uploads/2018/10/Sucess%C3%A3o-
de-Bens-Digitais-Quem-tem-Medo-do-Novo.pdf Acesso em: 23 de mar. 2023

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões. Campinas: Red livros, 200

EDWARDS, Lilian; HARBINJA, Edina. Protegendo a privacidade post-mortem:

reconsiderando os interesses de privacidade do falecido em um mundo digital.

Cardozo Arts & Entertainment Law Journal, vol. 32, nº 1, 2013.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. V. 1: parte geral. 15
ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral – v. 1. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 55

7
O NEOLOGISMO DA APOROFOBIA E SUA CORPORIFICAÇÃO
NA SOCIEDADE INTERNACIONAL

THE NEOLOGISM OF APOROPHOBIA AND ITS EMBODIMENT IN


INTERNATIONAL SOCIETY

Trabalho desenvolvido a partir dos estudos acerca do capítulo inicial da obra “Aporofobia, a
aversão ao pobre: um desafio para a democracia” de Adela Cortina e construído dentro do
Programa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) no projeto de pesquisa "Justiça Social: os
desafios das políticas sociais na realização das necessidades humanas fundamentais" (CNPq)
sob orientação da Profª. Drª. Anna Paula Bage�i Zeifert;

Anna Paula Bage�i Zeifert


Pós-Doutorado pela Escola de Altos Estudos - Desigualdades Globais e Justiça Social:
Diálogos sul e norte, do Colégio Latino-Americano de Estudos Mundiais, programa da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO Brasil e UNB). Doutora em
Filosofia (PUCRS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e
Doutorado em Direitos Humanos - e do Curso de Graduação em Direito (UNIJUI).
Integrante do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Justiça Social e Sustentabilidade
(CNPq). Coordenadora do Projeto de Pesquisa "Justiça Social: os desafios das políticas sociais
na realização das necessidades humanas fundamentais" e do Projeto de Extensão
"Observatório de Direitos Humanos”. E-mail: anna.paula@unijui.edu.br;

Vitória Agnole�o
Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito - Curso de Mestrado em
Direitos Humanos - da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ). Bolsista do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias
de Educação Superior (PROSUC) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Graduada em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Integrante do projeto de pesquisa "Justiça Social: os desafios
das políticas sociais na realização das necessidades humanas fundamentais" (CNPq).
Integrante do grupo de pesquisa "Direitos Humanos, Justiça Social e Sustentabilidade"
(CNPq). Integrante do projeto de extensão "Observatório em Direitos Humanos" (CNPq). E-
mail: vitoria.agnole�o@sou.unijui.edu.br;

Isabela Liebeld Pinheiro


Graduanda em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul (UNIJUÍ). Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) do projeto de pesquisa
"Justiça Social: os desafios das políticas sociais na realização das necessidades humanas
fundamentais" (CNPq). Integrante do grupo de pesquisa "Direitos Humanos, Justiça Social e
Sustentabilidade" (CNPq). Integrante do projeto de extensão "Observatório em Direitos
Humanos" (CNPq). E-mail: isa.liebeld@gmail.com.
SUMÁRIO

56 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

INTRODUÇÃO
As sociedades atuais enfrentam problemas recorrentes relacionados a crimes de
ódio e de preconceito contra pessoas pobres e em situação de vulnerabilidade. Diante
deste grave cenário, o presente estudo foi desenvolvido a partir do estudo do capítulo
inicial da obra “Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia”, da
filósofa espanhola Adela Cortina (2020).
Utilizando como método de abordagem o hipotético-dedutivo e considerando a
coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e eletrônicos, a
pesquisa tem o intuito de desenvolver uma hipótese com base no problema
apresentado.
Quanto ao objeto, a pesquisa é do tipo exploratória e se utiliza de referenciais
teóricos do pensamento contemporâneo, em especial da filosofia política, com
destaque especial aos estudos desenvolvidos pela referida autora.
Nesse contexto, surge a necessidade de compreender o neologismo “aporofobia”,
desenvolvido por Cortina, que pretende materializar as ocorrências de crimes e
políticas de ódio e de rechaço aos pobres.
Da união de duas palavras gregas – "áporos", que se traduz em pobre e
desamparado; e "fobéo", que significa temer e odiar – é cunhado o termo que estuda o
fenômeno social da aporofobia: a aversão aos pobres como uma forma de
racionalidade coletiva (CORTINA, 2020).
Enfim, no desenvolver do presente estudo ficará demonstrado que eventos como
crimes de ódio e de preconceito com pessoas pobres possuem raízes muito mais
severas e longínquas que pode se imaginar, demonstrando a existência de um
problema de justiça social e de direitos humanos, digno de atenção e de propostas de
políticas públicas para combate desse neologismo na sociedade atual.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Já no princípio de sua obra, a autora Adela Cortina (2020) discute a importância
de nomear as coisas para incorporá-las ao mundo humano, permitindo reflexões e a
criação de consciência sobre elas.
Em seu entendimento, quando não nomeadas, essas realidades sociais podem
agir com a força de ideologias, refletindo a visão deformada e deformante da
sociedade que, quanto mais silenciosas, mais efetivas, pois não se pode denunciá-las
(CORTINA, 2020).
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 57


Por se tratar de uma realidade que passa a ser denunciada recentemente, a
aversão ao pobre e o preconceito dessa racionalidade podem ser confundidas com a
ideia de xenofobia, conforme observa a autora (CORTINA, 2020).
O interessante apontado por Cortina (2017) é que, muitas vezes, os turistas
recebidos na Espanha, por virem de outros países, são de diferentes etnias e raça.
Entretanto, esses estrangeiros não despertam o sentimento de xenofobia na população
local ou, então, são rejeitos pela população local, não despertam sequer medo, aversão
ou rejeição, pelo contrário.
Por isso, não pode se falar de xenofobia nesse contexto, pois ocorre o fenômeno
oposto, de xenofilia, existe uma hospitalidade, um cuidado e uma amizade para com
esses estrangeiros. Entretanto, infelizmente, não se verifica a mesma hospitalidade e
boas-vindas com outros tipos de estrangeiros.
Desde anos antes de 2016 a União Europeia tem sido, e ainda é, o destino de
pessoas que, arriscando suas vidas e por vezes as perdendo, saem de seus países a
procura de melhores condições de vida. A questão é que esses indivíduos não são
turistas dispostos a investir dinheiro, são refugiados políticos e imigrantes pobres. São
outro tipo de estrangeiros, são pessoas desesperadas que arriscam suas próprias vidas
porque continuar no país em que estão já não é mais uma opção (CORTINA, 2017).
Esses refugiados políticos, por serem pobres, despertam preocupações de ordem
econômica, social e política. Nesse sentido, Cortina (2017) percebe que no ponto de
vista da mídia e da população local esses indivíduos tirarão empregos dos cidadãos,
aumentarão os gastos públicos e trarão valores e culturas suspeitas. Em essência, os
refugiados representam o fim do bem-estar da sociedade no ponto de vista da
população.
Afirma Cortina (2017) que essa racionalidade é a amostra real da aporofobia, isto
é, da rejeição, aversão, medo e desprezo pelo pobre, desamparado que,
aparentemente, não pode devolver nada bom em troca. Do mesmo modo, ao analisar
esse cenário, a referida autora percebeu que a rejeição ao pobre está presente nas mais
diversas áreas da sociedade e, infelizmente, está extremamente enraizada na cultura e
nas demais formas de fobia social.
Por tais razões, a abordagem da filósofa a respeito de nomear fenômenos é muito
importante: para compreender e combater esse problema, é necessário lhe dar nome,
é indispensável o entender como uma patologia social (CORTINA, 2020).
SUMÁRIO

58 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista os aspectos conceituais básicos a respeito da aporofobia, torna-se
possível identificar que esse é um problema histórico, social e político presente em
todas as sociedades (CORTINA, 2017).
Por consistir em um fenômeno e uma patologia social, o estudo versa sobre
práticas e condutas diárias e invisibilizadas, cujas vítimas são pessoas em extrema
vulnerabilidade social, política e econômica: os pobres (CORTINA, 2017).
Não obstante, por consistirem em indivíduos que não integram a racionalidade
do pacto social – aquele aludido por Jean-Jacques Rousseau nos primórdios do século
dezoito – são seres que não são considerados dignos de participar da sociedade de
troca: excluídos de todas as organizações e práticas sociais, invisibilizados e deixados
à margem de uma sociedade que não lhes quer (CORTINA, 2017).
Mesmo que consistindo em uma forma de racionalidade social enraizada, a
aporofobia é um fenômeno possível de ser enfrentado. Entretanto, conforme aborda
minunciosamente a referida filósofa, é indispensável construir políticas públicas e
desconstruir as estruturas dessa patologia (CORTINA, 2017).
Tratando-se de um problema que interfere na exclusão e invisibilização de
sujeitos, é notório que ocorrem violações aos direitos humanos dos indivíduos na
condição e pobreza. Isto é, do pobre são arrancadas todas as proteções, garantias e
liberdades.
Consequentemente, inexistindo a observância de quaisquer requisitos mínimos
para uma vida digna, fala-se também na impossibilidade de desenvolver uma
sociedade efetivamente justa diante do preconceito, da exclusão e da vulnerabilidade
deste grupo social.
Por isso, os entendimentos iniciais a respeito da ideia de aporofobia já são
suficientes para observar que se trata de um grave problema de justiça social e de
direitos humanos, cujo impacto é internacional e merece alternativas de combate à
altura da gravidade e da dificuldade implantada por esta patologia social.
Palavras-chave: Aporofobia; Pobreza; Preconceito; Justiça Social; Direitos
Humanos;

AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
instituição financiadora da bolsa de Iniciação Científica (PIBIC); à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), instituição financiadora da
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 59


bolsa do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias de
Educação Superior (PROSUC); e à Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), instituição em que a presente pesquisa é desenvolvida.

REFERÊNCIAS
CORTINA, Adela. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. Tradução de Daniel
Fabre. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.

CORTINA, Adela. Aporofobia: el rechazo al pobre. Buenos Aires: Ediciones Paidós, 2017.
SUMÁRIO

60 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

8
O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NA PERSPECTIVA DE AXEL
HONNETH E COMO FATOR DE COMBATE À INJUSTIÇA
CLIMÁTICA E CONCREÇÃO DOS ODS 13 E 16 DA ONU

THE SOLIDARITY PRINCIPLE FROM AXEL HONNETH'S PERSPECTIVE AND


AS A FACTOR IN COMBATING CLIMATE INJUSTICE AND ACHIEVING
UN'S ODS 13 AND 16

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto com financiamento externo: Integra projeto de Direito à
moradia, neoliberalismo e vulnerabilidade: a violação de direitos humanos e as consequências
ambientais, financiado pela CAPES.

Sabrina Lehnen Stoll


Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos pela Universidade de Ijuí/RS
(UNIJUÍ). Mestra em Direito Público e Constitucionalismo pelo PPGD-FURB. Especialista em Direito
Público pela FURB-ESMESC. Membro do grupo de Pesquisas Constinter - Constitucionalismo,
Cooperação e Internacionalização e Grupo de Pesquisa Direitos Fundamentais, Cidadania e Justiça.
Bolsista FURB. Pesquisadora vinculada às seguintes linhas de pesquisa: i) Sustentabilidade
Socioambiental, ii) Gestão de Riscos de Desastres e Gestão Integrada de Recursos Hídricos, e; iii)
Democracia, Direitos Humanos e Desenvolvimento do PPGD/UNIJUÍ. Integra projeto de Direito à
moradia, neoliberalismo e vulnerabilidade: a violação de direitos humanos e as consequências
ambientais, financiado pela CAPES.ID La�es: 1360235338654144. ID Orcid: 0000-0001-9719-4347. E-
mail: sstoll@furb.br

Carina Lopes de Souza


Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Humanos da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Mestre em Direito pelo Programa
de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Meridional - IMED (2022). Bacharel em Direito pela
Faculdade Meridional - IMED (2020). Vinculada a linha de pesquisa “Democracia, Direitos Humanos
e Desenvolvimento” do PPGD/UNIJUÍ. Integra projeto de Direito à moradia, neoliberalismo e
vulnerabilidade: a violação de direitos humanos e as consequências ambientais, financiado pela
CAPES. E-mail: carina.lds@sou.unijui.edu.br

Elenise Felzke Schonardie


Doutora em Ciências Sociais pela Unisinos - UNISINOS (2010). Mestre em Direito pela Universidade
de Santa Cruz do Sul - UNISC (2001). Formada em Direito pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (1996). Professora do Quadro Docente Permanente do
Programa de Doutorado e Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, atuando também no curso de graduação em Direito.
Vinculada a linha de pesquisa “Democracia, Direitos Humanos e Desenvolvimento” do PPGD/
UNIJUÍ. É membro do grupo de pesquisa MUNDUS (Cnpq). Coordena o projeto de Direito à
moradia, neoliberalismo e vulnerabilidade: a violação de direitos humanos e as consequências
ambientais, financiado pela CAPES. Membro da ReDRI e da Rede Internacional e Interdisciplinar
sobre as Desigualdades. La�es ID: 0918929438055294. E-mail: elenise.schonardie@unijui.edu.br.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 61


INTRODUÇÃO
A abordagem sobre a injustiça climática e suas consequências em relação aos mais
vulneráveis a partir da síntese do reconhecimento jurídico e afetivo do que Axel
Honneth denomina de Solidariedade é a base teórica deste estudo. Para tanto parte-se
do contexto internacional de um direito global dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável que tratam das Ações de Proteção Global (ODS nº 13) e das mudanças
climáticas (ODS nº 16), e a necessária construção da paz por meio de instituições
eficazes.
O estudo apresenta como problema de pesquisa a seguinte pergunta: Como os
objetivos do Desenvolvimento sustentável relativos à Ação Global sobre as mudanças
climáticas (ODS 13) e a paz, justiça e instituições eficazes (ODS 16) podem ser
interpretados constitucionalmente na construção da justiça climática a partir da
categoria de solidariedade pensada por Axel Honnet?
Como hipótese inicial, levando-se em consideração os dados levantados a partir
de um conjunto de pesquisas realizadas sobre o tema na área do Direito e da Ciência
Política, refletidas na bibliografia que dá sustentação ao presente estudo, torna-se
possível afirmar que a categoria Solidariedade de Axel Honneth, assim como os ODS
13 e 16, são formas que se implementadas, pelo estado e a pela sociedade civil, são
eficazes ao combate à injustiça climática no Brasil.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para Honneth, solidariedade é uma espécie de relação interativa em que os
sujeitos tomam interesse reciprocamente por seus modos distintos de vida, já que se
estimam entre si de maneira simétrica (HONNETH, 2003, p. 209). Esse conceito de
solidariedade se aplica às relações de grupo que são vulneráveis e sofrem algum tipo
de opressão social, pois gera um horizonte intersubjetivo de valores no qual cada um
aprende a reconhecer em igual medida o significado das capacidade e propriedades
do outro (HONNETH, 2003, p. 209).
Na perspectiva de Honneth (2016), os debates sobre justiça não devem se
preocupar apenas com as clássicas questões de redistribuição, mas também devem
abordar os processos que geram a má-distribuição. O autor destaca o reconhecimento
individual e social como elemento-chave para se alcançar a justiça, para tanto, o escopo
central não é apenas o componente psicológico do reconhecimento, mas também o
status social que se atribui aos menos abastados nos esquemas de distribuição (ONU
BRASIL, 2022).
A injustiça climática está intimamente ligada à desigualdade socioambiental que,
por fatores sociais, econômicos, ambientais e culturais, faz com que os povos e grupos
SUMÁRIO

62 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

de regiões mais pobres se tornem mais vulneráveis aos impactos das mudanças
climáticas. Em especial, no Brasil, essa vulnerabilidade social tem se acentuado nos
últimos anos (período do ano 2020 a 2022), e os eventos extremos como secas,
inundações e deslizamentos tem afetado mais fortemente as populações em situação
de vulnerabilidade social.
A vulnerabilidade social é um resultado negativo da relação entre a
disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos
ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais
(UNESCO, 2022).
De acordo com o sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental de
Mudança Climática - AR6 do IPCC), essa vulnerabilidade pode ser agravada pela
desigualdade e marginalização relacionadas a gênero, etnia e/ou baixa renda (IPCC,
2021). Neste sentido, reconhecida a existência da vulnerabilidade social é necessária a
relação desta com a categoria da solidariedade de Honneth, haja vista que esse
reconhecimento pelo Estado brasileiro pode auxiliar na criação de instituições e
políticas públicas mais eficazes no combate às mudanças climáticas.
No ordenamento jurídico pátrio, constata-se a presença do Princípio da
Solidariedade Intergeracional no artigo 225, “caput” da CRFB/88, que estabelece que
todos possuem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo dever
da coletividade e do Poder Público, solidariamente, preservá-lo para as presentes e
futuras gerações. Ou seja, é um direito e ao mesmo tempo um dever de todos
envolvidos no contexto brasileiro (BRASIL, 1988). Dito de outro modo, a parte final do
caput do referido artigo, estabelece um sistema de corresponsabilidade, no qual a
solidariedade é elemento crucial. (SCHONARDIE, 2016).
O artigo 225 da CRFB/88 visa a solidariedade intergeracional e intersetorial na
medida em que propõe um equilíbrio entre a economia e o meio ambiente no que se
refere à utilização de recursos para que as futuras gerações tenham garantidas iguais
oportunidades, dada a finitude dos recursos terrestres. Igualmente, o art. 170, inciso
VI, ao regular a ordem econômica reafirma esse comprometimento.

A inclusão de membros futuros em decisões atuais mostra-se


verdadeiramente como um princípio de justiça, considerando
que as opções adotadas no presente atingem também as gerações
futuras. Assim, é importante oferecer às gerações futuras a
oportunidade de tomar as suas próprias decisões, bem como de
formar as suas próprias definições do que é considerado ter uma
vida digna, de maneira compatível com o que se considerar
pertinente para o momento em que viverem. A noção de
igualdade de oportunidades, desse modo, não seria aplicável
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 63


apenas aos atuais vínculos entre os indivíduos, mas também
entre as gerações presente e futura (MENDONÇA, 2018, p. 09).

Sendo assim, o princípio da solidariedade está intimamente ligado à noção de


responsabilidade compartilhada na utilização consciente destes recursos naturais e na
preservação do meio ambiente. O aquecimento global é prova contundente que a
integridade do sistema climático encontra-se ameaçada, e as mudanças climáticas
impactam diretamente no equilíbrio do meio ambiente, na medida em que o clima
sofre alterações e com elas ocorre a degradação no sistema climático, afrontando
claramente o artigo 225 da CRFB/88, que institui o dever/direito do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, tanto para as presentes quanto para as futuras gerações,
em face do princípio da solidariedade intergeracional (BRASIL, 1988).
Segundo Robinson (2021), para que possamos debater as mudanças climáticas
será necessário buscar a justiça social, erradicando a pobreza e excluindo a
desigualdade social. De acordo com a autora, a população global atingiu o montante
de 7.7 bilhões de pessoas, destas, 773 milhões não têm acesso à eletricidade e há 2,4
bilhões cozinhando em fogueiras. Desta forma, para seguir com os princípios da
justiça climática e melhorar a vida dessas pessoas, é necessário dar a elas acesso à
eletricidade e ao fogão com fontes renováveis de energia, não com combustíveis
fósseis (ROBINSON, 2021).
Neste sentido, é de suma importância abordar a categoria de Solidariedade de
Honneth (2016) juntamente com as metas dos ODS 13 e 16 da ONU. O objetivo 13 da
ONU tem como intuito abordar a ação contra a mudança global do clima, assim como
visa estimular a ampliação da cooperação internacional em suas dimensões
tecnológica e educacional objetivando fortalecer capacidades para o planejamento
relacionado à mudança do clima e à gestão eficaz nos países menos desenvolvidos,
inclusive com foco em mulheres, jovens e comunidades locais marginalizadas (ONU
BRASIL, 2022).
Com base nessas premissas, a presente pesquisa pretende abordar desde
questões de cunho social que possam trazer impactos ambientais para a população
geral até possibilidades culturais de mudança do status quo em relação à categoria de
Solidariedade proposta por Honneth (2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir que o princípio da Solidariedade está intimamente ligado à
noção de responsabilidade compartilhada na utilização consciente de recursos
naturais e na preservação do meio ambiente. Há inclusive o devido tratamento
SUMÁRIO

64 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

constitucional no artigo 225 da CRFB/88, sendo considerada uma cláusula pétrea, ou


seja, não é possível ser modificada para a supressão ou exclusão destes direitos.
A atual emergência climática decorrente do aquecimento global impõe
questionamentos e discussões sobre os direitos e deveres das presentes gerações para
que as gerações futuras (aqui trata-se de um futuro próximo) tenham acesso e,
também, possam usufruir dos recursos naturais ambientais, dada a finitude planetária
de tais recursos.
Levando em consideração o conjunto de pesquisas realizadas sobre o tema na
área do Direito e da Ciência Política, refletidas na bibliografia que dá sustentação ao
presente estudo, torna-se possível concluir preliminarmente que a categoria
Solidariedade de Axel Honneth, assim como os ODS 13 e 16, são formas eficazes de
combate a injustiça climática no Brasil.
Palavras-chave: Direitos Humanos; Emergência climática; ODS nº 13 e 16;
Princípio da Solidariedade. Vulnerabilidade social.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. Disponível em: h�p://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 out. 2022.

IPCC. Intergovernmental panel on climate change. Novo Relatório do IPCC WG1-AR6: Implicações para o
Brasil e o planeta. YouTube, São Paulo, Canal Fapesp, 9 ago. 2021. 1 vídeo (aprox. 124 min). Disponível em:
h�ps://bit.ly/3HUWbWA. Acesso em: 20 out. 2022.

HONNETH, Axel. Reificação: um estudo da teoria do reconhecimento. São Paulo: Unesp: 2016.

MENDONÇA, Suzana Ma. Fernandes. Deveres Fundamentais de Solidariedade. Rev. Derecho


Montevideo, n. 18, p. 91-116, dic. 2018. Disponível em: h�p://www.scielo.edu.uy/scielo.php?script=sci_
ar�ext&pid=S2393-61932018000200091&lng=es&nrm=iso. Acesso em: 27 jun. 2022.

RAMMÊ, Rogério Santos. Da justiça ambiental aos direitos e deveres ecológicos: conjecturas político-
filosóficas para uma nova ordem jurídico-ecológica. Caxias do Sul, RS: Educs, 2012.

ROBINSON, Mary. Justiça climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável. Rio de
Janeiro: Civilização brasileira, 2021.

SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE. Recife adere ao Compromisso de Malmö por justiça climática.
2022. Disponível em: h�ps://www2.recife.pe.gov.br/noticias/12/05/2022/recife-adere-ao-compromisso-de-
malmo-por-justica-climatica. Acesso em: 29 out. 2022.

SCHONARDIE, Elenise Felzke. Dano ambiental: a omissão dos agentes públicos. 3 ed. Ijuí,RS: Editora
Unijuí, 2016.

ONU BRASIL. Objetivos de desenvolvimento sustentável. Disponível em: h�ps://brasil.un.org/pt-br/


sdgs. Acesso em: 29 out. 2022.

UNESCO BRASIL. Desenvolvimento Social. Disponível em: h�ps://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/


expertise/social-inclusive-development. Acesso em: 03 nov. 2022.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 65

9
ASSÉDIO NO TRABALHO: uma perspectiva do assédio no ambiente
de trabalho no Brasil, Argentina e Chile

HARASSMENT AT WORK: a perspective on harassment in the workplace in


Brazil, Argentina and Chile

Trabalho orientado pela doutora em Direito Rosane Teresinha Carvalho Porto. O trabalho é
resultado parcial do projeto de pesquisa Políticas Públicas de Acesso à justiça em tempos de
pandemia COVID19: Limites e possibilidades da mediação sanitária nas demandas judiciais
dos trabalhadores no Brasil, Argentina e Chile. Auxílio Recém-Doutor - ARD/20.
(FAPERGS/RS)

Carine da Silva Riquinho


Graduanda em Direito . Bolsista de Iniciação Científica UNIJUÍ/RS. Vinculada ao projeto:
Políticas Públicas de Acesso à justiça em tempos de pandemia COVID19: Limites e
possibilidades da mediação sanitária nas demandas judiciais dos trabalhadores no Brasil,
Argentina e Chile. Auxílio Recém-Doutor - ARD/20. (FAPERGS/RS) e-mail: carine.
riquinho@sou.unijui.edu.br

Giulia Rossato de Barros


Graduanda em Direito, bolsista de Iniciação Científica UNIJUÍ/RS. Vinculada ao projeto:
Políticas Públicas de Acesso à justiça em tempos de pandemia COVID19: Limites e
possibilidades da mediação sanitária nas demandas judiciais dos trabalhadores no Brasil,
Argentina e Chile. Auxílio Recém-Doutor - ARD/20. (FAPERGS/RS) e-mail: giulia.
barros@sou.unijui.edu.br

Rosane Teresinha Carvalho Porto


Pós-doutora em Direito e Sociedade pela Universidade La Salle. Professora da Graduação
em Direito e do Programa de Pós-graduação em Direito da UNIJUÍ. Ijuí, Rio Grande do Sul,
Brasil. E-mail: rosane.cp@unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
O assédio no trabalho é um problema preocupante que afeta trabalhadores em
todo o mundo, e o Brasil não é exceção. O assédio no ambiente de trabalho engloba
uma variedade de comportamentos abusivos, como assédio moral, assédio sexual e
discriminação, que podem ter impactos negativos na saúde física e mental das vítimas.
SUMÁRIO

66 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Esse fenômeno abrange uma variedade de comportamentos indesejados, como


assédio moral, assédio sexual e discriminação, que podem causar sérios danos físicos
e emocionais às vítimas. Neste resumo expandido, exploraremos o assédio no trabalho
no contexto brasileiro, analisando suas diferentes formas, impactos e as medidas legais
e sociais adotadas para combatê-lo.
Nesta introdução, exploraremos o assédio no trabalho no contexto brasileiro,
destacando sua relevância, manifestações e consequências, além de abordar a
importância de abordar esse tema com seriedade e adotar medidas efetivas para
preveni-lo e combatê-lo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Brasil, o assédio no trabalho pode se manifestar de diversas maneiras. O
assédio moral envolve a prática repetitiva de ações que humilham, intimidam ou
menosprezam um funcionário, podendo incluir insultos verbais, críticas injustas,
exclusão social e tarefas humilhantes. Já o assédio sexual refere-se a comportamentos
sexuais não desejados, como comentários, piadas, gestos obscenos, toques não
solicitados e avanços sexuais não consensuais. Além disso, a discriminação no
trabalho ocorre quando um indivíduo é tratado de forma desigual com base em
características pessoais, como raça, gênero, orientação sexual, religião, idade e
deficiência.
Os impactos do assédio no trabalho são significativos, afetando a saúde e o bem-
estar das vítimas. Pode levar ao estresse crônico, ansiedade, depressão, baixa
autoestima, problemas de sono e até mesmo doenças físicas. Além disso, o assédio no
trabalho pode prejudicar o desempenho profissional, diminuir a motivação e a
satisfação no trabalho, levando muitas vezes à saída prematura do emprego.
No Brasil, existem leis e regulamentações que visam combater o assédio no
trabalho. A Constituição Federal garante o direito a um ambiente de trabalho saudável
e livre de violência. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece medidas de
proteção aos trabalhadores contra práticas abusivas. Além disso, outras leis específicas
foram criadas para combater o assédio sexual, como a Lei nº 10.224/2001.
O assédio no trabalho é abordado por uma série de fundamentos jurídicos, que
visam proteger os trabalhadores e garantir um ambiente laboral saudável e livre de
abusos. A Constituição assegura diversos direitos fundamentais, como a dignidade da
pessoa humana e a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem das pessoas.
Esses princípios são fundamentais para a proteção contra o assédio no trabalho.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 67


Na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estão estabelecidas diretrizes gerais
para as relações trabalhistas no Brasil. Embora não mencione explicitamente o assédio
no trabalho, algumas disposições podem ser aplicadas nesse contexto. Por exemplo, o
artigo 483 da CLT permite que o empregado rescinda o contrato de trabalho por justa
causa caso esteja sofrendo assédio moral.
Outro instrumento jurídico que legisla sobre o assédio no trabalho é a Lei nº
10.224/2001 que define e pune o assédio sexual no ambiente de trabalho. Essaa lei
estabelece que o assédio sexual é uma forma de violência no trabalho e prevê punições
para os agressores. A Lei nº 13.467/2017 introduziu algumas mudanças relevantes em
relação ao assédio no trabalho. O artigo 223-G da CLT passou a prever indenização por
danos morais decorrentes de assédio moral, incluindo a possibilidade de reparação
em caso de dano existencial.
Além das medidas legais, é essencial promover uma mudança cultural e
conscientização sobre o assédio no trabalho. Empresas e organizações têm a
responsabilidade de implementar políticas claras de prevenção e combate ao assédio,
fornecendo treinamentos para seus funcionários e promovendo uma cultura de
respeito e dignidade no ambiente de trabalho. As vítimas de assédio devem ser
encorajadas a denunciar e receber o apoio necessário para lidar com a situação.
O assédio moral no trabalho envolve ações repetitivas e hostis que visam
humilhar, constranger ou menosprezar um funcionário. Isso pode incluir insultos,
intimidações, exclusão social, atribuição de tarefas humilhantes e outros
comportamentos abusivos que afetam negativamente a autoestima e a saúde mental
das vítimas.
O assédio sexual no trabalho ocorre quando há condutas indesejadas de natureza
sexual, como comentários inapropriados, avanços sexuais não consensuais, gestos
obscenos ou propostas inadequadas. Essas ações criam um ambiente de trabalho
hostil e podem gerar consequências graves para a saúde e o bem-estar das vítimas.
Além disso, a discriminação no trabalho é outra forma de assédio que ocorre
quando um trabalhador é tratado de forma desigual com base em características
pessoais, como raça, gênero, orientação sexual, religião, idade ou deficiência. Essa
discriminação pode prejudicar as oportunidades de crescimento e progresso na
carreira, causando danos emocionais e profissionais.
No Chile, existem leis e regulamentos que visam combater o assédio no trabalho.
A Lei nº 20.005, conhecida como Lei de Assédio Moral e Sexual no Trabalho, foi
promulgada em 2005 para prevenir e punir o assédio no ambiente laboral. Essa
SUMÁRIO

68 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

legislação estabelece diretrizes para a prevenção, investigação e sanção do assédio no


trabalho, além de proteger as vítimas e promover um ambiente de trabalho saudável.
Na Argentina, existem leis e regulamentações que visam combater o assédio no
trabalho. A Lei de Contrato de Trabalho (LCT) proíbe o assédio moral e estabelece que
os empregadores são responsáveis por garantir um ambiente de trabalho livre de
abusos. Além disso, a Lei de Proteção Integral para Prevenir, Sancionar e Erradicar a
Violência contra as Mulheres no Âmbito das Relações de Trabalho foi promulgada em
2009 para abordar especificamente o assédio sexual no trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O assédio no trabalho é um problema sério que afeta muitos trabalhadores no
Brasil, causando danos emocionais, físicos e profissionais. O assédio moral, o assédio
sexual e a discriminação são formas prejudiciais desse fenômeno, que demandam
atenção e ação efetiva.
Felizmente, o Brasil possui leis e regulamentos que visam combater o assédio no
trabalho e proteger os direitos dos trabalhadores. A Constituição Federal e a
Consolidação das Leis do Trabalho estabelecem a necessidade de um ambiente de
trabalho saudável e livre de violência, e há legislações específicas para lidar com o
assédio sexual.
No entanto, além das medidas legais, é crucial promover uma mudança cultural
e conscientização em relação ao assédio no trabalho. As empresas têm a
responsabilidade de implementar políticas de prevenção e combate ao assédio,
fornecer treinamentos adequados e promover uma cultura de respeito e igualdade no
ambiente de trabalho. É fundamental encorajar as vítimas de assédio a denunciar e
oferecer o suporte necessário para lidar com a situação. As organizações devem se
comprometer a investigar prontamente as denúncias e tomar as medidas adequadas
para punir os agressores.
A erradicação do assédio no trabalho é um esforço contínuo que requer a
colaboração de todos os envolvidos - trabalhadores, empregadores, sindicatos e
autoridades governamentais. Somente através de uma abordagem abrangente, que
combine a legislação adequada, a conscientização e uma cultura organizacional
positiva, será possível criar um ambiente de trabalho seguro, respeitoso e livre de
assédio no Brasil.
Palavras-chave: Assédio no trabalho. Discriminação. Proteção ao trabalhador.
Violência.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 69


REFERÊNCIAS
ARGENTINA. Lei nº 26.485 . Lei de proteção integral às mulheres, promulgada em 01 de abril de 2009.

ÁVILA, Rosemari Pedro�i de. As consequências do assédio moral no ambiente de trabalho. São Paulo: LTr,
2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro


de 1988. Brasília: Senado Federal.

BRASIL. Lei nº 10.224 promulgada em 15 de maio de 2001. Brasília: Senado Federal

CHILE. Lei nº 20.005 promulagada em 08 de março de 2005.

FERREIRA, Hadassa Dolores Bonilha. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. 1º ed., Campinas: Russel
Editores, 2004.

LEIRIA, Maria de Lourdes. Assédio sexual laboral, agente causador de doenças do trabalho: reflexos na
saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2012.

PAMPLONA Filho, Rodolfo. O Assédio Sexual Na Relação De Emprego. São Paulo, LTr, 2001.
SUMÁRIO

70 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

10
PARIDADE DE GÊNERO COMO POLÍTICA DE FORTALECIMENTO
DA DEMOCRACIA COM LIBERDADE

GENDER PARITY AS A POLICY TO STRENGTHEN DEMOCRACY


WITH LIBERTY

Carolina Menegon
Advogada e Professora no Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, Mestre em Direito pela mesma instituição, E-mail:
carolina.menegon@unijuí.edu.br

Rafael Zimmermann
Mestre em Direito pela Unijuí; advogado. E-mail: zimmermannadvogado@gmail.com.

INTRODUÇÃO
A crise da democracia liberal demonstra a necessidade de repensarmos a
democracia em seus fundamentos. A liberdade, que era indissociável da ideia de
participação popular, foi dissociada pela democracia iliberal, termo cunhado a partir
da ascensão de lideranças populistas, no início do século XXI, que desvirtuaram a
estabilidade política e utilizaram das incapacidades estruturais do Estado e das
instituições em resolver os problemas socioeconômicos, para ascender ao poder. A
questão da representatividade de gênero nos espaços de poder da democracia liberal
demonstra uma fragilidade estrutural desde a sua origem.
Partindo dessas premissas, o objetivo da pesquisa é analisar de que maneira a
paridade de gênero contribui para a existência de uma democracia substantiva, ou, em
outras palavras, uma democracia com mais liberdade popular e, consequentemente,
com bases mais sólidas, nesse contexto conturbado pós-pandêmico e de múltiplas
crises.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 71


Como hipótese, sustenta-se que a paridade de gênero possibilita uma maior
liberdade popular frente ao paternalismo, no entanto, é também um fator que inspira
críticas ao sistema pré-estabelecido, uma vez que a concretização dos direitos
humanos de maneira efetivamente igualitária, a partir de uma perspectiva crítica,
ainda não foi alcançada.
O método é o hipotético-dedutivo, com base em autores fundamentais que
abordam uma perspectiva crítica das múltiplas crises globais e da democracia, bem
como da questão da representatividade de gênero nos espaços de poder a partir da
política de paridade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A CRISE DA DEMOCRACIA LIBERAL


Castells, (2018) apresenta uma conjuntura bastante pertinente ao mundo atual.
Afirma existir uma ruptura fundamental na ideia de democracia liberal, como
assentada na modernidade, sobretudo, após a crise econômica de 2008 nos Estados
Unidos da América. Aduz como pano de fundo de toda essa situação, o Brexit, a
Eleição de Macron na França, a eleição de Trump nos estados Unidos, o avanço
econômico chinês, a oligarquia russa disfarçada de democracia, bem como trata dos
países teocráticos no Oriente Médio, algumas ditaduras e as disputas por controle dos
meios de comunicação, de distribuição de matérias-primas e o rompimento de ordens
políticas e jurídicas tradicionais no mundo ocidental.
De tal forma, questiona-se quais as forças políticas no mundo capazes de
sustentar a democracia, se o próprio mundo ocidental pautado nas democracias, em
tese, consolidadas da França, Inglaterra e Estados Unidos, estão abrindo mãos dessas
conquistas e permitindo que organizações políticas populistas e antidemocráticas
tomem o poder. Por essa razão, as forças políticas consolidadas na democracia
moderna vão sendo esfareladas, criando-se obstáculos à garantia dos direitos
humanos dentro do ordenamento jurídico dos Estados democráticos de direito.
Steven Levitsky e Daniel Zibla�, (2018) se referem à rejeição das regras
democráticas e a negação da legitimidade representativa, como condicionantes para a
implementação de uma política intolerante aos direitos humanos, em meio a um
estado instável politicamente. Diante disso, a tradição democrática moderna, de
garantia dos direitos e liberdades individuais entra em crise pelo próprio sufrágio
universal, com a eleição de lideranças autoritárias, que buscam a partir do sistema
democrático, limitar a liberdade e os direitos humanos. Jason Stanley, (2018), por sua
vez, alerta sobre a presença de políticas autoritárias próximas ao fascismo, dentro do
SUMÁRIO

72 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

espaço democrático contemporâneo, relatando o momento de abertura e crise


institucional, como um momento crucial de teste para a democracia.
Yascha Mounk, (2019) relata que a democracia liberal está se transformando em
democracia iliberal ou autoritária, pelo distanciamento entre vontade popular e
liberdade, havendo a supressão da liberdade e a crescente intolerância, a partir do
apoio e apelo popular à pautas menos democráticas, um amor cego ao passado mítico
militar, a volta de formas de poder intolerantes e a um cenário de abusos de poder
indiscriminadamente.
Além disso, a democracia tende a respeitar o interesse da maioria, sofrendo
influências de grupos majoritários (ROUSSEAU, 2016), causando discussões acerca da
representatividade de grupos minoritários e acerca da instrumentalidade de Estado, o
que afastaria o povo da tomada de decisões políticas e a democracia da própria ideia
qualitativa de justiça.
Do ponto de vista jurídico-político, Yascha Mounk, (2019) aponta para uma
guinada populista, que tenciona suas forças com a democracia, ganhando forças no
ocidente, causando fissuras em todos os processos democráticos de países cuja
democracia moderna já estaria consolidada. Não obstante, aponta alguns caminhos
para a retomada da estabilidade democrática, quais sejam: recuperar a fé-cívica,
consertar a economia e domesticar o nacionalismo e o fanatismo.
Por fim, a compreensão da existência de organizações políticas limitadores dos
direitos humanos atrapalha não só a liberdade de gênero, mas também todo o sistema
jurídico, no qual se não há respeito às normas principiológicas, não há norma legal que
seja respeitada e sirva de suporte fático para o reconhecimento e concretização dos
direitos, tanto em uma perspectiva individual, quanto social. Por conseguinte, é
preciso buscar alternativas democráticas para manter a liberdade popular. A paridade
de gênero nos espaços e instituições democráticas de poder manifesta-se como uma
possibilidade emergente.

DA PARIDADE DE GÊNERO
Nas últimas décadas, o pensamento feminista tornou-se um componente crucial
da teoria política. As primeiras reivindicações de direitos políticos pelas mulheres,
embora relevantes e evidentemente justas, eram pouco interessantes do ponto de vista
teórico. Aliás, para Biroli e Miguel (2012), “configuravam-se como demandas pela
extensão de direitos, com a denúncia da arbitrariedade da exclusão de metade da
humanidade, sem que fosse ameaçado o quadro conceitual que fundamentava e
definia esses direitos”.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 73


A desconfiança ou distanciamento em relação à política institucional
corresponde, nesse momento, à aposta de que as mudanças na posição da mulher na
sociedade dependeriam de transformações nas relações interpessoais, de uma
reorganização das relações nas instâncias mais básicas e mais fundamentais da
sociedade. Surge, portanto, uma maior preocupação com as questões relativas à
efetiva participação política das mulheres, muito mais do que o exercício do direito ao
sufrágio, mas uma ideia de efetiva representatividade nas instâncias democráticas.
Em qualquer relação bem informada dos principais autores e autoras da teoria
política das últimas três décadas, nomes como os de Sonia E. Alvarez, Anne Phillips,
Carole Pateman, Catherine Mackinnon, Chantal Mouffe, Iris Marion Young, Nancy
Fraser e Susan Moller Okin - para citar apenas alguns - merecem posição de destaque.
Elas estão entre as principais autoras internacionais que têm em comum o esforço para
expor e analisar conceitos e perspectivas analíticas que a teoria política feminista vem
delineando, com suas diferenças e sua base comum: o redesenho da política a partir do
questionamento da dualidade entre o público e o privado e a partir de deslocamentos
da compreensão do sujeito e das identidades políticas.
É possível afirmar, portanto, que a teoria política feminista está promovendo uma
refundação de toda a teoria política - ou mesmo de toda a teoria social. Ao pôr em xeque
a neutralidade de categorias consagradas, mostrando como o seu caráter
pretensamente universal corresponde, de fato, a determinações bem precisas, ela leva
a repensar os modelos institucionais, desde suas bases.
No Brasil, a penetração da teoria política feminista ainda é incipiente. A maior
parte da ciência política, aqui como em outros países, se prende a modelos simplistas,
que estilizam por completo as motivações dos agentes políticos e se limitam a um
conjunto bastante restrito de questões, sobretudo os processos eleitorais, o
comportamento legislativo e as relações entre os poderes. Mesmo assim, aos poucos
há uma abertura de forma que podemos citar pesquisadores que têm se ocupado a
repensar a ciência política sob o viés do feminismo como, por exemplo, Flávia Biroli,
Clara Araújo, Célia Regina Jardim Pinto, Marlise Matos e Luis Felipe Miguel, dentre
outros. O feminismo muito tem a contribuir para a ciência política e para a democracia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aos direitos humanos e ao Estado democrático de direito importa a condição de
liberdade na democracia liberal, em oposição à toda forma de poder antidemocrática,
que utilize a democracia como uma forma de controle social e a partir das tecnologias
sociais, controle os comportamentos e decisões públicas, a partir do próprio apoio
popular, retirando direitos, a partir de uma manipulação das massas.
SUMÁRIO

74 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Nesse sentido, precisamos olhar para um empoderamento feminino capaz de


ampliar as liberdades populares, utilizando os meios democráticos para reconhecer e
concretizar os direitos inerentes à mulher e às questões identitárias de gênero. Depois
de tamanhas conquistas jurídicas, precisamos seguir rumo à uma construção
civilizatória ainda mais complexa, buscando afastar-se de inclinações iliberais,
preconceituosas e antidemocráticas.
Palavras-chave: Paridade de gênero. Estado de direito. Democracia com liberdade.
Justiça social. Políticas Públicas.

REFERÊNCIAS
BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe (Org.). Teoria política feminista: textos centrais. Vinhedo: Ed.
Horizonte, 2013.

BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe (Org.). Teoria política e feminismo: abordagens brasileiras. Vinhedo:
Ed. Horizonte, 2012.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Tradução de Joana Angélica d’Ávila Melo. 1.ed.
Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

EMPOLI, Giuliano da. Os engenheiros do caos. Tradução de Arnaldo Bloch. 1. ed. São Paulo: Vestígio, 2019.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. Rio de
Janeiro: Zahar, 2018.

MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la.
Tradução de Cássio de Arantes Leite e Débora Landsberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, 413 p.

STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”. Tradução de Bruno Alexander.
1. ed. Porto Alegre: L&PM, 2018.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 75

11
ALGORITMIZAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS: os impactos da
modernização dos sistemas de justiça no direito de acesso à justiça

ALGORITHMIZATION OF JUDICIAL DECISIONS: the impacts of the


modernization of justice systems on the right of access to justice

Daiane Schneider Leviski


Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUÍ). Pós-graduada (lato sensu) em Direito Empresarial pela Faculdade
Verbo Educacional (VERBO JURÍDICO, 2021); Pós-graduada (lato sensu) em Direito Digital
e Proteção de Dados pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI, 2021). Graduada em Direito
pela Faculdade CNEC Santo Ângelo (2019). ORCID: h�ps://orcid.org/0000-0002-8643-8542.
E-mail: daiane.leviski@sou.unijui.edu.br

Mateus de Oliveira Fornasier


Pós-Doutorado pela University of Westminster (Reino Unido, 2019); Doutorado em Direito
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS, 2013); Mestrado em
Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUÍ, 2009); Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ, 2005); ORCID:h�ps://orcid.
org/0000-0002-1617-4270. E-mail: mateus.fornasier@unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por tema o uso da inteligência artificial na formação das
decisões judiciais como instrumento de amplificação do acesso à justiça no Brasil,
constituindo-se discussão atual e necessária junto à comunidade científica e jurídica,
principalmente em razão das tecnologias da informação e comunicação (TIC) estarem
se infiltrando nos sistemas de justiça, apresentando grande evolução de uso no sistema
processual brasileiro.
Até o início do século passado o grau de desenvolvimento dos países era métrica
para os níveis de dominação territorial e de riquezas acumuladas, contudo, o avanço
tecnológico e a sua repercussão nos diferentes campos do conhecimento, provocou
alterações sociais e econômicas, de modo que pertencer a uma nação desenvolvida,
SUMÁRIO

76 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

emergente ou subdesenvolvida está na atualidade diretamente ligado aos fatores


tecnológicos. Ocorre que este problema não gera apenas consequências no plano
internacional, a disparidade social interna existente entre camadas da população com
condições econômicas e logísticas para adquirir e usufruir da tecnológica, ao passo que
outros indivíduos ficam à mercê do uso, frustra garantias e coloca em evidencia os
resultados da sua utilização.
Neste sentido, o presente trabalho procura responder como a transformação
digital reproduzida pelo uso da inteligência artificial na formação das decisões
judiciais repercute no acesso à justiça no Brasil. Como hipótese, fixa-se que de forma
geral a tecnologia pode se constituir como um instrumento promissor do acesso à
justiça, tanto no que diz respeito ao acesso ao Poder Judiciário e outros meios de
resolução de conflito, como de gestão dos problemas judiciais, visto que a inteligência
artificial aumenta a qualidade, celeridade e eficiência do tramite processual, no
entanto, quando utilizada para a tomada de decisões, o uso de algoritmos pode vir a
reproduzir sentenças engessadas que não levam em consideração o contexto em que
os indivíduos estão inseridos, principalmente os mais vulneráveis. Tais pareceres
podem vir a acentuar as desigualdades sociais, culturais, econômicas e até mesmo
violar garantias e direitos assegurados no plano nacional e internacional.
Para tanto, o objetivo geral do texto consiste em abordar a aplicação do uso de
algoritmos no processo de formação das decisões judiciais no Brasil como fator de
amplificação do acesso à justiça no Brasil, a fim de compreender as perspectivas do
acesso à justiça com a implementação das novas tecnologias no sistema de justiça
brasileiro e analisar as consequências do uso da inteligência artificial na formação das
decisões judicias no Brasil.
Para a construção do conhecimento delimitado e que se constitui de natureza
teórica, utilizou-se o método de procedimento monográfico, o método de abordagem
hipotético-dedutivo e técnica de pesquisa bibliográfica através da análise de obras,
artigos científicos e relatórios que enriqueceram a abordagem do tema.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Não é de hoje que os obstáculos criados pelos sistemas jurídicos ao direito de
acesso à justiça são objeto de discussões no âmbito da academia, tendo o Relatório
Geral elaborado por Cappelle�i e Garth através do Projeto Florença (Florence Access to
Justice Project), se tornado uma das principais análises já realizadas desde 1970. No
referido documento que teve continuidade com o Projeto Universal de Acesso à Justiça
(Global Access to Justice Project), restam reunidas até o presente momento 07 ondas
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 77


renovatórias de acesso à justiça, que representam as fases do desenvolvimento e
evolução de movimentos que primam pela busca e a defesa deste importante direito.
O acesso à justiça pode ser compreendido como um direito fundamental e
humano que alcança aos indivíduos a possibilidade de reivindicar e garantir outros
direitos, bem como resolver litígios sob a proteção do Estado (CAPPELLETTI;
GARTH, 1988), desde que os meios de resolução de conflitos sejam céleres, eficazes e
promotores de análises justas (PORTO, 2020). Desde o início dos estudos
desenvolvidos por Cappelle�i e Garth, uma série de questões e soluções ligadas aos
fatores financeiros, garantia de direitos difusos/coletivos, criação de juizados, questões
éticas, internacionalização da proteção dos direitos humanos e de grupos sociais e
culturais mais vulneráveis foram impulsionadas, de modo que a atual proposta está
concentrada na viabilização do uso da tecnologia para aprimoramento do acesso à
justiça.
Conforme alerta Ricardo Villas Bôas Cueva (2021), nos últimos anos o Brasil está
presenciando o fenômeno da hiperjudicialização, cujo último relatório emitido pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com referências do ano-base de 2021, aponta para
a existência de cerca de 77,3 milhões de processos em tramite (CNJ, 2022) que
reclamam investimentos operacionais, humanos e temporais. Muito embora não haja
no Brasil uma regulamentação para uso da inteligência artificial nos processos
judiciais, existem cerca de 64 projetos de inteligência artificial para atividades de
administração, movimentação processual, elaboração de sentenças e ligados à área de
resolução de conflitos em 47 tribunais do país (CNJ, 2022).
A sexta onda renovatória de acesso à justiça que propõe o uso da tecnologia visa
fortalecer a justiça social e sob o aspecto processual contemplar quesitos como a
eficiência e a celeridade. Neste sentido, o presente trabalho busca estudar a
algoritimização do Poder Judiciário, mais especificamente no processo de formação
das decisões judiciais, e a sua repercussão do que diz respeito ao acesso à justiça no
Brasil.
De acordo com Alencar Frederico Margraf e Tiago Arantes Franco (2019), os
sistemas de informatização vêm sendo utilizados no Poder Judiciário para estabelecer
a triagem de demandas judiciais, armazenar dados, digitalização dos processos físicos,
facilitar buscas de jurisprudências, oportunizando ao triangularização processual a
tramitação que aproxima as partes, seja sob o aspecto logístico ou temporal. No
entanto, a virada tecnológica no direito vem sendo imposta sem que os juristas tenham
a oportunidade de se preocupar com os riscos da sua utilização, de modo que o
encantamento com os ganhos de eficiência e produtividade tem se sobressaído
(NUNES, MARQUES, 2018).
SUMÁRIO

78 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

De acordo com André Vasconcelos Roque e Lucas Braz Rodrigues dos Santos
(2021), a inteligência artificial procura no direito solucionar problemas, cujo processo
inicia por meio do fornecimento de dados com origem na interpretação humana e que
são fornecidos ao sistema (input), como fatos, documentos, jurisprudências, sendo que
o resultado (output) é extraído pelo seu cruzamento.
Grande parte dos gestores públicos ainda possui dificuldades para compreender
o tamanho potencial que a inteligência artificial representa, somada a esta questão,
está a insuperável desigualdade social que assola a sociedade e coloca a tecnologia nas
mãos de determinados grupos sociais, sobrando aos hipossuficientes apenas a falta de
conhecimento técnico e estruturas de acesso. Sob esse cenário, ainda há nos sistemas
de justiça espaço para a corrupção, principalmente em demandas que envolvem
questões políticas e econômicas, o que pode vir a se constituir uma brasa para a
manipulação algorítmica, por meio dos chamados algoritmos enviesados, que se
utilizam de padrões deturpados na sua formação e sob a aparência de neutralidade,
para por meio da tecnologia provocar tratamentos desiguais e discriminatórios.
O uso da inteligência artificial como facilitadora e desburocratizadora de
procedimentos de organização processual é extremamente válida, no entanto, no
campo das ciências sociais a preocupação acaba se fortalecendo quanto se pretende
delegar aos algoritmos a tomada de decisões, pois conforme afirma Mateus de
Oliveira Fornasier e Norberto Knebel (2020), embora as consequências sejam mais
visíveis quando a máquina passa a tutelar direitos individuais (sentenças absolutórias,
condenatórias, custódias, (in)deferimento da liberdade condicional, etc.), a sua
utilização impacta e traz “consequências diretas para os direitos individuais, às
oportunidades pessoais e ao bem coletivo” (FORNASIER, KNEBEL, 2020, p. 213) tanto
de pessoas físicas como jurídicas.
Ao contrário do realizado pelo trabalho humano, os algoritmos não possuem
condições de analisar as peculiaridades que envolvem cada caso concreto. O seu
funcionamento é pautado pela ânsia do julgamento, do resultado, do cumprimento de
metas. O uso da tecnologia no direito pautado pelo uso da inteligência artificial como
tomadora de decisões aparenta ser contraditória aos ideais normativos que surgiram
na sociedade contemporânea, onde “o magistrado deixa de ser mero aplicador de leis
para ser realmente o intérprete da lei” (OLIVEIRA, 2013, p. 257), sopesando “as
consequências sociais de cada decisão, levando em conta que cada processo que recebe
para julgar não é apenas mais um número ou um mero calhamaço de papéis [...] ele
contém vida de pessoas, com aspirações, sonhos ou frustrações” (OLIVEIRA, 2013, p.
257).
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 79


Segundo Fornasier (2020), nos processos judiciais as decisões interlocutórias ou
terminativas não podem ser explicáveis apenas pela linguagem da programação, deve
existir um posicionamento legal, e, sobretudo, social. Ou seja, para que haja a
caracterização da fundamentação e do acesso à justiça, a base legal além de coincidir
com os fatos e elementos de prova, deve ser explícita, concisa, clara e passível de
reforma, a fim de se evitar que criação de decisões onde o juiz lata não é responsável
por suas sentenças, não precisa prestar contas, detendo o poder de julgar sem
responsabilidade de julgador.
Neste sentido, embora a expansão da tecnologia pelos setores públicos e privados
seja sinônimo de desenvolvimento econômico e progresso, a sua análise não deve ser
sopesada apenas sob os critérios de eficiência e economia de custas, torna-se
necessário o estudo das deficiências sociais, a análise das condições que envolvem o
sistema jurídico do país em que pretende utilizar a inteligência artificial, e, sobretudo,
a criação de um instrumento regulatório. A ausências destas características é capaz de
reproduzir sentenças judiciais com inteligência artificial eivada de manipulações que
acentuam as desigualdades sociais, reproduzem embates na educação,
assistencialismo, acessibilidade, geram exclusão e impactam na ineficácia da criação e
manutenção de políticas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A era digital provocou inúmeras alterações nas relações humanas e sociais, visto
que seus produtos seduzem de forma muito atrativa e rápida a sociedade civil. As
ciências sociais e jurídicas também não ficaram inertes, tendo em vista que incorporam
de forma gradual os produtos na tecnologia junto a prestação jurisdicional, entre elas,
a inteligência artificial, que impacta diretamente no direito de acesso à justiça
brasileira.
Sob esta contextualização, o presente trabalho procurou analisar o uso da
inteligência artificial na formação das decisões judiciais como amplificadora do acesso
à justiça no Brasil, a fim de responder como a transformação digital reproduzida pelo
uso da inteligência artificial na formação das decisões judiciais repercute no acesso à
justiça. Para o desenvolvimento do estudo, foi necessário compreender as perspectivas
do acesso à justiça com a implementação das novas tecnologias no sistema de justiça
brasileiro e analisar as consequências do uso da inteligência artificial na formação das
decisões judicias no Brasil.
Neste sentido, pode-se dizer que a hipótese lançada para o estudo em questão foi
ratificada e aprimorada, pois além de não observar o contexto social, os aspectos
fáticos e correlacionar a base legal, decisões automatizadas podem ser alvo de
SUMÁRIO

80 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

manipulações por grupos detentores do conhecimento técnico e poder econômico


para reproduzir privilégios em face da maioria vulnerável que não compreende o
processo da tomada de decisão, tampouco usufrui de condições financeiras para lutar
pelos seus direitos e garantias. Embora as consequências de decisões manipuladas e
engessadas sejam nítidas nos processos, eis que a sentença interlocutória ou
terminativa tem por objetivo direitos individuais e sociais, é no mundo real que as
consequências demonstram maiores impactos, quando as oportunidades e direitos
são prejudicados por decisões que não observam com arrimo o contexto fático e social.
Fato é que eventuais problemas que venham a surgir não são justificáveis para
afastar o uso da inteligência artificial nos processos decisórios e de organização do
Poder Judiciário, visto que o direito possui a função de regular a vida da sociedade,
logo, este deve estar atento as mudanças sociais e modernizar a sua estrutura para
acompanhar as novas demandas.
Contudo, não se pode olvidar que a tecnologia deve ser um instrumento
facilitador do acesso à justiça e não um obstáculo. Assim, a utilização da inteligência
artificial na atual conjuntura se mostra ameaçadora, sendo necessária uma profunda
análise das condições que envolvem o sistema jurídico do país, promoção da inclusão
digital, e, sobretudo, a criação de um instrumento regulatório, a fim de que a
falibilidade do sistema não provoque a violação do direito ao acesso à justiça e maiores
desigualdades.
Palavras-chave: Acesso à justiça; Decisões judiciais. Inteligência artificial. Algoritmo.

REFERÊNCIAS
CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988. Disponível em:
h�ps://www.irib.org.br/app/webroot/publicacoes/diversos003/pdf.PDF. Acesso em: 08 maio 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2022. Brasília: CNJ, 2022. Disponível em:
h�ps://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em- numeros-2022-1.pdf. Acesso em: 08 maio
2023.

CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Inteligência Artificial no Judiciário. In: ____ NUNES, Dierle, LUCON, Paulo
Henrique dos Santos; WOLKAT, Erik Navarro (Orgs.). Inteligência Artificial e Direito Processual: os
impactos da virada tecnológica no direito processual. 2ª ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Editora Juspodivm,
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FORNASIER, Mateus de Oliveira. Artificial Intelligence, the Judge and the Judiciary Branch. Revista do Instituto
de Hermenêutica Jurídica, v. 18, p. 221-244, 2020.

FORNASIER, Mateus de Oliveira; KNEBEL, Norberto. Inteligência artificial: desafios e riscos ético-jurídicos.
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MARGRAF, Alencar Frederico; FRANCO, Tiago Arantes. Inteligência artificial na produção de decisões
humanizadas: uma verdadeira quimera da busca pela decisão perfeita. Revista Jurídica Luso-Brasileira,
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 81


ano 05, n. 5, 2019. Disponível em: h�ps://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2019/5/2019_05_0001_0019.pdf. Acesso
em: 08 maio 2023.

NUNES, Dierle; MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência Artificial e Direito Processual: Vieses
algorítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às maquinas. Revista de Processo, São Paulo, v. 43,
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maio 2023.

OLIVEIRA, Raquel de. Interpretação e Aplicação do Ordenamento Jurídico pelo Magistrado à Luz dos
Princípios e Critérios Socionormativos. In: ____ Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ).
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PORTO, Rosane Teresinha Carvalho. Fraternidade e Cultura da Paz nas Soluções Adequadas de Conflitos:
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ROQUE, André Vasconcelos; SANTOS, Lucas Braz Rodrigues dos. Inteligência artificial na tomada de
decisões judiciais: três premissas básicas. Revista Eletrônica de Direito Processual (REDP), Rio de Janeiro,
ano 15, vol. 22, n. 1, jan./abr. 2021. Disponível em: h�ps://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/
view/53537/36309. Acesso em: 08 maio 2023.
SUMÁRIO

82 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

12
EQUIDADE NA SAÚDE: breves comparativos
entre Brasil e Paraguai

EQUITY IN HEALTH: brief comparatives


between Brazil and Paraguay

Dionis Janner Leal


Bolsista Capes, Estudante do PPGD em Direitos Humanos da Unijuí.

INTRODUÇÃO
A saúde é condição essencial para a plena manutenção da vida do ser humano,
assim como tem como consequência dar suporte elementar para o desenvolvimento
de capacidades para ter uma boa vida a ser vivida, com qualidade e liberdade, e
considerado tema central da justiça social.
As condições de vida das pessoas são, comumente, vistas a partir de referência de
dados e estatísticas oficiais por critérios econômicos, a exemplo de acesso a bens e
serviços, renda por pessoa ou produção interna de um país, os quais são
disponibilizados por organismos independentes ou públicos, a exemplo no Brasil do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e na América Latina, como a Organização Pan-americana
de Saúde (OPS), que traz contribuições essenciais de dados para os países, como os
gastos públicos com saúde, que representou em 2019 a 3,3% do PIB nacional no
Paraguai.
Este artigo tem como objetivo geral abordar a relação entre equidade na saúde e
capacidades da pessoa para ter uma boa vida a ser vivida. Como objetivo específico,
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 83


identificar o papel do Estado nesse cenário e como pode contribuir para a equidade na
saúde das pessoas como direito humano à seguridade social e contextualizar a
universalização da saúde pública no Paraguai.
A metodologia de abordagem é hipotético dedutivo e opta em trazer para o
debate a interrelação entre equidade na saúde, desenvolvimento das capacidades da
pessoa e o papel do Estado e do mercado.
Afirma-se que o envolvimento do Estado é de protagonista e deve assim agir,
uma vez que o mercado é insuficiente e incapaz de oportunizar contrapartida para a
promoção da equidade na saúde e o desenvolvimento das capacidades nas pessoas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em relatório divulgado pela OPS¹ sobre Saúde nas Américas, na análise do perfil
do Paraguai, as perspectivas de medidas para a obtenção de cobertura universal da
saúde à população estão em seus estágios iniciais se comparado ao Brasil.
A comparação não é quantitativa ou relacionada a números totais, mas sim acerca
da capacidade de gestão e governança no âmbito da saúde pública em ambos os
países. Ainda, segundo o perfil paraguaio, o apoio da Organização Pan-Americana da
Saúde no país facilitou o acesso gratuito ao tratamento de doenças como lepra,
tuberculose, malária, HIV/AIDS, doença de Chagas e leishmaniose, bem como
contribuiu para a implementação da gratuidade na saúde, permitindo que as pessoas
pudessem ter um melhor acesso a outros tipos de serviços de saúde de maior
complexidade.
Se comparado ao Brasil, onde existe há 35 anos o Sistema Único de Saúde (SUS),
no Paraguai há ausência de políticas integradas de saúde e atendimento universal à
população, em que os entes municipais, regionais e nacional cooperem para
distribuição e realização de saúde à população. A realidade vivenciada nos hospitais
públicos, a partir de relatos de estudantes do curso de medicina, é no sentido de que
existe atendimento público (distribuição de saúde), mas inexiste realização de saúde
porque ausente recursos financeiros ou aporte suficiente para garantir o acesso
gratuito e universal a tratamentos e exames de baixa, média e alta complexidades
nesses espaços.

1 Disponível em: https://hia.paho.org/es/paises-2022/perfil-paraguay#determinants. Acesso em 18 abr.


2023.
SUMÁRIO

84 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

O gráfico abaixo faz um comparativo com dados gerais do Paraguai e Brasil


quanto à cobertura do serviço de saúde pública universal. Pode-se perceber que o
Paraguai tem pouco mais de 60% de cobertura, enquanto o Brasil em torno de 74% e a
média da América Latina e Caribe, 73% de cobertura universal.

Os dados demonstram que até 2019 o acesso ao sistema público de saúde no país
ainda é precário e abaixo da média latino-americana e ainda mais distante se
comparado ao atendimento prestado ao seu povo pelo Brasil.
Pode-se verificar, pois, que há carência de distribuição e realização de saúde em
dados estatísticos básicos, o que pode ser agravado frente à realidade em cada
localidade ou regionalidade em que a pobreza é mais crítica, ainda mais em população
com etnias específicas, como índios.
Uma contribuição na busca de otimizar a universalização da saúde no Paraguai,
com distribuição e realização, o que pode ensejar equidade na saúde pública, é,
primeiro, aprimorar as bases informacionais do governo, através de outros programas
e de suas bases de dados, como os de distribuição de renda, acesso à educação básica
(matrículas), atendimento em postos de saúde (cadastro). Outra medida, é canalizar
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 85


esforços para criar e implementar políticas públicas direcionadas e efetivas a fatores
sociais previamente levantado a partir daquelas bases de dados.
Isso porque, como prescreve Banerjee e Duflo, a saúde tem o potencial de ser uma
fonte de várias armadilhas distintas, citando como exemplo trabalhadores que vivem
em ambiente insalubre tem grande probabilidade de ficarem enfermos e perder a
capacidade de trabalho por vários dias; crianças nesses ambientes podem ficar doentes
com maior frequência de perder alguns dias de educação, comprometendo seu
aprendizado; mães que geram filhos nesses ambientes podem ter bebês enfermos
(2021, p. 50).
Ainda que o Paraguai esteja a caminho da obtenção de uma saúde pública
universal, a experiência brasileira pode contribuir no aspecto da universalização e
melhorias de gestão, mas é necessário mudar a política de Estado para uma atuação
mais presente e efetiva a partir de dados previamente coletados, o que inclui aportes
financeiros substanciais específicos nesses casos cujos dados assim confirmam e uma
política nacional e universal de atendimento coordenado e multidimensional com
corresponsabilidade entre diversos atores estatais, garantido por um Poder Judiciário
também atuante e protagonista, como um aparelho do Estado que é.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo pautou-se sobre a equidade na realização de saúde a partir de
uma perspectiva de empreendedorismo do Estado, e que a saúde é condição essencial
para a plena manutenção da vida do ser humano, assim como tem como consequência
dar suporte elementar para o desenvolvimento de capacidades para ter uma boa vida
a ser vivida, com qualidade e liberdade, e considerado tema central da justiça social.
As condições de vida das pessoas são, comumente, vistas a partir de referência de
dados e estatísticas oficiais por critérios econômicos. O estudo conseguiu apresentar o
objetivo geral ao abordar a relação entre equidade na saúde e capacidades da pessoa
para ter uma boa vida a ser vivida, bem como identificou o papel do Estado e do
mercado nesse cenário e como podem contribuir para a equidade na saúde das
pessoas.
Afirmou-se que o envolvimento do Estado é de protagonismo uma vez que a
saúde integra o direito humano à seguridade social cujo dever de proteção do Estado
nas adversidades naturais da vida dos cidadãos como velhice, enfermidade e
desemprego.
O Paraguai necessita aprimorar a gestão integrada do sistema de saúde público
em busca de sua universalização com inserção de aportes financeiros para oportunizar
SUMÁRIO

86 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

acesso à infraestruturas de saúde e garantir e manter o atendimento dos usuários a


tratamentos de baixa, média e alta complexidade de suas enfermidades de forma
gratuita e integral.
É necessário criar uma cultura de conscientização à população em geral, mas em
especial aos menos favorecidos sobre os benefícios do tratamento preventivo de
inúmeras enfermidades, fazendo com que haja sua diminuição a curto e médio prazos
mediante tratamento mediante boas práticas de saúde, além de garantir melhoria das
capacidades das pessoas a partir de inserção de educação básica de qualidade,
infraestrutura de saneamento básico a todos, fomento a empregos e criação de
políticas públicas de acesso ao trabalho à população com alto risco de vulnerabilidade
social, cuja implementação dependerá da iniciativa privativa do Estado e em
cooperação com a sociedade civil e o mercado de forma integrada.
Palavras-chave: Brasil. Capacidades. Equidade. Paraguai. Saúde.

REFERÊNCIAS
ALVAREDO, Facundo; CHANCEL, Lucas; PIKETTY, Thomas et al (Org.). Relatório da Desigualdade
Mundial 2018. Tradução de Livia de Almeida. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

BANERJEE, Abhijit V.; DUFLO, Esther. A economia dos pobres. Tradução de Pedro Maia Soares. Zahar.
Edição, 2021.

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CRUZ. A saúde no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: população e
perfil sanitário [online]. Rio de Janeiro: Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, 2013. Vol. 2. pp. 19-38.

COMIM, Flávio. Além da liberdade: Anotações Críticas do Desenvolvimento como Liberdade de Amartya
Sen.

KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o estado para o desenvolvimento social: superando dogmas e


convencionalismos. Tradução de Joaquim Ozório Pires da Silva. São Paulo: Cortez Editora, 1998.

MAZZUCATO, Mariana. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. Setor
privado. 1ª ed. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.

ROSSETTI, José Paschoal; ANDRADE, Adriana. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento


e tendências. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar. A ética do desenvolvimento e os


problemas do mundo globalizado. Tradução de Bernardo Ajzemberg e Carlos Eduardo Lins da Silva. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Mo�a. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.

SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Ricardo Doninelli Mendes Laila Coutinho. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.

ZAMBAM; Neuro José; LEAL, Dionis Janner. A pobreza como privação de capacitações (capabilities):
referências sobre a necessidade de políticas públicas no Brasil em tempos de grave crise. In: Revista de
Direito e Desenvolvimento. Vol. 11. N° 2. Jul/Dez 2020.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 87

13
E-GOVERNANÇA: um retorno às principais características
do Welfare State

Mateus Fornasier
Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) em Direitos
Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI).
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com Pos-
Doutorado em Direito e Teoria (Lae and Theory) na University of Westminster (Reino
Unido).

Ezequiel Cruz de Souza


Doutorando em Direitos Humanos pela UNIJUÍ. Mestre em Direitos Humanos pela UNIJUÍ.
Especialista em Direito Civil pela UNESC. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho pela FAP. Graduado em Direito pela UNIR. Graduado em Pedagogia pela UNIR.
Atuou como professor na Universidade Federal de Rondônia - UNIR, Faculdades Integradas
de Cacoal - UNESC, Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal - FACIMED e Faculdade
de Rolim de Moura - FAROL. É advogado militante em Cacoal, Rondônia desde 2000. E-
mail: ezequiellcruz@yahoo.com.br

RESUMO
O objetivo deste artigo é investigar se e-governo pode constituir um retorno as
características principais do Welfare State instituídas nas primeiras décadas do pós-
guerra. O problema é: os objetivos perseguidos com a implantação do e-governo
podem constituir políticas sociais e econômicas compatíveis com as características
principais que nortearam o Welfare State nas primeiras décadas do pós-guerra? A
hipótese levantada é: os objetivos perseguidos com a implantação do e-governo
constituem políticas sociais compatíveis com aquelas implantadas no Welfare State
nas primeiras décadas do pós-guerra e têm potencial para se constituir um retorno as
características principais do Welfare State, suas políticas sociais e propósitos
governamentais, bem como apresenta o conceito e as características políticas, sociais e
econômicas de e-governo e e-governança, e se há pontos de convergência entre as
políticas sociais e econômicas perseguidas pelo Welfare State no pós-guerra, com as
políticas sociais que se busca hodiernamente com a implantação da chamada e-
SUMÁRIO

88 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

governança. Na conclusão não se confirmou totalmente a hipótese inicial, na medida


em que as políticas sociais até o momento intentadas na e-governança, abrangem
muito mais serviços sociais voltados para transparência das políticas, decisões de
governo e a participação da população nas decisões, do que, programas de
redistribuição direta de renda com objetivo direto de diminuição da pobreza
encontrados historicamente no Welfare State. A metodologia utilizada foi de natureza
exploratória, o método de procedimento foi o hipotético-dedutivo, com abordagens
qualitativa e bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: E-governança. Welfare State. Estado de Bem-Estar Social.
Políticas econômicas e socias.

1 INTRODUÇÃO
Há no meio acadêmico inúmeras críticas ao modelo do Estado de Bem-Estar
Social, principalmente no tocante ao que diz respeito a sua capacidade fiscal de bancar
seus custos e também ao seu aspecto paternalista.
Entretanto, vozes importantes se erguem na defesa do Welfare State afirmando
que esse modelo evita o colapso econômico em momentos de crise financeira grave e
protege as camadas excluídas da população, por atuar como um amortecedor dos
impactos da marginalização social e econômica.
Por outro lado, é fato que o Estado moderno vem adotando as novas tecnologias
da informação e comunicação (TIC) na governança. As TICs, por sua vez, vêm
mudando as expectativas sobre a capacidade dos governos entregarem serviços
sociais com a mesma ou maior eficiência se comparado a outros objetivos do Estado,
como crescimento econômico, investimentos em infraestrutura, transparência,
lucratividade do setor privado e tantos outros objetivos de boa governança.
O avanço tecnológico trouxe novos paradigmas possibilitando que a própria
informação se tornasse um produto do processo produtivo que projeta seus reflexos
sobre todos os domínios da atividade humana produzindo, neste início de século,
uma economia em rede profundamente interdependente e capaz de, cada vez mais,
gerar conhecimento e melhor administração.
Nesse norte, o uso consciente e planejado das novas tecnologias da informação e
comunicação (TICs) se revela como um novo pacto para o desenvolvimento e exige
uma profunda reflexão das novas relações entre o Estado e a sociedade civil, inclusive
para eleição de prioridades sociais que por vezes conflitam com os interesses
puramente mercadológicos, daí, a importância do “bem-estar digital”, termo utilizado
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 89


pela OECD - Organisation for Economic Co-operation and Development - para designar a
transformação digital dos serviços de bem-estar na implantação do e-governo e da e-
governança.

2 O WELFARE STATES E E-GOVERNANÇA


Desde o seu nascedouro o Estado de bem-estar social está atrelado a critérios de
governança que não descolam da capacidade estatal de proporcionar o bem-estar
pretendido à população nacional de forma universal, bem como, não se afasta do
desejo de manter e aprimorar os mecanismos de acumulação de riquezas, tanto do
ente estatal, quanto da parte empreendedora da população.
As políticas econômicas favoráveis à acumulação são mais visíveis em tempos de
expansão econômica, já a eficiência das políticas sociais é verificada, com maior
clareza, em momentos de crise e consequente recessão econômica. A questão
envolvendo a governança em Estados que adotam o Welfare State é relevante, e
pressiona cada vez mais para reformas estruturais, que diminuam os gastos públicos
com os programas sociais.
Segundo Pierson (2002), desde a década de 1970, todos os Estados de Bem-Estar
social enfrentam a crescente pressão econômica resultante da desaceleração
econômica ocorrida nessa década, e mais recentemente na década de 1990 pelo
fenômeno da globalização. Hodiernamente o tema relacionado a e-governança e ao
bem-estar social é uma preocupação premente dos Estados desenvolvidos, e no
alvorecer do século XXI, vem tomando grande importância em Estados de economia
periférica.
Em termos mais amplos, e-governança significa o uso de informações pelo setor
público e tecnologias de comunicação (TICs) com o objetivo de melhorar a prestação
de informações e serviços, incentivando a participação cidadã no processo de tomada
de decisão, e tornando o governo mais responsável, transparente e eficaz (NIKLAS,
2016).
A e-governança não se limita apenas em melhorar as relações entre governo e
sociedade, pois se trata de um conjunto amplo de ações que também auxilia
internamente, como na obtenção de dados para melhorar a tomada de decisões, no
controle de gastos e para maior eficiência na aplicação de recursos, com maior acesso
à informação e conhecimento sobre o processo político (Beuren, et al, 2013).
A internet e as novas tecnologias da informação, segundo Santos (1997, p. 342), se
tornaram instrumentos potencializadores da governança, propiciando, dentro do
conceito de governança, padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e
SUMÁRIO

90 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

políticos, e arranjos institucionais que coordenam e regulam transações dentro e


através das fronteiras do sistema econômico”, incluindo-se aí “não apenas os
mecanismos tradicionais de agregação e articulação de interesses, tais como os
partidos políticos e grupos de pressão, como também redes sociais informais (de
fornecedores, famílias, gerentes), hierarquias e associações de diversos tipos.
A internet e as novas tecnologias da informação viabilizaram o que se denominou
e-governo, o qual, na visão de Ronchi (2019, p. 9), tem suas origens nas modernizações
das estruturas governamentais em resposta a arrefecimento da participação do
cidadão nos atos de cidadania. Porém, Gonçalves (2005) revela que governabilidade
difere de governança, a primeira tem uma dimensão essencialmente estatal, vinculada
ao sistema político-institucional, a segunda opera num plano mais amplo, englobando
a sociedade como um todo.
No sentido de governança, Fornasier (2020, p. 71) refere que essa modernização
tem reflexos que se traduzem em serviços e benefícios em pelo menos dois aspectos
governamentais. Primeiro, tenta reconstruir o governo no interesse dos cidadãos,
afastando a lógica de divisão em departamentos e atendimento indireto da população,
para alcançar a personalização de atendimento diretamente voltada para o
atendimento das verdadeiras necessidades do cidadão. Segundo, procura
compreender os problemas sociais mais presentes no meio da população, tais como,
baixo nível educacional, criminalidade crescente, falta de oportunidades, exclusão
social e outros, e assim, interpretar em conjunto informações institucionais para
desenvolver uma gestão social com base em informações sociais mais precisas.
Complementando a ideia de Fornasier, Ronchi (2019, p. 10) apresenta três
elementos essenciais do e-governo: (i) administração eletrônica, transparente e
eficiente; (ii) prestação generalizada de serviços eletrônicos; (iii) participação eletrônica
voltada para interação entre instituições públicas e cidadãos, visando o melhoramento
das políticas públicas e serviços públicos.
Dupas (1998) já visualizava a necessidade de um estado eficaz na relação com o
cidadão, ao enfatizar que essa nova forma de atuação do Estado, com auxílio da
internet e das novas tecnologias da informação e comunicação (TICs), pode ser vista
como um novo pacto para o desenvolvimento, e como tal, exigirá uma profunda
reflexão sobre a natureza das novas relações entre o Estado, a sociedade civil e o setor
privado, bem como a disposição dessas sociedades em eleger prioridades que
poderão, por vezes, conflitar com o primado absoluto do mercado.
Até mesmo o Banco Mundial em Relatório da década de 1990, concluía ser cada
vez mais reconhecido que um Estado eficaz, e não um Estado mínimo, é central para
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 91


o desenvolvimento econômico e social, como parte facilitador e não como um diretor
(World Bank, 1997, p. 18).
É nessa perspectiva que a OECD usa o termo “serviços de bem-estar” no sentido
mais amplo, para abranger educação, saúde e serviços de assistência e proteção social,
consistentes com a abordagem utilizada nos países nórdicos – e o termo “bem-estar
digital” para se referir à transformação digital desses serviços na implementação do
e-governo (OECD, 2016).
Embora as novas tecnologias da informação já estejam sendo utilizadas como
instrumento efetivo de participação democrática da população nas decisões de Estado,
e já tenham se tornado uma realidade na busca da boa governança, é fato que há
aspectos nestas ferramentas que podem inviabilizar o alcance de políticas de bem-
estar digital que beneficiem toda sociedade, principalmente excluídos e minorias.
Nesse pensar, no livro “Cinco questões ético-jurídicas fundamentais sobre a
inteligência artificial”, Fornasier (2021-a, p. 1 a 6) apresenta gargalos éticos importantes
que podem inviabilizar essas ferramentas tecnológicas como soluções viáveis de boa
governança, tais como: questões envolvendo dados pessoais, que digam respeito as
informações de comportamento pessoal, privacidade e dignidade; questões referentes
a possibilidade de contestar decisões de máquinas ou programas inteligentes, o que
depende da possibilidade de se compreender os meios pelos quais tais decisões são
tomadas; questões que dizem respeito a possibilidade de se conservar ou de atingir
um certo grau de igualdade de tratamento entre as pessoas, evitando-se todo tipo de
discriminação; questões sobre a possibilidade de existência material digna, ou seja, a
possibilidade de se ter emprego e renda para a manutenção das necessidades básicas.
Ainda adverte Fornasier (2021-b, p. 9), que há um grande potencial de
perpetração de preconceitos (raciais, étnicos, de gênero, etc) pelo uso de tais aparatos
– pois o ser humano, que programa os algoritmos de IA e configura os bancos
contendo os dados a partir dos quais a IA é “treinada”, é evado de preconceitos e
tendências discriminatórias.
Assim, uma análise profunda dessas questões éticas é importante para que as
novas tecnologias inteligentes utilizadas na e-governança possam se aproximar das
características essenciais do Welfare State, que é um modelo de Estado e governança
que procura agregar um conjunto institucional, cultural, jurídico, social e econômico
com os ideais de liberdade, igualdade, solidariedade, direitos individuais e sociais e
democracia, primando pela valorização da pessoa humana, do trabalho e
especialmente do emprego, justiça social e bem-estar das populações envolvidas
(DELGADO; PORTO, 2019).
SUMÁRIO

92 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão que brevemente se trabalhou neste resumo expandido foi justamente
verificar, se a e-governança pode constituir um retorno as características principais do
Welfare State, da forma como foram observados nas primeiras décadas do pós-guerra.
A hipótese levantada foi parcialmente confirmada em relação a pergunta do
problema, ou seja, conclui-se que os objetivos perseguidos com a implantação de uma
e-governança, nos estados nacionais atuais, constituem políticas sociais compatíveis
com aquelas implantadas no Welfare State nas primeiras décadas do pós-guerra. E que
tais objetivos possuem potencial para um retorno significativo às políticas sociais
gerais e características principais do Estado de Bem-Estar Social praticadas nas
primeiras décadas do pós-guerra na maioria dos Estados.
Todavia, não se confirmou totalmente a hipótese inicial, já que as políticas sociais
até o momento intentadas nos poucos países que já estão em fase avançada de
implantação do e-governo e e-governança, abrangem muito mais serviços de
aprimoramento da democracia eletrônica, dados abertos e participação eletrônica da
população nas decisões, do que serviços sociais de atendimento à saúde, educação e
redistribuição de renda com objetivo direto de diminuição da pobreza e de todas as
demais formas de exclusão e desigualdade.
Por outro lado, nos países que ainda estão nas primeiras fases de implantação do
e-governo, os quais, no cenário mundial, constituem a grande maioria, políticas de
“bem-estar digital”, nos moldes daquelas já praticadas nos países da OECE, ainda
estão muito distantes de serem implantadas. Além disso, é preciso que as tecnologias
inteligentes possuam viés algorítmico capaz de contribuir efetivamente com a
mitigação das desigualdades econômicas, raciais, de gênero, de origem e outras, que
sejam ferramentas que respeitem a privacidade das pessoas e que decidam de forma
compreensível aos humanos.

REFERÊNCIAS
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e eficiência na utilização das receitas: uma análise nos estados brasileiros. Rev. Adm. Pública — Rio de
Janeiro 47(2): 421-441, mar./abr. 2013.

DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos. Introdução ao Welfare State: construção,
pilares estruturais e sentido civilizatório. Revista da Faculdade Mineira de Direito, v. 22, n. 43, maio 2019.

DUPAS, Gilberto. A lógica econômica global e a revisão do Welfare State: a urgência de um novo pacto.
Estudos Avançados, n. 12 (33), p. 171-182, 1998.

FORNASIER, Mateus de Oliveira. Democracia e tecnologia de informação e comunicação: mídias sociais,


bots, blockcain e inteligência artificial na opinião pública e na decisão política. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2020.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 93


FORNASIER, Mateus de Oliveira. Cinco questões ético-jurídicas fundamentais sobre a inteligência
artificial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021-a.

FORNASIER, Mateus de Oliveira. Inteligência artificial e o futuro das profissões jurídicas. Rio de Janeiro:
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Conpedi – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – Fortaleza, 2005. Disponível em:
h�ps://www.unisantos.br/upload/menu3niveis_1258398685850_alcindo_goncalves_o_conceito_de_
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NIKLAS, Jedrzj. E-government in the welfare state – human rights implications of digitalization of social
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internet. 2016.

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PIERSON, P. Coping with Permanent Austerity: Welfare State Restructuring in Affluent Democtacies.
Reveue Française de Sociologie, 43-2, 369-406, 2002.

RONCHI, Alfredo M. e-Democracy: Toward a New Model of (Inter)active Society. Cham: Springer, 2019.

SANTOS, Maria Helena de Castro. Governabilidade, Governança e Democracia: Criação da Capacidade


Governativa e Relações Executivo-Legislativo no Brasil Pós-Constituinte. Revista de Ciências Sociais. Rio
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08/02/2023.
SUMÁRIO

94 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

14
A POTENCIALIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NO
COMBATE À POBREZA

THE POTENTIALITY OF THE PUBLIC DEFENDER'S


OFFICE IN THE FIGHT AGAINST POVERTY

Trabalho desenvolvido a partir do projeto preliminar de tese do curso de Doutorado em


Direitos Humanos no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul-UNIJUÍ.

Fernando Eurico Lopes Arruda Filho


Estudante do Curso de Doutorado em Direitos Humanos no Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul-UNIJUÍ. E-mail: fernando.filho@sou.unijui.edu.br.

INTRODUÇÃO
A inclusão social e o combate à pobreza necessitam primordialmente da atuação
do Estado para a efetivação de políticas públicas contundentes e específicas. Com
efeito, a Defensoria Pública é instituição formal capaz de implementar o comando
constitucional do inciso III do art. 3º da Constituição Federal brasileira? Já que a
moldura legislativa da Defensoria Pública é traçada no sentido deste órgão ter como
missão trazer o vulnerável para um protagonismo institucional, dando-lhe condições
educativas, jurídicas, sociais, econômicas e políticas para alçá-lo a uma visibilidades e
conquista de direitos, colocando-o num patamar de ator principal na arena de luta por
direitos, é concebível imaginar que aquele órgão de defesa popular tem as ferramentas
úteis e eficazes para transpor barreiras e atuar na erradicação da pobreza e
marginalização, bem como na redução das desigualdades sociais e regionais.

A metodologia adotada é a hipotética dedutiva, tendo em vista que, ao se analisar


um arcabouço legislativo que emoldura a Defensoria Pública em seus aspectos
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 95


fundamentais, perceber-se-á que a atuação da Defensoria Pública tem, além de outros
aspectos, poder de enfrentamento à pobreza, diante da qual serão feitas considerações
que evidenciam o aviltamento do pobre e a origem de sua estigmatização e aversão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo o inciso III do artigo 3º da Constituição Federal brasileira, um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Ainda de acordo com o
Diploma Maior, o artigo 134 prescreve que a Defensoria Pública é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como
expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação
jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e
extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. A Lei
Complementar 80/94, em seu art. 1º, também assim prescreve.

Esta Lei Complementar, em seu art. 3º-A, afirma que são objetivos da Defensoria
Pública: I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades
sociais; II – a afirmação do Estado Democrático de Direito; III – a prevalência e
efetividade dos direitos humanos. Em seu art. 4º, discorre que são funções
institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...) III – promover a difusão e a
conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico; (...)
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a
adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o
resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; (...) VIII –
exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais
homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da
Constituição Federal; (...) X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais
dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos,
culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela; XI – exercer a defesa dos interesses individuais
e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades
especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos
sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado.

Frisa-se que o conceito hodierno de “pessoas em condição de vulnerabilidade”


tem uma visão ampliada, devendo abarcar os necessitados organizacionais e aqueles
que são inferiores em relação ao violador do direito. A questão não é meramente a
insuficiência de recursos financeiros mas a ideia de custos vulnerabilis (guardião dos
SUMÁRIO

96 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

vulneráveis). Ou seja, envolve a proteção dos interesses dos necessitados em geral,


incluindo indivíduo, grupo de indivíduos ou coletividade indeterminada
inviabilizados de exercer direitos fundamentais. A vulnerabilidade é social, técnica,
informacional e jurídica.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o AREsp 50.212, ampliou as


prerrogativas da Defensoria Pública na proteção de populações vulneráveis, trazendo
nova compreensão ao conceito de hipossuficiência, que não mais se encerra na questão
econômica. Segundo o decisum, a expressão necessitados deve ser interpretada de
maneira mais ampla, não se restringindo, exclusivamente, às pessoas economicamente
hipossuficientes, que não possuem recursos para litigar em juízo sem prejuízo do
sustento pessoal e familiar, mas sim a todos os socialmente vulneráveis. Assim, o
reconhecimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de uma compreensão
dilatada do socialmente vulnerável, superando-se a questão econômico- individual.

Além disso, a Defensoria Pública tem legitimidade ativa para propor ação civil
pública, objetivando a defesa dos interesses individuais homogêneos, assumindo esse
papel de representar os interesses transindividuais e coletivos. Isso ratifica
posicionamento consolidado da XIV Cúpula Judicial Iberoamericana, que prescreveu
“As 100 regras de Brasília” e tratou do acesso à Justiça pelas populações vulneráveis:
crianças, adolescentes, mulheres, encarcerados e indígenas.

Se a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional


do Estado, e expressão e instrumento do regime democrático, isso remete à doutrina
constitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos – inherent powers,
a qual reconhece as competências genéricas implícitas em que aquele órgão possui
todas as funções necessárias para coibir e prevenir lesões, desde que não limitadas pela
própria Constituição Federal. Essa assertiva dá margem para a atuação abrangente da
Defensoria Pública, a qual está aparelhada para aperfeiçoar o sistema democrático, a
defesa amplíssima de direitos humanos e a proteção das pessoas vulneráveis contra
todas as arbitrariedades. A teoria dos poderes implícitos tem sua origem na Suprema
Corte dos Estados Unidos da América – EUA, no ano de 1819, no precedente
McCulloCh vs. Maryland. O fundamento teórico é que a Constituição, ao conceder uma
função a determinado órgão ou instituição, também lhe concede, implicitamente, os
mecanismos necessários para o alcance desta atividade. Poderes inerentes consistem
em todos aqueles razoavelmente exigidos para permitir a um órgão ou instituição
desempenhar com eficiência e efetividade suas funções e ações legais.

Noutro aspecto, é fundamental dizer que a pobreza diz respeito às classes


trabalhadoras das camadas periféricas das grandes cidades e às massas rurais
empobrecidas. Estes últimos são os invisíveis e desorganizados, podendo ser
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 97


considerados os pobres extremos que não têm capacidades e oportunidades (como
participar de atividades intelectuais e econômicas), os quais necessitam de atuação
enérgica para a redução de suas vulnerabilidades. A pobreza é uma experiência de
injustiça social através da qual se viola uma série de direitos fundamentais e bens
primários em que a reivindicação não deve ser de grande alcance de quantidade de
bens, mas de qualidade dessa exigência.
Nas sociedades atuais do capitalismo avançado, com sistemas cada vez mais
avançados e modernizados, a pobreza causa exclusões do mercado de trabalho e o
discurso reinante contra o pobre valoriza a ideia de que ele próprio gera sua exclusão,
de modo que ele é estereotipado de irresponsável e preguiçoso. Entretanto, um passo
importante para se fazer uma crítica social e se construir um quadro real da patologia
social da pobreza é o pobre ser ouvido sobre as decisões sobre políticas públicas em
seu favor, não podendo ser somente objeto dessas políticas. A voz desses destituídos
deve ser realçada para que sejam inseridos na comunidade e tenham autonomia
individual. Nesse contexto, isso “(...) trata da culpabilização dos indivíduos pelas
dificuldades em que se encontram; ao contrário, sua eventual incapacidade de gerir
sua situação de carência depende de um contexto social multifacetado.” (LEÃO
REGO; PINZANI, 2013, p. 173). A Defensoria Pública pode ser o veículo dessa voz
esquecida.
Um comportamento crítico assume papel primordial para evitar concepções
essencialmente abstradas pois, como aquele que vive na pobreza não conhece a real
situação em que vive, tem que verbalizar suas pretensões como discurso para se
reconhecer a sua situação. O ponto inicial de transformação é o pobre poder se
desenvolver com habilidade retórica de convencimento na sociedade para almejar
justiça e direitos. Falta ao pobre qualificação, nutrição e emprego, advindo daí as
grandes barreiras a serem transpostas, ainda mais porque ele não tem a qualidade
para poder se comunicar já que não tem a educação em sentido amplo. O Estado, por
isso, deve possibilitar uma oferta mínima de bens para ele ter capacitação, com o
abandono da ideia de satisfação básica das necessidades. É diante desse panorama que
a Defensoria Pública pode desenvolver seu papel e missão.
Converter o próprio desprezo pessoal do pobre em que este introjeta uma
naturalidade banalizante sobre a sua situação e combater a imagem pejorativa que a
sociedade tem da pobreza é passo indeclinável para a defesa de seus direitos. É que se
atribui ao pobre a responsabilidade de sua pobreza por um racismo em que ele é
considerado um ser geneticamente diferente e inferior dos demais. Surge daí a
rotulação do pobre o qual passa a sofrer da rejeição e não integração.
SUMÁRIO

98 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Por outro lado, assinale-se que a espécie humana fundamentalmente é a mesma,


com a moral de grupos de trocas e instinto de sobrevivência. No ódio aos pobres, o
pensamento não trata de uma diversidade, mas de uma convicção de um ser superior
a outro pautado em estrutura hierárquica, surgindo o conceito de aporofobia. O pobre
não oferece nada de benefício nas sociedades que valorizam cada vez mais os
mecanismos de trocas, de forma que “(...) o mundo das fobias começa a encontrar suas
raízes aqui: rejeição aos estranhos, rejeição a quem parece não contribuir com nada de
positivo, rejeição a quem perturba a vida e pode trazer problemas.” (CORTINA, 2020,
p. 81).
Como ao pobre falta as condições necessárias para o desenvolvimento de suas
próprias atividades econômicas, tal enfrentamento dar-se-á por uma justiça
distributiva e atuação da Defensoria Pública, através das quais uma política pública
que contemple suas particularidades é o instrumento necessário para qualquer
mudança de vida em termos de liberdade, autonomia e independência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A par disso, extrai-se que a Defensoria Pública é uma instituição permanente e
expressão e instrumento do regime democrático. Presta-se para a orientação jurídica e
promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial,
de forma integral e gratuita, dos necessitados e dos direitos individuais e coletivos,
com atividades de mediação, educativas e preventivas, envolvendo inclusive
interdisciplinaridade e participação na formatação de políticas públicas, tendo a
potencialidade de combater a pobreza e marginalização, além de reduzir as
desigualdades sociais e regionais.
Palavras-chave: Defensoria Pública. Combate à pobreza. Vulnerabilidade.

REFERÊNCIAS
CORTINA, Adela. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. Tradução de Daniel
Fabre. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020, p. 187.

LEÃO REGO, Walquiria; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e
cidadania. São Paulo: Editora da Unesp, 2013, 241p.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 99

15
MEDIAÇÃO DIGITAL NO BRASIL E ACESSO À JUSTIÇA: uma
análise crítica da virtualização do método autocompositivo

DIGITAL MEDIATION IN BRAZIL AND ACCESS TO JUSTICE: a


critical analysis of the virtualization of the self-compositive method

Trabalho desenvolvido a partir de Pesquisa de Dissertação de Mestrado vinculada ao


Programa de Pós-Graduação da Universidade de Pelotas e ao Grupo de Pesquisa Acesso à
Justiça no Século XXI – O tratamento de conflitos na contemporaneidade.

Ianne Magna de Lima


Bolsista Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal – CAPES, mestranda no Programa de
Pós-Graduação em Direitos Sociais da Universidade Federal de Pelotas – UFPel. E-mail:
iannemagna@gmail.com

INTRODUÇÃO
A mediação é um método autocompositivo de resolução de conflitos, no qual as
partes, com o auxílio de um terceiro, constroem um consenso por meio do diálogo.
Atualmente, grande parte das mediações realizadas no Brasil se dá por meio virtual,
através de plataformas digitais oferecidas pelo sistema de justiça – a essa forma de
realização do método, chamamos de mediação digital. A mediação digital, portanto,
se caracteriza pela realização das sessões por meio de videoconferência, ou seja, todos
os debates e falas do mediador e das mediados são realizadas no espaço cibernético. A
interação entre as partes é totalmente virtualizada. A mediação online encurta
distâncias e poupa tempo e gastos para as partes, sendo considerada um avanço ao
acesso à justiça pelo uso de novas tecnologias.
Embora se reconheça a potencialidade e as vantagens da realização da mediação
no formato virtual, sua implementação deve ser analisada levando em consideração as
características do principal interessado: o usuário do sistema de justiça. Neste trabalho,
analisaremos a mediação digital como política pública de ampliação do acesso à
justiça. Abordaremos a potencialidade do uso da ferramenta na ampliação do acesso
SUMÁRIO

100 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

à justiça, bem como identificaremos alguns pontos críticos na implementação, em


especial, a questão da vulnerabilidade digital e informacional e o risco de banalização
da mediação. O trabalho tem como objetivo a realização de uma análise crítica do uso
da mediação digital pelo sistema de justiça como ferramenta de ampliação ao acesso à
justiça. Será utilizado o método hipotético-dedutivo, com pesquisa bibliográfica e
documental, por meio do estudo de legislações, resoluções e jurisprudências.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Desde a publicação da obra Acesso à justiça, de Mauro Cappelle�i e Bryan Garth,
há um movimento constante de reconhecimento e busca pela superação das barreiras
de acesso à justiça. Isto porque, o acesso ao sistema de justiça, e aos mecanismos de
solução de conflitos, é um direito fundamental de suma importância para o pleno
exercício da cidadania (CAPPELLETTI e GARTH, 1988).
Os obstáculos de acesso aos serviços jurisdicionais são transpostos por meio de
ondas renovatórias, que em termos práticos, se concretizam por meio ações estatais. O
ente público deve criar mecanismos e meios para proporcionar o pleno acesso ao
sistema de justiça e aos demais métodos de resolução de conflitos. Os instrumentos
utilizados para garantir a efetiva prestação desses serviços, estão inseridos numa
esfera de atuação das instituições governamentais que denominamos como Políticas
Públicas. Analisaremos uma das políticas públicas do Estado brasileiro visando a
promoção do acesso à justiça: a mediação digital.

DA MEDIAÇÃO PRESENCIAL VS MEDIAÇÃO DIGITAL


A mediação é um método adequado de solução de conflitos atrelado à terceira
onda de acesso à justiça de acordo com Cappelle�i e Gath. No Brasil, a mediação foi
implementada como política judiciária por meio da Resolução 125/2010 do Conselho
Nacional de Justiça. Mais recentemente, tanto a mediação como os demais
mecanismos consensuais ganharam destaque com a edição do Código de Processo
Civil (Lei 13.105/2015), que incentivou o judiciário e os atores processuais a
promoverem a resolução consensual das controvérsias, bem como pela elaboração da
Lei da mediação (Lei 13140/2015), que disciplinou o método.
De acordo com Luis Alberto Warat (2001), a mediação busca a transformação das
pessoas envolvidas no conflito e das relações entre estas, de modo que pode ser
entendido como um processo alterativo de resolver diferenças:

A mediação é uma forma ecológica de resolução dos conflitos


sociais e jurídicos; uma forma na qual o intuito de satisfação do
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 101


desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma
sanção legal. A mediação como uma forma ecológica de
negociação ou acordo transformador das diferenças (WARAT,
2001, p. 5).

Tendo em vista que o objetivo principal da mediação, não é necessariamente a


realização de um acordo, mas sim o reestabelecimento da comunicação entre as partes,
é evidente que o tempo, o diálogo e a escuta são características primordiais no
processo mediativo. O mediador escuta a parte para que o outro a possa escutar
(WARAT, 2001).
Entendemos que essas características compõem a mediação e foram pensadas
para a realização da mediação no formato presencial, afinal, presencialmente é
possível um maior contato entre as partes e observação de comunicações não-verbais,
aspectos importantes para o desenrolar do processo mediativo. No entanto,
atualmente, grande parte das mediações realizadas no Brasil se dá por meio virtual,
através de plataformas digitais oferecidas pelo sistema de justiça. A justiça consensual
foi transportada para a era tecnológica e uma das políticas judiciárias que
implementou esse movimento foi a mediação digital.
Embora se reconheça os benefícios do uso da tecnologia pelo sistema de justiça,
existem algumas limitações à utilização das plataformas digitais nos procedimentos
judiciais. O que se pretende apontar neste trabalho é que a virtualização do sistema de
justiça deve ser implementada com a observância do contexto socioeconômico e
informacional do maior interessado: o usuário. Além disso, questiona-se se a
realização da mediação digital permite o alcance dos objetivos principais da mediação:
o reestabelecimento do diálogo e a pacificação do conflito interpessoal para além da
realização de um acordo.

DESAFIOS DA MEDIAÇÃO DIGITAL PARA O ACESSO À JUSTIÇA


O primeiro desafio da implementação da mediação digital é a impossibilidade de
utilização da ferramenta por pessoas que não possuem acesso à internet, também
chamadas de infoexcluídas ou ainda, analfabetos digitais. De acordo com Spengler e
Pinho (2018, p. 235), essas pessoas têm sua cidadania afetada de duas maneiras, em
primeiro lugar porque desconhecem seus próprios direitos e os mecanismos digitais
que poderão lhes garantir tais direitos e em segundo lugar porque não possuem acesso
à internet e, portanto, não conseguem exigir esses direitos nas plataformas disponíveis
virtualmente.
SUMÁRIO

102 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas apontam que 25,3% da


população brasileira não possui acesso à internet (IBGE, 2020). Além disso, a maioria
dos cidadãos que possuem acesso às redes, o faz por meio de celulares pré-pagos (CGI.
BR, 2020), ou seja, o seu acesso à rede é totalmente precário. Não basta a criação de
mecanismos e/ou serviços digitais, é necessário munir o cidadão com as informações
e meios necessários para correta utilização desses instrumentos. Portanto, antes de
falarmos de acesso à justiça por meio da mediação digital é necessário tratarmos de
efetiva inclusão digital, afinal, conforme indicam Saldanha e Medeiros (2018, p. 7):

(...) se o judiciário hoje é acessado por plataformas digitais, se esse


acesso ao judiciário é parte dos direitos considerados
fundamentais para a pessoa e, se entre os direitos de cidadania há
o de navegar em ambiente digital, então promover inclusão
digital para fins de acesso à justiça passa a não somente ser um
objetivo, mas deve ser visto como uma necessidade para fins de
adequação do discurso e da infraestrutura de sustentação do
ordenamento jurídico. Em outros termos, sem inclusão digital
não há como discutir ou promover acesso à justiça.

Outro problema que envolve a mediação digital é o risco de banalização do


método. A mediação não pode ser relegada à mecanismo de ‘segunda classe’,
alternativo ao sistema tradicional. A mediação e a conciliação não podem ser vistas
como saída de emergência, para quando as saídas (ou entradas) principais estiverem
obstruídas pela grande quantidade de demandas. Os meios adequados de solução de
conflitos não são formas de desafogar o Judiciário e corrigir insuficiências do processo,
sob pena de se desvirtuar o que parece uma solução (CNJ, 2019).

Não é razoável promover o uso mediação por videoconferência apenas reduzir os


custos do sistema de justiça. A facilidade e a economia (para o judiciário e até mesmo
para o usuário) na realização da mediação no formato digital não pode significar a
mecanização do método, realizando as sessões em tempo exíguo e com pouca (ou
mesmo nenhuma) interação social verdadeira. O que perderia de vista o real objetivo
da mediação: a promoção de diálogos e pacificação de conflitos.

Todos esses desafios apontados não devem servir como um desencorajamento ao


investimento de novas tecnologias, mas sim como um alerta para que não se perca de
vista as necessidades do maior interessado na facilitação do acesso à justiça: o usuário.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 103


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de reconhecermos as potencialidades do acesso à justiça por meio da
mediação digital, a sua implementação descuidada é preocupante. A criação de
políticas judiciárias com base na tecnologia de dados e informação não deve ser
baseada num cenário hipotético no qual todas as pessoas têm as mesmas condições de
acessar os serviços digitais. É preciso o reconhecimento das vulnerabilidades do
usuário e a implementação de políticas judiciárias complementares para garantir o
efetivo acesso à justiça por meio das plataformas oferecidas pelo sistema de justiça.
As ferramentas tecnológicas são eficientes e condizem com a era digital, no
entanto, devem observar as características das pessoas que utilizam esses serviços.
Além de ter sempre vista que a mediação não pode é uma ferramenta para rápida
realização de acordos. Os princípios e objetivos da mediação são muito mais
profundos e se a utilização das plataformas digitais obstaculiza o alcance desses
objetivos tão caros à sociedade, a mediação digital tende a ser mais um obstáculo do
que uma plataforma de ampliação do efetivo acesso à justiça.
Palavras-chave: Acesso à Justiça. Mediação digital. Tecnologia.

REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.

RAMOS, Luciana de Oliveira; CUNHA, Luciana Gross; OLIVEIRA, Fabiana Luci de. SAMPAIO, Joelson de
Oliveira. Relatório ICJBrasil, 2021. São Paulo: FGV Direito SP. Disponível em: <h�ps://bibliotecadigital.fgv.
br/dspace/bitstream/handle/10438/30922/Relato%cc%81rio%20ICJBrasil%202021.pdf ?
sequence=1&isAllowed=y > Acesso em 23 abr. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Mediação e conciliação avaliadas empiricamente: jurimetria para


proposição de ações eficientes: sumário executivo. São Paulo: USP, 2019.

BRASIL. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre Tecnologia da Informação e
Comunicação (PNAD Contínua TIC). Rio de Janeiro: IBGE, 2020.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 2000. Tese (Doutorado) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. Acesso em: 18 abr. 2023.

SALDANHA, Alexandre Henrique Tavares; MEDEIROS, Pablo Diego Veras. Processo judicial eletrônico
e inclusão digital para acesso à justiça na sociedade da informação. Revista de processo. Vol. 277/22018, p.
541-561, mar. 2018.

SPENGLER, Fabiana Marion; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação digital de conflitos
como política judiciária de acesso à justiça no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de
Minas Gerais. Belo Horizonte, nº 72. pag. 219-257. 2018. Disponível em: < h�ps://www.direito.ufmg.br/
revista/index.php/revista/article/view/1923> . Acesso em 21 abr. 2023.

WARAT, Luis Alberto. Em nome do acordo: a mediação no direito. Argentina: Angra Impresiones, 1998.
SUMÁRIO

104 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

16
ESCRAVIDÃO: de suas origens e fundamentos à contemporaneidade

SLAVERY: from its origins and foundations to contemporaneity

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa da Unijuí; Formas Alternativas de


Acesso à Justiça: História e Fundamentos. POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA
EM TEMPOS DE COVID-19: Limites e possibilidades da mediação sanitária nas demandas
judiciais de trabalhadores no Brasil, Argentina e Chile. Projeto financiado pelo Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - PIBIC/CNPq;

João Guilherme Bene�i Bönmann


João Guilherme Bene�i Bönmann, bolsista CNPq do Ensino médio referente ao projeto
coordenado pela professora Dra. Rosane Teresinha Carvalho Porto, estudante do 2º Ano do
Ensino Médio da Escola Técnica Estadual 25 de Julho.

Rosane Teresinha Carvalho Porto


Doutora em Direito pela UNISC/RS. Mestre em Direito na área de concentração: Políticas
Públicas de Inclusão Social com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - CAPES. Estágio pós-doutoral pela Universidade Federal do Rio Grande Sul
(UFRGS). Pós-doutoranda pela UFRJ; Professora Permanente na UNIJUÍ. Professora na
graduação em direito e na Pós Lato Sensu na UNISC. Pesquisadora Recém-Doutora ARD-
FAPERGS: Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Edital FAPERGS
10/2020). E-mail: rosane.cp@unijui.edu.br.a

INTRODUÇÃO
A escravidão é uma prática conhecida praticamente nas todas as sociedades
humanas com um grau minímo de desenvolvimento. Sendo definida conforme a
Encyclopedia Britannica como na: “condição em que um ser humano era propriedade
de outro. Um escravo era considerado por lei como propriedade ou domínio e era
privado da maioria de direitos normalmente detidos por pessoas livres.” De onde
pode-se deduzir que a escravidão envolvia alem de uma sujeição econômica e social,
um dominío cultural e psicológico por parte do senhor sobre o escravo. Que era
considerado como uma coisa, um objeto que tinha como finalidade apenas a
produção. Desconsiderar-se, portanto, que ele era um ser racional.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 105


É muito difícil traçar as origens mais remotas da escravidão. Mas, conclui-se que
a prática era inexistente em sociedades primitivas de caçadores coletores, ou seja, que
só se registra casos de trabalhos escravos em sociedades mais desenvolvidas,
principalmente onde se gerou excedentes econômicos, ou em decorrência de guerras.
Houve ao longo da história dois tipos de escravidão: a doméstica, mais comum e mais
disseminada, além de mais branda; a produtiva, relativamente pouco comum,
existindo em períodos históricos específicos ( como no Império Romano, no mundo
islâmico e nas colônias da América), além de ser muito mais cruel e brutal.
Desde as primeiras civilizações, na Mesopotâmia, contata-se a presença de
escravos. Pela própria maneira pela qual elas se formaram,através de invasões,
conclui-se a existência de tal prática. O primeiro docemento escrito que trata da
escravidão foi o Código de Hamurabi, onde prevê escravidão para capturados em
guerras e a devedores. Na China a esvidão pode ser datada desde a dinastia Shang
(séculos XVIII-XXI a.c). Posteriormente, na dinastia Han ( 206-25 a.c), cerca de 5% da
população chinesa era constituída de escravos.
Na Grécia predominou a escravidão doméstica. Houve classes de servos, que não
eram propriamente escravos, normalmente descendentes de povos mais antigos,
chamados de pelasgos. No entanto, a escravidão ganhou novos contornos com o
enriquecimento da polis de Atenas, principalmente sob o governo de Péricles (
492/495- 429 a.c). No seu auge 30% da população era constituída de escravos.
Outra sociedade escravista, onde a sociedade e a cultura eram fortemente
influenciadas por tal prática, foi a civilização romana. Principalmente no final da
República ( 509-27 a.c) e sob o principado ( 27a.c-284 d.c). Sendo fomentada pelas
conquistas de Cartago, Grécia, reinos helenísticos, Egito, Gália, Hispânia, Britânia etc.
Mas, após o fim das conquistas, a crise do século III, a escravidão foi lentamente
declinando pela desintegração do Império Romano. As invasões bárbaras, durante os
séculos IV e V, acabaram por acelerar o processo. Os escravos tornaram-se servos.
Quando, definitivamente o Império Roamano caiu no ocidente, em 476 d.c, a
escravidão já havia diminuido muito.
E continuou diminuindo ao longo do período medieval, onde a servidão
substitui-a gradualmente. Pode-se dizer que os servos da gleba eram intermediários
entre os escravos e os homens livres, embora ligados à terra, tinham o direito de
possuírem família, seu próprio lote onde cultivavam em benefício próprio e não
podiam ser expulsos de suas terras. Até o século X ou XI já não haviam escravos
propriamente ditos na maior parte da Europa ocidental. Mas, em algumas regiões ela
perdurou por mais tempo, como na Inglaterra, onde o Domesday Book (1086) registra
cerca de 10% da população como escravos. No entanto, no mesmo período as
SUMÁRIO

106 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

sociedades islâmicas eram fortemente escravistas. Estima-se que cerca de 18 milhões


de africanos foram comercializados no mundo islâmico. Um núcleo de comércio de
escravos foi o mar Mediterâneo.
Portugal inicia seu ímpeto navegante, conforme os versos de Camões:
“Dilatando a fé, o império e as terras viciosas de África e de Ásia foram devastando”,
mas acabou se envolvendo no comércio de escravos presentes no Mediterâneo. Já no
século XV os portugueses montaram feitorias ao longo da costa africana. E
começaram a comprar escravos, inicialmente para o cultivo de cana-de-açúcar nos
Açores e outras ilhas. Logo outras nações começaram a navegar e fundar colônias no
Novo Mundo. Iniciou-se assim uma nova era na história da escravidão: aquela
praticada nas colônias na América. Inicialmente feita com índios e negros, mas já no
século XVII estes acabam por prevalecer. Cerca de 10 milhões de escravos vieram à
América, a maioria para o Brasil.
Em nosso país, a escravidão foi praticada de 1530 a 1888. Suprindo, inicialmente,
a demanda dos engenhos de açúcar, mas posteriormente ela esteve presente em
minas, em fazendas de gado e de café, e no ambiente urbano. Além de sua enorme
importância econômica, os escravos nos deixaram uma importante herança cultural,
sob a forma de hábitos alimentares, vocabulário e herança genética. Em nosso país a
escravidão teve diferentes contornos, com relações complexas, como por exemlo:
escravos que possuiam outros escravos. Na segunda metade do século XIX o
movimento abolicionista ganhou força. Com a participação de Joaquim Nabuco, Luiz
Gama, André Rebouças, José do Patrocínio etc. O processo de abolição da escravidão
foi gradual, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos da América, onde a
abolição da escravidão culminou na Guerra Civil Americana (1860-1865). Antes da
abolição houve diversas leis em favor dos escravos, como por exemplo: Lei Eusébio
Queirós (1850), Lei do Ventre Livre ( 1871) e Lei dos Sexagenários. Culminando na
abolição formal da escravidão com a assinatura da Lei Aúrea (13 de maio de 1888), por
parte da princesa Isabel, o que acabou por ser uma das causas para o fim da
monarquia, mas Isabel declarou: “Se mil outros tronos eu tivesse, mil outro tronos eu
perderia para por fim à escravidão”.
Entretanto, a prática da escravidão impregnou-se fortemente na cultura. Que é
uma palavra proveniente do latim:”cultivare”, significando cultivar. Ou seja, cultura é
tudo aquilo que é cultivado por um determinado povo, visando valores
transcendentes, ao longo do tempo. E costumes, hábitos, valores e crenças são
passados ao longo das gerações. Portanto, pode-se afirmar que há em nossas cultura
muitos resquícios do tempo em que havia escravidão. Hugo von Hofmannsthal
afirmou :” Nada está na realidade política de um país sem antes estar em sua
literatura”. A literatura é um dos maiores bens culturais de um país, então nela se
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 107


observa tipos humanos que estiveram presentes no desenvolvimento nacional. Pode-
se, portanto, procurar em nossa literatura casos onde a escravidão ou trabalhos
análogos a ela são retratados para, assim, elucidar-se a questão
Um exemplo de obra literária que trata do assunto é o conto: “Pai contra Mãe”, de
Machado de Assis, o maior prosador brasileiro. Nesta obra o personagem principal,
Cândido Neves, é um sujeito que tem uma vida instável, recorreu à caça de escravos
para sustentar a sua família. O enredo se desenvolve de tal forma que, Cândido teve
que capturar uma escrava grávida para não precisar levar o seu filho para a Roda dos
Enjeitados.
Outra obra que aborda a vida dos trabalhadores é o romance do grande escritor
modernista Graciliano Ramos: São Bernardo. O personagem principal, Paulo Honório,
ascendeu socialmente através de golpes, conseguindo obter uma abastada fazenda.
Esteve envolvido em disputas políticas, além de fazer com que sua esposa, Madalena,
se suicida-se, em virtude de seu ciúme; mas, isso não vem ao caso. O que nos interessa
é o fato de que Paulo Honório tinha um caráter agressivo com seus trabalhadores,
como se revela no episódio em que chega a espancar um deles.
No entanto, desde a assinatura da Lei Áurea (13/05/1888), por parte da princesa
Isabel, não há mais escravidão propriamente dita no Brasil, ela foi legal e formalmente
abolida. Sendo correto denominar os casos de exploração forçada dos trabalhadores
como análogos à escravidão. Desse modo, o artigo 149 do Código Penal atualmente
imperante no Brasil define trabalho análogo à escravidão como aqule em que seres
huamanos estão submetidos a trabalho forçados, jornadas tão intensas que podem
causar danos físicos, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de
dívida contraída com o empregador ou preposto. A pena se agrava se o crime for
cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, etnia,
religião ou origem.
Assim, infelizmente, em nosso Estado foi registrado, no município de Bento
Gonçalves um caso de trabalho análogo a escravidão. A operação foi realizada no dia
22 de fevereiro pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), MPT (Ministério
Público do Trabalho) e pela PF (Polícia Federal. Foram encontrados 207 homens, a
maioria da Bahia, recrutados pela empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à
Gestão de Saúde LTDA, que prestava serviço às renomadas vinícolas Aurora,
Cooperativa Garibaldi e Salton. As empresas afirmaram desconhecer as
irregularidades, mas, segundo Vanius Cortes, gerente regional do MTE de Caxias do
Sul, elas podem ser punidas.
SUMÁRIO

108 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho ainda não apresenta resultados, pois a proposta vinculada ao
projeto está em andamento. No primeiro momento houve a preocupação em fazer
levantamento bibliográfico de algumas obras relacionadas ao trabalho análogo à
escravidão, como o conhecido conto machadiano, Pai Contra Mãe, e o romance de
Graciliano Ramos, São Bernardo. E por conseguinte notícias sobre esta chaga no Brasil,
focando nos recentes acontecimentos na Serra Gaúcha, no nosso Estado, relacionados
às vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton.
Portanto, é preciso reconhecer que o Brasil, enquanto Estado soberano, apresenta
um grave problema com o trabalho análogo à escravidão. Somente no atual ano de
2023 foram resgatados 523 trabalhadores em situação análoga à de escravo. Sendo tal
prática um reflexo de uma herança cultural milenar. Mas, desde o final do século XVIII
vem sendo combatida, com mais veemência, a partir de 1945, com a criação da ONU.
Palavras-chave: Escrvidão. Origem. História. Contemporaneidade.

REFERÊNCIAS
Artigo 149 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940, Disponível em:Art. 149 do Código Penal -
Decreto Lei 2848/40 | Jusbrasil.

Como a lei brasileira define a trabalho análogo à escravidão. Disponível em: Trabalho análogo à escravidão:
como a lei brasileira define o trabalho escravo | Jusbrasil.

O caso de trabalho análogo à escravidão em vinícolas no RS. Disponível em: O caso de trabalho análogo à
escravidão em vinícolas no RS – DW – 03/03/2023.

Assis, Machado de. Pai Contra Mãe. Disponível em: Microsoft Word - teste.doc (dominiopublico.gov.br).

Vinícolas do RS que usavam mão de obra análoga à escravidão podem ser responsabilizadas, diz MTE.
Disponível em: Vinícolas do RS que usavam mão de obra análoga à escravidão podem ser
responsabilizadas, diz MTE | Rio Grande do Sul | G1 (globo.com)

Juri Descomplica. Como a Lei Brasileira define o trabalho análogo ao escravo. Disponível em:Como Lei
Brasileira define o trabalho análogo ao escravo | Jusbrasil.

Em 2023, 523 vítimas de trabalho análogo à escravidão foram resgatadas. Disponível em:Em 2023, 523
vítimas de trabalho análogo à escravidão foram resgatadas | Agência Brasil (ebc.com.br).

Ramos, Graciliano. São Bernardo. Editora Record, 2007.


SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 109

17
A EMERGÊNCIA DE NOVOS TRATOS AOS CONFLITOS: o uso da
conciliação e da mediação como instrumento de solução autocompositiva

THE EMERGENCY OF NEW TREATMENTS TO CONFLICTS: the use of


conciliation and mediation as a self-compositive solution instrument

Trabalho desenvolvido a partir do estudo de Dissertação de Mestrado do PPGD da Unijui;

Josi Anne dos Santos Fagundes


Mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito - Mestrado e
Doutorado em Direitos Humanos - da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUÍ); advogada; Conselheira da Subseção da OAB Ijuí (RS);
Coordenadora da Comissão de Conciliação, Mediação e Práticas Restaurativas da Subseção
da OAB Ijuí (RS); Pós-graduanda em Conciliação, Mediação e Arbitragem pela Faculdade
Dom Alberto; Facilitadora de Justiça Restaurativa. Membra do Conselho de Gestão do
Programa Municipal de Justiça Restaurativa de Ijuí (RS). Bacharel em Direito pelo Instituto
Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo (Dezembro/2012). E-mail: fagundes.
josianne@gmail.com

INTRODUÇÃO
A cultura da sociedade em que se vive mostra-se, atualmente, sujeita a pensar que
a solução de um determinado problema/conflito ocorra por meio de um processo
judicial, ou seja, do acesso ao Poder Judiciário. Em que pese a importância do referido
Poder na sociedade, não se pode colocá-lo como o destinatário da solução de conflitos,
uma vez que existem meios alternativos para tal, como a conciliação e a mediação, por
exemplo.
Para a obtenção de um resultado satisfatório mediante a utilização da conciliação
e da mediação é importante que se proceda uma mudança cultural da sociedade e dos
profissionais que trabalham na resolução de conflitos. O que se percebe na prática
forense é que a sociedade desconhece a utilização desses meios complementares de
justiça, mesmo tendo o devido acesso a tais ferramentas.
Por isso, o estudo ora desenvolvido é importante pois auxilia na expansão do
conhecimento dessa temática, que ainda carece de interesse e pesquisas científicas. O
SUMÁRIO

110 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

desenvolvimento de alternativas e propostas para a real eficácia da conciliação e da


mediação na sociedade é um desafio no meio acadêmico que só poderá ser superado
a partir de um olhar sensível e dedicado à pesquisa.
A utilização dos meios complementares de resolução de conflito em estudo é
importante para a preservação dos direitos humanos dos envolvidos. Destaca-se que,
uma vez que o indivíduo é um sujeito de direitos, ele tem a possibilidade de escolher
a forma como resolver o seu conflito, seja mediante o ingresso de um processo judicial
ou por meio da conciliação e da mediação, com a utilização do diálogo e da escuta
ativa. Nesse sentido, ele figura como parte envolvida no conflito e nada mais justo do
que ele ter o direito de contribuir para a sua solução.
A proposta do presente artigo é analisar e verificar a real efetividade do uso da
conciliação e mediação na resolução dos conflitos, isto é, proporcionar um olhar
humanizado para os conflitos sociais possibilitando a conscientização de que se o
indivíduo social participa do procedimento de resolução do seu conflito as chances de
cumprimento do acordado são mais eficazes.
O problema abordado consiste em: os métodos autocompositivos da conciliação
e da mediação proporcionam aos sujeitos de direitos e aos operadores do direito uma
justiça inclusiva e socializada?
A hipótese levantada é que a aplicação dos métodos autocompositivos acima
elencados, acarreta uma aproximação do mundo jurídico com o social
proporcionando uma justiça inclusiva e socializada, tendo em vista que o indivíduo
social ao participar do procedimento de resolução do seu conflito possibilita uma
maior eficácia no que diz respeito ao cumprimento do acordado. No que se refere ao
operador do direito, ao realizar o seu trabalho, a aplicação da conciliação e mediação,
proporciona um olhar humanizado e até mesmo empático, o que o possibilita a
visualizar o contexto que ensejou o conflito.
A metodologia utilizada na construção deste artigo foi a pesquisa bibliográfica
em suas dimensões técnicas de análise de documentos, com busca em livros, artigos,
jornais e em meio eletrônico. Como método de abordagem foi utilizado o hipotético-
dedutivo.

O USO DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE


SOLUÇÃO AUTOCOMPOSITIVA
Os conflitos levados ao Poder Judiciário necessitam de um novo olhar, tanto pelo
referido Poder e seus operadores quanto pela sociedade. Esta necessidade parte de
reflexões sobre a maneira como estão sendo tratados os conflitos que, talvez, não seja
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 111


a mais adequada e eficaz. Destaca-se, então, a necessidade de uma mudança cultural
para que os indivíduos comecem a participar diretamente das formas de resolução
consensual.
Nesse diapasão, o conhecimento das formas alternativas de resolução dos
conflitos é a base para sua real utilização e, consequentemente, a sua efetivação. O
incentivo às formas alternativas já apresentava previsão legal na Lei nº 5.869/73 –
Código de Processo Civil, de 1973; na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988; na Lei nº 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais; na
Resolução 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça; e, mais
recentemente, na Lei nº 13.105/2015 – Código de Processo Civil de 2015; e na Lei nº
13.140/2015 – Lei de Mediação.
Devido, porém, à intensificação da cultura do litígio e à crise enfrentada pelo
Poder Judiciário, nos últimos anos os métodos autocompositivos têm ganhado,
mesmo que de forma morosa, a devida visibilidade e espaço, inclusive do próprio
Poder Judiciário. O incentivo à aplicação de tais métodos está previsto de maneira
expressa no Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 3º, § 3º do Código de Processo Civil, consta:

Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou


lesão a direito.
[...]
§ 3º. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes,
advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial. (BRASIL, 2015).

Dentre as diversas formas de resolução do conflito, passa-se a proceder uma


análise sobre a conciliação, a mediação, e de forma sucinta sobre a constelação familiar
e a justiça restaurativa. Inicialmente, “diferencia-se, pois, a conciliação da mediação
porque, na primeira, o tratamento do conflito é superficial, encontrando-se um
resultado parcialmente satisfatório em um acordo; já na segunda, é aprofundado e o
acordo representa total satisfação.” (SALES, 2003, pp. 39-40).
O instituto da Conciliação tem como objetivo central a realização de um acordo
entre as partes envolvidas no conflito, ou seja, permite a sua participação direta na
elaboração do acordo. Destaca-se que a observância e o cumprimento do acordado
podem apresentar grandes estimativas de sucesso, pois a confecção se dá mediante a
apresentação das reais possibilidades de cada parte.
Nas palavras de Spengler e Schaefer (2019, p. 9) tem-se que:
SUMÁRIO

112 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A conciliação, regulamentada pela Política Nacional de Conciliação,


criada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução nº
125/2010, é um método breve de resolução de conflitos que envolvem
relações de consumo, voltado aos fatos e direitos, visando essencialmente
um objetivo e sua resolução por meio de um acordo.

Pode-se destacar que a conciliação não trabalha o conflito de maneira


aprofundada, o que significa que o tratamento do conflito se dá de forma mais
superficial, ou seja, aparentemente, a solução é alcançada por se tratar de uma relação
mais pontual. Nesse sentido, Warat (2001, p. 80) preceitua que:

A conciliação não trabalha o conflito, ignora-o e, portanto, não o


transforma. O conciliador exerce a função de negociador do litígio,
reduzindo a relação conflituosa a uma mercadoria. O termo ‘conciliação’
é um termo de cedência de um litigante a outro, encerrando-o. Mas, o
conflito no relacionamento, na melhor das hipóteses, permanece
inalterado.

Ressalta-se que o desenvolvimento do referido método se dá mediante a


realização de audiência/sessão de conciliação, exercida por um conciliador, ou seja,
um terceiro imparcial e devidamente qualificado para este fim. Assim, “o papel do
conciliador consiste em afastar a litigiosidade e auxiliar as partes na busca pelo
entendimento, de forma rápida e consensual; valendo-se de técnicas de negociação.”
(SPENGLER; Schaefer, 2019, pp. 9-10).
Nesse sentido, o conciliador pode tomar iniciativas e apresentar sugestões,
buscando a conciliação. A esse respeito dispõe o art. 165, § 2º, do CPC:

Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução


consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e
audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de
programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a
autocomposição.
[...]
§ 2º. O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em
que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir
soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo
de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
(BRASIL, 2015).

A sessão de conciliação apresenta algumas etapas que são conduzidas pelo


conciliador, e consistem em: sessão de abertura; esclarecimento às partes sobre as suas
ações; criação de opções; sugestões; e, por fim, o acordo. Na sessão de abertura, o
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 113


conciliador apresenta-se, informa às partes os princípios que regem a audiência/
sessão, com destaque à voluntariedade (as partes participam se realmente
manifestarem interesse) e ao sigilo (as questões tratadas nas sessões não são expostas,
de forma alguma, para terceiros, como, por exemplo, a remuneração do conciliador).
Nas etapas seguintes passa-se a tratar do conflito em si, isto é, da situação que
ensejou às partes participarem da sessão. Nesse sentido, as partes expõem as suas
razões e anseios e, por meio do diálogo e da escuta ativa, juntamente com o auxílio do
conciliador, debatem eventuais possibilidades de acordo. Assim, “para se obter uma
eficácia na conciliação as partes devem manter um discurso aberto e honesto, podendo
acontecer antes ou após o início do processo.” (FARINELLI; CAMBI, 2011, p. 288).
Sena (2011, p. 122) complementa com seu entendimento:

Compreende-se a conciliação em um conceito muito mais amplo


do que o ‘acordo’ formalizado. A conciliação significa
entendimento, recomposição das relações desarmônicas,
empoderamento, capacitação, desarme de espírito, ajustamento
de interesses.

A conciliação possui um enfoque retrospectivo para tratar de forma atual a


composição, no intuito de concluir a questão que lhe é submetida. Nesse viés, “isso se
justifica pelo fato de que os objetos em disputa são oriundos de relações não
continuadas, ou seja, relações que não terão interação futura.” (SPENGLER; Schaefer,
2019, p. 10).
Diferentemente da conciliação, a mediação diz respeito aos conflitos que tratam
de relações continuadas, e busca o reestabelecimento do diálogo e a harmonização da
relação entre as partes envolvidas. Pode-se mencionar que o seu objetivo principal não
é a realização de um acordo e, sim, a busca da não intensificação do conflito, isto é, a
sua prevenção e tratamento. Nesse sentido, “o objetivo da mediação é conduzir as
partes à solução do problema sem interferir efetivamente de forma direta, utilizando
técnicas de negociação e amenizando as emoções acaloradas.” (ORSINI, 2016, p. 12).
Pode-se afirmar, ainda, que a mediação consiste em um espaço democrático de
diálogo e tratativas, visto que são as partes as protagonistas da relação, pois decidem
a melhor forma de resolver a lide e, consequentemente, o eventual descumprimento
do acordado permanece sobre as suas devidas responsabilidades. Na mediação,
portanto, as partes não entregam a um terceiro a solução da controvérsia, mas elas
mesmas constroem e fundamentam a decisão.
Segundo entendimento de Spengler (2016, p. 174):
SUMÁRIO

114 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A mediação difere das demais práticas tradicionais de jurisdição


justamente porque o seu local de trabalho é a sociedade, sendo a
sua base de operações o pluralismo de valores, a presença de
sistemas de vida diversos e alternativos; sua finalidade consiste
em reabrir os canais de comunicação interrompidos e reconstruir
laços sociais destruídos. O seu desafio mais importante é aceitar
a diferença e a diversidade, o dissenso e a desordem por eles
gerados. Sua principal ambição não consiste em propor novos
valores, mas em restabelecer a comunicação entre aqueles que
cada um traz consigo.

Na mediação busca-se construir uma nova concepção do conflito,


responsabilizando os mediandos pela gestão do conflito a partir de suas próprias
escolhas e com a utilização de uma comunicação não violenta, com vistas a
restabelecer o diálogo e a preservação do relacionamento. Trata-se, portanto, de um
procedimento de inclusão social em que o cidadão participa na busca da justiça e do
consenso.
Nas palavras Sales (2003, p. 32) tem-se que:

Sendo a mediação um processo no qual as partes, por si mesmas,


com o auxílio do mediador, encontram solução para seus
problemas, possibilita maior reflexão dos direitos e deveres, e daí
a maior participação dos indivíduos nas questões sociais. A
mediação ensina a importância da consciência dos direitos e
deveres para se alcançar a sua efetivação. Ensina, ainda, que as
pessoas, mesmo as mais pobres, possuem o direito de escolher e
decidir qual o melhor caminho a ser tomado, tendo consciência
de que essa escolha deve produzir um bem-estar para as partes.

A sessão de mediação é conduzida por um terceiro imparcial, denominado


mediador. “O papel do mediador é de um facilitador, educador ou comunicador, que
ajuda a clarificar questões, identificar e manejar sentimentos, gerar opções.”
(CALMON, 2008, p. 123). Assim, pode-se afirmar que a atuação do mediador se limita
a aproximar as partes e contribuir para que cheguem a um resultado satisfatório.
No que concerne à atuação do mediador, Spengler e Schaefer (2019, p. 8)
destacam:

Sua atuação é limitada, ou seja, o mediador deve agir com


autoridade, mas não para impor um acordo ou uma decisão.
Nesse sentido, não incumbe ao mediador sugerir, opinar,
manifestar seu entendimento, aconselhar, tampouco, propor
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 115


soluções. Em síntese, sua atribuição é escutar com atenção,
realizar perguntas pertinentes e incentivar o diálogo.

Em que pese a atuação do mediador se dar de forma limitada, conforme elencado


anteriormente, a ausência de sua presença impossibilita a realização de uma sessão/
audiência de mediação. A figura do mediador é imprescindível para o cumprimento
das finalidades a que se destina a criação do instituto em estudo. Sobre as atribuições
do mediador, de forma clara e abrangente, Fonkert (1999, p. 180) destaca:

[...] o mediador faz o levantamento das informações necessárias


junto com as partes; esclarece, organiza e redefine dados, facilita
uma comunicação mais colaborativa, estrutura as sessões e dá
prosseguimento às negociações, administra o conflito,
recomenda, quando preciso, que as partes procurem informação
ou recomendação de especialista, auxilia no desenvolvimento de
propostas, ajuda as partes refletirem sobre a importância de suas
decisões e auxilia na redação do acordo, quando é obtido.

No tocante aos princípios que orientam o instituto da mediação, a Lei nº


13.140/2015 – Lei de Mediação – em seu art. 2º destaca os seguintes princípios:
imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade,
autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé. O
princípio da isonomia entre as partes está diretamente relacionado ao princípio da
imparcialidade na medida em que o mediador deve tratar os mediandos de forma
igualitária, conferindo as mesmas oportunidades de fala e escuta no decorrer do
procedimento de mediação. Além disso, também é necessário que o mediador, a partir
de sua experiência, proceda a identificação de circunstâncias que não demonstrem
entre os mediandos uma situação de igualdade e, a partir disso, faça as conduções
necessárias.
Destaca-se, também, o princípio da informalidade por meio do qual é possível
proporcionar aos mediandos e advogados um espaço/ambiente de acolhimento e
conforto. Nesse sentido, a mediação diferencia-se de uma audiência conduzida por
um juiz, tendo em vista que nesse procedimento existem atos formais a serem
devidamente observados.
O princípio da autonomia da vontade das partes consiste na observância quanto
à vontade dos mediandos em aceitar a participar da sessão de mediação e, se for o
caso, dar continuidade ao procedimento de mediação. Em seu art. 2º, § 1º, a Lei
13.140/2015 destaca “que ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de
mediação.”
SUMÁRIO

116 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Outro princípio importante e que merece destaque é o princípio da


confidencialidade, pressuposto da mediação na medida em que tudo o que for dito
fica restrito às sessões, não podendo ser realizada gravação e ou transcrição, tampouco
ser levado ao conhecimento de outras pessoas. Assim, todos que participam da
mediação assumem o dever de observar a confidencialidade, responsabilizando-se
por eventuais compartilhamentos.
No que diz respeito ao desenvolvimento das sessões, essas não possuem
formalidade a ser observada, isto é, os procedimentos e técnicas são implementados na
medida em que o mediador julgar necessário, com vistas ao alcance da paz social. No
entendimento de Sales (2003, p. 33):

A mediação existe para resolver conflitos e preveni-los, incluindo


os indivíduos na participação política do Estado, possibilitando o
alcance da paz social. Por esse motivo é que não se pode entender
a mediação de maneira tão imediatista. Determinadas mediações
levam poucas horas para serem realizadas, outras, porém, podem
durar dias. Deve haver todo um cuidado no ato de realizar a
mediação, pois cada mediação é única.

A mediação, portanto, tem como escopo a constante busca do bem comum, ou


seja, os cidadãos que aderem a essa forma de resolução do conflito buscam o interesse
comum e, consequentemente, a resolução efetiva da lide, não sendo necessário
retomar o cumprimento do que foi acordado. Pode-se afirmar, então, que o uso da
mediação está ligado ao princípio da solidariedade, pois as partes constroem e
finalizam o procedimento com satisfação.
Além dos métodos supracitados, recentemente, no âmbito do Poder Judiciário,
tem ganhado espaço a aplicação das constelações familiares, o que tem sido
denominado como Direito Sistêmico. Sua aplicação tem sido expandida em razão de
proporcionar, assim como as demais formas alternativas, a atenuação dos conflitos
diante da alta demanda do Poder Judiciário e, também, por apresentar resoluções de
maior efetividade. A eficácia se dá em razão do consenso entre as partes, isto é, após
restar demonstrado as verdadeiras causas que originaram um determinado conflito.
No que diz respeito ao seu conceito, “as constelações familiares podem, então, ser
definidas como sendo um método multidisciplinar que encontra suporte na terapia
sistêmica que indaga sobre as relações não aparentes que vinculam umas pessoas aos
sistemas familiares.” (OLDONI; LIPPMANN; GIRARDI, 2018, p. 22). Nesse sentido,
em muitos casos, essas relações não aparentes podem originar o conflito. Importante
destacar que o método em apreciação pode ser utilizado em várias áreas do Direito,
porém, ganha maior espaço e visibilidade nas causas do Direito de Família.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 117


No desenvolvimento dos trabalhos constata-se uma visão fenomenológica, pois
os vínculos invisíveis atuam nas partes envolvidas no conflito. Por intermédio de
representantes, que podem ser pessoas ou bonecos, procede-se a identificação das
causas ocultas no sistema de cada indivíduo, os quais interferem e influenciam em sua
vida.
Nesse sentido, Storch (2016, p. 308) explica que:

As constelações familiares desenvolvidas por Bert Hellinger


consistem em um trabalho onde pessoas são convidadas a
representar membros da família de uma outra pessoa (o cliente)
e, ao serem posicionadas umas em relação às outras, são tomadas
por um fenômeno que as faz sentir como se fossem as próprias
pessoas representadas, expressando seus sentimentos de forma
impressionante, ainda que não as conheçam. Com isso, vêm à
tona as dinâmicas ocultas no sistema do cliente que lhe causam os
transtornos, mesmo que relativas a fatos ocorridos em gerações
passadas, e pode-se propor frases e movimentos que desfaçam os
emaranhamentos, restabelecendo-se a ordem, unindo os que
antes foram separados e proporcionando paz a todos os
membros da família.

Busca-se, então, por intermédio das dinâmicas de representação, recriar a árvore


genealógica do indivíduo, possibilitando localizar e remover os bloqueios existentes
nas relações interpessoais, com vistas à inclusão e reconciliação de pessoas em conflito
com o sistema familiar e social. Nas constelações familiares, diferentemente da
conciliação e da mediação, as partes figuram como observadoras dos fenômenos
ocorridos na prática da dinâmica, por meio dos representantes e, a partir de tal
observação, ocorre a conscientização e, consequentemente, um posicionamento diante
do conflito para buscar a sua solução.
Para Oldoni, Lippmann e Girardi (2018, p. 30):

Na visão sistêmica, adotada por Hellinger, cada indivíduo é


visto, não de maneira individual, mas, sim, como parte de um
sistema, compreendido como sendo o grupo de pessoas ligadas
entre si por um destino comum e relações recíprocas, onde cada
membro do sistema impacta e exerce influência sobre os demais
membros.

As sessões de constelação familiar são conduzidas por um constelador, indivíduo


com formação específica em constelação familiar, que instrui os participantes, elenca
os princípios, obtém informações superficiais sobre o conflito e faz alguns movimentos
SUMÁRIO

118 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

necessários para a realização da dinâmica, porém, com limitações de atuação, pois o


protagonismo é dos representantes.
A aplicação dessa técnica visa esclarecer as partes envolvidas sobre o que existe
por trás do conflito e que ensejou o ingresso de eventual ação judicial. Nesse sentido,
havendo a compreensão pode-se iniciar um processo de mudanças, capaz de trazer a
cura e a paz ao sistema familiar e social.
Para Santana e Santos (2021, p. 23),

O indivíduo é analisado a partir das suas relações com o outro e


em seus sistemas subjetivos, que podem ser as relações
familiares, seu ambiente de trabalho, os laços de amizade e
relacionamentos. A busca pela retomada do equilíbrio desses
sistemas é considerado o principal objetivo desse método. A
compreensão a partir da convivência em família ganha uma nova
perspectiva, lançada sobre o grupo familiar e a forma como ele
pode influenciar nos valores e padrões adquiridos, opondo-se a
outros grupos sociais e como ocorre o processo de percepções e
expansões é o que se revela como uma nova ciência, um lugar de
cura e mudanças positivas.

Por meio do método é possível alcançar um entendimento mais amplo e


profundo sobre o conflito, o que facilita a empatia e a compreensão sobre o outro.
Decorre daí um grande vínculo com o Direito de Família, justamente por tratar-se de
questões familiares e que, muitas vezes, envolvem gerações anteriores da família,
oportunizando, assim, uma solução mais efetiva e promovendo verdadeira cura dos
conflitos familiares e, também, daquele aspecto que o próprio indivíduo trazia em si.
Esse método vem ganhando visibilidade no mundo jurídico a partir do trabalho
de advogados, juízes e operadores do Direito que acreditam na técnica da
autocomposição. Pode-se elencar que “na Comarca de Goiânia, merece destaque o
Projeto Mediação Familiar, do 3º Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e
Cidadania, que rendeu para o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) o primeiro lugar no
V Prêmio Conciliar é Legal, promovido pelo CNJ.” (OLDONI; LIPPMANN;
GIRARDI, 2018, p. 62).
Ainda conforme Oldoni, Lippmann e Girardi (2018, p. 63):

No Estado de Santa Catarina, a juíza Vânia Pertemann, junto ao


Fórum da UFSC, na Comarca de Florianópolis, é precursora no
uso das constelações familiares no projeto “Conversas de
Família”, onde são utilizadas ferramentas de mediação,
psicologia, filosofia, constelações familiares e comunicação não
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 119


violenta para propiciar a pacificação das relações pessoais,
interpessoais, familiares, conjugais e parentais, assim como para
estimular a restauração dos vínculos familiares com a resolução
dos conflitos.

Fica evidente, portanto, a importância do uso das constelações familiares no


Poder Judiciário. Sabe-se que no ordenamento jurídico brasileiro, o processo de
construção de uma cultura pacífica de solução de conflitos ainda se encontra em fase
inicial, porém, é importante destacar que mesmo em tal fase os benefícios oriundos da
utilização desses métodos já favorecem e alcançam a sociedade e o Judiciário.
Outro método alternativo/complementar de resolução de conflito é a Justiça
Restaurativa que, “assim como o Direito Sistêmico, também não pode ser conceituada
como uma técnica ou ferramenta, mas, sim, como um meio de encontrar caminhos
para a pacificação, constituindo-se em um paradigma de justiça totalmente novo.”
(STORCH; MIGLIARI, 2020, p. 175).
Destaca-se que “o moderno campo da Justiça Restaurativa de fato desenvolveu-se
nos anos 70 a partir de experiências em comunidades norte-americanas com uma
parte considerável de população menonita.” (ZEHR, 2012, p. 22).
O referido modelo de Justiça desenvolveu efeitos significativos àquelas
comunidades, e passou a ser adotado no mundo todo. No Brasil, porém, tal aplicação
ainda se encontra na fase inicial. Poder-se-ia referir que esta fase inicial elenca,
precisamente, as fases de conhecimento e análise para posterior aplicação formal e
universal.
Ainda nas palavras de Zehr (2012, p. 22):

Buscando aplicar sua fé e visão de paz ao campo implacável da


justiça criminal, os menonitas e outros profissionais de Ontário,
no Canadá e depois Indiana, nos Estados Unidos,
experimentaram encontros entre ofensor e vítima, dando origem
a programas, nessas comunidades, que depois serviram de
modelo para projetos em outras partes do mundo.

Com base nessa contribuição, pode-se afirmar que a Justiça Restaurativa surgiu
no momento histórico em que várias pessoas sonharam em fazer justiça de uma forma
diferente. Essa visão restauradora consiste em uma forma alternativa/complementar
de Justiça, que parte da premissa de que: “o crime é uma violação de pessoas e
relacionamentos. Ele cria a obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o
ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação
e segurança.” (ZEHR, 2008, p. 77).
SUMÁRIO

120 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Dessa forma, nas palavras de Storch e Migliari (2020, p. 179):

A JR busca construir uma ponte entre a vítima, o agressor e a


sociedade para que, assim, todos se sentam reparados, e para que
o agressor se sinta digno de poder olhar nos olhos de sua vítima.
Porque ele cumpre a pena olhando para a vítima. Diferentemente
do que acontece na execução penal tradicional, no Ocidente, onde
calcula-se a pena e, então, o cara vai preso e a cumpre. Se foi
cometido mais de um crime, depois da condenação, o cálculo da
pena passa a ser puramente matemático.

Na visão restaurativa, o termo crime pode ser substituído pela expressão ato lesivo.
Nesse segmento, a Justiça tem como escopo reparar a lesão e promover a cura dos
envolvidos no fato, portanto, dentre os vários objetivos destaca-se, primeiramente, o
da reparação e da superação/tratamento do conflito pelas vítimas. Nesse sentido, a
expressão cura para as vítimas não significa esquecer o fato lesivo e, sim, consiste em
um centro de recuperação e uma forma de encerrar o ciclo. Encerrando o ciclo,
consequentemente, a cura propõe uma relação e esperança para o futuro.
Uma das várias diferenças entre as Justiças Retributiva e Restaurativa é que a
primeira se centra nos fatos e resultados ocorridos no passado, enquanto a segunda
está na superação do fato com um olhar para o futuro. Dentre os vários processos
aplicados à superação do fato, e não apenas à vítima, mas, também, ao ofensor,
encontra-se a reconciliação, que consiste no movimento de “entendimento” vítima-
ofensor.
Assim, o instituto supramencionado proporciona às partes envolvidas no litígio
a possibilidade de arrependimento e perdão e, em consequência, o estabelecimento de
um relacionamento positivo entre vítima e ofensor. Teoricamente, o instituto da
reconciliação apresenta a possibilidade de ser aplicado e surtir efeitos em todos os
casos, porém, na prática é um pouco diferente.
Nesse sentido, Zehr (2008, p. 77) destaca que:

[...] não seria realista esperar que a reconciliação aconteça em


todos os casos. Em muitos deles não se chegará a nada parecido
com reconciliação. Em outros, será possível evoluir para um
relacionamento satisfatório que não envolva intimidade ou
confiança total. Os participantes jamais devem sentir que estão
sendo coagidos a se reconciliarem.

Segundo Zehr (2008, p. 180), “uma justiça que vise satisfazer e sobejar deve
começar por identificar e tentar satisfazer as necessidades humanas.” Nesse segmento,
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 121


pode-se constatar claramente que para a aplicação de uma justiça não se deve atentar
apenas às necessidades da vítima ou do ofensor, mas, sim, às necessidades humanas.
O termo necessidades humanas revela que nas partes envolvidas em um crime/conflito,
os fatores relacionados ao contexto social, familiar, pessoal envolvem o caso e,
consequentemente, a aplicação da Justiça.
Ainda no entendimento de Zehr (2008, p. 180):

No caso de um crime, o ponto de partida deve ser as necessidades


daqueles que foram violados. Quando um crime acontece (tenha
o ofensor sido identificado ou não), a primeira preocupação é:
‘Quem sofreu dano?’, ‘Que tipo de dano?’, ‘O que estão
precisando?’. Esse tipo de abordagem, é claro, difere muito da
justiça retributiva que pergunta em primeiro lugar: ‘Quem fez
isso?’, ‘O que faremos com o culpado?’ – e que dificilmente vai
além disso.

Após breve explanação dos métodos de solução de conflitos, é possível certificar


que todos apresentam algumas características em comum, entre elas: a busca da
solução efetiva do conflito; o destaque da resolução do conflito com a participação
direta das partes envolvidas; a utilização da Comunicação Não Violenta (CNV); a
prática da escuta ativa, entre outras.
Nesse sentido, a sociedade e o ordenamento jurídico iniciaram um caminho
direcionado a um novo olhar sobre o conflito, a uma nova forma de justiça e
pacificação social. Para tanto, dispõe-se de mecanismos hábeis, com vistas à promoção
da cultura da paz, os quais se encontram à disposição da sociedade e dos operadores
do Direito.
A utilização de tais métodos possibilita uma nova forma de promoção dos
direitos humanos e da cidadania, da inclusão do diálogo e da cultura da paz social,
com dignidade. Para tanto, deve-se buscar a desconstrução da hegemonia estatal e
possibilitar aos cidadãos uma nova forma de resolução de conflitos, colocando-os no
centro da realização dos seus direitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como objetivo geral analisar a possibilidade da aplicação dos
métodos autocompositivos, com ênfase na conciliação e na mediação, para a resolução
dos conflitos, centrada na figura dos atores sociais a partir da sua efetiva participação
por meio do diálogo.
SUMÁRIO

122 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A notória crise enfrentada pelo sistema de Justiça tem ganhado atenção e


visibilidade tanto pela sociedade quanto pelos operadores do Direito. Isso se dá em
razão de o Poder Judiciário não estar conseguindo promover com efetividade a
resolução dos conflitos que são levados à sua devida apreciação.
Em razão da evolução social, os conflitos são cada vez mais complexos,
considerando que no decorrer dos anos, as necessidades de melhoria na estrutura
econômica e social tem aumentado de forma significativa, o que resulta em
transformações sociais, culturais e jurídicas.
Os altos índices de demandas judicializadas, no entanto, demonstram que o
Poder Judiciário carece na entrega da prestação jurisdicional efetiva aos cidadãos, ou
seja, as formas como os conflitos estão sendo tratados merecem um novo olhar tanto
pelo Poder Judiciário quanto pelos operadores do Direito e pela sociedade. Pelo
presente artigo, verificou-se que esse novo olhar já iniciou no ordenamento jurídico
por intermédio dos métodos autocompositivos de resolução de conflito.
Dentre os métodos autocompositivos, destacou-se, a conciliação, a mediação, a
constelação familiar e a justiça restaurativa, cujas ferramentas apresentam
características comuns, como a busca da solução efetiva do conflito; o destaque à
resolução do conflito com a participação direta das partes envolvidas; a utilização da
Comunicação Não-Violenta (CNV); a prática da escuta ativa, entre outras.
Nesse sentido, conclui-se que a aplicação dos métodos autocompositivos da
conciliação e da mediação, acarreta uma aproximação do mundo jurídico com o social
proporcionando uma justiça inclusiva e socializada, tendo em vista que o indivíduo
social ao participar do procedimento de resolução do seu conflito possibilita uma
maior eficácia no que diz respeito ao cumprimento do acordado. No que se refere ao
operador do direito, ao realizar o seu trabalho, a aplicação da conciliação e mediação,
proporciona um olhar humanizado e até mesmo empático, o que o possibilita a
visualizar o contexto que ensejou o conflito.
Palavras-chave: Conciliação. Conflito. Mediação. Participação.
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SUMÁRIO

124 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

18
PODE A SUBALTERNA FALAR? MAPEANDO A JUSTIÇA
RESTAURATIVA NA JUSTIÇA FEDERAL DO RIO GRANDE DO
SUL A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA DE DIREITOS HUMANOS
DE GÊNERO E RAÇA

CAN THE SUBALTERN TALK? MAPPING RESTORATIVE JUSTICE IN THE


FEDERAL JUSTICE OF RIO GRANDE DO SUL FROM A GENDER AND RACE
HUMAN RIGHTS PERSPECTIV

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto Dissertação de Mestrado do PPGD da Unijuí.

Juliana Mayer Goulart


Mestranda em Direito, com ênfase em direitos humanos no Programa de Pós Graduação em
Direito da Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, bolsista UNIJUÍ.
Email: Juliana.goulart@sou.unijuí.edu.br

Rosante Teresinha Carvalho Porto


Pós-doutora em Direito e Sociedade pela Universidade La Salle. Professora da Graduação
em Direito e do Programa de Pós-graduação em Direito da UNIJUÍ. Ijuí, Rio Grande do Sul,
Brasil. E-mail: rosane.cp@unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
A pesquisa analisará a implementação da justiça restaurativa do Rio Grande do
Sul como política pública do sistema judiciário federal da 4ª Região, a introdução de
técnicas restaurativas no âmbito da Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JFRS), a
formação de facilitadores e facilitadoras e a aplicação dessa política em casos concretos
entre 2021 e 2022. A partir a avaliação desse cenário da justiça restaurativa na Justiça
Federal do Rio Grande do Sul, apontará possíveis conexões com garantias de direitos
humanos nas categorias raça e gênero e suas interseccionalidades.
Embora o tema da justiça restaurativa não seja recente, sua aplicação na Justiça
Federal da 4ª Região foi regulamentada em 2021, com a publicação da Resolução 87 do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A criação dos Centros de Justiça Restaurativa
em cada um dos três estados, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná data de 21
de julho de 2021, por meio da Resolução 87. A JR vem se consolidando como filosofia
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 125


apta a desenhar um modo mais amplo de aproximar a sociedade do ideal de justiça
buscado. Enquanto oportuniza escutas e permite que aflorem as dores que permeiam
os conflitos, abre espaço para um olhar mais abrangente dos dilemas humanos,
iluminando violências estruturais que, no mais das vezes, lhes servem de pano de
fundo: desigualdades e discriminações por raça-etnia, gênero, classe, sexualidade e
tantas outras categorias geradoras de exclusão social, de humilhações,
subalternizações, que separam os indivíduos entre o grupo do “nós” e o grupo dos
“outros”.
Nessas circunstâncias, uma JR limitada a abarcar apenas o conflito judicializado
ou exclusivamente o dano apresentado pelas partes envolvidas, sem iluminar as
demandas estruturais que subjazem a violência, corre o risco de ter seu potencial
transformador extremamente tolhido.
O acesso à justiça que propomos é entendido de modo amplo, abrangendo tanto
a efetivação do direito a acessar o judiciário, como à experimentação de um processo
que aproxime indivíduos dessa justiça buscada. É nesse espaço de fertilidade da JR,
enquanto filosofia e prática em construção, que o objeto da pesquisa se encaixa.
Nesse sentido, o problema ao qual se busca resposta é em que medida a justiça
restaurativa em construção na Justiça Federal do Rio Grande do Sul tem contribuído
para a concretização de direitos humanos ao lidar com violências de gênero, raça e
suas interseccionalidades?
A escolha das categorias gênero e raça para avaliar as bases das violências que
permeiam os conflitos se dá pela subjetividade da pesquisadora, mulher e negra, que
propõe a construir ciência a partir de seu próprio lugar, em coerência aos estudos
subalternos de SPIVAK (2010) que referenciam o trabalho e inspiram o título.
A hipótese levantada é que a justiça restaurativa pode ser um caminho hábil à
integração das abordagens de violência de gênero e raça na equação de soluções
judicializadas de conflitos na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, de modo a
amplificar a efetividade do acesso à justiça.
Quanto à metodologia, a pesquisa será realizada em campo, através de
levantamento no banco de dados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região sobre os
casos em que foram aplicadas práticas restaurativas, no período de 2021 a 2022, que
envolva partes que se encaixem nas categorias de gênero (feminino) e ou raça (pessoas
negras) eleitos conforme as razões acima. No segundo momento, serão entrevistados
facilitadores e facilitadoras que tenham atuado nesses procedimentos restaurativos
eleitos. O número de casos a serem avaliados será uma amostragem de 10. Para isso a
pesquisa será submetida à aprovação do Comitê de Ética.
SUMÁRIO

126 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A justiça restaurativa se converte em paradigma amplo, em conjunto de
princípios e práticas pautadas nesses princípios que pretendem alcançar um direito
mais integrador, que ultrapasse a lógica punitiva, meramente reprodutora de
discriminações raciais e de segregação das minorias sociais (ACHUTTI e PORTO,
2021).
Para tanto, a JR se solidifica no acolhimento das necessidades das partes
(especialmente das vítimas), bem como atribuição de responsabilidades para quem dá
causa a esse dano, numa relação compartilhada de corresponsabilizações entre as
diversas. O foco no dano e na necessária reparação à vítima, bem como na
autorresponsabilização do ofensor, no empoderamento das partes, incluindo a
comunidade, pelos motivos do conflito, consideração de contexto econômico e social
dos envolvidos, são pressupostos das práticas restaurativas. O autor ressalta que os
pilares da JR se concentram nos danos e as consequentes necessidades, nas obrigações
decorrentes desse dano e no envolvimento legítimo e voluntário das partes
interessadas na solução do conflito (ZEHR, 2012, p. 36).
Para aproximação dos temas de JR e violências estruturais que fundam os
conflitos, essencial o estudo da teoria crítica dos direitos humanos. Para fazer frente a
isso, pontua-se a inafastável obra de Joaquín Herrera Flores (2009), que nos provoca a
examinar não apenas a formalidade posta pelo direito em termos de garantias
mínimas a todas as pessoas, mas também o alcance material desses direitos, cientes
daquilo que o autor chamou de “contexto material hegemônico”.
Ainda na perspectiva crítica, sob um prisma do feminismo, Nancy Fraser e sua
Teoria Tridimensional de Justiça, conceito adotado aqui para pautar o entendimento
sobre o conceito de justiça, servirão de fio condutor das premissas e proposições.
A autora adapta sua obra conforme a evolução social, moldando-a criticamente a
partir dos dilemas sociais contemporâneos, oferecendo reflexões que impelem a
reflexões que a e base pesquisa pretende construir, com os estudos de subalternidade,
pós-colonialismo e decolonialidade, no que toca aos grupos vulneráveis da realidade
brasileira. Ressalta-se a importância da construção do saber científico a partir de uma
perspectiva decolonial, no sentido de incluir pesquisadores e pesquisadoras de
minorias sociais que falem por si, guardando coerência com os estudos de
subalternidade que constituirão este trabalho. Com o título proposto, a partir de
provocação lançada pela autora indiana Gayatri Chakravorty Spivak “Pode o
subalterno falar”, o olhar será pautado a partir das vivências subalternas e seus
dilemas. Nesse ínterim, autores centrais entrarão em cena para, juntamente com
Spivak (2010), para colaborar na releitura dos saberes sobre desigualdade de gênero e
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 127


raça/etnia a partir dos estudos de subalternidade, contando com Quijano (1993),
Mignolo (2017), Lugones (2019) e Vergès (2020).
Ao lidar com o conceito de racismo, o faremos incluindo a constituição subjetiva
do ser negro, percebendo-a como causa daquilo que Fanon (2020, p. 27) chamou de
desvio existencial imposto ao negro. Nessa temática o protagonismo recairá sobre o
autor já referido, além de Aimé Césaire (2020), Grada Kilomba (2019), traduzidos à
nossa realidade social por autoras do feminismo negro como Sueli Carneiro (2011) e
Lélia González (2020), além da própria Fraser (2019). Será utilizada a obra “Feminismo
para os 99%” de Fraser, justamente em razão da proposta de alinhamento com a
perspectiva de uma práxis de justiça social que combata às opressões nas mais
diversas categorias, bem como à proposição de políticas capazes de enfrentar os
dilemas de uma sociedade global em que o acesso aos bens, ao espaço público e à
possibilidade de existência discursiva dos sujeitos não se projeta de modo
individualizado ou estanque.
A dissertação será composta de três capítulos, servindo o primeiro para a
conceituação e contextualização de justiça restaurativa e como está no atual cenário do
sistema de justiça do Rio Grande do Sul. O segundo apresentando os dados coletados
e a análise crítica desses resultados. E o terceiro discorrerá sobre possíveis caminhos de
incremento do uso de práticas restaurativas para a garantia dos direitos humanos de
equidade de gênero e raça.
A pesquisa foi submetida à banca de qualificação de projeto de dissertação no
último dia 20 de abril, restando aprovada com conceito A.
Atualmente encontra-se na fase de juntada de documentação para submissão ao
Comitê de Ética. Concomitantemente, o primeiro capítulo está sendo elaborado,
tratando da conceituação de Justiça Restaurativa e sua contextualização no Brasil e no
Rio Grande do Sul, um dos estados pioneiros na adoção de práticas restaurativas no
sistema de justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos o crescimento da justiça restaurativa no cenário nacional e gaúcho e
o modo como essa filosofia de pacificação social vem sendo adotada pelo judiciário
federal do rio grande do sul.
Constatamos que a constituição social brasileira, alicerçada no colonialismo
estrutura condutas e pensamentos de hierarquização entre os seres humanos,
fundamentando o machismo e o racismo, tão presentes nas bases dos conflitos que
chegam ao poder judiciário.
SUMÁRIO

128 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Apontamos a justiça restaurativa como um caminho fértil para práticas mais


humanizadas dentro do sistema de justiça, sendo para esse intento, imprescindível
uma análise crítica para as questões de gênero e raça e suas interseccionalidades ao se
moldar a justiça restaurativa em crescimento no judiciário federal gaúcho.
Por fim, propomos a pesquisa empírica a ser desenvolvida dentro da Justiça
Federal do Rio Grande do Sul como forma de avaliar concretamente se a justiça
restaurativa praticada tem servido de instrumento de acesso pleno de justiça e respeito
aos direitos humanos, especificamente os de igualdade substantiva de gênero e raça.
Concluímos, até o presente estágio de desenvolvimento da pesquisa, que há
indícios de confirmação da hipótese levantada, no sentido de ser a justiça restaurativa,
com seus princípios e práticas, o arcabouço teórico e prático para abordagens mais
adequadas das desigualdades de gênero e raça dentro do judiciário federal gaúcho.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Gênero. Justiça Federal do Rio Grande do Sul.
Justiça Restaurativa. Raça.

AGRADECIMENTOS
Agradecimento à Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -
UNIJUÍ, por ter me concedido a bolsa parcial de estudos, sem a qual eu não teria a
oportunidade de realizar este sonho de me tornar mestra. Agradeço, ainda, à minha
orientadora, professora Rosane Teresinha Carvalho Porto pela grande parceria e
disponibilidade até este ponto da minha jornada acadêmica e pela coragem de abordar
temas que falam da nossa subjetividade de mulheres negras.

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ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena, 1ª ed.. 2012.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 131

19
A DIGNIDADE HUMANA E O CONTRATO DE TRABALHO
INTERMITENTE COMO UM DOS IMPACTOS DA
GLOBALIZAÇÃO

HUMAN DIGNITY AND THE INTERMITTENT WORK CONTRACT AS


ONE OF THE IMPACTS OF GLOBALIZATION

Trabalho Desenvolvido como Atividade da Bolsa de Iniciação Científica, sob orientação da


professora Dra. Elenise Felzke Schonardie, vinculada ao Grupo de Pesquisa “Direitos
Humanos, Governança e Democracia” - GP Mundus; do PPGD/UNIJUÍ.

Julia Batista Braucks


Aluna do curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ; 10°semestre; bolsista CNPq de Iniciação Científica,
orientanda da Profa. Dra. Elenise Felzke Schonardie; vinculada ao Grupo de Pesquisa
“Direitos Humanos, Governança e Democracia” - GP Mundus; do PPGD/UNIJUÍ. E-mail:
julia.braucks@sou.unijui.edu.br

Elenise Felzke Schonardie


Doutora em Ciências Sociais (UNISINOS); Mestre em Direito (UNISC). Professora do
Quadro Docente do Programa de Doutorado e Mestrado em Direitos Humanos da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ e, do Curso
de Graduação em Direito da UNIJUÍ. Vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa no CNPq
“Direitos Humanos, Governança e Democracia” - GP Mundus; membro da ReDRI e da Rede
Internacional e Interdisciplinar sobre as Desigualdades. E-mail:elenise.schonardie@unijui.
edu.br.

INTRODUÇÃO
A pesquisa investigou se o Contrato Intermitente de trabalho tem prestigiado a
dignidade da pessoa humana enquanto princípio matriz dos direitos humanos. Esta
modalidade de contrato laboral, introduzida na legislação brasileira pela Lei Federal
13.467/2017 – denominada Reforma Trabalhista – cuja vigência teve início em 14 de
novembro de 2017, foi criada para tutelar trabalhadores informais, sujeitos que
estavam à margem da proteção legal. A pesquisa procurou responder se essa
modalidade de contrato laboral tem resultado em danos colaterais que afetam a
dignidade desses trabalhadores ou tem se mostrado benéfica aos mesmos. Por esta
SUMÁRIO

132 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

modalidade de contrato laboral, o trabalhador altera períodos de inatividade e


períodos de prestação de serviços, com isso passa a receber apenas pelo tempo de
trabalho efetivo, ao invés de ter uma contratação por tempo indeterminado. Existem
inúmeras controvérsias a respeito dessa modalidade contratual, pois priva o
trabalhador dos ganhos pelo período de sobreaviso, por exemplo e, também, exige
muito esforço para que o mesmo alcance uma renda mensal de um salário mínimo.
Isso afeta a garantia constitucional de dignidade do trabalhador.
A pesquisa qualitativa usou o método de abordagem hipotético-dedutivo, que
deduz possíveis problemáticas e soluções. A hipótese do trabalho abarcou a
efetividade da dignidade do trabalhador no que tange a segurança que o Contrato
Intermitente proporciona ao trabalhador. O procedimento de pesquisa foi por meio de
pesquisa bibliográfica e documental nos meios disponíveis eletrônica e fisicamente na
área jurídica. A análise dos dados indiretos colacionados observou o método de
interpretação jurídica teleológica na medida em que dirige a atenção ao fim que a
norma procura alcançar, ou seja, dirige sua atenção para o bem jurídico tutelado pela
norma, superando a lógica formal.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com a Constituição Federal de 1988 o princípio da dignidade da pessoa humana
ficou em evidência e isso serviu de base para estruturar o sistema normativo brasileiro
que passou a ter como objetivo central a proteção dos direitos do ser humano
(MIRAGLIA, 2011, pg.62). Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana:

É o valor supremo sobre o qual se edifica a sociedade brasileira.


Forçoso asseverar, então, que o princípio da dignidade humana
permeia todos os ramos do Direito, devendo ser sempre
perseguido pelo legislador e pelo intérprete da lei, além de influir
nas condutas humanas particulares. (MIRAGLIA, pg. 64, 2011)

Sem embargo, quando alguém é privado de instrumentos mínimos de afirmação


social, sua dignidade é violada. Como ser integrante de uma comunidade, a pessoa
tem direito à intangibilidade dos valores individuais básicos e a um mínimo de
possibilidade de afirmação social, ou seja, o emprego é esta afirmação social
(DELGADO, 2006).
Isso se corrobora através do texto do artigo 23 da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 1948, onde consta que todo aquele que trabalha “tem direito a
uma remuneração eqüitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma
existência conforme com a dignidade humana” (DUDH, 1948).
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 133


Nesse sentido, “[...] a dignidade da pessoa humana exige que se criem condições
reais para que também a pessoa seja autora e participante de sua realização” (LEDUR,
1998, p. 101) e, é possível afirmar que essas conquistas perpassam o indivíduo e
alcançam a sociedade em que está inserido pois pode criar qualidade de vida para
diversas pessoas (LEDUR, 1998).
De modo geral, a Constituição Federal apresenta-se como uma base segura para
a proteção dos direitos humanos e dentre estes, os de cunho trabalhista, reconhecendo
tanto no setor público quanto no privado a complexidade do trabalho e a necessidade
de proteção, valorizando a estabilidade do vínculo empregatício, a justa remuneração,
o controle das jornadas, bem como outras previsões legais com fins sociais que visam
garantir o bem-estar do trabalhador e a relevância social do labor (ABREU, 2016).
A legislação infraconstitucional brasileira prevê, na Consolidação das Leis
Trabalhistas, em seu artigo 443, algumas modalidades contratuais. Quanto à
manifestação de vontade o contrato pode ser expresso ou tácito, no entanto, no que
tange a duração do contrato pode ser por tempo determinado ou indeterminado e, por
fim, o Contrato de Prestação de Trabalho Intermitente. (BRASIL, 2023).
Quanto ao Contrato Intermitente, surgiu com a reforma trabalhista de 2017 e teve
como condão tutelar os trabalhadores até então considerados informais, sendo-lhes
assegurado, conforme está disposto no artigo 452-A da Consolidação das Leis
Trabalhistas, o salário mínimo hora, férias proporcionais, décimo terceiro salário
proporcional, repouso semanal remunerado, adicionais legais, contribuição para o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), de Contribuição e Filiação
Obrigatória à previdência social (BRASIL, 1943) Todavia, pode-se afirmar que a
legislação instituiu apenas mais uma nova forma de remuneração baseada na
quantidade de trabalho realizado ou de tarefas cumpridas pelo trabalhador. Esse tipo
de remuneração é calculado a partir da produção do trabalhador em um mês, que é
estimada pelo número de horas que ele efetivamente trabalhou no ambiente de
trabalho quando convocado pelo empregador. (DELGADO, 2017). Ao considerar
que o trabalhador intermitente somente receberá pelas horas efetivamente
trabalhadas, um trabalhador que é chamado com baixa frequência, inevitavelmente,
receberá menos que o salário mínimo, ou seja, isso ocasionaria na violação de um
direito constitucionalmente previsto. (SILVA; RODRIGUES, 2020).
São muitas as controvérsias a respeito desta modalidade contratual. Por um lado,
não havia previsão legal alguma para as pessoas que alternavam períodos de
inatividade com períodos de prestação de serviços, ficando ao total desamparo legal,
por não se enquadrem no requisito da habilidade exigido para que os reconhecessem
como trabalhadores e abrigados pelos direitos trabalhistas. Ocorre que da forma
SUMÁRIO

134 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

como a redação do artigo legal foi redigida pairam dúvidas sobre os supostos
benefícios ao trabalhador, isto porque esse contrato tem sido usado como uma forma
de evitar o pagamento pelo tempo que o trabalhador estava sobreaviso.
É possível que haja um aumento na contratação dessa modalidade durante
períodos de flexibilização econômica, como evidenciado por dados que mostram que
a participação dos empregados intermitentes nas admissões totalizou um aumento de
0,9% para 1,3% durante a pandemia, de acordo com um artigo do jornal Folha de São
Paulo publicado em 22 de agosto de 2020, contudo, a facilidade de demissão de
empregados intermitentes resultou em maiores perdas iniciais de postos de trabalho
(PERRIN,2020)
Esta modalidade de contrato de trabalho intermitente é prejudicial para o
trabalhador, uma vez que gera instabilidade econômica e não oferece garantia de uma
jornada mínima de trabalho que assegure o recebimento de um salário mínimo. Tal
insegurança pode levar a problemas de saúde psicológica e situações de assédio moral
nas empresas, prejudicando a vida e a dignidade dos trabalhadores. (SILVA, 2019, p.
50)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Contrato de Trabalho Intermitente tem gerado muitas críticas e controvérsias
pois viola os direitos trabalhistas e a dignidade da pessoa humana, uma vez que os
trabalhadores podem ser convocados a trabalhar de forma intermitente sem a garantia
de uma remuneração mínima suficiente para uma existência conforme com a
dignidade humana.
Além disso, o contrato intermitente pode prejudicar o trabalhador, que não tem
uma previsibilidade de renda e não sabe quando será convocado para trabalhar,
dificultando a organização de sua vida pessoal e familiar. Ainda, muitos trabalhadores
intermitentes enfrentam problemas para receber seus salários e para ter acesso aos
direitos trabalhistas previstos na legislação brasileira.
Por esses motivos, o contrato intermitente pode levar a uma remuneração
precária e desrespeitar a dignidade do trabalhador, que recebe apenas pelas horas
efetivamente trabalhadas, ou seja, nos moldes atuais, as garantias previstas neste
contrato de trabalho são insuficientes para garantir os direitos trabalhistas e a
dignidade da pessoa humana dos trabalhadores.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Direitos Humanos. Direito do
Trabalho. Contrato Intermitente. Vulnerabilidade social.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 135


REFERÊNCIAS
ABREU, Francisco. O Marco Normativo da Precarização do Trabalho no Brasil:
Entre a Contenção e a Permissão. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas
(UNIFAFIBE). v.4, n.2. 2016. Disponível em: <h�p://www.unifafibe.com.br/revista/
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2023.
BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. Disponível em:
h�p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08
maio 2023
BRASIL. Decreto- Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis
do Trabalho.Rio de Janeiro. Presidência da República. 1943. Disponível em: h�ps://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 08 meio 2023.
DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego – entre o
paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo, Editora LTr,
2006.
DELGADO, Maurício Godinho, DELGADO, Gabriela Neves. A reforma
trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017.São Paulo. Editora LTr,
2017.
LEDUR, José Felipe. A realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1998.
MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho escravo contemporâneo: conceituação
à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Belo Horizonte, Brasil, Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, 2008. Disponível em: h�p://www.biblioteca.
pucminas.br/teses/Direito_MiragliaLM_1.pdf. Acesso em 08 maio 2023.
PERRIN, Fernanda. Intermitentes aumentam participação nas admissões durante
pandemia. Folha de S.Paulo, São Paulo, 22 ago. 2020. Disponível em: h�ps://www1.
folha.uol.com.br/mercado/2020/08/intermitentes-aumentam-participacao-nas-
admissoes-durante-pandemia.shtml?origin=folha. Acesso em: 08 maio 2023.
SILVA, Leda Maria Messias da, ALVÃO, Leandra Cauneta. A escravidão
legalizada: contrato intermitente e as novas regras que vulnerabilizam a relação
de emprego e afrontam os direitos da personalidade. Revista Eletrônica do
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região Trabalho Intermitente. Curitiba. V.8,
n.74, 2019. Disponível em: h�ps://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/
SUMÁRIO

136 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

2 0 . 5 0 0 . 1 2 1 7 8 / 1 5 0 5 9 3 / 2 0 1 9 _ s i l va _ l e d a _ e s c r a v i d a o _ l e g a l i z a d a . p d f ?
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SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 137

20
DA REDISTRIBUIÇÃO AO RECONHECIMENTO: o mundo
globalizado e a teoria de justiça pós-westfaliana de Nancy Fraser

FROM REDISTRIBUTION TO RECOGNITION: the globalized world and


Nancy Fraser post-westfalian theory of justice

Projeto de pesquisa desenvolvido em parceria autônoma entre egressa e aluna do curso de


Mestrado em Direitos Humanos da Unijui.

Lavinia Rico Wichinheski


Advogada Criminalista - OAB/RS 130.323. Mestra em Direito (UNIJUI). Bacharela em Direito
(UNIJUI). E-mail: lavinia_rico@hotmail.com. La�es: h�p://la�es.cnpq.br/5275679196902268.

Natália Cerezer Weber


Bacharela em Direito (UNIJUI). Mestranda em Direitos Humanos (UNIJUÍ). Pesquisadora no
Grupo de Pesquisa (CNPq) Direitos Humanos, Justiça Social e Sustentabilidade. E-mail:
nataliacweber@gmail.com. La�es: h�p://la�es.cnpq.br/2858669485010022.

INTRODUÇÃO
Com a globalização e a ascensão do capitalismo, a teoria de justiça tem nos
mostrado ser cada vez mais complexa, visto que os estados modernos se apoiam na
soberania do poder. Com a era pós-socialista, e os conflitos sociais, surge a emergente
necessidade do desenvolvimento de teorias de justiça a qual possam garantir a
integração e a promoção de um quadro conceitual adequado às demandas sociais
modernas. Neste artigo, trataremos sobre a necessidade do debate sobre a teoria de
justiça de Nancy Fraser, de modo a enfatizar sob um viés critico a ideia de que o
capitalismo e a globalização contemporânea possuem origem comum, e que
necessitam de uma maior atenção as políticas sociais que dizem respeito aos valores
culturais do corpo social, de modo em que possam garantir os direitos fundamentais
inerentes ao homem.
SUMÁRIO

138 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

RESULTADOS E DISCUSSÕES
O debate no que diz respeito a ideia de justiça tem acompanhado as mudanças da
globalização, a política moderna requer e exige ações sociais sob a perspectiva
mundial. A era pós-socialista é marcada por um período de lutas políticas pelo
reconhecimento, ao final do século XX, em contraposição a uma política redistributiva
(SANTOS, 2020, p. 71). O referido período merece atenção pela exigência de uma
maior preocupação teórico-política em relação à exploração socioeconômica, a partir
de tal movimento surge ainda um novo ideário político, este focadono
reconhecimento.
A era pós-socialista é caracterizada por três elementos, sendo estes: a) a
exigência da constatação de reconhecimento das diferenças; b) dificuldade em
estabelecer uma visão progressista alternativa ao socialismo, mais conhecido como,
esgotamento das energias utópicas; c) o ressurgimento do liberalismo econômico na
forma de um neoliberalismo global, tornando tal relação incompatível com os direitos
e garantias de um estado regido pelo bem-estar social. O período é marcado pela
inexistência de um projeto emancipatório e efetivo, visto que a mercantilização tem se
mostrado agressiva, fomentando o crescimento das desigualdades materiais, trata-se,
de “[...] um estado de ânimo cético ou um conjunto de sentimentos que marca a
situação em que se encontra a esquerda após 1989” (FRASER, 1997, p. 01).
Fraser propõem que o principal problema para os paradigmas de justiça diz
respeito em saber se as questões de ordem moral por si só são capazes de compreender
as reivindicações pelas diferenças, ou se há a necessidade da implementação de
questões éticas. Assim, como método de resposta a tais mazelas, Fraser desenvolve a
ideia bidimensional ou dualista de teoria de justiça, cujo os elementos caracterizadores
são a redistribuição e o reconhecimento, mais conhecidas como ideologias pós-
westfalianas. A teoria de justiça de Fraser, nos deixa claro que a luta pelo
reconhecimento tem se tornando um grande paradigma no que diz respeito ao
conflito político do século XX, ainda, sabe-se que apenas algumas lutas sociais
representam avanços para a justiça, enquanto outras não, estamos diante de uma luta
travada. Sendo assim, há a necessidade de uma teoria crítica do reconhecimento, “[..
.]que identifique e defenda apenas aquelas versões da política cultural da diferença
que possam ser coerentemente combinadas com a política igualdade social” (FRASER,
1997, p. 12), desvinculando toda e qualquer ideia de luta imaginária.
O único remédio capaz de superar tais questões, corresponde com a
reestruturação político-econômica, não basta apenas o reconhecimento de pessoas
acometidas pelas injustiças sociais, necessita-se de redistribuição. Trata-se de uma
dominância de classes, baseada em uma determinada estrutura econômica, assim, “no
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 139


esquema capitalista de reprodução social, o proletariado recebe uma grande e injusta
parte dos encargos, e uma pequena e injusta parcela das recompensas” (FRASER,
1997, p. 17). O reconhecimento é visto como uma forma de autorrealização, enquanto
a redistribuição é vista como uma questão de justiça, assim, tais preceitos não podem
ser universalizados, pois, serão injustamente subordinados a uma estrutura de classes
ou até mesmo a uma hierarquia de status, nega-se o sujeito quanto a participação em
condições de igualdade com os demais.
O estados fracos, são a nova ordem mundial, globalizada por uma desordem, que
precisa se sustentar e reproduzir, o padrão dominante podendo ser descrito como um
afrouxamento dos freios, desregulamentação, liberalização, flexibilidade, fluidez
crescente e facilitação das transações nos mercados, nesse sentido, os estado são fracos,
mas continuam sendo estados, cria-se uma globalização doméstica docilmente
obedecida por preceitos monetários internacionais (BAUMAN, 1999, p. 66), por essa
razão, há uma emergente necessidade no que em responder as questões do dilema
redistribuição-reconhecimento.
Fraser, acredita que as soluções e transições para uma sociedade mais igualitária,
são “culturalmente distantes dos anseios e identidades mais imediatos das
coletividades ambivalentes mencionadas, isto é, constituem-se mais como uma
estratégia transitória para uma sociedade mais igualitária (SANTOS, 2020, p. 87),
assim, entende que tanto nas questões ligadas ao gênero como a raça, a resistência da
promoção de uma política de retribuição-reconhecimento diz respeito a lógica
socialista na economia e a desconstrução na cultura.
A teoria bidimensional, sob influências de uma moralidade kantiana, e uma ética
hegeliana, demonstra-se ser antagônica, e, portanto, compreende uma grande
esquizofrenia filosófica. Há um dualismo substantivo, em que o sistema do mundo da
vida, possui duas esferas sociais responsáveis pela reprodução material e simbólica do
corpo social, que diz respeito a economia e a cultura. A esfera cultural é negligenciada,
e prevalece desta forma a dimensão econômica, assim, as lutas por reconhecimento e
retribuição tem nos mostrado ser um fracasso, pois dissocia-se uma esfera da outra.
A globalização não significa dizer respeito ao que todos nós desejamos fazer, diz
respeito ao que está acontecendo a todos nós, são forças anônimas operando em uma
terra de ninguém, uma selva manufaturada, com agentes ordenadores habituais tidos
como seguros, e uma nação ainda mais impotente e fraca (BAUMAN, 1999, p. 59).
A justiça necessita de arranjos sociais que possibilitem que todos possam viver
harmoniosamente, desta forma, superar as injustiças significa destruir alguns
obstáculos institucionalizados por séculos, estes que impedem a participação de
alguns sujeitos nas decisões e interações do corpo social.
SUMÁRIO

140 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

O processo de globalização, trouxe consigo o impacto daqueles que estão fora de


seu espaço geográfico, dá-se maior importância a opinião pública na esfera
transnacional. As lutas de reconhecimento e redistribuição, passam a incentivar a
internacionalidade, e chamam a atenção dos processos discriminatórios que sofrem os
estados em seus respectivos territórios. A teoria de justiça deixa de lado o seu contexto
bidimensional, para se tornar agora tridimensional, preocupando-se então com o
reconhecimento, redistribuição e representação.
A representação, como terceira dimensão, é abordada por Nancy Fraser a partir
da associação à figura da balança e do mapa, tendo como referência um juiz imparcial
que julga as reinvindicações em conflito, e o mapa na qual representa as relações
espaciais. Tal simbologia, serve como forma de elucidação à justiça em tempos de
globalização, visto que as lutas sociais contemporâneas estão permeadas por
assimetrias de poder, e com isso, aqueles desfavorecidos encontram-se sob um
discurso de baixa solução das demandas em conflito, além do exposto, acredita-se que
há uma falta de compreensão acerca da substancia da justiça (SANTOS, 2020, p. 74).
Para Fraser, o princípio da teoria bidimensional passa a ser violado dado o momento
que surgem obstáculos institucionais a qual impedem de que alguns sujeitos
participem como membros plenos da integração social, tais impedimentos ocasionam
a má distribuição de justiça, desigualdade social e reconhecimento errôneo (FRASER,
2009, p. 17).
A dimensão política baseada na representação, torna possível analisar se as
relações são justas, em outros termos, a representação está acompanhada da noção de
inclusão política. Segundo Fraser e Honneth (2006, p. 47), os debates públicos
merecem destaque, visto que somente assim poderá ser discutido acerca dos padrões
institucionalizados depreciativos, que deslegitimam a igualdade. Nesse sentido, “Tal
reivindicação não visa a valorização de uma identidade do grupo, mas a superação da
subordinação, procurando instituir a parte subordinada como membro pleno da vida
social, capaz de interagir paritariamente com os outros” (FRASER, 2002, p. 16).
Não restam dúvidas que em um mundo globalizado devem ser reformulados os
fundamentos de justiça, de modo a “contestar, sobretudo, o monopólio dos Estados e
das elites transnacionais na definição dos procedimentos pelos quais o
enquadramento da justiça é desenhado e revisado.” (SANTOS, 2020, p. 115).
Deve ser levado em consideração um modelo tridimensional da justiça, sem que
setores da sociedade sejam “afetados mutualmente pela má distribuição de recursos e
por um reconhecimento que o depreciem” (GODINHO, 2017, p. 53), e portanto, resta
evidente a importância da pariedade participativa, a qual é “capaz de abarcar as
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 141


demandas por redistribuição, reconhecimento e representação, faz a mediação das
esferas econômica, cultural e política, a fim de fomentar a justiça, e, dessa forma,
garantir que os atores possam estar em igualdade no debate público.” (GODINHO,
2017, p. 59).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria tridimensional de justiça, é caracterizada pela redistribuição de riquezas,
reconhecimento das diferenças, e representação política. Tanto as distribuições de
recursos materiais, como o reconhecimento dos valores culturais, devem possuir
independência de modo a dar voz aos participantes, bem como, as demandas devem
ser condicionadas à paridade participativa, visto que é completamente injusto uma
demanda social gerar disparidade frente a outra. As teorias de justiça contemporâneas
devem atentar-se a complexificação social, e possibilitar que os anseios populares
sejam atendidos, redistribuição, reconhecimento e representação devem andar lado a
lado.
Palavras-chave: Teoria de Justiça. Reconhecimento. Redistribuição. Remédios
afirmativos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bauman, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar. Ed. 1999. Tradução de: Globalization: the human consequences. ISBN 85-7110-495-6

FRASER, Nancy. Justice Interruptus: Critical reflections on the “Postsocialist” condition. New York &
London: Routledge, 1997.

FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. Redistribution or recognition? A Political Philosophical Exchange.


Trad. Joel Galb, James Ingram, Christiane Wilke. London & New York: Verso, 2003.

FRASER, Nancy, HONNETH, Axel. “¿Redistribuición o Reconocimento?”. Madri: Ediciones Morata, S. L,


2006.

FRASER, Nancy. Scales of Justice: Reimagining political space in a globalizing World. New York:
Columbia University Press, 2009.

GODINHO, Pedro Henrique Carvalho Morais. A Teoria Crítica E A Questão Racial No Brasil: A
Atualidade Da Teoria Tridimensional De Nancy Fraser. Revista do CAAP | n. 01 | V. XXIII | pp. 46-62 |
2017.

SANTOS, Nélio Lustosa. Esfera pública transnacional em Nancy Fraser: em direção a uma teoria de
justiça Pós-Westfaliana. Porto Alegre, RS: Editora Fundação Fênix, 2020.
SUMÁRIO

142 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

21
CIDADANIA, DIREITOS FUNDAMENTAIS E ACESSO À JUSTIÇA:
a democratização do acesso em municípios gaúchos não
sedes de comarca

CITIZENSHIP, FUNDAMENTAL RIGHTS AND ACCESS TO JUSTICE:


the democratization of access in municipalities in the state of rio grande do
sul that do not have district seats

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa intitulado Cidadania, Direitos


Fundamentais e Acesso à Justiça, realizado pela autora no Programa de Desenvolvimento
Regional, linha de pesquisa Políticas Públicas, da Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).

Luana Carolina Bonfada


Advogada, graduada em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (Unijuí); especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público do RS (FMP); Bolsista Prosuc/Capes; mestranda em Desenvolvimento
Regional – Políticas Públicas pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (Unijuí). E-mail: lcbonfada@gmail.com.

Sérgio Luís Allebrandt


Bolsista do projeto Produtividade em Pesquisa do CNPq; professor do PPGDR/Unijuí; líder
do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas Públicas, Desenvolvimento,
Comunicação e Cidadania (GPDeC); doutor em Desenvolvimento Regional pelo PPGDR/
Unisc (2010); mestre em Gestão Empresarial pela EBAPE/FGV (2001). E-mail: allebr@unijui.
edu.br. ORCID: h�ps://orcid.org/0000-0002-2590-6226.

INTRODUÇÃO
Sabe-se que dentre os direitos fundamentais do homem, explicitados na
legislação brasileira, especialmente pela Carta Magna de 1988, consta a previsão à
assistência judiciária em caso de qualquer ameaça ou lesão a direito (art. 5º, inc.
XXXV). Além disso, há ciência de que para que o exercício da cidadania seja usufruído
com plenitude, há necessidade implícita do acesso aos direitos, de maneira satisfatória
e proporcional por todos os cidadãos. Para além, verifica-se que o acesso à justiça, em
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 143


sendo um desses direitos e, caso propiciado de maneira equânime, pode contribuir
para que o desfrute dos direitos fundamentais e, consequentemente, o exercício da
cidadania, ocorram de maneira significativa e justa nos mais diversos municípios.
A partir disso, verificar como as pessoas acessam à Justiça e, consequentemente,
os seus direitos fundamentais, apontando as dificuldades mais significativas
encontradas pelas populações residentes em municípios gaúchos que não são sedes de
Comarcas, o que será primordial para que se tenha uma visão voltada a novos
destinos no que tange às necessidades dessas pessoas e até mesmo do Sistema
Judiciário em relação a este acesso.
Com isso, será possível apontar os instrumentos facilitadores, tais como a Justiça
Itinerante e a assistência judiciária municipal, os quais poderão contribuir para que o
acesso à justiça se dê de maneira igualitária nos diversos municípios do estado Rio
Grande do Sul, especialmente aqueles que não são sedes de Comarca a serem
estudados.
Considerando que o acesso à justiça é assegurado a todos, sem qualquer
distinção, como um direito fundamental do homem, percebe-se, desde então, que
atreladas a essa premissa, tem-se inúmeras dificuldades. Inicialmente, cumpre referir
que até os dias atuais ainda não se atingiu um conceito de justiça exato, apesar das
inúmeras e diversas teorias, inclusive das mentes mais ilustres, como de Platão a Kant
(KELSEN, 2001). Neste mesmo sentido, Kelsen (2001) entende que a justiça somente se
torna um problema se houver conflitos de interesses, pois onde esses não existem, não
há necessidade de justiça.
Segundo Kelsen (2001), portanto, é preciso haver um conflito de interesses para
que haja a precisão de justiça. Cappelle�i e Garth (2015, p. 9), todavia, trazem outra
peculiaridade do acesso à justiça: a exemplo de outros bens, no sistema do laissez-faire
a justiça só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos,
enquanto que aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos
responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à
igualdade, apenas formal, mas não efetiva.
Nesse viés, verifica-se a necessidade de compreender o que trata a justiça, bem
como a evolução teórica do seu acesso, atrelada a políticas públicas que facilitam o
usufruir de direitos, como forma de instrumento, tal como os institutos da Justiça
Itinerante e da assistência judiciária municipal (Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental – ADPF 279). Cappelle�i e Garth (2015) consideram que o
acesso à justiça pode ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos
direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende
garantir e não apenas proclamar os direitos fundamentais.
SUMÁRIO

144 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Tendo em vista que o acesso à justiça, assim como as políticas públicas capazes de
efetivar tal direito, são um problema que perpassa gerações na sociedade brasileira, é
preciso analisar mais atentamente as comunidades que, de forma automática, tendem
a sofrer sobremaneira com a referida adversidade. Diante disso, no presente estudo,
pretende-se averiguar como se dá o acesso à justiça em cidades gaúchas que não são
sedes de Comarca, relacionando-as com as Comarcas a que pertencem.
Para a realização do estudo buscar-se-á, a partir da Hermenêutica de
Profundidade, de Thompson, estabelecer diálogos tanto com as pessoas que já
necessitaram do acesso à justiça para a efetivação de direitos básicos, como com
agentes que estão à frente do exercício da justiça e que atuam nessas cidades. Espera-
se, portanto, ser possível averiguar com maior precisão as dificuldades mais
significativas encontradas por essas populações para o acesso aos seus direitos por
intermédio da justiça, bem como os fatores que contribuíram nesse sentido.
É provável que, na atualidade, os fatores mencionados por Gaulia (2020) e
Capele�i e Garth (2015) contribuam para dificultar ainda mais o acesso à justiça. Sob
outro aspecto, contudo, considerando o desejo da coleta de dados junto aos agentes
que estão à frente da justiça brasileira e das repartições públicas municipais,
propiciando a exposição de suas experiências diárias, é possível que surjam novos
elementos além da eventual identificação de alternativas, e que o acesso à justiça
atenue a problemática da efetivação de direitos fundamentais do homem.
Ademais, o objetivo do presente estudo é contribuir no engrandecimento do
arcabouço teórico já existente sobre o tema. Com a concretização do estudo nos moldes
propostos, acredita-se na realização de uma pesquisa rica em detalhes e informações,
capaz de fortalecer a efetivação dos direitos fundamentais por meio do acesso à justiça,
especialmente das populações residentes em municípios gaúchos não sedes de
Comarca.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em um primeiro momento, buscar-se-á delinear as mais relevantes teorias acerca
da justiça, bem como a maneira como se dá o seu acesso e a identificação das
vulnerabilidades mais significativas para que isso ocorra. Posteriormente, pretende-se
discorrer acerca dos instrumentos facilitadores do acesso à justiça no Brasil. E, por fim,
utilizar-se-á da coleta de dados a ser realizada a partir da Hermenêutica de
Profundidade, de Thompson, para concluir o estudo e apontar os dados acerca do
exercício de direitos fundamentais pelo acesso à justiça em municípios gaúchos não
sedes de Comarca e localizados na região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 145


O conceito de justiça não possui, até a atualidade, exata identificação. A razão de
tal fenômeno é, excepcionalmente, o fato de que assim como a sociedade evolui, de
acordo com as novas tecnologias e possibilidades, suas demandas também se alteram.
Apesar disso, destacam-se, basicamente, duas teorias, as quais fundamentam o
presente objeto de pesquisa, quais sejam, a de Rawls e a de Kelsen. Já no que diz
respeito ao acesso à justiça, o que se percebe é que, atrelado às vulnerabilidades que
assolam o seu usufruir, estão as dificuldades econômicas e cognitivas, que são aquelas
que mais contribuem para a precariedade no exercício de direitos fundamentais
através da justiça.
Em contrapartida, verifica-se que o arcabouço jurídico brasileiro, com suas
diversas fontes, vem evoluindo no que tange às previsões legais. Após mais de oito
anos de tramitação, em decisão inovadora, proferida no dia 03 de novembro de 2021,
diante do julgamento da ADPF 279, o Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe a
possibilidade de que outros instrumentos, tais como a Assistência Judiciária
Municipal, sejam criados com o intuito de assessorar populações carentes no exercício
de direitos e no acesso à justiça. Além disso, com o advento da Emenda Constitucional
nº 45, de 2004, sobreveio à Constituição Federal de 1988, a previsão da Justiça
Itinerante como outra forma de melhorar o acesso à justiça em âmbito nacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É mister ponderar que o presente estudo constitui apenas uma amostra acerca da
pesquisa que vem sendo desenvolvida. Apesar disso, o que já se pode evidenciar é a
necessidade da análise acerca da forma como ocorre a efetivação dos direitos
fundamentais do homem por intermédio do acesso à justiça às populações residentes
em municípios gaúchos não sedes de Comarca, já que, devido ao fato de estarem
localizados há poucos quilômetros de distância das suas sedes de Comarca, acabam
por cair no esquecimento.
Por conseguinte, ressalta-se que o objetivo deste estudo é enriquecer ainda mais
as bases teóricas já existentes acerca da temática, já que o olhar atento a essas
populações também é de grande relevância. Assim, será possível contribuir para que
a efetivação do exercício da cidadania se dê, cada vez mais, em maior plenitude e,
ainda que a passos lentos, em um futuro não muito distante.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Justiça. Acesso à Justiça. Instrumentos
facilitadores. Desenvolvimento.
SUMÁRIO

146 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

REFERÊNCIAS
BRASIL (Constituição). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.Disponivel
em: h�ps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 21 dez. 2022.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2015.

GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

GAULIA, Cristina Tereza. A experiência da Justiça Itinerante – o espaço de encontro da magistratura com
a população brasileira. Rio de Janeiro: Mauad X, 2020.

KELSEN, Hans. O que é justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

RAWLS, John. Political liberalism. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000.

STF. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 279. Disponível
em: h�ps://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID= 759151606. Acesso em: 21 dez
2022.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 147

22
A GESTÃO DO CONFLITO E A AGENDA 2030 DA ONU:
caminhos possíveis pela mediação

CONFLICT MANAGEMENT AND THE UN 2030 AGENDA:


possible ways through mediation

Trabalho desenvolvido a partir da linha de pesquisa das autoras, qual seja: Políticas de
Cidadania e Resolução de Conflitos.

Maria Eduarda Granel Cope�i


Doutoranda em Direitos Especiais do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito –
Mestrado da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI,
campus Santo Ângelo. Mestre em Direitos Especiais do Programa de Pós-Graduação stricto
sensu em Direito – Mestrado da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões – URI, campus Santo Ângelo. Especialista em Direito Processual Civil pela
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Advogada. E-mail:
mariaeduardagcope�i@gmail.com.

Gabrielle Scola Dutra


Doutoranda em Direitos Humanos pela UNIJUÍ. Mestre em Direitos Especiais pela URI.
Especialista em Filosofia na Contemporaneidade pela URI. Especialista em Direito Penal e
Processual prático contemporâneo pela UNISC. Prof. Universitária do Curso de Direito da
UNIJUÍ e da Faculdade de Balsas/MA (UNIBALSAS). Membro do grupo de pesquisa:
“Biopolítica e Direitos Humanos”, cadastrado no CNPQ e vinculado ao PPGDH-UNIJUÍ.
Advogada. E-mail: gabrielle.scola@unijui.edu.br.
Charlise Paula Colet Gimenez
Pós-Doutora em Direito pela UNIRITTER. Doutora em Direito e Mestre em Direito pela
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Penal e Processo Penal
pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Docente
permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito stricto sensu - Mestrado e
Doutorado, e Graduação em Direito, todos da Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e Missões - URI, campus Santo Ângelo. Coordenadora do Curso de Graduação em
Direito da URI. Advogada. E-mail: charliseg@gmail.com.
SUMÁRIO

148 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A mediação de conflitos está diretamente relacionada com o ODS 16 da Agenda
2030 da ONU – Paz, Justiça e Instituições Eficazes. Em 2015, a Organização das Nações
Unidas (ONU) estabeleceu a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável com
17 Objetivos e 169 metas para a sociedade global: para os seres humanos, para a
prosperidade e para o planeta, promovendo o fortalecimento da paz mundial, com
mais liberdade e empatia.
Sabe-se que há multifacetadas transformações no cerne das relações sociais,
orientadas por processos complexificadores que desencadeiam conflitos
sistematicamente constituídos ao longo do contexto histórico da Sociedade Mundial.
Nesse sentido, na visão de Luís Alberto Warat, o conflito é inerente à existência
humana, no sentido de que orienta dois âmbitos de significação, quais sejam: o conflito
positivo e o conflito negativo. O viés negativo do conflito se apresenta a partir do
binômio adversarial (amigo/inimigo, nós/eles, eu/o Outro, etc.), porém, o conflito
positivo tangencia uma transformação que promulga um efeito evolutivo pelo diálogo
em benefício do desenvolvimento da civilização.
O objetivo do trabalho é abordar a mediação Waratiana quanto um caminho
viável para a resolução de conflitos sob à luz do Objetivo 16 da Agenda 2030 da ONU.
O desenvolvimento do estudo é pautado pelo método hipotético dedutivo e orientado
por uma análise bibliográfica. Dessa forma, questiona-se: a mediação se perfectibiliza
como um método de tratamento de conflitos que potencializa a execução do Objetivo
16 da Agenda 2030 da ONU? Essa é a inquietação que move a pesquisa e orienta a
análise a seguir para sua construção.

ASPECTOS GERAIS DO CONFLITO NA SOCIEDADE


O desenvolvimento da sociedade trouxe inúmeros aspectos positivos,
especialmente nas descobertas tecnológicas, como a cura para diversas doenças, por
exemplo. Ao mesmo tempo, tem ocasionado situações preocupantes entre as pessoas,
como o individualismo, a falta de alteridade e respeito às diferenças e, com isso, surge
mais discórdia no meio social (GIMENEZ; DEL’OLMO; ANGELIN, 2017).
Desse modo, adentra-se no conflito o qual é um pressuposto essencial para que
ocorra a prática da mediação, por isso merece sua devida conceituação. Sobre a
temática, revela Serpa:

O conflito é um processo dinâmico de interação humana e


confronto de poder onde uma parte influencia e qualifica o
movimento da outra. Esse movimento se dá em todas as esferas
do relacionamento humano e em todas as faixas etárias, culturais
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 149


e raciais. Entre crianças, marido mulher, empregado e
empregador, entre uma nação e outra, etc. (SERPA, 1999, p. 25).

Sabe-se que o conflito não é um mal em si mesmo, porém é considerado algo


inevitável e habitual da vida humana. Detém funções sociais essenciais e individuais,
possibilitando aos cidadãos o estímulo para desenvolver as mudanças sociais e o
amadurecimento individual. O interessante não é aprender a evitá-lo, essa atitude
poderá trazer consequências prejudiciais, pelo contrário, perante o conflito, a atitude
apropriada é encontrar uma forma que favoreça sua composição construtiva
(CALMON, 2015).
Logo, assegura-se que há resultados positivos advindos dos conflitos, e que cabe
aos indivíduos alterar a forma de visualizar os fatos conflitantes para que ocorra uma
mudança significativa de conduta perante o problema, o qual deve ser tratado
adequadamente principalmente pela via autocompositiva da mediação de conflitos, a
qual será abordada posteriormente.
Um fundamento importante da transformação do conflito é a capacidade de
diminuir a violência e elevar os níveis de justiça. Para a redução da violência é
necessário abordar o conflito e todas as suas causas, e para aumentar a justiça deve-se
garantir que os indivíduos tenham acesso aos processos de decisão que afetem suas
vidas, inclusive políticos. Vislumbra-se a paz a partir da qualidade das relações que
estão sendo desenvolvidas, dessa forma, a paz não configura algo estático, e sim
dinâmico (SALES, 2010). Logo, considerando a busca incessante pela paz, convém
analisar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 com enfoque na paz, justiça e
instituições eficazes.

A MEDIAÇÃO WARATIANA COMO PERSPECTIVA AO OBJETIVO DE


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 16 – PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES
EFICAZES
Dentre as metas e objetivos instaurados no acordo global, ressalta-se o Objetivo
16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes que pretende a promoção do respeito aos
direitos humanos baseados no Estado de Direito e a efetividade do acesso à justiça
quanto base para o desenvolvimento humano sustentável.
As metas referentes ao Objetivo 16 revelam que a manutenção do Estado de
Direito, a responsabilidade dos gestores, a participação dos cidadãos, a transparência
das instituições e o respeito aos Direitos Humanos são fatores primordiais para uma
sociedade devidamente sustentável. Somente sob os olhos de um governo inclusivo,
transparente, eficiente e responsável que se resultará em uma sociedade pacífica, justa
e harmônica.
SUMÁRIO

150 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

O Objetivo 16 avalia a importância primordial da prestação de contas, da


governança, transparência e desenvolvimento institucional, dos direitos humanos e da
justiça, como pilares de um ambiente próspero onde os indivíduos possam viver com
segurança, liberdade e alteridade. A terceira meta do Objetivo 16 – “Promover o Estado de
Direito em nível nacional e internacional e assegurar justiça para todos” defende por leis
eficientes, acessíveis e justas, além de sistemas judiciários transparentes, inclusivos,
participativos que deem proteção e segurança para todos os cidadãos, possibilitando
vias concretas e eficazes de reabilitação para os delitos civis e criminais. A consolidação
e a eficiência do Estado de Direito necessitam tanto a criação de leis justas,
fundamentadas pelo respeito aos direitos humanos individuais, bem como a aplicação
das leis pelas instituições judiciárias capazes de indiciar, investigar e julgar com êxito os
crimes que porventura forem denunciados.
Acreditar na proposta da mediação manifesta-se uma busca pela verdade do
conflito, e essa verdade advém de uma ação cooperativa e participativa, que os
cidadãos se transformam juntos com seus próprios casos conflitivos. Considerando a
mediação quanto ética da alteridade, que busca pela recuperação do reconhecimento
da integridade e da privacidade do outro, ou seja, um respeito incontestável pelo
espaço do outro, e uma ética que rechaça o mínimo de invasão em função do outro
(GIMENEZ, 2018). Nesse ponto de vista, “começamos a entender que cada homem não
é uma mônada isolada, que não são fragmentos sem conexão”, pois “cada um é
interdependente e produto forçado de interações”. E, “a sociedade é unicamente
produto da complexidade desses vínculos” (WARAT, 2004, p. 54-55).
De acordo com o autor Luís Alberto Warat (2001, p. 75-76) quando se aborda a
mediação, é imprescindível a introdução de uma teoria do conflito com uma abordagem
mais psicológica do que jurídica, ponderando que ao desenvolver um conflito sob o
âmbito jurídico, consideram-se seus efeitos jurídicos também. “Desse modo o conflito
pode ficar hibernando, retornando agravado em qualquer momento futuro”.
A mediação quanto terapia é analisada como uma resposta para tratar os conflitos
com o outro, possibilitando que o conflito e os cidadãos se transformem, colocando-se
no lugar do outro para conhecer a si mesmo e ao outro. A propósito, Warat (2004, p; 69)
estabelece a mediação: “Como terapia do reencontro, a mediação é a produção,
psicoterapêutica, da diferença com o outro de um conflito”.
Levando em consideração que a atual sociedade se defronta à confiança e ao
redescobrimento da sensibilidade e do amor, o doutrinador Luís Alberto Warat (1990, p.
15) explica o “acordar dos significados”. Evidencia-se, assim, que a falta de
sensibilidade, amor e humanidade acabam dificultando e afastando ainda mais as
relações entre os indivíduos, e consequentemente aumentando a frequência de casos
conflituosos ocorridos na sociedade atualmente.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 151


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destaca-se a proposta na mediação enquanto forma de tratamento de conflitos na
ótica de Luís Alberto Warat, pois se perfectibiliza como uma prática diferenciada de
experiências humanas de evolução social. Outrossim, sabe-se que a mediação cria
condições para pensar livremente, transformando ambientes hostis em ambientes de
diálogo e pacificidade a partir da autocomposição dos conflitos ocorridos.
A Agenda 2030 da ONU foi ratificada por estados dentro de uma organização
internacional que elenca como os atores domésticos irão implementar ações, trazendo
o âmbito local para o campo das relações internacionais. Desse modo, concede-lhes
relevância na aplicabilidade e concretização de seus objetivos, principalmente da meta
16, conhecida por fomentar a paz, a justiça e as instituições eficazes, e por focar em
políticas de desenvolvimento sustentáveis.
Diante das complexidades atuais, justifica-se a urgência de se implementar
procedimentos de tratamento de conflitos, os quais sejam capazes de atingir
transformações positivas nos espaços em que se instauram, como é o caso da mediação
na perspectiva sensibilista de Luís Alberto Warat. A técnica da mediação é sempre
positiva, desde que aplicada corretamente. Logo, acreditar na mediação é sonhar com
um futuro de paz e humanidade na vida em sociedade.
Palavras-chave: Conflito. Mediação. Paz.

REFERÊNCIAS
CALMON, Petronio. Fundamentos de Mediação e da Conciliação. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015.

GIMENEZ, Charlise Paula Colet. O novo no direito de Luis Alberto Warat: mediação e sensibilidade. Porto:
Editorial Juruá, 2018.

______; DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ANGELIN, Rosângela. Dos direitos humanos e dos conflitos na
sociedade líquida pós-moderna. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v.
37, n. 2, p. 259-279, jul./dez., 2017. Disponível em: h�p://www.repositorio.ufc.br/ri/handle/riufc/30496.
Acesso em: 10 jan. 2020.

ONU, Brasil. Organização das Nações Unidas. A Agenda 2030. 2015. Disponível em: <h�ps://nacoesunidas.
org/pos2015/agenda2030/>. Acesso em: 20 mar. 2021.

SALES, Lilia Maia de Morais. MEDIADIRE – Um guia prático para mediadores. Rio de Janeiro: GZ Editora,
2010.

SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e Prática da Medição de Conflitos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999.

WARAT, Luis Alberto. O Ofício do Mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. v. 1.

WARAT, Luis Alberto. O Amor Tomado pelo Amor. Crônica de uma paixão desmedida. São Paulo: Editora
Acadêmica, 1990.

WARAT, Luis Alberto. Surfando na Pororoca: o Ofício do Mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
SUMÁRIO

152 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

23
A SEGURANÇA PÚBLICA ATRAVÊS DO USO DE
RECONHECIMENTO FACIAL: uma análise da discriminação racial

PUBLIC SAFETY THROUGH THE USE OF FACIAL


RECOGNITION: an analysis of racial discrimination

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa Eficiência Efetividade E


Economicidade De Integração De Banco De Dados E Políticas Públicas De Segurança Pública
No Brasil da Unijuí.
Mérian Padilha Alves
Acadêmica do curso de Direito da Unijuí. Bolsista PBIC/FAPERGS. E-mail:
melyalves@icloud.com
Joice Gracieli Nielsson
Doutora em Direito Público (Unisinos), Mestre em Direitos Humanos (UNIJUÍ), Professora
pesquisadora do Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado em Direitos
Humanos da UNIJUÍ - e do Curso de Graduação em Direito da UNIJUÍ. Orientadora da
Pesquisa. E-mail: joice.gn@gmail.com
Laura Paulata
Acadêmica do curso de Direito da Unijuí. Bolsista PBIC/CNPQ. E-mail: laura.paulata@sou.
unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
“O recurso mais valioso do mundo não é mais o petróleo, mas os dados”, com
essa afirmação impactante do matemático inglês Clive Humby, a revista The
Economist publicou em 2017, artigo discorrendo sobre a importância dos dados
dentro da atual configuração econômica e social. Iniciamos então, visualizando o
poder dos dados enquanto mercadoria, os quais são coletados, compartilhados e
comercializados indiscriminadamente por grandes empresas, sem que
necessariamente os titulares tenham conhecimento do compartilhamento.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 153


A edição da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, mais conhecida como Lei Geral
de Proteção de Dados, surgiu no cenário brasileiro anos após uma série de tentativas
para a instituição de um marco normativo abrangente e geral, apto a unificar a matéria
sobre proteção de dados. Dito isto, faremos um apanhado, visando discorrer sobre a
Lei Geral de Proteção de Dados e o anteprojeto da LGPD Penal e então,
apresentaremos conceitos de segurança, reconhecimento facial e a sua ligação com a
discriminação racial.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Primeiramente, em consequência da tecnologia, após a internet se tornar uma
espécie de local onde se pode ser o que quiser e fazer o que bem entender, violando
assim diversos direitos de personalidade, observou-se o aumento da legislação que
versa sobre o assunto. O Código Civil de 2002, reconhece os direitos de personalidade
como inerentes às pessoas, assim como é caracterizado os direitos fundamentais.
Estabelece também a norma supracitada, em face do tema: “Art. 2º A personalidade
civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro.”
Em observância a isso, o Poder Legislativo criou a Lei nº 13.709/2018, LGPD, que
em seu quinto artigo conceitua o que é dado pessoal, o ligando a toda informação que
mantenha relação à pessoa natural identificada ou identificável. Entendendo assim
que não é limitado apenas ao nome, idade ou endereço, mas sim incluindo dados de
localização, bens, perfis, números de Internet Protocol, históricos, entre outros dados
Por escolha do legislativo, a LGPD não englobou o tratamento de dados para fins
de investigação criminal e segurança pública. Então, o anteprojeto de Lei de Proteção
de Dados para Segurança Pública e Persecução Penal foi estruturado em 68 artigos e
formalizado em novembro de 2020. Aborda-se um projeto que baliza e orienta as
operações de tratamento de dados pessoais no ambiente de persecução criminal e
segurança pública, visando equilibrar tanto a proteção do titular contra o mau uso das
suas informações, como também os usos abusivos por autoridades. A seção III da
LGPD-Penal descreve um longo rol de medidas a serem adotadas em busca da
proteção de dados, dentre elas o controle de acesso ao equipamento, controle dos
utilizadores e controle do acesso aos dados.
Ademais, adentrando no contexto de Persecução Penal e Segurança Publica,
podemos definir Segurança Pública como um conjunto integrado e otimizado
envolvendo instrumentos de coação, justiça, defesa dos direitos, saúde e experiências
no meio social, de acordo com Costa (2014). Assim, ela parte da prevenção e se
SUMÁRIO

154 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

consolida com a reparação do dano, também é presente no tratamento de causas e na


reeducação e reinclusão do autor da criminalidade na sociedade.
Ademais, o advento da tecnologia também impulsionou no mundo atual a
integração da tecnologia com as demandas cotidianas, tornando vários sistemas já
necessários ao funcionamento e desenvolvimento dos municípios, em ambientes mais
sustentáveis, com maior qualidade e infraestrutura.
Porém, as modificações tecnológicas na segurança pública brasileira precisam ser
analisadas de forma diferente, devido o amplo histórico social do país, relacionado
com a vigilância vinte e quatro horas e o reconhecimento facial. Analisa-se também
que no Brasil a violência e o racismo, no contexto político criminal estatal, possuem um
longo histórico de seletividade social. A problemática não está nas câmeras e no
monitoramento, mas na questão da história do Brasil, de exclusão social dos corpos
negros e a forma que é produzida políticas criminais no país.
Para entender melhor esse pensamento, é interessante analisar o autor Cesare
Lombroso, que em sua obra intitulada “O homem Delinquente”, traça o perfil social
do criminoso, identificando o mesmo através de traços faciais, tatuagens, entre outros.
Ele descreve que muitos estupradores têm lábios grossos, cabelos negros, voz rouca,
analisa também que geralmente são semipotentes e semialienados. Se analisado com
atenção, percebe-se que o autor criou o perfil físico apenas do homem negro
estuprador, tornando o negro como o delinquente.
O meio de segurança e justiça busca um determinado perfil criminoso com uma
grande carga de preconceito e discriminação racial perpetuada pela escravidão no
país. Assim, qualquer mecanismo ou espécie tecnológica que colabore com a
seletividade, de forma direta ou não, irá reproduzir e ampliar a discriminação já
existente. Sabemos que o objetivo destas tecnologias é aumentar a segurança, porém é
necessário analisar quais os preceitos dos operadores e administradores desses
sistemas.
Os dados do perfil dos mortos pela letalidade policial, apresentados pelo Anuário
de 2019 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública descreve: “No que tange à
seletividade racial, o padrão de distribuição da letalidade policial aponta para a
expressiva representação de negros dentre as vítimas. Constituintes de cerca de 55%
da população brasileira, os negros são 75,4% dos mortos pela polícia. Impossível negar
o viés racial da violência no Brasil, a face mais evidente do racismo em nosso país.
Os números revelam que a seletividade na sociedade entre brancos e negros tem
cor e padrão. A era das punições que Focault expõe no livro “Vigiar e Punir”,
demonstra que, o que muda no contexto social atual é a sofisticação das ferramentas
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 155


de exclusão. Quando se discute sobre a liberdade vigiada e a área de segurança no
Brasil, deve-se expor que os poderes não podem ser ferramentas de seletividade social,
pois assim o principal traço do perfil criminoso será o critério racial.
Os dispositivos usados para o reconhecimento facial já são uma ameaça para as
populações vulneráveis socialmente, há estudos realizados em redes de observatórios
de segurança, em que 90% das 151 pessoas detidas com base nas câmeras são negras
(NUNES, 2019).
Esses dispositivos funcionam através de uma técnica de identificação biométrica,
por um software que mapeais as linhas faciais, comparando com os dados digitais do
banco já existente. O mapeamento considera os pontos nodais, que são as
características pessoais, como a distância entre os olhos, largura do nariz,
comprimento da mandíbula e outros demais. Assim, as particularidades criam uma
geometria espacial, que é armazenada em forma de dados, para que no futuro ocorra
a comparação.
Sabemos do histórico social que impulsionou a formação da desigualdade social
da população brasileira, o ordenamento jurídico passou a proteger de forma expressa
grupos minoritários, como os compostos por pessoas não brancas. Dessa forma, ao
falarmos de racismo e suas diversas formas de manifestações, estamos discorrendo
sobre atos especificamente ilegais. Nesse ponto, cabe ressaltar que a lei não fornece
uma definição ou conceito para racismo, limitando-se a descrever em rol não taxativo
práticas racistas/de discriminação racial.
Não por acaso, essas premissas se expandem dentro do arranjo jurídico, vindo a
ser incorporadas à interpretação de leis como a LGPD, que tem como princípio a não
discriminação e prevê um regime especial para o tratamento de dados pessoais
sensíveis. Logo, esses são os primeiros aspectos que merecem atenção: a LGPD veda a
discriminação, quando ilícita ou abusiva, bem como restringe o âmbito de utilização
de dados pessoais sensíveis, atribuindo a esse tipo de tratamento regras específicas em
razão de seu potencial discriminatório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, o surgimento da inteligência artificial através da era da internet, marcou
o curso do progresso científico nas últimas décadas, proporcionando significativas
mudanças dentro do meio social, na forma como o ser humano se desenvolve coletiva
e individualmente.
Se por um lado a introdução de sistemas de inteligência artificial na rotina de
empresas, governos e da sociedade representou a otimização e simplificação de
SUMÁRIO

156 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

processos antes intrincados, por outro, suscitou preocupações em razão dos efeitos
nocivos aos indivíduos. O uso de dados pessoais de forma indiscriminada e pouco
responsável para a provisão de algoritmos fez emergir as ameaças a direitos
fundamentais como a privacidade, a liberdade, a igualdade e o livre desenvolvimento
da personalidade, bem como deu margem para o aparecimento de fenômenos
danosos como o racismo algorítmico.
Por conseguinte, os organismos policiais, que notadamente evoluíram ao longo
da história, hodiernamente são fundamentais na engrenagem de defesa e de garantia
dos direitos e liberdades fundamentais. Nesse período, eis talvez um dos maiores
desafios: conseguir enfrentar os novos desafios da criminalidade contemporânea e,
simultaneamente, garantir ao cidadão uma abordagem constitucional e democrática
da questão da segurança
Palavras-chave: Racismo, Segurança pública, Dados, LGPD.

REFERÊNCIAS
ANISTIA Internacional. Você matou meu filho! Homicídios cometidos pela polícia militar na cidade do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015. Acesso em: 10 abril 2023.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1,
Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 2018.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 19. ed. Petrópolis:
Vozes, 1987. Acesso em: 10 abril 2023.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 2019. Acesso em: 10 abril
2023.

COSTA, Arthur Trindade; LIMA, Renato Sérgio. Segurança pública. Crime, polícia e justiça no Brasil. São
Paulo: Contexto, 2014.

LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. 3ª reimpressão São Paulo: ícone Editora, 2016.

NUNES, P. Novas ferramentas, velhas práticas: reconhecimento facial e policiamento no Brasil. In:
CENTRO DE ESTUDOS DE SEGURANÇA E CIDADANIA; REDE DE OBSERVATÓRIO DA
SEGURANÇA. Relatos da violência: cinco meses de monitoramento, análises e descobertas. São Paulo:
Universidade Candido Mendes, 2019.

The Economist. The world’s most valuable resource is no longer oil, but data. Acesso em: 10 abril 2023.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 157

24
GARANTINDO O ACESSO AO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA DA LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL:
como uma melhor regulamentação estatal pode enfrentar a (in)justiça
na efetivação do direito constitucional

ENSURING ACCESS TO THE CONTINUOUS PROVISION BENEFIT OF


THE ORGANIC SOCIAL ASSISTANCE LAW: how be�er state regulation can
face (in)justice in the effectiveness of constitutional law

Trabalho desenvolvido a partir do Grupo de Pesquisa em Fundamentação Crítica dos


Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ)
Miguel Antonio Paes de Barros Filho
Bacharel em Direito (UNIR), Pós-Graduado em Direito do Consumidor (IBMEC), Direito
Processual Civil (IBMEC), Direito Civil e Empresarial (IBMEC), Direito e Processo
Previdenciário (IBMEC), Direito de Família e Sucessões (IBMEC), Mestre em Direitos
Humanos (UNIJUÍ) e Doutorando em Direitos Humanos (UNIJUÍ). E-mail:
barrosfilhoadvocacia@gmail.com

INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil alberga direitos e garantias
fundamentais, dentre elas, encontra-se presente o benefício de prestação continuada,
o qual tem como principal objetivo garantir o amparo para pessoas que estão à
margem da sociedade e não conseguem prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
Na pesquisa será analisada de forma analítica, histórica e com apreciação crítica
sobre o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social,
buscando demonstrar que para obter direito ao amparo assistencial, é necessário o
preenchimento de requisitos específicos e restritivos, como a exigência de que o
beneficiário tenha renda familiar per capta de até ½ do salário mínimo.
SUMÁRIO

158 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 203, a assistência social será


prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem como um dos seus objetivos, a garantia de um salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso, desde que ambos comprovem não possuir
meios de prover sua própria sobrevivência ou tê-la provida por sua família (BRASIL,
1988).
A Carta Magna coloca todos os indivíduos que compõem a sociedade brasileira
dentro de um conjunto de valores materiais, regras e princípios fundamentais que
dizem respeito à pessoa humana e à sua dignidade e cidadania que precisam ser
protegidos, atuados e concretizados, notadamente pelas Políticas Públicas do Estado
e, em último caso, pelo Poder Judiciário.
Ocorre que a atual legislação traz requisito muito rigoroso para obtenção de
referido benefício, ao contrário do caráter teleológico pretendido pela Constituição,
isto é, ao exigir-se do idoso e da pessoa com deficiência a comprovação de
vulnerabilidade social fixando-se um critério objetivo muito restritivo para
comprovação da miserabilidade familiar, a Lei Orgânica da Assistência Social
(BRASIL, 1993), acaba por trazer um corte que origina uma legião de idosos e
deficientes excluídos dos programas sociais de transferência de renda e, como
consequência, a não inclusão social desprezando os princípios constitucionais da
dignidade à pessoa humana, da solidariedade e da cidadania.
Especificado o panorama inicial a respeito do amparo assistencial, é necessário
um melhor enfrentamento na regulamentação estatal, a despeito de diversas decisões
judiciais que garantem referido benefício, contudo essa demora muitas vezes resulta
em demora injustificada e negativas por parte da autarquia responsável pelas análises
de concessão do benefício.
As atuais regras acabam por impedir que muitos de seus destinatários possam
usufruir do benefício constitucional, uma vez que o legislador não se atentou para os
princípios constitucionais que deveriam nortear a sua regulamentação, tais como a
cidadania, dignidade da pessoa humana, solidariedade, busca da erradicação da
pobreza, além da redução das desigualdades sociais e regionais.
Em razão disso, a negação desse direito de cidadania na operação desse mínimo
de civilidade fez com que muitos idosos e pessoas com deficiência procurem o Poder
Judiciário para ver implementado um direito fundamental seu que passou a ser
constante e arbitrariamente cerceado nas vias administrativas, carecendo de uma
melhor regulamentação estatal, objeto da presente pesquisa.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 159


RESULTADOS E DISCUSSÃO
O conceito legal de família afeta diretamente as possibilidades de acesso ao
Benefício de Prestação Continuada por parte de seus destinatários, visto que o idoso
ou deficiente precisa demonstrar não possuir meios para prover sua própria
manutenção e nem de tê-la provida pela sua família, o que é aferido por meio do
critério objetivo estabelecido pela lei, ou seja, pela comprovação de estado de
miserabilidade sob o cálculo da renda per capta.
Destaca-se que o benefício é individual, mas é uma forma de contribuir para as
despesas familiares, e, por ser tratar de recurso a ser pago para a população mais
vulnerável socialmente, verifica-se que o benefício previsto como garantidor do
respeito à cidadania e à dignidade humana, acaba apenas beneficiando às pessoas que
vivem no limite da sobrevivência.
Nesse sentido

“ (...) permanece, no modelo de proteção social não contributiva,


uma interface com programas de enfrentamento da pobreza e a
perspectiva de alcance do desenvolvimento social. Essas duas
perspectivas fluem mais da velha relação entre a fome e pobreza
do que da adoção de uma política redistributiva articulada com o
modelo econômico.” (SPOSATI, 2007, p. 13).

Constata-se que o conceito de núcleo familiar influencia diretamente o cálculo da


renda per capta, requisito para acesso ao amparo assistencial e, sendo assim, é
imprescindível a análise socioeconômica do grupo familiar pois é essa informação que
poderá auxiliar na obtenção ou não do benefício social.
Nesse sentido, é importante revisitar alguns detalhes a respeito da evolução
histórica, de acordo com a Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991, entendendo-se
como família o conjunto de pessoas desde que vivam sob o mesmo teto. Com alteração
realizada, a lei não agregou ao conceito de família, membros como filhos e irmãos com
mais de 21 anos e outras pessoas, como madrasta, padrasto, netos, noras, genros,
cunhados, os quais são potencialmente detentores de renda, situação que passou a
constituir um fator prejudicial para o processo de obtenção do benefício constitucional
em razão do afastamento destas pessoas.
O legislador andou mal ao optar pela mantença de um rol fechado de pessoas que
compõem o grupo familiar para fins de cálculo da renda per capta, uma vez que a
fragilidade social do idoso e da pessoa com deficiência tem-se avolumado na
SUMÁRIO

160 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

sociedade brasileira nos últimos anos, que fica em um contexto de flagrante violação
dos mais diversos direitos fundamentais, que envolve o princípio da dignidade da
pessoa humana.

“Em relação aos direitos sociais, da dignidade humana resulta a


obrigação de o Estado garantir um mínimo de recursos materiais
suficientes para que a partir daí a pessoa possa exercer sua
própria autonomia. A dignidade humana ao servir de princípio
fundamentador dos direitos prestacionais, consolida o conceito
de mínimo social e gera, por consequência, a incorporação dos
direitos prestacionais mínimos à concepção material de direitos
fundamentais.” (TAVARES, 2003, p. 102)

A Lei Federal nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da


Assistência Social, trouxe a criação do Benefício de Prestação Continuada, dispondo
que o conceito de família abrangia as pessoas que viviam sob o mesmo teto, ou seja,
independe da existência de grau de parentesco, o que acabava por muitas vezes
camuflar a real necessidade de assistência do Estado àquela pessoa idosa ou com
deficiência.
De forma bastante inovadora e inclusiva, a Lei Federal nº 12.435, de 06 de julho de
2011, alterou diversos dispositivos legais, dentre quais operou a redefinição do
conceito de família ao alterar a redação do parágrafo § 1º do art. 20 da Lei Federal nº
8.742/93, dispondo que somente podem ser inseridas no cômputo de integrantes e na
apuração da renda do grupo familiar as pessoas sob o mesmo teto, não a família de
uma forma ampla, mas sim aquelas que residam no mesmo domicílio.
Mais recentemente, foi promulgada a Lei Federal nº 14.176, de 22 de junho de
2021, que trata dos novos requisitos para a concessão do amparo assistencial,
ajustando a renda mensal do núcleo familiar para concessão do benefício de amparo
assistencial passando a dispor de que a família com renda inferior a ½ do salário
mínimo faria jus, considerando como parentes imediatos do solicitante, cônjuge,
madrasta ou padrasto, irmãos solteiros, enteados, filhos, menores que estejam sob a
tutela do solicitante e que vivam sob o mesmo teto.
O rol de familiares para apuração do cômputo da renda per capta continua sendo
um empecilho para acesso ao benefício, merecendo uma melhor regulamentação
estatal, uma vez que o acesso dos postulantes a esse benefício acaba por submeter a
uma forte seletividade, transmutada, restritiva e arbitrária.
Ao certificar o bem-estar àquele que necessita, a consequência é a redução das
desigualdades e a realização da justiça social, operando-se o mínimo de cidadania em
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 161


relação aos idosos e às pessoas com deficiência, ocasionada em razão do
estabelecimento de rigorosos meios comprobatórios para sua obtenção.
Desta forma, tem-se negado ao longo tempo o direito de cidadania aos idosos e
deficientes na operação desse mínimo de civilidade em face das restrições impostas
pela lei, contrariando-se os princípios e valores constitucionalmente estabelecidos,
necessitando de uma melhor regulamentação estatal para garantir o acesso ao amparo
assistencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da pesquisa realizada é possível vislumbrar que o benefício de
prestação continuada causa um grande impacto positivo na sociedade no que tange o
enfrentamento da miserabilidade e garantia de superação das vulnerabilidades
sociais.
Em razão de uma precária regulação legislativa e da burocracia executiva em sua
execução, acaba por ser obstaculizado o acesso ao amparo social, frustrando-se com
isso o exercício da cidadania, que apesar da evolução legislativa ocorrida na
regulamentação legal do referido benefício, marcada por avanços e retrocessos, onde
a plena finalidade almejada pela Constituição ainda não foi alcançada até o momento,
uma vez que referida regulação se deu de forma tardia, seletiva e com rigorosos
critérios estabelecidos para a sua obtenção.
Desde o início a evolução legislativa referente ao benefício tem sido marcada por
debates e controvérsias que, com o decorrer dos anos, fizeram refletir substantivas
alterações em aspectos importantes, tal como o parâmetro para constatação da
vulnerabilidade na renda per capta, contudo ainda o é uma forma muito generalizada
para determinar a vulnerabilidade social sem analisar as reais condições de cada
cidadão.
Ao fim, não esgotando o tema, constata-se que se faz necessária uma mudança
para análise mais benéfica para o cidadão em cada caso concreto sem a utilização,
apenas, dos requisitos objetivos de renda impostos pela lei, necessitando de um estudo
individualizado da situação de cada pretenso benefício para aferição da condição de
vulnerabilidade social.
Palavras-chave: Políticas Públicas. Benefício de Prestação Continuada. Amparo
Assistencial. Vulnerabilidade Social. Direitos Humanos.
SUMÁRIO

162 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social
e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, 1991.

BRASIL. Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá
outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, 1993.

SPOSATI, Aldaíza de Oliveira. Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em
análise. 9. ed. São Paulo: Cortes, 2007.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Previdência e Assistência Social: legitimação e fundamentação


constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 163

25
POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA: agenda 2030 como
instrumento de construção de sociedades justas e igualitárias

PUBLIC POLICIES ON ACCESS TO JUSTICE: agenda 2030 as an


instrument for building fair and equal societies

Trabalho desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos


Humanos da Unijuí; em conjuto com egressa e doutor professor.
Natália Cerezer Weber
Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul. Bolsista CAPES (2022). Bacharel em Direito pela UNIJUÍ (2021) e integrante
do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos, Justiça Social e Sustentabilidade. Mestrado e
Doutorado em Direitos Humanos (PPGDH). E-mail: natalia.weber@sou.unijui.edu.br. La�es:
h�p://la�es.cnpq.br/2858669485010022.
Lavínia Rico Wichinheski
Advogada Criminalista OAB/RS 130.323. Mestra em Direito (UNIJUI). Bacharela em Direito
(UNIJUI). E-mail: lavinia_rico@hotmail.com. La�es: h�p://la�es.cnpq.br/5275679196902268.
Daniel Rubens Cenci
Pós-Doutorado em Geopolítica Ambiental Latino-americana, pela Universidade de Santiago
do Chile (2018), Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade
Federal do Paraná (2009), mestrado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul
(2002), graduação em Direito pela UNIJUI (1998). Professor da UNIJUI - Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul nos cursos de graduação em Direito,
Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos PPGDH/UNIJUI. ORCID: h�ps://orcid.org/
0000-0001-7919-6840; E-mail: danielr@unijui.edu.br.

INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda a promoção de políticas públicas que incentivem o
acesso à justiça, a partir da Agenda 2030 e suas metas globais, para alcance de uma
sociedade mais justa e igualitária, de maneira a viabilizar a garantia a dignidade
humana e os direitos fundamentais.
O problema trazido para nortear esta pesquisa, busca responder o seguinte
questionamento: “A Agenda 2030 é uma ferramenta capaz de promover políticas
públicas mais inclusivas para fomentar o acesso à justiça por todos?”
SUMÁRIO

164 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Nesse sentido, acredita-se que a Agenda 2030 em âmbito global é o instrumento


possível, diante da aderência de 193 países, para incentivar cada vez mais a
oportunização de desenvolvimento de políticas públicas mais inclusivas direcionadas
para o acesso à justiça facilitado para todos, construindo sociedades mais justas, sob os
princípios dos direitos humanos fundamentais.
A metodologia adotada neste trabalho foi a hipotética-dedutiva, sendo na sua
totalidade de cunho bibliográfico, através do método qualitativo e foi realizado com
base em leituras de livros, artigos publicados e estudos acerca do tema. O presente
texto reflete os estudos empreendidos no Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos,
Justiça Social e Sustentabilidade. Mestrado e Doutorado da UNIJUI (PPDGDH).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
É notório que muitas são as existentes e diversas teorias de justiça que buscam
promover bem-estar social e adotar práticas efetivas de justiça social ideais, a fim de
promover os direitos humanos fundamentais e construir uma sociedade mais justa e
igualitária, nos moldes dos direitos humanos.
O ideal de justiça social pensado por Sen e Nussbaum concebem os direitos
fundamentais como suporte para a promoção de uma sociedade mais igualitária.
Assim, os autores acreditam que as políticas públicas devem ser propostas
considerando as capacidades como foco, com o objetivo de colaborar para o
desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva, e que emerja para a realização de
serviços sociais que diligencie dignidade (CENCI; ZEIFERT, 2021).
A busca pela construção de instituições fortes, responsáveis e eficazes, que
promova sociedades pacíficas e inclusivas é uma busca mundial, essencialmente de
interesse firmado como meta global, a partir da Agenda 2030, pelos países aderentes,
sobretudo além da igualdade de acesso à justiça para todos e promoção de um Estado
de Direito, através da transparência.
Em razão disto, o artigo 8º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos dá
seguinte redação no que tange ao acesso à justiça: “Todo ser humano tem direito a
receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem
os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”
(ONU, 1948).
A partir do referido dispositivo, disseminou-se a ideia de tutela jurisdicional a ser
prestada de forma eficaz. No Brasil, o artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, prevê
que todos são iguais perante a lei, sem distinção, garantindo o direito à vida, a
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Entre os muitos direitos
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 165


fundamentais, o inciso XXXV dispõe acerca da apreciação do Poder Judiciário, sem
exclusão, de toda ameaça ou lesão ao direito (BRASIL, 1988).
Outrossim, destaca-se a constituição legal de princípios que regem o acesso à
justiça, no artigo 37, da Carta Magna, sendo a legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência, estruturam a atuação de mecanismos que legitimam a eficácia
da garantia do acesso à justiça, para construção de uma sociedade mais justa e
igualitária, nos termos constitucionais (BRASIL, 1988).
Diante disto, tem-se que o acesso à justiça é um direito social e o seu incentivo em
melhorias e ampliação para todos é fundamental para a garantia à dignidade dos
cidadãos e edificação dos preceitos fundamentais de igualdade e justiça (CAPELETTI;
GARTH, 1988).
Inegável que durante o período de solidificação destes dispositivos a internet não
estava no auge da mobilidade e rapidez com toda a tecnologia que conta hoje.
Contudo, com os avanços dispostos atualmente, com o maior acesso por quase todos,
percebe-se que o judiciário conseguiu acompanhar e ganhar lugar dentro da rede
mundial de computadores.
Nesse sentido, observa que “A desmaterialização e a desterritorialização da
justiça implicaram na utilização de recursos tecnológicos sequer imaginados antes de
1979, atualmente utilizados em larga escala. Inaugurou-se, assim, um novo cenário”
(DA SILVA; DE MORAES, p. 46, 2022).
Essa virtualização do judiciário implicou em procedimentos mais rápidos e
atendimento das demandas de forma mais célere, essencialmente porque a presença
da inteligência artificial adotada nos sistemas dos tribunais contribuiu para esse
aperfeiçoamento.
Dessa forma, no cenário brasileiro, a desmaterialização da justiça instaurou a
“Justiça 4.0 e a promoção do acesso à justiça digital” para incrementação da
governança, transparência e eficiência do Poder Judiciário, a fim de reduzir as
despesas e custas processuais, aproximar os cidadãos e reduzir inadimplência,
objetivando disponibilizar através da inteligência artificial novas tecnologias para a
sociedade e sustentabilidade (DA SILVA; DE MORAES, 2022).
No entanto, as principais dificuldades encontradas, ainda que o judiciário tenha
acompanhado e implementado melhorias ao acesso à justiça a partir das inovações
tecnológicas são perceptíveis quando nos deparamos com os demais problemas
sociais, também buscado serem combatidos pela Agenda 2030, no que trata das
barreiras econômicas, sociais, culturais, entre outras que impedem ou dificultam o
acesso à justiça pelos mais pobres e vulneráveis (DA SILVA; DE MORAES, 2022).
SUMÁRIO

166 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Portanto, ao trabalhar nas dificuldades que se sobressaem quando aborda o tema


do acesso à justiça e da desmaterialização do judiciário, se faz necessário várias
providências a serem tomadas para que os mais vulneráveis não caiam no
esquecimento, bem como a adoção de políticas públicas que busquem combater esse
limbo estejam em consonância com a Agenda 2030, desenvolvendo uma sociedade
justa e igualitária para todos, de forma inclusiva, respeitando as capacidades de cada
um, como um ideal de justiça social.
Por fim, a Agenda 2030, com seus 17 objetivos de desenvolvimento sustentável
contempla e se interligam para que todas essas questões sociais possam ser alcançadas
em conjunto, de maneira que nenhuma exclua a outra ou retroceda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que o avanço da tecnologia trouxe maior mobilidade para a internet e
consequentemente para os tribunais, se tratando de acesso à justiça, a inteligência
artificial tem uma grande participação e importância nos procedimentos internos e na
agilidade do atendimento as demandas.
No entanto, a maior dificuldade ainda encontrada para a melhoria e
acessibilidade do acesso à justiça que alcance a todos, independente dos fatores sociais,
de forma global, diz respeito aos problemas de desigualdade social, às barreiras
econômicas, sociais, culturais, entre outras que impedem totalmente ou dificultam o
acesso à justiça pelos mais pobres e vulneráveis em relação aos demais, a qual também
é uma meta mundial a ser alcançada pela Agenda 2030, se tratando da erradicação da
pobreza e redução das desigualdades sociais.
Dessa forma, a Agenda 2030 consegue ser um instrumento que tem suas metas
globais interligadas, visto que uma acaba por impactar nas demais, como é o caso do
acesso à justiça, que só poderá ser efetivado a partir das políticas públicas inclusivas
que reduzam e se possível por completo, termine com as desigualdades sociais, para
que assim todos através de suas capacidades, fontes educativas, entre outras ações
públicas consigam fazer uso dos sistemas de justiça e serem alcançados pela justiça
social, de forma que oportunize a construção de uma sociedade mais justa e
igualitária, sob os moldes da declaração universal dos direitos humanos e os preceitos
constitucionais.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Agenda 2030. Sociedades inclusivas.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 167


REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: h�p://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 mai. 2023.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.

DA SILVA, Karla Yacy Carlos; DE MORAES, Camila Miranda. A Justiça 4.0 e o acesso sob a lente da agenda
2030 da ONU. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, v. 26, n. 2, p. 42-52, 2022.

ZEIFERT, Anna Paula Bage�i; CENCI, Daniel Rubens. As políticas públicas e a promoção das necessidades
humanas fundamentais. Constitucionalismo e meio ambiente, Tomo 6, direitos fundamentais . 1. ed. Porto
Alegre: Editora Fi, 2021.
SUMÁRIO

168 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

26
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO SISTEMA
PRISIONAL BRASILEIRO E A VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE
HUMANA E DIREITOS DA PERSONALIDADE: um estudo para além
dos muros do cárcere

UNCONSTITUTIONAL STATE OF AFFAIRS IN THE BRAZILIAN PRISON


SYSTEM AND THE VIOLATION OF HUMAN DIGNITY AND
PERSONALITY RIGHTS: a study beyond the prison walls

Pesquisa de doutorado em desenvolvimento por bolsista PROSUP/CAPES do PPGCJ da


Universidade Cesumar (Unicesumar).
Sabrina Medina Andrecioli Oliveira
Doutoranda em Direito pela Universidade Cesumar - BOLSISTA PROSUP/CAPES (módulo
Bolsa). Mestra em Ciências Jurídicas pela Universidade Cesumar, com enfoque na linha de
estudos sobre os instrumentos de efetivação dos Direitos da Personalidade. Bacharel em
direito pela Universidade Estadual de Maringá. Advogada inscrita nos quadros da OAB/PR
sob nº 87.492. Professora de Direito. E-mail: as.andriven@gmail.com
Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão
Doutora em direito das relações sociais pela UFPR-Universidade Federal do Paraná; Pós-
doutorado em hermenêutica jurídica pela UNISINOS-Universidade Vale dos Sinos-RS;
Mestre em Direito Civil e bacharel em direito pela Universidade Estadual de Maringá;
Professora no Programa de Mestrado e Doutorado em Direito e na graduação em Direito na
Universidade Cesumar – Unicesumar. Pesquisadora pelo ICETI-Instituto de pesquisa da
Universidade Cesumar- Unicesumar; Advogada. E-mail: cleidefermentao@gmail.com.

INTRODUÇÃO
O encarceramento em massa é uma questão que atinge a sociedade inteira, diante
das opções punitivas de alto custo político-econômico, social e cultural, o dano social
é extremamente alto e um elemento maximizador da vulnerabilidade de minorias e
grupos vulneráveis. O presente estudo tem como finalidade promover reflexões sobre
o sistema prisional brasileiro diante de um contexto de encarceramento em massa e
violações de direitos fundamentais e da personalidade. A partir da análise do arranjo
normativo e do diagnóstico atual do sistema carcerário, buscar-se-á elucidar como,
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 169


tanto o sistema carcerário brasileiro quanto a declaração de Estado de Coisas
Inconstitucionais, resultante da ADPF nº 347, reproduzem a estrutura antinômica do
estado de exceção anunciado pelo teórico Giorgio Agamben.
A presente pesquisa pretende buscar respostas para os seguintes
questionamentos: O cenário de invisibilidade dos presos, que vivem em situação de
extrema vulnerabilidade, é fruto da precariedade do sistema prisional, como
conscientizar o Estado e a sociedade da urgente necessidade de mudança, em proteção
à dignidade humana dessa população em situação de cárcere? Quais são as bases que
permitem aflorar o Estado de Coisas Inconstitucional relativo ao sistema carcerário
brasileiro? É possível falar-se em estado de exceção nas democracias ocidentais
recentes?
O percurso metodológico será por intermédio do método científico hipotético-
dedutivo. Resumidamente, esse método considera o conhecimento científico como
sendo um processo de especulação controlada. Para tanto, são estabelecidas condições
e hipóteses a serem ratificadas ou refutadas. Assim, o estudo expõe como, tanto o
sistema carcerário brasileiro quanto a declaração de Estado de Coisas Inconstitucional,
resultante da ADPF nº 347, reproduzem a estrutura antinômica do estado de exceção. O
procedimento técnico adotado foi de pesquisa bibliográfica, onde procurar-se-á
explicar o encarceramento em massa e a seletividade penal a partir de referenciais
teóricos, de revisão da decisão paradigmática da ADPF nº 347, de literatura de obras e
artigos de periódicos sobre a temática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A invisibilidade, descaso e violência são características norteadoras da realidade
das pessoas em situação de cárcere. As estatísticas levantadas e analisadas pelo último
diagnóstico de pessoas presas no Brasil, elaborado pelo Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas
(DMF), a situação de encarceramento em massa é preocupante. O último
levantamento nacional de informações penitenciárias realizado entre janeiro e junho
de 2022, pelo SISDEPEN (ferramenta de coleta de dados do sistema penitenciário
nacional), tem-se no atual cenário prisional brasileiro um total de 661.915 pessoas
privadas de liberdade. Para comportar toda essa população nos estabelecimentos
carcerários, seria necessário gerar ao menos outras 191.799 vagas (BRASIL, 2022).

A maioria dos detentos do atual sistema penitenciário brasileiro é oriunda da


parcela mais vulnerável da população, a atuação seletiva do sistema de justiça penal
ocasiona muitas violações e institui uma forma paradoxal de enfrentar a
criminalidade, o que se verifica é um grande afastamento da vontade da lei e a
SUMÁRIO

170 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

realidade do sistema carcerário nacional (SIQUEIRA; ANDRECIOLI, 2019). A


operacionalização do cárcere é de modo extremamente funcional ao selecionar a
população que se encontra na margem social. O que se visualiza é um sistema penal
que se configura como uma instância do controle social, que nada mais é do que uma
contínua seleção e reprodução das relações de desigualdade de produção, em
conjunto com outras formas de controle social formal e informal (ÁVILA, 2013).

A fragilidade das políticas sociais e criminais se evidencia diante da realidade


nacional de encarceramento em massa. A carência de interesse político em reduzir as
desigualdades e de fortalecer a cidadania das pessoas privadas de liberdade e de suas
famílias, justifica a precariedade das políticas públicas efetivas. Uma minoria invisível
aos olhos da própria sociedade dificilmente irá encontrar respaldo dos congressistas.
Assim, diante da realidade caótica do sistema prisional nacional, reconhecida na
própria ADPF nº 347 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), revela não só o fracasso do
cárcere, mas, especialmente, da própria condição excepcional encarceramento em
massa, algo que se coloca para além da simples declaração do estado
inconstitucionalidade. Na decisão da ADPF nº 347, o Supremo Tribunal Federal
reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) no sistema prisional brasileiro. A
exceção instaurada nos presídios brasileiros se expressa no total descaso quanto à
administração de condições mínimas de subsistência evidenciando a permanente
suspensão do direito que impera no sistema prisional.

A declaração pelo Supremo do Estado de Coisas Inconstitucional no sistema


prisional brasileiro, chama para si a atuação na formulação, implementação e na
fiscalização de políticas públicas em cooperação com os demais Poderes com a
finalidade de promover a democracia material. Ou seja, coloca nas mãos do Judiciário
a possibilidade de regressão do quadro de encarceramento em massa pela qual este
órgão também é responsável (SANTOS; ÁVILA, 2017). A legitimidade da aplicação da
teoria do ECI, a partir de uma análise disciplinada no princípio da unidade da
Constituição, se justifica nas situações nos quais não tem sido possível lograr a
efetivação de direitos fundamentais, como é o caso do sistema prisional. A violação
dos direitos fundamentais e da personalidade daqueles submetidos em situação de
cárcere, evidencia como resultado da operação da exceção, permitindo, por
consequência, a denominação do Estado de Coisas Inconstitucionais (ECI), tendo em vista
que o estado de exceção constitui a provisória suspensão da ordem jurídica ou da própria
Constituição de um país, na sua totalidade ou de suas principais normas, por exemplo,
as que garantem os direitos fundamentais e personalíssimos.
A teoria unitária de poder, segundo Agamben, contemplaria a biopolítica e a
teoria do estado, sendo o homo sacer o produto do soberano. Desta forma, a vida nua,
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 171


diferentemente da vida selvagem, através do estado de exceção é excluída e capturada
pelo ordenamento, essa relação de “exclusão-inclusiva” seria o fundamento oculto
sobre o qual repousa todo o sistema político (AGAMBEN, 2002). Por intermédio dos
ensinamentos de G. Agamben, pode-se verificar que a estrutura do sistema prisional
brasileiro se caracteriza como um espaço de exceção jurídico-normativa. De acordo
com Oswaldo Giacoia Júnior (2018) o espaço prisional, campo de atuação do poder
soberano, se caracteriza pela suspensão das prerrogativas constitucionais (direitos
fundamentais e direitos de personalidade), a descartabilidade da vida do preso, na
medida em que “[...] os presos tornam-se lixo digno do pior tratamento possível. A
vida do preso, portanto, vida nua e vida política, em certo sentido, ingressa em uma
zona de absoluta indeterminação” (GIACOIA JÚNIOR, 2018, p. 73).
A deficiência estrutural carcerária brasileira, ressalta aos olhos a importância de
uma política criminal eficiente. As prisões brasileiras são coordenadas pela lógica da
exceção, onde as vidas nuas ali contidas não estão inseridas em um sistema de
normatividade ao qual possam racionalmente compreender e se ajustar. Por meio das
reflexões trazidas acima, é cabível o questionamento de que o excesso e as
contradições normativas do ordenamento jurídico, tão evidentes na realidade
carcerária devem ser percebidas como falhas ou, ao contrário, são consequências
inevitáveis de certo sistema jurídico biopolítico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo se propôs a analisar a problemática do encarceramento em
massa e a falência do sistema prisional brasileiro. Buscou-se, assim, ir além dos muros
penitenciários para se compreender a precariedade do sistema prisional que está longe
de servir de instrumento de ressocialização. O estudo quedou-se claro que as ações
institucionais vêm se desenvolvendo sem nenhum planejamento que leve em
consideração a humanização da execução penal, violando direito a uma vida digna.
Concluiu-se que apesar da existência de uma Constituição garantidora de direitos e
aderência em tratados internacionais, não há correspondência entre o expresso nos
instrumentos legais e a realidade que vivencia as pessoas presas.

A questão da aplicação do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) é complexa,


merece aprofundamento e cautela para que não se torne um instrumento arbitrário e
justificador de intervenções do Poder Judiciário. As bases que permitem aflorar o ECI
na realidade brasileira é a necessidade de mudança no quadro de omissões estatais
diante das violações massivas e generalizadas dos direitos fundamentais e da
personalidade. A legitimidade da aplicação da teoria do ECI, a partir de uma análise
disciplinada no princípio da unidade da Constituição, se justifica nas situações nos
SUMÁRIO

172 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

quais não tem sido possível lograr a efetivação de direitos essenciais para uma vida
digna, como é o caso do sistema carcerário. Diante disso que se verifica o caráter
máximo de força normativa que a dignidade da pessoa humana possui, onde todos os
ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados.

Ainda, com a análise da decisão paradigmática da ADPF 347, e a declaração de


Estado de Coisas Inconstitucional, se constatou que sistema carcerário brasileiro
reproduz a estrutura de um estado de exceção, o qual é resultado da expressão da
assunção do poder soberano na função de gerir a vida, via dispositivo. O Estado tem
a postura de tratamento da pessoa em situação de cárcere como um inimigo
institucional. Nessa perspectiva que se configura o homo sacer do direito romano
arcaico aplicado na contemporaneidade. A vida nua passa a não estar mais confinada
a um lugar particular ou em uma categoria definida, mas habita o corpo biológico de
cada ser vivente. Desta forma, o biopoder na atualidade reduz a vida humana à
sobrevida, ao passo que a perspectiva de emancipação aponta em essência para uma
transgressão. Faz-se substancial que os direitos da personalidade, essenciais para a
vida digna, sejam tutelados frente ao ambiente de um estado de exceção, principalmente
frente a era tecnológica, especialmente as de natureza digital, que não param de
avançar proporcionou ao Soberano condições reais de ampliar o controle sobre a vida
do ser humano.

Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Encarceramento em Massa. Estado de


Coisas Inconstitucionais. Sistema Prisional Brasileiro. Vulnerabilidade.

REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2002.

ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2015. Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 347. Disponível em: redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?
docTP=TP&docID=10300665. Acesso em: maio 2023.

CANTALI, Fernanda Borghe�i. Direitos da personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e


dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2015.

GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Agamben: por uma ética da vergonha e do resto. São Paulo: n.1 Edições, 2018.

RAMOS, Rivera Efrén. Violence and the law: notes under the influence of an extreme violence. 2003. p. 2.
SELA (Seminario en Latinoamérica de Teoría Constitucional y Política) Papers. Paper 27. Disponível em:
h�p:// digitalcommons.law.yale.edu/yls_sela/27. Acesso em: nov. 2022.
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 173


SILVA SÁNCHEZ, Jésus-Maria. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades
pós-industriais. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

SIQUEIRA, Dirceu Pereira; ANDRECIOLI, Sabrina Medina. A dignidade da pessoa humana e a mulher no
cárcere brasileiro: uma análise a partir dos direitos da personalidade. Revista de Direito Brasileira, [S.l.], v.
24, n. 9, p. 463-488, dez. 2019. Disponível em: h�ps://www.indexlaw.org/index.php/rdb/article/view/5742.
Acesso em: maio 2023.

SANTOS, Marcel Ferreira; ÁVILA, Gustavo Noronha. Encarceramento em massa e estado de exceção: o
julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 347. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 136, p. 267-291, 2017.
SUMÁRIO

174 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

27
RESSOCIALIZAÇÃO COMO UM DESAFIO AO APENADO
QUE ACREDITA NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA HISTÓRIA

RESOCIALIZATION AS A CHALLENGE FOR FORMER PRISONERS


WHO BELIEVE IN BUILDING A NEW HISTORY

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa GESTÃO SISTÊMICA DOS


CONFLITOS NA PERSPECTIVA DA METATEORIA DO DIREITO FRATERNO:
POSSIBILIDADES PARA A FRATERNIDADE COMO LUGAR COMUM NA
HUMANIDADE da URI, campus Santo Ângelo.

Susielli Kétrin Tofolo


Acadêmica do curso de graduação de Direito, 7º semestre, na Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Uri, campus Santo Ângelo. E-mail:
ketrintofolo@gmail.com

Charlise Paula Colet Gimenez


Professora Orientadora da Pesquisa. Doutora em Direito e Mestre em Direito pela
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em Direito Penal e Processo Penal
pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ.
Professora dos Cursos de Mestrado e Graduação em Direito da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e Missões - URI, campus Santo Ângelo. Advogada. Atua no
estudo do Crime, Violência, Conflito e Formas de Tratamento de Conflitos - conciliação,
mediação, arbitragem e justiça restaurativa. E-mail: charliseg@santoangelo.uri.br

INTRODUÇÃO
A pena restritiva de liberdade tem como escopo fazer com o que o preso não
retorne à sociedade a fim de delinquir, mas ressocializado com o objetivo de
recomeçar uma nova história. Fato este que no passado não era o objetivo do Estado,
uma vez que a finalidade era apenas excluí-los da sociedade. Assim, recomeçar uma
nova história no meio de tantas transgressões é o objetivo de todos os reclusos que
desejam viver de maneira diferente do até presente momento, ressocializando,
juntamente com seus familiares, em busca de vida melhor.
Todavia, como é possível recomeçar diante de uma sociedade que despreza e
julga os ex-presidiários, dificultando, assim, sua ressocialização? Questão essa que
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 175


deve ser pugnada, uma vez que estes indivíduos devem ser reinseridos na sociedade
a fim de não retroagirem à criminalidade, escrevendo uma nova história,
abandonando a vida do crime, além de conseguirem obter o seu sustento e de sua
família. Nessa perspectiva, a pesquisa, utilizando-se da metodologia hipotético-
dedutiva, instruída por uma análise bibliográfica, tem como propósito investigar os
obstáculos para a ressocialização vivenciados pela população carcerária.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Desde a Idade Média todos os indivíduos que se utilizavam do crime para
conseguir o que tanto desejavam recebiam julgamentos bastante dolorosos, muitos
deles à pena de morte. Fato este vedado pela atual Constituição Federal/1988, em seu
artigo 5º, inciso XLVII, alínea (a): “não haverá penas: a) de morte [...]”. Posteriormente,
esse tipo de justiça da época foi perdendo as forças e surge um novo sistema no qual
os presos perdiam sua liberdade, mas não eram submetidos a instrumentos de tortura,
uma vez que o Estado os utilizava para o trabalho. Período este em que resultou
grande espetáculo para a população, os quais queriam que os indivíduos que estavam
no âmbito da criminalidade sofressem, a fim de não mais delinquir. Entretanto,
situações essas em que não eram respeitados os direitos humanos fundamentais, uma
vez que eram vistos com olhos de maldade diante de uma sociedade que rejeitava
esses indivíduos.
Nesse âmbito, percebe-se que hodiernamente o sistema carcerário tem como
principal objetivo a ressocialização e a punição da criminalidade. Assim sendo, é de
responsabilidade do Estado garantir a segurança da sociedade, isolando os criminosos
do convívio social, por mei do cárcere privado, logo, privando a liberdade dos mesmos
a fim de não delinquirem novamente.
Sobre este posicionamento, Foucault ensina:

[...] a reforma propriamente dita, tal como ela se formula nas


teorias do direito ou que se esquematiza nos projetos, é a
retomada política ou filosófica dessa estratégia, com seus
objetivos primeiros: fazer da punição e da repressão das
ilegalidades uma função regular, extensiva à sociedade; não
punir menos, mas punir melhor; punir talvez com uma
severidade atenuada, mas para punir com mais universalidade e
necessidade; inserir mais profundamente no corpo social o poder
de punir (FOCAULT. 1999, p. 102).

Concernente a isso, é direito do preso o respeito e a integridade física, conforme


prevê o artigo 5º, inciso XLIX, da CF/88, garantido pelo Estado, possuindo como
finalidade que o preso consiga, após sair do cárcere, ressocializar na sociedade,
SUMÁRIO

176 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

deixando da vida criminal. Entretanto, essa palavra pronominal, que, conforme o


dicionário, possui significado de “Socializar-se novamente; voltar a fazer parte de uma
sociedade: ressocializou o cidadão banido”, muitas vezes não ocorre conforme
exposto em doutrina. Tendo em vista que o indivíduo consegue ressocializar a partir
do momento que a sociedade o insere, ou seja, garante a oportunidade de o ex-
presidiário conseguir uma nova rotina longe da criminalidade, retornando, assim, ao
convívio social.
Com isso, o professor Raul Falconi aponta que,

[...] conceito de ressocializar reside no ato de “converter” o


condenado que, através da execução da pena, adaptar-se-ia aos
limites das normas sociais, compreendendo ter errado e
convencendo-se de que, pagando pela sua falta, estaria pronto
para o retorno ao convívio social. Nesse sentido, a pena teria a
função de entronizar no recluso o senso moral que não possuía, a
ponto de ter praticado uma conduta desajustada socialmente,
aqui concebida como a infração penal [...] (FALCONI,1998,
p.156).

Assim, questiona-se: é possível recomeçar diante de uma sociedade que etiqueta


o apenado, dificultando, assim, sua ressocialização? A sociedade atual brasileira está
enraizada em uma cultura que prega pela justiça, praticando injustiças, as quais,
muitas delas, etiquetam e rotulam as pessoas pelas suas características físicas,
apresentando-se um preconceito estruturado, não oportunizando-o emprego e até
mesmo espaço para sua ressocialização, fazendo com que muitos deles voltem para o
crime.
Nesse sentido, salienta Simone Barros Correa de Menezes, afirmando acerca da
população carcerária e seus familiares,

[...] Essa população invisível, que é o preso e a sua família, seres


destituídos de identidade social positiva, vive à margem das
grandes certezas, são vistos como refugo; quando são percebidos,
mesmo invisíveis, no contexto social, vivem nas fronteiras da
casualidade, da razão e do tempo, sujeitos de uma história sem
final definido, em que o direito de volta à convivência social soa
como uma ode ao mal” (MENEZES. 2017).

Conforme pesquisa do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo aponta que


“menos de 1% de ex-detentos conseguem emprego [...] após cumprir a pena e ganhar
a liberdade, somente 284 dos 107.913 egressos conseguiram emprego” (TCESP, 2019).
SUMÁRIO

GT 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 177


Nesse sentido, a dificuldade encontrada por esses indivíduos para conseguirem
inserir-se na sociedade aumentam pelo fato de serem ex-detentos, tendo em vista que
o foco punitivo está para esses indivíduos. No entanto, a sociedade acaba por violar os
direitos destes, os quais merecem respeito e oportunidade para sua ressocialização,
uma vez que são cidadãos como quaisquer outro para o convívio social.
Ressalta-se que muitos detentos estão desamparados dentro do cárcere privado,
uma vez que, muitos, constituem família e o preço de estarem vivendo longe das
pessoas que ama, vai muito além da pena abstrata. Assim, faz-se necessária a garantia
da ressocialização para o labor, uma vez que os mesmos dependem para o sustento de
sua família, os quais muitos que constituíram família, tem como principais integrantes
as crianças pequenas, justificativas, estas, que contribui para o ex-deliquente se redimir
e não voltar na sociedade com o desejo de vingança ou até mesmo continuar no
mundo da criminalidade, tornando-se, assim, dispostos a recomeçar suas vidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O preconceito instalado na sociedade brasileira está presente durante muitos
anos. O foco punitivo sempre foi o indivíduo que por algum motivo esteve para o
crime, não oportunizando espaço para o mesmo, uma vez que necessitam da
ressocialização, a fim de garantir labor para o seu sustento e de sua família.
Conclui-se que como qualquer outro ser humano, os apenados são considerados
cidadãos em busca de oportunidades após saírem da prisão. Ao mesmo tempo,
encontram pessoas preconceituosas, que apenas visualizam o seu histórico com o
crime e não a pessoa que ele se tornou e/ou se torna, fazendo com que muitos não
consigam no mercado de trabalho uma oportunidade. Fato este, que em algumas
vezes, propicia para que o ex-detento volte para a vida criminal, uma vez que não há
escolhas para esses indivíduos a fim de conseguir, por exemplo, alimento para seu
filho, ou até mesmo sustento para os demais integrantes da sua família, assim, acabam
retrocedendo por falta de acompanhamentos ou incentivos.
Logo, ficou evidente que o grande desafio para esses indivíduos, além de ser a
conquista pelo espaço no mercado trabalho, será fazer com que a sociedade entenda
que os ex-detentos são seres humanos capazes de se redimir em busca de melhoras de
vida, uma vez que muitos deles acreditam uma nova história. Além disso, é
necessário, por parte do Estado auxílio para a conquista laboral, tendo em vista que as
pessoas ainda estão, infelizmente, enraizadas em uma cultura preconceituosa. E hoje,
muitos presidiários sonham em ver seus familiares diariamente, seus filhos, sem
estarem algemados, sustentar sua família e viver de forma diferente do âmbito
criminal.
SUMÁRIO

178 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Palavras-chave: Ressocialização. Preconceito. Presidiários. Labor. Família.

REFERÊNCIAS
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016].

FALCONI, Romeu. Sistema presidial. reinserção social. São Paulo. Ícone, 1998.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 20. ed.
Petrópolis: Vozes, 1999.

MENEZES, Simone Barros Correa de. Identidades em construção. ANF, 2017. < h�ps://www.anf.org.br/
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Profissão Reporter, G1. Ex-detentos lutam contra o preconceito por oportunidade no mercado trabalho.
G1, São Paulo, 2019. < h�ps://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2019/09/26/ex-detentos-lutam-contra-
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TCESP. Em 10 anos, cresce em 87% déficit de vagas em presídio. TCESP, 2019 <h�ps://www.tce.sp.gov.br/
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~:text=Menos%20de%201%25%20de%20ex%2Ddetentos%20consegue%20emprego%2C%20aponta%20TC
ESP&text=22%2F07%2F2019%20%E2%80%93%20S%C3%83O%20PAULO%20%E2%80%93%20Apenas%2
00%2C,recolocar%20no%20mercado%20de%20trabalho.> Acesso em: 01, maio de 2023.
GT2
BIOPOLÍTICA,
DIREITOS HUMANOS E
GÊNERO
SUMÁRIO

180 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

28
MULHERES E MOVIMENTOS FEMINISTAS: estudando sobre a
influência dos movimentos para a garantia da autonomia feminina

WOMEN AND FEMINIST MOVEMENTS: studying the influence of


movements to guarantee female autonomy

Artigo confeccionado em parceria, a partir de reflexões produzidas nas aulas do Doutorado


em Direitos Humanos da Unijuí.

Aline Rodrigues Maroneze


Mestra em Desenvolvimento e Políticas Públicas pelo PPGDPP, da Universidade Federal da
Fronteira Sul, UFFS – Campus Cerro Largo/RS. Especialista em Direito Processual Civil.
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Campus
de Santo Ângelo/RS. Doutoranda em Direitos Humanos pela Unijuí. Bolsista integral
CAPES/PDPG- Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDPG) Emergencial de
Consolidação Estratégica dos Programas de Pós-Graduação (PPGs) stricto sensu acadêmicos
com notas 3 e 4 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior.
Integrante do Grupo de Pesquisa registrado no CNPQ Direitos Humanos e Movimentos
Sociais na Sociedade Multicultural, vinculado ao PPG Direito - Mestrado e Doutorado da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), campus Santo
Ângelo/RS. E-mail: aline_maroneze@yahoo.com.br

Lucimary Leiria Fraga


Doutoranda em Direitos Humanos (UNIJUÍ). Bolsista integral PROSUC/CAPES. Mestra em
Direito (URI). Mestra em Desenvolvimento e Políticas Públicas (UFFS). Bacharela em Direito
(URI). Pós-graduanda em Direito da criança, do adolescente e do idoso (PROMINAS).
Membro do Grupo de Pesquisa Direito ao desenvolvimento e seus territórios: história, forma
e possibilidades para o Noroeste Rio-Grandense (UFFS/CLACSO). Membro do Grupo de
Pesquisa Fundamentação crítica dos Direitos Humanos (PPGDH-UNIJUÍ). Pesquisa temas
relacionados a mulheres Trans, (des) identidades e direito à diferença. E-mail:
lucimary23@hotmail.com

INTRODUÇÃO
A sociedade do patriarcado vê as mulheres como inferiores aos homens, devendo
submissão e servidão à eles, segundo a lógica patriarcal. E por conta desta pretensa
inferioridade, afirmada pelo patriarcado, durante algum tempo elas não eram
reconhecidas como sujeitas de direito, já que eram vistas apenas como objetos de
agrado e satisfação dos homens, sendo relegadas ao cuidado da família, criação dos
filhos e ao ambiente doméstico, sem qualquer reconhecimento social ou político.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 181


Contudo, vendo que havia na sociedade uma relação de desigualdade muito
grande entre homens e mulheres, os movimentos sociais feministas surgem no cenário
social lutando para que as mulheres pudessem ser reconhecidas enquanto sujeitas de
direito, e assim garantir direitos importantes para elas. Com a mobilização dos
movimentos feministas foi possível dar visibilidade às pautas das mulheres que
reivindicavam reconhecimento, emancipação, garantias legais e respeito frente aos
homens.
Nesse sentido, o objetivo geral deste ensaio teórico está consubstanciado em
compreender sobre a importância dos movimentos sociais feministas na promoção da
emancipação das mulheres. De modo que a pergunta norteadora da pesquisa refere-se
à: Qual a relevância dos movimentos sociais feministas na promoção da emancipação
feminina? Assim, a realização desta pesquisa será baseada no método dedutivo. Como
técnicas, específicas serão realizadas pesquisas bibliográficas e documentais, mediante
as quais serão apresentados os posicionamentos doutrinários acerca do problema
debatido neste trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com a finalidade de iniciar este ensaio estudando sobre a desvalorização das
mulheres ao longo da história (deixando claro que nem sempre foi assim, ao contrário
do que muitos ainda acreditam, o patriarcado não existiu desde sempre), parte-se dos
estudos de Aristóteles, sobretudo em sua obra “A Política”, obra considerada um
clássico. O autor faz a seguinte afirmação: “Em todas as espécies, o macho é
evidentemente superior à fêmea: a espécie humana não é exceção” (1991, p. 29).
Conforme se depreende da citação acima, o filósofo acreditava na superioridade
do macho sobre a fêmea em todas as espécies, e afirma com precisão que esta
superioridade também pode ser verificada na relação de homens e mulheres. A
coisificação e a objetificação também se percebe de maneira intrínseca na citação
colacionada acima. Contudo, o autor ainda esclarece que os homens mostravam toda
a sua força e poder quando tinham a obediência das mulheres, sobre isso afirma: “[...]
força de um homem consiste em se impor, a de uma mulher, em vencer a dificuldade
de obedecer” (ARISTÓTELES, 1991, p. 31).
O patriarcado acaba por estabelecer uma relação paradoxal com as mulheres, já
que ao mesmo tempo que as vê com objetificação, inferiorização e desvalorização
precisa delas para garantir sua prole, e assim acaba com naturalizar a servidão das
mulheres para com os homens, chamando isso de amor. Não bastasse toda a
construção de uma naturalização da servidão feminina, ainda buscam de todas as
SUMÁRIO

182 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

formas controlar o corpo das mulheres, inclusive com o apoio e com a atuação do
Estado (SAFFIOTI, 2004).
Nesse sentido, entende-se ser de importância trazer o que vem a ser um
movimento social, Anthony Giddens (2005, p. 357), entende os movimentos sociais
como “[...] tentativas coletivas de promover um interesse comum ou de assegurar uma
meta comum por meio de uma ação fora das instituições estabelecidas”.
Já no que se refere ao movimento feminista, é importante ressaltar que ele surge
para (re)pensar novas formas de convívio social, superando as desigualdades de
gênero e galgando direitos e emancipação social e política às mulheres:

Emancipar-se é equiparar-se ao homem em direitos jurídicos,


políticos e econômicos. Corresponde à busca de igualdade.
Libertar-se é querer ir mais adiante, marcar a diferença, realçar as
condições que regem a alteridade nas relações de gênero, de
modo a afirmar a mulher como indivíduo autônomo,
independente, dotado de plenitude humana e tão sujeito frente
ao homem quanto o homem frente à mulher. (CHRISTO, 2001)

Traz-se neste pequeno ensaio teórico, apenas a título informativo, sobre a


Declaração das Mulheres e da Cidadã, para demonstrar sobre a importância da luta
das mulheres por reconhecimento de direitos e liberdade, uma vez que foi através das
mobilizações sociais destes movimentos que direitos importantes foram conquistados
para as mulheres, uma luta antiga e que ainda não acabou.
Nesse sentido, os movimentos feministas buscam o reconhecimento das
mulheres enquanto seres humanas, uma vez que a elas eram negados uma série de
direitos fundamentais, que, no entanto,, eram reconhecidos aos homens. Assim, os
movimentos feministas lutam para a “[...] afirmação básica das mulheres como seres
humanos e não como bonecas, objetos, coisas, ou animais, nos termos da crítica
feminista clássica. O feminismo é positivamente uma extensão do movimento pelos
direitos humanos” (CASTELLS, 1999, p. 230).
Maria da Glória Gohn (2010, p. 159) destaca sobre a amplitude do movimento das
mulheres, abarcando várias lutas e demandas, tanto sociais, políticas, assim como a
superação de padrões culturais opressores:

Movimento das mulheres é amplo, composto de lutas do


movimento feminista e de feministas independentes, de
movimentos de gênero, ONGS e entidades que compõem partes
de seu universo. Mas é também composto por múltiplos outros
movimentos sociais que demandam melhores condições de vida
e trabalho, reconhecimento de direitos sociais, políticos e
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 183


culturais etc., com presença majoritária das mulheres (GOHN,
2010, p. 159)

Dessa forma, diante de tudo o que fora estudado até aqui, pode-se afirmar sobre
a importância do movimento feminista na vida das mulheres, que conquistaram
direitos importantes para elas, como por exemplo o direito ao voto, através do
movimento sufragista, bem como o direito ao divórcio, à educação. Direitos
conquistados através da mobilização social dos movimentos feministas, que através
do reconhecimento de direitos importantes para elas, acaba promovendo também a
sua emancipação social, política e econômica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse sentido, em uma sociedade patriarcal, que apesar de todas as evoluções e
transformações culturais, ainda continua vendo a mulher com certa inferioridade, os
movimentos feministas assumem papel de grande relevância, uma vez que através de
suas mobilizações sociais trazem uma nova forma de ver e tratar as mulheres,
rompendo e fazendo (re)pensar a lógica patriarcal.
Diante de todo o estudo que fora realizado, pode-se concluir que os movimentos
feministas acabam por promover a emancipação social das mulheres, na medida que
conquista e consegue o reconhecimento de direitos para elas. Contudo, é inegável que
apesar das conquistas serem muito importantes, a objetificação, a desvalorização e a
violência contra a mulher ainda continua muito viva em nossa sociedade, que embora
com o reconhecimento da igualdade de gênero, ainda vê a mulher como inferior ao
homem.
Assim, respondendo à pergunta norteadora desta pesquisa, os movimentos
feministas são relevantes na promoção da emancipação social das mulheres, tanto por
trazer ao cenário social pautas femininas importantes, como também através da sua
atuação na quebra de paradigmas de gênero preconceituosos e discriminatórios,
buscando para as mulheres um novo lugar junto à sociedade, um lugar onde haja
respeito e equidade de gênero, onde as mulheres não sejam julgadas e condenadas
pela forma que se vestem, falam e se comportam na sociedade.
Palavras-chave: Mulheres. Movimentos Feministas. Autonomia Feminina

REFERÊNCIAS:
ARISTÓTELES. A Política. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo. Martins Fontes.1991.

CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. Vol. 2.
São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999.
SUMÁRIO

184 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

CHRISTO, Carlos Alberto. Marcas de Baton. Revista Caros Amigos, 2001. Disponível em: h�p://pensocris.
vilabol.uol.com.br/feminismo.htm. Acesso em 11 jan 2021.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4 ed. Artmed. Porto Alegre, 2005.

GOHN, Maria da Glória. Novas Teorias dos Movimentos Sociais. 3d. São Paulo: Edições Loyola, 2010.

_____. 500 Anos de Lutas Sociais no Brasil: movimentos sociais, ongs e terceiro setor. Londrina: Revista de
Ciências Sociais, Mediações, v. 5, n.1, jan-jun. 2000.

SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2004.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 185

29
A EXPLORAÇÃO DOS VENTRES DE MULHERES
ESCRAVIZADAS E A (IM)POSSIIBILIDADE DA MATERNIDADE
DURANTE A ESCRAVIDÃO

THE EXPLOITATION OF SLAVED WOMEN'S WOMB AND THE


(IM)POSSIBILITY OF MOTHERHOOD DURING SLAVERY

Pesquisa acadêmica que está sendo desenvolvida na disciplina de Projeto Integrador do


Curso de Direito da URI Campus Cerro Largo (RS), relacionado a temática de
“Racismo e Branquitude.

Camily Laís Lütkemeyer


Estudante do quinto semestre do Curso de Direito da URI Campus Cerro Largo (RS). E-mail:
camily00lutkemeyer@gmail.com.

Gabriela Felden Scheuermann


Professora do Curso de Direito da URI Campus Cerro Largo (RS). Doutoranda em Direito
pelo PPGD da URI Campus Santo Ângelo (RS). Mestra em Direitos Especiais pelo PPGD da
URI Campus Santo Ângelo (RS). E-mail: gabischeuermann.gf@gmail.com

INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem o objetivo central de compreender a maternância das
mulheres negras escravizadas, tendo em vista que ela (não) era sentida e (nem) vivida
de forma efetiva durante o período de escravidão no Brasil. Utilizando-se do modo de
raciocínio dedutivo, pois adota-se como pano de fundo as teorias feministas de bell
hooks e Ângela Davis, e da pesquisa bibliográfica, mediante análise de livros e artigos,
questiona-se: como se dava e quais eram as formas (e se elas existiam) de negação da
maternidade diante do contexto histórico de objetificação do corpo da mulher negra
escravizadas?
Tal questionamento se justifica pelo fato de a temática da maternância das
mulheres negras durante a escravidão ser esporadicamente abordada nas pesquisas
que, utilizando a base histórica como fundamento, discutem a maternidade e suas
SUMÁRIO

186 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

implicações para a vida das mulheres. Ou então quando abordada, é analisada dentro
do contexto da vivência de mulheres brancas, assemelhando, como se fosse possível, a
historicidade dessa prática social.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
No início do século XIX, o tráfico negreiro começou a sofrer, principalmente
pelo Parlamento Britânico, forte influência para ser abolido. Em 1831, a monarquia
brasileira instituiu uma lei que declarava livre todos os escravos vindos de fora do
Império, porém, foi ineficaz porque milhares de escravizados continuaram
desembarcando nos principais portos do Brasil. Após a lei de 1831, “os africanos eram
desembarcados à noite nas praias e obrigados a marchas até os armazéns ou barracões
clandestinos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 60). Enquanto nos tratados
políticos a nação se comprometia a fazer cessar o tráfico, o interesse da lavoura (em
especial do café) exigia, cada vez mais, mão de obra escrava abundante (COSTA, 2012,
p. 74).
Como contrarresposta, a Inglaterra aprovou a Lei Bill Aberdeen em 1845,
autorizando a marinha britânica a perseguir e punir navios negreiros que
transportavam escravizados pelo Atlântico Sul. Mas o pensamento escravagista no
Brasil era tão acentuado que o tráfico negreiro resistiu (ALBUQUERQUE; FRAGA
FILHO, 2006; COSTA, 2012). O tráfico de escravos da África para o Brasil já estava
formalmente proibido “mas quem é que cumpria a lei?” (CRUZ, 2018, p. 19). Segundo
Eliana Alves Cruz (2018, p. 19), “os ingleses forçaram a situação aprovando a lei Bill
Aberdeen, mas o engraçado é que [...] o comércio de escravizados ainda era um dos
negócios mais lucrativos para a esmagadora maioria”. Finalmente, depois de muita
resistência, em 4 de setembro de 1850 foi aprovada no Brasil a Lei Eusébio de Queirós,
proibindo definitivamente o tráfico negreiro.
Com a proibição do tráfico negreiro não era mais possível adquirir mão de obra
escrava do mercado internacional. Por isso, o Brasil, assim como outros países
escravagistas, teve que desenvolver formas internas para a manutenção da escravidão.
Começou-se, assim, a enxergar o ventre da mulher escravizada como forma de manter
o sistema, ou seja, a procriação para o nascimento de novos escravizados. De acordo
com Hooks (2020, p. 37), “a mulher negra escravizada não era tão valorizada quanto
ao homem negro escravizado [...] o comércio de pessoas escravizadas, em princípio,
era de homens negros”. Contudo, com a ideia da procriação, o cenário se inverte e a
mulher negra escravizada passa a receber mais valor comercial. Para Davis (2016), elas
eram avaliadas pela sua fertilidade. Aquelas que fossem potencialmente mãe de dez,
doze ou mais, era um tesouro cobiçado.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 187


No mesmo sentido, Hooks (2020, p. 66), afirma que “anúncios de venda de
mulheres negras escravizadas usavam os termos ‘escrava reprodutora’, ‘parturiente’,
‘período de reprodução’, ‘muito velha para reproduzir’, para descrever
individualmente as mulheres”. Como consequência, mulheres negras estéreis eram as
que mais sofriam no sistema de reprodução (HOOKS, 2020). Com isso, inicia-se uma
violenta¹ e opressora política contra os corpos de mulheres escravizadas, que eram
obrigadas a parir não para serem mães, mas para fazer com que a escravidão fosse
mantida. (DAVIS, 2016).
Um dos livros que trabalha a questão da maternidade durante a escravidão é
“Um defeito de Cor” escrito por Ana Maria Gonçalves, em que uma mãe negra, antes
escravizada, viaja da África ao Brasil em busca do filho perdido. Dentre os relatos ao
longo do livro, um deles, talvez o mais forte, traduz a cena de violência contra o corpo
da mulher negra e a relação com a maternidade:

Eu queria morrer, mas continuava mais viva que nunca, sentindo


a dor do corte na boca, o peso do corpo do sinhô José Carlos sobre
o meu e os movimentos do membro dele dentro da minha racha,
que mais pareciam chibatadas. Eu queria morrer e sair sorrindo,
dançando e cantando, como minha mãe tinha feito. De todo o
resto que aconteceu depois, só tomei consciência quatro ou cinco
meses mais tarde, quando meu filho começou a mexer dentro
da minha barriga (GONÇALVEZ, 2006, p. 171, grifou-se).

Assim, ressalta-se o fato de que, embora parissem seus filhos, as mulheres negras
escravizadas não tinham o direito de serem mães. Isso, pois no projeto colonial de
adestramento feminino, coube à mulher negra a “promiscuidade, escravidão,
exploração, silenciamento e privação do direito de viver plenamente a maternidade”
(SILVA; CARVALHO, 2021, p. 635-636). Seus filhos eram tirados ainda crianças, senão
quando bebês, e postos à venda. Para Davis (2016, p. 26), “era comum que as crianças
fossem vendidas e enviadas para longe, como bezerros separados das vacas”. Nesse
contexto, cita-se um trecho do discurso da abolicionista e ex-escravizada Sojourner
Truth durante a Convenção das Mulheres em Ohio, em 1851: “[...] eu pari treze filhos
e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha
dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu” E eu não sou uma mulher?” (PINHO,
2014, 00).

1 É importante destacar que a violência contra as mulheres escravizadas não começou somente em solo brasileiro e como
forma de manutenção da escravidão. Muitas eram estupradas e ameaçadas ainda no navio negreiro. Contudo, depois,
esse cenário de exploração se intensificou e a mulher escravizada passou a ser vista como um objeto sexual/
reprodutivo (DAVIS, 2016).
SUMÁRIO

188 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Por isso, muitas vezes, as mulheres escravizadas provocavam o próprio aborto,


com o objetivo de “ferir o sistema, impedindo o crescimento natural da mão de obra
escrava” (RISÉRIO, 2012, p. 37). No mesmo sentido, segundo Giacomini (1988, p. 26),
“os infanticídios [...] seriam, sobretudo, a única e trágica forma visualizada pela mãe
escrava para livrar seus filhos da escravidão”, desmantelando também, com isso, a
dimensão “de mulher escravizada e reprodutora do sistema escravista” (LIMA, 2021,
p. 38).
Ironicamente, à medida que a mulher negra não podia vivenciar a sua própria
maternagem, na casa dos senhores ela era a “mãe preta”, aquela que devia, nas
palavras de Gonzales (2020, p. 59), “amamentar as crianças nascidas do ventre “livre”
das sinhazinhas”. Ela era a mãe preta, porém, não dos seus, mas sim dos filhos das
suas senhoras, e caso surja dúvida em relação a isso Gonzales (2020, p. 101) indaga
“quem é que amamenta, que dá banho, que limpa cocô, que põe pra dormir, que
acorda de noite pra cuidar, que ensina a falar, que conta história e por aí afora? É a
mãe, não é?”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a abolição internacional do comércio de escravizados e a entrada em vigor
da Lei Eusébio de Queirós que proibia definitivamente o tráfico negreiro no Brasil,
foram procuradas outras formas de manter a escravidão. Sendo assim, os ventres das
mulheres negras tornaram-se o foco dos senhores que utilizavam esses, violentando-
as sexualmente, para a reprodução de novas mercadorias, ou seja, de seus filhos, que
se tornavam os novos escravizados após o nascimento.
Doravante, as mulheres negras passaram a ser consideradas apenas instrumentos
e objetos que reproduziam mercadorias e garantiam a utilização da força de trabalho
escravo, fazendo a manutenção do sistema escravagista. Nesse sentido, as mulheres
negras eram estupradas e obrigadas a parir seus filhos, porém, não para serem mães
desses, pois isso lhes era negado no momento em que retiravam seus filhos e os
colocavam à venda. Sendo assim, na tentativa de evitar a manutenção do sistema e de
evitar que sua criança fosse escravizada, muitas mulheres sacrificavam sua prole
mediante a prática do aborto.
Além disso, ao passo que era negado à mulher negra o direito de ser mãe dos
próprios filhos, lhe era imposta a obrigação de ser a mãe preta dos filhos dos seus
senhores. Portanto, verifica-se diante desse contexto a resposta à pergunta central da
pesquisa de como se dava e quais eram as formas (e se elas existiam) de negação da
maternidade diante do contexto histórico de objetificação do corpo da mulher negra
escravizadas, afirmando-se que, das diversas formas expostas, era negado às mulheres
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 189


negras o direito de vivenciar a própria maternância e de criar seus próprios filhos
durante o período da escravidão.
Palavras-chave: Maternidade. Mulheres escravizadas. Reprodução. Violência.

REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador:
Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.

COSTA, Emília Vio�i da. Da Senzala à Colônia. 5.ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

CRUZ, Eliana Alves. Água de barrela. Rio de Janeiro: Malê, 2018.

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.

HOOKS, Bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos,
2020.

GIACOMINI, Sonia Maria. Mulher e escrava: uma introdução ao estudo da mulher negra no Brasil. Rio de
Janeiro: Vozes, 1988.

GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. São Paulo: Record, 2006.

GONZALES, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2020. E-book.

LIMA, Taiane Alves de. “Mãe solo é mãe sozinha”: Tecendo vivências de mães negras em Fortaleza- CE e
região metropolitana. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza,
2021.

PINHO, Osmundo. E eu não sou mulher? Sojourner Trurh. Portal Geledés. Disponível em: h�ps://www.
geledes.org.br/e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth/. Acesso em: 05 mai. 2023.

RISÉRIO, Antônio. A utopia brasileira e os movimentos negros. 2.ed. São Paulo: Editora 34, 2012.

SILVA, Rosemary Francisca Neves; CARVALHO, Gabriela Silva. A construção da Santa-Mãezinha e a


maternidade da mulher negra no Brasil colônia. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 31, n. 3, p. 631-639, 2021.
Disponível em: h�ps://seer.pucgoias.edu.br/index.php/fragmentos/article/view/12099/5497. Acesso em: 06
mai.
SUMÁRIO

190 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

30
O LEGADO DA CULTURA PATRIARCAL PARA A
(IN)VISIBILIDADE DA MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE

THE LEGACY OF PATRIARCHAL CULTURE FOR THE (IN)VISIBILITY


OF WOMWN IN PRISON SITUATION

Artigo desenvolvido na disciplina Temas em Normatização dos Movimentos Sociais, do


Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado
em Direito, da URI – Santo Ângelo/RS.

Daiane Specht Lemos da Silva


Doutoranda e Mestre do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado
em Direito, da URI – Campus Santo Ângelo/RS, e-mail daianespecht@hotmail.com

Osmar Veronese
Doutor em Direito Constitucional pela Universidad de Valladolid, ES, Professor de Direito
Constitucional da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI
(Graduação e Mestrado/Doutorado), e da Faculdade Cenecista de Santo Ângelo (IESA),
Santo Ângelo/RS. Coordena o projeto de pesquisa “Estado, Constituição, Diferença: olhares
críticos sobre a diversidade no constitucionalismo”, é líder do Grupo de Pesquisa “Direitos
de Minorias, Movimentos Sociais e Políticas Públicas”, com registro no CNPQ, vinculado ao
Mestrado/Doutorado em Direito da URI/Santo Ângelo/RS. Procurador da República. E-mail:
osmarveronese@gmail.com.

INTRODUÇÃO
Primeiramente, necessário esclarecer que o presente estudo não tem qualquer
pretensão de descriminalizar condutas ilícitas, compreendendo que a prisão/a
condenação a pena privativa de liberdade, mesmo sendo ultima ratio, é o poder
legítimo do Estado de punir o indivíduo transgressor da ordem. A abordagem
consiste em analisar a situação dos estabelecimentos prisionais, que em suma, são
precárias e desumanas, sem perspectiva de oportunizar a ressocialização do apenado.
Os infortúnios que existem nos estabelecimentos prisionais são diversos, como
superlotação, insalubridade, domínio das facções, proliferação de epidemias, ausência
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 191


estrutural, doenças, violência, entre outras mazelas, sendo considerado pelo
ordenamento jurídico brasileiro “estado de coisa inconstitucional”. Além disso, não
raras às vezes, os indivíduos que compõem o cárcere são esquecidos/abandonados.
O abandono daquele que compõe o cárcere intensifica-se quando se trata de
mulher. Dessa forma, tem-se como temática do presente estudo os reflexos do legado
patriarcal para o abandono das mulheres condenadas à prisão. A delimitação temática
consiste na abordagem da dominação masculina ascender no abandono da mulher
encarcerada, como se não bastasse a exposição sofrida, com inúmeras violações de
direitos humanos, a mercê da própria sorte. Para tanto, o objetivo geral e pergunta
norteadora do estudo foi: em que medida o legado patriarcal pode influenciar para o
abandono (ou não) da mulher em situação de cárcere? Para atingir o objetivo proposto,
utilizou-se como metodologia o raciocínio dedutivo, abordando e entrelaçando as
ideias sobre a cultura patriarcal e as violações de direitos humanos no cárcere, sendo
bibliográfica a coleta de dados.
A relevância e importância do estudo se dá no fato de que busca dar visibilidade
as mulheres encarceradas e da necessidade de superar a cultura patriarcal,
preconceituosa e desigual, arraigada na sociedade. Apesar da positivação dos direitos,
em especial a igualdade entre homens e mulheres, a herança entranhada em cada
indivíduo prevalece, sendo inerente a sua personalidade e identidade de modo que
reflete, inclusive, nos estabelecimentos prisionais, pois ao tratar do tema, pensamos e
refletimos sobre a situação do homem encarcerado; afinal a prisão foi criada por
homens para homens. Assim, o fato de tratar sobre a mulher no cárcere é um rastro de
luz sobre o breu das celas, na tentativa de superar o ciclo viciante do patriarcado que
atinge a mulher.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Muitas vezes, alguns comportamentos reprováveis, que expressam e intensificam
a diferenciação entre homens e mulheres, são difíceis de serem identificados, em razão
das suas reproduções reiteradas que acabam por torná-los naturais e inevitáveis.
Conformou-se com várias situações de evidente desigualdade, simplesmente, por
reproduzi-las de geração em geração, normalmente, camufladas por discursos
conservadores e preconceituosos. Em diversas oportunidades, sequer a mulher
percebe que está em situação de desigualdade, mesmo livres estão presas a
imposições/padrões sociais.
Enquanto persistir este pensamento hierárquico cultural, que classifica os
gêneros, a sociedade humana permanecerá desigualitária (LERNER, 2019). Todavia,
não se pode negar que indivíduos e sociedade estão em permanente processo
SUMÁRIO

192 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

evolutivo. Por meio de muitas lutas, direitos fundamentais foram alcançados e


positivados, inclusive os Direitos Humanos Internacionais da Convenção Americana
que foram internalizados, nacionalmente, pela Constituição Federal de 1988.
(PIOVESAN, 2013).
O fato da mulher ser dominada/submissa ao homem corresponde a uma
violência que vai além dos simbolismos, que está arraigado no escopo social,
equivalem as violências silenciosas entendidas como merecidas e “normalizadas”
como algo cultural, transmitido por diferentes gerações. (BOURDIEU, 2014). Deste
modo “a hierarquia patriarcal e sua estrutura de poder contaminam toda a sociedade,
o direito patriarcal perpassa não apenas a sociedade civil, mas impregna também o
Estado” (SAFFIOTI, 2015, p. 57), importando na liberdade e na igualdade não serem
fatos alcançados de antemão para as mulheres. (WOLLSTONECRAFT, 2015).
Por tais desigualdades, preconceitos e hierarquização persistirem, torna-se mais
difícil superar a exclusão da mulher na sociedade contemporânea, tida como natural e
até mesmo legítima. Inclusive para guerrear suas próprias lutas, os homens fazem a
intermediação para as mulheres, tornando árduo o caminho para aquisição de espaço
e voz, o que acaba por refletir em uma “carência de fontes diretas, ligada a essa
mediação perpétua e indiscreta, constitui um tremendo meio de ocultamento.
Mulheres enclausuradas, como chegar até vocês?” (PERRO, 2006, p. 186). Livres ou
enclausuradas, o peso de ser mulher continua sendo carregado; quando condenadas,
junto com a sentença penal há a sentença de exclusão, que invisibiliza e abandona a
mulher, em todos os sentidos
O abandono da mulher intensificado com o aprisionamento reproduz um
martírio à parte, pois o homem nesta mesma situação não é obrigado a cumprir a pena
da solidão e contará com a visita da família, da mãe, esposa, namorada; já a mulher é
esquecida. Independente do motivo da pena, “a sociedade é capaz de encarar com
alguma complacência a prisão de um parente homem, mas a mulher envergonha a
família inteira.” Os homens “não hesitam em abandonar mesmo aquelas que foram
presas por ajudá-los, como no caso das que são flagradas com droga na portaria dos
presídios masculinos em dia de visita.” (VARELLA, 2017, p. 27 - 29). Repete-se o ciclo
de violência e dominação pelo fato de ser mulher.
Tais comportamentos são vivenciados em razão do legado do patriarcado que
insiste nessa visão dicotômica do masculino e feminino, descrevendo o “homem
criador/a mulher conservadora, o homem revoltado/a mulher submissa”. (PERRO,
2006, p. 188). Quando a mulher é encarcerada, não é aceitável sua entrega ao mundo
do crime, não poderia ser o seu “instinto” e por não terem sido fortes o suficiente,
merecem o abandono, diferentemente do que acontece com os homens, onde o
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 193


cometimento de crimes, o desrespeito às regras e, consequentemente, a prisão sempre
se justifica.
A predominância da cultura machista, sexista e preconceituosa instaurada na
sociedade pode influenciar para as práticas delituosas e consequentemente suas
inclusões e abandono nas prisões, pois já são, naturalmente, invisíveis, desvalorizadas,
reificadas, não reconhecidas, caracterizadas como inferiores e submissas pelos demais
antes mesmo do aprisionamento, simplesmente, pelo fato de existir. A prisão de
mulheres acaba por impulsionar a sua invisibilidade, cimentam a ausência de
reconhecimento, as declarando como indignas dos direitos humanos. Quando
encarceradas recebem junto com a sentença, a condenação ao abandono, a seguir a
vida precária e imoral sozinhas, pois a prisão envergonha toda a família, o que não é
recíproco quando o encarcerado é o homem, que continua tendo toda uma rede de
apoio afetivo/familiar, situação que demonstra a prevalência do legado patriarcal de
apoiar e majorar a figura masculina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estabelecimentos prisionais estão em verdadeiro colapso, não possuindo
condições dignas de promover a ressocialização do apenado, inegável estado de coisa
inconstitucional. O número de encarcerados, em crescimento vertiginoso, é uma
preocupação constante, vez que em conjunto tem-se a insegurança, o medo, a aflição,
a violência. Assim sendo, a temática merece ser discutida, eis que urgente e pulsante
um olhar para o público encarcerado, pelo fato das condições indignas e degradantes
dos estabelecimentos prisionais, bem como da incapacidade de abrigar todos os
sentenciados. Além da superlotação carcerária, deparamos com a problemática das
prisões não serem preparadas para abrigar mulheres.
O legado patriarcal ainda presente na sociedade contemporânea, inferioriza e
domina o sexo feminino, colocando a mulher em condição de defesa e luta constante.
Por estar a cultura preconceituosa e desigual arraigada no meio social, tem-se que o
patriarcado influencia tanto na vida em liberdade, quanto na vida encarcerada da
mulher. Apesar da positivação da igualdade entre homens e mulheres, o tratamento
desigual é evidente. Dessa forma, a mulher quando é encarcerada sofre duplamente as
violações de direitos e, principalmente, o abandono. Mesmo que o abandono chegue
na vida das mulheres muito antes do encarceramento, pois enquanto livres já estão
sentenciadas as amarras e padrões preconceituosos e dominantes,resquícios do legado
da cultura patriarcal, quando encarceradas a situação intensifica-se.
Portanto, na busca de responder ao questionamento proposto, qual seja em que
medida o legado patriarcal pode influenciar para o abandono (ou não) da mulher em
SUMÁRIO

194 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

situação de cárcere? Importa em concluir que o legado patriarcal influencia no


tratamento desigual e excludente da mulher, intensificando o abandono já vivenciado
enquanto livre. De modo que legitima a continuidade no tratamento desumano e cruel
para com as mulheres nos estabelecimentos prisionais, sendo lançadas a mercê da
própria sorte, inclusive por suas famílias, por não terem sido fortes o suficiente para
não entregar seus corpos ao crime. Ao homem, fácil justificar a entrega a
criminalidade, à mulher inaceitável, por não ser da sua “natureza” o descumprimento
das normas.
Palavras-chave: Estabelecimentos prisionais. Mulheres. Cultura patriarcal.
Abandono.

REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 1. ed. Rio de Janeiro: BestBoslso,
2014.

LERNER, Gerda. A criação do patriarcado: história da opressão das mulheres pelos homens. Trad. Luiza
Sellera. São Paulo: Cultrix, 2019

PERRO, Michelle. Os excluídos da História: Operários, mulheres e prisioneiros. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra,
2006.

PIOVESAN, Flávia; PIOVESAN, Luciana; SATO, Priscila Kei. “Implementação do direito à igualdade”. In:
Temas de direitos humanos. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 289-298.

SAFFIOTI, Heleieth.A mulher na sociedade de classes.3 ed. São Paulo: Expressão Popular: 2013.

VARELLA, Drauzio. Prisionairas. São Paulo: Companhia das Letras, 2017

WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres. 1 ed. Trad. e notas de Andreia Reis
do Carmo. São Paulo: EDIPRO, 2015, p. 271.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 195

31
A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA COMO INSTRUMENTO
AUXILIAR A EFETIVIDADE DE MEDIDAS PROTETIVAS ÀS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

ELECTRONIC MONITORING AS A TOOL TO ASSIST THE


EFFECTIVENESS OF PROTECTIVE MEASURES FOR VICTIMS OF
DOMESTIC VIOLENCE

Trabalho apresentado ao III Seminário “Políticas Públicas de acesso à justiça e Direitos


Humanos” tendo sido desenvolvido no âmbito do projeto Rede de cooperação acadêmica e
de pesquisa: Eficiência, efetividade e economicidade nas políticas de segurança pública com
utilização de monitoração eletrônica e integração de bancos de dados” (Programa de
cooperação acadêmica em Segurança Pública e Ciências Forenses - Edital nº 16/2020).

Camilla dos Reis Marchioro


Acadêmica do Curso de Graduação em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ e Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UNIJUÍ do
Grupo de Pesquisa: Biopolítica e Direitos Humanos. ID La�es: 3099974376102352. E-mail:
camillarm20@gmail.com.

Fernanda Analú Marcolla


Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduanda em Direitos Humanos pela UNIJUÍ. Mestra
em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Regional de
Blumenau (FURB). Especialista em Direitos Humanos e Direito Constitucional pela
Universidade de Direito de Coimbra/PT. Especialista em Direito Penal e Direito Processual
Penal pela Universidade Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de
Brusque (UNIFEBE). Pesquisadora Capes (Processo nº 88887.710405/2022-00). Membro dos
grupos de pesquisa Constitucionalismo, Cooperação e Internacionalização - CONSTINTER
(CNPq-FURB) e Estado, Sociedade e Relações Jurídicas Contemporâneas (CNPq-FURB).
Membro voluntário do Laboratório de cidadania e estudos em Direitos Humanos
(LACEDH). ID La�es: 3320760922393919. ID ORCID: 0000-0003-2335-2343. E-mail: marcolla.
advocacia@gmail.com.

Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth


Pós-Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2014). Mestre
em Direito pela UNISINOS (2010). Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal
pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (2008).
Graduado em Direito pela UNIJUÍ (2006). Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) em Direito da UNIJUÍ. Professor-pesquisador do
Programa de Pós-graduação em Direito da UNIJUÍ. Professor do Curso de Graduação em
SUMÁRIO

196 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Direito da UNIJUÍ. Membro Titular do Comitê de Assessoramento de Ciências Humanas e


Sociais da FAPERGS (2022-2024). Coordenador da Rede de Pesquisa Direitos Humanos e
Políticas Públicas (REDIHPP) e líder do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos
(CNPq). Membro da equipe de pesquisadores do Projeto "Direitos Humanos dos Migrantes
e dos Refugiados", vinculado ao Grupo de Investigação Dimensions of Human Rights do
Instituto Jurídico Portucalense, da Universidade Portucalense, Porto, Portugal. Membro da
Rede Brasileira de Pesquisa Jurídica em Direitos Humanos (UNESC, UNIRITTER, UNIJUÍ,
UFMS, PUC-CAMPINAS, UNIT, UNICAP, CESUPA, UFPA). ID La�es: 0354947255136468.
ID ORCID: 0000-0002-7365-5601. E-mail: madwermuth@gmail.com.

INTRODUÇÃO
O resumo busca avaliar o esforço Estatal para coibir a violência doméstica
contra mulheres e a possibilidade da concessão de medidas de proteção por
intermédio da utilização da monitoração eletrônica do agressor. No entanto, apesar
da monitoração eletrônica ser uma importante diligência, carece de cumprimento
efetivo, o que prejudica a finalidade de proteger e garantir a liberdade das vítimas.
De acordo com estatísticas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em
2022 foram concedidas 136.400 medidas protetivas, sendo que no primeiro
semestre de 2023 a soma ultrapassa o número de 40.150 (CEVID/TJRS, 2021). As
medidas protetivas têm um papel simbólico que se assemelham a “um escudo
protetivo” que serve para preservar a integridade física das vítimas que notificam
os abusos que sofrem. No entanto, o amparo institucional tem algumas limitações.
O problema que orienta a pesquisa pode ser sintetizado na seguinte pergunta: em
que medida os instrumentos de monitoração eletrônica podem ampliar o
cumprimento efetivo das medidas protetivas e como isso impacta diretamente na vida
das vítimas? Com base nos dados levantados a partir de um conjunto de pesquisas
realizadas sobre o tema na área do Direito Penal e da Ciência Política, refletidas na
bibliografia que dá sustentação ao presente estudo, torna-se possível afirmar que é
necessário um enfrentamento direto aos descumprimentos das medidas judiciais que
causam o desamparo às vítimas no pós-denúncia.
O objetivo geral do texto é analisar a proposta da Lei nº. 1781/2022 no que tange à
utilização da monitoração eletrônica no auxílio de cumprimento das medidas
protetivas em casos de violência doméstica (BRASIL, 2022).
Utilizou-se na pesquisa o método de abordagem hipotético-dedutivo, que
compreende um conjunto de análises que partem das conjunturas formuladas para
explicar as dificuldades encontradas para a solução de um determinado problema de
pesquisa. Sua finalidade consiste em enunciar claramente o problema, examinando
criticamente as soluções passíveis de aplicação (MARCONI; LAKATOS, 2022).
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 197


Os procedimentos adotados envolvem a seleção da bibliografia que forma o
referencial teórico deste estudo, sua identificação como produção científica relevante,
leitura e reflexão, a fim de atingir possíveis respostas ao problema proposto. Nesse
sentido, a pesquisa foi conduzida a partir de levantamento de produções científicas
(livros, artigos científicos publicados em periódicos, relatórios de pesquisa, teses e
dissertações) e legislação/regulação já existentes sobre a temática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A proposta de Lei nº. 1781/2022 busca alterar artigo 22 da Lei Maria da Penha,
prevendo a possibilidade ao juiz de submeter o agressor à monitoração eletrônica,
concedendo à vítima o acesso à sua localização, com o objetivo de trazer maior
efetividade às medidas de proteção de urgência, nos casos de violência doméstica e
familiar contra a mulher. O cenário em questão, possibilitará que a vítima tenha à sua
disposição um dispositivo acionável – botão do pânico - para antecipadamente
contatar as forças de segurança pública (BRASIL, 2022).
A presente temática é expressamente relevante, visto que mesmo com a
determinação judicial da medida cautelar, ainda é questionável sua eficácia em
proteger a integridade física das vítimas, observando seu descumprimento corriqueiro
pelos agressores. É com base nesse parecer que Sousa (2021, p. 95) adverte:

Se, por um lado, na delegacia, as “protetivas” (como os policiais


costumam referir-se às medidas) são desejadas como
instrumento de garantia de proteção; por outro, as referências a
elas nas narrativas dos grupos de Facebook indicam grande
frustração em relação aos seus efeitos na prática. Isso porque, ao
contrário do que muitas mulheres imaginam quando denunciam
a VD, e, em especial, as ameaças feitas por seus companheiros,
obter o “papel” não garante que o agressor, de fato, vá se afastar,
nem que ele será punido, caso descumpra a determinação
judicial.

O acessório de monitoração eletrônica, nesta proposta, é um alicerce para


preservar a vida das mulheres, na medida em que, além de inibir os ofensores de
entrar em contato com as vítimas, frente à pressão da vigilância, também assegura que
as mulheres em situação de vulnerabilidade tenham a possibilidade de verificar o
perímetro em que está o agressor.
Percebe-se que a possibilidade do uso do equipamento eletrônico vem sendo
ressaltado para além do seu potencial positivo quanto ao desencarceramento e
reinserção social. Contudo, é importante ressaltar que, segundo Wermuth, Chini e Da
SUMÁRIO

198 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Rosa (2021, p. 13), a monitoração eletrônica ainda carece de melhorias e


aprimoramentos para respeitar as garantias fundamentais tanto das vítimas quanto
dos usuários das tornozeleiras eletrônicas:

Mesmo representando uma importante ferramenta na


perspectiva de substituição do espaço rígido do cárcere habitual
por um lócus flexível e viabilizador de oportunidades familiares
e sociais aos apenados, ainda assim, a tecnologia de monitoração
eletrônica é prejudicada pela falta de garantias materiais de
implementação de políticas públicas voltadas ao cumprimento
das garantias fundamentais previstas constitucionalmente para
indivíduos privados de liberdade.

Os principais resultados da pesquisa documental realizada pela Vara de


Feminicídios de Porto Alegre demonstram que 86,29% das vítimas não tinham
medida protetiva quando consumado o crime. É cabível examinar o motivo pelo qual
as vítimas não estão procurando as medidas “protetivas”, até porquê, 13,14% das
vítimas que possuíam proteção legal, quando precisaram acionar as forças de
segurança não foram amparadas, o que enseja certa ineficácia do sistema protetivo
(CEVID/TJRS, 2021).
Nos casos de violência doméstica, a existência de subnotificação das agressões é
comum, pois os agressores, em sua maioria, são parceiros ou ex-companheiros das
vítimas e possuem livre acesso as suas residências (CEVID/TJRS, 2021). Os avanços
legislativos são necessários para que haja um combate deste cenário de
vulnerabilidade:

Essa frustração é muito frequente nas narrativas de quem


denunciou VD às instituições do sistema judicial, seja pela
demora nos resultados, seja pelas soluções disponibilizadas – em
geral, as penas, quando aplicadas são consideradas brandas. A
medida protetiva, embora, em alguns casos observados, tenha
servido para afastar o agressor – como foi o caso de Fabiana – em
muitos outros é visto “apenas” como um papel, que não adianta
nada, devido à restrita capacidade da justiça de garantir a
exequibilidade de suas decisões (SOUSA, 2021, p. 110).

Dessa forma, entende-se por necessária haver políticas públicas que


proporcionem às mulheres, a segurança necessária para que possam realizar as
denúncias e que se sintam encorajadas a prosseguir com o pedido de medidas
protetivas. Logo, com o auxílio da monitoração eletrônica, é possível encontrar uma
forma mais palpável de resguardar a integridade física da vítima para além de um
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 199


“papel” de escudo, mas sim, como modalidade eficaz para garantir a dignidade e a
segurança da mulher.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a devida aplicação das medidas cautelares, por intermédio dos mecanismos
de monitoração eletrônica, é possível alcançar um cenário mais benéfico para
assegurar o direito de liberdade às vítimas de violência doméstica. Com a supervisão
dos agressores, as determinações judiciais de afastamento da vítima tornam-se mais
eficazes, e consequentemente, possibilitam que as vítimas tenham uma vida mais
segura.
Embora que a constante vigilância tenha consequências psicológicas e efeitos
sociais negativos na vida dos apenados e dos seus usuários, a monitoração eletrônica,
é uma alternativa benéfica tanto ao desencarceramento quanto na eficácia em proteger
as vítimas de violência domésticas. Posto isso, a monitoração eletrônica de pessoas
necessita de aprimoramentos e refinamentos para que atinja, de fato, o seu potencial
por completo, entretanto, pode ser considerada uma medida capaz de fornecer
segurança para possíveis violências futuras contra as mulheres em situação de
vulnerabilidade.
Palavras-chave: Monitoração eletrônica. Segurança pública. Violência doméstica.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados PL 1781/2022. Brasília: Câmara dos Deputados, 2022.
Disponível em: h�ps://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2330470. Acesso em: 26 abr. 2023.

BRASIL. Lei Maria Da Penha. Lei N.°11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: h�p://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 03 maio 2023.

CEVID/TJRS - Coordenadoria estadual da mulher em situação de violência doméstica e familiar do


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 2021. Porto Alegre. Disponível em: h�ps://www.tjrs.jus.br/novo/
violencia-domestica/estatisticas/. Acesso em: 03 maio 2023.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 8. ed. Barueri: Atlas, 2022.

SOUSA, Camila Pereira Belisario de. A sua paz e tranquilidade não tem preço: uma etnografia sobre
narrativas públicas de mulheres que denunciam violência doméstica. 2021. 119 f. Dissertação. (Mestrado em
Antropologia) - Programa de Pós-graduação em Antropologia, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2021.

WERMUTH, Maiquel Â. D.; CHINI, Mariana; DA ROSA, Milena. (2021). Tecnologia de monitoração
eletrônica de pessoas no Brasil: análise de (in)efetivação de garantias fundamentais. Revista Do Instituto De
Direito Constitucional E Cidadania, 6(1), e025. h�ps://doi.org/10.48159/revistadoidcc.v6n1.e025
SUMÁRIO

200 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

32
A CARACTERIZAÇÃO DOS DECISORES JUDICIAIS NOS CRIMES
DE CORRUPÇÃO MILITAR

THE CHARACTERIZATION OF JUDICIAL DECISION-MAKERS IN


CRIMES OF MILITARY

Pesquisa desenvolvida na Dissertação de Mestrado intitulada “DO PAR DE TÊNIS AO


PLANO DE PREVENÇÃO DE INCÊNDIO: um estudo das representações sociais da
punição entre os magistrados na Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul”,
apresentada no PPGCCRIM da PUCRS. E-mail: francinefeldens@gmail.com.

Francine Feldens
Analista do Poder Judiciário JMERS. Mestra em Ciências Criminais pela PUCRS. Especialista
em Processo Civil pela UFRGS. Graduada em Direito pela PUCRS e em Biblioteconomia
pela UFRGS. Integrante do GPESC/PUCRS e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Facilitadora de Círculos de Construção de Paz.

INTRODUÇÃO
A presente pesquisa constitui um excerto da dissertação intitulada “DO PAR DE
TÊNIS AO PLANO DE PREVENÇÃO DE INCÊNDIO: um estudo das representações
sociais da punição entre os magistrados na Justiça Militar do Estado do Rio Grande do
Sul”, apresentada no PPGCCRIM da PUCRS. O excerto apresenta a caracterização da
prestação jurisdicional por gênero nos crimes de concussão, de corrupção ativa, de
corrupção passiva, de peculato e de peculato-furto, nos anos de 2015 a 2018. A
abordagem empregada para a execução desta investigação é qualitativa e consistiu em
um estudo de caso. O estudo é empírico e indutivo, pois as representações sociais
foram construídas a partir da análise das sentenças e dos acórdãos dos magistrados da
Justiça Militar do Rio Grande do Sul; com a complementação de dados empíricos
obtidos em entrevistas com esses sujeitos.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 201


1 A CARACTERIZAÇÃO DOS DECISORES JUDICIAIS
A fim de caracterizar a prestação jurisdicional por gênero, foi analisado o sexo dos
juízes decisores e dos desembargadores relatores, conforme os resultados obtidos a
seguir. Inicialmente, a pesquisa nos sistemas do Tribunal de Justiça Militar do Estado
do Rio Grande do Sul recuperou cento e vinte e quatro decisões judiciais sobre os
crimes de concussão, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e peculato-furto.
Considerando que duas sentenças foram anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ), em função da necessidade de novo julgamento, elas foram descartadas. Por isso,
o universo do estudo é de cento e vinte e duas decisões, sendo cinquenta e duas
sentenças e setenta acórdãos.
O Gráfico 4 aponta que 76% das sentenças dos crimes investigados foram
prolatadas por mulheres, em contraposição a 24% das decisões de Primeiro Grau
prolatadas por homens. Esses números demonstram que a maioria da prestação
jurisdicional da Justiça Militar Estadual do Rio Grande do Sul é feminina.
Gráfico 4 – Juiz prolator da sentença por sexo

24%
Homem
Mulher

76%

Fonte: a autora, 2020.


Esses dados refletem com exatidão, por óbvio, a composição de gênero que existe
no Primeiro Grau da Justiça Militar. As vagas de juízes são preenchidas com cinco
mulheres e dois homens. Cabe informar que há um cargo vago. Logo, há oito vagas de
juízes nas Auditorias dos Juízos Militares. As juízas, portanto, representam 71% da
formação da tabela de juízes no Primeiro Grau, desconsiderando a vaga em aberto.
Esse percentual contraria a atual formação do Judiciário brasileiro na medida em
que o Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário publicado pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019, demonstra que:

O Poder Judiciário brasileiro é composto em sua maioria por


magistrados do sexo masculino, com apenas 38,8% de
magistradas em atividade. A participação feminina na
SUMÁRIO

202 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

magistratura é ainda menor se considerar os magistrados que


atuaram nos últimos 10 anos, com 37,6%. Apesar de ainda baixo,
houve evolução do percentual de magistradas em relação à
composição do Poder Judiciário no ano de 1988, quando as
mulheres ocupavam somente 24,6% dos cargos de magistrados
[...] É importante ter em mente a população feminina e a
população masculina do país para que seja possível fazer
comparações. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a população brasileira é formada por 51,6%
pessoas do sexo feminino e 48,4% pessoas do sexo masculino.
Dessa forma, tem-se que a representatividade das servidoras, das
ocupantes de cargos em comissão e função comissionada e das
mulheres nomeadas para cargos de chefia supera, de 3 a 5 pontos
percentuais, a representatividade da população brasileira
feminina. Ao contrário, na magistratura, os homens predominam
(representam 48,4% da população e 61,2% dos juízes).

Figura 1 – Participação feminina no Poder Judiciário

Fonte: CNJ (2020)


SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 203


A Justiça Militar, portanto, tem quase o dobro de participação feminina no
Primeiro Grau. Enquanto, no Segundo Grau, há apenas uma Desembargadora Militar.
Roberto Fragale Filho, Rafaela Selem Moreira e Ana Paula Sciammarella, ao
discutirem sobre magistratura e gênero, exploram a questão da ascensão das mulheres
na magistratura brasileira, a partir do exame da existência de um possível telhado de
vidro, que limitaria sua chegada de forma representativa à cúpula do Judiciário. Nesse
artigo, os autores concluem:

Os obstáculos inferidos no aspecto hierarquia denotam que,


apesar do processo de feminização, a magistratura está inserida,
enquanto profissão, em um “sistema de gênero”, ou seja, um
sistema socialmente construído, que coloca mulheres e homens
em lugares bem determinados nas instituições e na sociedade.
Nota-se a predominância de um paradigma masculino no
exercício profissional que impõe às magistradas posturas
profissionais mais rígidas e a necessidade constante – ainda hoje
– de afirmação de sua competência para ocupação do cargo. Essa
observação desdobra-se em outro dado interessante: a ocupação
dos cargos de direção pelas mulheres não significa
necessariamente que estes espaços estejam se tornando “mais
femininos” – do ponto de vista subjetivo – ou que neles se
apresentem pautas de interesse das mulheres. Em suma, entre
sexo, gênero e questões de alteridade, ainda há muito a construir
no Judiciário brasileiro.

Muito importante é explicar a formação do Segundo Grau de Jurisdição da Justiça


Militar. Há sete vagas de Desembargador Militar: quatro vagas preenchidas por
Coronéis da Ativa, provenientes dos quadros da Brigada Militar; uma vaga
preenchida por um membro do Ministério Público – pode ser Procurador ou
Promotor de Justiça –, vaga proveniente do quinto constitucional; uma vaga destinada
à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) – também proveniente do quinto
constitucional, e por fim, uma vaga de acesso ao Tribunal preenchida pelos Juízes de
Direito do Juízo Militar (magistrados de carreira da Justiça Militar) que, atualmente, é
preenchida pela única representante feminina. A Justiça Militar do Rio Grande do Sul
nunca foi presidida por uma mulher, nem teve os cargos de Vice-Presidente e
Corregedor-Geral titulados por uma mulher.
O Gráfico 5 apresenta o percentual de gênero dos decisores judiciais de Segundo
Grau da Justiça Militar e aponta que 70% dos acórdãos dos crimes pesquisados –
concussão, corrupção ativa e passiva, peculato e peculato-furto, foram relatados por
homens em comparação a 30% das decisões terem sido relatadas por uma única
mulher. Esses números demonstram que a maioria da prestação jurisdicional do
SUMÁRIO

204 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Tribunal de Justiça Militar Estadual é masculina. Resultado que está de acordo com os
dados, aqui apresentados, do Conselho Nacional de Justiça.
Gráfico 5 – Desembargador Militar relator do acórdão por sexo.

30%
Homem
Mulher
70%

Fonte: a autora (2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados empíricos apresentados demonstram que o Primeiro Grau de jurisdição
da Justiça Militar do Rio Grande do Sul, com a predominância feminina entre os
prolatores de sentenças, contraria a pesquisa nacional do Conselho Nacional de Justiça
que apresenta um primeiro grau de jurisdição nacional com 61,2% de magistrados do
sexo masculino. Entretanto, o Segundo Grau da Justiça Militar vai ao encontro dos
dados nacionais. O crescimento do número de mulheres como magistrados cresce
lentamente conforme se depreende do Diagnóstico da Participação Feminina no
Judiciário Brasileiro. Ainda, no Poder Judiciário há muito espaço a ser conquistado
pelas mulheres, principalmente espaços de decisão institucional.
Palavras-chave: Sistema de Justiça Criminal. Justiça Militar. Corrupção Militar.
Decisão Judicial. Gênero.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário.
Brasília-DF: CNJ, 2019. Disponível em: h�ps://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/
2019/06/42b18a2c6bc108168�1b978e284b280.pdf. Acesso em 22 jan. 2021.

FRAGALE FILHO, Roberto; MOREIRA, Rafaela Selem, SCIAMMARELLA, Ana Paula. Magistratura e
gênero: um olhar sobre as mulheres nas cúpulas do Judiciário brasileiro. E-cadernos CES [Online], [s. l.],
2015. Disponível em: h�p://journals.openedition.org/eces/1968. Acesso em: 23 jan. 2021.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 205

33
O PROTAGONISMO FEMININO DAS MULHERES NA
SOCIEDADE: uma análise do movimento red pill sob a
perspectiva do direito fraterno

THE FEMALE PROTAGONISM OF WOMEN IN SOCIETY: a analysis


of the red pill movement under the perspective of fraternal law

Trabalho desenvolvido a partir das pesquisas de Trabalho de Conclusão de Curso feitas pela
autora Bruna Paschoal, sob orientação da Professora Gabrielle Scola Dutra, no âmbito do
eixo de pesquisa Direito Constitucional e temáticas contemporâneas da Faculdade de Balsas
(UNIBALSAS), Balsas/MA.

Bruna Conceição Gonçalves Paschoal


Estudante do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Balsas (UNIBALSAS), Balsas/
MA. E-mail: bruna.paschoal@alu.unibalsas.edu.br.

Gabrielle Scola Dutra


Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, sob orientação da Professora Pós Doutora Janaína Machado
Sturza. Mestre em Direitos Especiais pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai
e das Missões – URI, campus Santo Ângelo. Especialista em Filosofia na Contemporaneidade
pela URI. Especialista em Direito Penal e Processual prático contemporâneo pela
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Professora Universitária do Curso de Direito
da UNIJUÍ e da Faculdade de Balsas/MA (UNIBALSAS). Membro do grupo de pesquisa:
“Biopolítica e Direitos Humanos”, cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos, Mestrado e Doutorado da UNIJUÍ.
Advogada. E-mail: gabrielle.scola@unijui.edu.br.

Charlise Paula Colet Gimenez


Pós-doutora em Direito pela UNIRITTER sob a orientação da professora Doutora Sandra
Regina Martini. Doutora em Direito e Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do
Sul - UNISC. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -
UNIJUÍ. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito stricto sensu -
Mestrado e Doutorado, e Graduação em Direito, todos da Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e Missões - URI, campus Santo Ângelo. Líder do Grupo de Pesquisa
"Conflito, Cidadania e Direitos Humanos", registrado no CNPQ. Advogada. E-mail:
charcoletgimenez@gmail.com.
SUMÁRIO

206 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

INTRODUÇÃO
A partir do contexto histórico e civilizacional de luta pela cidadania plena das
mulheres na sociedade e a busca pela efetivação dos seus direitos essenciais à vida,
igualdade e liberdade, se torna notória a atual base protecionista e igualitária a elas
garantida constitucionalmente, de modo a evitar os conflitos de gênero que se refletem
no cerceamento da liberdade, igualdade e da fraternidade. Todavia, existe grande
vulnerabilidade no contexto da fraternidade, dado ao individualismo incorporado no
conteúdo da humanidade pelo sistema patriarcal de domínio e exploração de vidas
humanas.
Nesse enredo, a temática da pesquisa centra-se no protagonismo feminino das
mulheres e no movimento Red Pill. Assim, o objetivo geral é abordar o protagonismo
feminino das mulheres na sociedade a partir de uma análise do movimento Red Pill
sob a perspectiva do Direito Fraterno, base teórica desenvolvida pelo jurista italiano
Eligio Resta, materializada na década de 90 na obra Il Diri�o Fraterno. A metodologia
a ser desenvolvida na presente pesquisa será pelo método de abordagem hipotético-
dedutivo e por uma análise bibliográfica, no qual serão observados os fundamentos
do movimento Red Pill e as diversas consequências de seu extremismo para o
protagonismo feminino das mulheres.
Com a finalidade de analisar a problematização levantada pelo movimento Red
Pill e as consequências sociais e jurídicas refletidas no protagonismo feminino das
mulheres na sociedade, esta pesquisa será desenvolvida em perfil exploratório, na
pretensão de compreender a essência radical e extremista do movimento em questão,
decifrando os desígnios que buscam justificar o número exacerbado de adeptos que
apoiam a violência contra as mulheres. Consequentemente, após toda essa sondagem
exploratória, tornar-se-á inequívoca a falácia da misandria alegada nas falas centrais
do movimento Red Pill, bem como a inescrupulosa e dissimulada misoginia, na qual
se busca sustentar o despertar dos homens para o sistema.
Nesse sentido, a sociedade está em contínuo processo transformador, e alguns
movimentos, em sua essência, apresentam radicalização e extremismos em sua
narrativa. É o que ocorre atualmente com o movimento Red Pill, revelando, em sua
natureza, a falaciosa misoginia camuflada, e afastando a operacionalização da
dimensão fraterna. Diante da dinâmica conflitiva que se instaura entre o sistema
patriarcal e o protagonismo feminino das mulheres na sociedade, questiona-se: é
possível analisar o movimento Red Pill sob a perspectiva do Direito Fraterno?
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 207


RESULTADOS E DISCUSSÃO
Num panorama histórico, observa-se a luta pelos direitos das mulheres. Em razão
disso, sabe-se que os principiais movimentos feministas que buscavam a igualdade de
gênero surgiram durante o Iluminismo, na busca pela efetiva liberdade, igualdade e
fraternidade. Contudo, naquele momento, o ideal do patriarcado e o parvo
entendimento do ideal masculino de força e figura ativa posicionavam a figura
feminina em um ficto de fraqueza e passividade, sem interação ativa em reuniões de
cunho político e filosófico, pois, malgrado entendimento, as mulheres eram
desprovidas de inteligência, meros instrumentos de reprodução e devendo ser
subservientes aos maridos.
Destarte, a sociedade histórica ser fundada nos ditames do patriarcado, muitas
foram as lutas a favor dos direitos das mulheres, com ênfase na busca pela cidadania
plena. No Brasil, as primeiras Constituições não traziam direitos e garantias
fundamentais, por consequência, as mulheres não possuíam cidadania absoluta e as
mulheres casadas eram tidas como relativamente incapazes. Contudo, com grande
empenho e luta feminina, surgiram movimentos que aspiravam o direito à cidadania
plena das mulheres, em um primeiro momento objetivando os direitos políticos.
Posteriormente aos movimentos feministas no Brasil, com o advento do Decreto
21.076 de fevereiro de 1932, que dispôs o Código Eleitoral, as mulheres passaram a ter
cidadania plena, com o direito de sufrágio e o direito de voto. Nesse contexto histórico,
a Constituição Federal de 1934 foi a primeira a consagrar o princípio da igualdade de
gênero, aduzindo direitos trabalhistas e sociais. Conquanto, em uma linha cronológica
às próximas Constituições do Brasil, apenas mantiveram o estabelecido na
Constituição Federal de 1934. Somente em 1988 o constituinte ampliou a proteção ao
direito da mulher, reforçando o princípio da igualdade e os direitos políticos,
garantindo os direitos humanos, trabalhistas, sociais e à propriedade e estabelecendo
direitos e deveres individuais e coletivos, dentre outros.
Levando-se em consideração o viés protecionista da Constituição Federal de 1988,
que tem como princípio basilar a dignidade da pessoa humana, surgiram mecanismos
de proteção à mulher que refletem em um avanço legal, gerando maior expectação
igualitária. Nesse sentido, o artigo 5º caput e inciso I estabelece que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição [...] (BRASIL, 1988).
SUMÁRIO

208 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Por todos os direitos e garantias legais estabelecidos na Constituição Federal e


legislação esparsa, sob uma análise da relevância jurídica do tema, observa-se que o
protecionismo legal está mais imbuído de valores do que de direito propriamente dito,
concluindo-se que quanto mais direitos, menos direitos, e a igualdade está sendo
inferiorizada e descaracterizada.
Considerando-se que as mulheres do século XXI são protagonistas de sua própria
história, paralelo a isso, frequentemente surgem movimentos imbuídos de
radicalismo e convicções extremistas que tencionam à desvalorização da mulher e de
sua luta por direitos e garantias igualitários. É o que ocorre com o crescente
movimento Red Pill, que desabrochou nos anos 2000, nos Estados Unidos da América,
e atualmente possui milhares de seguidores que compactuam com as elocuções cruéis,
extremistas e misóginas, alimentando e reproduzindo desigualdade e individualidade
social.
Verifica-se que, dentro da falácia do movimento Red Pill, apresenta-se a misoginia
camuflada, na inverídica promessa de se enxergar a realidade de um sistema social,
político e jurídico que privilegia as mulheres em detrimento dos homens. Ao trazer
essa superioridade feminina nas falas centrais do movimento, surgem contratempos
sociais e jurídicos que prejudicam e, consequentemente, criam um pré-conceito sobre
os direitos à liberdade, buscam descaracterizar igualdade e evidenciam a ausência de
fraternidade na sociedade, que se apresenta cada dia mais individualista e menos
humana. Dessa forma, a relevância jurídica firma-se na perspectiva material-dinâmica
da igualdade e na aposta pela restauração da fraternidade.
Nos anos 90, surgiu o Direito Fraterno elucidado por Eligio Resta, por meio da
Metateoria do Direito Fraterno, tornando-se possível a melhor compreensão e solução
dos problemas sociais, após apostar na fraternidade como desveladora de paradoxos,
e ao encontrar o outro no outro-eu em um processo de autorresponsabilização,
resgatando a humanidade e, por consequência, a fraternidade aos dias atuais (VIAL,
2006). Nesse sentido, reflete-se que:

A humanidade é igual à ecologia: não é feita apenas de rios


incontaminados e ar despoluído, mas também de seus opostos; a
humanidade, dizia-se, pode ameaçar somente a si mesma. Seu
paradoxo está todo nessa dimensão ecológica; assim, os direitos
“invioláveis” da humanidade não podem ser ameaçados senão
pela humanidade e não podem ser tutelados senão pela própria
humanidade. Lugar e sujeito de uma ambivalência não resolvida,
a humanidade se apresenta como portadora de uma ameaça, mas
também de sua neutralização; trabalha em prol da guerra tanto
quanto o faz pela paz (RESTA, 2020, p. 37).
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 209


Diante do cenário atual, no qual as mulheres, em seu protagonismo, lutam
diariamente por um espaço social e jurídico igualitário, são vítimas constantes em seu
âmago de um preconceito de gênero, que visa diminuir toda o protagonismo
conquistado. Nesse contexto, e dada a relevância social da temática, remete-se à
fraternidade como um coadjuvante social, observando que é indispensável desvelar
paradoxos para reconhecer o outro no outro eu, e, a partir disso, compreender a
necessidade de resgatar a fraternidade, a fim de desencarcerar a humanidade do
individualismo, pois o fraterno possuí relação vital com a humanidade.
Dessa forma, faz-se necessário uma análise da indispensabilidade de combater o
movimento Red Pill para que haja a ratificação dos direitos conquistados pelas
mulheres que garantem a liberdade, a igualdade e a fraternidade de gênero. Nesse
sentido, compreende-se que: “[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença
nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza” (SANTOS, 2003, p. 56). Por fim, para retomar o ideal iluminista
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, é preciso incorporar a perspectiva do Direito
Fraterno e potencializá-la na humanidade para romper com o sistema patriarcal de
domínio e exploração de vidas humanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de conclusão, diante do protagonismo feminino das mulheres na
sociedade, percebe-se que é possível analisar o movimento Red Pill sob a perspectiva
do Direito Fraterno. Sendo assim, “pelas mãos da fraternidade” almeja-se a
(re)constituição de um espaço comum compartilhado, a humanidade, desvendando
os paradoxos dos direitos humanos por intermédio da Metateoria do Direito Fraterno,
como meio inclusivo, pactuado entre iguais e, acima de tudo, não-violento.
Nessa perspectiva, aposta-se na fraternidade como uma nova possibilidade de
incorporação no mundo real e, diante da problemática apresentada, reafirma-se que a
fraternidade detém potencialidade de incorporar seu conteúdo no espaço da
humanidade para que haja o protagonismo feminino das mulheres na sociedade,
afastando os atos de misoginia camuflada promovidos pelo movimento Red Pill.
Palavras-chave: Direito Fraterno. Feminismo. Movimento Red Pill. Protagonismo
Feminino.
SUMÁRIO

210 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. 36. ed. São
Paulo: Rideel, 2023.

RESTA, Eligio. Direito Fraterno. Tradução: Bernardo Baccon Gehlen, Fabiana Marion Spengler e Sandra
Regina Martini. 2. ed. Santa Cruz do Sul: Essere Nel Mondo, 2020.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para Libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

VIAL, Sandra. Direito fraterno na sociedade cosmopolita. Revista do Instituto de Pesquisa e Estudos de
Bauru, p. 119-134, dez. 2006. Disponível em: h�ps://core.ac.uk/download/pdf/79069559.pdf. Acesso em: 02
mar. 2023.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 211

34
JUSTIÇA RESTAURATIVA E A SAÚDE MENTAL DAS
TRABALHADORAS: construção de ambientes seguros para a mulher
no trabalho numa perspectiva de justiça restaurativa

RESTORATIVE JUSTICE AND MENTAL HEALTH WORKERS:


building safe environments for woman at work in a perspective of
restorative justice

Trabalho desenvolvido a partir do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos do


Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Unijuí.

Adriane Arriens Fraga Bitencourt


Mestranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
da UNIJUÍ. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos. Ijuí, Rio
Grande do Sul, Brasil. E-mail: adriane-bitencourt@susepe.rs.gov.br

Juliana Mayer Goulart


Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade do Noroeste do estado do Rio grande
do Sul - UNIJUI, Bolsista UNIJUÍ. E-mail: Juliana.goulart@sou.unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
Saúde e segurança no trabalho são direitos constitucionalmente garantidos no
Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde o conceito de saúde abrange a
higidez física, mental e social, traduzindo um estado de completo bem-estar. A
Organização Internacional do Trabalho alinha-se ao conceito, ditando o propósito de
manutenção do mais elevado nível de saúde física, mental e social de todos os
trabalhadores.
Muito se tem falado sobre os efeitos das relações entre trabalho e as dinâmicas
sociais do mundo atual, que nos exige produtividade, atualização de saberes e
capacidades sempre no potencial máximo, sob pena de perder espaço, tornar-se
obsoleto.
SUMÁRIO

212 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A modernidade lança uma nova perspectiva de mundo que, como conceitua


Bauman (2001), liquefaz todos os padrões e bases sociais de outrora em face do
progresso. Derreter os sólidos filosóficos, sociais e religiosos que diziam respeito à
coletividade em prol de uma individualidade humana, desconhecida, que emergia,
descortinando uma nova forma de ser sociedade.
As mudanças ocorriam no cenário político e social, entretanto, o patriarcado
estruturante não dissolveu o papel social que a mulher foi forjada a ocupar. A mulher
se modernizou, saiu para a vida pública, carregando na bagagem a responsabilidade
da vida privada, solidificando e acumulando funções cotidianas.
Se as exigências do mundo moderno têm gerado adoecimento dos trabalhadores
em geral, a saúde das mulheres trabalhadoras exige ainda maior atenção, face ao
modo como culturalmente nos organizamos enquanto sociedade, pautada no
patriarcado, seja no trabalho ou fora dele.
A competitividade do mercado de trabalho ruma para metas cada vez mais altas,
mas sobre as mulheres recaem ainda outras exigências de ordem pessoal, familiar e
social, igualmente preocupantes. Nesse cenário de tensão constante, da chamada
sociedade do cansaço¹, olhamos para a filosofia da justiça restaurativa e nos
questionamos sobre uma aproximação desses dois mundos, como uma hipótese a ser
estudada.
Dejours (2017) postula sobre o quanto as relações de trabalho são uma
possibilidade de defender-se psiquicamente dos conflitos humanos, já que se propicia
a construção de sentido à vida humana, como também pode desencadear ao sujeito
questões de cunho patológico. Vale referir, no entanto, que esta ótica se embasou na
produção de trabalho masculino, onde o homem era o detentor desse espaço por
direito.
Quando a mulher passa a ocupar esse lugar que não era seu historicamente, o
impasse entre saúde e patologia se acentua, haja vista o fato da carga mental que
precisou submeter-se a fim de galgar novos espaços.
Desse contexto emerge o problema que nos propomos a responder: a justiça
restaurativa e suas práticas encontram lugar no mundo do trabalho como caminho
para proteção da saúde mental das trabalhadoras?
Para tanto, usaremos da metodologia hipotético-dedutiva, em que trabalharemos
com a hipótese de que a construção de espaços de trabalho mais seguros e acolhedores

1 Termo cunhado pelo filósofo HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini.
Petrópolis: Vozes, 2017.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 213


para a realidade feminina e conscientes das violências de gênero estruturantes da
sociedade tem o potencial de contribuir com a saúde mental dessas mulheres.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As mulheres conquistaram o acesso ao mercado de trabalho, onde desempenham
o viés produtivo da sua jornada, tendo galgado, inclusive, algumas posições de chefia
e lugares de decisão na política e na sociedade. Esse importante avanço das lutas
feministas, contudo, infelizmente não veio acompanhado da necessária divisão ou
redistribuição do trabalho reprodutivo, traduzido pela geração, criação, educação de
filhos, por exemplo, nem das demais tarefas que o trabalho do cuidado socialmente
atribui à seara feminina (FEDERICI, 2019).
O acúmulo de funções domésticas, sociais e de trabalho produtivo colocam as
trabalhadoras mulheres num lugar de constante tensionamento entre as exigências
laborais e as domésticas. Some-se a isso as corriqueiras violências de gênero sofridas
no ambiente de trabalho, o que inclui os casos de assédio moral e sexual e resta
delineado o quadro de malabarismo mental a que as mulheres, especialmente as mães,
estão sujeitas.
Nesse cenário, as práticas restaurativas, com seus pilares no ambiente seguro de
fala e escuta, no não julgamento, na validação das emoções individuais e no
acolhimento das necessidades, por exemplo, por meio de círculos de construção de
paz (PRANIS, 2010) aparecem como espaços de fortalecimento emocional, por
proporcionarem modos de elaboração das dores tipicamente femininas. A justiça
restaurativa “possibilita um espaço de ressignificação às pessoas envolvidas pelo ato
delituoso, ligadas pelo sentimento de cooperação e responsabilidade”, sendo que os
encontros e dinâmicas restaurativas utilizam-se da “comunicação não violenta e dos
círculos de construção da paz, e priorizam a harmonia e o (r)estabelecimento da
comunicação e das relações sociais entre os cidadãos” (PORTO; COSTA, 2014, p. 98).
Conquanto nem sempre estejamos diante de conflitos, propriamente ditos, no
ambiente de trabalho - ou estamos imersas adaptadas à condição cotidiana conflitiva
que nem mesmo os reconhece como tal -, utilizar-se de práticas e conceitos de justiça
restaurativas para abordagem de relações de trabalho mostra-se alinhado com a
promoção de saúde integral da saúde, no sentido de promoção de bem-estar
psicológico das trabalhadoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
SUMÁRIO

214 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Verificamos que as exigências sociais estão cada vez mais intensas sobre os
trabalhadores, fato que vem gerando adoecimentos, especialmente de mulheres, que
ingressaram no mercado de trabalho, mas não restaram liberadas das atividades
domésticas.
Constatamos que a saúde mental das mulheres sofre tensionamentos pelo
acúmulo de papéis sociais a que essas são submetidas, agravadas pelas corriqueiras
violências de gênero presentes nos ambientes laborais, por vezes redundando em
assédio moral e sexual.
Apresentamos a justiça restaurativa como um potencial caminho de promoção de
bem-estar no ambiente de trabalho, face aos pilares em que se pauta, como a
construção de espaços seguros de fala e escuta, livres de julgamento.
Diante dos estudos até então desenvolvidos no atual estágio da pesquisa,
pudemos concluir que a justiça restaurativa agregaria ferramentas de elaboração dos
sofrimentos emocionais a que as mulheres trabalhadoras estão submetidas.
Palavras-chave: Gênero. Saúde Mental. Trabalho. Justiça Restaurativa.

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmund. Modernidade líquida. Zahar. São Paulo, 2001.

CORBANEZI, Elton. Sociedade do cansaço. Tempo social, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 335-342, Dec. 2018 .
Disponível em: h�p://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_ar�ext&pid=S0103-
20702018000300335&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 09 ago. 2022.

DEJOURS, Cristophe. Psicodinâmica do trabalho: casos clínicos. Dublinense: São Paulo, 2017.

FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Tradução
Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019.

FERREIRA, Ivanir. (2021) Mulheres foram mais afetadas emocionalmente pela pandemia. Jornal da USP.
Disponível em: h�ps://jornal.usp.br/ciencias/mulheres-foram-mais-afetadas-emocionalmente-pela-
pandemia/. Acesso em: 09 ago. 2022.

GÊNERO E NÚMERO; SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA. Pesquisa Sem Parar: o trabalho e a


vida das mulheres na pandemia, 2020. Disponível em: h�ps://mulheresnapandemia.sof.org.br/wp-content/
uploads/2020/08/Relatorio_Pesquisa_SemParar.pdf. Acesso em: 09 ago. 2022.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017.

INSTITUTO TRICONTINENTAL. O trabalho de cuidado e o CoronaChoque. CoronaChoque:


CoronaChoque e Patriarcado, n. 4., p. 39-52, nov. 2020. Disponível em: h�ps://thetricontinental.org/wp-
content/uploads/2020/11/20201104_Coronashock-e-Patriarcado_PT.pdf. Acesso em: 09 ago. 2022.

IPEA. Economia dos cuidados: Marco teórico-conceitual. Rio de Janeiro, 2016.

OLIVEIRA, Maxwell Ferreira de. Metodologia científica: um manual para a realização de pesquisas em
Administração. Catalão: UFG, 2011.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 215


ONU MULHERES. Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta.
ONU Mulheres, mar. 2020. Disponível em: h�p://www.onumulheres.org.br/wpcontent/uploads/2020/03/
ONU-MULHERESCOVID19_LAC.pdf. Acesso em: 09 ago. 2022.

ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). El trabajo de cuidados y los trabajadores


del cuidado para un futuro con trabajo decente. 1 ed. Ginebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2019.

OXFAN. Tempo de cuidar: O trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da
desigualdade. Reino Unido: Oxfan International, 2020.

PORTO, R. T. C., COSTA, M. M. M. Justiça Restaurativa uma política humanizadora e não


necessariamente de perdão: um olhar crítico e reflexivo na resolução 225 do CNJ/2016. REVISTA EM
TEMPO (ONLINE), v. 16, p. 223-239, 2017.

PORTO, Rosane T. C, Justiça Restaurativa & gênero: por uma humanização que desarticule a violência.
Multi Ideia. 2014

PRANIS, Kay. Processos Circulares de construção de paz. Tradução Tônia Van Acker. São Paulo: Palas
Athena, 2010.

SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes. Mito e realidade. 3ª. Ed. São Paulo: Expressão
Popular.

SANTOS, Boaventura de Souza. Una concepción multicultural de los Derechos Humanos. Revista
Memoria. Nº 101. Julio, 1997.

SANTOS, Boaventura de Souza; MENESES, Maria Paula (organizadores). Epistemologias do Sul. Coimbra:
Almedina, 2009.

SCHUCH, Patrice. Direitos e Afetos: Análise Etnográfica da “Justiça Restaurativa” no Brasil. 30º Encontro
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ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena, 1ª ed. 2012.

ZEHR, Howard. Trocando as Lentes. São Paulo:Palas Athena, 1ª edição. 2008.


SUMÁRIO

216 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

35
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: o neoliberalismo e as novas
técnicas psicopolíticas de violência contra mulher

PSYCHOLOGICAL VIOLENCE: neoliberalism and new psychopolitic


techniques of violence against women

Juliana Porciuncula
Doutoranda em Direitos Humanos UNIJUI, Psicóloga, Mestre em Desenvolvimento. Líder
Nacional do Projeto Justiceiras. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos
Humanos. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -UNIJUI,
Rio Grande do Sul – Brasil. ORCID iD: h�ps://orcid.org/0000-0003-0205-1939. La�es: h�p://
la�es.cnpq.br/3706459377501784 E-mail: julianaporciuncula@yahoo.com.br.

Joice Graciele Nielsson


Doutora em Direito – UNISINOS. Mestre em Direitos Humanos – UNIJUI. Professora do
Programa de PósGraduação em Direito – Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos, e do
Curso de Graduação em Direito da UNIJUI. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -
UNIJUI, Rio Grande do Sul – Brasil. ORCI iD: h�p://orcid.org/0000-0003-3808-1064 La�es:
h�p://la�es.cnpq.br/3002965109553965 E-mail: joice.gn@gmail.com.

INTRODUÇÃO
O presente artigo analisa a violência contra a mulher e suas interlocuções com as
técnicas de poder sob o viés da psicopolítica e do neoliberalismo, pelas lentes do
filosofo Byung-Chul Han.
Neste ínterim, questiona-se: o aumento da violência psicológica contra a mulher
poderia ser considerado um sintoma do incremento desta forma de poder típica da
contemporaneidade chamada psicopolítica? Para responder o questionamento,
estuda a obra do filosofo sul-coreano acerca desta forma de poder, e aprofunda os
estudos acerca da violência psicológica recentemente tipificada no Brasil.
A metodologia adotada mescla análise e interpretação. Pela análise, esclarecem-se
conceitos, atentando para suas interligações ao tema proposto. Através da
hermenêutica, interpretam-se as relações de poder do sistema patriarcal que foi criado
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 217


para assegurar a dominação masculina, visando manter as mulheres subordinadas,
percebe-se a violência psicológica como uma das técnicas de manutenção do poder,
por meio desta, as mulheres muitas vezes seguem aliadas a violência que sofrem,
saindo em defesa do grupo que as oprime e violenta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

1. PSICOPOLÍTICA: O NEOLIBERALISMO E AS NOVAS TÉCNICAS DE


PODER PELAS LENTES DE BYUNG-CHUL HAN
Byung-Chul Han é considerado um dos filósofos mais interessantes da
atualidade. Em seu livro Psicopolítica – o neoliberalismo e as novas técnicas de poder
(2020), o autor apresenta uma nova perspectiva acerca das relações de domínio no
mundo contemporâneo, estabelecendo um paralelo entre o as relações de poder da era
industrial e as novas técnicas de controle psicopolítico do indivíduo por meio da
emoção, da exploração da psique.
“Explorar alguém contra sua própria vontade não é eficiente, na medida em que
torna o rendimento muito baixo. É a exploração da liberdade que produz o maior
lucro” (HAN, 2020, p. 11-12).
No regime neoliberal de auto exploração, a agressão é dirigida contra nós
mesmos, acaba por transformar os explorados não em revolucionários, mas em
depressivos (HAN, 2020).
Han (2020) assevera que caminhamos para a Era da psicopolítica digital,
remetendo a uma vigilância passiva ao controle ativo, resultando em uma nova crise
da liberdade, até a vontade própria ser atingida. Tornando o futuro previsível e
controlável.
Para Han (2020), o sujeito submisso não é consciente de sua submissão, assim o é
porque o contexto de dominação permanece inacessível a ele, gerando neste o
sentimento de liberdade. “Muito mais eficiente é a técnica de poder que faz com que
as pessoas se submetam ao contexto de dominação por si mesmas. (...) Em vez de tornar
as pessoas obedientes, tenta deixa-las dependentes. (...) É mais afirmador que negador,
mais sedutor que repressor” (p. 26-27).
“A técnica ortopédica do poder disciplinar é muito grosseira para penetrar nas
camadas mais profundas da psique” (HAN, 2020, p. 35). Assim, a ‘cura’ faz as vezes
de assassinato. Esse contexto, introduz a Era do Esgotamento, que fatalmente leva os
sujeitos ao colapso mental.
SUMÁRIO

218 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

O controle psicopolítico do indivíduo se dá por meio da emoção. Vivemos em


uma sociedade como já sinalizava Sigmund Freud (1996), movida pelo princípio do
prazer/poder.
Han (2020) defende a ideia de que o sujeito contemporâneo se torne herege, e que
faça uso da razão para estabelecer suas próprias escolhas, rompendo com a unificação
do pensamento. Não somos um povo único, somos seres humanos únicos.

A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER


No dia 28 de Julho de 2021, foi sancionada a Lei n˚14.188, que definiu o programa
de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas
de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei
nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e alterou o Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da
lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo
feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. O Código
Penal (BRASIL, 2022), passou a contar com a seguinte redação:

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e


perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões,
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir
e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde
psicológica e autodeterminação:

A sutileza da violência psicológica (TRINDADE, 2005), expressa através da


desqualificação, da indiferença e/ou da humilhação, produz sofrimentos comparáveis
aos da violência física. Mesmo sem a presença do ato amedrontador, através das
ameaças existe “possibilidade de”, já que “a antecipação de um golpe pode fazer tanto
mal ao psiquismo quanto o golpe realmente dado, que é reforçado pela incerteza em
que a pessoa é mantida, sob a realidade da ameaça” (HIRIGOYEN, 2006, p. 41). Na
maioria dos casos, a vítima passa a adotar uma postura de culpa. Quando a mulher
tenta sair deste relacionamento abusivo, não consegue. Já foi estabelecida ali uma
dependência emocional.
O maltrato psicológico, exerce um papel preponderante na captura e manutenção
das mulheres no ciclo de violência (RAMOS, 2022), gerando ansiedade e medo
(SOUZA et al, 2013). “Em geral, as mulheres que estão em situação de violência e em
vulnerabilidade social tendem apresentar uma saúde física e mental fragilizada, o que
se dá de modo interligado aos contextos de produção e manutenção das opressões
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 219


vivenciadas pelas mulheres” (SILVA LIMA; RODRIGUES, 2022, p. 148). Essa violência
é silenciosa. A maioria das vítimas desse tipo de violência não percebe inicialmente o
perigo dos atos que o agressor pratica contra ela, nem o quanto essas situações feitas
de maneira sutil e veladas com declarações de amor e gestos exagerados de desculpas,
afetam sua saúde mental e física (VOLKMANN, SILVA, 2020).
O cerceamento à liberdade da mulher acaba sendo uma das consequências do
dano emocional, precisamente porque as condutas violadoras têm o condão de
interferir na capacidade de autodeterminação da vítima (RAMOS, 2022). Todos os
eventos que ocorreram durante um determinado espaço de tempo em uma situação
de violência doméstica, em que há vulnerabilidade da mulher, independentemente de
deixar marcas visíveis no corpo, poderiam ser caracterizadas como violência
psicológica a partir do momento da comprovação de que estes fatos causaram nesta
mulher qualquer dano, ou lesão à sua saúde física, psíquica e/ou social.
É nestes termos que se pode pensar a relação entre o incremento da psicopolítica
como forma de governo e de controle, o qual se dá, especialmente por meio da
emoção, e o aumento da violência psicológica e sua consequente produção de danos
emocionais irreparáveis às mulheres. Se a demanda atual não diz respeito apenas por
competências cognitivas, mas também emocionais, é também na imputação de
violência e demonstração de poder sobre as emoções do outro que a violência de
gênero se manifesta e se move na consolidação do princípio freudiano de prazer/
poder.
Neste contexto, a violência psicológica, torna-se “expressiva de um domínio
simbólico e materialmente ilimitado, no qual a depredação do território, enquanto
corpo feminino ou feminizado, e da força de trabalho, se mesclam com a violação
sistemática e corporativa” (NIELSSON; WERMUTH, 2021, p. 575). Trata-se de uma
estrutura de poder patriarcal que emerge com pleno domínio deste corpo
feminilizado, controlando agora suas mentes e emoções, e de seu paralelo, o corpo
social, podendo implementar livremente toda e qualquer forma de exploração e
espoliação neoliberal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações de poder do sistema patriarcal foram criadas para assegurar a
dominação masculina, visando manter as mulheres subordinadas, percebe-se a
violência psicológica como uma das técnicas de manutenção do poder, por meio desta,
as mulheres muitas vezes seguem aliadas a violência que sofrem, saindo em defesa do
grupo que as oprime e violenta.
SUMÁRIO

220 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A socialização feminina, faz com que mulheres aplaudam o discurso dos homens,
e que acreditem que eles irão as salvar dos abusos praticados por eles mesmos. Todos
esses fatores podem ser considerados à luz do incremento da psicopolítica como
formas de poder típicas do nosso tempo, uma vez que, a técnica psicopolítica de
dominação do regime neoliberal é a exploração da psique. As mulheres precisam se
unir para que possam dar nome a violência sofrida, uma vez que a percepção dos
próprios limites é nublada e distorcida pela sociedade e pelo Estado.
Palavras-chave: Psicopolítica. Neoliberalismo. Direitos Humanos das Mulheres.
Violência Psicológica.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 14.188, de 28 de Julho de 2021. Dispõe sobre a violência psicológica como crime. Brasília (DF),
2021.

FREUD, Sigmund. (1920b). Além do princípio de prazer. Edição Standard Brasileira das Obras Completas
de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica – O neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Ed. Ayine, 2020.

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SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 221

36
APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA EM
ADOLESCENTES QUE VIVENCIAM A VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA NO LAR

APPLICABILITY OF RESTORATIVE JUSTICE IN ADOLESCENTS


WHO EXPERIENCE DOMESTIC VIOLENCE AT HOME

Rosane Teresinha Carvalho Porto


Pós doutoranda no Programa de Pós Graduação em Direito UFRJ. Doutora em Direito pela
UNISC/RS. Mestre em Direito. Pós-Doutoral pela UFRGS. Email: rosane.cp@unijui.edu.br

Daniela Silva Fontoura Barcelos


Doutora em Ciência Política UFRGS. Coordenadora adjunta do Programa de Pós Graduação
em Direito da UFRJ (PPGD-UFRJ) Email: barcellosdanielaf@gmail.com

Juliana Tozzi Tietböhl


Mestranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
da UNIJUÍ. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos. Ijuí, Rio
Grande só Sul, Brasil. E-mail: jutietbohl@hotmail.com

INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei 11.340/2006 a violência de gênero passou a ter mais
visibilidade na sociedade brasileira em virtude do seu maior extremo de violação de
direitos humanos: o feminicídio, diga-se de passagem, passou a ser intolerável.
Infelizmente a violência contra a mulher é um grave problema social que vem
aumentando com o passar do tempo e, esse aumento, se dá em razão da cultura
machista presente em nosso país.
Dito isso, destaca-se que geralmente esta violência é cometida por outro homem
(geralmente companheiro ou ex companheiro) no âmbito doméstico.
Partindo da análise de que a vítima, na maioria dos casos de violência doméstica
é mãe dentro dos lares brasileiros, provavelmente e, possivelmente, os filhos
assistiram e conviveram com tais violências (física, psicológica, sexual, patrimonial e
moral), a prática restaurativa seria uma possibilidade de restauração e reintegração
desse adolescente que representa um grave problema social.
SUMÁRIO

222 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Dessa forma, cabe ressaltar que nem todas as agressões chegam ao nível extremo,
entretanto, deixam sequelas para o resto da vida do sujeito que as sofre. Por outro lado,
existem crianças e jovens que ficam “órfãos” por conta do feminicídio, pois o
companheiro mata a mãe, o pai vai preso e, diante deste cenário, questiona-se: como
ficam estes filhos? existe um amparo? O Estado enxerga essas pessoas? essa situação
que hoje parece ser invisível para a sociedade e é nosso dever mostrar o quanto é
importante ter projetos que abracem estas crianças.
Nesse sentido, percebe-se uma lacuna na literatura brasileira, na mídia, nas
políticas públicas, nas ações, ao abordar apenas os efeitos da violência direta contra a
criança e não as consequências para os filhos da violência de pais ou padrastos contra
a mãe.
Em contraposição a essa concepção de violência, cresce a ideia da justiça
restaurativa, adotando o paradigma restaurativo como um modelo mais humanizado,
capaz de combater altos índices de reincidência criminal, só que voltados a esses,
muitas vezes, “órfãos do feminicídio” para solucionar conflitos, eventuais traumas
derivados do crime que atingiu a família, permitindo-lhe a reapropriação do conflito
avocado pelo Estado soberano, limitando o exercício de poder do sistema penal e
substituí-lo por formas efetivas de solução de conflitos, e, assim, reforçar os laços e
sentimentos de solidariedade social, outrora rompidos.
Portanto, o resumo expandido visa analisar a possibilidade de aplicação de
elementos da justiça restaurativa enquanto política pública capaz de humanizar,
atender e proteger os adolescentes filhos de mulheres vítimas de violência doméstica
e feminicídio.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A violência doméstica não é somente contra uma mulher e, sim, intrafamiliar. Os
números são alarmantes sobre o aumento do feminicídio e dos casos de violência
doméstica no Brasil, seja através de televisão, revistas, jornais e até mesmo na vasta
rede de computadores.

Dito isso, cumpre referir que com o advento da Lei 11.340/2006 a violência de
gênero passou a ter mais visibilidade na sociedade brasileira em virtude do seu maior
extremo de violação de direitos humanos: o feminicídio, diga-se de passagem, passou
a ser intolerável

Desse modo, a justiça restaurativa trata-se de um “novo paradigma no trato de


conflitos e situações de violência, pois oferece condições para estabelecer um diálogo
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 223


baseado no respeito, na responsabilidade e na cooperação”. (LIMA;NETO;JUNIOR,
2018)
A adoção do diálogo em face de delitos praticados ou traumas sofridos pelo
adolescente constitui uma estratégia importante no cenário de direitos da criança e do
adolescente, colocado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sobretudo no
tocante ao adolescente estar em fase de desenvolvimento. Diante disso, a justiça
restaurativa apresenta relevância para o país e para o cenário internacional, como
forma de resolução de conflitos entre os envolvidos em determinado delito, “tratando-
se de alternativa à sistemática da resolução do conflito pela via judicial” (MACEDO,
2013, p. 97). Contudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente apesar de ser completo
em direitos e deveres dos agregados, ainda não é eficaz a quem sofre a ineficiência
deles. Ademais é preciso que se tenha um olhar afetivo e com mais importância à
infância, onde sejam não só atribuídos direitos, mas que eles sejam efetivados.
Assim, VERONESE sintetiza esta realidade: “A educação das crianças e
adolescentes está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado
garante que todos serão educados, este tem em mente, sem sombra de dúvida, as
exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de
cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno
porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva”.
No Brasil, a aplicação dos modelos restaurativos no ordenamento jurídico
brasileiro avançou, quando da ratificação e promulgação da Lei nº 12.594, de 18 de
janeiro de 2012, que trata da aplicação da justiça restaurativa às infrações, que se refere
expressamente a esse instituto no artigo 35, inciso III, que trata dos princípios que
regem a lei. Na verdade, esse modelo é uma alternativa de punição para o combate ao
crime por meio de soluções negociadas entre ofensores, vítimas e representantes da
comunidade.
Diante disso, as práticas restaurativas são muito utilizadas em casos de violência
doméstica, pois, ao resgatar o protagonismo da vítima a justiça restaurativa permite a
mudança da sua percepção acerca da justiça a ser restabelecida, além do que, na
medida em que permite que ela construa junto a solução de reparação, trabalha seu
empoderamento, escuta, contribuindo para a cura do trauma quanto a situações de
violência (PALLAMOLLA, 2009, p. 58).
Dessa forma, conforme informativo constante no site do CNJ (2017), o Poder
Judiciário brasileiro deverá contribuir com a resolução dos casos de violência
doméstica com a aplicação da jr.
SUMÁRIO

224 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Nesse sentido, bem como já se faz presente a justiça restaurativa na resolução dos
conflitos de violência doméstica, e por portar estas semelhanças com a violência
intrafamiliar, tal método se faz presente na busca pela recomposição das famílias
brasileiras e deve defender as crianças e os adolescentes, assistindo-os e resguardando-
os, a fim de se buscar obter o crescimento destes de forma saudável e socialmente
civilizadas.
Por fim, a justiça restaurativa vem com pressupostos que viabilizam uma melhor
forma de resolução de conflitos, sendo neste sentido a melhor forma para que se
consiga atingir a solução para todas as situações possíveis e superações de traumas,
deixando de lado aquela visão que trabalha apenas em cima da visão de punir tão
somente, buscando-se restaurar portanto, como se faz necessário na violência
intrafamiliar os danos sofridos pelos jovens que vivenciam a violência doméstica
diariamente no lar.
Contudo, a justiça restaurativa faz-se presente no ordenamento jurídico brasileiro
de forma a melhor resolver os conflitos decorrentes de violências, englobando tanto as
contra mulheres quanto as contra adolescentes. Necessitando de reparação portanto
os conflitos existentes entre marido/companheiro/namorado e esposa/companheira/
namorada, pais e filhos, filhos e pais, entre irmãos, sendo as pessoas que conhecem e
matem relações afetivas as principais personagens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a obtenção e análise de dados constatou-se uma escassez de obras na
literatura, de ações ou políticas públicas voltadas para os filhos inseridos dentro do
contexto de violência doméstica.
Buscou-se, então, verificar a possibilidade da aplicação ou não da justiça
restaurativa na violência intrafamiliar, mais precisamente aos adolescentes que
vivenciam a violência doméstica no lar, tendo por base suas semelhanças com a
violência doméstica que já é supervisionada pelo referido instituto. De forma que esta
mesma não viola os direitos e garantias oriundos dos princípios constitucionais
penais, sendo, portanto, compatíveis com a utilização de práticas restaurativas.
Deste modo, conforme referido acima, este mesmo instituto, possibilita a solução
dos conflitos existentes. Desta maneira, conclui-se que a justiça restaurativa é uma
modernização do sistema jurídico, frente as alternativas do atual modelo criminal, de
modo não substituir o processo penal, mas sim, entender que é possível se chegar a
diferentes respostas aos conflitos existentes.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 225


Todavia, deve ser dada a jr certa autonomia em relação ao atual sistema criminal,
em virtude da sua estrutura distinta, sendo que para que haja a ampliação do modelo
restaurativo deve se ter incentivos tanto institucionais quanto comunitários para que
a justiça restaurativa seja uma alternativa eficiente a resolução de conflitos.
Seja por meio da conciliação, da mediação, ou mesmo dos círculos restaurativos,
várias são as técnicas a serem aplicadas em prol dos envolvidos em determinado
litígio, devendo ser de responsabilidade e conhecimento do aplicador do encontro o
que melhor se adapta a cada caso concreto.
Assim, diante da brecha aberta pelo Conselho Nacional de Justiça, embora
algumas disposições antes já previam a conciliação e a mediação penal, a exemplo das
disposições da Lei nº 9.099/95, a Justiça Restaurativa tomou forma nos Estados
brasileiros, tanto no Poder Judiciário como nos Ministérios Públicos, sendo
evidenciado a possibilidade de aplicação em prol dos adolescentes em conflito com a
lei, em prol da própria ressocialização, encaminhamento profissional,
empoderamento, dignidade, visando a humanidade, a humildade, o
autorreconhecimento e determinação, na busca da felicidade própria e do outro,
criando pessoas centradas e humanas.
Compete, assim, reafirmar que inexiste vedação quanto a aplicação da justiça
restaurativa para qualquer espécie de crime, salvo os dolosos contra a vida, por
recomendação e vedação própria do Conselho Nacional de Justiça.
Palavras-chave: Justiça restaurativa; Adolescentes; Violência doméstica;
Mulheres;

REFERÊNCIAS
LIMA, Rodson Santos; NETO, Antonio Graça; Júnior, César Augusto. A aplicabilidade da Justiça
restaurativa na violência intrafamiliar. UNIBALSAS. 2018

MACEDO, Maria Fernanda Soares. Justiça Restaurativa: a importância da participação da vítima na


pacificação dos Conflitos. Rev. SJRJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 36, p. 95-109, abril de 2013.

PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça restaurativa: da teoria à prática. São Paulo: IBCCRIM,
2009.

VERONESE, JOSIANE PETRY. Lições de Direito da Criança e do Adolescente. editora Fi. vol. 2. 2022

Justiça Restaurativa é aplicada em casos de violência doméstica.Disponível em: <h�p://www.cnj.jus.br/


noticias/cnj/85041-justica-restaurativa-e-aplicada-emcasos-de-violencia-domestica>. Acessado em
15/02/2023.
SUMÁRIO

226 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

37
APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA EM
ADOLESCENTES QUE VIVENCIAM A VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA NO LAR

WE LIVE AT THE POINT OF THE BULLET: the weapons policy and


the slayings that occurred in brazil

Pesquisa desenvolvida em parceria autônoma entre egressa e aluna do curso de Mestrado


em Direitos Humanos da Unijui.

Lavinia Rico Wichinheski


Advogada Criminalista - OAB/RS 130.323. Mestra em Direito (UNIJUI). Bacharela em Direito
(UNIJUI). E-mail: lavinia_rico@hotmail.com. La�es: h�p://la�es.cnpq.br/5275679196902268.

Natália Cerezer Weber


Bacharela em Direito (UNIJUI). Mestranda em Direitos Humanos (UNIJUÍ). Pesquisadora no
Grupo de Pesquisa (CNPq) Direitos Humanos, Justiça Social e Sustentabilidade. E-mail:
nataliacweber@gmail.com. La�es: h�p://la�es.cnpq.br/2858669485010022.

INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, no Brasil, têm adquirido notoriedade a instituição de políticas
armamentistas, sob a justificativa de paz e segurança pública. No entanto, entre os
anos de 2019 a 2022, tivemos um crescente aumento na ocorrência de chacinas e
massacres, executadas através da utilização de arma de fogo, que por coincidência, o
mesmo período é marcado pela facilitação do acesso às armas país.
Essa modalidade de violência é relevante para os direitos humanos, na medida
em que viola o direito fundamental à vida, bem como o direito à educação. Ademais,
a chacina em escolas pode ter motivações discriminatórias e preconceituosas, o que
configura uma violação dos direitos humanos de igualdade e não-discriminação.
Esse ataque violento gera um impacto significativo na sociedade, instaurando um
clima de insegurança e medo aos país ao enviarem seus filhos para a escola. Esse
evento motiva uma perda de confiança nas instituições de ensino e no sistema de
justiça, e reduz o acesso à educação.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 227


Diante disso, é fundamental que a violência em escolas seja abordada como uma
questão de direitos humanos. Isso implica na garantia, por parte do Estado, da
proteção dos direitos humanos de todas as pessoas envolvidas em ambientes
escolares, incluindo o direito à vida, à segurança e à educação. Ademais, é necessário
que a sociedade como um todo se mobilize para denunciar e prevenir a violência em
escolas, criando um ambiente seguro e inclusivo para todos e por fim, que a legislação
combata arduamente a política armamentista que fomenta a facilitação do acesso às
armas.
Portanto, o presente estudo pretende responder o seguinte questionamento:
“Armas de Fogo: Uma política de proteção ou risco social? ”.
A metodologia adotada neste trabalho foi a hipotético-dedutiva, sendo na sua
totalidade de cunho bibliográfico, através do método qualitativo e foi realizado com
base em leituras de livros, artigos publicados e estudos acerca do tema. O presente
texto reflete os estudos empreendidos Mestrado e Doutorado da UNIJUI (PPDGDH).

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Inicialmente, entre os anos de 2019 a 2022, o Governo Bolsonaro, instituiu mais de
40 atos normativos que facilitam de maneira direta a posse de armas de fogo, o que
significa dizer que as políticas previstas pelo Estatuto do Desarmamento foram
relaxadas, facilitando desta forma o acesso direto à armas de fogo no Brasil,
permitindo que o cidadão comum tenha esse acesso sem uma devida comprovação de
efetiva necessidade, limitando-se apenas ao discurso de que as armas promovem a
segurança social (FBSP, 2022).
Como resultado das iniciativas promovidas na era Bolsonaro, o país enfrentou
um grande aumento na difusão de armas e munições, que de acordo com o Sistema de
Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), no ano de 2019 o Brasil teve o registro e
93.452 novas armas de fogo; no ano de 2020, 161.686 novos registros de arma de fogo;
e, em 2021, 279.889, novos registros de arma de fogo. É importante ressaltar que dentre
esses registros, muitos foram intermediados para o crime organizado, facilitando
ainda mais o acesso de armas de alto potencial ofensivo à criminalidade (FBSP, 2022).
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública - 2022 (FBSP, 2022), menciona que
estamos armados e sem controle, pois a cada 3 armas registradas, 1 encontra-se em
situação irregular, o que significa dizer que no ano de 2022 cerca de 1.542.168 armas de
fogo estariam com seus registros expirados.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022), quanto a
legislação armamentista pós 2019, se não houvesse o aumento de armas de fogo em
SUMÁRIO

228 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

circulação no país, teríamos evitado cerca de 6.379 homicídios, entre 2019 e 2021, e,
portanto, tal número refuta o argumento de promoção à segurança pública atrelada ao
discurso pró-armas. Já o anuário menciona que as armas de fogo permanecem como o
principal instrumento utilizado para matar, e, portanto, os números demonstram que
o referido instrumentou fez consumar-se 98,4% das mortes decorrentes de inquérito
policial; 75% dos homicídios dolosos; 65,9% dos latrocínios; e, 11% das lesões corporais
seguidas de morte, todos, entre os anos de 2019 a 2020 (FBSP, 2022).
Segundo o fórum, a ampliação da quantidade de armas impediu a queda da
letalidade violenta, e por essa razão, lastreia uma necessidade urgente no que diz
respeito a uma revisão legislativa sobre o discurso pró-armas, de modo a revogar na
totalidade os dispositivos infra legais que facilitaram o acesso para o cidadão comum.
Mister ressaltar que, quanto maior o aumento da circulação de armas nas mãos
da população, maior será a migração delas para o mercado ilegal. De acordo com o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 1% a mais na difusão de armas, há um
aumento de 1,1% na taxa de homicídios; quanto a ocorrência do latrocínio, a pesquisa
constatou que a cada 1% de aumento no acesso a armas de fogo, a taxa de latrocínio
teria aumentado cerca de 1,2% (FBSP, 2022).
No ano de 2021, 76,0% das mortes violentas intencionais deram-se à partir da
utilização de arma de fogo, em contrapartida, apenas 17,6% ocorreram através da
utilização de arma branca, e 6,4% por demais instrumentos (FBSP, 2022).
Evidencia-se que o acesso facilitado e irrestrito às armas coloca em “xeque” a
vida, bem como, os índices constatados estatisticamente pelo fórum brasileiro,
demonstram uma falácia do argumento pró-armamentista de que o acesso
possibilitaria a redução dos crimes contra o patrimônio e à propriedade, pelo
contrário, houve um aumento na taxa de mortalidade em decorrência de crimes
armados contra a vida.
O discurso falacioso de uma política de proteção e pró-armamento, nos trouxe
como resultado, nos últimos anos o aumento brutal da letalidade, e com isso, palavras
como chacinas e massacres tem ganhado notoriedade em nosso país, aparecendo com
frequência nos jornais e noticiários da população brasileira.
De acordo com a literatura internacional, em grande maioria, aquelas pessoas que
possuem o acesso a arma de fogo, tendem a dar também respostas violentas para a
solução dos conflitos interpessoais, sendo assim, instaura-se o caos da violência. Não
menos importante, quanto maior o número de armas de fogo em circulação, maior
será o benefício as organizações criminosas, o que significa dizer que a arma ainda que
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 229


adquirida de maneira licita, poderá facilmente ser utilizada para fins ilícitos
(DUGGAN, 2001; CERQUEIRA, MELLO, 2012, PERES et al, 2011).
Mister ressaltar que a “chacina” não representa uma categoria jurídica, mas
apenas trata-se de uma forma da população se referir a violência executadas e
orquestrada de maneira extrema, contra várias pessoas de uma mesma localidade. No
Brasil, entre os anos de 2011 a 2023, foram constatados 12 episódios de ataques
armados com ocorrência de homicídio em escolas, é importante ressaltar que a maioria
destes ocorreu a partir de 2019, totalizando 7 (sete) episódios de ataques em escolas até
hoje, e um total de 26 pessoas mortas em um curto período de tempo (VELOSO;
PIMENTEL, 2023).
Dentre as principais características de execução destes ataques, é possível dizer
que a grande maioria foi cometido por jovens entre 10 a 25 anos de idade, com acesso
à arma de fogo dentro de seus próprios lares, e, portanto, não restam dúvidas de que
os acessos facilitados às armas de fogo representam um grande risco social.
Não restam dúvidas, de que o ódio e o armamentismo, possuem relação direta
aos ataques armados em escolas, atrelado a uma política antagônica de liberação de
porte e posse de armas por pessoas comuns. Se os executores dos crimes armados não
tivessem acesso às armas, é claro dizer que as 26 vítimas acima descritas, estariam
ainda vivas.
Hoje, nem mesmo as escolas estão salvas da violência, “vivemos na ponta da
bala” e uma possível Cultura de Paz encontra-se estremecida, dentro dos lares, das
escolas e principalmente na comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desarmamento é uma política de combate às chacinas escolares. A
disponibilidade de armas de fogo aumenta a probabilidade de ataques violentos,
especialmente em ambientes escolares. Portanto, ao restringir o acesso a armas de
fogo, pode-se reduzir a ocorrência de ataques e diminuir o número de vítimas.
O Brasil necessita revisão urgente na legislação armamentista, com uma possível
revogação dos dispositivos infra legais que facilitam o acesso do cidadão comum as
armas de fogo, de modo a combater a letalidade que vem nos acompanhando nos
últimos 4 anos. Tais danos, ainda que irreversíveis, necessitam de um olhar crítico de
prevenção e reparação futura do aumento da cultura de violência instaurada em nosso
país.
Desarmar a população não significa dar segurança aos atos criminosos, ao
contrário do que se pensa, impede a alta de demanda de aquisição de armas que
SUMÁRIO

230 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

passam das mãos da população para as mãos das organizações criminosas, e em razão
disso, possíveis mudanças positivas anunciariam a aproximação do fim a barbárie,
aliada a uma nova política de segurança pública, vigilante e digna no que diz respeito
a efetiva proteção à vida.
Em suma, o desarmamento é uma política que pode ser considerada como parte
de uma abordagem mais ampla para combater a violência em escolas, incluindo a
promoção de uma cultura de paz e o fortalecimento das instituições educacionais,
melhorando do acesso à educação e aos direitos fundamentais para a construção de
uma sociedade harmônica que englobem conceitos de justiça social, bem-estar,
igualdade e fraternidade.
Palavras-chave: Armas. Chacinas escolares. Homicídios. Risco Social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro; MELLO, João Manoel Pinho de. Menos armas, menos crimes.
Texto para Discussão (TD) 1721. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2012.

DUGGAN, Mark. More guns, more crime. Journal of Political Economy, 2001, vol. 109, no. 5. MANSO,
Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. A Guerra: A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil. Todavia;
1ª edição, 2018.

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26-4. 2022.

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2022. ISSN 1983-7364.

PERES, M. F. T. ; VICENTIN, D. ; NERY, M. ; LIMA, R. S. ; SOUZA, E. R. ; CERDA, M. ; CARDIA, Nancy ;


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VELOSO, Natália. PIMENTEL, Juliana. Brasil teve 5 ataques com mortes em escolas em 2022 e 2023. Poder
360. Disponível em: h�ps://www.poder360.com.br/brasil/brasil-teve-5-ataques-com-mortes-em-escolas-em-
2022-e-2023/. Acesso em: 08 mai 2023.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 231

38
E SE NÃO FOSSE MARÍLIA? E SE FOSSE MARIA?

WHAT IF IT WASN'T MARILIA? AND IF IT WERE MARIA?

Resumo realizado com o intuito de servir de base para futuro estudo melhor aprofundado
acerca da violação do direito à imagem, direito ao esquecimento no Brasil e o caso
envolvendo a cantora Marília Mendonça.

Luana Carolina Bonfada


Advogada, graduada em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (Unijuí); especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público do RS (FMP); Bolsista Prosuc/Capes; mestranda em Desenvolvimento
Regional – Políticas Públicas pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (Unijuí). E-mail: lcbonfada@gmail.com.

Sérgio Luís Allebrandt


Bolsista do projeto Produtividade em Pesquisa do CNPq; professor do PPGDR/Unijuí; líder
do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas Públicas, Desenvolvimento,
Comunicação e Cidadania (GPDeC); doutor em Desenvolvimento Regional pelo PPGDR/
Unisc (2010); mestre em Gestão Empresarial pela EBAPE/FGV (2001). E-mail: allebr@unijui.
edu.br. ORCID: h�ps://orcid.org/0000-0002-2590-6226.

INTRODUÇÃO
Sabe-se que a Constituição Federal do Brasil de 1988 e as previsões internacionais
de direitos do homem preveem um amplo rol de direitos fundamentais que devem ser
protegidos e respeitados de forma unânime. O artigo 5º, inciso V, da Carta Magna,
assegura o direito indenizatório em caso de dano material, moral ou à imagem. Além
disso, o inciso X, também da Lei Maior, assegura que são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Diante dessa previsão legal conclui-se que a proteção à imagem e à honra é
inerente a todos os cidadãos, uma vez que o texto legal é claro ao se referir às pessoas.
O que se verifica, portanto, é que o uso dessa proteção não impõe qualquer distinção
SUMÁRIO

232 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

entre os seres humanos, e que ela pode ser usufruída tanto por homens, mulheres,
adultos, crianças, adolescentes, idosos, brancos, negros, pardos, enfim, por qualquer
pessoa. Ou seja, ela constitui um direito de todos, amplamente assegurado.
Com o passar dos anos, todavia, a proteção e a inviolabilidade de tais direitos
passaram a ser mais custosos. O avanço tecnológico – que trouxe inúmeros benefícios
– fez com que as pessoas passassem a ter amplo e irrestrito acesso a tudo, em qualquer
lugar onde estejam. Infelizmente, muitos não sabem utilizar tais ferramentas com
cautela, com respeito ao próximo e até mesmo com atenção às questões éticas e morais.
Recentemente, em 13 de abril de 2023, a sociedade brasileira reviveu uma atitude
já ocorrida em meados de 2015, quando houve o óbito do cantor sertanejo Cristiano
Araújo. Desta vez, a vítima foi a cantora, também sertaneja, Marília Mendonça, cujas
fotos de sua necrópsia foram vazadas e distribuídas a quem interessava vê-las. Não se
sabe e, inclusive, acredita-se ser difícil algum dia descobrir a motivação das pessoas
que divulgam tais imagens, uma vez que constitui real desrespeito e humilhação à
imagem e à honra de pessoas admiradas e que partiram para outro plano.
Verifica-se, portanto, novo episódio envolvendo pessoas famosas, desta vez em
um lapso temporal inferior a uma década. O fato é assustador e repugnante e, por isso,
merece um olhar atencioso e contrário ao que vem ocorrendo: o respeito aos mortos,
independentemente de sua classe social ou ocupação profissional, de modo que
qualquer atitude capaz, eventualmente, de ferir a sua imagem e/ou honra não deve
sequer ser cogitada.
Assim sendo, o presente estudo se dedicará a analisar os seguintes aspectos,
ainda que sucintamente, de modo a fundamentar futura pesquisa mais
pormenorizada: violação à imagem e à honra; e eventual aplicabilidade do direito ao
esquecimento. A questão-problema que se buscará responder com essas questões é: e,
se não fosse Marília, e se fosse Maria, isso teria ocorrido e despendido a atenção
significativa de tantas pessoas? Para tanto, utilizar-se-á, excepcionalmente, de
pesquisa bibliográfica, além de possível análise de entendimento jurisprudencial.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quanto à previsibilidade e garantia do direito à honra e à imagem verifica-se que
a legislação é ampla e clara. Corrobora tal direito a análise de Novelino (2019, p. 383)
que, ao se referir ao direito à imagem, aduz que este impede, prima facie, sua captação
e difusão sem o consentimento da própria pessoa. Acrescenta o autor que a proteção
desse direito é autônoma em relação à honra, devendo ocorrer ainda que não haja
ofensa à estimação pessoal ou à reputação do indivíduo.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 233


Apesar da ampla proteção tanto ao direito à imagem quanto à honra, sabe-se que
não se trata de direitos absolutos. Em casos excepcionais e com observância a todas as
exigências legais, podem ocorrer medidas como a interceptação e a quebra de sigilo de
dados. Fica evidente, contudo, que a divulgação das fotos do exame de necrópsia de
Marília Mendonça não constitui medida necessária e tampouco autorizada. A violação
de sua imagem e honra ocorreram sem nenhum pudor, cabendo questionar: por qual
razão? Por ser uma mulher famosa? Por ter atraído milhares de fãs e admiradores
quando viva? Apenas pela sua condição de mulher? Ou, simplesmente, porque após
a morte, acreditaram que ela se calaria, sequer esboçando “o medo até de morrer,
porque as pessoas não respeitam”? (segundo postagem da própria Marília Mendonça,
no Twi�er, em 13 de agosto de 2019).
Não bastasse a ampla previsão legal e o desrespeito com que as pessoas agem,
inclusive com o receio demonstrado por seus ídolos, os fatos de violação ao direito de
imagem perduram ao longo do tempo. Contrariamente à possível estagnação de tais
atitudes, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou em 2021, em Tese de
Repercussão Geral – Tema 786 –, afirmando que é incompatível com a Constituição
Federal a ideia de um direito ao esquecimento. A nomenclatura possui como sinônimo
“direito de ser deixado em paz” ou “direito de estar só”. Apesar disso, na mesma
decisão restou afirmado que eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade
de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos
parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da
imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas
previsões legais nos âmbitos penal e cível.
O que se verifica, portanto, é que neste caso, em que as fotos da necrópsia de
Marília Mendonça foram amplamente divulgadas e, havendo atuação jurisdicional no
caso, o direito ao esquecimento, sob os fundamentos da Tese de Repercussão Geral –
Tema 786 – do STF, perfeitamente poderá ser observado. Isso pois, conforme visto,
nenhuma pessoa, nenhuma mulher, sequer nenhuma famosa, pode ser exposta em tal
situação depreciativa e constrangedora.
Para além, indaga-se: e se não fosse Marília? E se fosse Maria? Ou seja, caso se
tratasse de qualquer outra mulher que ocupasse outro cargo profissional, ou até
mesmo uma mulher sem vínculo empregatício, será que a pessoa que iniciou a
divulgação das fotografias da autópsia teria motivação para fazê-lo? Qual a real
motivação para que o ser humano propague as informações confidenciais da morte de
alguém? Não se pode afirmar, ao menos por ora, o que leva ao delito de vilipêndio,
contudo, no caso em comento, pode-se concluir que muito provavelmente, em
consonância com o que aduz Wolf (1990, p. 25), “uma mulher linda como um milhão
de dólares, uma beleza de primeira classe, o seu rosto é a sua fortuna.”
SUMÁRIO

234 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se verifica, infelizmente, é que apesar da ampla proteção dos direitos
fundamentais, eles permanecem sendo violados diariamente. Apesar de o presente
estudo ter se dedicado a um caso de conhecimento internacional, tem-se ciência de que
isso ocorre corriqueiramente com aqueles que ocupam as mais diversas áreas
profissionais, e não apenas com pessoas famosas. Assim, é possível concluir que, da
mesma maneira como o direito à imagem e à honra são inerentes a todos os cidadãos,
sua violação também ocorre de maneira indistinta.
Destaca-se, então que, não se tratando de vítima famosa, ou até mesmo de uma
mulher famosa, tais delitos passam invisíveis. Ou seja, é preciso que o olhar se volte a
esses casos, mesmo que partam de situações que envolvem a fama, justamente para
evitar, ainda que minimamente, que tais situações se tornem normais e de plena
aceitabilidade por todos.
Palavras-chave: Direitos fundamentais. Direito à imagem. Direito à honra. Direito
ao esquecimento. Marília Mendonça.

REFERÊNCIAS
BRASIL (Constituição, 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
h�ps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 maio 2023.

NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Juspodivm, 2019.

STF. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: h�ps://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.


asp?num=786. Acesso em: 04 maio 2023.

TWITTER. Marília Mendonça. Publicado em: 13 ago. 2019. Acesso em: 05 maio 2023.

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro:
Rosa dos Tempos, 1990.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 235

39
CORPOS TRANS, BIOPODER E O (NÃO) DIREITO À CIDADE

TRANS BODIES, BIOPOWER AND THE (NOT) RIGHT TO THE CITY

Artigo produzido junto ao componente curricular “Direitos das minorias, biopolítica e


mobilidade urbana”, vinculado ao curso de Doutorado em direitos humanos (PPGDH) da
Unijuí-RS, e ministrado pelo Prof. Dr. Maiquel Wermuth, em 2022/II.

Lucimary Leiria Fraga


Doutoranda em Direitos Humanos (UNIJUÍ). Bolsista integral PROSUC/CAPES. Mestra em
Direito (URI). Mestra em Desenvolvimento e Políticas Públicas (UFFS). Bacharela em Direito
(URI). Pós-graduanda em Direito da criança, do adolescente e do idoso (PROMINAS).
Membro do Grupo de Pesquisa Direito ao desenvolvimento e seus territórios: história, forma
e possibilidades para o Noroeste Rio-Grandense (UFFS/CLACSO). Membro do Grupo de
Pesquisa Fundamentação crítica dos Direitos Humanos (PPGDH-UNIJUÍ). E-mail:
lucimary23@hotmail.com.

Aline Rodrigues Maroneze


Mestranda em Direito pelo PPGD da URI, Campus Santo Ângelo/RS. Bolsista CAPES/
PROSUC. Integrante do Grupo de Pesquisa registrado no CNPQ Direitos Humanos e
Movimentos Sociais na sociedade multicultural, vinculado ao PPG Direito - Mestrado e
Doutorado da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI),
campus Santo Ângelo/RS. Mestra em Desenvolvimento e Políticas Públicas pelo PPGDPP,
da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus de Cerro Largo/RS. E-mail: aline_
maroneze@yahoo.com.br.

Da�ini Carneiro da Silva


Mestranda em Direitos Humanos (UNIJUI). Bolsista Parcial (UNIJUI/FIDENE). Bacharel em
Direito (URI). Advogada. Integrante do grupo de pesquisa Direitos Humanos, Governança e
Democracia (PPGD UNIJUI). E-mail: da�inicarneirodasilva@gmail.com.

INTRODUÇÃO
As Transidentidades, ou, as corpas Trans, por intermédio de suas vivências e
resistências buscam, diuturnamente, ultrapassar a visão de mundo (ainda) pautada no
binarismo de gênero, justamente por compreenderem que a manutenção desta norma
(de matriz heterossexual) tem suas raízes fincadas no colonialismo e no patriarcado, os
quais buscavam (e buscam) higienizar a sociedade, deixando à margem o que (e
quem) era (é) visto como “imoral”. Neste contexto, as mulheres que se afirmam
SUMÁRIO

236 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

enquanto Trans, são, antes de tudo, corpas descolonialistas e não-binárias, uma vez
que suas vivências se constroem para além da polaridade macho-fêmea e das esferas
de dominação e invisibilidade. Nesta perspectiva compreende-se que o biopoder e
seus mecanismos de ação podem, em alguma medida, não somente reforçar práticas
que violação e subalternização dos corpos e sexualidades, mas, ao mesmo tempo,
fortalecer a ideia de que alguns indivíduos permaneçam no limbo da sociedade, nos
não-lugares.
Partindo destas premissas, este resumo expandido busca compreender e
responder a indagações que se detém em analisar de que forma (e se) o modelo binário
(ainda) existente na sociedade produz não-lugares destinados às corpas Trans.
Objetiva-se adentrar nesta reflexão justamente por se defender que, na atualidade, não
se compreende possível que estas mulheres sejam deixadas à margem, tão somente
por buscarem viver e sentir a existência distantes do modelo binário pré-determinado.

O BIOPODER E OS CORPOS TRANS: DEVIRES (IM) POSSÍVEIS


Os corpos, ao transitarem e se expressarem na sociedade, inscrevem nos espaços
suas subjetividades e vivências, ao passo que, igualmente, sofrem interferências
externas em suas (des) construções. Deste modo, a (des) construção dos sujeitos é,
inegavelmente, atravessada pelo ir e vir dos corpos. O ato de desvalorização de alguns
indivíduos e grupos, portanto, compõe práticas ligadas à biopolítica, atingindo não
somente os corpos, mas também as sexualidades, os desejos e as subjetividades. Nesta
perspectiva, relembrando os ensinamentos de Foucault (2002), percebe-se que as
estratégias fortalecidas por meio do biopoder articulam no espaço e no tempo
mecanismos que almejam a docilidade e obediência dos corpos, o que se pode chamar
de poder disciplinador, o qual tem por intuito a fabricação de contextos de submissão,
os quais iniciam já na infância e se ressignificam ao longo da vida.
Assim, no entendimento de Foucault (2002), os corpos e as sexualidades são,
igualmente, dispositivos históricos, na medida em que são atravessados pelo crivo e
controle das instituições familiares e religiosas, assim como (ainda em grande parte)
pelos saberes de cunho científico, ressalvados alguns avanços.
Neste sentido, no que se refere aos corpos Trans, os quais fazem parte da gama de
vivências atravessadas pelo biopoder e pela biopolítica, observa-se que os mesmos são
simbólica e materialmente classificados como “corpos matáveis”. Sobretudo, quando
Souza (2014, p. 411 e 412) menciona que a biopolítica “significa sempre a exposição da
vida à violência, consequentemente, ao poder da morte; e o exercício do poder
soberano implica em um jogo de inclusão e exclusão, característico do estado de
exceção [...]”.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 237


Com isso, compactua-se com o pensamento de Agamben (2004), na medida em
que, para o autor, o Estado de exceção se mostra como um paradigma de dominação
no corpo social e político, solapando distintas categorias sociais, e extirpando os
indivíduos e os corpos que divergem do padrão imposto pelos mecanismos de
biopolítica. Nesta ótica, as identidades e sexualidades constituídas na e pela diferença
tornam-se, por consequência, ambivalentes, tornando-se vistas e classificadas como
boas ou más, certas ou erradas, possíveis ou impossíveis, fomentando episódios e
práticas de violência, sejam estas na esfera material ou simbólica. Por outro lado, esta
perspectiva igualmente deixa evidente que a humanidade “limpa e moral” não se
mantém nesta lógica, haja vista que sua estrutura, visivelmente binária, jamais deu
conta da imensa pluralidade humana, sexual e identitária.
Neste contexto, as corpas Trans figuram como eixo central não apenas das
vivências construídas, mas, sobretudo, no que se refere ao “alvo” a ser atingido pelas
esferas de poder e exclusão existentes nas práticas cisheteronormativas. Por esta razão,
compreender a importância das corpas sinaliza, ao mesmo tempo, reconhecer que é na
e pela corpa, que estas mulheres reivindicam lugares de existência na sociedade.

O DIREITO À CIDADE E OS NÃO-LUGARES DESTINADOS ÀS MULHERES


TRANS NA SOCIEDADE
Para Jessé Souza, é na rua que vivem os subcidadãos, aqueles que não possuem
uma “casa”, é na rua que se comportam geralmente, de forma negativa, “limpamos
ritualmente a casa e sujamos a rua sem cerimônia ou pejo” (SOUZA, 1997, p. 15),
podendo se fazer uma analogia ao tratamento muitas vezes destinados aos corpos
Trans que utilizam a rua como meio para a prostituição, de modo que, o que na rua é
feito pode ser inferiorizado, e, quem na rua vive ou trabalha, parece ser esquecido,
empurrado para fora da divisão social, o mesmo ocorrendo com os corpos e
sexualidades que nela transitam. Neste contexto, surgem os não lugares, onde tal
representação é invisibilizada e muitas vezes interditada. Sob esta análise, rejeitando o
termo pós-modernidade, o autor trabalha o viés da supermodernidade, buscando o
cerne da sociedade complexa que, em sua visão, está em constante movimento, e, por
conseguinte, apresentando as mais variadas demandas, as quais perpassam pelo
terreno fluido das identidades, ocasionando disputas territoriais e conflitos, os quais
se entrelaçam a todo o momento à rua e aos não-lugares. Por outro viés, passa-se a
analisar o não-lugar dos corpos Trans enquanto um "espaço" paradoxal, e, por serem
diferentes, estas mulheres não são legitimadas nos espaços de vivências
heteronormativas, que, por consequência, consideram-se superiores ou detentores do
poder de determinar quais sujeitos merecem ocupar determinados lugares, e quais
vidas merecem ser vividas. Sob este aspecto, Naím afirma que há a nítida interferência
das relações de poder, que neste caso, se dão por meio de códigos morais,
SUMÁRIO

238 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

arremessados sobre as identidades divergentes. Observa-se, como relembra Foucault


(2005, p. 295), que o poder e seus desdobramentos interferem em todas as esferas
sociais, as quais vão desde o direito de fazer morrer, como e ao mesmo tempo, o
controle sobre como os indivíduos devem viver, sob a justificativa de um
melhoramento social. Neste caso, atenta-se para a necessidade de maior proteção e
reconhecimento das vidas Trans na sociedade, haja vista que estes corpos existem e se
inter-relacionam com o todo, sendo esta, uma realidade inegável. Para isso, é preciso
compreender que, para além de lugares proibidos ou permitidos, necessita-se apenas
de liberdade para que todos os corpos se constituam nos (não) lugares, ao mesmo
tempo que irão os constituir, processo este que se dará quando as diferenças passarem
a ser percebidas como positivas, e não mais como causa de exclusão e segregação, e,
para isso, um olhar permeado pela alteridade é fundamental e necessário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Ao longo desta reflexão teórica, observou-se que o caminho a ser percorrido
almejando avançar-se socialmente para um ideal de se compreender as (Trans)
identidades, haverá de se romper com a ideia de que estes sujeitos (mulheres Trans)
“habitam no corpo errado”, ou, ainda, que suas formas de expressão identitárias não
são válidas, partindo, então, para o reconhecimento de suas diferenças como parte de suas
identidades, como a geografia de seus corpos, pois assim, se caminhará para a garantia
de que homens e mulheres Trans possam viver com dignidade, cidadania e,
igualmente, com o sentimento de pertencimento a uma sociedade que deveria ser de
todos, sem qualquer hierarquia identitária.
Há que se desenraizar de uma luta por esta ou aquela identidade como
predominante e única, e perceber, na diferença, uma potencial ferramenta para uma
sociedade plural, diversa e democrática, livre de sanções sociopolíticas a quem é
diferente do que se compreende como ideal identitário, o que pode se dar, em um
primeiro momento, por meio do reconhecimento da alteridade como mola propulsora
para compreender os novos contextos identitários, os quais não buscam a dominação
sobre identidades binárias e, sim, partem da premissa de que o direito à liberdade de
seus corpos seja reconhecido.
Uma sociedade efetivamente plural, livre e democrática precisa romper com toda
e qualquer lógica que reconheça apenas pessoas cis e heterossexuais como capazes de
viver de forma plena e reconhecida, acessando todos os espaços sociais. A diversidade,
o reconhecimento e a liberdade de ser quem se é, precisam, urgentemente, tornarem-
se realidades palpáveis e possíveis. Por mais vidas Trans, por mais alteridade, por
mais cidadania.
Palavras-chave: Corpos Trans; biopoder; (não) direito à cidade.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 239


REFERÊNCIAS:
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.

AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Maria


Lúcia Pereira. Campinas-SP. Editora Papirus, 1994.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2002

HAESBAERT, R. Identidades territoriais. In: ROSENDAHL, Z.; CORRÊA, R. L. (Org.) Manifestações da


cultura no espaço. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999. p. 169-190.

REIS, Neilton. Gêneros não-binários: identidades, expressões e educação. Revista Reflexão e Ação, Santa
Cruz do Sul, v. 24, n. 1, p. 7-25, Jan./Abr. 2016.

REVEL, Judith. Dicionário de Foucault. Rio de Janeiro-RJ: Forense Universitária, 2011.

SAQUET, Marcos Aurélio. Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos -1. ed. São Paulo:
Expressão Popular: UNESP. Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2009.

SOUZA, Aedan Dougan Marques de. O corpo transgênero e o direito brasileiro: uma breve análise do
sistema jurídico brasileiro a respeito do não binário. Revista Docência e Cibercultura. Rio de janeiro. v. 3,
n.2, agosto de 1997.

TRINDADE, Thiago Aparecido. Direitos e Cidadania: reflexões sobre o direito à Cidade. Lua Nova: Revista
de Cultura e Política. CEDEC, n. 87, p. 139-165, 2012.
SUMÁRIO

240 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

40
POLÍTICAS PÚBLICAS ADOTADAS DURANTE A COVID-19
PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO
RIO GRANDE DO SUL

PUBLIC POLICIES ADOPTED DURING COVID-19 TO CONFRONT


DOMESTIC VIOLENCE IN RIO GRANDE DO SUL

Trabalho desenvolvido a partir da Disciplina de Gênero do Programa de Mestrado em


Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Luíse Pereira Herzog


Advogada; Mestranda em Direito e Justiça Social pela FURG, especialista em Direito
Constitucional. E-mail: luisepherzog@gmail.com.

Thalyta Karina Correia Chediak


Advogada, Mestre em Educação pela UNIR; Mestranda em Direito e Justiça Social pela
FURG. E-mail: chediakthalyta@gmail.com.

INTRODUÇÃO
O isolamento social por decorrência do COVID-19 alterou a rotina de muitas
pessoas, em especial no que tange a dinâmica familiar. De acordo com a pesquisa
realizada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), houve aumento
significativo dos casos de violência doméstica durante pandemia.
Diante deste cenário, nos questionamos quais as medidas adotadas pelo governo,
para a proteção das mulheres, durante as situações de violência doméstica ocorridas
no período de isolamento social. Para tanto, o presente artigo propõe a discussão sobre
o aumento de casos de violência doméstica e familiar durante o período do isolamento
social, em razão do coronavírus, a fim de investigar quais medidas adotadas pelos
administradores públicos para o enfrentamento da violência doméstica no Rio Grande
do Sul.
Dessa forma, estabelecemos como objetivos específicos: a) apresentar dados sobre
a violência doméstica durante a pandemia covid-19 (2019-2022) no Rio Grande do Sul;
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 241


b) investigar o conceito de violência doméstica, destacando o ciclo da violência, como
acontece nas vidas destas mulheres; c) identificar as políticas públicas aplicadas
durante a pandemia covid-19 para o enfrentamento da violência doméstica no Rio
Grande do Sul.
A pesquisa, de abordagem qualitativa, de natureza documental está dividida em
três partes. Na primeira, serão apresentados índices sobre aumento da violência
doméstica com relação aos anos de 2019, 2020 e 2021, no Rio Grande do Sul. Na
segunda parte, propomos a investigação sobre o conceito de violência doméstica,
destacando o ciclo da violência. Na terceira parte, buscamos identificar as políticas
públicas de enfrentamento e acolhimento, adotados pelos órgãos competentes
durante a pandemia no Rio Grande do Sul. O estudo do tema é de suma importância,
diante do aumento significativo no número casos de violência doméstica em
comparação com os anos anteriores no Rio Grande do Sul.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em janeiro de 2020, a Organização Mundial Saúde (OMS) teve que declarar que
o surto pelo coronavírus causou Emergência de Saúde Pública de Importância
Internacional. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020), o
cenário da pandemia corroborou para, de um lado, o aumento de casos de violência
doméstica, e, de outro, a diminuição do número de denúncias desta natureza, vez que
as mulheres não conseguiam realizar as denúncias diante da proximidade com o
parceiro.
Parreiras (2020) explica que culturalmente ameaças e agressões psicológicas ainda
não são encaradas como tipos de violência contra a mulher. Diante disso, com base nos
dados fornecidos pela Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio
Grande do Sul (PROCERGS), apresentamos o balanço geral do Rio Grande do Sul
relacionado a violência doméstica, incluindo como crimes a ameaça e a lesão corporal.
No início do ano de 2021, percebe-se que houve um aumento no número de ameaças
e lesão corporal em comparação com dezembro de 2020.
Apesar do aumento dos números de violência e lesão corporal, os dados
apresentados pela PROCERGS (2021), os casos de feminicídio em janeiro e fevereiro
do ano 2020 e 2021 mantiveram o mesmo índice, sendo, 10 casos de feminicídio
consumado no mês de janeiro, já no mês de fevereiro foram 4 em ambos os anos.
Contudo, no que tange o feminicídio tentado houve aumento significativo. Em janeiro
de 2021 houve 33 casos e em fevereiro deste mesmo ano teve 24 casos. Já no ano de
2020 em janeiro teve 23 casos e 25 casos no mês de fevereiro de 2020. Portanto, tendo
como base a comparação janeiro e fevereiro de 2021, é possível verificar um aumento
SUMÁRIO

242 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

no número de tentativas de feminicídio no estado do Rio Grande do Sul, em


comparação com os meses de janeiro e fevereiro do ano de 2020.
É possível observar uma queda no número de ocorrências de violência doméstica
de 2019 a 2020. Apesar aparente positivo, tais dados levam a crer a existência de
subnotificação, ou seja, a ausência de denúncias de violências iniciais, visto que, com
base nos dados apresentados pelo Observatório da Violência contra a Mulher da
Secretaria de Segurança Pública, houve um aumento nos índices de feminicídio
consumado entre os anos de 2019 e 2020. Portanto, é possível compreender que os
casos de violência se intensificaram antes de chegar na delegacia.
A violência doméstica e familiar tem por conceito na nossa legislação que é uma
violência que se estabelece no âmbito de relações desiguais baseadas no gênero, na
condição da mulher. Basilio (2020) explica que independentemente de como diminuir
a capacidade moral, física, psicológica da mulher é considerado como violência. Por
conta disto, a mulher necessita de um apoio para compreender o poder e o potencial
que possui.
É importante destacar que o aumento da violência doméstica se dá também por
diversos outros fatores a exemplo da perda ou a diminuição da renda familiar,
desemprego, sobrecarga dos afazeres domésticos, necessidade de cuidados com os
filhos com o ensino remoto das escolas, aumento no consumo de bebidas alcóolicas,
afastamento da vítima de seus amigos e familiares, entre outros que geram aumento
de estresse nas relações domésticas.
Dias afirma (2019, p. 22) que o “ciclo da violência é perverso”. Por um primeiro
momento começa com o silêncio acompanhado da indiferença. Em seguida começam
as reclamações, proibindo e reprovando. Após, começam as punições e os castigos,
deixando de ser violência psicológica e passando a se tornar violência física.
Naturalmente a vítima passa a ter explicações e justificativas para o modo de agir de
seu parceiro. Dessa forma, acredita que o seu parceiro está em uma época ruim, e tenta
agradá-lo e ser mais acessível com ele.
Por conta do isolamento social, determinadas mulheres são presas com seus
agressores, afastadas de pessoas e de recursos que podem ajudá-las. E poucas
mulheres acabam procurando ajuda, e outra parte destas mulheres não sabem quais
órgão podem auxiliá-las. Ortega (2021) explica que a violência deu fim a vida de
muitas mulheres, bem como o Coronavírus, A ONU Mulheres informou que todos os
dias, 137 mulheres são agredidas por seus familiares, sendo este um número indicado
antes da pandemia, o mais recente, podendo ter crescido após o isolamento.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 243


O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019) alertou sobre o aumento da
taxa de desemprego, especialmente para mulheres, e o setor de serviços foi o mais
afetado durante a pandemia mundial. Em razão disso, foram apresentados projetos de
lei para proteger a mulher das violências doméstica e familiar durante a pandemia do
covid-19. Mesmo diante dos estudos que indicavam tal aumento dos índices de
violência doméstica, tais meditas foram somente apresentadas depois que o Ministério
da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos passou a receber um aumento de 9%
das chamadas para o número de 180 após o início da pandemia, conforme dados
apresentados pelo Senado Federal em 2020.
O ano de 2020 mostrou um cenário relativamente grave em relação a violência
doméstica, em razão da pandemia do Coronavírus, devido ao aumento de violência e
feminicídios. No Rio Grande do Sul, os feminicídios aumentaram de 20% a 25%. Em
razão disto, o Tribunal de Justiça gaúcho está realizando várias ações para evitar este
tipo de violência, por exemplo a campanha #RespeitaAsGurias, que são depoimentos de
mulheres que sofreram violência doméstica e estas informam como devem fazer as
denúncias.
A divulgação será feira por rádios e redes sociais. O Tribunal também apoia
outras campanhas sendo elas, o usa de Máscara Roxa, que tem em farmácias como
ponto de referência. Também, apoia a campanha Sinal Vermelho, em que as vítimas de
violências domésticas vão em farmácias em todo o país que aderirem a esta campanha
com um sinal vermelho na mão para identificar o pedido de ajuda.
Os órgãos de segurança pública devem divulgar campanhas em todos os locais
para haver a comunicação direta com as vítimas, bem como poder ter o
compartilhamento dos documentos nas redes sociais, para poder ter um atendimento
virtual em circunstâncias de violência doméstica contra a mulher, idoso, criança e
adolescente, contudo, não são obrigados a aplicar tais medidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, através da análise de dados da Segurança Pública, percebeu-se que
houve uma queda nas denúncias de ameaça e de lesão corporal. Mas, é possível
analisar um aumento relevante nos casos de tentativa de feminicídio ao comparar os
dados do ano de 2020 e 2021. Então percebe-se que os casos estão chegando na
delegacia quando o pior já aconteceu.
Dessa maneira, ao se tratar das políticas públicas para o enfrentamento da
violência doméstica contra as mulheres durante a pandemia, todas as opções dadas no
decorrer deste artigo são válidas. Pois através delas as vítimas passaram a ter
conhecimento de como denunciar – facilitando a vida destas mulheres, a possibilidade
SUMÁRIO

244 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

da denúncia online – e assim, estas vítimas passaram a se sentirem mais acolhidas e


protegidas de certo ponto. O Estado, portanto, deve estimular juntamente com a
sociedade, políticas públicas para que as mulheres possam ter o direito à vida sem
violência e segura.
Palavras-chave: Violência Doméstica. Políticas Públicas. Direito da Mulher.

REFERÊNCIAS
BASILIO, Ana Tereza. A violência Doméstica durante a Covid-19. Conjur. Publicado em 29 jul. 2020.
Disponível em: h�ps://www.conjur.com.br/2020-jul-29/ana-tereza-basilio-violencia-domestica-durante-
covid-19. Acesso em 13 mar. 2021.

COLL, Liana. Aumento da violência contra as mulheres tem relação com o avanço do conservadorismo.
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2020/04/16/projetos-buscam-garantir-atendimento-a-mulheres-vitimas-de-violencia-durante-pandemia.
Acesso em mai de 2023.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 245

41
O BIOPODER E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DE GUERRA NO
SÉCULO XXI: uma perspectiva a partir de Michael Hardt e Antonio Negri

THE BIOPOWER AND THE NEW CONFIGURATIONS OF WAR IN THE


21ST CENTURY: a perspective from Michael Hardt and Antonio Negri

Mariana Chini
Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Bolsista pelo Programa de Cooperação Acadêmica em
Segurança Pública e Ciências Forenses - PROCAD/CAPES. Mestra na área de Novos
Paradigmas do Direito pela Universidade de Passo Fundo - UPF. Especialista em Direito do
Trabalho e Processo Trabalhista pelo Centro Universitário Internacional – UNINTER.
Especialista em Teologia pela Universidade Estácio de Sá – UNESA. Bacharela em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo – UPF. Bacharela em Filosofia pela
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Integrante dos Grupos de Pesquisa:
“Dimensões do Poder e Relações Sociais” e “Biopolítica e Direitos Humanos”, ambos
certificados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
Professora de Direito no Centro de Ensino Superior Riograndense - CESURG. E-mail: mar.
chini@hotmail.com.

Gabrielle Scola Dutra


Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ com Bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior CAPES, sob orientação da Professora Pós Doutora Janaína Machado Sturza.
Mestre em Direitos Especiais pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões – URI, campus Santo Ângelo. Especialista em Filosofia na Contemporaneidade pela
URI. Especialista em Direito Penal e Processual prático contemporâneo pela Universidade de
Santa Cruz do Sul - UNISC. Professora Universitária do Curso de Direito da Universidade
Regional do Noroeste do estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ) e da Faculdade de
Balsas/MA (UNIBALSAS). Membro do grupo de pesquisa: “Biopolítica e Direitos
Humanos”, cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Direitos Humanos, Mestrado e Doutorado da UNIJUÍ. Advogada. E-mail: gabrielle.
scola@unijui.edu.br.

Janaína Machado Sturza


Pós doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/
Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em
Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, lecionando na graduação
em Direito e no Programa de pós-graduação em Direito - mestrado e doutorado. Integrante
da Rede Iberoamericana de Direito Sanitário. Integrante do grupo de pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS – PqG Edital N° 05/2019.
Pesquisadora Universal CNPq - Chamada CNPq/MCTI/FNDCT N° 18/2021. E-mail:
janasturza@hotmail.com.
SUMÁRIO

246 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

INTRODUÇÃO
A pesquisa elaborada tem por escopo tratar da temática do biopoder, mais
especificamente no que tange ao seu papel em relação às novas configurações de
guerra dispostas no século XXI.
Enquanto problemática, está presente o questionamento acerca da concepção de
Michael Hardt e Antonio Negri sobre o assunto, visando compreender qual sua
perspectiva acerca das novas configurações de guerra no presente século a partir de
um viés biopolítico.
A hipótese inicial é a de que a guerra se apresenta no século XXI como um regime
de biopoder, desconfigurando-se em alguns aspectos e moldando-se à nova realidade
por meio de funções de controle e policiamento constante, dando espaço a um estado
de exceção permanente.
Visando alcançar uma resposta adequada ao questionamento proposto, portanto,
será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, com auxílio de método de
procedimento essencialmente bibliográfico, tendo como marco teórico principal, os
autores, - americano e italiano, respectivamente -, Michael Hardt e Antonio Negri.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por meio de uma investigação que se inicia em fonte foucaultiana, compreende-se
que, por muito tempo, a guerra foi considerada a continuação da política por outros
meios - conforme proposto por Clausewi� -, vindo a receber novos contornos quando
Michel Foucault propõe a inversão de tal aforismo, asseverando que, em verdade, a
política é que consiste na "guerra continuada por outros meios" (FOUCAULT, 1999, p.
22-23). A partir dessa perspectiva, abre-se um leque de possibilidades para tratar-se a
guerra no século XX (e, em vários aspectos, também no século XXI).
Todavia, uma dupla de autores aprofunda o disposto por Foucault, ao incorporar
a realidade latente no presente século à equação. Referidos autores são o americano
Michael Hardt e o italiano Antonio Negri, que inauguram uma triologia para tratar
das novas formas de soberania e de capitalismo mundial integrado no novo século,
iniciando sua jornada a partir da conceituação de uma nova forma global de economia
denominada como Império.
Retomando as concepções de Foucault (1999, p. 289), verifica-se que o autor
inaugura a ideia de biopolítica enquanto uma nova forma de governamentalidade da
população que, embora não abandone o disciplinamento, traz como centralidade os
mecanismos de controle.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 247


Nessa distinção, passa-se a tratar não apenas de um disciplinamento do ser
individual, mas sim, de um controle da espécie humana, sentido em que, depois do
que Foucault chama de uma "anátomo-política do corpo humano" - que se teria
instaurado ao longo do século XVIII -, apareceria - ao fim do mesmo século -, "algo que
já não é uma anátomo-política do corpo humano", mas que o autor chamou de uma
“biopolítica” da "espécie humana" (FOUCAULT, 1999, p. 289).
Embora iniciando-se como uma forma de controle, que excede o disciplinamento,
essa nova forma de governamentalidade da população, denominada como biopolítica,
ganha, na modernidade, o contorno de uma espécie de sofisticação do fenômeno da
guerra.
Compreender, portanto, no contexto foucaultiano, a política como uma forma de
continuação da guerra por outros meios, é compreender também que

as lutas políticas, os enfrentamentos a propósito do poder, com o


poder, pelo poder, as modificações das relações de força -
acentuações de um lado, reviravoltas, etc, tudo isso, num sistema
político, deveria ser interpretado apenas como as continuações da
guerra. E seria para decifrar como episódios, fragmentações,
deslocamentos da própria guerra. Sempre se escreveria a história
dessa mesma guerra, mesmo quando se escrevesse a história da
paz e de suas instituições (FOUCAULT, 1999, p. 22-23).

Tal proposição esclarece, em um contexto moderno, que as instituições


governamentais passam a ser utilizadas como armas de guerra e as interações políticas
são tidas como sua munição.
Não obstante, indo além de uma perspectiva calcada na modernidade e
alcançando uma realidade "pós", é interessante perceber que não são apenas as
dimensões centrais de poder, representadas pelos sistemas políticos, as que agem para
perpetuar as interações bélicas.
É nesse horizonte, portanto, que se considera fundamental ir além de Foucault,
analisando a perspectiva contemporânea de Michael Hardt e Antonio Negri, os quais
trabalham novas interpretações sobre os conceitos de biopoder e biopolítica, bem
como sobre o fenômeno da guerra, em especial em sua triologia - Império, Multidão e
Bem-estar comum -, publicada pós 11 de setembro.
Verifica-se que, os autores consideram o biopoder como “nova figura da
soberania e do comando financeiro sobre o trabalho” e a biopolítica, por sua vez,
enquanto “terreno no qual a força de trabalho exercitava, a um só tempo, tanto a sua
capacidade produtiva quanto a sua resistência, onde sofria alienação mas ao mesmo
SUMÁRIO

248 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

tempo expressava novas maneiras de recusa ao trabalho sob a forma de ‘êxodos’”


(NEGRI, 2016, p. 94).
Nesse sentido, entende-se o biopoder como aquele que é voltado para o Império,
consistente em uma nova forma global de economia que refunda o conceito de
soberania através de uma lógica biopolítica, regulando permutas globais e ocorrendo
em uma realidade pós-moderna onde “todos os fenômenos e forças são artificiais, ou,
como diriam alguns, parte da História” (HARDT; NEGRI, 2001, p. 207).
Desse modo, ao passo em que o biopoder exerce comando, a biopolítica aparece
de forma subdividida entre dois exercícios que se altercam e disputam entre si, quais
sejam: o de deixar-se comandar pelo biopoder ao mesmo tempo em que se busca fugir
de seu comando.
De acordo com Bordin (2004, p. 51), a partir da passagem da sociedade disciplinar
para a sociedade de controle - em conjunto com a natureza biopolítica do novo
paradigma do poder -, passa a guerra se tornar também um meio de controle,
apresentado enquanto uma "ampla função policial permanente".
Do mesmo modo, Wermuth (2012, p. 3) refere que desde o fim do século XX e
início do século XXI, "a retórica da guerra passa a ser usada para fazer referência a
atividades muito diferentes da guerra propriamente dita”.
Ao abordar Hardt e Negri, portanto, Wermuth e Zeifert (2019, p. 240) deslindam
que uma guerra para criar ou manter a ordem social não pode ter fim, de modo a
envolver, como dizem os próprios autores, "necessariamente o contínuo e ininterrupto
exercício do poder e da violência” (HARDT; NEGRI, 2005, p. 35), sentido em que, a
guerra na contemporaneidade perde seus limites temporais e espaciais.
Primo (2019, p. 43) explica o mesmo preceito hardt-negriano em outras palavras,
ao referir, que:

Nesta conjuntura, portanto, as condições e a natureza da guerra


mudaram. As fronteiras entre ações policiais e intervenções
militares, entre política interna e externa tornaram-se
indiscerníveis, de modo que o estado de guerra atual não poderia
ser entendido à luz das velhas guerras modernas entre Estados-
nação soberanos, guiadas pelas convenções e tratados do direito
internacional e realizadas por períodos limitados no tempo e
determinados no espaço.

A estética da guerra, portanto, passa a ser outra, assim como seu(s)


fundamento(s) e sistemas de produção e continuação. Não se trata mais de conflitos
específicos, com objetivos previamente delineados. Trata-se agora de (in)constância no
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 249


tempo, expansão no espaço e indiscernibilidade de objetivos. Trata-se de indefinição e
presença constante. Essa é a guerra no século XXI. Essa é a vida na pós-modernidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa delineada objetivou tratar do papel do biopoder nas novas
configurações de guerra presentes no século XXI, a partir do questionamento acerca da
perspectiva dos autores, americano e italiano, Michael Hardt e Antonio Negri.
Visando verificar a pertinência da hipótese inicial - de que a guerra se apresenta
no século corrente como um regime de biopoder, desconfigurando-se em alguns
aspectos e moldando-se à nova realidade por meio de funções de controle e
policiamento constante, dando espaço a um estado de exceção permanente -, utilizou-
se o método de abordagem hipotético-dedutivo, auxiliado pelo método de
procedimento bibliográfico, cujo marco teórico central foram Hardt e Negri,
chegando-se à consideração de que a hipótese proposta resta comprovada.
Palavras-chave: Biopoder. Biopolítica. Guerra. Hardt e Negri. Século XXI.

REFERÊNCIAS
BORDIN, Luigi. Império e multidões no pensamento filosófico-político de Antonio Negri. Filosofia
Unisinos. Vol. 5, nº 9, Jul/Dez, 2004, p. 45-61.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução: Maria
Ermantina Galvão. - São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Bem-estar comum [recurso eletrônico].Tradução Clóvis Marques. – 1.
ed. – Rio de Janeiro: Record, 2016.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Tradução de Berilo Vargas. 2ª Edição – Editora Record: Rio de
Janeiro, 2001.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005.

NEGRI, Antonio. Quando e como li Foucault. Organizado e traduzido por Mario Antunes Marino. - São
Paulo: n-1 edições, 2016.

PRIMO, Guilherme de Brito. A guerra como regime de biopoder: um estudo em Giorgio Agamben e
Antonio Negri. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Filosofia, PUCRS, 2019.

WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Direito penal (d)e guerra: notas sobre uma (in)distinção conceitual.
Revista dos Tribunais | vol. 915/2012 | p. 249 - 275 | Jan / 2012. Disponível em: h�ps://www.
revistadostribunais.com.br/maf/app/search/run - Acesso em: 17 abr. 2023.

WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; ZEIFERT, Ana Paula Bage�i. O conflito como condição humana? Os
limites da ação e as consequências para a convivência pacífica. Revista Videre, Dourados, MS, v. 11, n. 21,
jan./jun., 2019.
SUMÁRIO

250 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

42
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO MERCADORIA
OFERTADA PARA ENTRETENIMENTO NO CONTEXTO DO
CAPITALISMO GORE

VIOLENCE AGAINST WOMEN AS A MERCHANDISE OFFERED FOR


ENTERTAINMENT IN THE CONTEXT OF GORE CAPITALISM

Trabalho desenvolvido no contexto do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos,


da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ.

Melina Macedo Bemfica


Doutoranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
da UNIJUÍ. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos. Ijuí, Rio
Grande do Sul, Brasil. E-mail: melinabemfica@gmail.com

Ana Luísa Dessoy Weiler


Mestranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
da UNIJUÍ. Bolsista PROSUC/CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos. Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: anadessoyweiler@hotmail.com

Juliana Tozzi Tietböhl


Mestranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
da UNIJUÍ. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos. Ijuí, Rio
Grande só Sul, Brasil. E-mail: jutietbohl@hotmail.com

INTRODUÇÃO
Nada mais cotidiano que imaginar uma família ligando seu aparelho de televisão
no horário nobre, uma criança que acessa um vídeo curto postado em uma rede social
ou um adolescente que assiste séries em seu serviço de streaming. Tais acontecimentos,
comuns na vida diária, alimentam uma indústria que movimenta trilhões de dólares,
qual seja, a indústria do entretenimento.
Além de conteúdos apropriados para pessoas em todas as faixas etárias, são
oferecidos filmes, séries e vídeos que retratam abusos físicos, psicológicos, financeiros
e sexuais contra as mulheres. Considerando tal cenário, o presente trabalho visa
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 251


discutir o oferecimento produtos de entretenimento que contenham violência contra a
mulher a partir do conceito de capitalismo gore, desenvolvido na obra homônima de
Sayak Valencia.
Portanto, o resumo expandido visa responder em que medida a violência contra
a mulher foi transformada em produto para entretenimento dentro do contexto de um
sistema que lucra com as imagens de violência, qual seja, o capitalismo gore. Partimos
da hipótese que a violência contra a mulheres, além de ser comum no cotidiano das
brasileiras, também é reproduzida pela mídia como forma de entretenimento.
A partir dos conceitos de capitalismo gore, mercadoria e entretenimento, o
presente trabalho analisará, através da abordagem fenomenológica, a utilização da
violência contra a mulher como fonte de entretenimento no contexto social atual.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As tentativas de explicar o sistema capitalista atravessam sua história, razão pela
qual grandes teóricos como Max Weber (2006) e Karl Marx (2004) dedicaram parte de
sua obra a uma tentativa de entender o funcionamento que Marx chamou de modo de
produção e Weber considerou como organização racional baseada no trabalho
formalmente livre.

Com o desiderato de explicar o capitalismo em sua forma atual, Valencia (2021;


2010) entende que é necessário partir da violência, conceito que inclui seu exercício
fático e sua relação com o midiático e com o simbólico. Em sua visão, a violência é
parte fundante do capitalismo gore, termo emprestado do cinema para se referir a
uma forma de violência extrema, cruenta, persistente e repleta de derramamento de
sangue.

Em que pese o correr da história haver sido marcado pela violência, Valencia
(2010) esclarece que o século XX foi o mais brutal entre os últimos 10 séculos. Tal
violência foi radicalizada através do neoliberalismo e da globalização até alcançar, no
século XXI, a realidade gore, momento em que a violência se torna uma episteme, uma
forma de interpretar a realidade.

A marca de tal realidade é o uso da violência para gerar benefício econômico. Tais
benefícios são colhidos através da espetacularização da violência nos meios de
comunicação e, também, através da prestação de serviços criminosos como o tráfico de
drogas, assassinatos mediante pagamento, tráfico de órgãos e de pessoas, entre outros.
(VALENCIA, 2010)
SUMÁRIO

252 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Marx (2013) esclarece que "a riqueza das sociedades onde reina o modo de
produção capitalista aparece como uma enorme coleção de mercadorias." Nesse giro,
a mercadoria é algo que através de suas propriedades satisfaz qualquer das
necessidades humanas. Em tempos de capitalismo gore, a violência é uma mercadoria,
facilmente distribuída nos meios de comunicação e rapidamente disponibilizada para
aquelas que por ela podem pagar.

Nesse contexto, a violência, assim como gêneros alimentícios e de vestuário, pode


ser consumida, adquirida como mercadoria. No capitalismo gore, qualquer cidadão
pode disfrutar do mercado de "produtos" gore, sejam eles reais, como a contratação de
assassinos de aluguel ou imagéticos, como ocorre na indústria do entretenimento.
(VALENCIA, 2010)

Em seus diálogos com a cultura pop, a autora traça paralelos entre séries e jogos
de vídeo game com a realidade gore, explorada através das imagens transmitidas na
televisão. Em sua visão, tais conteúdos são exemplos de como a televisão transformou
o submundo em algo lucrativo, um programa a ser consumido pelas pessoas ao redor
do mundo. (VALENCIA, 2010)

Dessarte, Valencia (2010) esclarece que as mulheres têm convivido com extrema
violência física e psicológica e, mais recentemente, com a violência adicional veiculada
pela mídia; estes têm feito parte do nosso dia a dia e da nossa educação. A violência
tem sido um núcleo elemento na construção de um discurso que assume que as
condições de vulnerabilidade e violência são o destino manifesto das mulheres.

Em suma, os produtores de conteúdo lucram através da utilização da violência


como forma não apenas de informar, mas também de entreter. Na visão de Carvalho
e outros (2016) a mídia hodierna está mais preocupada com o lucro em detrimento da
qualidade de seus conteúdos. Refletindo especificamente sobre a violência contra
mulher, os autores esclarecem que "a forma como a mídia trata a questão, as
concepções que têm a respeito do tema, as expressões elaboradas ou reiteradas por ela
manifestam peculiaridades do aparato ideológico dominante o qual atua no
desenvolvimento da sociabilidade."

Nesse sentido, a violência contra a mulher, além de ser uma dura realidade
sentida por milhares de brasileiras, é produzida e consumida como produto, fato que
ocorre através de sua reprodução como forma de entretenimento. Portanto, a atuação
da mídia acaba por ser fonte mais uma fonte de fortalecimento e reprodução do
patriarcado. (CARVALHO et al., 2016)
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 253


Para ilustrar tal situação, Valencia (2010) usa como referência o jogo de vídeo
game Grand Theft Auto: San Andrés, que permite aos jogadores manter relações sexuais
com prostitutas e matá-las para obter o dinheiro pago pelo serviço de volta. No mais,
diversos programas televisivos veiculam narrativas que contém violência contra a
mulher, entre eles, Bom Dia, Veronica, Big Li�le Lies, Maid, Você e o Conto da Aia.

Valencia (2010) esclarece que séries, filmes e jogos são ricos para ilustrar a venda
da violência como fonte de entretenimento e sua consequente aceitação como forma
de vida. Isso porque, no contexto de séries e programas de televisão, a atuação violenta
é glorificada e suas reais consequências são minimizadas.
Não há como negar que séries, filmes, jornais, novelas, músicas, vídeos são
mercadorias inseridas dentro das lógicas do mercado. Portanto, as pessoas que
produzem tais mercadorias o fazem guiadas, entre outras razões, pelo desejo de
produzir lucro. Dessarte, a violência contra a mulher, como fenômeno presente em
conteúdos reproduzidos nos meios de comunicação, pode ser encarada como um
produto audiovisual a ser consumido pelos mais diversos tipos de telespectadores.
Em que pese noticiários, filmes e séries serem mercadorias, é necessário esclarecer
que retratar a violência contra a mulher nem sempre gerará efeitos deletérios.
Dessarte, conforme informado pelo Instituto Patrícia Galvão (2023) "a imprensa possui
um papel estratégico na formação da opinião e na pressão por políticas públicas." Tal
papel pode ser "utilizado para contribuir para ampliar, contextualizar e aprofundar o
debate sobre a violência de gênero", produzindo conteúdos que não atuem como
cúmplices na violência contra a mulher, mas sim atuem na prevenção, repressão e
desnaturalização da violência.
Deste modo, existem iniciativas para que a cobertura jornalística de situações de
violência de gênero seja feita a partir de boas práticas, que busquem empatia e respeito
com as vítimas, informem formas de denúncia e de acolhimento para os consumidores
e, sobretudo, não culpabilizem a vítima ou disseminem estereótipos de gênero.
(SPITZNER, 2020)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da reflexão realizada por Sayak Valencia, a marca do capitalismo atual,
em sua versão gore, é o uso da violência para gerar benefício econômico. No citado
contexto, imagens de violência são exibidas para milhares de pessoas, seja em canais
de televisão ou em meios digitais, com o desiderato último de gerar audiência, e, por
consequência, lucro.
SUMÁRIO

254 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Nesse giro, é possível encontrar diversos conteúdos que retratam a violência


contra a mulher. Esses programas são comercializados como mercadorias, usadas
como fonte de receitas na indústria no entretenimento. Dessarte, ante a grande
quantidade de séries, filmes, novelas e noticiários que reproduzem conteúdos sobre a
violência doméstica, parece ser possível afirmar que a violência contra mulher é
explorada pelos produtores de conteúdo como meio para alcançar o lucro.
Porém, em tempo que é possível criar conteúdos de entretenimento tecidos a
partir da naturalização da violência e da reificação estereótipos de gênero, também é
factível que sejam fabricados conteúdos que objetivem combater a violência, informar
meios para sua punição dos agressores e divulgar meios de amparo às vítimas de
violência.
Em suma, nem todo conteúdo criado sobre violência doméstica, ainda que
objetive o lucro, será deletério. É preciso esclarecer que a produção de conteúdos sobre
violência doméstica, desde que não se pautem na reprodução ideário patriarcal e
sexista, podem servir como forma auxílio no combate e na prevenção a violência
praticada contra mulheres, oferecendo meios para denúncia, identificação e prevenção
da violência.
Palavras-chave: Capitalismo gore. Violência contra a mulher. Entretenimento.
Mercadoria.

REFERÊNCIAS
CARVALHO, Michelly et al. Violência Contra a Mulher na Mídia: Combate ou Reforço? In: CONGRESSO
DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE, Não use números Romanos ou letras, use
somente números Arábicos., 2016, Caruaru. Anais do Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Nordeste. Caruaru: Intercom, 2016. p. 1-14. Disponível em: h�ps://www.portalintercom.org.br/anais/
nordeste2016/resumos/R52-0319-1.pdf. Acesso em: 16 abr. 2023.

INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO (2023). Dossiê Feminicídio: qual é o papel da impensa? Disponível em:
h�ps://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/qual-o-papel-da-imprensa/ Acesso em:
16 abr. 2023.

MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

SPITZNER, Tatiana et al., Manual Universa para Jornalistas. São Paulo: UOL, 2020. Disponível em: h�ps://
download.uol.com.br/files/2020/11/2694611179_cartilha-universa-violencia-contra-mulher_v10.pdf Acesso
em: 18 abr. 2023.

VALENCIA, Sayak. Capitalismo gore. Espanha: Melusina, 2010.

VALENCIA, Sayak; Liliana FALCÓN. Narcomodernidades: de endriagos a CEO’s. In: SANTOS, Danilo
López; Urgelles, Ingrid Latorre; Vásquez, Ainhoa Mejías. Narcontransmisiones. Neoliberalismo e
hiperconsumo en la era del #narcopop. El Colegio de Chihuahua: Ciudad Juárez, 2021.

WEBER, Max. A gênese do capitalismo moderno. São Paulo: Ática, 2006.


SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 255

43
ABSORVENTES, PAPEL HIGIÊNICO E PANOS:
a pobreza menstrual como questão de saúde pública e violação
aos Direitos Humanos

TAMPONS, TOILET PAPER AND CLOTHS: menstrual poverty as a public


health issue and violation of human rights

Nathalia das Neves Teixeira


Mestranda em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Stricto Sensu em
Direito da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul. Bolsista Taxa Escolar
PROSUC/CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa “Biopolítica e Direitos Humanos”,
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Stricto Sensu da UNIJUÍ. E-mail: nathalia.
neves@sou.unijui.edu.br.

INTRODUÇÃO
A saúde enquanto direito fundamental e intrínseco à dignidade humana tem
como premissa a efetivação existência digna e manutenção da vida dos indivíduos,
neste sentido, atenta-se para problemas além do coletivo, compreendidos como
elementos da esfera individual, como é o caso da pobreza menstrual. A precariedade
ou pobreza menstrual refere-se à insuficiência e inacessibilidade de higiene adequada
no período menstrual e, na falta de informações sobre a gestão menstrual, tais
condições, obstaculizam o exercício pleno ao direito à saúde das pessoas
menstruantes¹.
A pobreza menstrual deve ser integrada no âmbito da saúde pública e violações
aos direitos humanos, dado que é um problema multidimensional de saúde e que
afeta diretamente o bem-estar, a dignidade menstrual e a própria saúde das pessoas
que menstruam. Igualmente, deságua nas crises sanitárias e nas desigualdades sociais
que permeiam o território brasileiro.

1 Termo utilizado para nomear as pessoas que menstruam, conforme aplicado por Beatriz Flügel Assad no artigo
“Políticas Públicas acerca da pobreza menstrual e sua contribuição para o combate à desigualdade de gênero”
publicado na Revista Antinomias, v.2, n.1, jan/jun.,2021.
SUMÁRIO

256 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A dificuldade de acesso aos produtos e serviços de higiene adequados impactam


na gestão menstrual, no desenvolvimento socioemocional e na autoestima daquelas
que mensalmente passam por esse ciclo.
Destarte, o presente artigo objetiva analisar a pobreza menstrual enquanto
violação dos direitos humanos, a partir da perspectiva de saúde pública e
inacessibilidade dos direitos menstruais. Um estudo discutido a partir do Relatório de
Pesquisa realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundo
de População das Nações Unidas (UNFPA), intitulado como “Pobreza Menstrual no
Brasil: desigualdade e violações de direitos”, publicado no ano de 2021. Elabora meio
da pesquisa exploratória e da técnica de pesquisa bibliográfica, que ao seu curso, irá
auxiliar nas referências bibliográficas como livros, artigos científicos e periódicos que
abordem a temática de forma semelhante ao objetivo da pesquisadora.
O Relatório de “Pobreza Menstrual no Brasil” será minuciosamente examinado a
partir da pesquisa documental, bem como os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável da ONU. Analisaremos os impactos da precariedade menstrual e por fim,
a conclusão da urgência de promoção de possíveis políticas públicas que efetivem a
dignidade existencial, corporal e o bem-estar das pessoas menstruantes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A saúde é um bem social inerente à vida e a sua manutenção, assim, um direito
fundamental e intrínseco à dignidade humana dos indivíduos. A saúde é um fator
constante na vida das pessoas enquanto instrumento de bem-estar e integridade
corporal, o que faz com que seja fidedignamente guarnecido pelos Estados-nação e
pautado como um investimento social, conforme as pesquisadoras Sandra Regina
Martini e Janaína Machado Sturza (2019, p.61):

[...] saúde é indiscutivelmente um direito fundamental, além de


ser também um importante investimento social. Na medida em
que os governos têm o objetivo de melhoras as condições de
saúde de todos os cidadãos, é necessário que invistam recursos
em políticas públicas de saúde, capazes de garantirem programas
efetivos para a sua promoção.

Partindo deste entendimento, a saúde menstrual deve ser inclusa na proteção do


direito à saúde e deve ser exercida de forma plena pelas pessoas menstruantes. Em
razão disso, é elementar elencar a pobreza menstrual como uma questão de saúde
pública, quando há milhões de pessoas menstruantes sendo afetadas pela
inacessibilidade dos seus direitos menstruais. “Pobreza menstrual” ou “precariedade
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 257


menstrual” pode ser definida como falta de acesso à higiene menstrual. Ou em outras
palavras, a condição de vulnerabilidade social e econômica que impossibilita o acesso
aos itens de higiene pessoal – inclusos protetores menstruais -, saneamento básico e
banheiros (ASSAD, 2021).
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundo de População das
Nações Unidas (UNFPA) em redação ao Relatório de Pobreza Menstrual no Brasil:
desigualdades e violações de direitos (2021), revela que a pobreza menstrual está
ligada ao desconhecimento, infraestrutura e recursos financeiros. Os tabus e estigmas
em torno da menstruação complica a utilização de produtos de higiene íntimos
adequados para menstruação, a precariedade de informação sobre o próprio corpo,
ciclo menstrual e os autocuidados com a menstruação lesa a dignidade menstrual.
No que concerne a vulnerabilidade econômica, pessoas que vivem em condições
de pobreza e fragilidade no contexto urbano e rural não têm acesso aos produtos de
higiene menstrual, banheiros, saneamento básico, assistência médica e etc. Essa
precariedade estende-se às pessoas encarceradas, em condição de rua, moradoras de
abrigos e refugiadas. As pessoas menstruantes nestas condições não conseguem
passar pelo período menstrual de maneira digna. Quando não pode atravessar este
período com dignidade, menstruar-se torna um fardo que deve ser carregado
mensalmente. As incertezas ligadas à precariedade menstrual – quais sejam, a falta de
absorventes e de banheiros, o medo de revelar estar menstruada(o), assim como a
necessidade de investir dinheiro nesses produtos – geram uma carga mental pesada e
recorrente para as pessoas menstruantes (ASSAD, 2021).
A inacessibilidade à uma higiene menstrual de qualidade, faz com que pessoas se
utilizem de meios nada higiênicos e saudáveis para passar pelo período menstrual,
como a utilização de: jornais, papéis, panos, meias, sacolas plásticas e ainda, a
reutilização de absorventes descartáveis, o que coloca à saúde física dessas pessoas em
risco, bem como sua saúde mental em termos de constrangimento por perpassar o
ciclo menstrual de forma indigna.

Quando não há acesso adequado aos produtos de higiene


menstrual, é amplamente reportado por diversas pesquisas em
várias regiões do mundo que meninas e mulheres fazem uso de
soluções improvisadas para conter o sangramento menstrual
com pedaços de pano usados, roupas velhas, jornal e até miolo de
pão (SANTOS; UNIFPA; UNICEF, 2021, p.11).

Em decorrência desse manejo inadequado e insuficiente de produtos de higiene e


saneamento básico, essas pessoas estão sujeitas à alergia e irritações na pele, mucosas,
candidíase e cistite. Ainda, de acordo com o Relatório, a pobreza menstrual pode levar
SUMÁRIO

258 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

à morte em virtude da Síndrome do Choque Tóxico e pela ótica da saúde emocional,


“[...] pode causar desconfortos, insegurança e estresse [...]” (SANTOS; UNIFPA;
UNICEF, 2021, p.11). A pobreza menstrual interfere no convívio social, inclusive,
evasão escolar, em decorrência de constrangimento por possível vazamentos, cólicas,
baixa produtividade, desenvolvimento e ausência de saúde menstrual adequada.
Desta forma, é irrefutável a percepção que a dignidade menstrual é
constantemente ameaçada pela falta de condições dignas de cuidado da saúde
menstrual, motivo pelo qual a pobreza menstrual deve ser observada e abordada
como uma questão de saúde pública mundial. A Organização das Nações Unidas
(ONU) já entende a pobreza menstrual como sendo uma afronta aos direitos
humanos, sendo assim, a dignidade menstrual como um instrumento de equidade,
bem-estar e saúde deve ser pauta das discussões mundiais.
Como fenômeno social, a precariedade menstrual demonstra a negligência às
condições mínimas para a garantia da vida digna da pessoa humana, ignorando as
necessidades fisiológicas das pessoas menstruantes, que correspondem a metade da
humanidade. Neste ponto, poderíamos refletir a (in)dignidade menstrual como uma
das espécies de violência de gênero que os corpos – biologicamente femininos –
sofrem, não obstante, englobar também as pessoas trans que menstruam. Há uma
urgência alarmante em remediar os problemas decorrentes da falta de acesso à higiene
menstrual e informações para a gestão do período menstrual (SANTOS, UNIFPA;
UNICEF, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do presente estudo, conclui-se que a pobreza menstrual – ainda que
amplamente discutida no campo da saúde pública e direito à saúde – é um problema
multidimensional de violação de direitos humanos. As desigualdades sociais, a
violência de gênero e o racismo ambiental (inacessibilidade de acesso à água às
populações periféricas) são alguns causadores da pobreza menstrual.
Como enfrentamento dessa problemática, visualiza-se alternativas que possam
auxiliar na superação da pobreza menstrual, como: criação e manutenção de políticas
públicas que viabilizem a dignidade da saúde menstrual nos ambientes privados,
instituições de ensino, meios corporativos e ambientes público que promovam
adequadamente o acesso à educação menstrual, assistência médica e acesso aos
produtos de higiene às pessoas menstruantes em condição de vulnerabilidade social e
econômica.
Diante do impacto da pobreza menstrual e do atual cenário brasileiro, é
imprescindível a necessidade de eficácia e humanização no zelo da dignidade humana
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 259


das pessoas menstruantes que padecem da escassez de informações e condições
adequadas de higiene para o período menstrual.
Palavras-chave: Direitos menstruais. Pobreza menstrual. Saúde Pública.

REFERÊNCIAS
ASSAD, Beatriz. Políticas Públicas Acerca da Pobreza Menstrual e sua Contribuição para o Combate à
Desigualdade de Gênero. Revista Antinomias, v. 2, n. 1, jan/jun., 2021.

MARTINI, Sandra Regina; STURZA, Janaína Machado. Direitos Humanos: saúde e fraternidade. Porto
Alegre: Evangraf, 2019.

SANTOS, Caroline Costa Moraes dos Santos; UNFPA, Fundo das Nações Unidas para a População;
UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância. Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdades e
violações de direitos. 2021. Disponível em: h�ps://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-
menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf. Acesso em 02 de ago. 2022.
SUMÁRIO

260 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

44
BREVES REFLEXÕES A RESPEITO DO EXERCÍCIO DA
MATERNIDADE NO CÁRCERE

BRIEF REFLECTIONS ABOUT PREGNANCY AND MOTHERING


WHILE INCARCERATED

Alana Maidana Roesler


Mestranda em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social (UNICRUZ); Bolsista
CAPES modalidade I. E-mail: alanamaidanaroesler@gmail.com

Roana Funke Goularte


Doutoranda em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social (UNICRUZ). Bolsista
CAPES modalidade I. E-mail: roana.goularte@sou.unicruz.edu.br

Carla Rosane da Silva Tavares Alves


Doutora em Letras (UFRGS). Docente do Programa de Pós-Graduação em Práticas
Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta. E-mail:
ctavares@unicruz.edu.br

INTRODUÇÃO
As prisões brasileiras estão em completo desacordo com as legislações que
versam sobre a estrutura e tratamento dos reclusos e com os direitos humanos. Os
internos dos estabelecimentos penais convivem enclausurados em ambientes
desprovidos de assistência, sem separação e em ociosidade. Leal (2001, p. 69) chama
atenção para a realidade de que as prisões estão “[...] infectas, úmidas, por onde
transitam livremente ratos e baratas e a falta de água e luz é rotineira; prisões onde
vivem em celas coletivas, imundas e fétidas, dezenas de presos, alguns seriamente
enfermos, como tuberculosos, hansenianos e aidéticos”.
Esse cenário é vivido por homens e mulheres que são obrigados a sobreviver em
situações caóticas e em um ambiente que negligencia as necessidades básicas de ser
humano. Quando se trata do encarceramento feminino devemos ter em mente que as
mulheres se encontram privadas de liberdade em estabelecimentos que foram
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 261


desenvolvidos para homens e sob um sistema omisso às necessidades essenciais/
especiais. Quanto a isso Borges (2019, p. 93) destaca que “[...] a situação das mulheres
encarceradas sofre uma dupla invisibilidade, tanto pela invisibilidade da prisão
quanto pelo fato de serem mulheres”.
A partir da perspectiva da falta de assistência ao sistema penitenciário o presente
estudo busca chamar atenção para necessidade de se discutir a invisibilidade e a falta
de assistência que assola o exercício da maternidade durante o cumprimento de pena.
A partir do questionamento de como se apresenta a realidade dos estabelecimentos
que abrigam grávidas, puérperas e lactantes, foi realizada uma pesquisa bibliográfica
de caráter hipotético-dedutivo, que tem como hipótese a necessidade de repensar as
políticas públicas como forma de garantir os direitos das mães e seus filhos em
situação de encarceramento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O aprisionamento de mulheres deve ser compreendido sob a perspectiva da
necessidade de destinar maior atenção à mulher presa, pois o sistema de justiça é,
necessariamente, heteronormativo e coloca a mulher em um lugar social inferiorizado
e excepcional em relação ao homem, isto porque políticas, instituições e leis são
pensadas a partir do homem e, posteriormente, adaptadas ao encarceramento
feminino. O modelo de justiça é desigual e “[...] faz com que as políticas e espaços
voltados às mulheres presas sejam as sobras” (BRASIL, 2015, p. 22).
De acordo com o SISDEPEN¹ em 2022 haviam 654.704 pessoas aprisionadas e
deste total a população feminina era equivalente a 28.699 mulheres (24.919 presas em
estabelecimentos femininos e 3.780 presas em estabelecimentos mistos). Neste
trabalho buscamos abordar a realidade que permeia a maternidade no interior dos
estabelecimentos prisionais, para isso devemos ter em mente que havia um total de 93
lactantes e 164 gestantes/parturientes, bem como 606 crianças (389 – mais de 3 anos, 52
– 2 a 3 anos, 43 – 1 a 2 anos, 35 – 6 meses a 1 ano, 87 – 0 a 6 meses) privadas de liberdade
(BRASIL, 2022)². Quanto ao perfil das mulheres em situação de prisão no Brasil, temos
que na maioria:

[...] é o da mulher jovem, com idade entre 18 e 30 anos, preta ou


parda, de baixa renda, em geral mãe, presa provisória suspeita de

1 Desenvolvido para atender a Lei nº 12.714/2012 que dispõe sobre a necessidade de haver um sistema que acompanhe a
execução das penas, a prisão cautelar e as medidas de segurança aplicadas, o SISDEPEN é uma ferramenta utilizada para a
coleta de dados do sistema penitenciário brasileiro e da população carcerária (BRASIL, 2022).
2 Até o momento da elaboração do presente trabalho, o SISDEPEN não apresentou dados atualizados, portanto, adotamos
como parâmetro as informações referentes ao período de janeiro a junho de 2022.
SUMÁRIO

262 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

crime relacionado ao tráfico de drogas ou contra o patrimônio; e,


em menor proporção, condenadas por crimes dessa natureza. Em
sua maioria, possuem histórias de vulnerabilidade social muito
semelhantes, são majoritariamente responsáveis pelos cuidados
com os filhos e filhas e pela provisão do sustento familiar.
Originam-se de estratos sociais economicamente desfavorecidos,
possuem baixa escolaridade, pouco acesso a políticas públicas
universais e ao mercado formal de trabalho (BRASIL, 2021, p. 13).

Ao discutirmos a respeito da maternidade no cárcere é necessário salientar que o


período de gestação em um ambiente de privação de liberdade é de risco, pois além de
estar em um local insalubre, se encontra suscetível ao contágio de doenças
infectocontagiosas e quando há instalações destinadas a gestantes e lactantes com seus
bebês o ambiente na maioria das vezes é inadequado.

Os espaços específicos para exercício da maternidade são


excepcionais e localizados somente em algumas capitais
brasileiras, não atingindo a população prisional de forma geral.
Ainda assim, mesmo os estabelecimentos considerados modelos
têm falhas estruturais e conjunturais que nos permitem afirmar
que o exercício da maternidade de mulheres presas nos diversos
contextos brasileiros é precário. A violação de direitos é o
principal elemento presente nas falas – há falta de acesso à justiça,
descumprimento de previsões legais, negligência em relação às
especificidades da mulher, violações no que tange à convivência
entre mães presas e suas crianças (BRASIL, 2015, p. 77).

Atualmente, no Brasil, há uma média de 1.377 mulheres para cada profissional da


saúde (ginecologista) e quando se fala em infraestrutura das unidades prisionais que
recebem mulheres somente 14,0% possuem um espaço reservado para gestantes e
lactantes, 3,2% têm berçário e/ou centro de referência materno-infantil e 0,66% das
unidades possuem creches. Além disso, na maioria dos estabelecimentos não há
disponibilidade de condições mínimas que permitam a realização de um parto
humanizado. A realidade se mostra oposta as concepções de humanização e “[...] há
relatos de partos realizados nas unidades de privação de liberdade mediante o uso de
algemas, e em situação de completa desassistência” (BRASIL, 2021, p. 14-15).
Findado o período de gestação e parto as mulheres, agora puérperas e lactantes,
passam por uma nova experiência a de estarem em ambientes inapropriados uma vez
que são excepcionais os estabelecimentos que possuem espaços dedicados à
maternidade. Durante este período as mulheres acabam sendo submetidas a situações
de isolamento e ociosidade onde “[...] a solidão e a obrigatoriedade de passar 24 horas
com o bebê, sem a possibilidade de interação com outras pessoas, a não ser com outras
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 263


mães”. Há uma comparação com a rotina materna de extramuros, onde há a
possibilidade realização de outras atividades que, mesmo sendo rotineiras dispersam
da monotonia de estar confinada com seu filho e tendo acesso a apenas uma hora de
banho de sol por dia (BRAGA; ANGOTTI, 2015, p. 233).
Esse período de extrema dedicação ao bebê é sucedido de uma separação precoce
e, na maioria dos estabelecimentos, em desacordo com a legislação. Segundo a
legislação a permanência dos bebês com suas mães nas unidades prisionais é de no
mínimo seis meses³, entretanto, em muitos estabelecimentos este acaba sendo o
período máximo. Com o objetivo de garantir o vínculo materno, o Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária determina o período de no mínimo um ano e seis
meses como fundamental para “[...] o desenvolvimento da criança, principalmente no
que tange à construção do sentimento de confiança, otimismo e coragem, aspectos que
podem ficar comprometidos caso não haja uma relação que sustente essa primeira fase
do desenvolvimento humano” (BRASIL, 2009, s.p).
Também é determinado que os ambientes de encarceramento feminino
contemplem “[...] espaço adequado para permitir o desenvolvimento infantil em
padrões saudáveis e uma relação de qualidade entra a mãe e a criança” é neste
ambiente que ocorrerá o processo de separação que se inicia quando a criança
completa um ano e seis meses e pode durar até seis meses. Esse processo de separação
é elaborado em até quatro etapas baseadas no quadro psicossocial da família, sendo
elas: 1º Presença do novo responsável pela guarda da criança, por maior tempo, na
unidade prisional; 2º Realização de visitas da criança ao novo lar; 3º Permanência
semanal alternada entre a companha da mãe e o novo lar; e 4º Visitas da criança à mãe,
por período prolongado e gradualmente reduzidas (BRASIL, 2009, s.p).
Quando se observa as determinações legais, nos deparamos com afirmativas
como a de que “[...] A União e os Estados devem construir e manter unidades
prisionais femininas, mesmo que de pequena capacidade, [...], com berçário para
abrigar crianças com até dois anos de idade” (BRASIL, 2009, s.p). Entretanto, a
realidade é a de a falta de políticas públicas e investimentos voltados para o sistema
penitenciário, aumento do número de mulheres encarceradas e desrespeito a
recomendações e diretrizes nacionais e internacionais, pois essas mães vivem sua
rotina em ambientes insalubres, sem estrutura que permite o desenvolvimento
humano e a manutenção do convívio e vínculo com a criança, além de serem
separadas de seus bebês de forma abrupta e precoce.

3 Art. 83. [...] §2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenas possam
cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho
de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.
SUMÁRIO

264 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordar a temática prisional é tarefa árdua e necessária, é através de pesquisas
voltadas à população privada de liberdade que denunciamos as precariedades,
mazelas e afrontas aos direitos humanos. Discussões com olhar científico, crítico e
humanizado é a porta de acesso uma mudança na triste realidade carcerária. Quando
se trata da realidade prisional devemos estendermos o olhar para as mulheres que
estão inseridas em um ambiente masculino, mesmo quando alocadas em uma
penitenciária feminina, que as submete a um conjunto de opressões e violações
sistemáticas de seus direitos.
O presente trabalho buscou analisar brevemente o que é ser mãe no sistema
penitenciário brasileiro e, a partir dele, percebemos que de forma geral as instituições
penais não estão preparadas para amparar e assistir as mulheres que passam a ser
tuteladas pelo Estado. Os recursos são escassos, as instalações quando disponíveis são
inadequadas, há precariedade nos cuidados pré-natais, nas condições dos partos, bem
como no espaço destinado a permanência das mães e seus bebês. Além disso, a
privação de liberdade impacta não só na ruptura dos laços de convívio entre mãe e
filho(s) como também é responsável pela manutenção da vulnerabilidade de crianças
que, diante do encarceramento materno, são encaminhadas a familiares distantes,
lares adotivos e instituições públicas de acolhimento.
Palavras-chave: Encarceramento. Maternidade. Gênero.

REFERÊNCIAS
BORGES, J. Encarceramento em massa. São Paulo: Pólen, 2019.

BRAGA, A. G. M; ANGOTTI, B. Da hipermaternidade à hipomaternidade no cárcere feminino brasileiro. SUR: Revista


Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 12, n. 22, p. 229-239, 2015.

BRASIL. Ministério da Justiça. Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da
maternidade por mulheres em situação de prisão. In: BRASIL, Ministério da Justiça. Série pensando o direito, n. 51, 2015.
Brasília: MJ; Ipea, 2015.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Políticas Penais (SISDEPEN). Dados estatísticos do Sistema
Penitenciário, 2022. Disponível em: h�ps://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen Acesso em: 28 abr. 2023.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Manual Resolução nº 369/2021: substituição da privação de liberdade de gestantes,
mães pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2021.

BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução nº 04, de 15 de julho de 2009. Define sobre o
direito à amamentação para mulheres encarceradas. Disponível em: h�ps://www.gov.br/depen/pt-br/composicao/cnpcp/
resolucoes/2009/resolucao-no-4-de-15-de-julho-de-2009-1.pdf Acesso em: 28 abr. 2023.

LEAL, C. B. Prisão: Crepúsculo de uma era. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 265

45
COLETIVOS FEMINISTAS TRANSCONFINS PARA
EFETIVAÇÃO DE DIREITOS

TRANSCONFINS FEMINIST COLECTIVES FOR EFFECTIVENESS


OF RIGHTS

Trabalho desenvolvido a partir da Tese de Doutorado do PPGD UFRGS.


Stéphani Fleck da Rosa
Pós-doutoranda em Direitos Humanos pelo PPGD Unijuí, Doutora, Mestre e Graduada em
Direito pela UFRGS. E-mail: stephanifleckrosa@gmail.com

INTRODUÇÃO
As potências em mobilidades coletivas quando atreladas a pautas locais e
regionais trazidas das zonas periféricas, com populações excluídas de direitos e onde
apenas chegam os piores meios de controle e dominação, intensificados pela extração
do território e pelas biopolíticas, se transformam em coletivos feministas transconfins,
que tem por seus fundamentos na metateoria do direito fraterno que diferencia a
definição de fronteira e de confins. Esses coletivos abrem brechas nas fronteiras,
configurando-os em movimento transconfins e podem ser um próximo passo a ser
dado a fim de um borramento total desses limites territoriais, sociais, culturais e
econômicos em âmbito internacional.
Este trabalho problematiza como as práticas organizacionais de cunho mais
libertárias usadas por esses coletivos, majoritariamente composto por mulheres, para
efetivação de direitos humanos são suficientes para reconhecê-los em sua
representação internacional. Abre-se a hipótese que os coletivos feministas transconfins
conseguem ter uma influência real para mudanças locais, se isso advém da sua
composição por corpos-territórios e toda sua defesa e proteção ao corpo atrelado ao
território. Também se esses coletivos influenciam internacionalmente devido ao uso
de princípios comuns, tal qual, a fraternidade.
SUMÁRIO

266 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Metodologicamente, este trabalho utiliza pesquisa empírica com observações de


coletivos feministas nas manifestações da Marcha das Mulheres 2022 em Buenos Aires
na Argentina, o primeiro após a pandemia de Covid-19, e sua repercussão em
coletivos feministas nas redes sociais e que se situam em países transfronteiriços,
sendo eles Brasil, Paraguai, Uruguai. Após, reúnem-se os dados coletados a fim de
analisar com a revisão bibliográfica sobre feminismos, mas especificamente o
anarcafeminismo, e sobre direitos humanos, utilizando a Metateoria do Direito
Fraterno.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicia-se pela fraternidade revisitada que traz em si a biopolítica pelo seu
paradoxo que se refletirá na ideia de pharmakon, do medicamento/ veneno,
encontrando a ambivalência na sua liberdade como direito. O direito fraterno em sua
metateoria conjura o compartilhar, o pactuar, a amizade, a inclusão sem limites,
compreendendo na transformação a necessidade do OUTRO-EU, em que o EU-
OUTRO e o OUTRO-EU andam juntos. A fraternidade é posta em cheque na realidade
quando se questiona sua efetividade e, assim, se mostra como meio para encontro do
outro, exercitando caminhos para alteridade e de reconhecimento da diferença. Pela
metateoria do direito fraterno de Resta é possível depreender os seus conceitos
fundantes que cercaram toda esta tese, sendo eles, transconfins, constituição sem
inimigo, superação do Estado-nação, pharmakon, amizade e não-violência.

Tem-se que a vida transborda o direito, e a fraternidade tem papel político na


interpretação e na transformação do mundo real de modo prático e eficaz, a fim que
esse excedente não será contido e instrumentalizado por mecanismos de poder do
Estado, disfarçados de soberania. Assim, a fraternidade com seu direito ingressa com
a linguagem da vida, mais ainda traz a reivindicação da vida como também o direito
de não nascimento, para além da regulação fria do direito estatal, ou seja, para a
consciência da vida do direito¹. Sedimenta-se as inúmeras possibilidades da vida para
além das proposições jurídicas dadas como meios de resolução, onde essas formas não
são aptas a entender².

Continua-se pelos fundamentos teóricos do anarcafeminismo, inicialmente se


opta pelo “a” ao invés do “o” na palavra “anarca”, para fins de feminizar o conceito e
sem hífen entre “anarca” e feminismo, para manter a noção de femina no centro das

1 RESTA, Eligio. Diritto vivente. Bari: Laterza, 2008. Direito Vivente. Trad. Sandra Regina Martini, p. 3.
2 Ibid., p. 33.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 267


lutas emancipatórias, ao mesmo tempo que é crucial continuar e engajar pela teoria
queer, que traz apontamento sobre as armadilhas das identificações binárias de gênero,
se considera que a condição das pessoas que são oprimidas por serem percebidas
como "mulheres" e, consequentemente, insistir na necessidade de combinar o
questionamento da identificação de gênero da teoria queer com uma agenda feminista
específica³. É possível situar o anarcafeminismo como forma de libertar as mulheres de
todas as formas de opressão, como também a dicotomia hetero e cis-normativa, de
homens contra mulheres. Ressaltando ainda que há algo específico na opressão das
mulheres e das "mulheres" em geral, e que para enfrentar essa opressão, a opressão
deve ser abordada em todas as suas formas. Assim por diante, o anarcafeminismo
trabalha com conceitos fundantes como, a interseccionalidade ante políticas de
dominação, a concepção de arché, liberdade, decolonialidade, queeridade.
Especificamente os resultados deste trabalho são que Coletivos Feministas
Transconfins são aqueles definidos pelas seguintes estratégias de resistência, luta e
efetivação de direitos, a partir do direito fraterno e do anarcafeminismo:

a) mecanismos multilaterais que se ampliam, incorporando as


demandas advindas dos feminismos transnacionais que
constantemente transitam entre espaços práticos, amparados por
ideias de justiça, igualdade, fraternidade, equidade, inclusão
social, emancipação;
b) mecanismos de justiça ecológica que entendem os riscos são
distribuídos de maneira desigual;
c) mecanismos de justiça participativa como interconectada às
abordagens do reconhecimento e da distribuição, evocando a
necessidade de maior igualdade nos procedimentos
democráticos de tomada de decisões, ou seja, para se enfrentar
adequadamente as injustiças, seja no âmbito distributivo, seja no
âmbito do reconhecimento, sendo necessária para a garantia da
democracia participativa;
d) estratégia para aumentar o poder das mulheres pela
organização comunitária;
e) mecanismos de promoção de uma nova cultura política mais
transparente, participativa e democrática e para consolidar uma
democracia radical;
f) mecanismo de representação de mulheres e corpos-territórios,
comoo seus próprios porta-vozes, através da cidadania feminista
popular, tecnológica e global;
g) mecanismo de multiculturalismo radical contrário a uma
política universalista, por sua restrição que privilegia uns em

3 RESTA, Eligio. O Direito Fraterno. Trad. Sandra Regina Martini(coordenação). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004,
p. 94.
SUMÁRIO

268 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

detrimento de outros, em vez de impulsionar mutuamente um


crescimento conjunto;

Assim, emerge-se ao seio da pesquisa acadêmica mais uma vez a possibilidade de


transformações sociais reais pela emancipação de grupos vulnerabilizados, em
especial pela criação de movimentos transfronteiriços que não precisam de
representações externas a si para concretizarem suas demandas. Esses coletivos
devem ser vistos em sua ampla capacidade como forças internacionais necessitando
seu reconhecimento internacional nas tomadas de decisões entre Estados e
organizações, pois possuem poder de fato e quebram o direito vigente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se neste trabalho uma representação mais realista desses movimentos
transconfins, visto que coletivos feministas transconfins abrem caminhos para efetivar
direitos através do reconhecimento de suas lutas, que tem como principal
característica a ação direita de colocar o corpo à frente.
Pelas experiências observadas por coletivos concretos que se encontram de todas
as partes do país na capital argentina, foi possível relacioná-los aqui a outras
experiências que extrapolam esse borrão de terra, mostrando como as consequências
da conjunção das ondas feministas anteriores impactaram profundamente a geografia
e radicalmente a cultura, uma vez que conseguimos identificar esses movimentos em
transconfins e com uma propulsão que arrasta os corpos que estiverem doloridos e
necessitados para terem condições de reivindicarem suas existências para além de
organizações formais, organismos internacionais, Estados e corporações.
Palavras-chave: Corpo-território; Direito Fraterno; Movimentos Sociais; Políticas
Externas Feministas;

REFERÊNCIAS
ANZALDÚA, Gloria. Borderlands: the new mestiza. San Francisco: Aunt Lute Books, 1987.

BARAD, Karen. Meeting the Universe Half Away. Durham: Duke University Press, 2007.

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SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 269


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Crítica de Ciências Sociais, n. 63, 2002, p. 11.

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RESTA, Eligio. Percursos da identidade: uma abordagem jusfilosófica. Trad. Doglas Cesar Lucas. Ijuí: Ed. Unijuí,
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____________. O Direito Fraterno. Trad. Sandra Regina Martini(coordenação). Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2004.

____________. Diri�o Vivente. Roma:Laterza & Figli Spa,Trad. Sandra Regina Martini, 2008.
SUMÁRIO

270 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

46
GÊNERO E ESTEREÓTIPOS: OS PAPÉIS SOCIAIS PRÉ
ESTABELECIDO ÀS MULHERES POR UMA
SOCIEDADE PATRIARCAL

GENDER AND STEREOTYPES: the social roles pre-established for


women by a patriarchal society

Victória Pedrazzi
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos da Unijuí.
Bolsistas Capes. E-mail: victoria.pedrazzi@sou.unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca elucidar as delimitações dos papéis sociais específicos
a um determinado gênero, sendo este, fator primordial para manter sob a custódia do
patriarcado, o controle e a manipulação das ideias femininas, assim como sua
autonomia e independência, gerando com isso, consequentemente, subordinação e
submissão das mulheres. Além disso, trazer um breve apontamento sobre como a
estipulação de papéis sociais de gênero contribuem para que as mulheres se
distanciassem da sua verdadeira essência, tendo que se encaixar em padrões, sem ao
menos se questionarem sobre suas próprias vontades de se inserirem nesses espaços,
por, justamente, não terem liberdade de pensamento e escolha.
Os impactos sociais que assombram a vida das mulheres decorrem de um
modelo patriarcal e controlador que tem consequências nos seus desejos, vontades e
pensamentos. Na luta feminina por espaços, durante séculos, as mulheres foram vistas
como se tivessem um papel secundário na sociedade, o que contribuiu para que sejam,
inclusive, tratadas com violência e descaso. Ademais, é importante ressaltar como esse
sistema contribui para que as mulheres tenham dificuldade de acesso a direitos
básicos, autonomia e possibilidade de traçar caminhos diferentes do que estão
“(pré)destinados”.
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 271


A metodologia utilizada no presente projeto consiste em pesquisa teórica,
utilizando-se da abordagem hipotético-dedutiva, possibilitando maior reflexão e
gerando pensamento crítico sobre o assunto. Será realizada por meio de leituras a
partir de livros, dissertações e artigos de fontes eletrônicas que tratam sobre o tema
pesquisado. Ainda, analisar as ideias de alguns pensadores e escritores sobre os papeis
de gênero e o que isso reflete na sociedade e na vida das mulheres.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Acerca do papel social de cada gênero e suas perspectivas, a masculinidade
ou a feminilidade se apresentam de múltiplas formas no processo da formação da
identidade social. A mulher, tida como figura de menor importância e relevância,
caracteriza-se como sendo o “ser” que consegue se adequar melhor ao meio em que é
submetida, partindo das premissas de obediência, subordinação e anulação. Com isso,
o patriarcado se alimenta de uma espécie de (sobre)carga de culpa que acaba gerando
uma inércia para modificar esse cenário.
Em um modo geral, sexo é biológico e gênero é social. Gênero é como a pessoa
se vê perante a sociedade e através de si mesma, diante das suas características
particulares e como se sente na própria pele. Nas ciências sociais, o papel social de
gênero significa um conjunto de comportamentos ligados à masculinidade e
feminilidade, em um grupo ou sistema social. Segundo Miriam Pillar Grossi (apud
SCOTT, p. 05, 1998): “gênero é uma categoria historicamente determinada que não
apenas se constrói sobre a diferença de sexos, mas, sobretudo, uma categoria que serve
para “dar sentido” a esta diferença.”
A ideia de um papel feminino na sociedade ainda precisa ser desconstruída a
fim de não
impor ideologias patriarcais que rotulam e colocam em “caixinhas” mulheres que
são seres humanos complexos e repletos de individualidades. Segundo Gizelia
Mendes Saliby (2022),

Só quando o outro indivíduo o reconhece como alguém


autônomo, cria-se a autoconsciência e essa consciência só é
possível a partir do reconhecimento do outro. Nessa lógica
patriarcal, o homem se afirma como um e coloca a mulher como
o outro. A mulher não é definida em relação a si mesma, mas pela
oposição ao homem. Tal oposição surge inicialmente por fatores
biologizantes, mas se condensa em outras ordens, como
comportamentos, gostos, aptidões, etc. que não são naturais a si,
mas construídas socialmente (SALIBY, p. 41, 2022).
SUMÁRIO

272 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A ideia da escritora Simone Beauvoir (apud Mendes, p. 42, 2022) de tornar-se


mulher na sociedade engloba aspectos psíquicos, morais, sociais e reforça a ideia de que
o “destilo biológico não é uma condição naturalmente dada, mas sim construída sob
aspectos de servidão, submissão e opressão, pois a fêmea assume um papel que vai de
encontro aos interesses econômicos e sociais.”
A autora Judith Butler (2019) reflete sobre a necessidade do feminismo numa
sociedade patriarcal que a identidade feminina, no sentido de que

A urgência do feminismo no sentido de conferir um status


universal ao patriarcado, com vistas a fortalecer aparência de
representatividade das reivindicações do feminismo, motivou
ocasionalmente um atalho na direção de uma universalidade
categórica ou fictícia da estrutura de dominação, tida como
responsável pela produção da experiência comum de subjugação
das mulheres. (BUTLER, p. 18, 2019)

Existe uma construção social e histórica do feminino e do masculino marcada por


uma forte diferença pautada na distinção dos sexos como “fraco” e “forte”. Nesse
sentido, “o conceito de gênero, ao enfatizar as relações sociais entre os sexos, permite
a apreensão de desigualdades entre homens e mulheres, que envolvem como um de
seus componentes centrais desigualdades de poder” (FARAH, 2004, apud SAFIOTTI,
1994; SCOTT, 1995; FUJIWARA, 2002).
Com a pressão social, patriarcal e capitalista para que mulheres sejam “úteis”
para esses sistemas, ocorre o distanciamento da essência do feminino, em que se busca
inconscientemente matar o que foi ensinado e imposto como fraco e vulnerável. No
entanto, quando mulheres assumem o papel de mulheres “fortes e guerreiras” têm a
reputação equivocada de serem cruéis e egoísta, ocorrendo uma contradição, pois
esses adjetivos positivos do imaginário social são normalmente estereótipos
designados aos homens. Com isso,

(...) constrói-se um estereótipo que vai traçar os limites do que é


uma mulher em termos comportamentais. Cria-se, com isso,
repertórios isotópicos que vão moldar a forma como uma
sociedade enxerga a mulher, estabelecendo relações simbólicas
que visam traçar oposições semânticas que ressaltam a
construção da superioridade masculina. (SALIBY, p. 56, 2022).

Pontualmente, Flaviane Izidro Alves de Lima (2017) descreveu como


características tradicionalmente atribuídas às mulheres
SUMÁRIO

GT 2 - BIOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO 273


(...) aquelas que favorecem o ensino, o cuidado, as atividades
domésticas cotidianas e a maternagem, como sensibilidade,
passividade, meiguice, tolerância. Com relação às características
tradicionalmente associadas aos homens podem ser citadas como
exemplos as de liderança, agressividade, força física, lógica e
ousadia. (LIMA, p. 05, 2017).

Ainda, a autora faz referência a Whitaker, o qual dispõe que

(...) a expectativa de que mulheres sejam passivas por natureza e


que homens sejam naturalmente agressivos é tão fortemente
arraigada no imaginário do ocidente, que nem a ciência escapou
a ela. Freud caracterizava a mulher como passiva, narcisista e
masoquista. (LIMA, 2017, p. 05 apud WHITAKER, 1995, p. 37).

Além disso, não há como não observar que esses papéis pré-designados a
mulheres, começam no âmbito familiar, através da maternidade compulsória, da
carga mental de responsabilidades, do trabalho diário feminino não remunerado,
dentre outras diversas ramificações problemáticas sobre a temática. Já o papel do
homem, no imaginário social, é o de prover o sustento e de ser o “chefe” da família,
sendo que, na verdade, nos bastidores do dia-a-dia, a ordem e a estrutura familiar são
também, responsabilidade da mulher. Assim, os papéis não são apenas designados
previamente, mas acabam se multiplicando, já que

Vivenciando as mais diferentes situações, a mulher, tomada aqui


em sua pluralidade, vê-se diante da necessidade de assumir os
papéis masculinos e femininos, na perspectiva da valorização de
sua vida e da sobrevivência da família. (...) É nesse espaço ainda
que se podem construir as marcas entre as gerações e a
transferência de valores culturais, bem como o aprendizado do
“ser mulher” e do “ser homem”. (D’ÁVILA, p. 02 e 04).

Dessa forma, resta evidente que os estereótipos e papéis de gênero na sociedade


fomentam uma política de exclusão e de distanciamento das mulheres ao seu próprio
self feminino, tendo em vista que, com toda a carga social, familiar, patriarcal e
capitalista, não conseguem se revelar e se apresentar como indivíduos conscientes e
autônomos de si, já que precisam cumprir e ocupar lugares já estabelecidos e
inquestionáveis.
SUMÁRIO

274 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, torna-se visível a necessidade de reformular a estrutura social de
opressão e designação de estereótipos às mulheres, para que elas tenham a liberdade
e o reconhecimento de si mesmas como indivíduos independentes e que não precisam
seguir nenhum tipo de padrão e papel imposto, para ocuparem lugares que
desejarem, rompendo com ciclos de submissão e questionando a aderência
compulsória a esses sistemas. Apenas dos avanços quanto a temática, caminha-se a
passos lentos para uma efetiva emancipação das mulheres no meio social, dominando
espaços que não foram designados à ela pelo imaginário machista e patriarcal.
Há que se levar em consideração a sucinta análise, tendo em vista que para
diferentes mulheres, os papéis sociais se alteram e são ainda mais exigidos, mas de um
modo geral, a problemática se aplica a todas, concluindo que é preciso a discussão dos
papéis de gênero e, consequentemente, o rompimento da “estereotipação” feminina.
Palavras-chave: Gênero. Papéis sociais. Estereótipos. Patriarcado.

REFERÊNCIAS
BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. tradução Renato Aguiar.
– 1. ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. Acesso em: 06. maio. 2023;

D’ÁVILA, Sande Maria Gurgel. Relações de gênero no cotidiano familiar. Disponível em: h�p://www.
xxcbed.ufc.br/arqs/gt1/gt1_47.pdf. Acesso em: 07. maio. 2023;

FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e políticas públicas. Escola de Administração de Empresas de São
Paulo da Fundação Getulio Vargas. 2004. Disponível em: h�ps://abrir.link/ygzmw. Acesso em: 05. maio.
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MACEDO, Lídia Suzana Rocha; SILVEIRA, Amanda da Costa. 2012. Self: um conceito em desenvolvimento.
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SALIBY, Gizelia Mendes. Os impactos do discurso patriarcal na construção do sujeito mulher em A


origem do mundo: uma história cultural da vagina ou a vulva vs. o patriarcado, de Liv Strömquist: uma
investigação linguística. 2022. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2022. doi: 10.11606/D.8.2022.tde-
14072022-172051. Acesso em: 05. maio. 2023.
GT3
BIOPOLÍTICA,
SAÚDE E DIREITOS
HUMANOS
SUMÁRIO

276 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

47
APONTAMENTOS SOBRE A PERPLEXIDADE DOS DIREITOS
HUMANOS A PARTIR DO CONTROLE SOCIAL PELO
SISTEMA PRISIONAL

NOTES ON THE PERPLEXITY OF HUMAN RIGHTS FROM THE


SOCIAL CONTROL BY THE PRISON SYSTEM

Trabalho desenvolvido a partir da intersecção de marcos teóricos entre as disciplinas


“Biopolítica e Direitos Humanos” e “Direitos Humanos, Violência e Controle Social”,
ministradas no Mestrado em Direitos Humanos do PPGDH no ano de 2022.

Micheli Pilau de Oliveira


Mestranda em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Direito
da UNIJUÍ. Bolsista PROSUC/CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa “Biopolítica e
Direitos Humanos” (CNPq/Unijuí). E-mail: michelipilau@gmail.com.

Alexandre Juliani Riela


Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUÍ). Bolsista TAXA-PROSUC/CAPES, 2023. Especialista em Direito
Público pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Graduado em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). E-mail: alexandrejriela@gmail.
com.

Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth


Doutor e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal e Bacharel em Direito pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ).
Coordenador do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Direito - Mestrado e
Doutorado em Direitos Humanos - da UNIJUÍ. Professor do Curso de Graduação em Direito
da UNIJUÍ. Pesquisador Gaúcho da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
Grande do Sul (FAPERGS) - Edital PqG nº 05/2019. E-mail: madwermuth@gmail.com.

INTRODUÇÃO
O presente texto objetiva tecer breves apontamentos sobre os conceitos de
violência e perplexidade dos Direitos Humanos em Hanna Arendt a partir do cárcere
brasileiro. Nesse sentido, irrompe como problema de investigação a seguinte questão:
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 277


é possível formar um par conceitual entre o apátrida do século XX e o atual indivíduo
asujeitado ao sistema prisional? Parte-se da hipótese de que ambas as categorias
podem ser relacionadas, incidindo sobre elas a crítica de Arendt aos direitos humanos
a partir do sistema punitivo como receptor aos corpos socialmente indesejáveis, em
um contexto de estado de exceção; a crítica da autora, portanto, transcende ao tempo
e tende a se mostrar atual.
A metodologia a ser empregada é o estudo descritivo por meio do método
hipotético-dedutivo, baseando-se na técnica da pesquisa bibliográfica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quanto à natureza do poder e a estreita relação deste com a violência, Hanna
Arendt (2020) aponta que mesmo o tirano, o Um que governa contra todos, precisa de
auxiliares na tarefa da violência, ainda que seu número possa ser restrito; todavia, o
vigor da opinião, o poder do governo, depende de muitos. Para a autora, de fato, “uma
das mais óbvias distinções entre poder e violência é que o poder sempre depende de
números, enquanto a violência, até certo ponto, pode operar sem eles, porque se
assenta em implementos.” (AREDNT, 2020, p. 58).
Na linguagem conceitual, o poder é, de fato, a essência de todo o governo, e não
a violência; fato é que, por sua natureza instrumental, a violência precisa de
justificação ao fim a que almeja, e aquilo que precisa ser justificado por outra coisa, não
tem como ser a essência de nada (ARENDT, 2020). Dessa forma, o fim da guerra é a
paz ou a vitória, mas para a questão “qual é o fim da paz?” não há resposta, visto que
“a paz é um absoluto, mesmo se na história registrada os períodos de guerra quase
sempre superaram os períodos de paz.” (ARENDT, 2020, p. 68).
A marca d’água dessa violência – ou seja, onde recebe a plena chancela – é o
estado de exceção, terreno fértil no qual lógica e práxis se indeterminam e uma
violência pura e sem logos apresenta como fito realizar um enunciado sem nenhuma
referência real; nessa senda, o seu grau máximo é alcançado quando o elemento
normativo jurídico e o elemento metajurídico – direito e política – coincidem numa só
pessoa, o soberano (NIELSSON; WERMUTH, 2020).
De forma incontroversa, a violência sempre pode destruir o poder, dado que “do
cano de uma arma emerge o comando mais efetivo, resultando na mais perfeita e
instantânea obediência. O que nunca emergirá daí é o poder.” (ARENDT, 2020, p. 70).
Desta feita, quanto mais destituídos subjetivamente, maior é a fratura da consolidação
comunal do grupo ao qual emana o verdadeiro poder (o povo); a violência, nesse
SUMÁRIO

278 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

sentido, pode se subsidiar instrumentalmente a partir da força letal do próprio Estado,


quando do recrutamento da massa de sujeitos ao sistema prisional.
Nesse cenário, para Casara (2019), quando o poder político e o poder econômico
“se casam”, transformando-se em um único organismo, os inimigos do poder
econômico e social – indesejáveis que não produzem nem consomem, e destoam dos
tons de brancos possíveis – tornam-se, também, inimigos do poder político. Passa a
incidir sobre esses supostos inimigos as intempéries do poder punitivo, e lançá-los ao
cárcere torna-se a medida mais “adequada”, isto é, são retirados do espaço urbano e
colocados no espaço prisional, passando a operar sobre eles a repressão disciplinar da
esfera penal, momento em que o Estado “reserva medidas penais de controle e
exclusão, em uma espécie de paternalismo punitivo” (CASARA, 2019, p. 186).
Mbembe (2022, p. 41) sedimenta que o exercício soberano encontra guarida na
distinção de “quem importa e quem não importa, quem é “descartável” e quem não
é”. O encarceramento endossa a descartabilidade dos “supérfluos”: o arremessamento
destes à prisão como última instância da segregação socioespacial constitui o projeto
histórico-social de morte do estado moderno. A seletividade penal, nesse sentido, está
diretamente ligada aos interesses e resguardo das classes hegemônicas (WERMUTH,
2015).
A gestão dos indesejáveis sob o aspecto do punitivíssimo penal, a partir de
Casara, que se assenta à luz da racionalidade neoliberal, rememora o aspecto do papel
do Direito Penal em Arendt, quando o “Estado-nação, incapaz de prover uma lei para
aqueles que haviam perdido a proteção de um governo nacional, transferiu o
problema para a polícia.” e, “quanto maior era o número de apátridas e de apátridas
em potencial [...], maior era o perigo da gradual transformação do Estado da lei em
Estado Policial.” (ARENDT, 2012, p. 391).
O apátrida, assim, constantemente vivia em transgressão à lei, visto que a ele não
assistia o direito à residência ou ao trabalho, estando sujeito à imposição de uma pena
privativa de liberdade sem ter cometido qualquer crime, para além de sua própria
(in)existência (AREDNT, 2012). A criminalidade, assim, aparece como um eixo para o
ingresso no sistema legal: passando de uma anomalia não reconhecida – na condição
da apátrida, integrante do povo sem Estado – para uma posição de exceção
reconhecida, dentro do Direito Penal (o criminoso).
Nesse escopo, Arendt (2012) afirma que o ingresso à criminalidade acaba
performando espécie de “inclusão” na exclusão, à medida que o paternalismo
punitivo se torna o único espaço legitimo de Estado na vida desses “asujeitos” sociais,
evidenciando uma violência silenciosa:
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 279


a melhor forma de determinar se uma pessoa foi expulsa no
âmbito da lei é perguntar se, para ela, seria melhor cometer um
crime. Se um pequeno furto pode melhorar a sua legal, pelo
menos temporariamente, podemos estar certos de que foi
destituída dos direitos humanos. Pois o crime passa a ser, então,
a melhor forma de recuperação de certa igualdade humana,
mesmo que ela seja reconhecida como exceção à norma
(ARENDT, 2012, p. 390).

Portanto, é possível assinalar que a crítica de Hanna Arendt aos Direitos


Humanos – à sua perplexidade, mais precisamente – é muito pertinente e permanece
atual, a se considerar o hodierno sistema social e de controle penal vigente no Brasil. É
possível apontar, nesse passo, que a cooptação punitiva é seletiva, e mira àqueles que
já são excluídos socialmente: os indesejáveis sociais.
Os povos sem Estado de Arendt e os detentos do sistema prisional brasileiro
formam potencialmente um par conceitual, à medida que, para ambos os casos, o
sistema penal aparece como o primeiro acolhimento “Estatal” àqueles que não
“cabem” em parte alguma. Desse modo, é possível referir que intramuros, conforme
expressa Foucault (2013), os corpos se tornam docilizados e “encaixáveis”, como
“peças padronizáveis” nesse sistema: o sistema prisional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do estudo aqui empreendido constatou-se que a crítica feita por Hanna
Arendt à perplexidade dos Direitos Humanos, em um contexto de hostil conflito entre
os povos – e de ausência de diálogo, portanto – ainda carrega muitas potencialidades
de aplicação a situações políticas do cotidiano contemporâneo. Nesse sentido, Arendt
de debruçou sobre as figuras do refugiado e do apátrida, que, notadamente,
representaram as descartáveis – e exatamente por essa condição, ficaram sem proteção
jurídica e legal dos Direitos Humanos, evidenciando a arrepsia a essa categoria de
direitos.
Em contrapartida, foi possível constatar, outrossim, que os “povos sem Estado”
da atualidade, potencialmente, são aquela classe de indevidos convergida ao sistema
penal, visto que não cabem em parte alguma, o que denuncia a seletividade do
sistema e revive, portanto, a mesma perplexidade afeita aos Direitos Humanos desses
sujeitos já denunciada por Arendt nos tempos de guerra, demonstrando que o
apátrida do século XX e o detento do sistema prisional do século XXI formam,
potencialmente, um par conceitual.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Sistema prisional. Violência.
SUMÁRIO

280 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

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SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 281

48
SISTEMAS INFORMATIZADOS DOS ESTABELECIMENTOS
DE SAÚDE NO BRASIL: entre o direito à saúde e a proteção de
dados pessoais

COMPUTERIZED SYSTEMS OF HEALTHCARE ESTABLISHMENTS IN


BRAZIL: between the right to health and the protection of personal data

Trabalho desenvolvido no âmbito da disciplina Disciplina de Direito à Saúde, Políticas


Públicas e Cidadania do Mestrado em Direitos Humanos do PPGD da Unijuí.

Janaína Machado Sturza


Pós Doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/
Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc. Professora do
Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu da UNIJUÍ. E-mail: janasturza@hotmail.com:

Benhur Aurélio Formentini Nunes


Mestrando em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu da
UNIJUÍ. E-mail: benhur.nunes@sou.unijui.edu.br

Alexandre Juliani Riela


Mestrando em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu da
UNIJUÍ. E-mail: alexandre.riela@sou.unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
O presente escrito busca investigar a importância da proteção de dados dos
usuários dos sistemas de saúde no Brasil e apresentar um diagnóstico de como os
estabelecimentos guardam e tratam as informações pessoais dos pacientes. O
problema a ser enfrentado diz respeito a identificar se as práticas de segurança e
tratamento de dados se encontram coerentes com o grau de importância que estes
possuem para os usuários.
Assim, tem-se por hipótese que, trazendo um panorama do ordenamento
jurídico brasileiro no tocante ao direito à saúde e à proteção de dados, juntamente com
informações de pesquisa sobre o tema, será possível fazer um diagnóstico de como o
SUMÁRIO

282 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

direito a saúde e a proteção de dados podem se relacionar e como os estabelecimentos


de saúde vêm tratando o tema no Brasil, sendo possível oferecer, inclusive, um
prognóstico de quais situações merecem especial atenção.
A metodologia de pesquisa trata-se de investigação exploratória, através de
pesquisa literária de obras teóricas tais como artigos acadêmicos, doutrina atinente ao
tema e dados e informações publicadas em pesquisas disponíveis para acesso geral.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O tema do direito à saúde, sabidamente, não é um tema novo, e há muito é
debatido. Entretanto, para fins deste trabalho, alguns postulados merecem ser
clarificados para estabelecer a relação entre este direito e o direito à proteção de dados.
Inicialmente, este já aludido extenso debate se verifica tendo em vista que a
“enorme importância dada à tutela geral da saúde traduz-se no fato da sua própria
conquista, geralmente associada a um novo tipo de Estado, que deixa suas vestes
liberais e se assume como um Estado Social de Direito (FONTES, 2021)”.
Ademais, esse largo debate assentou determinados entendimentos, no sentido de
que o direito à saúde, para além da Constituição, é considerado um direito social pela
própria construção do ordenamento jurídico nacional:

Posto seja anunciado como um direito social – o que levaria ao


raciocínio de um direito subjetivo público, [...] o reconhecimento
de um direito fundamental à saúde assim se generalizou na
literatura jurídica e nos julgados dos tribunais do País. (FONTES,
2021)

Isto considerado, pode-se colacionar, então, a previsão do aludido direito


constante na Constituição Federal de 1988, da qual emana tal entendimento:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. (BRASIL, 1988)
[...]
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (BRASIL, 1988)
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 283


Ademais, constam previsões, no próprio texto constitucional, da possibilidade de
prestação de assistência à saúde por entidades privadas, além das públicas, na
disciplina do art. 199 da Carta Constitucional (BRASIL, 1988).
A seguir, uma vez investigado, ainda que minimamente, o conjunto de
pressupostos constitucionais do direito fundamental à saúde, passa-se a considerar
sobre o direito fundamental à proteção de dados.
A evolução do tratamento de dados pessoais como direito humano culmina no
atual momento histórico, onde a evolução tecnológica sem precedentes tornou, de
forma muito rápida, os usuários de sistemas e os cidadãos em geral vulneráveis à
captação e uso de seus dados. Neste sentido, “a proteção dos dados pessoais alcançou
uma dimensão sem precedentes no âmbito da assim chamada sociedade tecnológica,
notadamente a partir da introdução do uso da tecnologia da informática e da ampla
digitalização (BIONI et al, 2021, p. 40).”
Em relação ao ordenamento pátrio, a legislação brasileira sofreu significativa
inovação com a promulgação da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, chamada
LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados. Sobre o tema, o artigo 1º a referida legislação
estabeleceu que “qualquer pessoa que trate dados, seja ela natural ou jurídica, de
direito público ou privado, inclusive na atividade realizada nos meios digitais, deverá
ter uma base legal para fundamentar os tratamentos de dados pessoais que realizar
(BIONI et al., 2021, p. 132).”
Ato contínuo, por meio da recente Emenda à Constituição nº 155/2022, a
Constituição Federal passou a contar com previsão expressa do direito à proteção de
dados no rol do seu consagrado art. 5º, asseverando que “é assegurado, nos termos da
lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais; [...] (BRASIL,
1988).”
Assim, cada vez mais se faz necessário o estudo do direito humano/fundamental
à proteção de dados pessoais, porque é tema presente no dia a dia da sociedade
moderna e possui grande impacto nas relações das pessoas com governos e entidades
privadas.
Resta, ainda, ao presente estudo, apresentar um conjunto sólido de
informações recolhidas através de pesquisas com quantitativos consideráveis, que são
capazes de demonstrar com fidelidade aceitável a realidade da utilização dos sistemas
de informação e do armazenamento, tratamento e proteção dos dados dos usuários
dos sistemas de saúde no país, construindo um diagnóstico da situação.
SUMÁRIO

284 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A principal fonte, ou parâmetro de quantificação dos dados que serão


apresentados, é a TIC Domicílios 2021, de responsabilidade do Centro Regional de
Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.BR, 2021).
A pesquisa apresenta uma ampla gama de indicadores, conforme se verá, e este
contexto deve ser avaliado na relação entre a proteção de dados e o direito à saúde, ou
seja, no contexto de tratamento de dados em saúde no Brasil.
Estabelecidos estes pressupostos, pode-se analisar os dados constantes nos
principais indicadores da pesquisa TIC Domicílios (CETIC.BR, 2021) no que concerne
ao tema de segurança da informação, proteção de dados e informatização dos
sistemas, não apenas públicos, mas também privados (eis que autorizados pela
Constituição).
O estudo leva em consideração, em números absolutos, 40. 194 clínicas
especializadas ou ambulatórios especializados, 7.611 hospitais (públicos e privados,
não especificados), 42.380 UBS ou Unidade de Saúde da Família, além de 15.234
chamados serviços de apoio a diagnóstico, tais como laboratório (CETIC.BR, 2021).
Percebe-se, então, em números, que a amostragem é capaz de oferecer um
panorama considerável sobre o tema.
Informa a pesquisa (CETIC.BR, 2021) que 62,8% dos estabelecimentos
pesquisados não possui qualquer documento definidor de políticas de segurança nos
seus sistemas TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação). De pronto, já se verifica
uma grave vulnerabilidade neste sentido, eis que não existem, pelo que se depreende,
parâmetros internos claros para a guarda e tratamento dos dados dos usuários dos
serviços de saúde que procuram tais estabelecimentos.
Dos estabelecimentos pesquisados (CETIC.BR, 2021), 29,2% utilizam seus
sistemas informatizados para enviar listas de todos os medicamentos prescritos ao
paciente para (ou recebem de) outros estabelecimentos de saúde, dentre outras
atividades desta natureza.
Percebe-se, pelo apresentado, que há uma enorme gama de atividades possíveis
que envolvem o compartilhamento, entre os estabelecimentos, de dados sensíveis
relacionados à saúde dos pacientes/usuários.
O estudo (CETIC.BR, 2021) demonstra, ainda, que 44,2% dos estabelecimentos
pesquisados utilizam proteção por senha dos arquivos enviados ou recebidos e 81,9%
utilizam senha para acesso ao sistema eletrônico. Além disso, antivírus (91,4%) e
firewall (64,2%) são ferramentas de segurança amplamente utilizadas.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 285


Ocorre que tais práticas são, em certa medida, já ultrapassadas ou rudimentares
quando se trata de alta confidencialidade e proteção de dados. Outras práticas mais
sofisticadas, como biometria, são utilizadas em flagrante menor escala. A biometria
para o acesso ao sistema eletrônico é utilizada apenas por 10,2% dos pesquisados
(CETIC.BR, 2021). Ademais, o duplo-fator de autenticação é prática de apenas 15 %
dos estabelecimentos pesquisados (CETIC.BR, 2021).
Outro dado que chama atenção neste recorte da pesquisa, ainda, é que a proteção
contra vazamento de informação é implementada em apenas 23,6% dos
estabelecimentos pesquisados (CETIC.BR, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela exploração do tema dos direitos fundamentais à saúde e a proteção de dados,
em conjunto com os dados apresentados, conclui-se, através da presente pesquisa,
que, em que pese exista uma série de serviços disponíveis e uma série de práticas de
compartilhamento de dados de usuários dos sistemas de saúde, há um ponto sensível
na questão da proteção dos mesmos nos sistemas TIC das entidades pesquisadas, uma
vez que estas utilizam sistemas ainda muito básicos de segurança, o que pode levar a
um vazamento de dados nocivo aos usuários.
Foram apontados, portanto, alguns pontos considerados nevrálgicos no que
concerne ao compartilhamento de dados de saúde, enquanto dados sensíveis, bem
como algumas deficiências gritantes nos sistemas TIC dos estabelecimentos de saúde,
uma vez que possuem alto índice de informatização e, ao mesmo tempo, pouca
normatização interna e baixo nível de segurança em seus sistemas – ou utilização de
ferramentas de segurança flagrantemente insuficientes para proteger informações tão
essenciais quanto dados de usuários de sistemas de saúde.
Palavras-chave: Direito à Saúde. Proteção de Dados Pessoais. Tecnologia da
Informação.

REFERÊNCIAS
BIONI, Bruno et al. Tratado de Proteção de Dados Pessoais. Forense: Edição do Kindle. 2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível em: h�p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 26 de
julho de 2022.

BRASIL. GOV.BR. Disponível em: h�ps://www.gov.br/pt-br. Acesso em: 01/08/2022.

Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Pesquisa


sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros: pesquisa TIC
Domicílios, ano 2021. Disponível em: h�ps://cetic.br/pt/arquivos/domicilios/2021. Acesso em: 12/08/2022.
SUMÁRIO

286 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

49
A SAÚDE COMO DIREITO UNIVERSAL: os limites impostos
pelas fronteiras

HEALTH AS A UNIVERSAL RIGHT: the limits imposed by borders

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa “SER MIGRANTE” NO ESTADO


DO RIO GRANDE DO SUL: Saúde, Gênero e Inclusão Social dos Migrantes residentes na Região
Noroeste do Estado – Edital FAPERGS nº 05/2019 – Programa Pesquisador Gaúcho – PqG –
Faixa A e do Projeto Saúde e trabalho: a inclusão social de migrantes a partir dos marcos legais e
das políticas públicas existentes no Brasil e na Itália – Edital Universal CNPq – Chamada
CNPq/MCTI/FNDCT N° 18/2021, desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos – Mestrado e Doutorado da UNIJUÍ
(Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul).

Bruna Kronberg de Almeida


Bolsista CNPq/UNIJUÍ, do Projeto “SER MIGRANTE” NO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL: Saúde, Gênero e Inclusão Social dos Migrantes residentes na Região Noroeste do Estado –
Edital FAPERGS N° 05/2019. Aluna da graduação em Direito da UNIJUI. E-mail:
kronbergbruna84@gmail.com.

Maria Luiza Zimmermann


Bolsista CNPq/UNIJUI, do Projeto “SER MIGRANTE” NO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL: Saúde, Gênero e Inclusão Social dos Migrantes residentes na Região Noroeste do Estado –
Edital FAPERGS N° 05/2019. Aluna da graduação em Direito da UNIJUI. E-mail:
maluzimmerman@gmail.com.

Janaína Machado Sturza


Pós doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma
Tre/Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.
Especialista em Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, lecionando
na graduação em Direito e no Programa de pós-graduação em Direito – mestrado e
doutorado. Integrante da Rede Iberoamericana de Direito Sanitário. Integrante do grupo
de pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS –
PqG Edital N° 05/2019 e Pesquisadora Universal CNPq – Chamada CNPq/MCTI/FNDCT
N° 18/2021. E-mail: janasturza@hotmail.com.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 287


INTRODUÇÃO
Discutir sobre migração pode parecer um fato desanexo a realidade do
cotidiano, porém as pessoas que foram forçadas a recorrer esse processo estão
inseridas na sociedade brasileira, precisando serem vistas, ouvidas e
compreendidas, pois são indivíduos humanos detentores de direitos, sendo que é
dever do Estado, no qual a pessoa estabeleça residência e não necessariamente
pertença aquela nacionalidade, disponibilizar os meios necessários para que
qualquer membro da sociedade possa dispor de uma vida digna, inclusive a pessoa
migrante.
Dessa maneira, através do método hipotético-dedutivo, utilizando dados
quantitativos, artigos científicos e os princípios normativos previstos pela
Constituição Brasileira, a presente pesquisa ter por objetivo identificar a efetivação
do acesso ao SUS pelas pessoas migrantes, discorrendo acerca de suas demandas e
desafios em dispor deste direito fundamental.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O artigo 198 da Constituição brasileira, determina o acesso público gratuito à
saúde, prestado pelo Sistema Único de Saúde- SUS- conforme previsto na Lei nº
8.080, de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990). O SUS tem como objetivo “a
assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação
da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades
preventivas” (Lei n°8.080/90, capítulo 1, art.5°, III). “Todos os brasileiros e
estrangeiros residentes no país” podem dispor do serviço do SUS (art.5º, caput,
CF/88), pois o direito de acessar a saúde é um fundamento universal que não pode
se limitado por condições monetárias ou então pelas fronteiras do poder estatal.
No que tange, então, a disponibilidade de acesso ao sistema público de saúde
brasileiro pelas pessoas migrantes e a demanda dos referidos, conforme dados
coletados de 06 Estados pelo Migra Cidades 2020, Sistematização e Análise dos
Dados Sobre a Dimensão de Acesso à Saúde, o estado do Paraná referiu “estabelecer
orientações, fluxos ou protocolos na rede de saúde para facilitação e qualificação do
acesso, acolhimento e atendimento em saúde para migrantes”. Nesta senda, todos os
estados, com exceção do Mato Grosso do Sul, afirmaram que os refugiados têm
acesso à atenção primária em saúde e aos encaminhamentos para serviços de
atenção ambulatória/hospitalar, mesmo que os acessos aos serviços primários não
seja uma competência estatal.
SUMÁRIO

288 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Ademias, pôde-se constatar que os estados do Ceará, Minas Gerais, Paraná e


Rio Grande do Norte, possuem medidas para desburocratizar o acesso ao Sistema
Único de Saúde, de maneira a não ser exigido documentação nacional e a
facilitação no cadastro para o cartão SUS, fato que torna concreto o direito universal
de acesso à saúde.
Sinala-se que, conforme pesquisa realizada por Luiza Nogueira Losco e Sandra
Francisca Bezerra Gemma, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes), junto a Unidade Básica de Saúde do Bairro Bom
Retiro/SP, entre os 15 mil pacientes atendidos na referida, estima-se que 5 mil são
bolivianos caracterizados “como pessoas humildes, recatadas, tímidas, que sofrem
com estigmas e que vivem em uma situação de vulnerabilidade” (LOSCO;
GEMMA; 2021). Observa-se que:

As condições de vida da maioria dos imigrantes bolivianos em


São Paulo estão intimamente associadas ao acesso aos serviços
de saúde. Pesquisadores mostram que o trabalho precário que
realizam e o tempo de residência no país são fatores que vão
influenciar a demanda por serviços de saúde, principalmente os
dos serviços de atenção básica (...). A relação entre o local de
residência e a influência na saúde da população corrobora com
a ideia de que, em áreas mais degradadas, as pessoas tendem a
adoecer com mais frequência do que aquelas que vivem em
locais com mais infraestrutura (LOSCO; GEMMA;2021).

Referente ao Estado do Rio Grande do Sul, conforme o Boletim Informativo:


saúde da população migrante internacional residente no RS, este possuía, até o ano
de 2020, 161.960 pessoas migrantes com registro de CNS (Cartão Nacional de
Saúde) e residentes no estado, sendo que se destacavam as nacionalidades
Haitiana, Uruguaia, Venezuelana e Argentina.
As principais razões pelas quais estes migrantes acessaram o sistema de saúde
podem ser visualizadas no seguinte gráfico:
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 289

Observa-se que em 2020, aumentaram drasticamente os atendimentos clínicos


à migrantes em virtude de acidentes graves de trabalho, o que deriva das condições
de vulnerabilidade social, econômica, documental e de integração dos refugiados
que acabam por se submeter a trabalhos com condições insalubres quando não
conseguem se empregar de outra maneira, ou mesmo são desvalorizados pelo
preconceito que os coloca em uma posição inferior ao cidadão do Estado.
Se faz necessário destacar que uma das principais barreiras a serem enfrentadas
pela pessoa migrante é o domínio da língua, de maneira que lhe são limitados os
recursos e direitos que pode usufruir:

Segundo o IPEA/Ministério da Justiça (2015), alguns estados vêm


enfrentando dificuldade na prestação de serviços básicos como:
escola, saúde, assistência social em geral nos órgãos públicos,
devido ao idioma. Por sermos um país monolíngue, grande parte
da população brasileira não domina o segundo idioma, o
que se reflete diretamente no atendimento dos imigrantes
nesses locais públicos. (SILVA; FERNANDES, 2017).
SUMÁRIO

290 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Ademais:

A questão do idioma se mostra uma das principais barreiras,


relatadas pelos profissionais de saúde, fato também relatado em
outros estudos sobre o atendimento à população imigrante
(LOSCO; GEMMA; 2021).

É preciso, nesse caso, afastar o ideal de que todos são iguais, isso pois os
imigrantes não estão em pé de igualdade na sociedade. “Os imigrantes são desiguais,
mesmo que temporariamente, e por isso, devem ser tratados de forma desigual para
que seja preservado os direitos inerentes a toda pessoa” (SILVA, Leda Maria Messias
da; LIMA, Sarah Somensi, 2017).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que existe a conscientização dos entes estatais de que o ser migrante
pode dispor dos direitos constitucionais brasileiros, em especial o acesso ao sistema
público e gratuito à saúde, contudo não são tomadas as devidas providências que
regularizem concretamente e judicialmente esses direitos.
Por exemplo, é conhecimento social que para poder utilizar o SUS se necessita
possuir cadastro com o cartão da respectiva unidade, mas legalmente não é dessa
forma. A Portaria nº 1.560, de 29 de agosto de 2002 decreta em seu artigo 5° que “a
ausência do CARTÃO SUS não poderá impedir o atendimento à pessoa brasileira ou
estrangeira, com qualquer tipo de visto de entrada no país, em qualquer unidade de
saúde integrante do Sistema Único de Saúde, sob pena do cometimento de crime de
omissão de socorro”(BRASIL, 2002), porém essa informação não é de conhecimento
comum o que limita ao migrante exigir ser atendido no SUS, por não saber que é seu
direito ser atendido.
Palavras-chave: Migrante. Saúde. Direitos. Vulnerabilidades. Acesso.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: h�p://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27/04/2023.

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: h�p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/


l8080.htm. Acesso em: 27/04/2023.

BRASIL. PORTARIA Nº 1.560, DE 29 DE AGOSTO DE 2002. Disponível em: h�ps://bvsms.saude.gov.br/


bvs/saudelegis/gm/2002/prt1560_29_08_2002_rep.html. Acesso em: 27/04/2023.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 291


LOSCO, Luiza Nogueira; GEMMA, Sandra Francisca Bezerra. Atenção Primária em Saúde para Imigrantes
Bolivianos no Brasil. Interface (Botucatu). 2021. Disponível em: h�ps://www.scielo.br/j/icse/a/
VPvkQXHrXqCFsWm8rfSWZcQ/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 27/04/2023.

Migra Cidades 2020. Sistematização e Análise dos Dados Sobre a Dimensão de Acesso à Saúde.
Disponível em: file:///E:/Users/Usuario/Downloads/migracidades%20sa%C3%BAde.pdf. Acesso em:
27/04/2023.

SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE. Boletim Informativo: saúde da população migrante internacional


residente no Rio Grande do Sul. Outubro de 2021. Disponível em: h�ps://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/
202110/08154829-boletim-informativo-saude-da-populacao-de-migrantes-no-rs.pdf. Acesso em: 27/04/2023.

SILVA, Filipe Rezende; FERANDES, Duval. Desafios enfrentados pelos imigrantes no processo de
integração social na sociedade brasileira. Revista do Instituto de Ciências Humanas –vol.13, nº18, 2017.
Disponível em: h�p://periodicos.pucminas.br/index.php/revistaich/article/view/16249/12788. Acesso em:
27/04/2023.

SILVA, Leda Maria Messias da; LIMA, Sarah Somensi. Os imigrantes no Brasil, sua vulnerabilidade e o
princípio da igualdade. Rev. Bras. Polít. Públicas (Online), Brasília, v. 7, nº 2, 2017 p. 384-403. Disponível em:
h�ps://www.researchgate.net/profile/Leda-Maria-Silva/publication/320203829_OS_IMIGRANTES_NO_
BRASIL_SUA_VULNERABILIDADE_E_O_PRINCIPIO_DA_IGUALDADE/links/
5dc589ff299bf1a47b23d708/OS-IMIGRANTES-NO-BRASIL-SUA-VULNERABILIDADE-E-O-PRINCIPIO-
DA-IGUALDADE.pdf. Acesso em: 27/04/2023.
SUMÁRIO

292 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

50
OS IMPACTOS DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA NA
APOSENTADORIA ESPECIAL E NA PROTEÇÃO DA SAÚDE
DO TRABALHADOR

THE IMPACTS OF WELFARE REFORM ON SPECIAL RETIREMENT AND


WORKER'S HEALTH PROTECTION

Adriana Rafaela Paz Dias


Advogada, especialista em Direito do Previdenciário e especialista em Direito do Trabalho.
E-mail: adrianadias@carolinamenegonadvocacia.com

Carolina Menegon
Advogada e Professora no Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, Mestre em Direito pela mesma instituição, e-mail:
carolina.menegon@unijuí.edu.br ou contato@carolinamenegonadvocacia.com

Daiane Caroline Kamphorst


Advogada, Pós-graduanda em Seguridade Social e Prática em Direito Previdenciário, E-mail:
daianekamphorst@carolinamenegonadvocacia.com

INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional n.º 103/2019, conhecida como Reforma da Previdência,
trouxe uma série de mudanças nas regras e requisitos para concessão da
aposentadoria especial. Nesse sentido, mostra-se importante avaliar os impactos
dessas mudanças na proteção da saúde do trabalhador, já que este benefício está
intimamente relacionado com as condições do ambiente de trabalho. Assim, a
problemática da pesquisa se embasa nos seguintes questionamentos: Quais foram as
mudanças na aposentadoria especial a partir da Reforma da Previdência? As
mudanças foram favoráveis ou desfavoráveis ao trabalhador?
Preliminarmente, se apresenta a hipótese de que as mudanças na aposentadoria
especial são prejudiciais à saúde do trabalhador. Acredita-se, outrossim, que a
possibilidade de uma flexibilização na reforma, com a retomada da possibilidade de
conversão do tempo especial em tempo comum e a extinção do requisito de idade
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 293


mínima, serviria como instrumento para garantir maior proteção à saúde do
trabalhador.
A abordagem do tema exposto na pesquisa se fundamenta principalmente no
fato de as autoras serem advogadas e atuarem na área previdenciária, logo, tal
exercício profissional propicia um olhar crítico e de prática com casos reais.
O desenvolvimento do trabalho adota o método hipotético-dedutivo de
abordagem, servindo, dessa forma, para instituir parâmetros e limites claros de
construção da pesquisa, cujo desenvolvimento se dará através de pesquisas baseadas
em livros, artigos, legislações e jurisprudências. Para atingir o objetivo dessa pesquisa,
anteriormente proposto, o trabalho será dividido em duas partes, na primeira parte
iremos abordar as mudanças na aposentadoria especial a partir da Reforma da
Previdência explicando as três novas regras, quais sejam, a regra permanente, a regra
transitória e a regra de transição. E na segunda parte iremos discorrer sobre os
impactos dessas mudanças no que tange à saúde do trabalhador.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A aposentadoria especial surgiu como uma alternativa diante da opção do
legislador em compensar o desgaste dos trabalhadores com os adicionais de
insalubridade ou periculosidade. A sua finalidade é a redução dos riscos no meio
ambiente do trabalho em segundo plano, considerando o fato de alguns serviços, a
despeito da sua insalubridade, continuarem a existir ou a tecnologia não evoluir o
suficiente para torná-los virtuais.
Esta situação justifica o tratamento diferenciado ao segurado que exerce atividade
especial, uma vez que, baseado no binômio probabilidade/magnitude do risco
inerente a este tipo de labor, não é razoável que lhe sejam aplicadas as mesmas regras
e requisitos do trabalhador ordinário.
A aposentadoria especial é benefício previdenciário concedido ao segurado
exposto permanentemente a agentes nocivos, de ordem física, química ou biológica,
em ambiente insalubre. Tem previsão constitucional no artigo 201, §1º e artigo 40, §4º
da Constituição Federal, mas seus requisitos, que eram previstos nos artigos 57 a 58 da
Lei 8.213/91 e artigos 64 a 70 do Decreto 3.048/99, sofreram alterações pelos artigos 10
e 19 da Emenda Constitucional n. 103/2019.
Verifica-se, porém, que a Emenda Constitucional n.º 103/2019 alterou
significativamente a aposentadoria especial, deixando para futura Lei Complementar
dispor os critérios de concessão de aposentadoria em favor dos segurados cujas
atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos e
SUMÁRIO

294 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedados a caracterização


por categoria profissional ou ocupação e o enquadramento por periculosidade.
A regra transitória, prevista no artigo 19 da EC 103/2019, traz os critérios que
serão utilizados até a edição da futura lei complementar no Regime Geral de
Previdência Social. Veja-se:

ANTES DA REFORMA DEPOIS DA REFORMA

Previsão Legal: A aposentadoria especial


Previsão Legal: Será regulamentada por
estava prevista no artigo 57 e 58 da Lei
futura lei complementar, valendo por
8.213/91, em decorrência da previsão
enquanto as regras de transição previstas
constitucional do artigo 201, §1º, que
na EC 103/2019 (artigo 19).
autoriza a criação de critérios e requisitos
diferenciados para a aposentadoria
quando o trabalho for nocivo à saúde.
Requisitos: O segurado deverá acumular
Requisitos: Para ter direito à
idade mínima e tempo de contribuição na
aposentadoria especial, o trabalhador
atividade insalubre: 55 anos de idade,
deveria comprovar, além do tempo de
quando se tratar de atividade especial de
trabalho, efetiva exposição aos agentes
15 de contribuição; 58 anos de idade,
físicos, biológicos, químicos ou associação
quando se tratar de atividade especial de
de agentes prejudiciais pelo período
20 anos de contribuição; e 60 anos de
exigido para a concessão do benefício (15,
idade, quando se tratar de atividade
20 ou 25 anos). Havia autorização da
especial de 25 anos de contribuição. Não
conversão do tempo especial em comum
autoriza a conversão do tempo especial em
conforme tabelas dos artigos 66 e 70 do
comum posterior à promulgação da
Regulamento da Previdência Social.
EC103/2019.

A partir do comparativo acima exposto, é notório que a Reforma da Previdência


foi bastante prejudicial ao trabalhador que labora em atividades especiais. A reforma
manteve o tempo mínimo de contribuição, porém passou a exigir também uma idade
mínima.
Exigir uma idade mínima para a aposentadoria especial, sendo ela de 55 a 60
anos, não apenas interfere, mas potencializa diversos riscos causados pelos agentes
nocivos à saúde presentes neste tipo de labor.
Diego Henrique Schuster (2021, p. 78) traz um estudo de sinistralidade realizado,
em que foram analisados 3.526.911 acidentes de trabalho no contexto de algumas
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 295


atividades especiais, divididos em dois grupos: as pessoas abaixo de 55 anos e acima
de 55 anos de idade.
A conclusão não poderia ter sido diferente; foi verificado que os acidentes mais
graves ou fatais aconteceram com os trabalhadores acima de 55 anos de idade, sendo
que a idade foi um fator determinante para o resultado fatal ou grave nas
metalúrgicas, extração de minérios e indústrias de madeiras.
Se anteriormente, o único requisito para aposentadoria especial era o tempo de
efetiva exposição a agentes nocivos, adicionar o requisito da idade faz com que os
trabalhadores, mesmo já tendo completado tal requisito, se mantenham em ambientes
insalubres até completar a idade necessária.
Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro (2020, pg. 256), traz uma reflexão acerca do
tema, apontando que:

Se o trabalhador faz jus à concessão da aposentadoria especial,


após 15, 20 ou 25 anos de atividade, exigir-se que nela permaneça
até alcançar o limite da idade prevista na PEC 06, para receber o
benefício, equivale a condená-lo a uma pena de trabalho forçado,
condições análogas à escravidão, constituindo uma violação dos
direitos ao homem, na forma prevista pela Carta das Nações
Unidas enunciados na Declaração Universal dos Direitos do
Homem

É bem verdade que os únicos países que não têm idade mínima para
aposentadoria especial são Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Egito, Equador, Hungria,
Lêmen, Irã, Iraque, Luxemburgo, Sérvia e Síria. Acontece que o Brasil é um país
continental, razão pela qual a idade mínima proposta atinge de forma
desproporcional, regiões, estados e pessoas, em razão da diferença na expectativa de
vida - principalmente por fatores socioeconômicos. Aqui se poderia falar na
expectativa de sobrevida com qualidade, que, no Brasil, gravita em torno de 65 anos,
ficando atrás de países como México, Chile, Portugal, para citar apenas estes.
(SCHUSTER, 2021, p. 25).
Assim, impor um requisito etário representa uma clara violação aos próprios
princípios norteadores da aposentadoria especial, constituindo, como exposto acima,
uma espécie de trabalho forçado que invariavelmente irá impactar de forma negativa
à saúde dos trabalhadores brasileiros. Por essa razão, inclusive, pende de análise junto
ao Supremo Tribunal Federal a ADI 6309, proposta pela Confederação Nacional dos
SUMÁRIO

296 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Trabalhadores da Indústria, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, que vem


debater a inconstitucionalidade das regras da reforma que determinaram a instituição
de idade mínima na aposentadoria especial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reforma da previdência trouxe consigo mudanças nada benéficas aos
trabalhadores, principalmente no que concerne à aposentadoria especial. A partir dos
dados acima expostos, verifica-se que o trabalhador precisa trabalhar mais tempo em
condições insalubres, e ter mais idade, para poder usufruir da aposentadoria especial.
Dessa forma, a saúde dos trabalhadores que estão expostos a ambientes de trabalho
insalubres ou periculosos será afetada negativamente. Se na prática o trabalhador terá
que continuar no ambiente insalubre até atingir a idade mínima, pode ocorrer a
própria invalidação da regra especial de menor tempo para a aposentadoria especial.
Ou seja, tal alteração legislativa poderá importar em retrocesso social e incongruência
com a própria normatização legal e constitucional pátria, o que vai de encontro aos
avanços civilizatórios alçados pela Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: Aposentadoria. Especial. Labor. Condições insalubres.

REFERÊNCIAS
MAIA FILHO, Napoleão Nunes; WIRTH, Maria Fernanda Pinheiro. Primazia dos direitos humanos na
jurisdição previdenciária: teoria da decisão judicial no garantismo previdenciarista. Curitiba: Alteridade
Editora, 2019.

SCHUSTER, Diego Henrique. Aposentadoria especial e a nova previdência: os caminhos do Direito


Previdenciário. Curitiba: Alteridade Editora, 2021.

LANDENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria especial: Dissecando o PPP - De acordo com
a EC 103/2019. São Paulo: LUJUR Editora, 2020.

DOMINGOS, Carlos “Cacá”. Aposentadoria especial no Regime Geral de Previdência Social: Antes e
Depois da Reforma da Previdência. São Paulo: LUJUR Editora, 2020.

RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria especial: regime geral da previdência social e
atualizado com a reforma da previdência- de acordo com a Emenda constitucional 103/2019. 10. ed., rev.,
atual. Curitiba: Juruá, 2020.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 297

51
POLÍTICAS PÚBLICAS COMO ENFRENTAMENTO DA BARREIRA
LINGUÍSTICA DOS VENEZUELANOS PARA ACESSAR O
DIREITO À SAÚDE

PUBLIC POLICIES AS A RESPONSE TO THE LINGUISTIC BARRIER OF


VENEZUELANS TO ACCESS THE RIGHT TO HEALTH

Cláudia Marilia França Lima Marques


Bolsista Capes Integral. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos
da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, Ijuí/RS. Pós-Graduada em
Direito Civil pela Universidade Dom Alberto, Santa Cruz do Sul/RS. Pós-Graduada em
Direito Penal pela Universidade Dom Alberto, Santa Cruz do Sul/RS. Graduada em Direito
pela Universidade de Cruz Alta, Cruz Alta/RS. E-mail: claudia.franca@sou.unijui.edu.br

Janaína Machado Sturza


Pós doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/
Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em
Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, lecionando na graduação
em Direito e no Programa de pós-graduação em Direito – mestrado e doutorado. Integrante
da Rede Iberoamericana de Direito Sanitário. Integrante do grupo de pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS – PqG Edital N° 05/2019 e
Pesquisadora Universal CNPq – Chamada CNPq/MCTI/FNDCT N° 18/2021. E-mail:
janasturza@hotmail.com.

INTRODUÇÃO
A imigração venezuelana para o Brasil tem aumentado significativamente nos
últimos anos devido à crise econômica e política no país vizinho. Nesse contexto, sabe-
se que alguns venezuelanos migram para o Brasil em busca de atendimento médico,
tendo em vista o colapso do sistema de saúde em seu país de origem.
Todavia, os imigrantes enfrentam diversas barreiras para garantir o direito à
saúde. Nesse sentido, um dos fatores que impedem o pleno acesso ao direito à saúde
é a diferença de idioma. Os venezuelanos enfrentam dificuldades de comunicação por
não dominarem o idioma português e, assim, não conseguem, por exemplo, explicar
SUMÁRIO

298 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

os sintomas que estão sentindo. Por sua vez, os profissionais de saúde não conseguem
se adaptar às especificidades desses pacientes. Perante este contexto, a pesquisa tem o
escopo de levantar questões sobre a importância da comunicação para perfectibilizar
o direito à saúde aos venezuelanos, de modo a buscar a conscientização acerca da
necessidade de criação de políticas públicas e ações afirmativas que visem assegurar
uma abordagem mais benéfica no sentido linguístico para aprimorar a assistência aos
imigrantes.
Acerca da problemática, sabe-se que a linguagem desempenha um papel crucial
na prestação de serviços médicos, pois é por meio dela que os profissionais de saúde e
os pacientes se comunicam. Uma comunicação eficaz é essencial para o diagnóstico
correto e tratamento adequado. Assim, surge a necessidade de criação de ações
estatais que busquem, por exemplo, a oferta de cursos de língua para os imigrantes
venezuelanos, além de ensinamentos sobre técnicas de abordagem aos profissionais
de saúde.
Ressalta-se que a pesquisa é classificada como bibliográfica e qualitativa, uma vez
que busca abordar a problemática por meio da interpretação de fenômenos
relacionados, atribuindo significado a eles. É qualitativa porque considera a relação
dinâmica entre o mundo real e a subjetividade do sujeito. Além disso, é bibliográfica,
pois se baseia na análise de textos previamente publicados, como livros, artigos
científicos, legislações e doutrinas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As condições políticas, sociais e econômicas da Venezuela foram fatores que
produziram um cenário de intensa miserabilidade e grandes transgressões aos direitos
humanos básicos. A Venezuela apresenta inúmeros problemas, tais como falta de
acesso ao trabalho digno, saúde de qualidade, educação. Dessa forma, os
venezuelanos foram obrigados a sair de seu país e migrar em busca de melhores
condições de vida (PAULA et al., 2019).
Inúmeros são os fatores que fazem com que os Venezuelanos escolham migrar
para o Brasil. A falta de limitação física entre as fronteiras e as similaridades entre o
Estado Bolívar ao sul da Venezuela e o Estado de Roraima ao norte do Brasil são
pontos importantes para que a migração aconteça (RODRIGUES, 2006, p. 3).
Além disso, o Brasil é o país mais buscado pelas famílias venezuelanas que
decidem migrar, pois a legislação brasileira elenca inúmeras garantias aos imigrantes.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, no caput do artigo 5º, versa sobre os
direitos e garantias fundamentais. O caput do artigo 5° garante que todos são iguais
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 299


perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (BRASIL, 1988). Outrossim, a nossa
lei máxima dispõe no referido artigo, em seu inciso XV, que “é livre a locomoção no
território nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei,
nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens'' (BRASIL, 1988).
Com o aumento dos fluxos migratórios dos venezuelanos, surge uma discussão
sobre a obrigação dos Estados de proteger os direitos sociais fundamentais dos
imigrantes, incluindo o acesso à saúde. Muitos imigrantes têm uma necessidade
urgente de assistência médica, uma vez que o sistema de saúde da Venezuela está em
colapso (ARRUDA-BARBOSA; SALES; SOUZA, 2020). Acerca do direito à saúde, o
artigo 196 da nossa Constituição Federal dispõe: "A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Apesar de nossa lei máxima
determinar o acesso universal à saúde, muitos imigrantes encontram barreiras para
acessar plenamente essa garantia. Nesse sentido, é possível notar que existem vários
fatores que impedem o pleno acesso, sendo que o idioma é uma das maiores barreiras
culturais na prestação de assistência médica. Isso ocorre porque a linguagem é um dos
principais meios para estabelecer praticidade, vínculo e compreensão das orientações
terapêuticas pelo usuário. (ARRUDA-BARBOSA; SALES; SOUZA, 2020).
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Chubaci e Merighi (2002) realizaram
um estudo sobre a comunicação no processo de hospitalização de imigrantes
japoneses e concluíram que, além do idioma ser uma barreira para a compreensão da
doença e do tratamento, também é um obstáculo para a comunicação com a equipe
médica. Dessa forma, a comunicação verbal se torna essencial para estabelecer um
bom relacionamento entre as partes e criar confiança para o imigrante.
Os imigrantes venezuelanos também podem enfrentar essas dificuldades e
fragilidades adicionais em relação à saúde, pois a incapacidade de se comunicar de
forma adequada em português pode gerar sentimentos de desconfiança, dependência
dos familiares, sofrimento e arrependimento entre os imigrantes. Isso pode agravar
ainda mais sua vulnerabilidade no processo de saúde-doença, resultando em
possíveis sentimentos de impotência (ARRUDA-BARBOSA; SALES; SOUZA, 2020).
Além disso, Guerra e Ventura (2017) explicam que a barreira linguística torna-se
ainda mais acentuada em casos de doenças graves, pois os profissionais tendem a
utilizar mais termos técnicos para explicá-las, o que dificulta a compreensão dos
pacientes. Ademais, durante procedimentos que dependem da colaboração dos
pacientes, a compreensão das instruções pode ser ainda mais desafiadora.
SUMÁRIO

300 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

É necessário entender que não é razoável exigir que pessoas que passaram por
um intenso processo de migração, ainda sofram com a falta de acesso à saúde por
ainda não dominarem a linguagem do país em que estão inseridos.
Torna-se, portanto, essencial que os profissionais de saúde possuam sensibilidade
para compreender as mensagens transmitidas pelos pacientes, a fim de prestar
assistência adequada e eficiente às suas necessidades (GUERRA; VENTURA, 2017).
Todavia, muitas vezes não é isso que acontece. Nesse sentido, em um estudo
conduzido em Roraima, constatou-se uma considerável resistência ao uso do idioma
espanhol pelos enfermeiros entrevistados, acompanhada pela insuficiência de
investimentos na aprendizagem da língua nativa dos imigrantes (ARRUDA-
BARBOSA; SALES; SOUZA, 2020).
A falta de adaptação às barreiras linguísticas no cuidado ao imigrante
compromete seriamente a educação em saúde, que é uma das principais estratégias
para a promoção da saúde e prevenção de agravos. Isso afeta não apenas o cuidado de
enfermagem, mas também a assistência global em saúde, independentemente do nível
de complexidade do sistema, quando os profissionais de saúde não estão dispostos a
fazer as devidas adaptações (ARRUDA-BARBOSA; SALES; SOUZA, 2020)
Assim, nasce a necessidade de se debater acerca da importância da discussão da
linguagem como fator de auxílio no acesso à saúde. Nesse sentido, em estudo
realizado por Guerra e Ventura (2017) foi possível perceber que, embora tenha havido
a contratação de profissionais e a produção de informativos em espanhol em alguns
locais, essas medidas não se mostraram suficientes. Isso evidencia a necessidade de
formulação de novas políticas públicas e aperfeiçoamento das já existentes, já que
tanto os gestores quanto os profissionais de saúde não estão preparados para atender
às especificidades da população migrante (GUERRA; VENTURA, 2017).
Portanto, a falta de preparo dos gestores e profissionais de saúde para atender às
especificidades da população venezuelana, incluindo a barreira linguística, é um
problema real que compromete o acesso e a qualidade da assistência à saúde. Assim,
é necessário que sejam formuladas novas políticas públicas e que as já existentes sejam
aprimoradas para atender de forma mais efetiva às necessidades dessa população,
promovendo a inclusão e garantindo o acesso universal à saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve o escopo de refletir acerca da necessidade da criação de políticas
públicas para auxiliar a comunicação dos venezuelanos, a fim de perfectibilizar o
direito à saúde aos imigrantes. Assim foi possível observar, primeiro, que a linguagem
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 301


é um dos meios para estabelecer a praticidade, vínculo e compreensão entre os
imigrantes venezuelanos e os profissionais de saúde. A linguagem desempenha um
papel extremamente importante na prestação de serviços médicos, uma vez que a
comunicação clara consegue proporcionar um diagnóstico correto e um tratamento
adequado, além de sentimento de confiança entre os profissionais e os pacientes.
Conclui-se que há uma necessidade de se debater acerca da importância da
linguagem como fator de auxílio dos imigrantes venezuelanos no acesso à saúde, a fim
de evidenciar a necessidade de formulação de novas políticas públicas e
aperfeiçoamento das já existentes para que os gestores e profissionais de saúde estejam
preparados para atender às especificidades da população venezuelana.
Palavras-chave: Venezuelanos. Direito à saúde. Políticas Públicas. Linguagem.

REFERÊNCIAS
ARRUDA-BARBOSA, Loeste de; SALES, Alberone Ferreira Gondim; SOUZA, Iara Leão Luna de. Reflexos
da imigração venezuelana na assistência em saúde no maior hospital de Roraima: análise qualitativa.
Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 1-11, 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
2022.

BRASIL. Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017. Lei de Migração. Disponível em h�p://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm. Acesso em 05 mai. 2023.

CHUBACI, Rosa Yuka Sato; MERIGHI, Miriam Aparecida Barbosa. A comunicação no processo da
hospitalização do imigrante japonês. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 10, n. 6,
p. 805-812, dez. 2002.

GUERRA, Katia; VENTURA, Miriam. Bioética, imigração e assistência à saúde: tensões e convergências
sobre o direito humano à saúde no Brasil na integração regional dos países. Cadernos Saúde Coletiva, São
Paulo, v. 25, n. 1, p. 123-129, 30 mar. 2017.

PAULA, C, et al. A recepção, interiorização e violação aos direitos humanos dos refugiados venezuelanos
no Brasil. Revista Diálogos Interdisciplinares, Mogi das Cruzes, v. 8, p. 10-20, dez. 2019.

RODRIGUES, Francilene. Migração transfronteiriça na Venezuela. Estudos Avançados, São Paulo, v. 20, n.
57, p. 197-207, ago. 2006.
SUMÁRIO

302 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

52
BARRIGA DE ALUGUEL: o útero como uma mercadoria
para a biopolítica

RENT BELLY: uterus as a commodity for biopolitics

Trabalho desenvolvido a partir do artigo entregue para a disciplina “Biopolítica e Direitos


Humanos”, ministrada pelo Professor Dr. Maiquel Wermuth, no Mestrado em Direito da
UNIJUÍ.

Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth


Doutor em Direito Público pela UNISINOS. Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito da UNIJUÍ. Líder do Grupo de Pesquisa “Biopolítica e Direitos
Humanos”. Pesquisador Gaúcho - Edital FAPERGS nº 05/2019. E-mail: maiquel.
wermuth@unijui.edu.br

Da�ini Carneiro da Silva


Mestranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito da
UNIJUÍ. Bolsista CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa “Direitos Humanos, Governança
e Democracia”.Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: da�inicarneirodasilva@gmail.com

Ana Luísa Dessoy Weiler


Mestranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito da
UNIJUÍ. Bolsista PROSUC/CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos
Humanos. Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: anadessoyweiler@hotmail.com

INTRODUÇÃO
Este artigo pretende avaliar em que medida a “barriga de aluguel”, ou seja, a
mercantilização do útero, é mais uma das várias expressões da biopolítica na
sociedade brasileira, em que pese tratar-se de uma prática legal. O tema apresenta
especial relevância uma vez que no Brasil o instituto da barriga solidária tem se
tornado uma prática viável, regulamentada pela Resolução do Conselho Federal de
Medicina nº 2.294, de 27 de maio de 2021 (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA,
2021).
O artigo foi construído tendo como problema de pesquisa a seguinte pergunta:
seria a barriga de aluguel mais uma forma de biopoder sobre o corpo da mulher? A
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 303


hipótese inicial radica na afirmação de que a biopolítica atua de forma distinta sobre o
feminino, reduzindo a mulher a seu caráter reprodutivo, ou seja, definindo-a como
um meio de reprodução, não como um ser social, utilizando de mecanismos de
controle (ou não), conforme os interesses políticos e de manutenção de poder. A
“barriga de aluguel”, nesse sentido, faz parte de uma indústria reprodutiva, que não
só alimenta as desigualdades, como também é uma estratégia biopolítica de controle
do corpo feminino.
O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o
emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental, utilizando como autoras
Joice Graciele Nielsson e Christa Böll Wichterich.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os direitos sexuais e reprodutivos variam de uma legislação para outra. Essas leis
e regulamentações abrem espaços para diferentes discursos que acabam gerando em
algum aspecto, a depender de suas legislações, uma variada gama de vulnerabilidades
destinadas a uma só pessoa: a mulher.
A sociedade contemporânea é marcada por um discurso e pela força de um
sistema opressor e redutor, o patriarcado e o capitalismo, nos últimos tempos
fortaleceu a indústria e o turismo reprodutivo. Reduzindo um fator biológico a um
fator de mercado, ou seja, a existência de um útero tornou-se uma grande
possibilidade de fazer girar dinheiro, baseado na medicina reprodutiva um vasto
comércio foi implementado.
Sendo assim, o que os cientistas e pesquisadores produzem em laboratórios de
biotecnologia e cadeias produtivas é na verdade biocapital, e isso constitui uma forma
tecnocientífica de capitalismo” (WICHTERICH, 2015, p. 33).
Dessa forma, casais de classe média-alta podem exercer seus direitos de ter um
filho, seja do modo que for, independente de criar vulnerabilidades para outros
sujeitos, ou seja, quando casais exercem seus direitos reprodutivos, uma nova ordem
de reprodução mundial é alimentada, a indústria reprodutiva. Esta, é diversificada e
se aproveita usa dos dispositivos reprodutivos explorando diversidades sociais,
mercado internacional e as diferenças entre legislações de cada país, criando uma
expansão do mercado e monetizando as relações sociais. Pode-se observar que a lógica
das doações não obtêm mais espaço pois confundem e atrapalham as lógicas de
mercado.
O corpo e a mente das mulheres são treinados a produzir uma gravidez bem
sucedida e um produto de qualidade para outra pessoa. É necessário observar aqui a
SUMÁRIO

304 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

lógica do mercado: pagar e receber um produto com 100% de eficácia. O dispositivo


reprodutivo que usa o útero da mulher como uma mercadoria é um setor de mercado
e utiliza-se de métodos para sua venda (WICHTERICH, 2015).
Nesse sentido, é possível escolher desde a mulher que vai gestar o feto até as
características que esse vai possuir, uma vez que as agências comerciais de tecnologia
reprodutiva oferecem os produtos - substâncias biológicas de óvulos até úteros de
aluguel - de acordo com a demanda dos clientes, incluindo óvulos de mulheres com
cores específicas de pele, cor de olhos e cabelos, pontos de Q.I., etc. (WICHTERICH,
2015).
No Brasil a prática das barrigas de aluguel não é regulamentada e, em teoria, não
autorizada, uma vez que pressupõe a troca financeira. Todavia, autoriza-se técnicas de
reprodução assistida na forma das barrigas solidárias, que consiste em uma pessoa
que se voluntaria para a gestação e o desenvolvimento de um bebê de outro casal
dentro do seu próprio útero” (BARRIGA, 2022).
A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.294, de 27 de maio de 2021,
regulamenta as técnicas de reprodução assistida, as quais são voltadas para pessoas
transgêneros ou cisgêneros, heterossexuais e homossexuais, qualquer que seja o
estado civil. O documento reitera a proibição de troca financeira ou o uso da prática
como forma de obter lucro, todavia, não apresenta uma alternativa para fiscalizar se
há ou não fatores econômicos envolvidos (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA,
2021).
Dito isso, a barriga de aluguel é uma discussão antiga no Brasil, e o movimento
para sua legalização vem se fortalecendo. Rodrigo da Cunha Pereira (2012), em artigo
publicado no site da IBDFAM, afirmou que a regulamentação do mercado de barriga
de aluguel deve seguir a mesma lógica do mercado de trabalho, não se tratando de
uma compra e venda, nem da coisificação da criança e objetificação do sujeito.
Pereira (2012) traduz a atuação da biopolítica sobre os corpos das mulheres, em
especial, sobre o útero. A lógica patriarcal que move as instituições e o pensamento
masculino sobre algo que desconhece e não sente, e mesmo assim trata como posse.
“O que se estaria comprando ou alugando não é o bebê, mas o espaço(útero) para que
ele seja gerado” (PEREIRA, 2012, p. 1). Barriga solidária ou barriga de aluguel falam,
no fim, do mesmo órgão. Havendo ou não dinheiro envolvido na negociação,
apropriar-se-á do corpo de uma mulher.
Torna-se evidente que as técnicas de reprodução responsabilizam e empregam as
mulheres a exigência de gerar vidas saudáveis e úteis. Deixando-as isoladas na
responsabilidade de parir fetos que vão acrescentar no futuro dos povos. “Emerge
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 305


assim o sentido biopolítico da reprodutividade, que apresenta a procriação como
aparente conduta livre do indivíduo – “escolha” – mas constitui-se num modo pelo
qual a vida dos povos e populações possa ser gerenciada e manipulada” (NIELSSON,
2019, p. 885).
Esses modelos de injustiças que estão situadas as mulheres derivam de
políticas que se fundamentam e se reafirmam constantemente pela biologia, políticas
essas que se preocupam necessariamente com a gestão populacional e o quão
saudável é seu estado de vida. Nesse sentido, torna-se evidente o não lugar das
mulheres em um estado em que opera a biopolítica, deixando evidente as violências
de gênero e seus marcadores sociais da diferença.
É necessário considerar as características de quem detém o poder e as formas
como esse é exercido para menosprezar e colocar as mulheres, a partir de violências de
gêneros, em situações de vidas nuas. Dessa forma, quem detém o poder é o homem
branco, hetero, colonial que deseja estar sempre exercendo o controle, e para isso, o
corpo das mulheres fica a sua gestão e domínio. “Neste espectro, se consolida uma
confraria ou irmandade masculina, cujo pacto de pertencimento necessita de vítimas
sacrificiais, e no qual a mulher, reduzida a mera vida joga um papel funcional de
espaço de inscrição plena de atuação do poder, tanto disciplinar quanto biopolítico, no
limbo entre regra e exceção” (NIELSSON, 2019, p. 891).
O biopoder, nesse sentido, se concretiza quando realiza o trabalho de dissociar o
feto da mulher, sendo assim uma possibilidade reprodutiva, essa mulher constitui o
dispositivo da reprodutividade. A mulher terá então um papel significativo na vida
desse feto: reproduzir a vida e dar-lhe condições de sobrevivência. Dessa forma, se
caracteriza a biopolítica sobre o corpo das mulheres: marca o corpo e alma através do
dispositivo da reprodutividade, característica perversa do biopatriarcalismo,
produzindo um discurso de crueldade e completa redução do seu ser em razão do seu
sexo, seu gênero e seu útero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço que tem tomado questões que colocam as mulheres em constantes
situações de vulnerabilidades e práticas de gerar dinheiro tem se tornado cada vez
mais centro de discussões. Primeiramente porque abarca a narrativa de que existe a
liberdade de escolha sobre seu corpo, porém, é claro que é apenas mais uma das
formas de controle que o biopoder exerce e também por ser uma estrutura clara de
violência sobre o corpo reprodutivo feminino.
Essa é mais uma das formas de violência imposta às mulheres, tornando-as vidas
nuas que possuem função de reproduzir para o bem estar de outros, utilizando das
SUMÁRIO

306 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

técnicas de biopoder para usar o corpo da mulher como uma mercadoria que se
escolhe em uma prateleira de mercado.
A barriga solidária é uma prática – mesmo que nova – no país, de modo que
impossibilita a análise aprofundada de como é administrada e fiscalizada. Todavia, já
perceptível como sendo uma prática passível de ser usada como uma estratégia
biopolítica de controle, reafirmando a mulher como sendo um corpo, definido pela
reprodução. Ainda, teme-se que a prática da barriga solidária abra uma porta para um
negócio no qual o “aluguel” do útero é torne-se um negócio lucrativo e legal,
reprodutor de desigualdades.
Palavras-chave: Biopolítica. Direitos Sexuais. Direitos Reprodutivos. Barriga de
aluguel.

REFERÊNCIAS
BARRIGA Solidária: você sabe como funciona no Brasil?. Fivmed, [S. l.], p. 1, 4 mar. 2022. Disponível em:
h�ps://www.fivmed.com.br/blog/barriga-solidaria-no-brasil/. Acesso em: 11 set. 2022.fic

CONSELHO NACIONAL DE MEDICINA. RESOLUÇÃO CFM nº 2.294, de 27 de maio de 2021..


Disponível em: h�ps://static.poder360.com.br/2021/06/resolucao-cfm-reproducao-assistida-barriga-aluguel.
pdf. Acesso em: 11 set. 2022.

NIELSSON, Joice Graciele. Corpo Reprodutivo e Biopolítica: a hystera homo sacer. In: Revista Direito e
Praxis, Rio de Janeiro, v. 11, n. 02, 2020, p. 880-910. Disponível em: h�ps://www.scielo.br/j/rdp/a/
MC5VRnhpJrWSpFDk8GxsyNn/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 10 set. 2022.

NIELSSON, Joice Graciele. De quem é este corpo? A instrumentalização dos direitos sexuais e reprodutivos
das mulheres como estratégia biopolítica. In: STURZA, Janaína Machado; NIELSSON, Joice Graciele;
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi (Org.). Biopolítica e Direitos Humanos: entre desigualdades e
resistências. 1 ed.. Santa Cruz do Sul: Essere nem Mondo, 2020.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Barriga de aluguel: o corpo como capital. IBDFAM, [S. l.], p. 1, 24 out. 2012.
Disponível em: h�ps://ibdfam.org.br/artigos/858/Barriga+de+aluguel%3A+o+corpo+como+capital+. Acesso
em: 11 set. 2022.

WICHTERICH, Christa Böll. Direitos Sexuais e Reprodutivos. 11 v. Rio de Janeiro: Heinrich Böll
Foundation, 2015.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 307

53
TRABALHO E SAÚDE: a proteção ao meio ambiente de trabalho hígido
e seguro no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos

WORK AND HEALTH: protection of a healthy and safe work environment by


the Inter-American Court of Human Rights

Trabalho desenvolvido a partir de pesquisa em andamento no PPGD da Unijuí;

Élida Martins de Oliveira Taveira


Doutoranda do PPGD em Direitos Humanos da Unijuí. E-mail: elidamartins.oliveira@gmail.
com.

INTRODUÇÃO
No complexo mundo globalizado, observa-se uma significativa alteração e
intensificação dos fluxos de capital e de pessoas, como também diferentes modos de
produzir e trabalhar. Reformuladas noções de tempo e espaço foram sendo criadas em
virtude do desenvolvimento tecnológico e comunicacional, sendo edificadas
estruturas de produção em escala global, caracterizadas pela segmentação da cadeia
de produção, pela precarização do trabalho e pela ampliação dos lucros das empresas
(BIHR, 1988; BECH, 1999; ANTUNES, 2007).
Em benefício dos interesses do capital, os Estados Nacionais vêm promovendo
uma progressiva desregulamentação do mercado de trabalho e flexibilização dos
direitos laborais, refletindo negativamente no próprio meio ambiente de trabalho e na
saúde do trabalhador. Surgem novos tipos de contratos, com variados direitos e
modos de execução, como também são ampliadas as formas de trabalho precário,
marcadas pela instabilidade, pela insegurança e pela desproteção social, a exemplo
dos trabalhadores informais e dos “autoempregados” (CAVALCANTI, 2019;
ANTUNES, 2007).
Nesse contexto de sensível incremento da exploração do trabalho, no qual a saúde
do trabalhador é diretamente impactada, revela-se de suma importância a proteção
SUMÁRIO

308 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

internacional conferida aos direitos laborais no âmbito dos sistemas de proteção dos
direitos humanos, notadamente do direito ao trabalho digno e a condições de trabalho
equitativas e satisfatórias.
Assim, a partir do recorte no Sistema Interamericano de Direitos Humanos¹, a
presente pesquisa investigou a proteção conferida à saúde do trabalhador no âmbito
do Sistema Interamericano e buscou responder ao seguinte problema: a Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em sua atuação contenciosa, vem
promovendo a defesa do meio ambiente de trabalho hígido e seguro?
De forma a conferir suporte metodológico ao estudo, foi desenvolvida pesquisa
exploratória, com método de abordagem dedutivo, mediante consulta a referenciais
bibliográficos e análise de documentos internacionais relativos ao tema, sendo
conferida especial atenção às decisões da Corte IDH proferidas após o caso “Lagos del
Campo vs. Perú”, julgado em 31 de agosto de 2017².

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Desde a segunda metade do século XX, a proteção do ser humano vem sendo
gradualmente fortalecida no âmbito internacional, em resposta às atrocidades
cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse cenário, edifica-se um ramo
especializado do Direito Internacional voltado à proteção do ser humano: o
Direito Internacional dos Direitos Humanos (ALVARADO, 2016; CALIXTO;
CARVALHO, 2020).
O Direito Internacional dos Direitos Humanos surge a partir do processo de
constitucionalização do Direito Internacional, compreendido como um movimento
político e intelectual que pretende dotar o referido direito de características
constitucionais, buscando fazer do Direito Internacional um sistema que justifique,
organize e limite o exercício do poder dos Estados, mediante o respeito aos princípios
da legalidade, à separação dos poderes, ao Estado Democrático de Direito e aos
direitos humanos (PETERS, 2006; TRINDADE, 2007).
Esse processo levou à formação de sistemas internacionais de proteção dos
direitos humanos, de âmbito global e regional, que, em cooperação ao direito interno,
interagem de forma não hierárquica na busca da defesa da dignidade humana
(FACHIN, 2020). Cria-se, assim, um sistema multinível de proteção do ser humano,

1 Doravante Sistema Interamericano.


2 A partir do mencionado caso, a Corte IDH passou a ter uma atuação mais incisiva na defesa dos direitos
econômicos, sociais, culturais e ambientais, reconhecendo a justiciabilidade direta desses direitos.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 309


marcado por um pluralismo jurídico horizontal, complementar e inclusivo, que se
alimenta e se limita reciprocamente (ALVARADO, 2016; BOGDANDY, 2012).
Na esfera desse sistema multinível de proteção da pessoa humana, o Sistema
Interamericano ocupa uma posição de destaque na tutela dos direitos humanos na
América Latina. Entre os documentos do Sistema Interamericano que tutelam os
direitos humanos no que tange à saúde do trabalhador, destacam-se a Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Homem³, assinada em 1948, a Convenção
Americana de Direitos Humanos⁴, firmada em 1969 e o Protocolo Adicional à
Convenção Americana – Protocolo de San Salvador, adotado em 1988.
Na Declaração Americana, há o expresso reconhecimento do direito à
preservação da saúde e ao bem-estar (artigo XI), bem como ao direito ao trabalho em
condições dignas (artigo XV). Já na Convenção Americana o direito à saúde não foi
tratado de modo específico, podendo ser depreendido da previsão genérica do artigo
26, o qual dispõe que os Estados Partes se comprometem a assegurar
progressivamente a efetividade dos direitos econômicos, culturais e sociais.
Todavia, o Protocolo de San Salvador complementou a Convenção Americana
com uma ampla enumeração de direitos de ordem econômica, cultural e social,
estando o direito à saúde contemplado no artigo 10, sendo compreendido enquanto o
direito ao gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social. De modo a
tornar efetivo tal direito, o Protocolo enumera uma séria de medidas a serem adotadas
pelos Estados Partes, entre as quais está o dever de implementar medidas direcionadas
à prevenção e ao tratamento de doenças profissionais.
Acerca especificamente do trabalho, o Protocolo reconhece o direito ao trabalho e
às condições justas, equitativas e satisfatórias de labor, cabendo aos Estados Partes
adotarem medidas que garantam a plena efetividade desse direito, a exemplo de
medidas administrativas e legislativas que preservem a segurança e a higiene no
trabalho, sendo expressamente proibido, para os menores de 18 anos, o trabalho
noturno, insalubre e todo aquele que possa por em perigo a saúde e segurança desses
trabalhadores (artigo 6).
Após o exame das decisões proferidas pela Corte IDH em casos contenciosos,
constatou-se que, com arrimo no mencionado conjunto normativo, referida Corte vem
promovendo a tutela do meio ambiente de trabalho hígido e seguro, notadamente ao
apreciar os casos “Spoltore vs. Argentina”, com sentença prolatada em 9 de junho de

3 Doravante Declaração Americana.


4 Doravante Convenção Americana.
SUMÁRIO

310 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

2020, e “Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares


vs. Brasil”, julgado em 15 de julho de 2020⁵.
Nas sentenças proferidas nesses casos, a Corte IDH reconheceu o direito a
condições de trabalho equitativas e satisfatórias que garantam a segurança, a saúde e
a higiene do trabalhador, fundamentando-o nos artigos 26 da Convenção Americana
e no artigo 7 do Protocolo de San Salvador. Ademais, no âmbito do Sistema Global, a
Corte IDH sustentou que o direito a condições equitativas e satisfatórias que garantam
a segurança, a saúde e a higiene no trabalho tem amparo na Declaração Universal de
Direitos Humanos, ao estabelecer que todo ser humano tem direito a condições justas
e favoráveis de trabalho (artigo 23), como também no Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 7.b) e nas Convenções nº 81 e 155 da OIT, as
quais tratam, respectivamente, sobre a inspeção do trabalho na indústria e no
comércio e a segurança e saúde dos trabalhadores.
A Corte IDH entendeu que a natureza e o alcance das obrigações decorrentes da
proteção das condições de trabalho que garantam a segurança, a saúde e a higiene do
trabalhador incluem aspectos de exigibilidade imediata e aspectos que apresentam
caráter progressivo. Quanto às obrigações de exigibilidade imediata, os Estados
membros devem adotar medidas eficazes para a plena efetividade do referido direito,
como também devem garantir o seu exercício sem discriminação. Já quanto às
obrigações de caráter progressivo, a Corte IDH aduziu que cabe aos Estados membros
avançarem rapidamente na plena efetividade desse direito, conforme recursos
disponíveis, sendo vedada a regressividade na promoção desse direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Corte IDH exerce papel protagonista no Sistema Interamericano na medida em
que, ao interpretar e aplicar os normativos que integram o Direito Internacional dos
Direitos Humanos, forja standards interamericanos mínimos de direitos humanos,
tendo sido possível identificar, por meio da pesquisa, sua atuação na tutela ao meio
ambiente de trabalho hígido e seguro, em condições dignas, equitativas e satisfatórias
que garantam a saúde, a segurança e a higiene no trabalho.
Palavras-chave: Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Saúde do trabalhador. Meio ambiente do
trabalho.

5 Vale registar que a Corte IDH nos casos “Los Bulos Miskitos (Lemoth Morris) y otros vs. Honduras (2021),
“Federación Nacional de Trabajadores Marítimos y Portuarios (FEMAPOR) vs. Perú (2022) e “Guevara Díaz vs.
Costa Rica” (2022) reiterou o entendimento esboçado nos casos analisados nesse trabalho.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 311


REFERÊNCIAS
ALVARADO, Paola Andrea Acosta. Zombis vs. Frankenstein: Sobre las relaciones entre el Derecho
Internacional y el Derecho Interno. Estudios Constitucionales, Año 14, n. 1, p. 15-60, 2016.

ANTUNES, Ricardo Luiz Coltro. O neoliberalismo e a precarização estrutural do trabalho na fase da


mundialização do capital. In: SILVA. Alessandro da et al. (Org.). Direitos Humanos: essência do Direito do
Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 38-48.

BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo: respostas à globalização. São Paulo: Editora
Paz & Terra, 1999.

BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: o movimento operário europeu em crise. Trad. Wanda Caldeira
Brant. São Paulo: Boitempo Editorial, 1998.

BOGDANDY, Armin von. Del paradigma de la soberania al paradigma del pluralismo normativo. Una
nueva perspectiva (mirada) de la relación entre el derecho internacional y los ordenamientos jurídicos
nacionales. In: CAPALDO, Griselda; SIECKMANN, Jan; CLÁRICO, Laura (Org.). Internacionaización del
derecho constitucional, constitucionalización del derecho internacional. Buenos Aires: EUDEBA, 2012, p. 21-40.

CALIXTO, Angela Jank; CARVALHO, Luciani Coimbra de. The role of human rights in the process of
constitutionalization of international law. Novos Estudos Jurídicos, v. 25, n. 1, p. 235-253, 2020.

CAVALCANTI, Tiago Muniz. Semiliberdade e sub-humanidade nas relações de trabalho das sociedades
contemporâneas: o capitalismo e a metamorfose das ausências. 2019. 331f. Tese (Doutorado em Direito) –
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019.

FACHIN, Melina Girardi. Constitucionalismo multinível: diálogos e(m) direitos humanos. Revista Ibérica do
Direito, v.1, n.1, p. 53-68, jan./jun. 2020.

PETERS, Anne. Compensatory Constitutionalism: the function and potential of fundamental international
norms and structures. Leiden Journal of International Law, Leiden, v. 19, n. 3, p. 579-610, 2006.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A interação entre o direito internacional e o direito interno na
proteção dos direitos humanos. In: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado (Org.).A incorporação das normas
internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. 2ª ed. San Jose da Costa Rica; Brasília: IIDH,
1996, p. 205-236.
SUMÁRIO

312 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

54
O ADVENTO DA TECNOLOGIA E O APRIMORAMENTO DA
MONITORIZAÇÃO ELETRÔNICA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

THE ADVENT OF TECHNOLOGY AND THE IMPROVEMENT OF


ELECTRONIC MONITORING IN THE BRAZILIAN CRIMINAL SYSTEM

Trabalho apresentado ao III Seminário “Políticas Públicas de acesso à justiça e Direitos


Humanos” tendo sido desenvolvido no âmbito do projeto Rede de cooperação acadêmica e
de pesquisa: Eficiência, efetividade e economicidade nas políticas de segurança pública com
utilização de monitoração eletrônica e integração de bancos de dados” (Programa de
cooperação acadêmica em Segurança Pública e Ciências Forenses - Edital nº 16/2020).

Vandriele da Silva
Estudante do Curso de Direito da UNIJUÍ. Bolsistas de programas de fomento (CNPq).
Email: vandriele.silva@sou.unijui.edu.br

Fernanda Analú Marcolla


Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduanda em Direitos Humanos pela UNIJUÍ. Mestra
em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Regional de
Blumenau (FURB). Especialista em Direitos Humanos e Direito Constitucional pela
Universidade de Direito de Coimbra/PT. Especialista em Direito Penal e Direito Processual
Penal pela Universidade Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de
Brusque (UNIFEBE). Pesquisadora Capes (Processo nº 88887.710405/2022-00). Membro dos
grupos de pesquisa Constitucionalismo, Cooperação e Internacionalização - CONSTINTER
(CNPq-FURB) e Estado, Sociedade e Relações Jurídicas Contemporâneas (CNPq-FURB).
Membro voluntário do Laboratório de cidadania e estudos em Direitos Humanos
(LACEDH). ID La�es: 3320760922393919. ID ORCID: 0000-0003-2335-2343. E-mail: marcolla.
advocacia@gmail.com.

Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth


Pós-Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2014). Mestre
em Direito pela UNISINOS (2010). Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal
pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (2008).
Graduado em Direito pela UNIJUÍ (2006). Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) em Direito da UNIJUÍ. Professor-pesquisador do
Programa de Pós-graduação em Direito da UNIJUÍ. Professor do Curso de Graduação em
Direito da UNIJUÍ. Membro Titular do Comitê de Assessoramento de Ciências Humanas e
Sociais da FAPERGS (2022-2024). Coordenador da Rede de Pesquisa Direitos Humanos e
Políticas Públicas (REDIHPP) e líder do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos
(CNPq). Membro da equipe de pesquisadores do Projeto "Direitos Humanos dos Migrantes
e dos Refugiados", vinculado ao Grupo de Investigação Dimensions of Human Rights do
Instituto Jurídico Portucalense, da Universidade Portucalense, Porto, Portugal. Membro da
Rede Brasileira de Pesquisa Jurídica em Direitos Humanos (UNESC, UNIRITTER, UNIJUÍ,
UFMS, PUC-CAMPINAS, UNIT, UNICAP, CESUPA, UFPA). ID La�es: 0354947255136468.
ID ORCID: 0000-0002-7365-5601. E-mail: madwermuth@gmail.com.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 313


INTRODUÇÃO
O resumo busca avaliar se com o avanço da tecnologia na contemporaneidade a
monitoração eletrônica de pessoa pode ser aprimorada, de forma a apresentar eficácia,
dentro do sistema penal brasileiro. O cárcere no Brasil tem vivenciado mudanças
significativas com o advento da tecnologia, principalmente no que tange o
aprimoramento da monitoração eletrônica. Essa ferramenta tecnológica de vigilância
tem sido utilizada como medida alternativa à prisão, permitindo assim, que os
indivíduos possam cumprir sua pena em sua própria residência ou em local
determinado pelo magistrado.
O monitoramento eletrônico consiste no uso de dispositivos tecnológico fixado no
corpo do apenado, o qual, auxilia as forças de segurança na fiscalização e localização
das atividades desempenhadas de indivíduos que cumprem determinação judicial.
No contexto do sistema penal brasileiro, ela tem sido aplicada como alternativa ao
encarceramento em algumas situações, como no caso de prisão domiciliar e de
cumprimento de penas restritivas de direitos. Isso permite uma maior flexibilidade
nas medidas de controle e possibilita que as pessoas possam continuar trabalhando e
mantendo o convívio familiar, o que contribui para a ressocialização.
O problema que orienta a pesquisa pode ser sintetizado na seguinte pergunta: de
que forma o monitoramento eletrônico pode ser considerado uma forma eficiente de
pena alternativa a prisão? Com base nos dados levantados a partir de um conjunto de
pesquisas realizadas sobre o tema na área do Direito Penal e da Ciência Criminal,
refletidas na bibliografia que dá sustentação ao presente estudo, torna-se possível
afirmar que a monitoração eletrônica tem sido eficaz em algumas situações, tais como;
alternativa ao encarceramento; medida de controle de pessoas em cumprimento de
penas restritivas de direitos, e também, na ressocialização dos indivíduos
monitorados.
O objetivo geral do texto, consiste em analisar, em uma perspectiva tecnológica, o
aprimoramento da monitoração eletrônica no sistema penal brasileiro, destacando
suas vantagens e desvantagens.
Utilizou-se na pesquisa o método de abordagem hipotético-dedutivo, que
compreende um conjunto de análises que partem das conjunturas formuladas para
explicar as dificuldades encontradas para a solução de um determinado problema de
pesquisa. Sua finalidade consiste em enunciar claramente o problema, examinando
criticamente as soluções passíveis de aplicação (MARCONI; LAKATOS, 2022).
Os procedimentos adotados envolvem a seleção da bibliografia que forma o
referencial teórico deste estudo, sua identificação como produção científica relevante,
SUMÁRIO

314 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

leitura e reflexão, a fim de atingir possíveis respostas ao problema proposto. Nesse


sentido, a pesquisa foi conduzida a partir de levantamento de produções científicas
(livros, artigos científicos publicados em periódicos, relatórios de pesquisa, teses e
dissertações) e legislação/regulação já existentes sobre a temática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A monitoração eletrônica tem sido amplamente utilizada no Brasil como uma
pena alternativa ao encarceramento. A tecnologia permite o monitoramento em tempo
real dos sujeitos custodiados pelo Estado, o que tem se mostrado eficaz na prevenção
de novos crimes, assim como, para garantir o cumprimento das condições penais
impostas pelo Poder Judiciário.
Segundo a Lei 12.258/2010, a monitoração eletrônica deve ser utilizada como pena
alternativa à prisão, visando à proteção da sociedade e à ressocialização do indivíduo.
Através da monitoração eletrônica, que no Brasil é realizada por intermédio da
tornozeleira eletrônica, é possível acompanhar a localização e movimentação do
monitorado em tempo real (BRASIL, 2010).
No entanto, a monitoração eletrônica não é uma solução perfeita e apresenta
algumas desvantagens. Para Wermuth, Chini e Da Rosa (2021, p. 10) “o uso da
tecnologia de monitoramento eletrônico de pessoas no Brasil tem aumentado
significativamente nos últimos anos, com diversas justificativas, como a redução da
criminalidade e a necessidade de fiscalização de presos e detidos”.
Ademais, a eficácia da monitoração eletrônica no sistema penal brasileiro é um
tema controverso. Alguns estudiosos argumentam que essa medida pode ter efeitos
negativos, tais como; a possibilidade de falhas na tecnologia utilizada; a sobrecarga
dos profissionais responsáveis pela monitoração e; a limitação na capacidade de
fiscalização das atividades dos condenados. Além disso, há uma preocupação de que
a monitoração eletrônica possa levar à banalização:

É necessário que haja uma regulamentação clara e transparente


do uso da tecnologia de monitoramento eletrônico de pessoas,
bem como um debate amplo sobre seus impactos e limitações,
para garantir o equilíbrio entre a segurança pública e os direitos
individuais (WERMUTH; CHINI; DA ROSA, 2021, p. 05).

Nesse sentido, um dos principais problemas é a falta de estrutura adequada para


monitorar e acompanhar os sujeitos monitorados, o que pode levar a possíveis falhas
no sistema. Importante destacar também que, referido método configura-se como
uma forma de dupla-penalização ao sujeito monitorado, que além de sofrer a sanção
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 315


Estatal (no caso dos sujeitos já sentenciados) é responsabilizado pela efetivação de sua
própria pena, na medida em que é responsabilizado pela manutenção do dispositivo
eletrônico, fator este, que reduz a responsabilidade do sistema penal (FONSECA,
2019).
Em contrapartida, uma das principais vantagens da monitoração eletrônica é a
possibilidade de permitir que os condenados continuem trabalhando e mantendo seus
vínculos familiares, o que pode contribuir para a sua ressocialização. Além disso, essa
medida pode reduzir a reincidência criminal, pois mantém os condenados em contato
com a sociedade e, ao mesmo tempo, impõe limitações às suas atividades, evitando a
prática de novos crimes:

Fora dos muros da prisão, o monitoramento assegura ao apenado


a readaptação social, diminuindo a vulnerabilidade
considerando que lhe permite permanecer no espaço do seu lar,
ao lado da família, assim como no grupo social, podendo manter
seu trabalho, podendo em algumas situações participar de
programas educativos. Na medida que cumpre a pena e ao
mesmo tempo vai se readaptando socialmente, a reincidência
tende a diminuir (FONSECA, 2019, p. 29).

Vale destacar, que a eficácia da monitoração eletrônica depende de diversos


fatores, tais como a qualidade da tecnologia utilizada, a capacitação dos profissionais
responsáveis pela monitoração e a adequação da medida ao caso concreto. É
necessário avaliar cuidadosamente os benefícios e limitações dessa medida, a fim de
garantir a sua efetividade no sistema penal brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o avanço tecnológico, o aprimoramento da monitoração eletrônica no
sistema penal brasileiro tem trazido benefícios significativos para a execução penal.
No entanto, é importante ressaltar que a utilização da monitoração eletrônica deve ser
realizada com responsabilidade e equilíbrio, levando em consideração as
particularidades de cada caso, assim como, preservar a garantia dos direitos
fundamentais dos sujeitos monitorados eletronicamente.
Diante disso, é importante que o Estado invista na capacitação dos profissionais
que irão lidar com essas tecnologias, bem como, na garantia da privacidade e dos
direitos dos indivíduos monitorados. Também é fundamental a realização de
pesquisas e estudos para avaliar a eficácia da monitorização eletrônica e sua
aplicabilidade no sistema penal brasileiro.
SUMÁRIO

316 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Em resumo, o advento da tecnologia e o aprimoramento da monitorização


eletrônica no sistema penal brasileiro trazem possibilidades importantes para a
melhoria do sistema, mas é necessário que haja um equilíbrio entre o uso dessas
tecnologias e o respeito aos direitos dos indivíduos monitorados.
Palavras-chave: Monitoração eletrônica. Sistema penal. Tecnologia.

REFERÊNCIAS
FONSECA, Jorge Luís da Silva. Os benefícios da monitoração eletrônica no sistema prisional brasileiro.
Disponível em : h�ps://www.unifacvest.edu.br/assets/uploads/files/arquivos/26d18-fonseca,-jorge-luis-
silva.-os-beneficios-da-monitoracao-eletronica-no-sistema-prisional-brasileiro.-lages,-unifacvest,-2019.pdf
acesso em: 27 de abril de 202

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 8. ed. Barueri: Atlas, 2022.

WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; CHINI, Mariana; DA ROSA, Milena Cereser. Tecnologia de
monitoração eletrônica de pessoas no Brasil: análise de (in) efetivação de garantias fundamentais. Revista
do Instituto de Direito Constitucional e Cidadania, v. 6, n. 1, p. e025-e025, 2021. Disponível em: h�p://
revistadoidcc.com.br/index.php/revista/article/view/e025. Acesso em: 03 maio 2023.

WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; CHINI, Mariana. Monitoração eletrônica de pessoas em âmbito
penal: considerações sobre o transcurso da tecnologia. Revista de Direitos Humanos e Desenvolvimento
Social, v. 2, p. 1-18, 2021.Disponível em: h�ps://periodicos.puc-campinas.edu.br/direitoshumanos/article/
view/5790. Acesso em: 03 maio 2023.

BRASIL. Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), e a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade
de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica. Brasília:
Presidência da República, 2010. Disponível em: h�p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/
Lei/L12258.htm. Acesso em: 04 de maio de 2023.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 317

55
RACISMO INSTITUCIONAL: obstaculização do acesso à saúde
pública no brasil sob a perspectiva da fraternidade

INSTITUTIONAL RACISM: obstaculation of access to public health in brazil


from the perspective of fraternity

Artigo produzido relacionado à linha de pesquisa I (Fundamentos e Concretização dos


Direitos Humanos) dos autores vinculados ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Direitos Humanos, Mestrado e Doutorado da UNIJUÍ.

Gabrielle Scola Dutra


Doutoranda em Direitos Humanos pela UNIJUÍ. Mestre em Direitos Especiais pela URI.
Especialista em Filosofia na Contemporaneidade pela URI. Especialista em Direito Penal e
Processual prático contemporâneo pela UNISC. Professora Universitária do Curso de Direito
da UNIJUÍ e da Faculdade de Balsas/MA (UNIBALSAS). Advogada. E-mail: gabrielle.
scola@unijui.edu.br

Gabriel Bueno da Silva


Acadêmico do 8º semestre do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), campus Três Passos, com período de
estudos na Universidad Autónoma de Encarnación (UNAE-Paraguay). E-mail: gabriel.
bds@sou.unijui.edu.br.

Fernando Sodré de Oliveira


Doutorando em Direitos Humanos pela pela UNIJUÍ. Mestre em Filosofia pela UFSM.
Especialista em Supervisão Escolar pela UFRJ, em Direito Penal pela UCS e em Segurança
Pública pela PUC/RS. Bolsista CAPES-PROSUC. E-mail: fasodreolveira@gmail.com.

INTRODUÇÃO
Sabe-se que processos forjadores como o fenômeno do racismo conduzem à
deterioração das condições existenciais humanas sob a perspectiva da dignidade da
pessoa humana, fato que repercute na violação dos direitos humanos. No âmbito
brasileiro, o cenário sanitário apresenta-se enquanto um locus de limites e
possibilidades de perceber a forma como a estrutura racista penetra de forma
sistêmica na organização e ação do Estado a partir de suas instituições e políticas
públicas, operacionalizando-se para fabricar uma hierarquia social com o intuito de
legitimar condutas seletivas de exclusão em detrimento de grupos racialmente
SUMÁRIO

318 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

subordinados. Logo, apresenta-se o racismo institucional enquanto um dispositivo


performativo que detém capacidade para fomentar um horizonte de patologias sociais
(desigualdade, exclusão, pobreza, miséria, etc.). O racismo institucional é um projeto
ardilosamente arquitetado pela civilização dominante para produzir a fragmentação
do Estado Democrático de Direito e a violação dos direitos humanos.
Sobre isso, é cediço que a prática do racismo institucional no contexto do acesso à
saúde no Brasil provoca graves consequências em face dos sujeitos mais afetados pelos
processos forjadores, especificamente, a população negra. Por isso, tal enredo
problemático retoma a temática da presente pesquisa, a qual circunda o fenômeno do
racismo e do acesso à saúde. Num primeiro momento, aborda-se a estruturação social
e o racismo. Por fim, analisa-se a obstaculização do acesso à saúde no Brasil pelo
fenômeno do racismo institucional. A base teórica utilizada para articular a discussão
é a Metateoria do Direito fraterno, desenvolvida pelo jurista italiano Eligio Resta. A
fraternidade é um dispositivo biopolítico por excelência que ingressa na trama
histórica com o objetivo de desvelar o paradoxo incutido na seara dos Direitos
Humanos. Sobretudo, a humanidade viola e efetiva direitos humanos, ou seja,
somente ela e a partir dela se podem pensar limites e possibilidades para desvelar a
problemática do racismo institucional no âmbito do acesso à saúde brasileira pela
população negra. O estudo se desenvolve por meio do método hipotético-dedutivo e
é instruído por uma análise bibliográfica. Sob a perspectiva da Metateoria do Direito
fraterno, questiona-se: o racismo institucional obstaculiza o acesso à saúde pública no
Brasil?

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Sabe-se que são múltiplas as teorias que se referem a estruturação da sociedade e
de seus sistemas sociais. Assim, as interações e as ações sociais são fundamentais para
a realização do social sendo a base para o estabelecimento dos sistemas e da estrutura
social, uma vez que “esses arranjos [...] tem um aspecto coercitivo – vide, por exemplo,
a consciência coletiva, de que fala Durhkeim – e também de capacitação dos atores
sociais – caso de Giddens e Bourdier” (HOMMERDING, 2020, p. 29), ou seja, o social
se constituirá pelas ações e interações sociais, mas também exercerá coerção em
determinada medida nas ações individuais e nos sistemas sociais por meio da
estrutura social. Por outro lado, o racismo e suas articulações, presentes nas obras de
Fran� Fanon, particularmente, “Peles Negras, Máscaras Brancas” (FANON, 2020),
busca desvendar os elementos psicanalíticos do homem negro, sendo que as
inquietações de Fanon, quando associadas aos estudos sobre a estrutura social,
demonstram que o racismo opera em várias ‘frentes”, uma vez que decorrente das
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 319


interações sociais surgem condicionamentos e ideologias e “o racismo como ideologia
molda o inconsciente” (ALMEIDA, 2020, p.64).
E o inconsciente é o locus onde a estruturação das subjetividades se desenvolve,
sendo lá, também, o local onde o modelo neoliberal de produção capitalista firmará
sua bandeira. As subjetividades vinculam-se à ação social e suas interações,
produzindo no espaço-tempo sistemas e estruturas sociais, que, em sentido inverso,
condicionam ações e comportamentos, “criando” realidades sociais. Fanon enxerga o
racismo como “operador psíquico da dualidade de colono e colonizador, branco e
negro no colonialismo” (SAPEDE, 2011, p. 44), sendo que este fenômeno complexo
será o fundamento para a “empreitada colonial e a manutenção da dominação
europeia sobre os ‘outros’ povos” (SAPEDE, 2011, p.44), sendo que o racismo está
dentre as ideologias fundantes na construção do ocidente. E como ideologia fundante
do ocidente, muito importante perceber a conexão do racismo e do sistema escravista
com uma categoria extremamente importante na estruturação social que é o tempo e
espaço numa dimensão diacrônica.
Toda essa lógica focada na racialização do mundo, como afirma Octavio Ianni, a
partir do escravismo, enraizou-se devido à conexão entre as diversas práticas e
interações sociais numa relação diacrônica de espaço-tempo. Ou seja, a permanência
por mais de três séculos do sistema escravista e as interações sociais decorrentes desta
racionalidade, impuseram uma estrutura racializada presente nas sociedades
contemporâneas, em especial aquelas objeto do escravismo e do colonialismo. Os
acoplamentos existentes entre o racismo, a estrutura e os sistemas sociais constituem-
se nos elementos racializadores que impõe pari passu uma racionalidade, e
consequentemente, ações e interações sociais que moldam os sistemas e a estrutura
social e são também por eles condicionados. Tal fenômeno é o que Anthony Giddens
denomina de dualidade da estrutura, uma vez que “o tempo, o espaço e o “tempo-
espaço virtual” (ou estrutura) — a tripla intersecção da diferença — são necessários
para a produção do real” (GIDDENS, 2000, p.13).
Por esta razão, a estruturação da sociedade constituída pela fabricação de
processos forjadores, dimensiona-se a partir do racismo e da racialização dos
“racializáveis”. Assim, apresenta-se o fenômeno do racismo institucional enquanto
dispositivo estrutural que fomenta “a exclusão seletiva dos grupos racialmente
subordinados - negr@s, indígenas, cigan@s, para citar a realidade latino-americana e
brasileira da diáspora africana - atuando como alavanca importante da exclusão
diferenciada de diferentes sujeit@s nestes grupos” (GELEDÉS, 2016, p. 17). Sendo
assim, significa um projeto estratégico em que “o racismo garante a apropriação dos
resultados positivos da produção de riquezas pelos segmentos raciais privilegiados na
SUMÁRIO

320 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

sociedade, ao mesmo tempo em que ajuda a manter a fragmentação da distribuição


destes resultados no seu interior” (GELEDÉS, 2016, p. 17).
Logo, “o racismo institucional ou sistêmico opera de forma a induzir, manter e
condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas –
atuando também nas instituições privadas, produzindo e reproduzindo a hierarquia
racial” (GELEDÉS, 2016, p. 17). Diante deste cenário hostil, o contexto do direito à
saúde no Brasil é terreno fértil para a percepção de como o racismo se operacionaliza
em detrimento da população negra, especificadamente, no que se refere à
obstaculização do acesso à saúde de tais sujeitos a partir de práticas de desumanização
no âmbito das políticas públicas sanitárias brasileiras. Assim, a saúde é positivada na
Constituição Federal promulgada em 1988 (CF/88), mais precisamente, elevada a
dimensão de direito fundamental de caráter social. O artigo 6º perfectibiliza que “são
direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988).
Igualmente, o artigo 196 da CF/88 reconhece que “a saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). O Brasil
enquanto Estado Democrático de Direito é protagonista em empreender dinâmica de
promover acesso à saúde pública, gratuita e de qualidade a toda a sua população, no
entanto, o racismo continua sedimentado e presente nas sociedades contemporâneas,
cumprindo suas premissas básicas: clivagem, exclusão e exploração. No âmbito
sanitário, é visível desigualdades no que se refere ao acesso à saúde dos grupos raciais.
Assim, o racismo diminui “as possibilidades de diálogo das pessoas com os serviços,
interfere na autoestima e, consequentemente, contribui de forma decisiva na saúde,
especialmente mental dos usuários. Quando presente nos serviços, reforça, quando
não agrava, a exclusão social (KALCKMANN; SANTOS et. Al., 2007, P. 147).
A saúde no Brasil é um direito de todos e dever do Estado, perfectibiliza-se
enquanto um direito humano e fundamental de caráter social. A principal política
pública sanitária brasileira é o Sistema Único de Saúde (SUS). A saúde deve ser
percebida enquanto um bem comum da humanidade. No entanto, quando se percebe
a dinâmica do racismo institucional, vislumbra-se a existência do racismo nos serviços
de saúde, o qual obstaculiza que tais serviços sejam prestados na dimensão da
humanização e potencializa a produção de patologias sociais (exclusão, pobreza,
desigualdade, miséria, etc.) e biológicas (doenças). Logo, é necessário incorporar no
âmbito dos sistemas públicos de saúde brasileiro, uma atmosfera de Direito Fraterno,
para que a humanização na prestação de serviços de saúde seja regra em prol da
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 321


efetivação do direito à saúde da população negra e expurgue o racismo institucional
da estrutura do Estado em prol da efetivação dos direitos humanos de todos,
especialmente, do direito à saúde da população negra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob a perspectiva da Metateoria do Direito fraterno, constata-se que o racismo
institucional obstaculiza o acesso à saúde pública no Brasil. Assim, é preciso retomar a
fraternidade revolucionária, para que ela seja capaz de redimensionar as outras duas
categorias (liberdade e igualdade) e seja compreendida enquanto uma potencial
transformadora da humanidade. Nessa discussão, a fraternidade é uma desveladora
de paradoxos, além de ser capaz de instaurar seu conteúdo vital na seara global e
constituir espaços comuns compartilhados onde a humanidade desperta para o senso
de humanização na saúde brasileira. Em O Direito Fraterno escrito pelo professor
Eligio, o grande paradoxo a ser desvelado pela fraternidade é o de que “os Direitos
Humanos são aqueles direitos que somente podem ser ameaçados pela própria
humanidade, mas que não podem encontrar vigor, também aqui, senão graças à
própria humanidade” (RESTA, 2020, p. 13). Sobretudo, é somente na humanidade e a
partir dela que é possível haver o desvelamento dos paradoxos e superar
problemáticas como o racismo institucional estrutural sistêmico no contexto do acesso
à saúde no Brasil.
Palavras-chave: Acesso à saúde. Direitos Humanos. Racismo institucional. Saúde
Pública. Sistema de Saúde Pública (SUS).

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Silvio Luiz. Racismo Estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: h�ps://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 mai. 2023.

FANON, Fran�. Peles negras mascaras brancas. São Paulo: Ubu, 2020.

GIDDENS, Anthony. A Dualidade da Estrutura: Agência e Estrutura. Oeiras: Celta Editora, 2000.

HOMMERDING, Adalberto Narciso. Sociologia do Direito: da ilustração ao funcionalismo parsoniano.


São Paulo. Tirant Lo Blanch, 2020.

INSTITUTO DA MULHER NEGRA (GELEDÉS). Racismo Institucional: Uma Abordagem Conceitual.


2016. Disponível em: h�p://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/FINAL-WEB-Racismo-
Institucional-uma-abordagem-conceitual.pdf. Acesso em: 06 mai. 2023.
KALCKMANN, Suzana; SANTOS, Claudete Gomes dos; BATISTA, Luís Eduardo; CRUZ, Vanessa Martins
da. Racismo institucional: um desafio para a equidade no SUS? In: Saúde Soc. São Paulo. v.16, n.2, p.146-
155, 2007. Disponível em: h�ps://www.scielosp.org/pdf/sausoc/2007.v16n2/146-155/pt. Acesso em: 06 mai.
2023.
SUMÁRIO

322 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

RESTA, Eligio. O direito fraterno [recurso eletrônico]. 2ª Edição. Tradução de: Bernardo Baccon Gehlen,
Fabiana Marion Spengler e Sandra Regina Martini. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2020.

SAPEDE, Thiago C.. Racismo e dominação Psíquica em Fran� Fanon. In: Sankofa (São Paulo), [S.L.], v. 4,
n. 8, p. 44, 6 dez. 2011. Universidade de São Paulo, Agencia USP de Gestão da Informação Acadêmica
(AGUIA). Disponível em: h�p://dx.doi.org/10.11606/issn.1983-6023.sank.2011.88810. Acesso em: 06 mai.
2023.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 323

56
DA TRAGÉDIA SANITÁRIA À TRAGÉDIA HUMANITÁRIA: uma
análise do caso do povo yanomami no contexto do direito à saúde

ROM THE SANITARY TRAGEDY TO THE HUMANITARIAN


TRAGEDY: an analysis of the case of the yanomami people in the context
of the right to health

Trabalho desenvolvido a partir das pesquisas de Trabalho de Conclusão de Curso feitas pelo
autor Maycon Richer de Albuquerque Santos, sob orientação da Professora Gabrielle Scola
Dutra, no âmbito do eixo de pesquisa Direito Constitucional e temáticas contemporâneas da
Faculdade de Balsas (UNIBALSAS), Balsas/MA.
Maycon Richer de Albuquerque Santos
Estudante do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Balsas (UNIBALSAS), Balsas/
MA. E-mail: maycon.santos@alu.unibalsas.edu.br.

Gabrielle Scola Dutra


Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, sob orientação da Professora Pós Doutora Janaína Machado
Sturza. Mestre em Direitos Especiais pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai
e das Missões – URI, campus Santo Ângelo. Especialista em Filosofia na Contemporaneidade
pela URI. Especialista em Direito Penal e Processual prático contemporâneo pela
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Professora Universitária do Curso de Direito
da UNIJUÍ e da Faculdade de Balsas/MA (UNIBALSAS). Membro do grupo de pesquisa:
“Biopolítica e Direitos Humanos”, cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos, Mestrado e Doutorado da UNIJUÍ.
Advogada. E-mail: gabrielle.scola@unijui.edu.br.

Janaína Machado Sturza


Pós doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/
Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em
Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, lecionando na graduação
em Direito e no Programa de pós-graduação em Direito - mestrado e doutorado. Integrante
da Rede Iberoamericana de Direito Sanitário. Integrante do grupo de pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS – PqG Edital N° 05/2019.
Pesquisadora Universal CNPq - Chamada CNPq/MCTI/FNDCT N° 18/2021. E-mail:

INTRODUÇÃO
O Brasil detém uma diversidade de povos indígenas que habitam o seu território
e constituem o próprio caráter cultural e identitário do país. As comunidades
indígenas que existem no contexto brasileiro nascem das relações biológicas de
SUMÁRIO

324 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

parentesco ou de vizinhança entre os indivíduos que dela fazem parte, em razão de


que os vínculos de dimensões histórico-culturais resgatam a ancestralidade das
comunidades pré-colombianas do passado. Apesar de existir uma carga protetiva e
garantista tanto no cenário nacional a partir do ordenamento jurídico brasileiro,
quanto no cenário internacional a partir da comunhão de esforços da comunidade
internacional de estabelecer um contexto normativo em prol da efetivação dos direitos
humanos dos indígenas, os povos indígenas enquanto minoria (sobre)vivem em um
cenário de precariedade de vida, imbuídos por processos forjadores que produzem
vítimas e obstaculizam que os direitos humanos de tal minoria vulnerável sejam
efetivados de maneira plena.
Sendo assim, a temática da presente pesquisa circunda o caso do Povo Yanomami
no contexto do direito à saúde no Brasil. Os Yanomami são compreendidos como
sendo um povo indígena, sua comunidade se localiza na região Norte da Floresta
Amazônica, mais precisamente ao longo da fronteira entre o Brasil e a Venezuela. O
Brasil é palco de uma das maiores tragédias sanitárias e humanitárias já noticiadas nos
últimos anos. A atuação do garimpo ilegal no território Yanomami não é novidade,
estima-se que essa prática criminosa teve início na década de 70, e desde então vem se
tornando cada dia maior, provocando múltiplas repercussões na seara dos direitos
humanos, principalmente, colocando em evidência o direito à saúde. O direito à saúde
apresenta-se enquanto um direito fundamental de caráter social, atrelado ao direito à
vida.
O objetivo geral da presente pesquisa é abordar a crise sanitária e humanitária a
partir de uma análise do caso do povo Yanomami no contexto do direito à saúde. A
metodologia da pesquisa é desenvolvida por intermédio de um estudo hipotético-
dedutivo e uma análise bibliográfica. Essa forma de pesquisa é extremamente
relevante, pois é através dela que se encontram os fundamentos do assunto estudado,
buscando-os principalmente em outras obras já existentes. Diante da tragédia sanitária
e humanitária em operacionalização, questiona-se: a existência do povo Yanomami é
revestida pela dignidade humana? Esse questionamento norteia o desenvolvimento
do trabalho e é imprescindível para que se articule sua resposta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
No contexto do território habitado pelo Povo Yanomami no Brasil, sabe-se que
nos últimos anos o avanço da atividade garimpeira tomou proporções inconcebíveis,
resultando em uma série de complicações cujos níveis jamais foram alcançados
anteriormente. Dentre os maiores problemas estão aqueles vinculados com a violação
dos direitos humanos, e, principalmente, do direito à saúde da referida comunidade
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 325


indígena, tais como: a violência sexual em detrimento de mulheres e crianças, a
proliferação de doenças e contaminação dos rios, o que resulta em fome, uma vez que
vem da pesca parte considerável da alimentação dos índios, entre outros problemas
que são vinculados com o déficit de acesso aos direitos básicos, os quais, inclusive, são
oferecidos no plano jurídico para tal minoria vulnerável (COLL;MENEZES, 2023).
Tendo se agravada especificamente no curso dos últimos cinco anos, os motivos
do surgimento da crise sanitária e humanitária se justificam pela desestruturação dos
meios de assistência à saúde e segurança dos Yanomamis, uma vez que o governo em
exercício no referido período (Governo de Jair Messias Bolsonaro) deixou de fazer os
devidos investimentos na estruturação de materiais e mecanismos necessários para
prestar ajuda médica e protetiva à população local. A falta de assistência médica básica
deu lugar ao aparecimento várias doenças que causaram a morte de centenas de
crianças indígenas. A fragilização dos meios de fiscalização permitiu que a atuação
ilegal de garimpeiros se multiplicasse no território indígena, esse fato foi o maior
responsável pelo crescimento da violência e insegurança (SOUZA, 2023).
O povo Yanomami enfrenta atualmente uma das maiores crises sanitárias e
humanitárias da sua história. Circulam na imprensa e redes sociais conteúdo em
formato de vídeo e imagem que retratam a situação desesperadora vivida pelos
indígenas, sensibilizando até mesmo o mais duro dos telespectadores. As imagens
mostram uma população desnutrida, sucumbindo diante da fome e doença, com
características similares às de indivíduos resgatados de campos de concentração. Entre
os mais afetados estão crianças e idosos, tornando a situação ainda mais preocupante
(AGUIAR, 2023).
A título conceitual, a Organização Mundial da Saúde (OMS) transcende a ideia de
que a saúde seria tão somente a ausência de doença ou enfermidades ao estabelecer
que a saúde é o mais perfeito estado de bem-estar físico, mental e social que uma
pessoa pode deter. De acordo com a carta magna, a saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196 da CRFB de 1988)
(BRASIL, 1988). Traçando um paralelo entre o fragmento constitucional mencionado
acima e a realidade vivida pelos Yanomamis, atualmente, é possível perceber que
houve uma falha estrondosa por parte do Estado Brasileiro, no que concerne aos
cuidados com a saúde e bem-estar desse povo.
No Brasil, mesmo que o direito à saúde esteja materializado na lei suprema, a
exemplo do Art. 196 da CF, qualquer indivíduo com o mínimo de lucidez intelectual
pode perceber com extrema facilidade que existem imperfeições no acesso a esse
SUMÁRIO

326 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

direito. Se na zona urbana, em que teoricamente o contato com os meios de acesso são
mais fáceis, ainda ocorre esse tipo de deficiência, fica fácil mensurar o tamanho do
problema que os indígenas vêm enfrentando em isolamento total no meio das
florestas. Diversas crianças Yanomamis morreram de disenteria, gripe, malária, entre
outras doenças simples, cujo tratamento poderia ser feito de forma básica, exigindo-se
apenas, pessoas e remédios certos (SOUZA, 2023).
O princípio da dignidade da pessoa humana não é direcionado apenas a um
grupo específico, ele é um direito de todos os indivíduos e compete ao Estado o dever
de garanti-lo. O povo Yanomami está morrendo de inanição, além disso, enfrenta uma
série de doenças cujas principais causas partem dos invasores e não houve do Estado
as medidas básicas para combater tais atrocidades. Neste sentido, conclui-se que a
dignidade humana não está presente nesse cenário, uma vez que as garantias básicas
de sobrevivência não foram alcançadas, fato que provoca a inefetivação do direito à
saúde de tais indivíduos vulneráveis (COLL; MENEZES, 2023).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante disso, a presente pesquisa mostra-se relevante para a sociedade, pois ela
poderá compreender com mais clareza através deste estudo, os deveres e as falhas do
estado, o qual deveria zelar pela integridade de todos os brasileiros, segundo preceitos
da própria Constituição Federal. No presente trabalho serão abordados todos os meios
necessários para que o leitor entenda a origem da crise vivida pelo povo Yanomami,
construindo uma rede de conscientização para cobrar das autoridades competentes a
implantação de medidas que visem combater esses problemas (BRASIL, 1988).
Do mesmo modo, o estudo também será importante para o direito, pois o mundo
jurídico se nutrirá com maiores informações sobre a tragédia em curso, e a partir de
então, terá a oportunidade de colocar em prática todo o arcabouço de leis nacionais e
tratados internacionais, no sentido de garantir que os próceres causadores da
destruição ocorrida no curso dos últimos cinco anos, sejam devidamente
responsabilizados. Para além disso, como as leis costumam surgir na medida em que
as demandas aparecem na sociedade, esse trabalho poderá servir como um norte para
conduzir o legislativo, na buscar de preencher possíveis lacunas na legislação nacional.
Palavras-chave: Crise Humanitária. Crise sanitária. Direito à saúde. Indígenas.
Yanomami.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 327


REFERÊNCIAS
AGUIAR, Ana. Caminhos da Reportagem | Yanomami - o direito de existir. TV BRASIL. 05, mar. 2023.
Disponível em: h�ps://www.youtube.com/watch?v=dL_wl73RQbA. Acesso em: 19, mar. 2023.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988.

COLL, Liana; MENEZES, Adriana. Situação dos Yanomami expõe abandono dos indígenas pelo Estado. In:
UNICAMP. 24, jan. 2023. Disponível em: h�ps://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2023/01/24/situacao-
dos-yanomami-expoe-abandono-dos-indigenas-pelo-estado. Acesso em: 19, mar. 2023.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Conceito de Saúde. Disponível em:<h�ps://www.who.


int/eportuguese/countries/bra/pt/>. Acesso em: 24 mar. 2021.

SOUZA, Oswaldo. O que você precisa saber para entender a crise na Terra Indígena Yanomami. In:
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. 31, jan. 2023. Disponível em: h�ps://www.socioambiental.org/noticias-
socioambientais/o-que-voce-precisa-saber-para-entender-crise-na-terra-indigena-yanomami. Acesso em: 19
mar. 2023.
SUMÁRIO

328 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

57
A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE PELA
MEDIAÇÃO FRATERNA SANITÁRIA NO ÂMBITO DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

THE REALIZATION OF THE RIGHT TO HEALTH THROUGH


HEALTH FRATERNAL MEDIATION IN THE FRAMEWORK OF
PUBLIC ADMINISTRATION

Trabalho desenvolvido a partir da linha de pesquisa das autoras, qual seja: Políticas de
Cidadania e Resolução de Conflitos.

Gabrielle Sco-la Dutra


Doutoranda em Direitos Humanos pela UNIJUÍ. Mestre em Direitos Especiais pela URI.
Especialista em Filosofia na Contemporaneidade pela URI. Especialista em Direito Penal e
Processual prático contemporâneo pela UNISC. Prof. Universitária do Curso de Direito da
UNIJUÍ e da Faculdade de Balsas/MA (UNIBALSAS). Membro do grupo de pesquisa:
“Biopolítica e Direitos Humanos”, cadastrado no CNPQ e vinculado ao PPGDH-UNIJUÍ.
Advogada. E-mail: gabrielle.scola@unijui.edu.br.

Maria Eduarda Granel Cope�i


Doutoranda em Direitos Especiais pela URI. Mestre em Direitos Especiais pela URI.
Especialista em Direito Processual Civil pela UNISC. Membro do grupo de pesquisa:
Conflito, Cidadania e Direitos Humanos vinculado ao PPGD-URI. Advogada. E-mail:
mariaeduardagcope�i@gmail.com.

Charlise Paula Colet Gimenez


Pós-doutora em Direito pela UNIRITTER. Doutora em Direito e Mestre em Direito pela
UNISC. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UNIJUÍ. Professora Universitária
da Graduação e do PPGD-URI. Líder do Grupo de Pesquisa "Conflito, Cidadania e Direitos
Humanos", registrado no CNPQ. Advogada. E-mail: charcoletgimenez@gmail.com.

INTRODUÇÃO
Sabe-se que a saúde é um direito humano fundamental e reconhecida como um
bem comum da humanidade porque detém dimensões imprescindíveis para a
manutenção da existência humana. A saúde apresenta limites e possibilidades a sua
concretização, tendo em vista que a dinâmica complexa da sociedade impõe a
humanidade certas obstaculizações ao acesso à saúde. No contexto brasileiro, déficits
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 329


estruturais operacionalizam-se sob as frágeis camadas do tecido social e fabricam um
horizonte de violações de direitos, fazendo com que os sistemas públicos sanitários
restem prejudicados e não atendam satisfatoriamente as demandas em saúde.
Desse enredo problemático, entra em ascensão uma pluralidade de conflitos
sanitários que “batem à porta” do Poder Judiciário (PJ), a partir do fenômeno da
judicialização, clamando pela operacionalização do seu poder jurisdicional de “dizer
o direito” ao caso concreto em prol da tutela de um direito essencial à vida. Acontece
que o PJ não consegue responder, de forma satisfatória, todas as demandas que
pugnam pelo seu amparo, fato que estimula um (re)pensar sobre a
imprescindibilidade da aposta por novos métodos de tratamentos de conflitos. No
contexto da saúde, a mediação apresenta-se enquanto uma proposta de desvelamento
do paradoxo do direito à saúde, quanto aliada a incorporação da fraternidade,
dispositivo biopolítico por excelência, torna-se mediação fraterna sanitária.
A temática da presente pesquisa centra-se na concretização do direito à saúde
pela mediação sanitária sob a ótica do Direito Fraterno. A metodologia utilizada é a
hipotético-dedutivo, instruída por uma análise bibliográfica. Num primeiro
momento, aborda-se a complexidade da (não)concretização do direito à saúde no
contexto brasileiro. Por último, analisa-se a potencialidade da mediação sanitária
enquanto mecanismo de tratamento de conflitos. A base teórica utilizada para o
desenvolvimento da pesquisa é a Metateoria do Direito Fraterno, desenvolvida pelo
jurista italiano Eligio Resta. Diante disso, sob a ótica da fraternidade, questiona-se: é
possível concretizar o direito à saúde pela mediação sanitária no âmbito da
administração pública?

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O contexto histórico e civilizacional global revela que a saúde é discutida
numa perspectiva, tendo em vista que se conecta com multifacetadas questões e
fatores sociais que repercutem no bem-estar do ser humano. A Organização Mundial
de Saúde (OMS) reconhece o conceito de saúde para além da concepção do binômio
saúde/doença, e perfectibiliza a saúde enquanto um completo estado existencial de
bem-estar físico, mental e social que um ser humano pode contemplar em sua vida
(OMS, 2023). A OMS estabelece a premissa de que a saúde deve ser compreendida
como um bem comum da humanidade, ou seja, “a saúde deve ser entendida em
sentido mais amplo, como componente da qualidade de vida, e, assim, não é um bem
de troca, mas um bem comum, um bem e um direito social” (OMS, 2023).
No âmbito brasileiro, a saúde é positivada na Constituição Federal
promulgada em 1988 (CF/88), mais precisamente, elevada a dimensão de direito
SUMÁRIO

330 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

fundamental de caráter social. O artigo 6º perfectibiliza que “são direitos sociais a


educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados” (BRASIL, 1988). Igualmente, o artigo 196 da CF/88 reconhece que “a
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”
(BRASIL, 1988). O Brasil enquanto Estado Democrático de Direito é protagonista em
empreender dinâmica de promover acesso à saúde pública, gratuita e de qualidade a
toda a sua população, cabendo à administração pública com o seu enredo de agentes,
serviços e órgãos impostos pelo Estado, promover a partir da sua atividade
administrativa a gestão da área da saúde.
O artigo 197 da CF/88 impõe que “são de relevância pública as ações e serviços de
saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de
terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado” (BRASIL, 1988).
A principal política pública sanitária brasileira é o Sistema Único de Saúde (SUS), pois
é compreendido como um dos “mais complexos sistemas de saúde pública do mundo,
abrangendo desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial, por meio
da Atenção Primária, até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal
e gratuito para toda a população do país” (MS, 2023).
Em que pese o SUS tenha tal estrutura consolidada, a realidade brasileira reflete
um horizonte de déficits estruturais e de gestão que são percebidos quando da
dinâmica da política pública sanitária, fato que obstaculiza a efetivação do direito à
saúde. Se percebe a complexidade da (in)efetivação do direito à saúde no contexto
problemático brasileiro, motivo pelo qual conflitos povoam o Estado e desembocam
no fenômeno da judicialização¹. O fenômeno da judicialização “acaba por
constitucionalizar inúmeros assuntos e atribui ao Judiciário a função indesviável de
sanar qualquer lesão ou ameaça a direito, promovendo efetividade as promessas
constitucionais, como no caso do direito à saúde pública (FARIA; MARCHETTO,
2020, p. 162).

1 Assim, “o fenômeno da judicialização pode ser entendido como a atuação do Judiciário de modo a realizar direitos que
haveriam de ser conferidos a partir da tomada de decisões por parte do Executivo e do Legislativo” (FARIA;
MARCHETTO, 2020, p. 162).
2 No pensamento de Janaína Machado Sturza e Sandra Regina Martini, “Retomar as definições e dimensões dos bens
comuns significa retornar a velhos conceitos como aqueles da amizade, pactos, acordos, inclusão, em uma palavra:
retornar a fraternidade como um código capaz de desvelar paradoxos, inclusive o paradoxo do público do público.
Além disso, refletir sobre o direito à saúde e fraternidade implica em retomar o conceito de comunidade” (STURZA;
MARTINI, 2017, p. 405).
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 331


Então, vislumbra-se um excessivo protagonismo do PJ em demandas judiciais
que envolvem o direito à saúde, motivo pelo qual tal poder jurisdicional não
consegue responder, de forma satisfatória, todos os conflitos que são submetidos a
sua análise. Sendo assim, é urgente (re)pensar em formas alternativas à
judicialização que optem por conduzir o conflito por intermédio de um tratamento
fraterno de humanização a partir do diálogo pelo entendimento, como por exemplo,
a mediação sanitária. A mediação sanitária é um mecanismo de tratamento de
conflitos que detém potencialidade para ser aplicado no contexto da administração
pública em prol da efetivação do direito à saúde de todos. Sob um olhar coletivo, a
saúde como um bem comum da humanidade pode ser vislumbrada por meio de um
espaço comum compartilhado que é instaurado através da prática mediativa da
mediação sanitária.
Pelas mãos da mediação, a aposta é em retomar as dimensões de bens comuns
da humanidade a partir da perspectiva do Direito Fraterno². A mediação apresenta-
se enquanto mediação fraterna sanitária, pois é uma prática de experiências que
transformam o conflito negativo em conflito positivo³. Na proposta da mediação
sanitária, a fraternidade insere-se na trama histórica para revolucionar, propicia um
novo olhar sobre os conflitos sanitários, concebe a saúde enquanto locus comum de
efetivação de direitos. A mediação sanitária, “vem se atando à capacidade do
mediador de propor soluções, inclusive de forma expressa. As soluções trazidas pelo
mediador são construídas mediante elementos trazidos pelas partes durante
procedimento dialogado” (D’ANTONIO, 2016, p. 16).
A mediação fraterna sanitária pode ser praticada em situações onde os
sujeitos envolvidos no liame conflitivo sejam “entes públicos, ou entre o público e o
privado e admite flexibilidade em sua forma, o que torna não só possível, mas
indicado como método para a resolução de conflitos no âmbito das questões
sanitárias, incluindo aquelas oriundas do Sistema Único de Saúde” (D’ANTONIO,
2016, p. 19). A saúde é locus social de responsabilidade compartilhada entre o Estado
Democrático de Direito e os sujeitos de direitos, motivo pelo qual a fraternidade
ingressa no mundo real como desveladora do paradoxo existente na humanidade e
que só pode ser desvelado pela própria humanidade. Diante disso, constata-se que
é possível efetivar o direito à saúde pela mediação sanitária no âmbito da
administração pública.

3 Sob essa perspectiva, o conflito negativo é instituído a partir de binômios adversariais, simplificado pelo complexo
amigo/inimigo e o conflito positivo pode ser vislumbrado enquanto oportunidade de desenvolvimento civilizacional,
enquanto um potencial transformador do mundo real.
SUMÁRIO

332 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de conclusão, percebe-se que a fraternidade é compreendida enquanto
uma desveladora do paradoxo do direito à saúde, à medida em que detém
potencialidade para ser incorporada na mediação sanitária em prol da efetivação do
direito à saúde. Assim, a mediação fraterna sanitária é um mecanismo que facilita o
tratamento dos conflitos no âmbito da administração pública, pois fomenta a
constituição de um espaço comum compartilhado de diálogo pelo entendimento entre
o sujeito que necessita de acesso à saúde e a administração pública que detém a
estrutura para facilitar o acesso à saúde para aquele que precisa. É por isso que a
mediação fraterna sanitária se apresenta enquanto uma aposta, um desafio e uma
possibilidade de se inaugurar um novo percurso compartilhado de concretização do
direito à saúde.
Palavras-chave: Administração Pública. Direito à saúde. Fraternidade. Mediação
Sanitária.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: h�ps://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 mai. 2023.

D’ANTONIO, Suzete de Souza. Mediação sanitária: diálogo e consenso possível. In: Cadernos Ibero-
Americanos de Direito Sanitário. Brasília, 5(2):8-22, abr./jun, 2016. Disponível em: h�ps://www.cadernos.
prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/255/380. Acesso em: 01 mai. 2023.

FARIA, Lucas Oliveira; MARCHETTO, Patrícia Borba. A judicialização da saúde: atores e contextos de um
fenômeno crescente. In: Revista de Direito Brasileira. 2020. Disponível em: h�ps://www.indexlaw.org/
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MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS). Sistema Único de Saúde (SUS). 2023. Disponível em: h�ps://www.gov.br/
s a u d e / p t - b r / a s s u n t o s / s a u d e - d e - a - a - z / s / s u s # :
~:text=O%20Sistema%20%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde,
toda%20a%20popula%C3%A7%C3%A3o%20do%20pa%C3%ADs. Acesso em: 01 mai. 2023.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Conceito de saúde. 2023. Disponível em: h�ps://www.
who.int/pt. Acesso em: 01 mai. 2023.

RESTA, Eligio. O direito fraterno [recurso eletrônico]. 2ª Edição. Tradução de: Bernardo Baccon Gehlen,
Fabiana Marion Spengler e Sandra Regina Martini. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2020.

STURZA, Janaína Machado. MARTINI, Sandra Regina. O município enquanto espaço de consolidação de
direitos: a saúde como bem comum da comunidade. In: Revista Jurídica UNICURITIBA. vol. 04, n°. 49,
Curitiba, 2017. pp. 393-417. disponível em: h�p://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/
2364. Acesso em: 01 mai. 2023.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 333

58
AS PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS GERADAS PELA
INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA SOBRE A RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS FRENTE AO DEVER DE
PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE CONFORME AS
CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS DEBATIDAS PARA A FIXAÇÃO DO
TEMA 793 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

THE MAIN CONSEQUENCES GENERATED BY THE MISTAKEN


INTERPRETATION OF THE JOINT LIABILITY OF THE FEDERAL ENTITIES
IN FRONT OF THE DUTY TO PROVIDE HEALTH CARE ACCORDING TO
THE LEGAL CONTROVERSIES DEBATED FOR THE FIXATION OF TOPIC 793
OF THE FEDERAL SUPREME COURT

Trabalho vinculado ao projeto de pesquisa intitulado como “Direito Social à Saúde: a


judicialização das políticas públicas”, o qual integra a linha de pesquisa de Direito e
Multiculturalismo, do Programa Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado em Direito, da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Santo Ângelo.

Isadora Sorteia da Ponte


Acadêmica do nono semestre do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), campus Santo Ângelo/RS. Bolsista PIBIC/
CNPq. Integrante do Grupo de Pesquisa “Interlocuções entre Direito, Gênero, Cultura,
Religião e Filosofia hermenêutica”, vinculado ao PPGD da URI. E-mail:
isadorasorteiadaponte@gmail.com

Orientador: Noli Bernardo Hahn


Pós-Doutor pela Faculdades EST, São Leopoldo, RS. Doutor em Ciências da Religião,
Ciências Sociais e Religião, pela UMESP. Graduado em Filosofia e Teologia. Possui formação
em Direito. Professor Tempo Integral da URI Campus de Santo Ângelo, RS. Integra o Corpo
Docente do PPGD em Direito. E-Mail: nolihahn@santoangelo.uri.br

INTRODUÇÃO
O direito à saúde está no rol dos direitos sociais previstos na Constituição Federal
Brasileira de 1988, sendo que este direito tem sido garantido pelo poder público
através do Sistema Único de Saúde. Diante disso, ainda que o direito à saúde seja de
responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, o SUS fixou
SUMÁRIO

334 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

competências específicas a cada ente federado a fim de que as demandas vinculadas a


saúde fossem atendidas da melhor forma.
Em contrapartida, ao ter o seu direito negligenciado, a população recorre ao
Poder Judiciário, o qual acaba por interferir na gestão do Sistema Único de Saúde,
tendo em vista que tem permitido que as pessoas ajuízem ações contra qualquer um
ou contra todos os entes federados, desconsiderando a descentralização de
competências instituída pelo sistema de saúde, criando uma espécie de
responsabilidade “irrestrita”.
Assim, a problemática surge em razão de que, com o ajuizamento de demandas
relacionadas à saúde, o Poder Judiciário passa a intervir no funcionamento do sistema,
o qual, aos poucos, pode vir a se tornar insustentável.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal se posicionou sobre como deveria
ser interpretado o federalismo solidário, confirmando a necessidade de ser observada
a rede regionalizada, hierarquizada e descentralizada do SUS, fixando, então, o Tema
793.
Frente ao exposto, o presente trabalho, embasado num estudo hipotético-
dedutivo, mediante a utilização do procedimento hermenêutico, tem como objetivo
analisar, com base no Tema 793 do STF, as duas principais consequências geradas pela
interpretação equivocada sobre a responsabilidade dos entes federados frente ao
dever de prestar assistência à saúde, quais sejam o aumento da judicialização e a
desestruturação do SUS.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As diversas interpretações contraditórias feitas sobre a responsabilidade solidária
dos entes federados frente as demandas de saúde causaram graves consequências,
tanto no âmbito do Poder Judiciário, como no âmbito da organização do Sistema
Único de Saúde.
Evidente que, nem todas as consequências são negativas. Como bem pontua a
juíza federal Luciana da Veiga Oliveira “[...] a judicialização forçou uma atuação dos
demais poderes, Executivo e Legislativo, a melhor estruturar o SUS e a dar maior
abrangência ao direito à saúde.” (OLIVEIRA in SANTOS et al. [Orgs.], 2014, p. 187).
Como exemplo, a juíza pontua que “[...] houve a revisão da RENAME, a qual passou
de 550 para 810 itens, e atualização dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”
no ano de 2014. (OLIVEIRA in SANTOS et al. [Orgs.], 2014, p. 187).
No entanto, a aplicação do entendimento do federalismo solidário ilimitado
pelos operadores do direito, incluindo juízes e tribunais, também tem provocado
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 335


várias distorções. Dentre elas, o Ministro Edson Fachin evidencia duas das principais
consequências negativas observadas na realidade brasileira: a) o aumento da
judicialização em matéria da saúde após a fixação da tese da solidariedade; b) a
desestruturação do Sistema Único de Saúde. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal,
2019, s.p.). Nesse contexto, passa-se a analisar essas duas consequências.
Considerando a demasiada deficiência do sistema de saúde do país, a autora
Luciana Ohland destaca que “Houve um vertiginoso crescimento de demandas
judiciais cujo objetivo é obrigar o Estado ao fornecimento de determinadas
prestações, tanto em ações individuais quanto em coletivas”, afirmando que “O
Poder Judiciário vem assumindo papel decisivo na área da saúde pública, por conta
da garantia constitucional da inafastabilidade da apreciação judicial de lesão ou
ameaça a direito.” (OHLAND, 2010, p. 36).
Há de se considerar também que a Constituição Federal de 1988 impôs diversos
deveres aos entes políticos, vinculados a garantia dos direitos sociais. No entanto,
tendo em vista que os recursos públicos são limitados, os gestores dificilmente
atingem todas as determinações lançadas no texto constitucional, muitas vezes
utilizando-se da reserva do possível como fundamentação para liberar-se da
obrigação social. (OHLAND, 2010, s.p.).
Caso seja aplicado o entendimento de que a competência dos entes públicos nas
demandas de saúde é solidária e absoluta, está-se contribuindo para o aumento da
judicialização em matéria de saúde, aumentando os gastos públicos “[...] sem a
correlata melhora no sistema público de saúde.” (BRASIL, Supremo Tribunal
Federal, 2019, p. 14).
Ao aumentar a judicialização do direito à saúde, também se aumenta ainda mais
as desigualdades sociais da população, considerando que “O Estado-administrador,
ao ser obrigado pelo Judiciário a desviar recursos dos grupos esquecidos (como os
idosos, os analfabetos, que não conhecem seus direitos ou não têm capacidade de
organização para sua defesa)” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2019, p. 14),
precisa direcionar esses recursos públicos “[...] aos cidadãos organizados, com acesso
à informação, a advogados.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2019, p. 14).
Nesse contexto, parte da população que mais necessita do SUS acaba perdendo
lugar no acesso ao orçamento que financia as políticas públicas voltadas à saúde, “[...]
isso porque os recursos inicialmente destinados a essas finalidades são desviados
para cumprir um reduzidíssimo número de ordens judiciais, que atendem a outra
categoria de cidadãos” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2019, p. 14), aqueles que
conhecem os seus direitos.
SUMÁRIO

336 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a cada ano aumenta o número de


processos relacionados à saúde no Brasil, sendo que a quantidade ultrapassou 2,5
milhões de demandas entre os anos de 2015 e 2020. (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2022, s.p.).
Além disso, ao ser analisada a estatística processual do direito à saúde, depara-se
com números exorbitantes. No ano de 2020, a quantidade de novas demandas
ajuizadas alcançou a faixa de 207.360 mil processos, ao passo que, no ano de 2021,
houve um aumento significativo para 243.210 mil processos novos no Brasil.
(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2022, s.p.).
Assim, conforme bem fundamenta o Ministro Edson Fachin, ao ser aplicada a
interpretação da responsabilidade solidária irrestrita, os Estados e os Municípios “[...]
são os mais atingidos pela inobservância das leis e pactos do SUS” (BRASIL, Supremo
Tribunal Federal, 2019, p. 16), tendo em vista que “[...] são compelidos por ações
judiciais a custear medicamentos e tratamento que não estão e sequer estariam sob sua
responsabilidade, segundo as normas legais de distribuição de competências.”
(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2019, p. 16).
A segunda grande consequência observada pelos Ministros do STF, recai sobre a
desestruturação do SUS. Compreende-se que, ao emanar o entendimento de que “[...]
qualquer cidadão pode demandar qualquer pessoa política, independentemente do
que prevê a lei e as pactuações no âmbito do SUS sobre a respectiva atribuição, aliada
ao fato de não admitir o chamamento ao processo” tende a acarretar “[...] a falência do
SUS em médio ou longo prazo.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2019, p. 17).
Nessa linha, o autor Renato Desch pontua que, em que pese a Constituição
Federal de 1988 assegure o atendimento à saúde e a judicialização seja uma
consequência da falha do ente público em prestar esse serviço, as decisões judiciais
devem estar atentas “[...] para as regras de repartição de competência de modo a evitar
o impacto deslocativo no orçamento, pois a criação de despesas fora das rubricas
orçamentárias, levam a uma desorganização administrativa.” (DRESCH in SANTOS
et al. [Orgs.], 2014, p. 19).
Explica-se que, no momento em que se permite que o cidadão ajuíze uma ação
judicial na busca por seu direito à saúde em face de qualquer ente federado, sem que
haja o devido chamamento ao processo do gestor competente pela demanda, está-se
acabando com o poder do ente de planejar as suas políticas públicas, considerando
que parte do orçamento que seria destinado para melhorar o sistema, acaba sendo
direcionado para o atendimento individual imposto pelo Poder Judiciário. (BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, 2019, p. 18).
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 337


Evidente a dificuldade dos magistrados e dos operados do direito em geral de
aplicar a responsabilidade solidária dos entes federados nas demandas de saúde e
dirigir a competência para o gestor incumbido pelo serviço, seja em razão desta
crise hermenêutica, seja porque não têm conhecimento técnico sobre o tratamento
ou medicamento que seria o correto para aquela situação. Contudo, cabe “[...] às
partes instruir os seus pedidos judiciais de saúde com prova da necessidade e
evidência médica daquilo que está sendo pleiteado” (DRESCH in SANTOS et al.
[Orgs.], 2014, p. 12), fato que possibilitará ao Estado-juiz determinar o responsável
principal pela obrigação, sendo que, caso ele não componha o polo passivo, deverá
ser chamado ao processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, a partir da análise breve realizada no presente texto, pode-se concluir
que a interpretação equivocada quanto a responsabilidade dos entes federados pela
assistência à saúde causa um grande impacto na organização e no orçamento público,
comprometendo a estabilidade do sistema e aumentando as desigualdades sociais,
considerando que apenas parte da população é privilegiada com essas demandas
interpostas perante o Poder Judiciário.
Assim, evidente o aumento da judicialização da saúde após a fixação da tese da
solidariedade, bem como incontroversa a conclusão de que a interpretação errônea da
responsabilidade é uma das principais causas da atual desestruturação do SUS, o qual,
diante da frequente interferência judicial, acaba por não atingir os seus objetivos.
Palavras-chave: Saúde. SUS. Judicialização. Responsabilidade. Competência.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 855.178 – SE.
Relator: Ministro Luiz Fux. Publicado no DJE de 16 de abril de 2020. Disponível em: h�ps://portal.stf.jus.br/
processos/downloadPeca.asp?id=15319097113&ext=.pdf. Acesso em: 05 mai. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Estatísticas Processuais de Direito à Saúde. 2022. Disponível em:
h�ps://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=a6d�ee4-bcad-4861-98ea-4b5183e29247&sheet=87ff247a-
22e0-4a66-ae83-24fa5d92175a&opt=ctxmenu,currsel. Acesso em: 28 abr. 2023.

DRESCH, Renato Luís. Federalismo solidário: a responsabilidade dos entes federativos na área da saúde.
In: SANTOS, Lenir; TERRAZ, Fernanda [Orgs.]. Judicialização da Saúde no Brasil. Campinas: Saberes,
2014. p. 25-57. Acesso em: 20 abr. 2023.

OHLAND, Luciana. Responsabilidade solidária dos entes da Federação no fornecimento de


medicamentos. v. 36. n. 1. Porto Alegre: Direito & Justiça, 2010.

OLIVEIRA, Luciana da Veiga. Comitês Executivos da Saúde. In: SANTOS, Lenir; TERRAZAS, Fernanda
[Orgs.]. Judicialização da saúde no Brasil. 1. ed. Campinas: Saberes, 2014. p. 190-191.
SUMÁRIO

338 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

59
MANIPULAÇÃO GENÉTICA: o conflito entre o princípio da
isonomia e o princípio do progresso científico

GENETIC MANIPULATION: the conflict between the


principle of equality and scientific progress

Jéssica Cindy Kempfer


Doutoranda em Direitos Humanos – UNIJUÍ/RS; Professora do Curso de Direito da ULBRA,
campus Carazinho/RS. Bolsista Capes/PROSUP. Email: jessicakempfer@gmail.com

INTRODUÇÃO
As técnicas de manipulação genética têm sido amplamente utilizadas na era da
globalização, permitindo a intervenção no código genético humano. Essa prática,
conhecida como movimento eugenista, busca melhorar geneticamente a raça humana
por meio de duas correntes: eugenia positiva e eugenia negativa. Atualmente, uma
terceira corrente, chamada de neogenia, surgiu com o avanço das tecnologias
genéticas.
Este estudo analisa se as práticas de manipulação genética promovem a
discriminação social, questionando se a liberação dessas práticas viola o princípio
constitucional da igualdade. Duas hipóteses são propostas: 1) as práticas de
manipulação genética violam o princípio da igualdade, pois permitem tratamentos
diferenciados entre os indivíduos; 2) as práticas de manipulação genética não violam
o princípio da igualdade, pois o direito ao progresso científico é mais relevante.
Considerando as consequências permanentes para a raça humana, é necessário
impor restrições legais às práticas de manipulação genética, inclusive em nível
transnacional. A pesquisa utilizará o método hipotético-dedutivo, analisando
bibliografias e artigos científicos, e será dividida em três capítulos
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 339


RESULTADOS E DISCUSSÃO
O sistema normativo baseado em regras e princípios permite a regulamentação
de novas situações sem a necessidade de alteração legislativa (CANOTILHO, 1998). A
ponderação entre princípios colidentes é feita por meio da lei da colisão, seguindo a
máxima da proporcionalidade em sentido genérico, que inclui os critérios de
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. (ALEXY, 2006)
Esse sistema normativo é essencial para a solução de problemas metódicos e para
a legitimidade, enraizamento e desenvolvimento do sistema jurídico. O sopesamento
dos princípios é aplicado por meio de uma análise caso a caso, sem que nenhum
princípio tenha precedência geral sobre os demais (ALEXY, 2006). Nesse contexto, o
presente trabalho se concentra no conflito entre os princípios da isonomia e da
liberdade da pesquisa científica, utilizando a teoria de Alexy e os critérios da máxima
da proporcionalidade para avaliar se as práticas de manipulação genética violam o
princípio constitucional da isonomia.
Com base na teoria de sopesamento de princípios de Alexy (2006), a manipulação
genética envolve a colisão de dois princípios fundamentais: o direito à igualdade ou
não discriminação e o direito ao progresso científico. A manipulação genética pode
resultar em tratamento desigual com base na genética dos indivíduos, o que constitui
discriminação (GOULART et al., 2010). Por outro lado, o direito ao progresso científico
defende o avanço da manipulação genética para melhorar a saúde humana (TARIFA;
FERRARO, 2005). No entanto, é importante estabelecer limites para a liberdade de
pesquisa nessa área, a fim de evitar abusos e proteger os direitos à vida, integridade
corporal e dignidade humana.
A manipulação genética pode levar à discriminação com base no conhecimento
do genótipo individual, restringindo as pessoas às suas características biológicas.
Além disso, existe o risco de uma "limpeza genética" que pode eliminar características
físicas e orgânicas consideradas inadequadas socialmente. A seleção de sexo por meio
da manipulação genética também pode levar a abusos e violações dos direitos
individuais e sociais. (GOULART et al., 2010)
A história mostra exemplos de como a manipulação genética foi utilizada de
forma discriminatória, como programas de esterilização compulsória eugenistas
(BEIGUELMAN, 2002). Além disso, esta técnica pode atender aos interesses de
mercado, levando à desigualdade social e genética (HABERMAS, 2001). Os princípios
da beneficência e justiça na bioética devem ser considerados, garantindo que as
pesquisas médicas beneficiem a humanidade como um todo.
SUMÁRIO

340 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Os riscos decorrentes da manipulação genética, juntamente com a sua difusão e


irreversibilidade, levantam preocupações relacionadas aos princípios éticos e aos
direitos humanos. As legislações internacionais e nacionais enfatizam a proibição da
discriminação com base nas características genéticas.
Considerando-se o sopesamento de princípios, o princípio da igualdade
prevalece sobre o princípio do progresso científico na manipulação genética. Portanto,
as práticas de manipulação genética com fins eugênicos devem ser vedadas devido à
violação do princípio constitucional da igualdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os princípios são normas de conteúdo aberto que otimizam situações fáticas. Em
alguns casos, princípios podem entrar em conflito sem que um seja declarado
inválido, como ocorre com regras. Neste estudo, o conflito entre os princípios da
isonomia e o progresso científico é resolvido através do sistema de sopesamento, que
avalia qual princípio prevalece em determinado caso, considerando adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. No caso das práticas de
manipulação genética, o princípio da isonomia prevalece devido aos riscos
desconhecidos e potenciais impactos irreversíveis na vida.
Para uma atuação proativa, é sugerida a implementação de legislações
transnacionais, pois a manipulação genética ultrapassa as fronteiras de um único
Estado e afeta toda a sociedade. Conclui-se que as práticas de manipulação genética
com fins eugênicos violam o princípio constitucional da isonomia, ao permitir
tratamentos diferenciados entre os indivíduos com base em características genéticas
consideradas superiores, discriminando aqueles que não possuem esses traços.
Nesse sentido, a regulamentação das práticas de manipulação genética e assuntos
correlatos é de relevância global, uma vez que impactam a sociedade como um todo e
não se limitam às fronteiras de um único Estado. Isso decorre do fenômeno da
globalização, que demanda uma análise transfronteiriça das questões. Portanto, a
regulamentação adequada dessas questões requer uma abordagem transnacional, a
fim de garantir maior eficiência e proteção aos direitos envolvidos (FORNASIER;
FERREIRA, 2015). No entanto, ainda não há maturidade jurídica suficiente para a
criação de uma regulamentação transnacional abrangente sobre o tema.
Palavras-chave: Colidência de princípios. Direitos fundamentais. Eugenia.
Isonomia.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 341


REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5 ed. São Paulo -
Editora Malheiros, 2006,

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra:
Livraria Almedina, 1998.

FORNASIER, Mateus de Oliveira; FERREIRA, Luciano Vaz. Autorregulação e direito global: os novos
fenômenos jurídicos não-estatais. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC,
Fortaleza, v.35, v.2, 2015, p.295-312.

GOULART, M. et al. Manipulação do genoma humano: ética e direito. Revista Ciência e Saúde Coletiva, v.
15, jan./jun. 2010, p. 1709-1713. Disponível em: h�ps://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
ar�ext&pid=S1413-81232010000700082. Acesso em: 05 maio 2023.

HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? Trad. Karina
Janini. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

TARIFA, Rita de Cássia Resque�i; FERRARO, Valkiria Lopes. Autonomia corporal e manipulação genética.
Revista Scientia Iuris. Londrina, v. 9, p. 273-298, 2005. Disponível em: h�ps://www.uel.br/revistas/uel/
index.php/iuris/article/viewFile/4052/3588. Acesso em 05 maio 2023.
SUMÁRIO

342 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

60
O FENÔMENO DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS E SEUS
IMPACTOS NO PROCESSO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO
ACESSO À SAÚDE

THE PHENOMENON OF MIGRATORY FLOWS AND ITS IMPACTS


ON THE PROCESS OF ENFORCEMENT OF THE RIGHT TO
ACCESS TO HEALTH

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa “SER MIGRANTE” NO ESTADO DO


RIO GRANDE DO SUL: Saúde, Gênero e Inclusão Social dos Migrantes residentes na Região
Noroeste do Estado – Edital FAPERGS nº 05/2019 – Programa Pesquisador Gaúcho – PqG –
Faixa A e do Projeto Saúde e trabalho: a inclusão social de migrantes a partir dos marcos legais e das
políticas públicas existentes no Brasil e na Itália – Edital Universal CNPq – Chamada CNPq/
MCTI/FNDCT N° 18/2021, desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Direitos Humanos – Mestrado e Doutorado da UNIJUÍ (Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul).
Maria Luiza Zimmermann
Bolsista CNPq/UNIJUI, do Projeto “SER MIGRANTE” NO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL: Saúde, Gênero e Inclusão Social dos Migrantes residentes na Região Noroeste do Estado – Edital
FAPERGS N° 05/2019. Aluna da graduação em Direito da UNIJUI. E-mail:
maluzimmerman@gmail.com.
Bruna Kronberg de Almeida
Bolsista CNPq/UNIJUÍ, do Projeto “SER MIGRANTE” NO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL: Saúde, Gênero e Inclusão Social dos Migrantes residentes na Região Noroeste do Estado – Edital
FAPERGS N° 05/2019. Aluna da graduação em Direito da UNIJUI. E-mail:
kronbergbruna84@gmail.com.
Janaína Machado Sturza
Pós doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/
Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em
Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, lecionando na graduação
em Direito e no Programa de pós-graduação em Direito – mestrado e doutorado. Integrante
da Rede Iberoamericana de Direito Sanitário. Integrante do grupo de pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS – PqG Edital N° 05/2019 e
Pesquisadora Universal CNPq – Chamada CNPq/MCTI/FNDCT N° 18/2021. E-mail:
janasturza@hotmail.com.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 343


INTRODUÇÃO
A temática da presente pesquisa circunda o fenômeno dos fluxos migratórios
internacionais e seus impactos no processo de efetivação do direito ao acesso à saúde
daqueles que migram para o Brasil. Uma análise do panorama dos migrantes vivendo
em nosso país se faz necessária, uma vez que o Brasil muito recentemente passou de
um país produtor de migrantes para um país receptor de migrantes, contando com
uma política migratória frágil.
Posto isto, o objetivo do trabalho é dissertar sobre os percalços encontrados pelos
imigrantes vivendo em solo brasileiro no acesso à saúde pública, assim como inferir
sobre a importância da quantificação de dados acerca das necessidades de saúde desta
população. Para tal, o estudo foi feito através do método dedutivo e de uma análise
bibliográfica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os fluxos migratórios têm um impacto significativo na saúde daqueles que
migram, tornando os imigrantes um grupo particularmente vulnerável à miríade de
fatores responsáveis por determinar suas condições de saúde. As condições em que
muitos migrantes viajam podem ser precárias e expô-los a riscos para a saúde,
incluindo desidratação, desnutrição e doenças infecciosas. Este fator ganha ainda mais
relevância quando levamos em conta a dificuldade que os migrantes têm de acessar os
serviços de saúde uma vez que se estabeleçam em um novo país, o que se deve a
fatores como a falta de documentos, idioma e diferenças culturais.
De tal maneira, o fenômeno migratório tem mostrado ser um complexo desafio
na área da saúde pública, com impacto no nível da atenção à saúde e nos sistemas dos
países que recebem os imigrantes (DIAS et al.,2010). No caso do Brasil, o direito ao
acesso universal e gratuito à saúde é assegurado a todos, inclusive aos migrantes que
aqui se encontram, independentemente de sua situação migratória ou documental.
Nesse norte, a Constituição Federal Brasileira de 1988 estabelece, no art. 196, que a
saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo reforçada, recentemente, com a nova
Lei de Imigração de 2017, que estabelece em seu art. 4° que:

Art. 4º Ao migrante é garantida no território nacional, em


condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, bem como são assegurados:
(...)
VIII - acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e
à previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em
razão da nacionalidade e da condição migratória; (BRASIL, 2017)
SUMÁRIO

344 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Desta forma, a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma importante


ferramenta para garantir o acesso à saúde dos migrantes no Brasil. O SUS tem políticas
específicas para a saúde dos migrantes, como o atendimento humanizado e a oferta de
serviços de tradução e interpretação. Essas políticas contribuem para a promoção da
inclusão social e a garantia do direito à saúde para todos, independentemente de sua
origem. Dessa forma, o SUS é uma ferramenta essencial para assegurar a saúde dos
migrantes e a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Outrossim, tratando-se de saúde pública, é garantido que qualquer pessoa seja
atendida, mesmo sem portar documento de identificação, como RG, CPF, RNE,
passaporte ou cartão do SUS. Porém, não é incomum relatos de casos nos quais o
acesso ao SUS é impedido em razão do imigrante não ter o cartão do SUS ou, ainda, os
documentos necessários para fazê-lo, o que é uma ocorrência regular entre aqueles
imigrantes que ainda não conseguiram regularizar sua situação migratória, assim
sofrendo com a precarização de sua condição de vida dentro do país.
De acordo com o relatório MigraCidades 2020, desenvolvido pela Agência da
ONU para as Migrações (OIM), em parceria com a Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e com o apoio da Escola Nacional de Administração Pública
(ENAP), que analisou dados coletados de seis estados – Ceará, Mato Grosso do Sul,
Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul –, apenas quatro dos
estados analisados (Ceará, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Norte) relataram ter
medidas para desburocratizar o acesso ao SUS (MIGRACIDADES, 2020, p. 16).
Ademais, os serviços de saúde que atendem a população imigrante têm
enfrentado diversos obstáculos na efetivação dos serviços oferecidos, o que se deve a
fatores como:
� A falta de informação dos profissionais de saúde frente à diversidade cultural;
� A falta de informações dos imigrantes sobre o funcionamento do Sistema Único
de Saúde;
� As barreiras linguísticas entre os profissionais de saúde e os imigrantes
internacionais;
� A pouca ou nenhuma qualificação profissional para atender demandas
culturais, dentre outros.
Nesse sentido, o relatório supramencionado reafirma a existência de um déficit
na capacitação dos profissionais da saúde no atendimento aos migrantes, já que
apenas o Rio Grande do Sul afirmou que ofertou, no ano de 2019, capacitação sobre
acolhimento e atenção à saúde de migrantes junto aos servidores da área
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 345


(MIGRACIDADES, 2020, p. 17). Tal estudo também relata que apenas dois dos estados
envolvidos na pesquisa, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, relataram coletar dados
sobre o perfil de acesso a serviços e as demandas de saúde de migrantes, e, entre os
dois, apenas o Rio Grande do Sul declarou coletar dados que permitem enxergar se há
uma demanda reprimida de acesso à saúde pelas pessoas migrantes, dizendo utilizar
tais dados para propor mudanças nos fluxos, programas e políticas de acesso à saúde.
Ademais, o estado do Paraná, apesar de não coletar dados sobre o perfil de acesso aos
serviços de saúde, é o único no qual foi constatada a existência de um setor capacitado
para lidar com as demandas da população migrante, havendo a possibilidade de
registrar práticas de discriminação e xenofobia nos serviços de saúde
(MIGRACIDADES, 2020, p. 18).
Estes dados servem para demonstrar que informações importantes relacionadas
aos migrantes e suas necessidades de saúde, são subnotificadas ou sequer são
registradas, o que impossibilita a visualização de um panorama completo da vivência
dos migrantes internacionais em solo brasileiro. De tal maneira, a criação e
regulamentação de políticas públicas voltadas a facilitar e otimizar o acesso dos
migrantes à saúde pública restam prejudicadas, já que tais políticas são desenvolvidas
“no escuro”, sem dados quantificáveis para indicar quais setores necessitam
melhorias, assim perdendo efetividade em seu propósito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim sendo, através do que foi exposto, percebe-se que os registros realizados
pelos serviços de saúde acerca do acesso da população imigrante ao sistema público
de saúde são omissos, já que conforme o relatório MigraCidades 2020, que foi
realizado analisando seis estados, apenas dois estados relataram coletar informações
acerca das demandas de saúde da população migrante.
Sabemos que a análise de dados é de suma importância para criar ou melhorar
políticas públicas, tornando-as mais eficientes, servindo como fontes de informação
para criar políticas públicas baseadas em evidências. No entanto, conforme o que foi
analisado neste trabalho, chega-se à conclusão que há necessidade de mais dados
acerca da situação dos migrantes internacionais vivendo em solo brasileiro, pois as
pesquisas existentes são poucas, desatualizadas ou insuficientes para informar quais
âmbitos necessitam melhorias.
Palavras-chave: Migração. Saúde Pública. Dados.
SUMÁRIO

346 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Brasília, DF: Presidência da
República, 2017. Disponível em: h�p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm.
Acesso em: 28 abr. 2023.

DIAS, Sónia; RODRIGUES, Rita; SILVA, António; CARGALEIRO, Helena. Procura de Cuidados e Acesso
aos Serviços de Saúde em Comunidades Imigrantes: um estudo com imigrantes e profissionais de saúde.
Investigação Original, Lisboa, p. 253-259, dez. 2010.

OIM. MigraCidades 2020: Sistematização e Análise dos Dados Sobre a Dimensão de Acesso à Saúde.
Brasília, DF: Organização Internacional para as Migrações, 2022. Disponível em: file:///D:/Usuario/
Downloads/migracidades% 20sa%C3%BAde.pdf. Acesso em: 28 abr. 2023.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 347

61
A NECROPOLÍTICA COMO MECANISMO NAS MÃOS DO
ESTADO PARA PROMOVER A MORTE INDIRETA DOS PRESOS
PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS NO BRASIL

NECROPOLITICS AS A MECHANISM IN THE HANDS OF THE


STATE TO PROMOTE THE INDIRECT DEATH OF PRISONERS
WITH MENTAL DISORDERS IN BRAZIL

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa no Programa de Pós-Graduação


Strictu Sensu em Direitos Humanos - Mestrado (Turma 2023) da Unijuí;
Mariele Cássia Bosche�i Dal Forno
Bolsista Taxa Escolar Prosuc/Capes; Mestranda no Curso de Pós-Graduação Strictu Sensu em
Direitos Humanos Unijuí; E-mail:mariele.bosche�i@sou.unijui.edu.br
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
Doutor em Direito pela UNISINOS, Professor, Coordenador e Pesquisador do Curso de Pós-
Graduação Strictu Sensu em Direitos Humanos Unijuí; E-mail:maiquel.wermuth@unijui.edu.
br

INTRODUÇÃO
O tema do presente resumo expandido versa a respeito da Necropolítica como
mecanismo nas mãos do Estado para promover a morte indireta dos presos
portadores de transtornos mentais no Brasil. O assunto em questão visa analisar como
as políticas da morte se relacionam na garantia ou não dos direitos e garantias
fundamentais dos encarcerados acometidos por transtornos mentais.
No decorrer dos estudos sobre a problemática no cárcere brasileiro fica evidente
que o principal impasse está na falta de condições mínimas de dignidade para os
detentos, sendo que o déficit dessas circunstâncias acaba determinando a “morte
indireta” dos encarcerados no sistema prisional, uma vez que, os apenados são vistos
como objetos e não como pessoas que possuem direito à vida, saúde, trabalho,
educação, lazer entre outras prerrogativas.
A abordagem deste resumo está focada na realidade caótica do cárcere brasileiro,
mais precisamente no que diz respeito aos detentos portadores de transtornos
SUMÁRIO

348 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

mentais, a fim de encontrar “espaços” adequados, seguros e eficientes para dispor


esses sujeitos que estão invisíveis para o Estado e sociedade.
O objetivo principal deste estudo está fundado em conseguir aprimorar o
conhecimento acadêmico e científico na seara da Necropolítica como uma forma de
gestão estatal que falha na promoção dos direitos fundamentais para os encarcerados
acometidos por transtornos mentais.
No decorrer da pesquisa e analisando as peculiaridades dos presos portadores de
transtornos mentais é possível verificar que o Estado tem perfeitas condições de
desenvolver políticas para assistência e acompanhamento dos detentos durante e após
o cumprimento da pena, a fim de promover o mínimo de dignidade a eles.
Quanto a metodologia da pesquisa, ela se desenvolve de maneira expalantória, na
medida em que ultiliza em seu delineamento a coleta de dados em fontes
bibliográficas físicas e na rede mundial de computadores, com especial relevância no
cenário nacional do cárcere brasileiro.
Na sua realização o método ultilizado é o hipotético-dedutivo, passando por
leituras escritas e visuais de materiais relevantes (livros, artigos, revistas,
documentários, filmes, periódicos, reportagens, dissertações, entre outros), que
apresentam conteúdo relativo ao tema proposto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Necropolítica surge após muitos discursos biopolíticos que já não suprem a
ideia da necessidade e predisposição do Estado em promover a morte indireta a certas
camadas sociais. Esta nova política evidenciada pelo autor Achille Mbembe, visa
compreender e criticar as novas dimensões de poder, as quais atuam entorno das
vidas consideradas matáveis, descartáveis, insignificantes e desprezíveis.
De acordo com Silvio de Almeida, citado por Gilson Iannini (2022, p. 16), “Não é
preciso que o Estado mate; basta que ele deixe morrer ou deixe matar. Ou ainda: que
deixe que se matem uns aos outros”.
A morte física destes sujeitos invisíveis se torna apenas o final de um processo
desumano que retira gradativamente, mediante muito sofrimento físico e mental as
camadas de vida íntegra deles. Dessa forma, as formas de “matar” são inúmeras, pois
o único objetivo da Necropolítica é eliminar àqueles “inimigos” e massacrar seus
corpos, com intuito de acabar com qualquer condição humana.
Os autores que abordam o tema da Necropolítica entendem que esta forma de
gestão das vidas se assemelha aos campos da morte. Atualmente, pode-se mencionar
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 349


que os campos da vida real são os presídios, considerando que, nesses locais pode-se
estabelecer uma relação tênue entre punição e degradação da vida.
Segundo Foucault (2013) se conhecem todos os inconvenientes da prisão, e, sabe-
se que é perigosa, quando não inútil, mas não vemos o que pôr em seu lugar, de
maneira a ser considerada como a “detestável solução de que não se pode abrir mão”.
A situação de isolamento total, a perda da convivência familiar, perda do tempo
de lazer, perda de um lugar para pertencer, perda do mínimo de higiene, perda do
apoio médico e psicológico, perda do trabalho e do estudo, e, assim, vai se perdendo
gradativamente a esperança de uma vida íntegra dentro do cárcere brasileiro.
A situação do portador de transtorno mental em nosso país só revela que o
tratamento para os indivíduos que são acometidos por essa condição é desumano, seja
ele dentro de um hospital psiquiátrico ou no cárcere. Em contrapartida, quando
dentro da prisão, pode-se dizer que estas vidas estão condenadas a não existência no
sistema carcerário.
Importa mencionar que na instituição prisão encontram-se indivíduos
acometidos dos mais variados problemas de saúde, sendo que, não raras vezes, são
privados ou impossibilitados de serem acompanhados e atendidos por psiquiatras,
psicológicos e assistentes sociais.
Evidencia-se, novamente, a condição sub-humana que esses apenados estão
submetidos pelo fato de serem taxados como “criminosos loucos”. Os rótulos são
absurdos e descabidos e vão se materializando dentro das penitenciárias, em
conformidade com esse entendimento o autor Cooper (1989, p. 45) diz que:

“Aqui, frisa-se, o paciente/preso, uma vez rotulado de paciente


mental, é obrigado a assumir o papel não só do criminoso, mas
também de doente. Ele é duplamente violentado, coisificado, até
converter-se no objeto híbrido em que o processo patológico e
penalógico elabora”.

Atualmente na legislação penal brasileira existem duas formas de punição para o


indivíduo acometido dessa condição, são elas: a pena privativa de liberdade que pode
ser cumprida nos regimes aberto, fechado ou semiaberto e a medida de segurança que
pode ser de caráter ambulatorial ou de internação hospitalar.
Na hipótese em que o criminoso é portador de algum transtorno mental e é
encaminhado para a prisão, percebe-se que o tempo isolado da sociedade pode lhe
trazer mais danos mentais, visto que, o detento será retirado repentinamente do
SUMÁRIO

350 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

convívio social e passará a ser tratado como um criminoso comum e sem as


prerrogativas que sua condição mental merece e precisa.
Assim, é preciso que cada preso portador dessa condição mental seja
acompanhado, cuidado e acolhido pelo Estado de forma individualizada, a fim de que
possam retornar a sociedade e refazer suas vidas de forma digna e liberto de todas as
mazelas que o cárcere carrega.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a propagação da Necropolítica torna-se mais evidente a realidade caótica do
cárcere brasileiro que é vivenciada na pele pelos seus “clientes”, pois, as violações à
integridade física e mental dos detentos é corriqueira. O Estado e a sociedade
espalham a ideia da repressão, castigo, tortura, punição, através da propagação de
uma política de ódio incorporada pelo desrespeito, violência e irrelevância quanto a
situação dos apenados no sistema prisional.
Após a exposição das problemáticas no sistema prisional brasileiro,
principalmente pela falta de gestão adequada do Estado e do julgamento precipitado
da sociedade, entende-se que o mais viável para garantir a dignidade dos apenados
portadores de transtornos mentais é acompanhá-los mediante atendimentos
rotineiros com as equipes médica, psicóloga e assistencial, a fim de fazê-los entender e
ressignificar os sofrimentos mentais pelos quais estão passando dentro da
penitenciária.
Nesse sentido, outra possibilidade viável é a criação de instituições de caráter
terapêutico com o objetivo de manter esses sujeitos em um local acolhedor, afastados
das mazelas do cárcere e na companhia de colegas que passam pelos mesmos
problemas.
Os acompanhamentos especializados para os presos portadores de transtornos
mentais devem ser feitos conjuntamente com o apoio e participação da família e da
comunidade, atendendo as medidas preventivas e promovendo melhorias na
estrutura dos locais e qualificação dos profissionais que irão atender esses detentos,
pois, acredita-se que, apenas um trabalho em conjunto pode dar efetividade a cura ou
estabilização na condição mental.
Desse modo, cabe ao Estado promover avanços significativos nas casas prisionais
e nas condições para receber os detentos portadores de transtornos mentais, mas,
também, é responsabilidade de cada um de nós olhar de forma humana e solidária
para o próximo, considerando que jamais saberemos a dor da privação da liberdade
até sentir na pele como ela opera e mata.
Palavras-chave: Vida. Morte. Cárcere. Transtorno Mental. Estado.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 351


REFERÊNCIAS
AGANBEN, G. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2003.

AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

BRASIL. Decreto n. 2.848, de 07 de dez. de 1940. Código Penal, Brasília, DF, dez 1940.

CASTRO, André Giovane; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Estado de Coisas Inconstitucional: A
violação de direitos humanos no sistema carcerário brasileiro. São Paulo: Dialética, 2021.

COOPER, David. Psiquiatria e antipsiquiatria. São Paulo: Perspectiva, 1989.

DECRETO Nº 10.216, DE 06 DE ABRIL DE 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, Brasília, DF, abr
2001. Disponível em: <h�p://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03//LEIS/LEIS_2001/L10216.htm>. Acesso em:
20 jul. 2022.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Tradução de Ligia M. Pondé Vassallo. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1986.

IANNINI, Gilson. “Psicanálise: a necropolítica pelo avesso”. Psicanálise e Necropolítica A morte como
política de Estado. São Paulo, 2022, 25, 288, p. 14-17, 2022.

MACIEL, Patrícia Puhl; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. O Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli
como limitador do poder punitivo do Estado. Disponível em: file:///D:/Docs_User/Downloads/5263-
Texto%20do%20artigo-22748-1-10-20150827.pdf. Acesso em: 12 de jul. 2022.

MBEMBE, Achille. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: n-1
edições, 2022.

MBEMBE, Achille. As Políticas da Inimizade. Tadução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.

MOTA, Roberta Moraes; RODRIGUES Karen Rosendo de Almeida Leite. Psiquiatria nas penitenciárias
brasileiras. In.: Jus.com.br. 29 de dezembro de 2018. Disponível em: h�ps://jus.com.br/artigos/71102/
psiquiatria-nas-penitenciarias-brasileiras/2. Acesso em: 05 de jul. de 2022.

NIELSSON, Joice Graciele; STURZA, Janaína Machado; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Biopolítica
e Direitos Humanos: entre desigualdades e resistências. 1.ed. Santa Cruz do Sul: Essere Nel Mondo, 2020.

PALOMBA, Guido Artur. Tratado de Psiquiatria Forense Civil e Penal. De acordo com o Código Civil de
2002. São Paulo: Atheneu, 2003.
SUMÁRIO

352 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

62
O PANÓPTICO CONTEMPORÂNEO: o uso da tornozeleira eletrônica
sob o olhar da monitoração constante idealizada por Foucault

THE CONTEMPORARY PANOPTICON: the use of electronic ankles through


the vision of electronic monitoring idealized by Foucault

Trabalho apresentado ao III Seminário “Políticas Públicas de acesso à justiça e Direitos


Humanos” tendo sido desenvolvido no âmbito do projeto Rede de cooperação acadêmica e
de pesquisa: Eficiência, efetividade e economicidade nas políticas de segurança pública com
utilização de monitoração eletrônica e integração de bancos de dados” (Programa de
cooperação acadêmica em Segurança Pública e Ciências Forenses - Edital nº 16/2020).
Nadini Casali Bandeira
Acadêmica do Curso de Bacharelado em Direito pela da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul, bolsista de Iniciação Científica CAPES/CNPQ com vínculo
ao projeto Eficiência, efetividade e economicidade nas políticas de segurança pública com
utilização de monitoração eletrônica e integração de bancos de dados. Email: nadini.
bandeira@sou.unijui.edu.br
Emanuele de Oliveira
Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Curso de Mestrado em
Direitos Humanos, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ) com bolsa do Programa de Cooperação Acadêmica em Segurança Pública e
Ciências Forenses (PROCAD/CAPES). Bacharel em Direito pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). E-mail: emanuele.oliveira@sou.unijui.
edu.br
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
Doutor em Direito Público (UNISINOS), Professor do Curso de Direito da UNIJUÍ,
Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado e Doutorado em
Direitos Humanos - da UNIJUÍ, Líder do Grupo de Pesquisa Biopolítica &amp;amp; Direitos
Humanos (CNPq) e Pesquisador Gaúcho – Edital FAPERGS nº 05/2019. Email: maiquel.
wermuth@unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
O presente estudo debruça-se sobre a utilização da monitoração eletrônica como
um instrumento de controle social, na perspectiva do conceito de vigilância constante,
idealizada por Michel Foucault (1987). Trata-se de estudo sensível a temática dos
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 353


Direitos Humanos na era moderna, na qual os mecanismos de controle do Estado têm
se aperfeiçoado de modo a permitir que o Estado lance seu poder punitivo para além
dos muros do cárcere.
O resumo busca analisar o instrumento penal da monitoração eletrônica através
dos conceitos de disciplina, controle social e de vigilância constante na perspectiva de
Foucault (1987), questionando: o uso da monitoração eletrônica faz com que o Poder
de Punir do Estado transcenda os muros do cárcere, perfectibilizando o ideal de
vigilância constante de Foucault? De pronto, têm-se como hipótese que a monitoração
eletrônica representa uma forma de vigilância indireta e constante do sujeito
custodiado. Assim sendo, é discutível uma possível vinculação deste instrumento, que
é utilizado como sanção penal, com a ideia de controle disciplinar através da vigilância
constante. Utilizou-se na pesquisa o método de abordagem hipotético-dedutivo,
mediante o emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental, para
averiguação da hipótese preliminarmente levantada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O registro da primeira prisão brasileira remonta à Carta Régia de 1769, que
determinava a instalação de uma casa correcional no estado do Rio de Janeiro -
demonstrando aquilo que seria o desejo do Estado de aperfeiçoar o poder punitivo,
que outrora fora bárbaro (SILVA MATTOS, 1885). O sistema prisional, que
utopicamente foi instituído no Brasil para afastar do sujeito transgressor do poder
punitivo do Estado e em tese proteger o corpo e a dignidade do tutelado dos arbítrios
dos representantes do Estado, traça, historicamente, uma grande marca do fracasso do
Estado.
O Brasil apresenta a terceira maior população carcerária do mundo, em 2022 a
população carcerária era de 820.689 pessoas privadas de liberdade sendo que o
sistema conta com 634.469 vagas o que demonstra a superlotação do sistema
penitenciário brasileiro (FÓRUM DE SEGURANÇA, 2022). A respeito, Castro e
Wermuth (2021, p. 31) transcorrem sobre a realidade do sistema prisional brasileiro
representa um continuum de violências sistêmicas dos valores tidos como essenciais à
dignidade que preconizam o Estado Democrático de Direito, conforme rege a
Constituição Federal de 1988.
É incontroverso que a realidade experimentada pelos sujeitos custodiados pelo
Estado é determinante para a possibilidade de superação do cárcere. Logo, a Lei de
Execução Penal (BRASIL, 1984) não encontra efetividade no que toca à realidade do
sistema penitenciário brasileiro, e consequentemente, rompe com a lógica protetiva
instituída pela Constituição Federal (BRASIL, 1988):
SUMÁRIO

354 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

O Estado caminha no sentido de violar os valores considerados


basilares à vida digna. É como se o “inimigo” a ser enfrentado,
como decorrência de sua afronta às condutas definidas como
autorizadas à vida em sociedade, fosse retirado de sua condição
de ser humano. Logo, ao ter ceifado seu atributo de ser humano,
esfacela-se o caráter fundante de sujeito de direitos. É como se
não lhe fosse admitido gozar das benesses da humanidade, mas
tão só receber a violência como resposta à sua conduta (CASTRO;
WERMUTH, 2021, p. 38 - 39).

Wermuth e Mori (2021, p. 5) descrevem como os objetivos do cárcere se


transmutaram ao longo dos anos e como interferem na construção da utopia de
segurança social, segundo os autores a prisão serve além de instrumento da repressão
institucional do sujeito transgressor da lei penal como uma retribuição simbólica e
utópica do controle de riscos.
A realidade experimentada pelos brasileiros custodiados pelo Estado, por violar
princípios constitucionais como o da dignidade humana, provocou o reconhecimento
de que o sistema penitenciário nacional imerge em um estado de
inconstitucionalidade. O julgamento da ADPF n° 347 pelo Superior Tribunal Federal,
assim institui. Diante disso, salientam Wermuth e Castro (2021, p. 31):

[...] o sistema carcerário brasileiro é o retrato da violação contínua


e sistemática dos mandamentos concebidos como essenciais à
dignidade. Ao elencar os valores basilares à vida de todos os
cidadãos, sejam livres, sejam presos, a Constituição Federal de
1988 edificou um Estado Democrático de Direito. Esse horizonte,
contudo, não é concretizado entre muros, atrás das grades e
dentro das celas nacionais.

A implementação de medidas substitutivas à pena restritiva de liberdade nas


casas prisionais brasileiras emergiu como uma necessidade latente do Estado para
superar o caótico cenário que os presos brasileiros enfrentam. Neste sentido, a
monitoração eletrônica, instituída pela Lei 12.258/2010, que “consiste na utilização de
equipamentos transmissores que permitem obter a localização regular de pessoas
condenadas ou processadas pelo sistema de justiça criminal” (CAMPELLO e
ALVAREZ, 2022, p. 2) surgiu como uma possibilidade para a resolução do referido
problema.
Considerando a monitoração eletrônica como uma tecnologia de poder do Estado
e de suas instituições sobre o sujeito custodiado, através do controle dos corpos, é
possível classificá-la como um instrumento disciplinar que não se limita somente à
esfera penal, mas também, para o âmbito social. A despeito do tema Campello e
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 355


Alvarez (2022, p. 11) discorrem que o panóptico idealizado por Foucault se
perfectibiliza através da tornozeleira eletrônica como um lembrete permanente do
Poder onisciente do Estado.
Diante desta prática, é que se caracteriza o controle social e a vigilância constante
idealizada por Foucault (1987), uma vez que, o uso da monitoração eletrônica em sua
concretude, acontece como um verdadeiro panóptico contemporâneo, devido ao fato
que o sujeito é constantemente vigiado e punido. Segundo Zimmer (2009), o Panóptico
seria uma estrutura arquitetônica elaborada por Jeremy Bentham, ao fim do século 18,
e que foi idealizada como um projeto de prisão inglesa:

O projeto previa a construção de celas individuais, dispostas num


círculo (preferencialmente, mas não necessariamente), em cujo
centro ficaria uma torre de vigilância. A partir desse centro, seria
emitida uma luz para cada uma das celas, fazendo com que os
presos não vissem o guarda (a quem Bentham chama de
inspetor) nem soubessem se, efetivamente, havia ali alguém os
vigiando (como citado acima, caso não pudesse estar sendo
observado de fato, o detento deveria pensar que estava sendo).
Cada cela abrigaria apenas um detento, impedindo, assim, sua
comunicação com os demais (ZIMMER, 2009, p. 27).

Foucault (1975), em sua obra Vigiar e Punir, reflete sobre essa estrutura como
uma forma de controle social, além de indicar a vigilância constante como um fato
disciplinador do indivíduo. Dessa forma, quanto maior for a probabilidade da pessoa
estar sendo vigiada, mais forte será sua persuasão.
O imbróglio que contorna o uso da monitoração eletrônica, encontra-se na
dicotomia entre conceder o que chamam de “liberdade monitorada” ou maximizar o
Poder de vigiar e punir do Estado, que coloca o sujeito monitorado em uma espécie de
panóptico contemporâneo, em que ele está constantemente sendo observado e
controlado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A monitoração eletrônica é um instrumento que transcende o âmbito penal e
corrobora para que haja o controle social. A afirmação se justifica, devido a existência
de vigilância constante, conceito evidenciado por Foucault (1975), nos indivíduos
monitorados a serem disciplinados eletronicamente.
Nesse sentido, pode-se concluir que o sujeito monitorado tem seu corpo marcado
pelo poder de “vigiar e punir” exercido pelo Estado, como resultado de uma punição
social, além de ser submetido a um panóptico contemporâneo, pois está sendo
SUMÁRIO

356 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

persuadido, pela vigilância constante, a seguir as normativas estabelecidas pela


monitoração.
Palavras-chave: Poder e punição. Michel Foucault. Monitoração eletrônica.

REFERÊNCIAS
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 17 set. 2021.

BRASIL. Lei nº 12.258/2010. 2010. Disponível em: h�ps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-


2010/2010/lei/l12258.htm. Acesso em 03 maio 2023.

BRASIL. Lei de execução Penal. Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984. 1984. Disponível em: h�p://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em 24 out. 2022.

CAMPELLO, Ricardo Urquizas. ALVARES, Marcos César. “É bloqueio de sinal”: monitoramento eletrônico,
punição e autoridade sociotécnica. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS. vol. 37, nº 109.
e3710909, 2022. Disponível em: h�ps://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/yScsmYdB6YLnd3xMxcjbQrL/abstract/?
lang=pt. Acesso em: 11 abr. 2023.

CASTRO, André Giovane de; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Estado de Coisas inconstitucional: a
violação de direitos humanos no sistema carcerário brasileiro. São Paulo: Dialética, 2021. [capítulos 1 e 3]

DEZORDI WERMUTH, M. Ângelo; DALLABRIDA MORI, E. A monitoração eletrônica de pessoas no


âmbito penal brasileiro: maximização da liberdade ou reforço do controle?. Revista Latino-Americana de
Criminologia, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 178–199, 2021. Disponível em: h�ps://periodicos.unb.br/index.php/relac/
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FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 1987. Disponível em: h�ps://www.
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FÓRUM DA SEGURANÇA. Anuário brasileiro da segurança pública. 2022. Disponível em: h�ps://
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SILVA MATTOS, J. da. Reforma Penitenciária: passado e presente. 1885. Disponível em: h�ps://books.
g o o g l e . c o m . b r / b o o k s ? h l = p t -
B R & l r = & i d = R q AWA A A AYA A J & o i = f n d & p g = PA 1 & d q = R e f o r m a + Pe n i t e n c i % C 3 % A 1 r i a :
+passado+e+presente.&ots=pQRMkN2lSK&sig=3jp5jv0NfN8r73pY9oqM8ciay_c&redir_
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STF, Supremo Tribunal Federal. ADPF 347/DF. Disponível em: h�ps://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.


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ZIMMER, Marco Vínicio. O Panóptico está superado? Estudo etnográfico sobre a vigilância eletrônica.
2009. Tese (Doutorado em Administração) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009. Disponível
em: h�ps://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/15833/000690835.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
Acesso em 02 maio. 2023.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 357

63
O ACESSO À SAÚDE PARA FINS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO
POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA AOS MAIS VULNERAVÉIS

ACCESS TO HEALTH FOR THE PURPOSE OF GRANTING TEMPORARY


INCAPACITY BENEFITS TO THE MOST VULNERABLE

Trabalho desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos


Humanos da Unijuí; em conjunto com egresso.
Natália Cerezer Weber
Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul. Bolsista CAPES (2022). Bacharel em Direito pela UNIJUÍ (2021) e integrante
do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos, Justiça Social e Sustentabilidade. Mestrado e
Doutorado em Direitos Humanos (PPGDH). E-mail: natalia.weber@sou.unijui.edu.br. La�es:
h�p://la�es.cnpq.br/2858669485010022.
Geisson da Silva
Pós-graduado em Direito de Família e das Sucessões pela Universidade de Passo Fundo
(2023). Bacharel em Direitopela UNIJUÍ (2021).E-mail:silva_geisson_@hotmail.com.La�es:
h�p://la�es.cnpq.br/5745430222265528
Lavínia Rico Wichinheski
Advogada Criminalista OAB/RS 130.323. Mestra em Direito (UNIJUI). Bacharela em Direito
(UNIJUI). E-mail: lavinia_rico@hotmail.com. La�es: h�p://la�es.cnpq.br/5275679196902268.

INTRODUÇÃO
A condição de vulnerabilidade surgiu em diferentes áreas disciplinares sendo
utilizado como um estudo de saúde-doença na sua relação com as condições de vida
dos indivíduos que se encontram restritos às questões econômicas. Para Figueiredo,
Weihmüller, Vermelho e Araya (2017) o conceito de vulnerabilidade surgiu no âmbito
jurídico como uma maneira de reconhecer as condições de fragilidade de
determinadas populações no que se vinculam pela falta de garantia de seus direitos
sociais, civis e políticos.
A vulnerabilidade ao acesso à saúde para pessoas mais pobres fere os direitos
humanos, pois a saúde é um direito fundamental reconhecido internacionalmente,
SUMÁRIO

358 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

essa lesão de direitos, essencialmente à saúde, dificulta o diagnóstico e tratamento


adequado, levando a atrasos na recuperação e maior tempo de incapacidade, bem
como afeta na concessão de benefícios por incapacidade temporária no INSS.
Nesse sentido, a presente pesquisa busca responder a seguinte questão
norteadora: “De que forma o direito à saúde impacta na concessão de benefício por
incapacidade temporária às populações mais vulneráveis?”.
Acredita-se que é imprescindível a implementação de medidas que assegurem o
acesso à saúde para as populações mais vulneráveis, com o objetivo de garantir a
equidade no acesso aos benefícios por incapacidade temporária e evitar que a ausência
de assistência médica acentue ainda mais a condição de vulnerabilidade dessas
pessoas.
A metodologia adotada neste trabalho foi a hipotética-dedutiva, sendo na sua
totalidade de cunho bibliográfico, através do método qualitativo e foi realizado com
base em leituras de livros, artigos publicados e estudos acerca do tema. O presente
texto reflete os estudos empreendidos no âmbito do Mestrado e Doutorado da UNIJUI
(PPDGDH).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O acesso à saúde é um direito humano universalmente reconhecido, contudo,
muitas pessoas em situações de vulnerabilidade ainda enfrentam dificuldades para
acessar serviços de saúde adequados. Os grupos sociais que se encontram em
desvantagem, como pessoas com baixo status socioeconômico, minorias étnicas e
raciais, pessoas com deficiência, pessoas que vivem com HIV/AIDS e pessoas em
situação de rua, são frequentemente excluídos dos serviços de saúde, enfrentando
barreiras múltiplas, incluindo falta de recursos financeiros, discriminação e estigma,
entre outras (DIMENSTEIN; CIRILO NETO, 2020).
É de suma importância enfatizar que o acesso à saúde não deve ser visto como um
fim em si mesmo, mas sim como um meio para alcançar um objetivo maior para todos
os indivíduos. Para atingir esse objetivo, é necessário que os serviços de saúde sejam
de alta qualidade, abrangentes, integrados e culturalmente sensíveis às necessidades
das populações atendidas. O acesso à saúde para pessoas mais vulneráveis é um
desafio que requer uma abordagem abrangente e direcionada.
É necessário que sejam adotadas medidas eficazes para garantir que todas as
pessoas tenham acesso aos serviços de saúde adequados, independentemente de sua
situação socioeconômica ou vulnerabilidade, a fim de alcançar uma sociedade mais
justa e equitativa.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 359


As discussões advindas da geografia, da justiça ambiental e dos estudos sobre
ambiente-saúde acerca da vulnerabilidade apresentam uma perspectiva mais
integradora em termos de análise das condições de vida e saúde das populações. A
revisão das abordagens socioambientais tem se dado principalmente na América
Latina, fazendo o contraponto aos determinismos natural e ambientalista, que de
maneira descontextualizada ignoravam a dimensão social da vulnerabilidade.
Influenciados pela economia política, verificou-se que os atingidos pelos desastres
naturais e ambientais eram comumente os desfavorecidos socialmente, populações
excluídas em países com histórico de desigualdade socioespacial, revelando a
operação dos processos de vulnerabilização (Acselrad, 2013; Araújo & Oliveira, 2017;
Freitas & Cunha, 2013; Porto, 2011).
A vulnerabilidade ao acesso à saúde pode ter implicações significativas na
concessão de benefícios por incapacidade temporária no Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS). O benefício por incapacidade temporária é concedido aos trabalhadores
que se encontram temporariamente impossibilitados de exercer suas atividades
laborais em razão de doença ou acidente. Para ter direito ao benefício, o trabalhador
deve estar filiado ao INSS e cumprir o período de carência exigido.
O benefício por incapacidade temporária, antigo auxílio-doença, adotou esse
nome para fins de concessão de benefício previdenciário, pois busca regrar o tempo de
benefício enquanto perdurar a incapacidade. Ocorre que a denominação de auxílio-
doença analisava a doença em si, o que não se pretendia pelo Instituto Nacional de
Seguro Social (ANTONIO, 2015).
Dessa forma, esclarecido isto, percebe-se que o acesso à saúde para os mais
pobres e vulneráveis não é igual aos demais, visto que em sua maioria por
dependerem do Sistema Único de Saúde (SUS), acabam por ter um grande tempo de
espera na fila, e consequentemente, quando se faz necessário, por motivos de
incapacidade para atividades laborativas de solicitar um benefício previdenciário para
a manutenção da sua sobrevivência, acabam por ter seus direitos violados, uma vez
que esse tempo de espera para exames, laudos, entre outros documentos médicos
acaba por atrasar as perícias médicas e o pleito previdenciário, lesando os direitos e
proteções constitucionais.
Assim, muitas pessoas em situações de vulnerabilidade, o acesso aos serviços de
saúde pode ser limitado, o que pode afetar o diagnóstico e o tratamento adequado de
doenças ou lesões, levando a atrasos no diagnóstico e tratamento, bem como a uma
recuperação mais lenta ou incompleta. A falta de acesso a serviços de saúde
adequados pode até mesmo agravar a condição do trabalhador, prolongando o
SUMÁRIO

360 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

período de incapacidade e aumentando a probabilidade de que ele precise recorrer a


benefícios por incapacidade temporária por mais tempo.
Além disso, muitas pessoas em situações de vulnerabilidade, dependem da
concessão de benefícios, sobretudo, quando estão inaptas para laborar, para atender às
suas necessidades básicas de subsistência, o que aumenta ainda mais a situação de
vulnerabilidade social. No entanto, essas barreiras ao acesso à saúde podem dificultar
o processo de obtenção de benefícios, uma vez que muitas vezes é necessário um
diagnóstico preciso e uma avaliação médica para encaminhar o pedido de benefício.
Diante dessas questões, é essencial que sejam implementadas medidas que
garantam o acesso à saúde para as populações mais vulneráveis, a fim de garantir a
equidade no acesso aos benefícios por incapacidade temporária e evitar que a falta de
acesso à saúde agrave a situação de vulnerabilidade desses indivíduos (FLEURY;
OUVERNEY, 2008).
As medidas a serem implementadas pode incluir a expansão da cobertura de
serviços de saúde básicos, a criação de programas específicos para atender a
populações mais vulneráveis, o fortalecimento da infraestrutura de saúde em áreas
remotas ou de difícil acesso e a promoção de ações para combater o preconceito e o
estigma em relação a grupos marginalizados. Para a garantia do acesso à saúde para
pessoas mais vulneráveis, é necessário implementar políticas públicas que promovam
a equidade no acesso aos serviços de saúde (GUIMARÃES, 2018).
Por fim, a necessidade de tais medidas demonstra que nenhum problema político
pode ser resolvido mediante uma única ação ou por algumas poucas ações
fragmentadas, uma vez que, a política pública compreende um conjunto de ações e
iniciativas coerentes entre si, que envolvem várias áreas. Portanto, o acesso à saúde
ampliado que alcance queles que são segurados do INSS e encontram-se por alguma
razão de doença ou incapacidade temporária para laborar, essencialmente os que se
encontram em situações de desigualdade social é um direito fundamental que garante
a dignidade da existência humana e deve ser compreendido por um conjunto de
políticas públicas, a fim de não causar ainda mais exclusão social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As prioridades adotadas pelos governos constituem o cerne das políticas
públicas, bem como, as de acesso à justiça para a comunidade mais vulnerável, nesse
sentido, as políticas devem de acesso à saúde devem possuir como preceito a iniciativa
do Estado no que diz respeito a atenção e garantia das principais demandas sociais
relacionadas a problemas de ordem pública ou coletiva.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 361


No entanto, na democracia, a lógica política impõe aos governos a
necessidade de apresentação de respostas rápidas, e por essa razão, não
necessariamente atendem às expectativas da maioria da população.
Em sociedades desiguais, comuns na maior parte do planeta, no passado e no
presente, o poder público raramente adota iniciativas que beneficiam a todos por
igual, sendo assim, a concessão de benefícios por incapacidade temporária aos mais
vulneráveis representa uma espécie de política pública consolidada para responder
ainda que minimamente os problemas políticos de ordem social.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Benefício por Incapacidade Temporária.
Vulnerabilidade.

REFERÊNCIAS
ANTONIO, Valeria Aparecida. Benefícios por incapacidade. DireitoNet, São Paulo. Disponível em: h�ps:/
/www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9006/Beneficios-por-incapacidade. Acesso em: 08 maio 2023.

ARAÚJO, I. M. M. de, & OLIVEIRA, Â. G. R. da C. (2017). Interfaces entre a saúde coletiva e a ecologia
política: vulnerabilização, território e metabolismo social. Saúde em Debate, 41(spe2), 276-286.

DIMENSTEIN, Magda; CIRILO NETO, Maurício. Abordagens conceituais da vulnerabilidade no âmbito


da saúde e assistência social. Pesqui. prát. psicossociais, São João del-Rei , v. 15, n. 1, p. 1-17, mar. 2020.
Disponível em <h�p://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ar�ext&pid=S1809-
89082020000100002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 08 maio 2023.

Figueiredo, G. de O., Weihmüller, V. C., Vermelho, S. C., & Araya, J. B. (2017). Discusión y construcción de
la categoría teórica de vulnerabilidad social. Cadernos de Pesquisa, 47(165), 796-818.

FLEURY, Sonia; OUVERNEY, Assis Mafort. Política de saúde: uma política social. Políticas e sistema de
saúde no Brasil, v. 3, p. 1-42, 2008.

GUIMARÃES, Raphael Mendonça. A teoria da equidade reversa se aplica na atenção primária à saúde?
Evidências de 5 564 municípios brasileiros. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 42, p. e128, 2018.

SCHMIDT, João Pedro. Para estudar políticas públicas: aspectos conceituais, metodológicos e
abordagens teóricas. Revista do Direito. Santa Cruz do Sul, v 3, n 56, 2018.
SUMÁRIO

362 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

64
O ÓDIO QUE VOCÊ SEMEIA: reflexões acerca da (falsa) liberdade de
expressão disseminada nas redes sociais contra mulheres negras

THE HATE YOU SOW: reflections on the (false) freedom of expression


disseminated on social networks against black women

Nathalia das Neves Teixeira


Mestranda em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Stricto Sensu em
Direito da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul. Bolsista Taxa Escolar
PROSUC/CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa “Biopolítica e Direitos Humanos”,
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Stricto Sensu da UNIJUÍ. E-mail: nathalia.
neves@sou.unijui.edu.br.
Da�ini Carneiro da Silva
Mestranda em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Stricto Sensu em
Direito da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul. Bolsista UNIJUÍ. E-
mail: da�inicarneirodasilva@gmail.com. Integrante do Grupo de Pesquisa “Direitos
Humanos, Governança e Democracia”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Stricto
Sensu da UNIJUÍ.
Juliana Mayer Goulart
Mestranda em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Stricto Sensu em
Direito da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul. Bolsista UNIJUÍ.
Integrante do Grupo de Pesquisa “Biopolítica e Direitos Humanos”, vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Stricto Sensu da UNIJUÍ. E:mail: juliana.goulart@sou.unijui.edu.br.

INTRODUÇÃO
A tecnologia digital tornou-se um sólido instrumento de interação social, labor e
conhecimento, mas também, um difusor de discursos discriminatórios no ambiente
virtual. Podemos afirmar que as redes sociais são engenhos que permitem às pessoas
destilarem discursos racistas, misóginos e discriminatórios contra diversos grupos
sociais, seria a ampla capacidade de construção e validação de discursos de ódio de
forma instantânea.
Não obstante a criminalização do racismo e da injúria racial também no cenário
tecnológico, os ataques virtuais mascaram-se do direito à liberdade de opressão para
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 363


expor e ferir a integridade, honra e existência de determinados indivíduos, no presente
ensaio teórico, as mulheres negras. A sincronicidade do racismo e do sexismo
institucionaliza as mulheres negras como as maiores vítimas dos discursos de ódios –
de cunho racista e sexista – nas redes socias, conforme estudo elaborado pelo sociólogo
Luiz Valério Trindade (2022).
Em grande escala, o direito à livre manifestação e à liberdade de expressão
tornaram-se escudos constitucionais na legitimação de condutas discriminatórias
virtuais como uma forma de proteção à sociedade democrática. Todavia, ainda assim,
o real objetivo do ódio disseminado é a reiteração da superioridade racial nutrida
pelos racistas, isso explicaria as mulheres negras, principalmente em ascensão, serem
as maiores vítimas desses discursos vazios.
Desta forma, o presente ensaio objetiva analisar a dicotomia entre a liberdade de
expressão e a disseminação dos discursos de ódio, aventando o seguinte
questionamento: o ódio semeado contra as mulheres negras nas redes sociais tem
guarida no direito à liberdade de expressão? Parte-se da hipótese que a liberdade de
expressão termina quando confronta a dignidade e liberdade do outro, a disseminação
ódio é uma forma direta de violência e ameaça ao direito do outro. Por essa razão, a
liberdade de expressão não serve de legitimação para a prática de crimes raciais nas
redes sociais.
A metodologia empregada é o estudo descritivo por intermédio do método de
abordagem hipotético-dedutivo, baseando-se na técnica da pesquisa bibliográfica que
irá debruçar-se sobre doutrinas, artigos jurídicos e legislações acerca da temática
proposta. Ademais, optou-se pelo fichamento e apontamento da obra “Discurso de
ódio nas redes sociais” (2022) do sociólogo Luiz Valério Trindade, a fim de delinear –
objetivamente – um referencial teórico adequado com a proposta, respondendo ao
problema correlacionado à hipótese apresentada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O racismo é um fenômeno social, econômico e político no Brasil, infelizmente,
arraigado como inerente à ordem social. De acordo com a perspectiva de Silvio
Almeida (2021), o racismo é estrutural, decorrente da estrutura social constituída
através das relações políticas, jurídicas e familiares. A viabilidade da reprodução de
práticas racistas está inserida na organização política, jurídica e econômica da
sociedade.
Lélia Gonzalez (2020) é atemporal e congruente ao introduzir a temática do
sexismo em concomitância com o racismo para falar sobre o grupo mais atingido por
SUMÁRIO

364 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

esses fenômenos sistêmicos, a mulher negra. A antropóloga aduz que o lugar que
estamos situados determinará o nosso entendimento sobre o duplo fenômeno do
racismo e sexismo, a articulação desses fenômenos produz efeitos violentos sobre a
mulher negra em particular.
O racismo assume uma forma de discriminação interpessoal, significa um ato
discriminatório que tem origem nas representações que um indivíduo específico
guarda em relação a grupos minoritários raciais. Essa discriminação pode ser expressa
de várias formas, tais como recusa de interação com minorias raciais, reprodução de
imagens negativas ou ataque à imagem pública de grupos minoritários, com o fito de
impedir que tenham o mesmo nível de respeitabilidade social que os membros da raça
dominante (MOREIRA, 2020).
Portanto, não seria surpresa a influência do racismo no ambiente virtual como
uma forma de manutenção da sociedade escravocrata e do colonialismo na era
tecnológica, revela Luiz Valério Trindade (2022), através de sua pesquisa sobre
construção e disseminação de discursos racistas nas redes sociais. O sociólogo analisou
o teor de 109 páginas públicas do Facebook e 224 artigos de jornais que noticiavam
dezenas de casos de discursos racistas no período entre 2012 a 2016, concluindo que as
mulheres negras – em ascensão social - representam o principal alvo dessa prática
discriminatória.
As redes sociais tornaram-se um local sem freios legais, os usuários sem qualquer
restrição falam sobre tudo aquilo que pensam de acordo com suas subjetividades,
tendo o anonimato como uma credencial para os comentários de cunho racista,
homofóbicos, misóginos, transfóbicos e demais. A evolução tecnológica permitiu a
proteção do anonimato às pessoas, dificultando sua identificação de forma imediata
pelos crimes virtuais que praticam.
Importante também refletir como o direito à livre manifestação tornou-se um
escudo constitucional para justificar os discursos de ódio nas redes sociais. Os usuários
validam-se da liberdade de expressão para legitimar as condutas discriminatórias nas
redes sociais como uma forma de livre manifestação na sociedade democrática
(TRINDADE, 2022).
Contudo, a liberdade de expressão termina quando confronta a liberdade do
outro, a disseminação do ódio é uma forma de violência e ameaça ao direito do outro.
Portanto, a (in)equívoca liberdade de expressão não serve de legitimação para prática
de crimes raciais na Internet. Neste contexto, Trindade (2022, p.70) discorre sobre essa
falsa dicotomia:
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 365


[...] de um lado, a liberdade de expressão representa uma
importante ferramenta democrática que contribui para o
empoderamento das pessoas. Em contrapartida, não se pode
desconsiderar que, no que diz respeito a prática de construção e
disseminação de discursos de ódio, a liberdade de expressão não
isenta as pessoas de suas responsabilidades no cumprimento das
nomas, convenções sociais e do ordenamento jurídico do Brasil.

Ressalta-se que a liberdade de opressão e a livre manifestação encontram óbice na


violação à integridade e dignidade, inclusive, neste quadrante engloba-se a
discriminação racial praticada nos discursos de ódios propagados contra as mulheres
negras. O racismo¹, enquanto crime racial, e a injúria racial², enquanto ofensa à
dignidade em razão de raça, cor, étnica e religião, são salvaguardas das mulheres
negras no campo legal quando trata-se dessas ofensas virtuais.
Por fim, é importante ressaltar a naturalização das práticas discriminatórias
raciais, mesmo sendo crime, o racismo continua subjugando e exterminando à
população negra, principalmente, as mulheres. Os discursos de ódio de cunho racista
e sexista não podem ser tratados de forma natural no tecido social brasileiro, os
ataques no espaço cibernético deslegitimam a equidade racial empenhada pela
população negra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do presente estudo, conclui-se que o racismo patriarcal é sistêmico e uma
herança escravocrata, responsável pela perspectiva de subalternização das mulheres
negras. Os discursos de ódios direcionados a elas nas redes sociais são reflexos da
sistemática discriminatória brasileira, inclusive, podem ser definidos como uma das
formas do retrocesso humano. O difícil rastreamento dos usuários nas redes sociais
fortalece a disseminação de ideologias racistas, uma vez que sua identificação se torna
morosa e muitas vezes impossível, o que oportuniza a sensação de impunidade para
aqueles que praticam crimes raciais no espaço virtual.
A naturalização das condutas racistas nas redes sociais está correlacionada à
banalização do direito à liberdade expressão. Mas o ódio semeado contra as mulheres
negras nas redes sociais tem realmente guarida no direito à liberdade de expressão? E

1 BRASIL, Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989. Disponível em: h�ps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm.


Acesso em 07 de mai. 2023.
2 BRASIL, Artigo 140 do Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: h�ps://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 07 de mai. 2023.
SUMÁRIO

366 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

a resposta é não, a livre manifestação e a liberdade expressão terminam e encontram


óbice no direito à dignidade e integridade de outrem, os discursos de ódios é uma
violência direta. O racismo, a homofobia, a transfobia, o sexismo, o capacitismo e as
demais formas de opressão são obstáculos legais e sociais na discriminação fomentada
no cenário virtual.
Portanto, torna-se imprescindível reflexões e debates para o enfrentamento do
racismo nas redes sociais, bem como a promoção de campanhas educativas que
possam instruir sobre as consequências dos crimes raciais no ambiente virtual. Assim
como, as empresas responsáveis pelas plataformas virtuais brasileiras deveriam
implementar ferramentas céleres de exclusão e controle de conteúdo discriminatórios.
Palavras-chave: Liberdade de expressão. Mulheres Negras. Racismo. Redes
Sociais.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA. Silvo Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Editora Jandaíra, 2021.

BRASIL, Artigo 140 do Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: h�ps://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 07 de mai. 2023.

BRASIL. Decreto nº 65.810, de 08 de dezembro de 1969. Disponível em: h�ps://www.planalto.gov.br/ccivil_


03/decreto/1950-1969/D65810.html. Acesso em: 07 de mai. 2023.

BRASIL, Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989. Disponível em: h�ps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/


l7716.htm. Acesso em: 07 de mai. 2023.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro latino americano. Zahar, 2020.

MOREIRA, Adilson José. Tratado de Direito Antidiscriminatório. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.

SILVA, Beatriz Tavares da. Responsabilidade civil na Internet e nos demais meios de comunicação.
Saraiva: 2012.

TRINDADE, Luiz Valério. Discurso de ódio nas redes sociais. São Paulo: Editora Jandaíra, 2022.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 367

65
INTERFACES BIOPOLÍTICAS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

BIOPOLITIC INTERFACES OF HEALTH PROMOTION

Paula Betina Bock de Prass


Agente de Esporte e Lazer da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turismo de Ijuí;
Mestre em Educação. E-mail:betina.prass@hotmail.com

Sabrina Azevedo Wagner Bene�i


Técnica Superior Penitenciária – Enfermeira da Superintendência dos Serviços
Penitenciários, RS. Doutoranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria, Mestre em Atenção Integral em
Saúde Unijuí/Unicruz. E-mail: sabrina.bene�i@hotmail.com

INTRODUÇÃO
A ampliação das discussões referentes aos conceitos de saúde que passaram a
transcender o sentido antagônico a doença, associada à necessidade de redução de
custos nos cuidados médicos na saúde para o enfrentamento de doenças crônicas,
culminaram na perda da hegemonia do modelo biomédico de atenção em saúde.
Assim, a Promoção da Saúde (PS) ganhou destaque no ocidente, especialmente a
partir da década de 70 como um modelo possível para organização das ações em
saúde.
Os grandes conceitos de PS transitam entre dois grandes grupos. Um, que diz
respeito ao âmbito coletivo e às influências do ambiente e das condições de vida da
população no processo saúde-doença. Outro, vinculado às atividades
primordialmente dirigidas à transformação dos comportamentos individuais, com
ênfase na mudança de estilos de vida, pensada no biológico (FURTATO; SZAPIRO,
2012).
O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, homologado em 1990, tem como um
de seus elementos fundadores a saúde para além do caráter curativo e defende desde
então a proposta de PS. Contudo, enfrenta dificuldades para sua efetivação prática.
SUMÁRIO

368 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Frente a isso, nos propomos a fazer considerações conceituais sobre o tema além
de apresentar e discutir os marcos históricos legais que tem o intuito de assegurar a
execução dessa política no Serviço Único de Saúde. A pesquisa é de caráter
bibliográfico, descritivo e apresenta-se sob forma de revisão não sistemática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A PS no Brasil iniciou sua efetivação com a nova constituição federal de 1988 e a
implantação do SUS, o qual evidenciou a responsabilidade do estado em assegurar o
acesso as ações e serviços que visem à promoção, proteção e recuperação da saúde
(BRASIL, 1990, p.1). Embora defendida na legislação, e organizada em algumas ações,
não estava sendo suficientemente efetivada nas práticas de saúde.
Assim, começou a ser discutida a necessidade de uma política específica, pensada
pelo estado, que desse conta deste propósito. Essa discussão adentrou na agenda do
Ministério da Saúde em 1998, por meio do projeto Promoção da Saúde: Um Novo
Modelo de Atenção. O debate se intensificou em 2003, com a definida intenção de
construir uma Política Nacional em bases diversas do que vinha sendo realizado até
então.
Produto desse movimento, em 2006 foi implantada a Política Nacional de
Promoção da Saúde - PNPS. O objetivo desta política era ratificar o compromisso do
SUS com a ampliação e qualificação das ações de PS, como explicitado no documento
oficial, “promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos à saúde
relacionados aos seus determinantes e condicionantes” (BRASIL, 2006, p.17). A partir
destas definições, nos últimos 15 anos, vários programas foram implantados pelo
Ministério da Saúde, os quais trazem como eixo estruturante a PS.
Em 2015, a PNPS foi ampliada e reelaborada em virtude do contexto nacional e
internacional, que apontaram novos desafios para efetivar a PS (BRASIL, 2015). A
reelaboração traz como fundamento o conceito ampliado de saúde e discute os
resultados de suas práticas desde a sua institucionalização. Aponta a necessidade de
articulação com outras políticas públicas para fortalecê-la, com o imperativo da
participação social e dos movimentos populares, em virtude da impossibilidade de
que o setor sanitário responda sozinho ao enfrentamento dos determinantes e
condicionantes da saúde. Reconheceu-se que as bases da saúde e do bem-estar se
encontram fora do setor saúde, sendo formadas social e economicamente, inferindo a
necessidade de princípios de integralidade quando se almeja PS (BRASIL, 2015).
Apesar disso, se reconhece que a operacionalização desta no SUS é determinante
para a mobilização de outros atores sociais envolvidos (BRASIL, 2015). A definição de
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 369


novos eixos prioritários faz com que a PS envolva além da intersetorialidade e trabalho
em rede, a participação da comunidade. Essa participação, no entanto, não diz respeito
a expectadores passivos, mas empoderados de informação e de possibilidades de ação
para que atuem como articuladores conjuntos.
Por isso os conceitos de PS se vinculam as práticas de educação em saúde, num
sentido radical (OLIVEIRA, 2005). A finalidade deste modo de educação é
desenvolver no indivíduo e no grupo a capacidade de analisar de forma crítica a sua
realidade, integrar-se à dinâmica social local e decidir ações conjuntas, enfrentando a
carência de recursos e as diferenças culturais, os interesses políticos e econômicos
entrelaçados às políticas públicas. Tais ações culminam na resolução de problemas e
modificação de situações.
Esse desenvolvimento da capacidade crítica, é conhecido pelo conceito
empowerment, que se refere a descentralização de poderes. Na década de 90 recebeu a
força de movimentos que buscavam afirmar o direito da cidadania sobre distintas
esferas da vida social, entre as quais, a prática médica, a educação em saúde e o
ambiente físico. Kleba e Wendausen (2009) apontam que o empowerment é um termo
multifacetado, que se apresenta como um processo dinâmico. Devem ser
considerados nesse conceito três níveis da vida social: individual; grupal e estrutural.
O pessoal possibilita a emancipação dos indivíduos, com aumento da autonomia e da
liberdade. O nível grupal desencadeia respeito recíproco e apoio mútuo entre os
membros do grupo, promovendo o sentimento de pertencimento, práticas solidárias
e de reciprocidade. No que concerne à perspectiva estrutural, favorece e viabiliza o
engajamento, a corresponsabilização e a participação social na perspectiva da
cidadania. Em suma, o empowerment tem por objetivo explorar o potencial individual
para a transformação das práticas comunitárias (CARVALHO; GASTALDO, 2008). É
importante clarear a noção de empoderamento do indivíduo para cuidar de sua saúde
e atuar em prol dela, sem, no entanto, responsabilizá-lo pelo controle exclusivo. Há
que se considerar que a maior parte da vida é controlada por políticas e práticas
macrossociais (CARVALHO; GASTALDO, 2008).
O primeiro passo na direção do empoderamento da comunidade é desenvolver o
poder de definir, ou seja, incentivar e capacitar as comunidades para que definam e
elejam seus problemas e necessidades prioritárias. O que importa no empoderamento
é a forma crítica com que se estabelece esta relação de participação, que deixa de ser
uma participação omissa, mas torna-se uma participação constantemente crítica e
reflexiva.
Embora tenham representado importantes avanços conceituais, os marcos legais
da PS no Brasil, não são suficientes para atingir em totalidade o ideal de PS. Parte desse
SUMÁRIO

370 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

desafio vincula-se a dificuldade de intervenção estatal em todos os fatores


determinantes de saúde, que perpassam em muitos momentos por decisões dos
sujeitos. Decisões estas que não se referem ao desejo ou conhecimento singular, mas se
apresentam como resultados dos modos e condições de vida, sob os quais, o estado
não detém controle. Não se pode reduzir o poder à psicologia individual, e desta
forma ignorar os contextos políticos e históricos nos quais as pessoas operam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A efetivação das práticas de Promoção da Saúde no Brasil, estiveram sob
responsabilidade do setor saúde, o qual organizou-se com a implantação de diversos
programas e ações a fim de fortalecer esse ideal.
Entendemos, no entanto que, a política da PS contemporânea refere-se também
ao fortalecimento dos aspectos educativos e sociais, que necessitam, sobretudo,
problematizar e compartilhar responsabilidades, não possíveis de controle exclusivo
pelo estado. Essa perspectiva se aproxima dos referenciais das ciências humanas e
sociais, que complementados pelos conhecimentos das ciências naturais, permite
entender que a centralidade da ação se refere ao empoderamento dos indivíduos e das
coletividades pautado em aspectos socioculturais, para além dos biológicos, a fim de
motivar a participação crítica e reflexiva com o cuidado em saúde e com a reflexão e
melhoria dos modos de vida. Contudo, não se refere a responsabilizar apenas os
sujeitos pelo processo. É necessário um movimento articulado para efetividade das
práticas de PS as quais envolvem todas as dimensões ligadas ao viver humano.
Palavras-chave: Promoção da Saúde. Políticas Públicas. SUS

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 20 set. 1990.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): revisão da Portaria
MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006. 1. ed. Brasília, 2015.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional De Promoção Da


Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 60p. (Série B. Textos Básicos de Saúde).

CARVALHO, S. R.; GASTALDO, D. Promoção à saúde e empoderamento: uma reflexão a partir das
perspectivas crítico-social pós-estruturalista. Ciencia & saude coletiva, v. 13, n. suppl 2, p. 2029–2040, 2008.
Disponível em: h�ps://doi.org/10.1590/S1413-81232008000900007. Acesso em: 04 mai. 2023.

CZERESNIA, D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção. In: CZERESNIA, D.;
FREITAS, C. M. (org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, Tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 371


FURTADO, M; SZAPIRO, A. Promoção da Saúde e seu Alcance Biopolítico: o discurso sanitário da
sociedade contemporânea. Saúde Soc. São Paulo, v. 18, n. 4, p. 811-821, 2012. Disponível em: h�ps://www.
scielo.br/j/sausoc/a/7wzq5QD49cH5v5PcmhmcxWR/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 06 mai. 2023.

KLEBA, M. E.; WENDAUSEN, A. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de
participação social e democratização política. Saúde Soc., São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009. Disponível
em: h�ps://www.scielo.br/j/sausoc/a/pnCDbh88LDqWwDTx9pGK39h/abstract/?lang=pt . Acesso em: 02
mai. 2023.

OLIVEIRA, V. L. A “nova” saúde pública e a promoção da saúde via educação: entre a tradição e a inovação.
Rev. Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 13, n. 3, maio/jun. 2005. Disponível em: h�ps://
www.scielo.br/j/rlae/a/WPsnmqX4hMwLQswcbHvxtkQ/abstract/?lang=p . Acesso em 02 mai. 2023.
SUMÁRIO

372 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

66
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E OS OFÍCIOS DA CIDADANIA
BRASILEIROS: avancos e perspectivas à tutela da vida civil das
pessoas trans

THE UNITED HEALTH SYSTEM AND THE BRAZILIAN CITIZENSHIP'S


OFFICES: advances and perspectives in the protection of the civil life of
trans people

Trabalho desenvolvido a partir do pré-projeto de Tese de Doutorado em Direito da UNIJUI,


Ijuí, RS, da autora qualificada no item abaixo.
Paula Fabíola Cigana
Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil. Mestra em Direito pela UFSM, Santa Maria, RS,
Brasil. Tabeliã e Registradora no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail:
paulafcigana@hotmail.com.
Janaína Machado Sturza
Pós-doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/
Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em
Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, lecionando na graduação
em Direito e no Programa de pós-graduação em Direito - mestrado e doutorado. Integrante
da Rede Iberoamericana de Direito Sanitário. Integrante do grupo de pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS – PqG Edital N° 05/2019.
Pesquisadora Universal CNPq - Chamada CNPq/MCTI/FNDCT N° 18/2021. E-mail:
janasturza@hotmail.com.

INTRODUÇÃO
Historicamente, a sexualidade tem sido utilizada como técnica de poder e
instrumento de controle e disciplina dos corpos sob a perspectiva do biopoder. Tem
sido inscrito, assim, como objeto de disputa política, atuando tanto na disciplina do
corpo e seu adestramento, como na regulação das populações. Sob a essa perspectiva,
compreende-se a urgência pela modificação corporal como uma demanda frequente
na comunidade transgênero, e se busca compreender de que forma é possibilitado o
acessos a bens e serviços no Sistema Único de Saúde brasileiro - SUS, como forma de
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 373


efetiva inclusão nos campos de saúde, emprego, seguridade ou educação, garantindo-
se, enfim, o desenvolvimento pessoal e profissional a todos os cidadãos brasileiros,
indiscriminadamente. Do mesmo modo, busca-se refletir acerca dos caminhos
possíveis à concretização dos direitos fundamentais dos transgêneros, através da
atuação dos Ofícios da Cidadania brasileiros.
Desta forma, o presente estudo tem como objetivo geral a análise instrumentos
normativos e de políticas públicas voltadas aos transgêneros no contexto do Sistema
Único de Saúde, bem como refletir acerca dos avanços e as perspectivas da saúde da
população transgênero no cenário brasileiro atual. Para tanto, o presente trabalho
emprega o método de abordagem hipotético-dedutivo. Quanto ao procedimento, faz-
se uso da revisão bibliográfica, mediante a utilização de livros, artigos, doutrina, em
meio físico e virtual, bem como legislação e jurisprudências relativas à temática
trabalhada, utilizando-se, também, da análise documental. Utiliza-se como técnica de
coleta de dados a produção de fichamentos e resumos expandidos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

AVANCOS E PERSPECTIVAS DO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR NO


SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) BRASILEIRO
Com vistas à salvaguarda dos direitos fundamentais da comunidade trans, o
Processo Transexualizador foi instituído no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)
pela Portaria nº 1.707/2008 do Ministério da Saúde, nos termos da Resolução do
Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.652/2002, passando a prever a possibilidade
de neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares, bem como
neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres
sexuais secundários. (CFM, 2002). Anos depois, a Portaria 2803/2013 do Ministério da
Saúde redefiniu e ampliou o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde
(SUS), com vistas a aprimorar a linha de cuidado no Processo Transexualizador, em
especial para pacientes que desejavam a readequação para o fenótipo masculino, pelo
SUS, até então desatendidos pelo Sistema. Sob outra perspectiva, a Resolução CFM no
2.265/2019, que revogou a antecedente, buscou transcender aos conceitos patológicos
do transexualismo, a partir de uma normativa mais clara no que diz respeito à
diversidade de gênero na sociedade pós-moderna. (CFM, 2019)
Hodiernamente, o acesso ao processo transexualizador do SUS, depende de
pedido encaminhamento junto à unidade básica de saúde mais próxima da residência
do solicitante, mas somente 5 (cinco) hospitais encontravam-se aptos a realizar a
cirurgia de transgenitalização no Brasil pelo SUS no ano de 2020. Tal cenário implica
SUMÁRIO

374 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

em uma conjectura que denota a dificuldade de acesso ao processo de


transexualizador, pela via do SUS, pela maior parte da população brasileira, na
medida em que o país é dividido geograficamente em 26 (vinte e seis) Estados e o
Distrito Federal, ao passo que o procedimento encontra-se em exercício em apenas 5
(cinco) destes. Além disso, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais,
as filas de acesso para a redesignação sexual superam os dez anos de espera
atualmente. (ANTRA, 2020)

OFÍCIOS DA CIDADANIA BRASILEIROS NA TUTELA DA VIDA CIVIL DAS


PESSOAS TRANS
Recentemente, no ano de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou
a 11ª edição do CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde), classificando a transexualidade como “transtorno de
identidade sexual” ou “transtorno de identidade de gênero.” Entretanto, a
transexualidade não deixou de integrar a lista de CID’s, mas passou a ser enquadrada
como “incongruência de gênero”, em uma categoria diferente: a das condições
relativas à saúde sexual. (BRASIL, 2018)
No campo jurídico, mudanças acerca da temática trans estão sendo
continuamente realizadas. No ano de 2017, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, emitiu a Opinião Consultiva nº 24, documento que tem se mostrado um
marco regulatório no cenário jurídico brasileiro. Nas suas conclusões, a Corte
enfatizou que os Estados devem garantir a retificação de nome e gênero conforme sua
identidade autopercebida, baseando-se exclusivamente no seu consentimento livre e
informado, independentemente de requisitos como “certificações médicas e/ou
psicológicas ou outras que possam ser irrazoáveis ou patológicas”. A tutela dos
direitos também deve independer de operações cirúrgicas e/ou hormonais. Concluiu,
a referida Corte, que “O procedimento que melhor se adapta a estes elementos é o
procedimento ou trâmite materialmente administrativo ou cartorial”. (CIDH, 2017)
A alteração de nome e gênero normativamente prevista vem ocorrendo,
efetivamente, perante os Ofícios da Cidadania desde a edição do ato, mas traz consigo
uma série de exigências a serem implementadas pelo transgênero. Os pontos positivos
da normativa nos parecem evidentes: a possibilidade de alteração de nome e gênero
diretamente no Ofício de Registro Civil, seja aquele em que conste o Registro de
Nascimento ou outro, à escolha do Requerente; o pedido de alteração realizado
diretamente pelo interessado, com base na sua autonomia e declaração,
independentemente de representação de qualquer espécie; a gratuidade do
procedimento perante os Ofícios extrajudiciais”. (BRASIL, 2018).
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 375


A possibilidade de requerimento perante qualquer Registro Civil das Pessoas
Naturais, não apenas o detentor do Registro de Nascimento da pessoa transgênero, é
uma importante ferramenta de acesso ao direito fundamental. Nesse cenário, constata-
se a vasta capilaridade dos Ofícios da Cidadania, cuja função é exercida em 7389
Ofícios Extrajudiciais, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2019).
Exemplificativamente, o Estado do Rio Grande do Sul conta com 497 municípios,
havendo, por outro lado, um total de 413 Ofícios de Registro Civil das Pessoas
Naturais (CNJ, 2019). Os Registros Civis tratam-se, pois, de um serviço de caráter
essencial à tutela dos direitos fundamentais, em especial aos direitos da personalidade,
que se mostra acessível aos cidadãos brasileiros ou estrangeiros que se encontrem no
país, diante de seu amplo acesso, bem como em vista de hipóteses de gratuidade de
emolumentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo foi capaz de desvelar quais políticas públicas de saúde estão
sendo direcionadas pelo SUS para efetivar o direito fundamental da comunidade trans
brasileira, os avanços e perspectivas enquanto instrumento de tutela efetiva dos
direitos desses sujeitos de direitos. A instituição do processo transexualizador do SUS
no ano de 2008, portanto, sinaliza um importante avanço na universalização da saúde
à população trans brasileira. Entretanto, a efetivação da política pública apresenta-se
como um desafio imponente para o sistema público de saúde. No ano de 2020, eram
aptos a realizar a cirurgia de transgenitalização no Brasil pelo SUS somente 5 (cinco)
hospitais, dentre eles, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, havendo uma fila média
de espera pela cirurgia de aproximadamente 10 (dez) anos. Diante desse contexto,
refletiu-se acerca dos caminhos possíveis à concretização dos direitos dos
transgêneros, que perpassa a atuação dos Ofícios da Cidadania, por meio da análise
das normativas que autorizaram o procedimento de alteração de nome e gênero
diretamente no Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais, Ofício da Cidadania.
Conclui-se, ao final desse estudo, que as perspectivas jurídicas diante da
demanda transgênero são incertas e os desafios são latentes. Mostra-se necessária uma
nova roupagem normativa do ponto de vista da saúde e do direito das pessoas trans,
a partir de uma perspectiva não-binária e da desconstrução social do gênero. A
mudança de paradigma, ainda que dificultosa dentro de um sistema de Estado
tradicional, é medida que se impõe, a fim de que se preserve e assegure o direito
fundamental à dignidade humana das pessoas trans. As demandas pela retificação de
registro de nascimento no que diz respeito à alteração para “gênero neutro” ou “não-
binário”, correspondente à pessoa que não se identifica com nenhum dos gêneros
SUMÁRIO

376 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

aceitos pelo Estado, começaram a surgir, especialmente no Tribunal de Justiça


estaduais, trazendo à tona a necessidade latente de se legislar acerca do tema.
Palavras-chave: Saúde. Cidadania. Transexuais. Ofícios da Cidadania.

REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS (ANTRA). Como acessar o SUS para
questões de transição? Disponível em: <h�ps://antrabrasil.org/2020/07/27/como-acessar-o-sus-para-
questoes-de-transicao/>. Acesso em: 10 jan. 2023.

BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.265/19. Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa
com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010. Publicado no D.O.U
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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 73, de 28 de Junho de 2018. Dispõe sobre a averbação
da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no
Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). Disponível em: < h�ps://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2623>.
Acesso em: 01 de abr. 2022.

BRASIL. Ministério de Estado da Saúde. Portaria nº 2.803/2013. Redefine e amplia o Processo


Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Publicado no D.O.U nº 225, de 20/11/2013. Disponível
em: <h�ps://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html>. Acesso em: 01 de abr.
2022.

BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. OMS retira transexualidade da lista de
doenças e distúrbios mentais. Disponível em: < h�ps://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2018/
junho/organizacao-mundial-da-saude-retira-a-transexualidade-da-lista-de-doencas-e-disturbios-mentais>.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275. Relator: Min. Marco
Aurélio. Brasília, DF, 01 de março de 2018. Disponível em: <h�ps://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=TP&docID=749297200>. Acesso em: 01 de abr. 2022.

CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Opinião Consultiva n°. 24/2017. Julgado em 24.11.2017.
Disponível em: <h�p://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/ seriea_24_esp.pdf>. Acesso em: 01 de abr. 2022.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 377

67
MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA NO BRASIL:
perspectivas acerca das políticas públicas de saúde pela metateoria do
direito fraterno

WOMEN IN SITUATIONS OF VIOLENCE IN BRAZIL: perspectives on


public health policies through the metateory of fraternal law

Paula Fabíola Cigana


Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil. Mestra em Direito pela UFSM, Santa Maria, RS,
Brasil. Tabeliã e Registradora no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail:
paulafcigana@hotmail.com.
Gabrielle Scola Dutra
Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, sob orientação da Professora Pós Doutora Janaína Machado
Sturza. Mestre em Direitos Especiais pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai
e das Missões – URI, campus Santo Ângelo. Especialista em Filosofia na Contemporaneidade
pela URI. Especialista em Direito Penal e Processual prático contemporâneo pela
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Professora Universitária do Curso de
Graduação em Direito da UNIJUÍ e da Faculdade de Balsas/MA (UNIBALSAS). Membro do
grupo de pesquisa: “Biopolítica e Direitos Humanos”, cadastrado no CNPQ e vinculado ao
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos, Mestrado e Doutorado da
UNIJUÍ. Advogada. E-mail: gabrielle.scola@unijui.edu.br.
Janaína Machado Sturza
Pós-doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/
Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em
Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, lecionando na graduação
em Direito e no Programa de pós-graduação em Direito - mestrado e doutorado. Integrante
da Rede Iberoamericana de Direito Sanitário. Integrante do grupo de pesquisa Biopolítica e
Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS – PqG Edital N° 05/2019.
Pesquisadora Universal CNPq - Chamada CNPq/MCTI/FNDCT N° 18/2021. E-mail:
janasturza@hotmail.com.

INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade, o fenômeno da violência surge como um elemento
relevante para a articulação das relações de poder e dominação impostas sob os corpos
dos indivíduos. O poder atua como um conjunto de práticas e a violência atua
SUMÁRIO

378 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

enquanto um fenômeno constituído por ações patológicas que produzem vítimas. É


justamente neste contexto que se faz importante o acesso ao direito à saúde,
especialmente as políticas públicas de saúde voltadas para as mulheres. Logo, o
presente artigo tem como objetivo fomentar a discussão sobre o direito à saúde para
mulheres, a partir da perspectiva das políticas públicas de saúde para mulheres em
situação de violência no Brasil, sob as lentes transdisciplinares do Direito Fraterno.
A base teórica utilizada para o desenvolvimento do enredo em questão é a
Metateoria do Direito Fraterno, articulada pelo jurista italiano Eligio Resta. Emprega-
se o método hipotético- dedutivo, instruído por uma análise bibliográfica. Diante
disso, questiona-se: as políticas públicas de saúde para mulheres em situação de
violência no Brasil podem ser percebidas pelo Direito Fraterno? Por fim, verifica-se
que as políticas públicas devem ser compreendidas enquanto instrumentos
facilitadores do acesso aos bens comuns da humanidade e, por consequência, aos
direitos fundamentais. O eixo de atuação de uma política pública de saúde se dá a
partir do protagonismo de um Estado Democrático de Direito que atua reconhecendo
as especificidades macro e micro dos seus espaços comuns e, neste caso, ressalta-se o
acolhimento de mulheres – vítimas de violência, pelo sistema público de saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL


Existe uma imbricação indissociável entre as perspectivas de gênero, sexo, corpo,
mulher, que remonta ao mundo clássico. O gênero figura, nessa perspectiva, como
construção social e pessoal, que se encontra em constante construção e desconstrução,
enquanto um fenômeno inconstante e visivelmente inacabado. A identidade de
gênero não possui essência fixa, sendo reproduzida e remodelada constantemente por
meio de performances, sendo o gênero um conjunto de construções culturais
(BUTLER, 2011). O gênero feminino é, pois, cultural e historicamente, submetido a
uma série de estereótipos de gênero autogeradores da violência contra a mulher na
atualidade. Por estereótipos de gênero se compreendem as visões ou pré-concepções
atribuídas a um determinado grupo de pessoas de acordo com seu gênero, que
determinam, culturamente, os papeis a serem desempenhados, seus direitos e
obrigações. Os estereótipos de gênero são diversos: mulheres como frágeis e
vulneráveis em razão de sua estrutura corporal; mulheres recatadas e passivas sob a
perspectiva sexual; mulheres cuidadoras no âmbito doméstico. Ainda que tais
pensamentos se mostrem antiquados e politicamente incorretos na atualidade, sabe-se
que se encontram arraigados no imaginário coletivo brasileiro e se propagam de
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 379


geração a geração, culminando nos atos de violência contra a mulher, especialmente
no âmbito doméstico.
Estimativas globais publicadas pela OMS indicam que aproximadamente uma
em cada três mulheres (35%) em todo o mundo sofreram violência física e/ou sexual
por parte do parceiro ou de terceiros durante a vida, sendo que a maior parte dos casos
é de violência infligida por parceiros. Entre os fatores associados ao aumento do risco
de ser vítima de parceiros e de violência sexual estão a baixa escolaridade, exposição à
violência entre os pais, abuso durante a infância, atitudes que permitem a violência e
desigualdade de gênero. No contexto de baixa renda, estratégias que visam aumentar
o empoderamento das mulheres, sob a perspectiva econômica e social, calcada na
redução da desigualdade de gênero demonstram eficácia na redução da violência
perpetrada entre parceiros (OPAS, 2022).
No contexto nacional, dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, de
responsabilidade do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
(MMFDH), apontam que o Brasil contou com mais de 31 mil denúncias de violência
doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022, abrangendo atos de
violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial. (BRASIL, 2022). De acordo
com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no primeiro semestre de 2022,
699 mulheres foram vítimas de feminicídio, perfazendo uma média de 4 mulheres por
dia. Este número é 3,2% mais elevado que o total de mortes registrado no primeiro
semestre de 2021, quando 677 mulheres foram assassinadas. Estes dados indicam o
contínuo crescimento de mortes de mulheres por crimes de gênero, desde o ano de
2019. “Em relação ao primeiro semestre de 2019, o crescimento no mesmo período de
2022 foi de 10,8%, apontando para a necessária e urgente priorização de políticas
públicas de prevenção e enfrentamento à violência de gênero”. (FBSP, 2022) É digno
de atenção que, em 2022, a região Sul apresentou maior crescimento do número de
feminicídios em relação ao mesmo período do ano anterior. Houve crescimento de
12,6% no número de feminicídios, embora nos últimos quatro anos as mortes tenham
apresentado pequena redução de 1,7%. (FBSP, 2022)
Estudos apontam que o perfil etário das vítimas de feminicídio no Brasil
circunda, em sua maioria, 68,7%, tem entre 18 e 44 anos quando foram mortas.
Ademais, observa-se que o perfil étnico racial indica a prevalência de mulheres pretas
e pardas entre as vítimas: 62% eram negras, 37,5% brancas, 0,3% amarelas e 0,2%
indígenas (FBSP, 2022). Por outro lado, em que pese o crescimento da violência mortal
contra a mulher, houve redução dos investimentos do Governo Federal em relação ao
enfrentamento à violência em razão de gênero. Desse modo, o restabelecimento do
gênero como objeto de estudos e programas passa a ser um dos principais desafios do
novo governo no ano de 2023. (FBSP, 2022)
SUMÁRIO

380 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

POLÍTICAS PÚBLICAS SANITÁRIAS QUE ESTÃO SENDO EXECUTADAS NO


BRASIL EM PROL DAS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
A partir da premissa de que o fenômeno da violência se sofistica ao longo do
contexto histórico e civilizacional, à medida que produz arranjos conflitivos cada vez
mais perversos, principalmente, sob os corpos dos indivíduos mais atingidos por
processos forjadores, motivo pelo qual, no âmbito sanitário, tem-se a constituição de
discussões de gênero que orientam a temática do fenômeno da violência contra a
mulher no Brasil e a imprescindibilidade da articulação de políticas públicas de saúde
para tais indivíduos em situação de violência no país. Por deter multifacetadas
especificidades, as mulheres vítimas de violência necessitam de uma política pública
que seja capaz de reconhecer as demandas sociais vinculadas às complexidades que
contemplam os conflitos entre os gêneros. Nesse sentido, a violência contra a mulher
é uma questão de saúde pública. Por isso, o planejamento de uma assistência de saúde
específica e integrada que contemple o atendimento de rotina nas unidades de saúde
em prol das mulheres vítimas de violência por todo o país é urgente.
Existem muitos serviços oferecidos pelo governo brasileiro que atendem
especificadamente as mulheres em situação de violência, tais como os Centros
Especializados de atendimento à mulher, as casas-abrigo, as casas de acolhimento
provisório, delegacias especializadas de atendimento à mulher, núcleos ou postos de
atendimento à mulher nas delegacias comuns, defensorias públicas e defensorias da
mulher (especializadas), Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, Promotorias e Promotorias especializadas, Casa da Mulher brasileira,
Serviços de Saúde Geral e Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de
violência sexual e doméstica, entre outras ações, programas e políticas públicas
governamentais que são de suma importância para o combate ao fenômeno da violência.
Entretanto, percebe-se que para o combate de tal problema social de dimensões
de saúde pública, é imprescindível analisar as relações entre os gêneros sob as lentes
da fraternidade, à medida em que a fraternidade detém potencialidade de ser
incorporada no cerne das relações sociais estimulando deveres recíprocos de
alteridade às pessoas envolvidas no liame conflitivo. Nesse arranjo de acolhimento
sanitário e vinculada aos limites e possibilidades de pensar políticas públicas para
mulheres numa perspectiva de contemplar todas as suas nuances e especificidades de
gênero em prol da efetivação do direito humano à saúde, apresenta-se a Metateoria do
Direito Fraterno, desenvolvida pelo jurista italiano Eligio Resta na década de 90. Resta
escancara o conceito de fraternidade enquanto uma desveladora de paradoxos dos
direitos humanos. Assim, “a humanidade, então, despojada de seu conteúdo
metafísico, faz encontrarmos descobertos diante das nossas responsabilidades na
seara dos Direitos Humanos” (RESTA, 2020, p. 14).
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 381


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A humanidade é a chave do desvelamento dos paradoxos, ao passo que deve
empreender uma dinâmica recíproca de fraternidade no momento em que reconhece
os problemas sociais que pretende enfrentar e, em comunhão de esforços instiga um
conjunto de ações “frater” e não “pater” para efetivar os direitos humanos.
Diante disso, é preciso que as políticas públicas tenham conexão com a bios, ou
seja, com o mundo real, para que sejam capazes de enfrentarem os problemas que
pretendem combater. Sob a perspectiva do jurista italiano Eligio Resta, a constituição
de uma atmosfera fraterna é uma aposta, um desafio e uma possibilidade de dar
concretude às respostas políticas dos contextos problemáticos em evidência.
Sobretudo, o desafio é apostar sem medida, incorporar o caráter fraterno e
democrático da fraternidade e ressuscitá-la enquanto um mecanismo que constrói e
orienta a constituição de espaços comuns compartilhados, onde a humanidade possa
desabrochar sem se submeter às perversidades que circundam a dinâmica existencial.
Palavras-chave: Direito à saúde; Direito Fraterno; Violência; Mulheres; Políticas
públicas.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Brasil tem mais de 31 mil
denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022. 08 ago. 2022.
Disponível em: h�ps://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/eleicoes-2022-periodo-eleitoral/
brasil-tem-mais-de-31-mil-denuncias-violencia-contra-as-mulheres-no-contexto-de-violencia-domestica-
ou-familiar. Acesso em: 10 dez. 2022.

BUTLER, Judith. Actos perfomativos e constituição de género. Um ensaio sobre fenomenologia e teoria
feminista. In: MACEDO, Ana Gabriela; RAYNER, Francesca (Org.). Gênero, cultura visual e perfomance.
Antologia crítica. Minho: Universidade do Minho/Húmus, 2011.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP). Violência contra meninas e mulheres no 1º


semestre de 2022. Disponível em: <h�ps://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/12/violencia-
contra-meninas-mulheres-2022-1sem.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2022.

OPAS – OMS. Violência contra as mulheres. Disponível em: <h�ps://www.paho.org/pt/topics/violence-


against-women>. Acesso: 10 dez. 2022.

RESTA, Eligio. O Direito Fraterno. 2ª ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2020.
SUMÁRIO

382 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

68
ESTADO, APOROFOBIA E DIREITOS HUMANOS DA POPULAÇÃO
EM SITUAÇÃO DE RUA

STATE, APOROPHOBIA AND HUMAN RIGHTS OF THE


HOMELESS POPULATION

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Dissertação de Mestrado em Direito do PPGD


da Universidade La Salle (Unilasalle) - Canoas/RS.

Priscila Silva Biandaro


Mestranda em Direito pela Universidade La Salle (UNILASALLE - Canoas/RS). Bolsista
Capes/PROSUC. Email: priscilabiandaro@gmail.com.

INTRODUÇÃO
A pesquisa desenvolvida aborda a questão da pobreza e a discriminação sofrida
pelas pessoas em situação de vulnerabilidade social, denominada Aporofobia. A
autora Adela Cortina define esse termo como a rejeição e aversão ao pobre, que é
excluído e invisibilizado pela sociedade. Além disso, importante destacar as
identidades sociais, como gênero, raça, classe social e religião, estão interligadas e
interferem em experiências sociais distintas, apontando relações de poder que geram
desigualdades.
O Estado tem um papel significativo tanto na disseminação como na prevenção
da aporofobia, dependendo do modo como questões pertinentes à pobreza são
retratadas e abordadas.
Assim, se propõe investigar o papel do Estado na (re)produção dessa
discriminante e objetivando identificar padrões, causas e consequências da aporofobia
em diferentes capitais brasileiras, relacionadas às ações de remoção dessa população
específica, além de verificar se tais medidas são eficazes e respeitam os direitos
humanos.
A pesquisa terá como recorte a população em situação de rua e a forma como são
tratados em algumas capitais brasileiras, verificando empiricamente através da análise
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 383


de casos. O objetivo é identificar as tendências e os padrões das ações em diferentes
capitais do Brasil e verificar o impacto (positivo/negativo), sua efetividade e a
observância aos direitos humanos da população atingida pelas operações. O trabalho
contará com estudo teórico e análise empírica, além de sugestões aplicáveis para
combater a aporofobia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pobreza, ainda que transcorridos séculos, continua sendo um flagelo presente
não apenas em países menos desenvolvidos, mas de forma generalizada. A palavra
pobreza é conhecida por todos e já se enraizou no vocabulário cotidiano. Pobre
significa aquele pouco favorecido, com poucos bens e que não possui condições
básicas para garantir uma existência digna. Há muito debate sobre as diferentes
privações enfrentadas pelas pessoas e sua relevância, bem como as possíveis maneiras
de medir o fenômeno de vulnerabilidade e precariedade.¹
De igual forma, muito debate-se acerca das espécies de privações suportados e
sua relevância, bem como formas possíveis de medir esse fenômeno marcado pela
precariedade e vulnerabilidade.²
É verdade que a população pobre muitas vezes se encontra em uma situação de
vulnerabilidade, mas é importante observar que nem todos os indivíduos vulneráveis
são pobres, e que esses conceitos não são equivalentes, mas sim inclusivos. A pobreza
priva as pessoas de seus direitos e voz, excluindo-as economicamente, pois não
possuem "nada a oferecer" nesta sociedade de trocas, e politicamente, devido à falta
substancial de liberdade.
A interconexão entre pobreza e vulnerabilidade é clara, e a definição desses
conceitos é crucial para a compreensão da desigualdade e para o enfrentamento do
problema. A pobreza está tão enraizada na sociedade que se tornou natural. É natural
ver um desabrigado implorando por um sustento na rua, ignorá-lo e fingir que não
viu, porque é apenas um transtorno para a sociedade e é mais conveniente deixá-lo de
lado, tornando-os ainda mais invisíveis. O pobre é o centro da rejeição: a aporofobia.

1 O autor Spinker destaca que a pobreza não pode ser definida por uma única definição, pois as palavras adquirem
múltiplos significados conforme são utilizadas. Ele divide os significados de pobreza em três categorias: material,
econômica e social, e a caracteriza como uma situação de escassez inaceitável, compreendida como um julgamento
moral. (SPINKER, 2009).
2 A vulnerabilidade resulta da condição de insegurança vivenciada pelos indivíduos a curto ou longo prazo. A
vulnerabilidade é definida como "a insegurança e sensibilidade ao bem-estar de indivíduos, famílias e comunidades
diante de um ambiente em mudança e, implicitamente, sua capacidade de resposta e resiliência aos riscos que
enfrentam durante essas mudanças negativas" (MOSSER, 1997, p. 23 - tradução nossa).
SUMÁRIO

384 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

A filósofa espanhola Adela Cortina criou o termo "aporofobia" – originária do


grego Á-poros, pobre e Fobéo, aversão -, é caracterizada como “rejeição, aversão, temor
e desprezo ao pobre, ao desemparado que, ao menos aparentemente, não pode
devolver nada de bom em troca”. (CORTINA, 2022, p. 18). Esse fenômeno estava
presente há muito tempo, mas carecia de um nome capaz de dar reconhecimento e
permitir sua análise e enfrentamento. A aporofobia, então, é rejeição pelo simples fator
pobreza.
Pessoas consideradas normais e lúcidas são os responsáveis pela insensibilidade
moral em relação ao próximo, com base em características como situação econômica,
raça, etnia, sexualidade ou crença. Ao se considerarem superiores, legitimam a rejeição
aos outros. Essa patologia, na verdade é um produto social, em que as pessoas são
responsáveis. (CORTINA, 2022, p. 18-23).
Atitudes de recusa de ajuda, negação de serviços, agressões verbais e físicas, e
exclusão social são exemplos claros de aporofobia. Embora qualquer indivíduo em
situação de pobreza ou desfavorecimento social possa ser discriminado, grupos como
pessoas em situação de rua, imigrantes, refugiados e moradores de áreas de alta
criminalidade (que são vítimas da violência urbana) são mais vulneráveis a esse tipo
de comportamento.
Os indivíduos em situação de rua são as principais vítimas, sendo alvos de
ofensas que ignoram as complexas causas da falta de moradia e mendicância,
relacionadas à pobreza, desemprego, falta de políticas públicas e exclusão social. Essas
atitudes podem aumentar a vulnerabilidade dos indivíduos em situação de rua,
tornando ainda mais difícil para eles acessar necessidades básicas como abrigo,
alimentação e cuidados de saúde.
Ainda, é importante ressaltar que não apenas cidadãos comuns, mas também o
Estado pode praticar condutas consideradas aporofóbicas. A violência policial contra
pessoas em situação de rua é um exemplo, já que eles muitas vezes são tratados como
suspeitos de crimes apenas por estarem em situação de rua, como ocorreu na Chacina
da Sé³, que deu origem ao Dia Nacional da População de Rua (19 de agosto).

3 O Massacre da Sé, ocorrido em19 de agosto de 2004, onde sete pessoas em situação de rua foram espancadas até a
morte enquanto dormiam na Praça da Sé, em São Paulo. De acordo com as investigações realizadas na época, as
violências que resultaram na Chacina da Sé foram motivadas pelo fato das vítimas possuírem informações
comprometedoras. A morte da única testemunha do crime, dois dias após a chacina, dificultou a coleta de provas e
resultou em um inquérito que investigou apenas dois soldados e indiciou-os pelo assassinato de duas das nove
vítimas. A falta de resposta pelas mortes levou a população de rua a investigar o caso por conta própria e levantar
denúncias em outros fóruns e organizações no Brasil e no mundo. Como resultado, o dia 19 de agosto se tornou uma
data tradicional para mobilizações em prol dos direitos da população vulnerável e para denunciar a violência cometida
pelo Estado. Mais em: h�ps://www.anf.org.br/16-anos-depois-massacre-da-se-e-exemplo-de-violencia-contra-
populacao-de-rua/.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 385


Outro exemplo são ações objetivando a remoção forçada de pessoas em situação
de rua de certas áreas da cidade, sem oferecer alternativas adequadas de abrigo e
assistência. Embora existam abrigos para acolhimento de pessoas em situação de rua,
esses locais são frequentemente vistos como uma medida de proteção, mas muitas
vezes estão sobrecarregados e não são confiáveis aos olhos dos próprios indivíduos.
Além disso, esses abrigos funcionam apenas durante a noite e muitos não oferecem
infraestrutura adequada para uma estadia de 24 horas. Algumas cidades têm criado
abrigos improvisados em espaços com colchões e distribuição de refeições, mas esses
locais costumam restringir a posse de pertences pessoais e animais de companhia.
(ROBAINA, 2020, p. 84).
Nesse contexto, o Estado tem um papel significativo tanto na disseminação
quanto na prevenção da aporofobia, dependendo de como as questões relacionadas à
pobreza são abordadas. Para algumas ações, como processos de remoção de
indivíduos em situação de rua, o Estado utiliza de justificativas a preocupação com a
saúde pública, segurança e aparência das cidades. No entanto, essas ações são
questionáveis e levantam questões sobre os direitos humanos, como a igualdade, não
discriminação e acesso à moradia.
A pesquisa tem como objetivo questionar qual é o papel do Estado, positivo ou
negativo, no reconhecimento e reprodução dessa forma de discriminação. Além disso,
investiga se a baixa visibilidade e/ou ausência de reconhecimento social e normativo
da aporofobia fortalece a desigualdade produzida pela pobreza.
Os resultados preliminares apontam que o Estado contribui de forma negativa
para a perpetuação desse preconceito, através de condutas excludentes e de
invisibilização. Também sugere que a equiparação da aporofobia a outras formas de
patologias sociais, como racismo e xenofobia, pode fortalecer as ferramentas de
combate à pobreza e conscientizar a população sobre essa fobia, contribuindo para
frear sua propagação. Desse modo, o Estado tem um papel importante na produção
da aporofobia, seja através de suas ações ou omissões frente a situações que envolvem
discriminação e exclusão social. Isso acontece pela falta de políticas públicas efetivas,
pela criminalização da pobreza e/ou pela falta de acesso à justiça. Em alguns casos, o
próprio Estado pode incentivar a aporofobia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pobreza é uma preocupação presente ainda na atualidade, foco de debates
quanto suas diferentes privações e formas de medir o fenômeno de vulnerabilidade e
precariedade. A interconexão entre pobreza e vulnerabilidade é clara, mas é
importante observar que nem todos os indivíduos vulneráveis são pobres.
SUMÁRIO

386 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

O conceito de pobreza priva as pessoas de seus direitos e voz, excluindo-as


economicamente e politicamente, tornando-as vítimas da aporofobia, termo criado
pela filósofa Adela Cortina, que caracteriza a rejeição, aversão e desprezo ao pobre,
aquele que não pode devolver nada de bom em troca. As atitudes de recusa de ajuda,
negação de serviços, agressões verbais e físicas, e exclusão social são exemplos claros
de aporofobia e que não apenas cidadãos comuns, mas também o Estado pode
praticar condutas consideradas aporofóbicas.
O Estado exerce um papel significativo nessa questão, podendo contribuir de
forma negativa para a perpetuação desse preconceito através de condutas excludentes
e de invisibilização. Os resultados preliminares desta pesquisa sugerem que, em
alguns casos, o próprio Estado pode incentivar a aporofobia, seja pela falta de políticas
públicas efetivas, pela criminalização da pobreza ou pela falta de acesso à justiça.
Palavras-chave: Aporofobia. Estado. Exclusão Social. Direitos Humanos

REFERÊNCIAS
BORIN, Marisa. Os moradores de rua em São Paulo e suas relações com o mundo do trabalho. Cadernos
Metrópole, n. 12, pp. 49-64, 2º sem. 2004.

CORTINA, Adela. Aporofobia, aversão ao pobre: um desafio para a democracia. Tradução de Daniel Fabre
– São Paulo: Editora contracorrente, 2022.

MELO, Raissa. 16 anos depois, “Massacre da Sé” é exemplo de violência contra população de rua. Agência
de notícias das favelas - ANF. 19 de agosto de 2020. Disponível em: h�ps://www.anf.org.br/16-anos-depois-
massacre-da-se-e-exemplo-de-violencia-contra-populacao-de-rua/. Acesso em 08 mai 2023.

MOSER, Caroline O. N. Reassessing urban poverty reduction strategies: The asset vulnerability
framework. World Development, 26, 1, p. 1-19, 1997.

ROBAINA, Igor Martins Medeiros. “Deixados na esquina da morte” população em situação de rua, bio
(geo) política e covid-19. In: Revista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 9, p. 81-86, maio de 2020.

SPICKER, Paul. Definiciones de pobreza: doce grupos de significados. En Paul Spicker, Sonia Álvarez
Leguizamón, David Gordon (Eds.) Pobreza. Un glosario internacional. Buenos Aires: CLACSO, 2009.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 387

69
A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL E A PROTEÇÃO DO
MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO
DIREITO FUNDAMENTAL

THE EFFECTIVENESS OF ENVIRONMENTAL LAW AND THE


PROTECTION OF AN ECOLOGICALLY BALANCED ENVIRONMENT AS A
FUNDAMENTAL RIGHT

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa “A Contribuição Da Agenda 2030 E


Os Ods Na Garantia Do Direito Ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, A Justiça
Ambiental E Da Sustentabilidade” da Unijuí;
Anna Flávia Bacin
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da UNIJUÍ. Bolsista de Iniciação Científica na
modalidade CNPq. E-mail: anna.bacin@sou.unijui.edu.br;
Daniel Rubens Cenci
Professor do Curso de Graduação em Direito, do PPGD - Mestrado e Doutorado em Direitos
Humanos da Unijuí. E-mail: danielr@unijui.edu.br;
Rodrigo Lenz
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito da UNIJUÍ. Bolsista de Iniciação Científica na
modalidade PIBIC/UNIJUÍ. E-mail: rodrigo.lenz@sou.unijui.edu.br.

INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Art. 225, caput,
preconiza que todo cidadão possui, de maneira absoluta, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, e que configura dever do Poder Público, bem como da
coletividade, zelar pela sua conservação, seja para a geração atual e às futuras, pois tal
cuidado, interfere na qualidade de vida, por se tratar de um bem de uso comum do
povo. Contudo, observa-se desrespeitado tal mandamento constitucional, tal fato
evidenciado pela constante poluição da atmosfera, depredação dos espaços tutelados
definidos como habitat¹, expansão descontrolada da agricultura e o capitalismo
expansivo, tais práticas que vão diretamente ao encontro da tentativa de proteção ao
meio ambiente.

1 Local em que se constrói e se define a territorialidade de uma cultura.


SUMÁRIO

388 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

Diante do exposto, a principal problemática, percebe-se na ineficácia ou


ineficiência da proteção e asseguração legal do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, o qual, constitui direito fundamental da pessoa humana, devendo ser
propiciado e tutelado pelo Poder Público à população, justamente por ser considerado
necessário para uma boa convivência social e qualidade de vida que garanta
dignidade e prosperidade à humanidade.
Não obstante, a solução que se refere aos movimentos sociais pela busca da
efetivação dos direitos ambientais, uma vez que a norma fundamental do Estado
assegura a livre manifestação de pensamento, a esfera social possui legitimação para
buscar a legalidade de seus direitos intrínsecos, pois, o meio ambiente constitui o
conjunto de seres, processos dinâmicos biológicos, físicos e químicos que viabilizam e
criam condições de existência da vida terrestre.
O presente estudo, consiste em uma pesquisa qualitativa bibliográfica, a qual,
como técnica, consiste na escolha adequada de métodos e teorias relativas ao tema que
versam sobre diferentes perspectivas, visando a diversidade de abordagens como
parte do processo de produção ativa de conhecimento (Flick, 2009). Cumpre também
salientar que, referente à abordagem utilizada, a mesma possui como ponto de partida
o método indutivo, que se objetiva em conduzir o pensamento a alcançar conclusões
cujo conteúdo é um resultado mais amplo das quais basearam-se, inferindo uma
verdade geral ou universal (Prodanov; Freitas, 2013). Ressalta-se, conjuntamente, o
método adotado para a obtenção de dados, o qual, dá-se pela Análise de Conteúdo, tal
técnica que busca rotular dados, resultando em uma análise consolidada e qualificada
do conhecimento (Bardin, 2011).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O MOVIMENTO SOCIOAMBIENTAL NO BRASIL


Em uma primeira análise, ressalta-se que o socioambientalismo é resultado de
diversos movimentos sociais, esses, especificamente, relacionados ao século XVIII,
onde nasce a crítica ambiental no Brasil culminados com o ambientalismo, o qual,
consiste na corrente filosófica que defende o desenvolvimento sustentável e a
conservação dos recursos naturais, recuperação de áreas degradadas e a mudança de
paradigma por parte da sociedade, de modo a buscar a sustentabilidade. De maneira
análoga, o socioambientalismo, por sua vez:

foi construído a partir da idéia de que as políticas públicas


ambientais devem incluir e envolver as comunidades locais,
detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 389


ambiental. Mais do que isso, desenvolveu-se a partir da
concepção de que, em um país pobre e com tantas desigualdades
sociais, um novo paradigma de desenvolvimento deve promover
não só a sustentabilidade estritamente ambiental – ou seja, a
sustentabilidade de espécies, ecossistemas e processos ecológicos
– como também a sustentabilidade social [...] Além disso, o novo
paradigma de desenvolvimento preconizado pelo
socioambientalismo deve promover e valorizar a diversidade
cultural e a consolidação do processo democrático no país, com
ampla participação social na gestão ambiental. (SANTILLI,
2005, p. 14) (grifo nosso).

Em conformidade, o socioambientalismo visa proteger o meio ambiente, levando


o desenvolvimento por um paradigma sustentável, que respeite o direito humano ao
seu acesso, de modo a garantir qualidade de vida à geração atual, bem como para as
futuras gerações.

A (IN)UTILIZAÇÃO DO AMBIENTE PARA O CRESCIMENTO ECONÔMICO


Não obstante, a construção de uma economia ecológica deve ser pensada, mas
não é uma tarefa fácil, pois altera não apenas o quesito econômico, mas também a
sociedade, pois a mudança visa introduzir a economia na ecologia, nesse caso, a
economia terá de adaptar-se ao desenvolvimento sustentável e preservação dos
recursos naturais, mudando seus meios de produção, e atentando-se aos possíveis
impactos que poderiam ser gerados à natureza (Leff, 2001, p. 42-45). Porém, a lógica
da economia contemporânea continua fundamentada na ideia do mercado, dessa
maneira, o problema de introduzir métodos econômicos dentro da ecologia torna-se
um impasse puramente político.
Muitos países (principalmente do Sul), estão tendo outro conceito de
sustentabilidade, que é voltado ao potencial ecologicamente correto de sua
biodiversidade, enquanto o pensamento do Norte consiste em resolver os problemas
causados pela superexploração de seus próprios recursos naturais, sendo esse o
principal motivo que leva ao pensamento da humanidade que a natureza é um bem
comum (Leff, 2001, p. 47). Em analogia, questiona-se os métodos utilizados pela
humanidade para chegar ao pleno desenvolvimento, os quais, não respeitam o tempo
de regeneração do planeta, levando à lógica de que outro padrão econômico deve ser
utilizado, como por exemplo plantações de culturas entre linhas de árvores, onde não
é necessário a retirada das árvores do local, mas apenas a organização equilibrada
entre desenvolvimento e natureza, gerando assim o desenvolvimento sustentável,
esse que não visa apenas preservar o meio ambiente, mas também valorizar a
diversidade étnica e cultural, erradicar a pobreza, satisfazer as necessidades básicas da
sociedade e melhorar a qualidade de vida.
SUMÁRIO

390 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA GARANTIR O DIREITO AO MEIO


AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
Assim sendo, deve-se conscientizar a população de que o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado possui relevância no cenário cotidiano. Dessa
forma, os mais pequenos gestos cometidos pelo homem moderno constituem
desrespeito ao meio ambiente, como por exemplo o ato de ignorar a existência de
locais para o descarte do lixo, e o mesmo sendo descartado em locais inapropriados,
pode acarretar em resultados negativos para a vida na biosfera terrestre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude dos argumentos apresentados, conclui-se que o desenvolvimento
sustentável deve ser estipulado, não somente para garantir o acesso da população ao
meio ambiente ecologicamente correto, mas também para garantir a existência das
futuras gerações. Por conseguinte, como explicitado, o ser humano necessita de ter
ética pela vida, pois, a ética consiste na ideia de recriar sentidos existenciais, visando a
recuperação ambiental, a melhora das relações sociais, a igualdade de direitos e
garantir a diversidade, devendo recriar os sentidos da vida para melhor, sendo que a
sociedade deve ser solidária, no sentido de que todos vivem no mesmo espaço, e por
esse motivo, devem zelar e proteger a existência do mesmo. Mormente, enquanto
seres pensantes, a razão torna a emoção humanizada, sendo encarregada de trazer à
tona a vontade de poder, poder viver e poder transformar o entorno num local
ecologicamente correto, e para isso novos valores devem ser analisados, estudados,
divulgados e aplicados ao cotidiano moderno.
Dessa maneira, o ambiente pode ser utilizado para o crescimento econômico,
respeitado o limite natural de sua reposição, pois, a crise ambiental surge quando o
homem utiliza o meio ambiente mais do que este consegue regenerar-se, de modo a
depredar o contexto de proteção ao Direito Ambiental, sendo que todos podem e
devem utilizá-lo.
O direito a um meio ambiente ecologicamente correto diz respeito a um dos
direitos fundamentais da pessoa humana, pois sem o mesmo, a qualidade de vida é
reduzida, carregando consigo a poluição, degradação e redução das reservas
protegidas. Dessa maneira, deve-se estipular meios de proteção, capazes o suficiente
para retardar, e posteriormente, erradicar a crise ambiental, de modo a garantir
prosperidade à humanidade.
Palavras-chave: Ambiente. Sustentabilidade. Direitos. Desenvolvimento. Proteção.
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 391


AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao CNPq e a UNIJUÍ por oportunizar o acesso ao universo da
pesquisa científica, integrando uma etapa fundamental e qualificadora da formação
acadêmica.

REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011. Acesso em: 04 maio 2023.

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Constituiçao.htm. Acesso em: 04 maio 2023.

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Editora Vozes, 2001. Acesso em: 04 maio 2023.

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biológica e cultural. São Paulo: Editora Peirópolis, 2005. Acesso em: 04 maio 2023.
SUMÁRIO

392 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

70
OS EFEITOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA
SAÚDE HUMANA

THE EFFECTS OF CLIMATE CHANGE ON HUMAN HEALTH

Pesquisa científica desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Direito da Unijuí.


Pesquisa científica desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Direito da Unijuí.
Rodrigo Tonel
Doutorando em Direito pelo Programa de Pós Graduação em Direito Mestrado e Doutorado
em Direitos Humanos da Unijuí; Bolsista CAPES. E-mail: tonelr@yahoo.com
Daniel Rubens Cenci
Pós Doutor em Geopolítica Ambiental Latino-americana pela USACH – Universidade de
Santiago do Chile, professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado pelo Programa de Pós
Graduação em Direito Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos da Unijuí. E-mail:
danielr@unijui.edu.br

INTRODUÇÃO
Esta pesquisa faz uma análise teórica sobre a questão das mudanças climáticas,
saúde global e direitos humanos. Seu objetivo é discutir a questão das mudanças
climáticas e seus impactos em detrimento da saúde humana, enfatizando a
necessidade de prevenir as doenças decorrentes das alterações do clima. Ao longo
desta investigação será possível demonstrar a definição da terminologia saúde e a sua
contextualização na sociedade contemporânea, observando-se as interferências que o
fenômeno das alterações climáticas estão a causar nos dias atuais e a previsão para o
futuro, caso a humanidade não consiga mais propor alternativas para lidar com o
problema e atuar de forma conjunta numa perspectiva além fronteiras.
Esta pesquisa surge de uma análise bibliográfica a partir do método hipotético
dedutivo através de revisões e acesso a todos os tipos de materiais disponíveis na
internet. Por fim, se destaca a importância não só da conscientização sobre as
mudanças climáticas e, igualmente, as ameaças que esse fenômeno representa para a
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 393


sociedade contemporânea como seus efeitos incertos para a gerações futuras e,
abrangentemente, a urgência em chegar a consensos dentro de um mundo
caracterizado por múltiplas desigualdades e diferentes interesses entre o Norte e o Sul.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo a Constituição da Organização Mundial da Saúde (1946, p.1, tradução
nossa) a definição daquilo que se entende por saúde pode ser implementado a partir da
seguinte citação, “[...] saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social
e não apenas a ausência de doença ou enfermidade." É possível depreender, portanto,
que o conceito de saúde vai muito além de uma consulta médica, ou fornecimento de
medicamentos e tratamentos garantidos pelo Estado. Além disso, tendo em vista que
essa definição tem uma abrangência mais ampla, ela permeia outras esferas como a
qualidade de vida do indivíduo, alimentação, moradia, trabalho, ambiente em que
vive, entre outros elementos.
Na mesma esteira - contudo, a partir de uma abrangência jurídica -, a
Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 196, não discute ou traz um
conceito de saúde, mas afirma que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantida por políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças
e outros agravos e ao acesso universal e igualitário a ações e serviços de promoção,
proteção e recuperação”. (BRASIL, 1988).
No entanto, quando se confronta o conceito – ou conceitos – de saúde diante da
atual problemática relativa as mudanças climáticas – uma das principais temáticas
geopolítica da crise ambiental contemporânea – é possível compreender que as
mudanças climáticas estão entre as maiores ameaças aos direitos humanos de nossa
geração, colocando em risco os direitos fundamentais à vida, à saúde, à alimentação e
ao padrão de vida de indivíduos e comunidades em todo o mundo. A tecnologia tem
um papel importante nos dias de hoje, mas sem um forte envolvimento político e
institucional não teremos mais resultados satisfatórios. As consequências das
mudanças climáticas como secas, degradação dos ecossistemas, elevação do nível do
mar, aumento das temperaturas, entre outras, afetam a produção de alimentos, a
segurança habitacional e as condições de saúde, interferindo diretamente na vida de
cada cidadão (PNUMA, 2002).
O fato de as mudanças climáticas estarem interligadas com a saúde não é uma
questão nova. Os efeitos das mudanças climáticas globais trazem ameaças à saúde de
muitas pessoas. Algumas das consequências das mudanças climáticas são fáceis de
serem observadas como o aumento das temperaturas, mudanças no ciclo das chuvas
e mudanças na qualidade do ar, por exemplo. Outras consequências ainda não são
SUMÁRIO

394 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

consenso na comunidade científica, mas é inegável a relação entre as mudanças


climáticas e a mudança na incidência de algumas doenças.
A relação entre a poluição, as alterações climáticas e a emissão de gases com efeito
de estufa são causas de agravamento do estado de saúde, no sentido de que a forma
como o ambiente se apresenta irá interferir no estado de saúde ou no bem-estar do ser
humano. Ademais, “[...] muitos fenômenos naturais representam perigos, incluindo
eventos extremos como inundações, secas, incêndios, tempestades, tsunamis,
avalanches, erupções vulcânicas, terremotos e enxames de insetos [...].” (PNUMA,
2002, p.326).
De acordo com Bates (2008), a exposição dos seres humanos às mudanças
climáticas, seja diretamente devido à instabilidade dos padrões climáticos,
caracterizados pelo surgimento de eventos mais extremos e frequentes, seja
indiretamente por mudanças na qualidade da água, ar e quantidade de alimentos,
ecossistemas, agricultura, meios de subsistência e infraestrutura, por exemplo. Como
um número considerável de pessoas pode ser afetado por desnutrição e falta de água,
esses problemas podem constituir grandes consequências para a saúde. Populações
com altas taxas de doenças e incapacidades enfrentam com menos sucesso tensões de
qualquer natureza, especialmente aquelas relacionadas às mudanças climáticas.
A consequência mais difícil e direta das mudanças climáticas na saúde humana é
o aumento da morbidade e mortalidade humana em períodos de clima extremo, como
ondas de calor. O potencial letal de uma onda de calor aumenta ainda mais se ocorrer
no início do verão, quando as pessoas e os corpos das pessoas não conseguiram se
acostumar com o calor, se ocorrer a longo prazo e se houver altas temperaturas
noturnas, o potencial aumenta apenas (CONFALONIERI, 2007).
Diante dessas conotações, imperioso se faz a busca pela mitigação e/ou solução da
problemática. No entanto, muito embora, nos últimos anos, tenha se dado muita
ênfase na inserção e utilização de novas tecnologias menos poluentes e mais
sustentáveis – e, igualmente, a adoção de medidas de redução dos principais efeitos
causadores das mudanças climáticas -, além de um enfoque sobremaneira na ciência
por evocação de países do Norte, porém, o que realmente se observa é que as
mudanças climáticas – além de toda a crise ambiental contemporânea - são,
sobretudo, um problema de ordem geopolítica (SAAVEDRA, 2014). Isto significa dizer
que, como os países do Norte são os principais causadores desta crise por conta de seu
estilo de vida e degradação de quase todas as suas reservas e ecossistemas naturais - e
por não aceitarem a redução de seu modelo de vida -, afirmam a necessidade de
conservação dos ecossistemas naturais nos países do Sul e impossibilidade de seu
desenvolvimento, para que assim, possam manter seu elevado padrão de vida em
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 395


detrimento dos últimos (SAAVEDRA, 2019). Isso importa afirmar que, antes de tudo,
é necessário um acordo e consenso internacional onde todos – Norte e Sul – se
comprometam a adotarem medidas de mitigação para os efeitos das mudanças
climáticas e, igualmente, que sejam dados mecanismos que possibilitem os países do
Sul se desenvolverem, além de políticas de promoção da redução das flagrantes
desigualdades sociais e econômicas consideradas sub humanas, que caracterizam a
vida de milhões de pessoas no Sul periférico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo vive um período de muitas incertezas sobre como as mudanças
climáticas podem afetar o bem-estar humano. Assim, reconhecer essas incertezas se
faz refletir amplamente sobre o futuro da sobrevivência humana, pois as mudanças
climáticas podem representar uma enorme ameaça à vida humana. É preciso
reconhecer que a questão da saúde no meio ambiente ainda é um tema novo em
termos de amadurecimento institucional e administrativo. O fato é que enquanto não
se reconhecer e despertar que fenômenos como as mudanças climáticas são fruto de
uma questão muito mais política entre as desigualdades e padrões de vida entre o
Norte e o Sul hemisférico, do que simplesmente ecológica, será difícil combater com
efetividade aquilo que se entende por mitigação e/ou solução do problema.

REFERÊNCIAS
BATES, B.C., Z.W. Kundzewicz, S. Wu y J.P. Palutikof, El Cambio Climático y el Agua. Documento técnico
del Grupo Intergubernamental de Expertos sobre el Cambio Climático, Secretaría del IPCC,Ginebra Eds.,
2008.

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em:<h�p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 28, mar. 2023.

CONFALONIERI, Ulisses Eugenio. Mudanças Climáticas, Ecossistemas e Doenças Infecciosas. In: Clink
Carlos (coord.), Quanto mais quente, melhor. Desafiando a sociedade civil a entender as mudanças
climáticas. São Paulo: Pierópolis; Brasília. DF: IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2007.

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who.int/governance/eb/who_constitution_en.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2023.

PNUMA (Programa das Nações Unidas sobre o meio ambiente) Perspectivas do Meio Ambiente Mundial
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SAAVEDRA, Fernando Estenssoro. A geopolítica ambiental global do século 21: os desafios para a américa
latina. Ijuí: Ed. Unijuí, 2019.

SAAVEDRA, Fernando Estenssoro. História do debate ambiental na política mundial 1945-1992. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2014.
SUMÁRIO

396 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

71
IMPACTO DOS ESTRESSORES OCUPACIONAIS NA VIDA DOS
TRABALHADORES DAS PRISÕES

IMPACT OF OCCUPATIONAL STRESSORS ON THE LIFE OF


PRISON WORKERS

Trabalho desenvolvido a partir do Projeto de Pesquisa do Doutorado em Enfermagem da


Universidade Federal de Santa Maria.
Sabrina Azevedo Wagner Bene�i
Técnica Superior Penitenciária – Enfermeira da Superintendência dos Serviços
Penitenciários, RS. Doutoranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria, Mestre em Atenção Integral em
Saúde Unijuí/Unicruz. E-mail: sabrina.bene�i@hotmail.com
Paula Betina Bock de Prass
Agente de Esporte e Lazer do Município de Ijuí da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte
e Turismo de Ijuí. Mestre em Educação nas Ciências pela Unijuí. E-mail:betina.
prass@hotmail.com
Eliane Raquel Rieth Bene�i
Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de
Santa Maria, Campus Palmeira das Missões. Doutora em Enfermagem pelo Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: eliane-
rieth@ufsm.br

INTRODUÇÃO
O termo “stress” foi inicialmente empregado pela física e engenharia, como uma
força que atua contra determinadas resistências, representa a carga que um material
pode suportar antes de romper-se (BIANCHI, 2001). Selye (2017) conceitua estresse
como uma resposta a uma demanda ambiental ou estressor, que ativada pelo sistema
fisiológico pode proteger e restaurar o organismo, mas também danificá-lo.
Já, o estresse ocupacional ocorre em decorrência de diferenças encontradas entre
as condições do trabalho e as capacidades de respostas dos trabalhadores envolvidos
no desempenho da tarefa e o nível de controle disponível para responder às demandas
(KARASEK; THEÖRELL, 1990).
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 397


Os estressores são respostas não específicas do organismo a qualquer demanda,
que podem ser fisiológicas ou emocionais, positivas ou negativas. Cada indivíduo age
de uma maneira frente a um estressor, então ele pode ser positivo para alguns e
negativo para outros, depende do resultado das influências internas e externas
(SELYE, 2017).
Nas prisões, os trabalhadores desenvolvem suas atividades em uma instituição
total, com regras próprias, fora do mundo externo. Somado a isso, são discriminados
pelo exercício da profissão, sofrem duplo estigma extra e intramuros, pois perante a
sociedade a única diferença entre o preso e o trabalhador é o colete (RUDNICKI;
SCHÄFER; SILVA, 2017; SANTIAGO et al., 2016).
Assim, a hipótese desse estudo é que os trabalhadores das prisões vivenciam
diferentes estressores ocupacionais na sua atividade laboral, os quais podem impactar
negativamente em suas vidas. Frente a isso, o objetivo desse estudo foi identificar os
estressores e seus impactos na vida dos trabalhadores que atuam no sistema prisional,
a partir de uma pesquisa de caráter bibliográfico que consistiu na revisão da literatura
não sistemática relacionada à temática abordada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os trabalhadores do sistema prisional convivem diariamente com a população
privada de liberdade, realizam suas funções em uma realidade encarcerada, sem
autonomia para transitar na instituição, necessitam permanecer nos postos de trabalho
e no mesmo espaço físico dos privados de liberdade (SANTIAGO et al., 2016;
SANTIAGO; BORTOLLOTI; BANA, 2020).
Socialmente não são bem-vistos em decorrência do contato com o cárcere, pois o
desejo da sociedade é que as PPL sejam esquecidas (RUDNICKI; SCHÄFER; SILVA,
2017). Esse baixo reconhecimento social, somado a falta de aparato do Estado e aos
estressores ocupacionais são responsáveis pelo alto nível de estresse entre esses
profissionais (CAMPELO et al, 2021; RUDNICKI; SCHÄFER; SILVA, 2017;
SANTIAGO et al., 2016). O trabalho do Agente Penitenciário foi classificado como
uma das profissões mais estressantes entre as ocupações (COOPER; COOPER;
EAKER, 1988).
Além dos fatores de risco a que os trabalhadores estão expostos durante sua
jornada laboral, existem estressores ocupacionais inerentes ao cárcere, como: contato
com as grades e pessoas privadas de liberdade, conflito trabalho-família, pouco
controle sobre as tarefas, falta de recursos humanos, alta demanda de trabalho, baixo
prestígio da profissão, conflitos entre colegas e supervisores, condições de trabalho
SUMÁRIO

398 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

inadequada e o medo de se tornarem reféns (CAMPELO et al, 2021; EADES, 2020; JIN
et al., 2018; KONYK et al., 2021; RUDNICKI; SCHÄFER; SILVA, 2017; SANTIAGO et
al., 2016; SCHIFF, 2019).
Estudo de tendências que analisou as produções científicas brasileiras acerca da
saúde do trabalhador que atua no sistema prisional evidenciou que 42,1% dos
trabalhadores sentiam medo e insegurança; 42,1% percebiam o ambiente da prisão
como estressor; 36,8% apontaram o ambiente como precarizado, insalubre,
infraestrutura inadequada e más condições de trabalho; 15,8% dos funcionários
possuíam alta demanda de trabalho e não recebiam treinamento adequado; 10,5%
relataram estigma por atuar com a população privada de liberdade; 10,5%
constataram que os trabalhadores apresentavam transtornos mentais comuns;
10,5% evidenciaram superlotação carcerária; e 10,5% apontaram que ambiente era
considerado violento e superlotado (BENETTI et al., 2022).
Os trabalhadores denotam em seus discursos que eles se sentem enclausurados,
recebem ameaças contra a sua própria vida e de seus familiares, possuem medo de
serem mortos ou tomados como reféns em motins e rebeliões ou atacados fisicamente,
além de riscos de contaminação por doenças infectocontagiosas. Ainda reconhecem a
naturalização de episódios de violência física que presenciavam ou precisavam
interferir (SANTIAGO, BORTOLLOTI, BANA; 2020).
Estudo de Campelo et al. (2021) analisou as condições de saúde física e mental dos
Agentes Penitenciários (AP) de uma penitenciária no Município de Rondonópolis,
Mato Grosso, relacionadas as atividades laborais. Os autores evidenciaram que 86,05%
dos participantes sentem-se preocupados com a segurança de seus familiares e 67,44%
asseguram que seu trabalho interfere em seu ciclo de amizades.
Os trabalhadores com altos níveis de estresse ocupacional apresentaram maior
insatisfação no trabalho, baixa moral, ressentimentos e desejo de maior controle no
trabalho e segurança dos presos (RUTTER; FIELDING, 1988).
Esses fatores refletem no alto índice de afastamentos por doença, diminuição da
qualidade e desempenho no trabalho, ocasionando efeitos graves e deletérios sobre as
operações de segurança nas instituições prisionais (HOLMES; MACINNES, 2003;
TEWKSBURY; HIGGINS, 2006).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho em uma instituição total é permeado por diversas peculiaridades, na
qual o trabalhador atua em um ambiente fechado, com regras rígidas e enfrenta em
sua rotina laboral condições de trabalho insalubres, precárias, apresenta risco de
SUMÁRIO

GT 3 - BIOPOLÍTICA, SAÚDE E DIREITOS HUMANOS 399


contaminação por doenças infectocontagiosas. O profissional busca diariamente
superar o medo, inseguranças, preconceitos, além da preocupação com a sua
segurança, de sua família e o privado de liberdade.
Neste contexto, verifica-se que que os trabalhadores vivenciam diferentes
estressores ocupacionais, os quais impactam negativamente em suas vidas pessoais e
profissionais. A constatação é evidenciada pelo alto índice de afastamentos por
doença, diminuição da qualidade e desempenho no trabalho, preocupações, medo
pela contaminação de doenças infectocontagiosas, insatisfação no trabalho, além de
interferir na vida social. Fica o desafio de executar políticas de saúde do trabalhador, a
fim de melhorar a qualidade de vida de profissionais que desenvolvem suas ações
junto a população privada de liberdade.
Palavras-chave: Prisões. Estresse Ocupacional. Trabalhadores.

REFERÊNCIAS
BENETTI et al. Trends of the brasilian scientific productions about worker health in the prison
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SUMÁRIO

400 ANAIS DO III SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS DE


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ARTE-FINAL E DIAGRAMAÇÃO:

Campo Bom - RS - E-mail: imagine@arklom.com


www.arklom.com

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