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Marli Marlene Moraes da Costa

Deise Brião Ferraz


(Organizadoras)

GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E


POLÍTICAS PÚBLICAS

Volume 1
Gênero e Sexualidade na Sociedade

Editora Ilustração
Cruz Alta – Brasil
2022
Copyright © Editora Ilustração

Editor-Chefe: Fábio César Junges


Imagens da capa: Freepik
Revisão: Os autores

CATALOGAÇÃO NA FONTE
G326 Gênero, direitos humanos e políticas públicas [recurso
eletrônico] : gênero e sexualidade na sociedade / organizadoras:
Marli Marlene Moraes da Costa, Deise Brião Ferraz. - Cruz
Alta : Ilustração, 2022.
v. 1

ISBN 978-85-92890-83-4
DOI 10.46550/978-85-92890-83-4

1. Direitos humanos. 2. Sexualidade. 3. Igualdade de


gênero. 4. Feminismo. I. Costa, Marli Marlene Moraes da (org.).
II. Ferraz, Deise Brião (org.).

CDU: 342.7
Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720

2022
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora
Ilustração
Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Ilustração

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Dra. Adriana Mattar Maamari UFSCAR, São Carlos, SP, Brasil
Dra. Berenice Beatriz Rossner Wbatuba URI, Santo Ângelo, RS, Brasil
Dra. Célia Zeri de Oliveira UFPA, Belém, PA, Brasil
Dr. Clemente Herrero Fabregat UAM, Madri, Espanha
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Dra. Denise Tatiane Girardon dos Santos FEMA, Santa Rosa, RS, Brasil
Dr. Domingos Benedetti Rodrigues SETREM, Três de Maio, RS, Brasil
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Dr. Edivaldo José Bortoleto UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil
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Dra. Elizabeth Fontoura Dorneles UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil
Dr. Evaldo Becker UFS, São Cristóvão, SE, Brasil
Dr. Glaucio Bezerra Brandão UFRN, Natal, RN, Brasil
Dr. Gonzalo Salerno UNCA, Catamarca, Argentina
Dr. Héctor V. Castanheda Midence USAC, Guatemala
Dr. José Pedro Boufleuer UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil
Dr. Luiz Augusto Passos UFMT, Cuiabá, MT, Brasil
Dra. Maria Cristina Leandro Ferreira UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil
Dra. Odete Maria de Oliveira UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil
Dra. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil
Dra. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil
Dr. Tiago Anderson Brutti UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil

Esta obra recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio


Grande do Sul (FAPERGS).
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO�������������������������������������������������������������������11

Capítulo 1 - MOVIMENTOS FEMINISTAS LATINOS


PELA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO: UMA
ANÁLISE DOS CONTEXTOS DA ARGENTINA, BRASIL
E MÉXICO������������������������������������������������������������������������������13
Bibiana Terra
Gabriela Maria Barbosa Faria
Letícia Maria de Maia Resende

Capítulo 2 - CORPO INDESEJADO: A PROIBIÇÃO


REPRODUTIVA DAS MULHERES NEGRAS����������������������31
Nathalia das Neves Teixeira

Capítulo 3 - GÊNERO E CONSUMO: UMA ANÁLISE


DOS FATORES QUE LEVAM AS MULHERES AO
CONSUMISMO DESENFREADO����������������������������������������51
Marli Marlene Moraes da Costa
Maria Victória Pasquoto de Freitas
Georgea Bernhard
APRESENTAÇÃO

E ste ebook é resultado dos grupos de trabalho – onde


houve apresentação e discussão de importantes temas
- do I Congresso Nacional de Gênero, Direitos Humanos e Políticas
Públicas, realizado nos dias 29 e 30 de setembro de 2022, pelo
Grupo de Pesquisa do CNPq/UNISC “Políticas Públicas de Inclusão
Social”, linha de pesquisa “Direito, Cidadania e Políticas Públicas”,
da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), coordenado pela
Profa. Dra. Marli Marlene Moraes da Costa.
O evento teve por objetivo principal possibilitar reflexões
sobre as constantes dificuldades encontradas por diversos grupos
sociais na aquisição de direitos, principalmente em relação às
mulheres, com o objetivo de reconstruir formas mais equânimes de
representação social e política.
Por ter se tratado de um evento inteiramente online, além
da ampla participação de discentes e docentes das graduações e dos
Programas de Pós-Graduação de instituições brasileiras de diversos
lugares do país, o Congresso também contou com a participação de
importantes palestrantes, são elas: Eva Alterman Blay, Lucia Merces
de Avelar, Patrícia Duarte Rangel, Valeska Zanello, Patrícia Maeda,
Ana Manoela Primo dos Santos Soares, Bibiana Terra, Nariel
Diotto e Suelen Matos.
Os Grupo de Trabalho do Congresso dividiram-se em: GT I
– Gênero e Sexualidade na sociedade; GT II – Estudos Subalternos,
Decoloniais e Fronteiriços; GT III – Gênero e Direitos Humanos.
A presente obra é o Volume I, cujo eixo temático versa sobre Gênero
e Sexualidade na sociedade.
Esta publicação foi totalmente custeada com o apoio da
Fundação de Amparo à Pesquisa do estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS), a quem agradecemos pelo importante estímulo e
disseminação da pesquisa. Boa leitura!
Capítulo 1

MOVIMENTOS FEMINISTAS LATINOS


PELA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO:
UMA ANÁLISE DOS CONTEXTOS DA
ARGENTINA, BRASIL E MÉXICO

Bibiana Terra1
Gabriela Maria Barbosa Faria2
Letícia Maria de Maia Resende3

Introdução

A segunda onda dos movimentos feministas foi marcada


pelas discussões a respeito dos direitos sexuais e
reprodutivos, tendo colocado como central a pauta sobre o livre
exercício da sexualidade das mulheres. Nesse contexto, dentre os
temas que ganharam destaque e foram mais amplamente discutidos
naquele momento, a defesa pela interrupção voluntária da gravidez
foi intensamente defendida pelas feministas, que compreendiam
que não caberia ao Estado decidir o que elas deveriam fazer com os
seus próprios corpos (MIGUEL; BIROLI, 2014).
Sendo assim, pode-se compreender o reconhecimento
1 Mestra em Direito, com ênfase em Constitucionalismo e Democracia, pela Faculdade
de Direito do Sul de Minas (FDSM). Especialista em Direito Constitucional
pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Pesquisadora na área de direito
das mulheres, advogada e professora. E-mail: bibianaterra@yahoo.com
2 Mestra e Graduada em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM).
Pós-graduada em Direitos Humanos e Interseccionalidades pela Escola Mineira de
Direito (EMD). E-mail: gabbibarbosaf@gmail.com
3 Mestra em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de
Minas. Pós-graduada em Direito Público e em Direito da Diversidade e da Inclusão.
Servidora pública do Poder Legislativo e professora. E-mail: lemaia2003@yahoo.
com.br
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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

do direito ao aborto, ou seja, da possibilidade de interrupção


voluntária da gravidez, como sendo uma política feminista que afeta
profundamente as estruturas sociais familistas patriarcais. Desse
modo, provoca questionamentos sobre a maternidade compulsória
e abre espaços para consignas tais como “la maternidade será
deseada o no será” (a maternidade será desejada ou não será), que
aprofundam os debates sobre sexualidades (GOULART, 2021).
Com o passar dos anos, a temática do direito ao aborto
ganhou cada vez mais campo, tendo se consolidado como uma
pauta do Direito Internacional e também dos Direitos Humanos.
Na Europa esse direito avançou bastante, contudo, no que diz
respeito à América Latina, região estudada pela presente pesquisa,
esse direito ainda encontra fortes entraves para o seu progresso,
sendo que grande parte dos seus países ainda criminalizam e
restringem a sua prática. Apesar disso, nos últimos anos passaram
a ser visualizados importantes avanços nessa região, sendo que
tanto a Argentina quanto o México passaram a não mais penalizar
essa conduta, o que representou uma importante vitória para os
movimentos feministas desses países (PIOVESAN; FACHIN;
RAMOS, 2021).
Diante disso, a presente pesquisa tem como objetivo geral
investigar as movimentações feministas latino-americanas pela
descriminalização do aborto, com foco específico na análise do
contexto argentino, brasileiro e mexicano. Nesse sentido, foram
elencados três objetivos específicos a serem desenvolvidos, sendo
que cada um deles corresponde a um dos tópicos do presente artigo.
Esses dizem respeito à análise, separadamente, de cada um dos
países que foram escolhidos aqui para serem investigados, de modo
que seja possível analisar como o direito ao aborto está previsto
em cada ordenamento e como se dá a atuação dos movimentos
feministas em tais contextos.
Para tanto, o trabalho se desenvolve através da metodologia
da pesquisa bibliográfica e está alicerçada nos estudos feministas
desenvolvidos, principalmente, por autoras latino-americanas,
haja vista ser esse o pano de fundo dos estudos dessa pesquisa.
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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

Com isso, cabe ainda ressaltar que o seu escopo é proporcionar


uma análise que situe o Brasil, país onde aborto ainda é crime,
em relação à Argentina e ao México, os quais, nos últimos anos,
descriminalizaram essa conduta, de modo a compreender como
os movimentos feministas têm se posicionado em relação a esse
debate.

Descriminalização e direito ao aborto na Argentina

As movimentações das feministas latino-americanas pelo


reconhecimento do direito ao aborto legal, seguro e gratuito,
ganharam grande destaque na última década, tendo ficado
conhecidas internacionalmente como “maré verde” e impulsionado
intensamente o debate acerca da interrupção voluntária da
gravidez em seus países. Essas movimentações tiveram seu início,
principalmente, com as mulheres e representantes feministas da
Argentina, que foi o primeiro país da América Latina a desenvolver
debates em torno da necessidade de se reconhecer o direito à
interrupção voluntária da gravidez (TERRA; FARIA, 2022).
Sendo assim, pode-se compreender que a Argentina é um
dos países precursores, na América Latina, acerca das discussões
sobre o direito ao aborto legal (PIOVESAN; FACHIN; RAMOS,
2021). A partir de encontros e campanhas nacionais das mulheres
argentinas pelo direito ao aborto, as mulheres e feministas
argentinas colocaram essa pauta em debate há pelo menos mais de
duas décadas, o que demonstra o seu pioneirismo (GAGO, 2020).
Nesse sentido, conforme a presente pesquisa procura
investigar, as mulheres argentinas conquistaram esse direito no
final do ano de 2020, sendo esse um país que é fortemente marcado
pelas movimentações das feministas na pauta do direito ao aborto
legal, seguro e gratuito (GAGO, 2020). Desse modo, pode-se
compreender que muitos anos antes de elas, de fato, alcançarem
esse direito, ele já era reivindicado, o que demonstra que as
movimentações feministas argentinas em torno dessa pauta não são
recentes, sendo que sua conquista advém de muitos anos de lutas.
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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

Em realidade, desde as décadas de 1970 e 1980 as


discussões sobre direitos sexuais e reprodutivos já aparecem na
agenda feminista da Argentina. Naquela época, as reivindicações
pela volta da democracia no país contaram com a participação das
feministas, que trouxeram para o debate público questões sobre
liberdade sexual das mulheres, direito ao aborto e o uso de pílulas
anticoncepcionais. Com isso, elas reivindicavam por sua autonomia
reprodutiva e organizaram-se em torno do slogan “nós teremos os
filhos que nós quisermos, se e quando quisermos” (BARRANCOS;
ARCHENTI, 2019).
No entanto, seria somente nas décadas seguintes que esse
tema ganharia mais campo e angariaria mais adeptas nas ruas
argentinas, marcando o início de discussões mais intensas sobre o
direito ao aborto no contexto latino-americano. No ano de 2005, no
dia 28 de maio - em que se comemora o Dia Internacional de Ação
pela Saúde das Mulheres -, foi lançada oficialmente a Campanha
Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito no país,
para avançar nas discussões em torno dessa pauta (BARRANCOS;
ARCHENTI, 2019).
Essa Campanha Nacional, ao longo das décadas seguintes,
ganharia muitos defensores e adeptos, conquistando ampla adesão
por parte de diversos grupos defensores dos direitos humanos, de
representantes de movimentos de mulheres e feministas de todo
o país. Na ocasião, inclusive, foi estabelecido o slogan “Educação
sexual para decidir, contraceptivos para não abortar e aborto legal
para não morrer”, muito divulgado durante todos os anos de
campanha na defesa desse direito e que estamparia, dali em diante,
os movimentos argentinos que defendiam os direitos das mulheres
argentinas de interromperem voluntariamente a gravidez (TERRA;
FARIA, 2022).
Com isso, tem-se então o início das campanhas que
ficariam amplamente conhecidas como “Maré Verde”, sendo essas,
inclusive, símbolo dos movimentos feministas latino-americanos
e que passariam a ser reconhecidas no mundo todo como uma
das campanhas mais intensas pelo direito das mulheres ao aborto
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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

legal (GAGO, 2020). A Maré Verde ocupou espaços, ganhou


reconhecimento internacional e elevou a pauta pelo direito ao
aborto na América Latina, tendo influenciado diversos países da
região (TERRA; FARIA; SOUZA, 2021).
A denominação Maré Verde foi dada por conta da utilização,
pelas feministas argentinas, dos pañuelos verdes (lenços verdes)
com os escritos “educación sexual para decidir, anticonceptivos
para no abortar, aborto legal para no morir”, que estampavam as
movimentações e campanhas pelo direito ao aborto legal por
todo o território argentino. Esses pañuelos verdes se tornaram um
símbolo definitivo do feminismo contemporâneo na América
Latina, fazendo, então, emergir a chamada Maré Verde, em que as
representantes argentinas em coro entoavam que “la maternidade
será deseada o no será” (MARTIN, 2020).
Esses movimentos passaram a ocupar amplamente a
Argentina e fizeram essa temática ser cada vez mais discutida,
atravessando países e levando a Maré Verde até o México e o Chile,
por exemplo, os quais também passaram a utilizar os lenços verdes
como símbolo de suas lutas pelo direito ao aborto legal. Diante
disso, fica evidente como essa Maré Verde está presente na América
Latina, em diversos de seus países, o que demonstra que há no
continente uma rede feminista que segue cada vez se expandindo
mais e lutando pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres
(MARTIN, 2020).
Nesse sentido, é possível compreender que essas campanhas
foram bastante exitosas, tendo levado a pauta da descriminalização
do aborto tanto para o campo das movimentações sociais quanto
para discussões jurídicas. Cabe ressaltar que antes de dezembro
de 2020, quando a prática do aborto finalmente deixaria de ser
crime na Argentina, o Senado argentino já havia discutido algumas
vezes sobre essa possibilidade de descriminalização, no entanto o
país havia sempre mantido suas leis restritivas (TERRA; FARIA;
SOUZA, 2021).
Até então, anteriormente à descriminalização - em
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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

dezembro de 2020 -, esse era um dos países que possuía uma


das leis mais restritivas ao aborto em toda a América Latina. Na
Argentina, antes da lei que seria promulgada em janeiro de 2021, a
interrupção voluntária da gravidez somente era permitida nos casos
em que a gravidez pudesse resultar em risco de vida para a gestante
ou em casos de gestação resultante de estupro – legislação essa
bastante similar à brasileira, onde atualmente o aborto permanece
criminalizado (TERRA; FARIA, 2022).
Sendo assim, cabe ressaltar que na Argentina foi durante
a madrugada do dia 30 de dezembro de 2020 que as feministas
comemoraram essa importante vitória: após uma intensa batalha
no Congresso Nacional, o Senado argentino aprovava uma lei que
modificaria o Código Penal para tornar o aborto legal até a 14ª
semana de gestação. Tendo sido essa uma promessa de campanha
do presidente Alberto Fernandez que gerou diversas discussões, foi
finalmente aprovado o projeto de lei que legalizava o aborto na
Argentina (TERRA; FARIA, 2022).
Com isso, a partir de janeiro de 2021 passou a valer no país
a Lei 27.610/2021, a Ley de Acesso a La Interrupción Voluntária del
Embarazo, que possibilita a toda gestante o direito ao aborto no
sistema de saúde argentino, de forma gratuita, até a décima quarta
semana de gestação. Além disso, a lei prevê, no seu artigo 4º, que
nos casos de estupro ou de risco de vida para a mãe a interrupção
voluntária da gravidez pode ocorrer a qualquer tempo, sendo que
nos casos de meninas menores de treze anos é necessário que haja
acompanhamento de um dos pais ou representante legal. As maiores
de 16 anos podem decidir sozinhas pela interrupção voluntária da
gravidez (ARGENTINA, 2021).
Essa lei argentina ainda traz outras importantes previsões
como, por exemplo, no item “c” do seu artigo 2º, que prevê que
é direito das mulheres e de outras identidades de gênero que
possuem capacidade de gestar, prevenir gravidez não intencional
mediante o acesso à informação, educação sexual integral e métodos
contraceptivos eficazes. Também prevê a legislação argentina nº
27.610/2021 que os profissionais da saúde devem garantir condições
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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

mínimas e respeito aos direitos das pessoas durante a realização do


aborto e também posteriormente à sua prática (ARGENTINA,
2021).
Diante disso, é possível compreender que a Ley de Acesso a La
Interrupción Voluntária del Embarazo, da Argentina, é pioneira no
contexto da América Latina no que diz respeito ao direito ao aborto.
Com isso, não apenas no campo das manifestações feministas, mas
também das previsões jurídicas, as argentinas servem de exemplo
para outros países latinos e auxiliaram a impulsionar essa pauta em
outros países tais como Brasil e México, conforme será a seguir
analisado.

O direito ao aborto no Brasil

Em relação à legislação brasileira, salienta-se que o Brasil,


assim como a Bolívia, o Chile, a Colômbia, o Paraguai, o Peru e a
Venezuela, adota uma postura intermediária quanto à legalização do
aborto. Isso quer dizer que, no geral, tal prática é manifestamente
ilícita. Entretanto, situações excepcionais, expressamente previstas,
autorizam sua realização, conforme se depreende da análise dos
artigos 124 a 128 do Código Penal.
Insta destacar, ainda, que o aborto foi tema discutido ao
longo dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte entre os
anos de 1987 e 1988, da qual resultou o texto constitucional então
vigente. Entretanto, em virtude da divergência de posições das
deputadas constituintes integrantes da bancada feminina, e “apesar
das discussões promovidas, e até mesmo das emendas populares
apresentadas, restou decidido que a questão não seria tratada no
texto constitucional” (RESENDE, 2021. p. 19).
Dessa maneira, o assunto é abordado pela legislação
infraconstitucional brasileira, em especial, pelo Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940. Seus artigos 124 a 127 tratam
das hipóteses de criminalização do aborto sendo, respectivamente:
o aborto praticado pela própria gestante ou quando esta consente
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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

para que outro lhe provoque (pena de detenção de um a três anos);


aborto praticado por terceiro sem o consentimento da gestante
(pena de reclusão de três a dez anos) ou com o seu consentimento
(pena de reclusão de um a quatro anos); e, de forma qualificada
(com pena aumentada de um terço ou duplicada), quando o
aborto resulta em lesão corporal grave ou morte da então gestante
(BRASIL, 1940).
Basicamente, existem três modalidades de aborto permitidas
pelo ordenamento nacional, sendo duas delas previstas expressamente
no artigo 128 da legislação penal, quais sejam, o aborto terapêutico
ou necessário, e o aborto eugênico ou eugenésico. Enquanto o
primeiro tipo diz respeito ao aborto realizado por médico em casos
de gravidez que causam complicações à manutenção da vida da
gestante, não havendo outro meio de salvar a sua vida, o segundo
tipo refere-se à gestação resultante da prática do crime de estupro
(BRASIL, 1940).
A terceira modalidade de aborto autorizada no Brasil foi
reconhecida pelo Poder Judiciário, visto que adveio do julgamento
de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Trata-se da ADPF nº 54, interposta pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Saúde no ano de 2004, que se refere à
prática de aborto em casos de comprovada anencefalia. Tal questão
submeteu-se à análise do Supremo Tribunal Federal e em 2012 foi
julgada procedente, de modo que restou autorizada a interrupção
gestacional diante da anencefalia por esta representar verdadeira
incompatibilidade do feto com a vida extrauterina (STF, 2012).
FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ
– MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA
– SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO
– DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME –
INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação
de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta
tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código
Penal. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em
julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade
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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez


de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126
e 128, incisos I e II, do Código Penal, nos termos do voto
do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro
Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das
respectivas notas taquigráficas (STF, 2012. p.1).
No entanto, no Brasil, o acesso ao aborto ainda é muito
obstaculizado, não havendo possibilidade de descomplicada
realização em hospitais, dadas as devidas ressalvas, de maneira que
muitas mulheres recorrem a clínicas clandestinas e submetem-
se a práticas perigosas, das quais pode haver complicações ainda
maiores (DINIZ; MEDEIROS; MADEIRO, 2016), podendo o
aborto, inclusive, ser considerado, ainda, uma importante causa de
mortalidade feminina no país.
Ademais, é sabido que o medicamento misoprostol,
originariamente comercializado para o tratamento de úlcera
péptica, é constantemente utilizado com finalidade abortiva no
Brasil, fenômeno este observado desde a década de 1980. Associado
a autoindução do aborto, é considerado eficaz para a interrupção
da gravidez em seu primeiro trimestre, apresentando baixa taxa de
complicações.
Admite-se que o misoprostol é utilizado por maioria jovem
ao longo das primeiras quinze semanas de gestação, sendo que, após
o sangramento decorrente do uso do medicamento, praticamente
metade das mulheres procuram por atendimento hospitalar “para
certificação do aborto completo e/ou tratamento das complicações”
(MACHADO; TAQUETTE, 2022. p. 3080).
[Tal medicamento, por ser] “uma prostaglandina, é
contraindicado para gestantes, pois induz contrações uterinas
devido à sua ação uterotônica. O conhecimento desse efeito
colateral rapidamente se espalhou e o medicamento foi vendido
em farmácias para mulheres que desejavam interromper a
gravidez entre 1986 e 1998. Em 1998, sua venda foi proibida
(MACHADO; TAQUETTE, 2022. p. 3080).
No entanto, destarte a proibição da venda do medicamento
ora mencionado, a sua comercialização acontece de maneira ilegal
22
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

ainda hoje, sendo, inclusive, uma alternativa bastante frequente


em razão do baixo preço e da “segurança” que oferece, apesar dos
riscos inerentes ao processo penoso. Ocorre que “a ilegalidade [...]
não impede a prática, estando relacionada à desigualdade social e
permanecendo como um problema de ordem global” (CARDOSO;
VIEIRA; SARACENI, 2020. p. 2).
Desse modo, no Brasil é constante a realização de aborto
de maneira desassistida, fazendo com que o fenômeno possa ser
considerado, de fato, um problema de saúde pública no país,
sobretudo nos contextos de maior vulnerabilidade em que há mais
mulheres jovens, não brancas e com baixo índice de escolaridade.
Por essa razão, e entendendo-se a criminalização do aborto
como uma verdadeira escolha política, “deve-se defender uma ação
sistêmica que aponte para uma interpretação evolutiva quanto
à prática abortiva” (RESENDE, 2021. p. 27). Isso significa ser
necessária uma integração entre a atuação legiferante do Poder
Legislativo, a interpretação dada às normas pelo Poder Judiciário
e, por fim, o desenho e promoção das políticas públicas do Poder
Executivo, especialmente quanto aos serviços prestados pelos
profissionais que compõem o Sistema Único de Saúde (SUS).

Descriminalização e direito ao aborto no México

É evidente que nas últimas décadas as conquistas obtidas


pelos movimentos feministas e de mulheres têm ganhado cada
vez mais destaque em toda a América Latina. Nesse contexto,
nos últimos anos, os debates referentes aos direitos sexuais e
reprodutivos vêm avançando e ganhando cada vez mais força e voz
nas discussões e agendas sobre os direitos das mulheres (BIROLI;
MACHADO; VAGGIONE, 2020), protagonizando inúmeras
conquistas em prol do direito à interrupção voluntária da gravidez
em vários países latino-americanos, como foi o caso da Argentina e
também do México.
Emergindo como uma questão ligada diretamente à saúde
23
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

pública, bem como aos direitos humanos, estudos comprovam


que a criminalização da realização do aborto está longe de inibir
a sua prática. Desse modo, cabe destacar que esse segue sendo um
procedimento amplamente realizado mesmo nos países em que a
sua prática é considerada ilegal – a exemplo do contexto brasileiro,
há pouco focalizado -, no entanto, a sua criminalização faz com que
esses sejam realizados de maneira ilegal, insalubre e insegura para as
mulheres (CATARINAS, 2021).
Nesse sentido, é imprescindível destacar que a criminalização
do aborto tem como uma de suas sérias consequências a manutenção
desse procedimento como sendo uma prática insegura e com grandes
e graves riscos para inúmeras mulheres, principalmente aquelas que
são negras, com baixo nível de escolaridade e que ocupam as classes
sociais mais baixas (ANJOS et al, 2013).
Sendo assim, são as mulheres negras, indígenas,
marginalizadas e periféricas as mais afetadas pela criminalização
do aborto, sobretudo pelo fato de que, normalmente, são elas que
não recebem orientações sobre direitos sexuais e reprodutivos,
sofrem com a ausência de informações sobre a correta utilização
de métodos contraceptivos, planejamento familiar, dentre outros
aspectos ligados à falta de acesso à informação e a serviços de saúde
adequados e de qualidade no local onde residem (ANJOS et al,
2013).
Diante disso, cabe ainda ressaltar que são muitas as
complicações resultantes de abortos clandestinos realizados de
maneira inadequada e em condições de insalubridade, o que pode
gerar sérios problemas para as mulheres que acabam por realizá-
lo nessas condições, como possíveis infecções, infertilidade e até
mesmo levar a sua morte (TERRA; FARIA; SOUZA, 2022).
Um dos países, na América Latina, que ainda criminalizava
essa conduta e mantinha as mulheres na clandestinidade era o
México, onde foram vislumbrados destacados avanços nos últimos
anos. Acerca do contexto mexicano, menciona-se que foi no dia 07
de setembro do ano de 2021 que a Suprema Corte de Justiça emitiu
24
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

uma decisão histórica na qual passava a considerar a punição pela


realização do aborto no país como sendo inconstitucional. Cabe
destacar que essa decisão foi julgada por unanimidade (EL PAÍS,
2021).
Sendo assim, naquele momento os ministros da Corte
Mexicana compreenderam que a condenação de mulheres que
optaram pela interrupção voluntária da gravidez era ilegal. Para
fundamentar tal decisão, foi apresentado que a Constituição
Mexicana não proíbe, de maneira expressa, a sua prática em seu texto
legal. Desse modo, seria então a criminalização desse procedimento
uma violação direta da autonomia sexual e reprodutiva das mulheres
mexicanas e que não mais poderia permanecer como sendo crime
(EL PAÍS, 2021).
Sobre essa decisão, destaca-se que:
A Suprema Corte do México descriminalizou o aborto, por
unanimidade pelos ministros reunidos em sessão plenária. “A
partir de agora não será possível processar nenhuma mulher
que faça aborto nos casos considerados por este tribunal”,
disse o presidente do tribunal, Arturo Zaldívar. Trata-se de
uma “nova via de liberdade, clareza, dignidade e respeito, e um
grande passo em frente na sua luta histórica pela igualdade e
pelo exercício dos seus direitos”, acrescentou (EL PAÍS, 2021,
s.p).
Apesar dessa decisão da Corte mexicana poder ser
considerada como histórica, e de fato o foi, é importante destacar
que não trouxe a descriminalização do aborto em todos os estados
do país. Isso porque, no México, os entes federados têm uma maior
autonomia legislativa, um poder legislativo local bastante forte, o
qual detém atribuições e poderes para formular e promulgar seu
próprio Código Penal, o que implica que haja alteração em cada
um desses entes de maneira isolada (MORALES; FELITTI, 2020).
Nesse sentido, então, para que o aborto seja legalizado e
descriminalizado em todo o território mexicano, é necessário que
haja alterações em todos os Códigos Penais locais e que, desse
modo, possibilitem em cada estado do México a realização da
25
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

interrupção voluntária da gravidez sem quaisquer punições para


aquelas mulheres que optem pela realização desse procedimento
(MORALES; FELITTI, 2020).
Além disso, cumpre apresentar que a realização do aborto
no México somente é legalmente permitida em nove dos seus trinta
e dois estados. O primeiro deles a descriminalizar a realização do
aborto foi a capital do México, no ano de 2007. Em seguida, os
estados Hidalgo, Veracruz, Oxaca, Guerrero, Colima, Sinaloa,
Baja California e Baja California Sur também avançaram e
modificaram seus próprios Códigos Penais, permitindo a realização
do procedimento em seus territórios (SOTO, 2021).
Nesse contexto, pode-se compreender que somente nesses
estados mexicanos acima citados as mulheres possuem liberdade
para decidirem pela interrupção voluntária de sua gravidez e não
sofrerem quaisquer penalidades por isso. Assim, elas podem optar,
até a décima segunda semana de gestação, pela realização de um
aborto legal e seguro, garantido nos termos da respectiva legislação
penal (SOTO, 2021).
No entanto, nos demais estados do país, esse procedimento
ainda é tratado como sendo ilegal e, por vezes, quase que totalmente
restritivo. Assim, nesses, a sua realização somente é permitida pela
lei mexicana nos casos em que há risco à vida materna, má formação
fetal ou em casos de violência sexual (SOTO, 2021), previsões,
inclusive, semelhantes àquelas da legislação brasileira.
Diante disso, cabe deixar destacado que ainda existem
penalizações severas para as mulheres mexicanas que optem pela
prática do aborto sob outras circunstâncias. Tais sanções podem
variar de quinze dias de prisão (pena de reclusão) no Estado de
Tlaxcala por exemplo, até seis anos, como ocorre no Estado de
Sonora (SOTO, 2021).
Sendo assim, se faz imprescindível mencionar que, apesar
da decisão prolatada pela Corte mexicana não modificar de
maneira direta e automática todos os Códigos Penais do país, a
despenalização do aborto pela Suprema Corte do México representa
26
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

um grande avanço, tendo essa sido uma decisão histórica e uma


importante conquista para as mulheres mexicanas e os movimentos
feministas latino-americanos (AMUCHÁSTEGUI et al, 2019).
Desse modo, essa decisão mexicana é importante pois abre
um novo precedente importante no país, vinculando juízes de
primeira instância - estaduais e federais - a seguirem a decisão para
casos semelhantes em todo o México, modificando seus códigos
penais. Além disso, abriu também a possibilidade da libertação de
mulheres que foram encarceradas, em diversos estados, por terem
realizado o procedimento nos últimos anos (TERRA; FARIA;
SOUZA, 2022).
Por fim, sobre a descriminalização e o direito ao aborto
no México, é necessário mencionar que, apesar de as mulheres
mexicanas ainda não terem alcançado de maneira plena seus
direitos de saúde sexual e reprodutiva em todos os estados do
país, as movimentações feministas e de mulheres na região foram
extremamente decisivas para a conquista desses últimos avanços
no país, além de impulsionar seu avanço para outros estados
mexicanos e também outros países da América Latina (TERRA;
FARIA, 2022).

Conclusão

Diante de tudo o que a presente pesquisa buscou aqui


apresentar, pode-se concluir que os movimentos feministas na
América Latina têm avançado bastante na defesa dos direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres, sendo que o direito ao aborto
se tornou uma das agendas mais desenvolvidas e defendidas por elas.
Dessa maneira, embora muitos países da região ainda mantenham
legislações restritivas no que diz respeito à interrupção voluntária
da gravidez, os avanços também vêm sendo bastante significativos.
Nesse sentido, conforme o trabalho procurou investigar, as
mulheres argentinas conquistaram esse direito no final de 2020,
enquanto o México passou a descriminalizar o aborto em alguns
27
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

de seus estados e avançou nessas discussões principalmente em


setembro de 2021. No entanto, no que diz respeito ao Brasil, a
prática abortiva continua sendo crime, garantida apenas em
situações excepcionais. Suas discussões encontram fortes obstáculos
para avançar, muito embora os movimentos feministas mantenham
suas lutas e sejam influenciadas pela “maré verde” argentina e
mexicana.
Segundo analisado, sobre essa questão, a Argentina pode
ser considerada pioneira quanto às campanhas e discussões pela
descriminalização do aborto e direito ao aborto legal na América
Latina. Dentro dessa pauta, a Argentina e o México são países
que passaram a prever a possibilidade de interrupção voluntária
da gravidez, no entanto, o Brasil ainda se encontra na contramão
dessas previsões, haja vista que aqui o aborto permanece crime,
permitido apenas em situações em que a gravidez é decorrente de
estupro, que tenha risco de vida para a gestante ou se comprovada
a anencefalia do feto.
Dessa forma, enquanto a criminalização do aborto ainda é
uma realidade, inúmeras mulheres no Brasil e em diversos países
da América Latina continuam morrendo e tendo complicações
gravíssimas, ano após ano, em decorrência da realização de
procedimentos clandestinos e inseguros e que, na maioria das vezes,
são realizados em locais insalubres e com péssimas condições de
higiene.
Sendo assim, conforme procurou-se demonstrar nessa
pesquisa, o caminho para a conquista dos direitos sexuais e
reprodutivos para as brasileiras é longo e árduo. Mas, como as
vitórias dos movimentos feministas frequentemente acabam por
fortalecer uns aos outros, as lutas das argentinas e mexicanas devem
servir de incentivo e respaldo para as reivindicações das brasileiras
que há tempos lutam pela conquista de seus direitos sexuais e
reprodutivos, bem como pela autonomia sobre seus próprios
corpos.
28
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

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Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

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Capítulo 2

CORPO INDESEJADO: A PROIBIÇÃO


REPRODUTIVA DAS MULHERES NEGRAS

Nathalia das Neves Teixeira1

Introdução
Luta diária, fio da navalha, marcas? Várias
Senzalas, cesáreas, cicatrizes,
Estrias, varizes, crises
Tipo Lulu, nem sempre é só easy
Pra nós punk é quem amamenta,
enquanto enfrenta guerra, os tanques
As roupas sujas, vida sem amaciante.
(Mãe – Emicida)2

N este ensaio teórico, o corpo reprodutivo será recortado


a partir da interseccionalidade de gênero e raça para
promover uma reflexão sobre as interferências opressoras que as
mulheres negras padecem no que concerne ao controle da sua
fecundidade, dado que o racismo patriarcal atua em direção contrária
aos seus direitos reprodutivos e sexuais livres de discriminação e
qualquer tipo de violência.
O biopoder, mediante suas políticas de reprodução,
1 Advogada. Pós-graduada em Direito Tributário pelo Grupo Educacional Verbo
Jurídico. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Escola
Superior do Ministério Público. Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). E-mail:nathalia.
neves@sou.unijui.edu.br
2 Obra musical “Mãe” de Emicida. Disponível em Emicida - Mãe (Videoclipe) -
YouTube
32
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

manutenção e extinção da vida, demarca quais corpos receberão


suporte para manutenção e prolongação da vida e quais serão
aprazados pela morte, conforme a perspectiva foucaultiana.
Portanto, cabe ao Estado estabelecer quais corpos serão considerados
reprodutivos e aptos à procriação de indivíduos saudáveis e,
quais corpos femininos terão violadas suas dignidades sexuais e
reprodutivas. E o questionamento introdutório que se faz é: quem
são esses corpos indesejados?
Os corpos indesejados sempre são objetos de intervenção
estatal, tanto que Janaína Aparecida Quirino3, mulher negra e
em situação de vulnerabilidade (situação de rua) foi submetida
à esterilização involuntária pelo Poder Judiciário, em razão da
gestão de morte grifada sobre os corpos negros pelo racismo
institucional incluso na estratégia de genocídio da população
negra. Aos corpos indesejados – aqui, os corpos negros - destina-se
a repressão reprodutiva em prol do “bem-estar social”, dado que a
sua inferioridade racial contamina a sociedade, conforme teorias
eugenistas.
Assim como Janaína, outras mulheres negras têm seus
corpos reprodutivos invadidos pela biopolítica como uma forma
de controle racial e genderificado das populações. Jurema Werneck
(2010, apud NIELSSON, 2022) é categórica ao revelar que as
mulheres não-brancas vivem a invasão dos seus corpos e o violento
controle da natalidade desde há muito tempo, por motivos raciais e
socioeconômicos. A mulher negra é reduzida ao seu útero, trazendo
as marcas do exercício da biopolítica nele desde o cenário colonial
com os estupros ocorridos na escravidão; ou na esterilização
compulsória ocorrida em massa nas décadas de 1970 e 1980;
ou na atualidade, por intermédio da criminalização do aborto
(NIELSSON, 2022).
Desta forma, como contribuição à crítica social, o estudo
busca promover uma reflexão acerca da repressão reprodutiva
3 MELLO, Kátia. Géledes no debate: “Não houve respaldo legal para esterilização
da Janaína”. Disponível em #GeledésnoDebate: “Não houve respaldo legal para a
esterilização de Janaína” (geledes.org.br). Acesso em 28 ago. 2022.
33
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

exercida sobre o corpo feminino negro. A partir disso, questiona:


como a intersecção raça e gênero insurge nos direitos (não)
reprodutivos destas mulheres?
O desenvolvimento deste artigo divide-se em três partes.
A primeira parte faz uma análise do controle biopolítico sobre o
corpo feminino a partir do cortejo da teoria de Michel Foucault,
entende-se a reprodutividade como um instrumento de biopoder
que irá demarcar quais os corpos indesejados para a reprodução.
Vislumbra-se uma desproporcionalidade perversa da gestão estatal
na reprodutividade das mulheres negras, vez que cria empecilhos
governamentais no exercício pleno dos direitos reprodutivos deste
grupo social, articulando uma repressão reprodutiva do corpóreo
negro. Ao final, se propõe a considerar a Justiça Reprodutiva como
instrumento para promoção da dignidade reprodutiva das mulheres
negras, observando todo o contexto social que estão inseridas a
partir das suas interseccionalidades associada à dimensão da justiça
social.
Em perspectiva metodológica, o estudo utiliza o método de
abordagem hipotético-dedutivo centrado na pesquisa bibliográfica,
cortejando bibliografias que abordem sobre as temáticas
desenvolvidas no presente ensaio.

Direitos reprodutivos e o controle biopolítico do corpo


feminino

Os direitos reprodutivos emergem no ano de 1994, na


Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento,
realizada no Cairo pela ONU. A Conferência de Cairo, como
é conhecida, remaneja a reprodução humana para o âmbito
dos direitos humanos, reconhecendo os direitos reprodutivos
e a saúde sexual da mulher como fatores determinantes para o
desenvolvimento dos países e para promoção da qualidade de vida
dos indivíduos. Neste sentido, o planejamento familiar, a redução
da mortalidade infantil e materna e o reconhecimento do aborto
34
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

inseguro como um problema grave de saúde pública foram pautas


da Conferência (ONU, 1994).
Nos termos do Texto Integral do Relatório da Conferência
de Cairo, a saúde reprodutiva é definida como:
7.3 A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não simples a ausência de doença ou
enfermidade, em todas as matérias concernentes ao sistema
reprodutivo e a suas funções e processos. A saúde reprodutiva
implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida
sexual segura e satisfatória, tenha a capacidade de reproduzir
e a liberdade de decidir sobre quando, e quantas vezes o deve
fazer. Implícito nesta última condição está o direito de homens
e mulheres de serem informados e de ter acesso a métodos
eficientes, seguros, permissíveis e aceitáveis de planejamento
familiar de sua escolha, assim como outros métodos, de sua
escolha, de controle da fecundidade que não sejam contrários
à lei, e o direito de acesso a serviços apropriados de saúde
que dêem à mulher condições de passar, com segurança, pela
gestação e pelo parto e proporcionem aos casais a melhor
chance de ter um filho sadio [...] (ONU, 1994, p.178).
Nesta perspectiva, a IV Conferência Mundial sobre a Mulher,
ocorrida em Pequim no ano de 1995, ratificou a abrangência dos
direitos humanos no que concerne ao controle próprio sobre
a saúde sexual e reprodutiva da mulher, legitimando a sua livre
escolha sobre essas questões sem que haja coerção, discriminação e
violência, respeitando a sua integridade (ONU, 1995).
Inclusive, neste sentido, Lima aduz que:
Os direitos sexuais preconizam o exercício da sexualidade livre
de discriminação e violência. Os direitos reprodutivos, por
sua vez, baseiam-se no reconhecimento da capacidade de cada
indivíduo de organizar livremente sua vida reprodutiva, ou
seja, escolher o número de filhos que deseja ter e o espaçamento
entre eles, ter acesso a métodos contraceptivos, a tratamentos
de fertilidade e a informações necessárias para que possam
desfrutar do mais alto padrão de saúde sexual e reprodutiva
(2014, p.335).
Os direitos reprodutivos incorporam a luta constante das
35
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

mulheres em manifesto ao controle social sobre seus corpos, sua


fecundidade é objeto de gerência estatal, sendo manuseada de forma
indignada. As práticas de controle reprodutivo sobre os corpos é
um legado colonial que mantém a inexistência da gestão feminina
sobre os seus direitos sexuais e reprodutivos, a corporalidade
feminina sob o prisma social e político tem como fito satisfazer o
prazer alheio ou produzir vidas a partir da escolha do outro (Estado,
sociedade e cônjuge).
Inicialmente, o corpo feminino passa pela gestão paternal
através do resguardo da sua virgindade e imacularidade até o
casamento, posteriormente, a esfera sexual e reprodutiva passa ser
objeto de gerência matrimonial, o que nos faz compreender que o
corpo feminino é de domínio privado e masculino, a domesticidade
feminina inclui a propriedade do outro sobre o seu corpo. A
privacidade das relações de poder exercida pelo matrimônio
mantém o controle marital sobre o corpo feminino, todavia,
quando a esfera pública transcende a vida privada, o Estado passa
a dominar a corporalidade feminina por intermédio de medidas
públicas de controle de natalidade (DEL PRIORE, 2020).
O domínio da produção e reprodução de vidas pelo Estado
deve ser considerado um dos cernes da biopolítica, termo originado
por Michel Foucault que visualizava a insurgência do poder estatal
sobre a vida dos indivíduos atuando como instrumento regulador.
Para o filósofo francês (2010), a biopolítica é uma ferramenta
de poder por meio da qual controla a vida da população por
intermédio de uma política de fazer viver alguns e deixar morrer
outros. Salienta-se que o “fazer viver” representa a assistência estatal
na promoção de direitos básicos para a manutenção da vida, em
contraponto, o “deixa morrer” é a inacessibilidade destes direitos.
Em uma linguagem pragmática, a biopolítica pode ser
compreendida como uma técnica de controle social da população
com o objetivo de “fazer viver” a partir da gestão sobre a saúde,
sexualidade, natalidade e mortalidade desse coletivo por meio
de políticas públicas que mantenham a gerência sobre essas
vidas. Valendo-se do conceito de biopoder de Foucault (2010)
36
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

como habilidade de gerir a vida, a interferência estatal se dá nos


processos biológicos dos indivíduos. Para Wichterich (2015, p.25),
a biopolítica deve ser percebida como “conjunto de técnicas e
estratégias de governança para construção de poder que orienta
e controla os corpos, a saúde e a vida de uma população inteira
através da reprodução, fertilidade e mortalidade”.
Inclusive, Zirbel (2019, apud NIELSSON, 2022) dialoga
que o controle executado por tecnologias do poder sobre as fases da
vida humana tem dois objetivos distintos, porém entrelaçados: o
indivíduo, vinculado ao corpo, e o coletivo, associado à população.
Em razão dessa interligação, o olhar governamental passou a ter
interesse na intervenção sobre a produção de vida de determinados
grupos – socialmente entendidos como corpos desejáveis, superiores
e bons –, e a repulsão reprodutiva de grupos que representassem o
oposto daquilo que era aceitável no tecido social.
Nielsson (2022, p.21) alertará que “a reprodução passa a
ser reprodutividade, constituindo um dispositivo com o objetivo
de produzir a própria vida e as condições para o “deixa viver” a
serviço do patriarcalismo”. Sendo assim, a reprodutividade como
dispositivo politiza a vida e reduz as mulheres aos seus úteros,
consequentemente, retira delas a autonomia reprodutiva que passa
a ser conduzida pelo biopoder. Em consequência da gestão da vida
reprodutiva das mulheres, tem-se a criação e distinção de sujeitos
reprodutivos e sujeitos (in)reprodutivos.
A soberania do Estado se faz presente no controle social
exercido sobre os corpos desejáveis que irão gestar e quais as vidas
que serão geradas, vez que o poder é “biopatriarcalista”, ou seja,
“masculino, branco, colonial, heteronormativo e neoliberal”
(NIELSSON, 2022, p.23). Desta forma, o biopatriarcalismo
seguirá uma lógica de hierarquização sobre os corpos reprodutivos,
estabelecendo um comando decretório de quais úteros são dignos
de reprodução e quais devem padecer da repressão reprodutiva,
neste sentido, Nielsson aduz:
A reprodutividade biopatriarcalista estabelece a hierarquização
37
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

e a distinção valorativa das vidas humanas a partir de diferenças


biológicas, e o útero figura como elemento fundamental tanto
do corpo individual quanto do corpo espécie. Sua gestão
consolida a exceção e o limiar entre inclusão e exclusão,
vinculando o direito e a vida e gerindo o cancelamento da
vida em nome do direito ao distinguir úteros digno e úteis à
reprodução daqueles inúteis (2022, p.23-24).
A biopolítica entrelaça a reprodução humana ao controle
populacional, o que consequentemente, insurge sobre os corpos
das mulheres como personificação dos úteros, o poder passa a
controlar o corpo reprodutivo. Portanto, as mulheres – por meio
de políticas públicas – perdem o domínio sobre o seu próprio
útero, o Estado apodera-se do corpo feminino para executar suas
práticas de controle reprodutivo a fim de que haja um controle de
natalidade (NIELSSON, 2022). Entretanto, o que está no pano
de fundo desta gestão estatal do direito reprodutivo das mulheres
é o controle sobre as espécies de vidas humanas que serão geradas,
vez que a biopolítica brasileira preza por uma “boa sociedade”
composta de raças puras e higiênicas.
Neste marco, atenta-se que biopolítica não tem apenas o
intento de gerenciar vidas, mas também, exercer uma soberania
sobre a morte de corpos considerados inferiores e indesejados
no cenário social. E este entendimento, implica nos marcadores
de gênero, raça, classes e demais que concorrem na produção de
mortes diretas (findar da vida) e mortes indiretas (encarceramento
em massa, esterilização forçada e etc) de corporalidades indesejadas
para o Estado (NIELSSON, 2022).
O “deixar morrer” de Foucault intersecciona com a
necropolítica de Achille Mbembe (2018) quando unificamos o
gerenciamento da vida e a gestão da morte de determinados corpos,
as tipografias de crueldade exercidas pelo Estado produzem a morte
prematura e indireta de grupos sociais considerados minoritários.
De acordo com Nielsson (2022, p.25), a “necrobiopolítica”
decretará “quem nasce, quando nasce, como nasce e, assim, sobre
os úteros que gestam tais vidas, tornando os elementos de gênero e
38
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

raça imprescindíveis à compreensão desses fenômenos”.

Repressão reprodutiva do útero negro

Os direitos reprodutivos das mulheres são legitimados pela


gestão biopolítica a partir do gênero, raça, classe, sexualidade,
capacitismo e demais marcadores que irão direcionar os corpos
indesejados à proibição reprodutiva, e os corpos desejáveis à
reprodução, bem como as restrições para laqueadura e proibição do
aborto (NIELSSON, 2022). Irrefutavelmente, o biopatriarcalismo
é algoz da liberdade reprodutiva, institucionalmente não garante
uma saúde reprodutiva sadia e satisfatória às mulheres.
Ao citar Foucault, Silvio Almeida (2021, p.115) vai dizer
que “a emergência do biopoder inseriu o racismo como mecanismo
fundamental do poder do Estado”, o que introduz o elemento racial
na discussão para melhor compreensão do exercício da biopolítica
no controle da fecundidade das mulheres negras. A hierarquização
racial produzida pelo racismo indicará quais indivíduos serão
expostas à morte e quais terão acesso às ferramentas de manutenção
da vida.
O racismo é a sequela sistêmica da operabilidade estrutural
na sociedade, disseminado por um processo histórico e político que
implica na formação dos Estados e na reprodução de discriminações
aos grupos sociais. Em dimensão institucional, habitualmente
é representado pelo Estado que produz técnicas de inserção do
racismo no âmbito social e nas suas instituições (ALMEIDA,
2021). A estrutura social mantém e se renova a partir do racismo, as
instituições e os indivíduos de forma naturalizada perpetuam essas
discriminações, resultado da demanda social, histórica e cultural
que abaliza a população negra à animalização, destituindo o seu
status humano para obstaculizar o exercício da sua dignidade.
A exequibilidade da reprodução de práticas discriminatórias
de cunho racista está intrínseca na organização política, econômica
e jurídica da sociedade, o racismo cria cenários sociais para que
39
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

os grupos identificados racialmente sejam discriminados de uma


maneira sistemática (ALMEIDA, 2021).
Portanto, essa seção direciona sua análise ao segmento
negro feminino que tem sua autonomia reprodutiva ceifada pela
gestão biopolítica sexista, racista e capitalista que reduz as mulheres
negras ao corpo execrado para reprodução, bem como as expõem às
inúmeras violências (aborto clandestino, esterilização compulsória
e violência obstétrica) e morte. O racismo e sexismo em conjuntura
com o classismo causam uma espécie de anóxia no corpóreo negro,
o que sinteriza as mulheres negras à subjugação, marginalização e
objetificação.
Sob os males do racismo patriarcal, as mulheres negras
carregam as marcas do controle biopolítico sobre seus direitos
sexuais e reprodutivos desde o cenário colonial que se solidificou da
exploração sexual do segmento negro, sendo as mulheres vítimas de
estupro pelos senhores brancos durante a escravidão como forma
de garantir o embranquecimento da população. O fim do regime
escravista representou em tese a liberdade dessas mulheres, todavia,
a inferioridade racial interseccionada ao gênero permaneceu
colocando-as numa posição de submissão ao controle reprodutivo,
visto que as ideologias racistas se reproduziam através de teorias
raciais, a fim de reduzir os corpos negros no contexto social por
intermédio do desenvolvimento de tecnologias médicas, biológicas
e simbólicas (ZADROSKI, 2019).
Paul Gilroy citado por Almeida (2021) nos ensinará que a
reprodução das diferenças esteada em raça e gênero dependerá do
controle socioestatal sobre os corpos das mulheres, já que a nação
é constituída por uma tecnologia de poder que se utiliza da raça
e gênero para estabelecer hierarquias raciais. Neste sentido, um
dos objetivos da eugenia era a eliminação da comunidade negra e
pobre através do seu controle populacional. No projeto eugênico, a
maternidade era vista como miolo da reprodução de uma população
saudável, higiênica, branca e rentável, o que refletia no aumento do
domínio público sobre reprodutividade feminina.
40
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

O controle socioestatal é estruturado em uma ideologia


sexista e racista interpelando a saúde e autonomia reprodutiva da
mulher negra, consequentemente, atingindo os serviços prestados
pelas instituições no que concerne à saúde sexual e reprodutiva
deste grupo racial, sendo expostas ao racismo institucional velado
nos tratamentos preconceituosos e desiguais dentro do sistema de
saúde.
A intervenção estatal no corpo da mulher negra é almejada
como ferramenta preventiva à produção de indivíduos marginalizados
assim considerados em razão da sua raça, Sueli Carneiro (2011,
apud STURZA; NIELSSON; ANDRADE, 2020, p.21) dirá que
as mulheres negras no imaginário social são responsabilizadas pela
perpetuação de um segmento marginal, indesejado e violento,
como se fossem “fábricas de produzir marginais”. Por essa razão, o
biopatriarcalismo entende que as mulheres negras devem amargar
a repressão reprodutiva, sendo seus corpos alvos preferenciais da
intervenção do estado em prol da “boa sociedade”.
Janaína Aparecida Quirino4 é um exemplo atual de corpo
indesejado, mulher negra em situação de rua, moradora do interior
de São Paulo, município de Mococa, foi submetida no ano de 2018
ao processo de esterilização compulsória autorizado pelo Poder
Judiciário no ano anterior (STURZA; NIELSSON; ANDRADE,
2020). A esterilização compulsória, muitas vezes denominada
de esterilização forçada, consiste na esterilização cirúrgica sem
consentimento prévio da paciente, prática benquista pela gestão
biopolítica para impedir a procriação de corpos malquistos,
entende-se também, como um dos métodos de genocídio negro no
tecido brasileiro.
A assistência social e as equipes de saúde do município
de Mococa recomendaram a realização da laqueadura tubária de
Janaína como método contraceptivo para gestações indesejadas, em
razão da sua dependência química, alto número de filhos e ausência
4 VASQUES, Lucas. Autos do processo confirmam: laqueadura de Janaína foi feita
contra a vontade dela. Revista Forum. Brasil, 2018. Disponível em: caso-janaina-
laqueadura.compressed.pdf (revistaforum.com.br) Acesso em 17 set. 2022.
41
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

de residência fixa, dado que vivia em situação de rua, conforme


fundamentação jurídica do Ministério Público em sede de Ação
Civil pública com pedido de antecipação de tutela.
Em breve síntese, a antecipação de tutela foi deferida,
contudo, o procedimento no primeiro momento não foi realizado
em razão da Janaína já estar grávida. Desta forma, o Ministério
Público requereu a realização da laqueadura tubária no momento
do parto, assim, no ano de 2018, Janaína deu à luz e foi esterilizada,
conforme pedido liminar deferido contrário à sua vontade e à lei.
Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo5 revogou
a decisão em momento posterior à esterilização que intercessão
indevida do Estado sobre seu corpo lhe retirou a capacidade gerar
vida em total violação aos seus direitos sexuais e reprodutivos
(STURZA; NIELSSON; ANDRADE, 2020).
Janaína é apenas uma das várias mulheres negras que
foram vítimas da repressão reprodutiva do Estado, que lida de
maneira positiva com o descarte daqueles corpos que não atendem
suas expectativas sociais. A esterilização compulsória é uma das
marcas da biopolítica no corpóreo negro, política implementada
às mulheres no Brasil como uma forma de planejamento familiar
nas décadas de 1970 e 1980. As mulheres negras representavam
o maior contingente feminino esterilizado no território nacional,
visto a superioridade dos seus índices quando comparados aos
dados das mulheres brancas.
A política foi implementada com apoio de organizações
internacionais que correlacionavam o aumento populacional à
pobreza do “terceiro mundo”, alinhado à inexistência de políticas
públicas nacionais que difundissem o acesso à informação e os meios
contraceptivos para o controle da fertilidade, o que direcionou
muitas mulheres a optar pela esterilização médica (NIELSSON,
2022; ZADROSKI, 2019). Por trás dessa esterilização em massa,
havia uma política eugênica direcionada à população negra,
5 SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. (8ª Câmara de Direito Público). Apelação nº
1001521-57.2017.8.26.0360. Relator Des. Paulo Dimas Mascaretti. São Paulo, 23
de maio de 2018.
42
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

evidente a partir da análise dos números de intervenções realizadas


em estados com maior número de contingente negro, como no
Maranhão, que possuía 79,8% de mulheres esterilizadas em idade
reprodutiva em 1986, enquanto que no estado de Santa Catarina o
índice representava 30,9% em razão da população negra ser menor,
de acordo com a pesquisa de Zandroski (2019).
O controle da reprodução da população negra e pobre como
ferramenta de prevenção ao aumento populacional destes grupos
sociais concominado com o racismo institucional foi objeto da
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI requerida pela
deputada federal Benedita da Silva para investigar a esterilização
em massas das mulheres no Brasil, após a atuação das feministas
negras em relação as denúncias de controle de natalidade contra sua
comunidade. Eliane Cruz (2018) em reportagem ao The Intercept
Brasil6 vai dizer que as esterilizações forçadas em pobres – na sua
maioria, negros – não é algo fora dos padrões diante do histórico
do povo brasileiro.
Em conclusão, o relatório final da CPMI evidenciou que:
[...] não havia uma política voltada à saúde da mulher no
Brasil; existia interesse internacional na implementação do
controle demográfico; as agências controlistas internacionais
forneciam recursos financeiros às nacionais e o Estado
não tinha, até então, definido critérios para a prática da
esterilização no país. Os membros da CPMI não confirmaram
a tese defendida pelo movimento negro e pelas ativistas de que
a esterilização cirúrgica foi direcionada às mulheres negras na
década de 1980 com o objetivo de controlar a natalidade desse
grupo populacional no Brasil. Por outro lado, os membros da
CPMI concordaram com o fato de que não havia até aquele
período, estatísticas oficiais satisfatórias que desagregassem por
raça os aspectos relacionados à saúde da população brasileira
(BRASIL, 1993 apud DAMASCO, 2017, s.p).

6 CRUZ, Eliane Alves. “O caso Janaína me lembrou que o Brasil já fez esterilização
em massa com apoio dos EUA. Reportagem publicada em 2018 no The Intercept.
Disponível em: Governo brasileiro já fez esterilização em massa (theintercept.com).
Acesso em 2022.
43
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

Não obstante a visibilidade da esterilização compulsória,


as mulheres negras permaneciam sendo os principais sujeitos
das políticas governamentais de controle natalidade no território
nacional, dado que para uma grande parcela social as vidas que
serão geradas por elas representam o crescimento da pobreza e
violência urbana, em razão disso há sempre o desejo estatal de
coibir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres negras
com a finalidade de “ estancar o nascimento de seres humanos
considerados potenciais marginais” (SILVA, 2019, apud STURZA,
NIELSSON; ANDRADE, 2020, p.23).
Como corpóreo indesejado, as mulheres negras são colocadas
à mercê das zonas de esterilização involuntária, clandestinidade
do aborto e violências obstétricas, a precarização das suas vidas é
refletida no controle exacerbado do estado contemporâneo sobre
sua liberdade sexual e reprodutiva como um dos meios de prevenção
do aumento do contingente negro no tecido social.

Justiça reprodutiva: um suspiro na repressão reprodutiva


negra

A Conferência Internacional sobre a População e


Desenvolvimento no Cairo em 1994 criou o termo Justiça
Reprodutiva, o movimento de mulheres negras latinas, indígenas,
estadunidenses e asiáticas entende que este termo reconheceria as
especificidades das mulheres, bem como os contextos que estão
devidamente inseridas e os atravessamentos do patriarcalismo,
racismo, classismo e demais opressões correlatas.
O conceito de Justiça Reprodutiva condiz ao combate às
formas de violências contra as mulheres, assim como fácil acesso aos
recursos sociais, políticos e econômicos para que todas as mulheres
– enquadrando as suas especificidades – possam exercer de maneira
saudável seus direitos sobre seus corpos, reprodução e sexualidade.
A Justiça Reprodutiva emerge das vivências das mulheres nas
intersecções de raça, classe e gênero que causam impactos na sua
44
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

liberdade reprodutiva, como anteriormente arrazoado, os corpos


acorrentados pelo racismo patriarcal não exercem quaisquer
direitos relacionado à reprodução (BRANDÃO; CABRAL,
2021). Portanto, podemos sintetizar a Justiça Reprodutiva como
promotora de um cenário político que viabiliza o englobamento da
justiça e dos direitos humanos às diversas narrativas e aspirações das
mulheres, aqui, as mulheres negras.
Há uma urgência alarmante em defender a autonomia
sexual e reprodutiva das mulheres negras que vivem uma constante
luta para a manutenção e prolongação da sua vida, dado que as
circunstâncias sociais restringem suas possibilidades de escolhas.
A recuperação da dimensão de justiça social se torna ainda mais
importante nesta conjuntura social em que a gestão biopolítica
negligencia as necessidades reprodutivas do corpóreo feminino.
Compreende-se que não se pode falar em autonomia
reprodutiva quando há grandes obstáculos estruturais que
proíbem e impedem essa escolha, o que promove ainda mais as
desigualdades sociais. “Tal compreensão implica o descentramento
da responsabilidade das próprias mulheres por sua (in)capacidade
de gerir sua vida sexual e reprodutiva; e obriga o Estado a ampará-
las em algo que alude à reprodução da vida em sociedade”
(BRANDÃO; CABRAL, 2021, p.7).
A Justiça Reprodutiva dá ênfase ao contexto social, vez
que os direitos reprodutivos direcionam seu panorama à escolha
individual sem visualizar as maneiras que o Estado disciplina
determinados corpos e regula a procriação de determinadas
populações. A abordagem desta justiça reconhece todos os contextos
de vulnerabilidades no empreendimento de cidadania das mulheres
(NORONHA, 2016).
A Justiça Reprodutiva seria o aparato adequado para
interligar a perspectiva da justiça social aos paradigmas da
interseccionalidade, o que promoveria a contemplação das
especificidades das mulheres e efetivaria os direitos reprodutivos e
sexuais idealizados pelos direitos humanos, uma vez que a gravidez,
45
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

a contracepção e o aborto estão envoltos pela teia das relações


sociais que compõe a vida em sociedade. Essa justiça incorporaria
– de maneira explícita e ampla – a demanda de garantia de direitos
sociais e econômicos em fusão aos direitos sexuais e reprodutivos,
inviabilizados pela ausência de estrutura social que sustente à saúde
sexual e reprodutiva das mulheres, sobretudo, as mulheres negras
(BRANDÃO; CABRAL, 2021).
Em complemento, Goes (2017, s.p) dirá que:
A garantia dos direitos reprodutivos pressupõe, para além do
acesso humanizado e integral aos serviços de saúde reprodutiva,
a garantia de direitos mais amplos como acesso a emprego,
saneamento básico, educação, moradia e habitação. Para que
os direitos reprodutivos sejam plenos, será preciso enfrentar
o racismo patriarcal, colocando essas garantias no centro das
lutas e reivindicações dos movimentos feministas, de mulheres
e negros, assim como no centro das políticas públicas que
precisam efetivamente utilizar a lente interseccional para
enxergar todas as mulheres nas suas diversidades, identidades
e opressões.
A desatenção à saúde sexual e reprodutiva das mulheres
negras acompanha-as desde o período colonial, reduzidas ao status
de marginalização e subjugação, seus corpos não são encarados
como aptos à reprodução, sendo repreendidos no exercício da sua
fecundidade. A interseccionalidade que atravessa essas mulheres
deveria estar aliada à perspectiva da Justiça Reprodutiva para que
assim haja possíveis enfrentamentos às violações dos seus direitos
sexuais e reprodutivos como formas de remediar ou reduzir a
produção de desigualdades raciais, de gênero e sociais.

Conclusão

A instrumentalização do corpo feminino passa pelo


controle biopolítico da sua saúde sexual e reprodutiva, o que reduz
as mulheres aos seus úteros com o intuito de controlar e coibir a sua
procriação. Algoz da autonomia reprodutiva do corpo feminino,
o biopatriarcalismo demarcará quais corpos são desejáveis e
46
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

indesejados para reprodução, assim, estabelecendo um recorte


populacional específico das vidas benquistas dentro da sociedade
que preza por um bem-estar social.
Marcadas como “fábricas de produzir marginais”, as
mulheres negras são o principal alvo da gestão biopolítica sobre sua
fecundidade, vez que perante o imaginário social a sua procriação
resultaria em aumento de pobreza e violência urbana, o que as
destina à repressão reprodutiva. Efeitos de um racismo institucional
e patriarcal que se alimenta da sua marginalização, subjugação e
objetificação, aos corpos indesejados não há livre autonomia para
parir, e quando parir será com dor e com marcas.
O presente artigo se propôs a refletir acerca da proibição
reprodutiva das mulheres negras dentro do cenário brasileiro, em
análise constatou-se de maneira crítica que a interseccionalidade
raça, gênero e classe promove uma asfixia social nas mulheres negras
que não tem qualquer controle sobre o seu corpo reprodutivo, a
esterilização compulsória é o instrumento encontrado pelo racismo
institucional para ceifar a produção de vidas negras na “boa
sociedade”. Em exemplo prático, Janaína Aparecida Quirino foi
citada como corpo (in)reprodutivo para o Judiciário, equipes de
saúde e assistência social do Município de Mococa.
Em resposta a problemática apresentada, vislumbra-
se na Justiça Reprodutiva o aparato para a livre reprodução de
mulheres negras dentro da dimensão de justiça social cotejada
com as especificidades relacionadas às diversas mulheres na sua
integralidade. A saúde reprodutiva e os direitos reprodutivos
estariam efetivamente alinhados aos direitos humanos quando
incorporados às interseccionalidades que atravessam os corpos
reprodutivos, desse modo, viabilizando o amadurecimento de
políticas públicas pelas mulheres e para elas, sobretudo, para a
corporalidade negra feminina que permanece nas mãos do controle
biopolítico através da esterilização compulsória, do encarceramento
em massa ou chorando a morte dos seus filhos assassinados pela
violência policial.
47
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

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Capítulo 3

GÊNERO E CONSUMO: UMA ANÁLISE DOS


FATORES QUE LEVAM AS MULHERES AO
CONSUMISMO DESENFREADO

Marli Marlene Moraes da Costa1


Maria Victória Pasquoto de Freitas2
Georgea Bernhard3

Introdução

A emancipação feminina trouxe inúmeros avanços, no que


concerne a liberdade de escolhas das mulheres dentro
do contexto cultural que vivem. A partir do ingresso na força de
trabalho, a participação nos ambientes acadêmicos e a nova posição
de mulher como chefe de família, pode-se perceber profundas

1 Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, com Pós
Doutoramento em Direitos Sociais pela Universidade de Burgos-Espanha, com Bolsa
Capes. Professora da Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade
de Santa Cruz do Sul-RS- UNISC. Coordenadora do Grupo de Estudos Direito,
Cidadania e Políticas Públicas. MBA em Gestão de Aprendizagem e Modelos Híbridos
de Educação. Especialista em Direito Processual Civil. Psicóloga com Especialização
em Terapia Familiar Sistêmica. Membro do Conselho do Conselho Consultivo da
Rede de Pesquisa em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Membro do Núcleo
de Estudos Jurídicos da Criança e do Adolescente – NEJUSCA/UFSC. Membro do
Conselho Editorial de inúmeras revistas qualificadas no Brasil e no exterior. Autora
de livros e artigos em revistas especializadas
2 Advogada, Mestra em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC),
Graduada em Direito pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP),
integrante do Grupo de Estudos Direito, Cidadania e Políticas Públicas da UNISC.
3 Mestranda em Direito pelo Programa da Pós-Graduação em Direito Mestrado e
Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, área de concentração
em Direitos Sociais e Políticas Públicas, na Linha de Pesquisa Políticas Públicas de
Inclusão Social, com bolsa PROSUC/CAPES, modalidade II. Graduada em Direito
pela mesma universidade. Pós-graduada em Ciências Criminais pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG, integrante do Grupo de Estudos
Direito, Cidadania e Políticas Públicas da UNISC, vinculado ao PPGD da UNISC.
52
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

mudanças na forma como a mulher se apresenta na sociedade.


O papel de mulher reclusa, subalterna e dependente do
marido, ainda sobrevive, porém é cada vez mais raro deparar-se
com esta realidade. A mulher do século XXI, é marcada por outras
características que transcendem o espaço privado do lar, e hoje
pode-se considerar que as mulheres são, preponderantemente, as
maiores consumidoras do mercado e que é este público feminino
que faz girar grande parte da economia brasileira.
Contudo, há que se analisar o surgimento desta onda de
consumo e quais as motivações para consumir certos produtos.
Com isso, faz-se necessário questionar “Quais fatores influenciam
para a compra compulsiva das mulheres?” A presente pesquisa tem
como objetivo geral, compreender a emancipação feminina dentro
do sistema capitalista e de consumo e como objetivos específicos,
analisar os fatores que levam ao consumismo emocional.
Os movimentos feministas intensificados nos anos noventa,
travaram constantes lutas a fim de questionar o sistema pré-
estabelecido, buscando novos paradigmas para construção de uma
sociedade mais igualitária e liberal, no que concerne a direitos
sexuais de gênero. Hodiernamente, o Brasil vive um capitalismo
neoliberal construído sob raízes machistas e patriarcais que ainda
questionam o papel da mulher na sociedade.
Conquistas históricas como o direito ao trabalho externo, a
frequentar ambientes escolares e acadêmicos e ao sufrágio universal,
demonstram como a luta feminista vem influenciando diretamente
na emancipação feminina. Contudo, se faz necessário questionar
se a sociedade capitalista, neoliberal e de consumo, influencia no
aprisionamento ou liberdade real das mulheres.
Considerando que a emancipação feminina representa
a constante luta de mulheres por direitos através dos tempos,
há que se considerar a deturpação de conceitos promovida pela
modificação dos modelos econômicos e políticos ocorridos nos
últimos anos. Isto é, a modificação de paradigmas e ideários acerca
do que constitui uma mulher emancipada.
53
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

A pós-modernidade apresenta-se como a sociedade da


tecnologia e do reconhecimento de direitos humanos, porém até
que ponto é possível concretizar as promessas de um novo mundo
com igualdade, sustentabilidade e liberdade; considerando os
parâmetros neoliberais, consumistas e segregadores, que tornam
o consumo a principal ferramenta para criação do senso de
pertencimento a uma comunidade.
A emancipação feminina4 propagada, é capaz de encarcerar
as mulheres em um outro nível de opressão criada pelo patriarcado.
O capitalismo e as relações de mercado hoje vigentes, foram
construídas por mãos masculinas, representando de forma indireta
a segregação de gêneros do passado.
A análise do comportamento das mulheres enquanto
consumidoras, reflete as raízes sob as quais a cultura brasileira foi
construída. As relações de consumo e, principalmente, as motivações
para compras emocionais, merecem atenção, tendo em vista que
são paradigmas de beleza e expectativas sociais que, diversas vezes,
levam ao consumo inconsciente, impactando diretamente na
qualidade de vida e autoestima dessas pessoas.

A emancipação feminina no capitalismo

A era da tecnologia e informação colaborou significativamente


com a incorporação de novas formas de consumo, em razão dos
diversos meios que foram surgindo a fim de estimular o perfil
consumista da população. Nesse aspecto, se faz o recorte de gênero,
visto que as mulheres são mais penalizadas por esse cenário em
razão do “ideal feminino”, resultado de uma construção social que
envolve à mulher em um contexto de beleza, como pressuposto de
uma posição social privilegiada por “ser bonita”.
A comparação do papel da mulher dentro de sistemas
capitalistas diferentes auxilia na indicação de “[...] até que ponto
a interiorização social da mulher decorre de uma necessidade

4 A emancipação feminina aqui referida, diz respeito a mulher branca de classe média.
54
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

estrutural do sistema capitalista de produção ou da mera persistência


de uma tradição cultural, na qual a mulher representava um ser
submisso [...]” (SAFFIOTI, 1976, p. 12). Nesse sentido,
Por um lado, o capitalismo global, mais que um modo de
produção, é hoje um regime cultural e civilizacional, portanto,
estende cada vez mais os seus tentáculos a domínios que
dificilmente se concebem como capitalistas, da família à
religião, da gestão do tempo à capacidade de concentração,
da concepção de tempo livre às relações com os que nos estão
mais próximos, da avaliação do mérito científico à avaliação
moral dos comportamentos que nos afectam. Lutar contra
uma dominação cada vez mais 12 epistemologias do sul
polifacetada significa preversamente lutar contra a indefinição
entre quem domina e quem é dominado, e, muitas vezes, lutar
contra nós próprios (SANTOS; MENESES, 2009, p. 12).
Repensar o lugar da mulher dentro do capitalismo
neoliberal latino-americano, implica em associar questões de sexo
e poder e a atuação da mulher no mercado e na família. Therborn
(2017), considera que a família e as relações de poder determinam
direitos, obrigações e distribuição de recursos dentre os membros,
“aqueles a quem privilegia podem, por meio dela, manter seus
status porque seus recursos de controle e de sanção coincidem com
seus direitos, enquanto aqueles com poucos recursos de poder têm
mais obrigações do que direitos” (THERBORN, 2017, p. 12).
As relações de mercado influenciam diretamente na
construção social e se nos anos 70 ainda havia um padrão de mulher-
família, hoje depara-se com a mulher-para-si (TOURAINE, 2011),
uma mulher que associa tarefas domiciliares e familiares com o
trabalho externo e apresenta-se como forte concorrente para os
homens nesse novo mercado de trabalho.
Concubinadas, amasiadas, casadas ou separadas, as mulheres
encontravam na maternidade um papel que exerciam
adaptado às suas realidades, porém distante das prédicas
que o incentivavam como uma missão. Preservar a espécie,
constituir-se num prolongamento da natureza que frutifica,
estar identificado à mãe-terra, o corpo feminino devia mais
servir a ideia de concepção do que àquela da maternidade. Será
55
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

sem dúvida a fertilidade da mulher o alvo de todos os discurso


da época, fossem estes eruditos ou populares. Os filhos, e
portanto a reprodução, eram louvados como graças divinas,
independentemente de se criarem ou não (DEL PRIORE,
1989, p. 49-50).
Del Priore (1989) apresenta a realidade de mulheres dos
anos noventa, que tinham como principal atribuição a reprodução
humana. Analisando a história da evolução feminina ao longo dos
tempos, é possível identificar que o século XXI trouxe uma quebra
de paradigmas, impondo uma nova realidade social: mulheres
chefes de família, empreendedoras, trabalhadoras, pesquisadoras e
emancipadas do pensamento de dependência masculina.
Assim, considerando os novos papéis assumidos pelas
mulheres no Brasil, pode-se verificar que “[...]quanto mais alto o
nível de escolarização, mais alta é a probabilidade de participação na
força de trabalho, além de revelar que o estado civil é determinante
para inserção da mulher na atividade produtiva” (CARRION;
PILLA; ALBORNOZ, 1985, p. 50).
A comparação do papel da mulher dentro de sistemas
capitalistas diferentes5 auxilia na indicação de “[...] até que ponto
a interiorização social da mulher decorre de uma necessidade
estrutural do sistema capitalista de produção ou da mera persistência
de uma tradição cultural, na qual a mulher representava um ser
submisso [...]” (SAFFIOTI, 1976, p. 12).
A inversão de valores sociais e familiares, promovidas pela
imposição do capitalismo neoliberal, pela emancipação e pela
necessidade de ingresso da mulher na força de trabalho externo,
também modificaram a instituição do casamento. Por isso, pode-
5 Os subtipos de capitalismo, também denominam-se desenvolvido e subdesenvolvido,
e representam os níveis de industrialização, renda per capita, índice de desenvolvimento
humano, educação e qualidade de vida. A América Latina é um território marcado
pelo subdesenvolvimento, e isso influencia diretamente no papel das mulheres, pois
“[...] embora muitos países subdesenvolvidos apresentem elevada taxa de utilização
de mão-de-obra feminina, grande parte dessa força de trabalho efetiva localiza-se em
funções não produtivas (como os serviços domésticos remunerados, por exemplo),
permanecendo, portanto, à margem do sistema produtivo de bens e serviços da
sociedade de classes (SAFFIOTI, 1976, p. 29).
56
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

se dizer que o sistema capitalista, de forma geral, impactou na


cultura econômica e nas relações interpessoais, “o modo capitalista
de produção eleva ao máximo a contradição presente em todas as
formações econômico-sociais anteriores assentadas na apropriação
privada dos meios de produção e dos produtos do trabalho humano”
(SAFFIOTI, 1976, p. 13).
Questiona-se, pois, a crença, presente quer na consciência
afirmadora da ordem social competitiva, quer na consciência
negadora dessa ordem, de que a mulher foi lançada no
mundo econômico pelo capitalismo. Por isso, as referências às
sociedades pré-capitalistas e socialistas se tornam necessárias.
Estas referências, entretanto, objetivam tão-somente ressaltar o
caráter contrastante existente entre os papéis sociais da mulher
nessas formações sociais e na sociedade de classes. (SAFFIOTI.
1976, p. 8).
Nesse sentir, com as modificações políticas, econômicas
e sociais, os estereótipos de gênero relativos à beleza passaram a
influenciar de forma contundente, às práticas consumistas de modo
compulsivo, a fim de buscar se reafirmar na sociedade como uma
mulher que “cumpre” os requisitos socialmente impostos à ela e
assim, se inicia uma terminável busca pela beleza e o corpo perfeito,
como sinônimos de uma vida feliz. Conforme Wolf (1992, p.229)
“A beleza ideal é ideal porque não existe. A ação se situa no espaço
entre o desejo e a satisfação. As mulheres só são belezas perfeitas a
alguma distância. Numa cultura de consumo, esse espaço é lucrativo”.
Portanto, as mulheres acabam se tornando o principal alvo desse
mercado de consumo, uma vez que os reflexos do patriarcado visam
impor ao público feminino a necessidade de se encaixar em padrões
para “satisfazer” os desejos masculinos.
Todavia, essa busca incessante por padrões de beleza se
reflete na saúde mental das mulheres, uma vez que se demanda
tempo e dinheiro em busca do “ideal feminino” e diante da
impossibilidade de alcança-lo, muitas mulheres se sentem frustradas
e desvalorizadas. De modo assertivo, Wolf enfatiza que:
No entanto, em termos de como nos sentimos do ponto de
57
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

vista físico, podemos realmente estar em pior situação do


que nossas avós não liberadas. Pesquisas recentes revelam
com uniformidade que em meio à maioria das mulheres que
trabalham, têm sucesso, são atraentes e controladas no mundo
ocidental, existe uma subvida secreta que envenena nossa
liberdade: imersa em conceitos de beleza, ela é um escuro
filão de ódio a nós mesmas, obsessões como físico, pânico de
envelhecer e pavor de perder o controle. (WOLF, 1992, p. 8).
Portanto, com as conquistas dos direitos femininos, que
possibilitaram o ingresso das mulheres na vida social que antes,
era restrito ao ambiente doméstico, surgiu a necessidade de criar
novos mecanismos sobre o corpo feminino, a fim de torná-lo
refém dos princípios que regem a cultura patriarcal, ainda presente
atualmente. Assim sendo,
Não é por acaso que tantas mulheres potencialmente poderosas
se sentem dessa forma. Estamos em meio a uma violenta reação
contra o feminismo que emprega imagens da beleza feminina
como uma arma política contra a evolução da mulher: o mito
da beleza. Ele é a versão moderna de um reflexo social em
vigor desde a Revolução Industrial. À medida que as mulheres
se liberaram da mística feminina da domesticidade, o mito da
beleza invadiu esse terreno perdido, expandindo-se enquanto
a mística definhava, para assumir sua tarefa de controle social.
(WOLF, 1992 p. 13-14).
Gonzalez (1979), descreve a economia atual como
capitalismo patriarcal ou patriarcado capitalista, onde são anuladas
e rechaçadas todos os tipos de diferenças (gênero, sexualidade,
cor e raça) e só sobrevive o ideal: homem, branco e heterossexual.
Estas origens do capitalismo, além de influenciarem as relações de
mercado, permearam a cultura e a forma de valorização do trabalho
humano.
A hierarquia social estabelecida, privilegia homens e
mulheres brancas, deixando à margem pessoas de cor e raça. Por
isso o presente artigo, parte do lugar de fala da mulher brasileira
no capitalismo neoliberal, considerando essas diferenciações e
intersecções, a fim de mapear concretamente as contribuições de
cada grupo de mulheres para o atual sistema de consumo.
58
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

Portanto, os reflexos da sociedade contemporânea, que


buscam incessantemente se “adequar” aos estereótipos pré-
estabelecidos favorecem a prática de consumo, a fim de “preencher”
o vazio originado por uma indústria que estimula o comportamento
compulsivo a fim de atingir resultados utópicos, uma vez que a
indústria da beleza atua de modo a não possibilitar a satisfação
pessoal das pessoas, à medida que esta condição de autoaceitação
não produz lucro.

Consumismo emocional

Com a mudança do papel social da mulher a partir de seu


efetivo ingresso no mercado de trabalho formal e a possibilidade
de escolarização, houveram profundos rearranjos no mercado
e na economia. Os anos noventa foram marcados pelo início do
capitalismo neoliberal na América Latina, que aos poucos espalhou-
se por todo o território e modificou a lógica de trabalho e consumo
das sociedades.
O papel da mulher no capitalismo diferencia-se a depender
dos contextos de cor, raça e classe social, Fernandes (2020) percebe
o capitalismo como reforço ao patriarcado, tendo em vista que o
gênero determina uma divisão social entre homens e mulheres,
como também decide qual trabalho será bem remunerado.
O gênero é um fator importante da sociedade patriarcal na
organização da divisão de trabalho público e doméstico,
visível e invisível e até mesmo remunerado e não remunerado
(ou mal remunerado). Quando digo “patriarcal”, refiro-me
à estrutura conhecida como patriarcado, que é um sistema
de lógica própria (a da opressão de gênero), mas não é um
sistema autônomo, que existe isolado do capitalismo. Ao
contrário, hoje, o sistema de dominação na base do gênero se
desenvolve dentro de um contexto de propriedade e trabalho
(FERNANDES, 2020, p. 63).
Partindo de premissas generalizadas, não é possível analisar
racionalmente a situação da mulher no mercado de consumo no
Brasil. Somente a partir de lentes decoloniais, feministas e latino-
59
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

americanas se consegue localizar os problemas que permeiam o


tecido social em que se vive. “Quando, muitas vezes, é apresentada
a importância de se pensar políticas públicas para mulheres,
comumente ouvimos que as políticas devem ser para todos.
Mas quem são esses “todos” ou quantos cabem nesses “todos”?”
(RIBEIRO, 2017, p. 25)
O papel da mulher no capitalismo diferencia-se a depender
dos contextos de cor, raça e classe social, Fernandes (2020) percebe
o capitalismo como reforço ao patriarcado, tendo em vista que o
gênero determina uma divisão social entre homens e mulheres,
como também decide qual trabalho será bem remunerado.
Segato (2012, p. 110), afirma que “o advento moderno
tenta resolver e introduzir seu próprio antídoto para o veneno
que inocula”, isto é, a modernidade – ou pós-modernidade- traz
consigo a herança colonial que relativiza autonomias, interfere na
vida institucional e rompe com o tecido comunitário, provendo de
um lado um discurso sobre a modernidade e de outro princípios
liberais, capitalistas e racistas.
Analisando o papel da mulher na produção de bens e
serviços, verifica-se que sempre houve participação feminina no
trabalho, até mesmo em economias pré-capitalistas, a mulher já
trabalhava no campo, manufaturas, minas, lojas, mercados, dentre
outros. Dentro da família, as mulheres e crianças desempenhavam
um papel econômico, porém sempre em posição inferior à do
homem (SAFFIOTI, 1976).
O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a
Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), realizaram
uma pesquisa, que apontou que cerca de 47% das mulheres e 37%
dos homens entrevistados já realizaram compras por impulso em
momentos de tristeza, angústia ou ansiedade (SPC; CNDL, 2013).
Quando os consumidores admitem comprar movidos por
algum impulso, a razão mais preponderante entre as mulheres
é a baixa autoestima (49%) como problemas relacionados à
vaidade e insegurança com a própria aparência. Já o público
masculino se descontrola nas compras por conta da ansiedade
60
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

com algum evento que se aproxima como viagens, férias ou


festas (45%). Outros pretextos citados por ambos os sexos
são tensão pré-menstrual — citado pelas mulheres em 32%
dos casos — e situações de crise que envolvem o trabalho
— segunda razão mais mencionada pela parcela masculina
dos entrevistados (38%) (SPC; CNDL, 2013, https://www.
spcbrasil.org.br).
Analisando o tipo de mercadoria que as mulheres mais
consomem, é possível observar que a maioria dos bens de consumo
são perecíveis ou não duráveis, enquanto que os homens são os
maiores consumidores no que concerne a bens duráveis, como
veículos (FORBES, 2018).
Quanto ao percentual de remuneração destinado a compra
de itens supérfluos, a pesquisa realizada pelo SPC afirma que
40% das mulheres entrevistadas não sabem quanto sobra de seu
salário e que o valor que sobra elas usam para gastos pessoais como
maquiagem, roupas, fazer passeios, salão de beleza etc. (SPC, 2016).
Nesta mesma pesquisa, um terço das mulheres afirmaram
estarem insatisfeitas com suas vidas, considerando uma escala de
1 a 10, 68% delas deram nota acima de 7. As principais fonte de
estresse, foram consideradas a falta de dinheiro, a aparência física e
dívidas pendentes (SPC, 2016).
Como forma de compensação em momentos de angústias
e ansiedade, grande parte das mulheres apontaram que realizam
compras de objetos, roupas ou acessórios; e quando questionadas
sobre suas prioridades de vida, os principais objetivos mencionados
foram: saúde, estabilidade financeira e qualidade de vida são os
itens mais citados, acima de interesses ligados ao consumo de itens
diversos como casa, educação, viagens e roupas (SPC, 2016).
O protagonismo das mulheres também pode ser observado
no papel que exercem na compra de diversos produtos, ainda
que o maior salário da casa não seja o delas. Produtos como
roupas, artigos de beleza, artigos para casa, produtos de
higiene, limpeza, artigos para os filhos, eletrônicos pessoais,
alimentos e até mesmo as roupas dos cônjuges são decididos,
em sua maioria, pelas mulheres. (SPC BRASIL, P. 33, 2016,
61
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

spcbrasil.org.br).
Com o advento das redes sociais, o consumo inconsciente
aumentou significativamente, 64,8% das mulheres afirmam
ter alterado seus hábitos de compra por causa das redes sociais.
O consumo de publicações, dicas e comentários impactou no
comportamento de consumo, fazendo com que as mulheres
passassem a comprar produtos sugeridos pelos algoritmos (SPC
BRASIL; CNDL, 2016).
Dentre os principais motivos para o consumo a partir das
redes sociais, está a busca do padrão estético das propagandas,
53,7% das mulheres entrevistadas consomem roupas e acessórios
para acompanhar as tendências midiáticas e apenas 11,9% das
mulheres brasileiras admitem que o padrão estético exerce muita
influência nos hábitos de compra, uma vez que sempre compram
os produtos ou serviços indicados (SPC BRASIL; CNDL, 2016).
Pode-se observar que os principais fatores para compra
compulsiva, advém de ansiedade, angústia e a busca por um padrão
de beleza propagado nas mídias. Isto é, os descontroles emocionais e
a insatisfação consigo, levam ao consumo exacerbado e inconsciente
de produtos e bens não duráveis.
É possível observar que mulheres brancas e negras, mesmo
que de forma marginalizada, integram o capitalismo e fazem girar a
economia e, atualmente, são consideradas as maiores consumidoras
de produtos e serviços. O capitalismo neoliberal e o consumismo,
mudaram a lógica de consumo e a cultura, a insaciabilidade do
desejo de consumir faz com que as pessoas comprem objetos que
não necessitam. A participação no capitalismo neoliberal e no
mercado de consumo, é como fazer parte de um grupo e uma
forma de socialização dos indivíduos, expressando um conjunto
de valores, símbolos, atitudes, modos de sentir e ser (BORIS;
CESÍDIO, 2007).
Não raras vezes, as mulheres encontram-se em situação
de superendividamento por conta do consumo desenfreado. A
imposição de certos estereótipos de beleza, fazem com que o público
62
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

feminino encontre-se sempre em uma situação de insatisfação com


o próprio corpo e em constante busca de pertencimento a um certo
grupo, o que faz com que o “ser mulher” seja descaracterizado.

Conclusão

Com o advento do capitalismo e das novas relações de


consumo, o papel da mulher transpassou o ambiente doméstico e
do lar, pois o mercado necessitou o ingresso feminino na força de
trabalho para produção de bens e serviços. A partir dessa quebra
paradigmática de papeis e do advento de novas formas de relações
de mercado, o comportamento das mulheres também se alterou
quanto ao consumo de bens.
O capitalismo neoliberal impôs o consumismo como um
estilo de vida e de pertencimento a determinados grupos, essa
situação asseverou-se com o advento da internet e das redes sociais,
que passaram a vender uma imagem de uma vida ideal aplicável a
uma universalidade de pessoas.
Assim, a análise do comportamento feminino no mercado
de consumo remonta um passado recente: desfazer-se de amarras
velhas, para prender-se em novos estereótipos. A emancipação
feminina como um ideal a ser buscado, já foi alcançado em certo
ponto pelas mulheres, contudo o capitalismo impôs novas balizas
para comportamentos socialmente aceitáveis para mulheres.
Esse novo ideal buscado por milhares de pessoas e,
principalmente, pelas mulheres, causou uma neura generalizada,
onde o público feminino está constantemente em busca de uma
vida ideal, seja no que toca a família, ao corpo, as roupas e a saúde.
Com isso, pode-se observar que os principais fatores para
compra compulsiva, advém de ansiedade, angústia e a busca por
um padrão de beleza propagado nas mídias. Isto é, os descontroles
emocionais e a insatisfação consigo, levam ao consumo exacerbado
e inconsciente de produtos e bens não duráveis.
Respondendo ao problema de pesquisa, pode-se observar
63
Gênero, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Volume I

que as mulheres encontram-se em situação de superendividamento


por conta do consumo desenfreado. A imposição de certos
estereótipos de beleza, fazem com que o público feminino encontre-
se sempre em uma situação de insatisfação com o próprio corpo e
em constante busca de pertencimento a um certo grupo, o que faz
com que o “ser mulher” seja descaracterizado.

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