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Revistas customizadas como forma de ganhar atenção e credibilidade

para as marcas – reflexões sobre a MIT Revista

Resumo
Para obter representações imaginárias positivas e destacar-se ante a concorrência, as
organizações elaboram diferentes estratégias e canais de comunicação para relacionar-se
diretamente com seus consumidores. As revistas customizadas cumprem esse papel, com
a vantagem de atrair atenção e a credibilidade para os discursos organizacionais. O
objetivo deste artigo é refletir (e fazer refletir) sobre estas questões a partir da observação
e análise da MIT Revista, publicação customizada da Mitsubishi Motors do Brasil. Além
de pesquisa bibliográfica com base em estudiosos do consumo, usaremos os conceitos
Patrick Charaudeau sobre os efeitos de verdade, para entender como se produzem estes
discursos organizacionais.

Palavras chave: Discursos organizacionais, consumo, imagens positivas, revistas


customizadas, MIT Revista.

Custom publishing as a way to capture attencion and credibility for


brands – reflexions about MIT Magazine

Abstract
In order to obtain positive imaginary representations and stand out from the competition,
organizations develop different communication strategies and channels to relate directly
to their consumers. Custom publishing fulfill this role, with the advantage of attracting
attention and credibility to organizational discourses. The purpose of this article is to
reflect (and to make reflect) on these issues from the observation and analysis of the MIT
Magazine, a custom publishing of Mitsubishi Motors of Brazil. In addition to
bibliographic research based on consumer studies, we will use the concepts of Patrick
Charaudeau on the effects of truth to understand how these organizational discourses are
produced.
Keywords: Organizational discourses, consumption, positive images, custom publishing,
MIT Magazine.

O consumismo moderno não é materialista.


(Colin Campbell)
Introdução
Consumo. Esta é a prioridade do século XXI. Não importa como é intitulada a
sociedade atual: de consumo, consumista, dos consumidores, da abundância, do sonho,

1
hiperconsumista, líquida. A nomenclatura está invariavelmente atrelada ao ato de
consumir, que, nestes tempos incertos/ ilusórios, não se detém a produtos e serviços, mas
se estende a valores. E mais importante que os atributos materiais, estão os valores
intangíveis, as imagens que os sujeitos fazem de si mesmos (autoimagem), do outro, seja
uma pessoa, organização ou marca, e qual imagem os interlocutores querem que os
demais façam de si mesmos (imagem pretendida). Um verdadeiro jogo de imagens.
Quando refletimos sobre este relacionamento e o transportamos para as
organizações ou marcas e seus consumidores, percebemos que o esforço das organizações
para que seus clientes criem imagens positivas (delas mesmas ou de suas marcas,
produtos ou serviços) está profundamente ligado ao seu desempenho no mercado. Ou a
organização conquista as pessoas, destacando-se entre os demais concorrentes, ou ela
será facilmente esquecida. Para chamar a atenção de seus públicos de interesse, em um
mercado altamente competitivo, novas ferramentas de marketing surgem, buscando não
só a atenção, mas a credibilidades dos consumidores.
Foi pensando neste cenário que nos propomos a estudar um canal de comunicação
direto entre a organização e o consumidor e que está ganhando espaço nas empresas
dispostas a investir nesse relacionamento: as revistas customizadas. Produzidas sob
medida para atingir seus consumidores ou possíveis consumidores, estas publicações são
um meio de capturar a atenção, despertar credibilidade e gerar imagens positivas.
Para estudar este tema complexo, e tentando entender como se dá esse processo de
ganho valorativo intangível, revisitamos alguns dos principais pesquisadores sobre a atual
sociedade consumista. Também buscamos ilustrar esse trajeto teórico analisando a revista
MIT (mais especificamente, a edição nº 60)1, produzida pela Mitsubishi Motors do Brasil,
editada pela Custom Editora + Branded Content, cuja tiragem ultrapassa 100 mil
exemplares trimestralmente. A partir de uma visão discursiva – e baseados nos conceitos
de Michel Peuchex e Patrick Charaudeau - buscamos compreender mais profundamente
como se constroem esses discursos organizacionais, que usam técnicas jornalísticas e
publicitárias, e contribuem para a criação de imagens favoráveis à organização pela
leitura da revista customizada.

1
Disponível em <https://issuu.com/mitsubishimotors/docs/mit60>

2
Consumir imagens
A grama do vizinho é sempre mais verde2, diz o popular ditado da língua inglesa.
A frase parece também descrever o perfil dos consumidores, desde os que surgiram com
a Revolução Industrial - as classes mais abastadas e dominantes que podiam se preocupar
em adquirir pequenos artigos de luxo como romances, brinquedos e roupas da moda
(CAMPBELL, 2001) - até os dias atuais. Esta emulação, amplamente analisada por
Thorstein Veblen (1965), chega a tal ponto que apenas possuir bens e propriedades não é
o suficiente. É necessário mostrar ao outro, àqueles que pertencem ao mesmo grupo
social, que a sua grama é realmente mais verde (apesar da efemeridade dessa mais nova
conquista). Isto para garantir sua posição, sua reputação ante os demais.
Para obter e conservar a consideração alheia não é bastante que o
homem tenha simplesmente riqueza ou poder. É preciso que ele
patenteie tal riqueza ou poder aos olhos de todos, porque sem prova
patente não lhe dão os outros tal consideração. (VEBLEN, 1965, p. 48)
São os conceitos de distinção, significando diferenciação e também status,
superioridade, enfocados por Pierre Bourdieu e citado e enfatizado por Mário Ernesto
René Schweriner (2006). “Tal análise se embasa na luta permanente dos estratos
superiores em se diferenciar, distinguir-se dos demais por intermédio do monopólio dos
bens posicionais” (SCHWERINER, 2006, p. 142).
Esta satisfação de mostrar-se inserido em determinado grupo social superior
satisfaz o indivíduo por um tempo. Mas, depois de um breve período, ele voltará a olhar o
gramado do vizinho, que continua verde (ou está mais verde, conforme seu imaginário) e
vem a vontade de, não apenas alcançá-lo, mas superá-lo.
Claro que é importante escolher bons produtos e serviços e fazer uso das
facilidades que a vida moderna proporciona. Mas esta etapa do consumo não é a
fundamental (CAMPBELL, 2001, p. 131). A busca pelo prazer, pelo bem-estar, pela
satisfação imaginativa é essencial e os indivíduos, portanto, sempre querem desfrutar
delas.
A imaginação, o imaginário e as imagens criadas aparecem, aqui, como ponto
central para entendermos esse jogo do qual todos participam, mesmo sem perceber ou
querer. Transportando o conceito de formações imaginárias nos processos discursivos, do
filósofo Michel Pêcheux (1990), para o comportamento da sociedade da atualidade,
2
“The grass is always greener on the other side.”

3
vemos os consumidores criando imagens deles próprios ao imaginar que determinado
produto (ou marca) fará dele uma pessoa apta a estar inserida em determinado grupo
social, gozando daquele status social, daquele bem-estar desejado. São as autoimagens
sendo construídas. Formadas instantaneamente e num mesmo emaranhado, surgem
também a(s) image(s) do outro feliz, bem sucedido e desfrutando de uma boa qualidade
de vida por possuir/usar determinados produtos ou marcas. É, mais uma vez, a
imaginação construindo cenas, muitas vezes irreais, mas positivas do outro. Finalmente,
este mesmo consumidor dirá: “O que meu colega pensará de mim, caso eu possua (ou
não) determinado objeto?” Ou seja, qual imagem o outro está construindo deste sujeito?
As pessoas pretendem que o seu círculo de relacionamentos tenha imagens positivas
delas (daí o termo imagem pretendida) e, para isso, usar a marca da moda ou ter o último
modelo de equipamento tecnológico passa a fazer parte dessa construção imaginativa. De
acordo com o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman (2008), o medo de sentir-se
excluído do grupo faz com que as pessoas “aceitem o que seus ‘pares’ presumem que eles
sejam. A cultura consumista é marcada por uma pressão constante para que sejamos
alguém mais.” (BAUMAN, 2008, p. 128). E isto faz com que os indivíduos sintam-se
insatisfeitos e busquem mudar, com freqüência, sua identidade.
O desejo intensivo por determinadas marcas e o ideal que se cria em torno dos
seus benefícios – o bem estar, a qualidade de vida, como afirma Gilles Lipovetsky (2007)
– leva uma busca sem fim e quase obsessiva. São os chamados ‘necejos’, termo cunhado
por Mário Ernesto René Schweriner para designar uma mistura entre necessidades e
desejos.
“Os necejos [...] são tão elásticos e quase ilimitados em suas nuances
quanto os desejos. Entretanto, diferentemente destes, sua não realização
é extremamente aversiva, assemelhando-se às necessidades no grau de
sofrimento quando não satisfeitos. Quer dizer, o consumidor se torna
dependente da marca/produto não essencial para sua gratificação, sem o
qual ele se sente extremante insatisfeito.” (SCHWERINER, 2006, p.
37)

Estes ‘necejos’ nascem das imagens reais dos produtos, criadas e alimentadas na
cabeça dos consumidores, e extremamente positivas para as organizações, que na
atualidade, contam com essa dependência.

4
Vender imagens
Se, por um lado, temos os consumidores que elaboram, buscam conquistar e
‘compram’ imagens positivas, as organizações, por sua vez, também participam desse
jogo de imagens. O processo é o mesmo que se dá com os demais sujeitos: criação de
uma autoimagem positiva, formação da imagem do Outro (neste caso, o consumidor) e
(pré)visão sobre a imagem que os consumidores fazem delas próprias, organizações e
suas marcas. São os conceitos desenvolvidos por Justo Villafañe (2002), em seus estudos
sobre comunicação organizacional, que envolvem a autoimagem e a imagem pública das
organizações. O objetivo das organizações, portanto, é trabalhar arduamente para criar e
disseminar imagens positivas - as “imagens pretendidas”, como sugeriu Villafañe (2002,
p. 70). ‘Vender’ imagens, na nossa sociedade atual, é mais lucrativo do que vender
produtos ou serviços. Muitas empresas, diz a jornalista Naomi Klein (2002, p. 41),
sempre entenderam que primeiro vendiam suas marcas e, depois, seus produtos. Como
exemplo disso, ela cita a Coca-Cola, a Pepsi, o Burger King, a Disney.
O branding, em suas encarnações mais autênticas e avançadas, trata da
transcendência corporativa. [...] e nasceu um novo consenso: os
produtos que florescerão no futuro serão aqueles apresentados não
como ‘produtos’, mas como conceitos: a marca como experiência,
como estilo de vida. (KLEIN, 2002, p. 45-46)

A commoditização dos produtos (SCHWERINER, 2006; KLEIN 2002) é


considerada um dos fatores que levaram as organizações a pensar e trabalhar mais
intensamente suas marcas. E, portanto, capturar a atenção dos consumidores, num
mercado onde produtos e serviços são semelhantes, é prioritário e exige um esforço
enorme. Afinal, não basta chamar a atenção, é preciso conquistá-la dos públicos de
interesse por um tempo necessário para que a mensagem seja transmitida (ADLER;
FIRESTONE, 2002, p.31) e faça sentido aos indivíduos. Como conquistar a atenção do
consumidor é o objetivo das organizações/marcas, a concorrência - face à saturação de
informações no mercado - também é grande. Ergue-se, então, outro desafio: a
credibilidade. De acordo com Al Ries e Laura Ries, “A propaganda tem um problema.
Trata-se de uma técnica de comunicação que carece de credenciais e é quase
universalmente ignorada pelo público ao qual se destina.” (RIES; RIES, 2002, p. 273).

5
Ou seja, é preciso capturar a atenção para que a mensagem seja repassada
integralmente e com credibilidade. Algumas estratégias vêm sendo usadas pelas
organizações para atingir esta credibilidade, como a aproximação visual entre o layout de
anúncios e a diagramação do conteúdo editorial (ADLER; FIRESTONE, 2002, p. 44); o
conteúdo não-promocional, mas direcionado a informações institucionais da organização
(ADLER; FIRESTONE, 2002, p. 64); a substituição das fontes “incríveis” da
propaganda, por fontes “críveis”, como os “infocomerciais” (RIES; RIES, 2002, p. 273-
278). Mark Austin e Jim Aitchison (2007) ao analisar a diversidade de canais existentes
para se comunicar com o consumidor – já “que o marketing em geral e a propaganda em
particular estão se tornando cada vez menos eficazes” (AUSTIN; AITCHISON, 2007,
p.52) – citam os publieditoriais.
Seguindo esta linha, um dos formatos para se comunicar com os consumidores
vem ganhando mercado nos últimos anos. O branded content, também conhecido como
conteúdo da marca ou comunicação por conteúdo, é um deles.
Ao contrário da publicidade por interrupção – aquela que acontece de
forma imposta nos intervalos da programação do veículo de
comunicação –, a comunicação por conteúdo – feita através de um
programa próprio de TV, rádio, uma revista, entre outros veículos – faz
contato e mantém um relacionamento com os clientes e potenciais
clientes por meio da oferta de conteúdo, de informação [...] e seu
objetivo não se restringe apenas a estimular a compra de produtos e
serviços, mas busca informar, entreter, educar, relacionar-se com o
leitor. (FISCHER, 2013, p. 33)

A jornalista Andréa Fischer (2013), que desde 2009 trabalha diretamente com
publicações customizadas, afirma que este conceito está em expansão no Brasil, sendo
que nos Estados Unidos e na Europa o mercado para estas publicações já está
consolidado. Para demonstrar a importância desse formato de comunicação, a autora
ainda cita o estudo “APA Advantade Study – Proving and Benchmarking the
Effectiveness of Customer Magazine”3, realizado em 2005, pela britânica Association of
Publishing Agencies (APA), que reúne editoras de revistas customizadas. Com base em
respostas de 4.390 consumidores, é possível concluir que as revistas customizadas podem
atingir resultados positivos para algumas das preocupações discutidas até agora. Entre

3
Um resumo das conclusões do estudo está disponível em: <http://www.the-
cma.com/uploads/apa_documents/advantage_exsum-mar-05.pdf>. Acesso em 08 ago 2018.

6
elas estão: a criação de imagens positivas, a captura da atenção, a credibilidade e, como
consequência desses fatores, a proximidade e lealdade à marca.

Apreender imagens
No mercado brasileiro, uma das mais tradicionais revistas customizadas em
circulação é a MIT Revista, produzida pela Mitsubishi Motors do Brasil e editada pela
Custom Editora + Branded Content. Lançada em fevereiro de 2001, a publicação é
distribuída como cortesia aos proprietários de veículos Mitsubishi e, atualmente, supera a
tiragem de 100 mil exemplares por edição trimestral. A edição a ser analisada é a número
60, de Dezembro/2015 a Março/20164, comemorativa dos 15 anos da MIT Revista.
Como contexto, é essencial entender quais são os públicos com os quais a
empresa quer se comunicar por meio da MIT Revista. O perfil dos compradores de
veículos da marca – e que, portanto, recebem a MIT Revista, são: homens (65%),
pertencentes à classe AAA (100%), têm entre 30 e 59 anos (75%), com nível superior
(87%), praticam algum tipo de esporte (69%), viajam pelo Brasil (97%) e ao exterior
(39%), têm acesso a tecnologia (98%) e costumam ler a MIT Revista em casa, à noite
(73%).5
Já o conceito editorial da MIT Revista5 define quatro características para a
publicação, que atendem o leitor alvo: conteúdo editorial (textos e fotos) produzido por
“respeitados profissionais brasileiros e estrangeiros”; “destinos de sonho”, com roteiros
de viagens para locais exóticos; alta tecnologia, onde são apresentados “gadgets” que são
novidades no mercado, e interatividade, possibilitando “uma experiência interativa na
plataforma digital” (tablet ou site).

 Atenção
Ao analisarmos a maneira pela qual a publicação da Mitsubishi Motors do Brasil
busca chamar e reter a atenção dos leitores, observamos dois elementos recorrentes e que

4
Disponível em: <https://www.mitsubishimotors.com.br/mit-revista/mit-revista-edicao-60-3?>. Último
acesso em 08 ago 2018.
5
Dados disponíveis no Midia Kit da MIT Revista, elaborado pela Custom Editora + Branded Content e
disponível em <http://customeditora.com.br/wp-content/uploads/2015/08/midiakit2015-site.pdf>. Acesso
em 08 ago 2018

7
também estão muito presentes nos conceitos dos pesquisadores da sociedade de consumo:
a oferta de sonhos e a figura do herói.
Fazer sonhar ou devanear depende não necessariamente de estímulos reais, mas de
uma estimulação emocional (CAMPBELL, 2001). Assim como as imagens estão na
cabeça das pessoas, a leitura de um texto prazeroso, acompanhada por fotos de paisagens
exuberantes ou esportes radicais, cria uma emoção, um ambiente propício para imaginar-
se naqueles lugares, acompanhando determinados esportistas, tendo a experiência de suas
aventuras. Ainda segundo Campbell (2001, p. 123), esse devaneio conduz o indivíduo a
uma direção agradável em que sua elaboração imaginativa é a antecipação de um evento
real, um anseio pelo que estaria por vir. E estas representações do produto são muito mais
fortes do que o produto em si.
Ou seja, alimentar os sonhos dos leitores, criando um elo emocional com a marca,
faz com que sejam criadas imagens positivas sobre a marca. O momento dedicado à
leitura da MIT, apontado pela pesquisa referida no Midia Kit 2015, também é bastante
propício para sonhar ou devanear, já que é feito à noite, quando os leitores estão em casa,
nas horas de lazer (talvez as únicas dedicadas a algum tipo de lazer no dia). As emoções
ficam ligadas aos ativos intangíveis da marca Mitsubishi, que o leitor formula naqueles
instantes o prazer usufruído com leitura.
Vale, neste momento, transportar os conceitos que Patrick Charaudeau formulou
sobre o discurso das mídias para as revistas customizadas (que não deixam de ser uma
mídia, mas com foco em públicos bastante específicos), no que se refere ao uso de
imagens, sejam fotografias ou vídeos. Para Charaudeau (2015) as imagens provocam dois
efeitos: a transparência e a evocação. O efeito de transparência é dado quando a
fotografia (ou vídeo) mostra imagens revelando uma “realidade tal como ela existe, em
sua autenticidade” (CHARAUDEAU, 2015, p. 255). Já o efeito de evocação faz
submergir da memória vivências ou conhecimentos do passado, criando novas imagens e
sentimentos. Essa interpretação das imagens e os sentimentos provocados acontecem
tanto pela maneira como as imagens são mostradas (um close de uma pessoa confiante,
por exemplo, ou uma panorâmica de uma praia paradisíaca) quanto pela nossa história,
nosso ponto de vista. “A imagem é, são mesmo tempo, um testemunho da realidade em
difração e um espelho de nós mesmos.” (CHARAUDEAU, 2015, p. 256).

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Ao lançar mão de fotografias de locais exuberantes, de personagens que são
experts em aventuras ou esportes radicais, a MIT Revista ativa todo o imaginário do
leitor e suas experiências passadas, que trabalha criando imagens mentais, identificando-
se com elas e identificando-as aos produtos, serviços, marcas da organização e criando
representações mentais (positivas ou negativas) sobre a organização.
Essa venda de sonhos obviamente não acontece por acaso. A ideia faz parte do
projeto editorial da revista, registrado no Midia Kit 20156 ao descrever, inclusive, um dos
conceitos editoriais da publicação, que se refere a viagens: “Destinos de sonho. Roteiros
com as viagens mais exclusivas e diferenciadas”.
Nas páginas da revista, este conceito se torna visível nas seções fixas “Mundo 4x4
Aventura” e “Mundo sem fronteira – Viagem”. Tanto nos textos quanto nas fotos (Figura
1) apresentadas, leva-se o leitor a devanear sobre lugares e situações que, talvez, ele
jamais viverá, mas que trabalhará o ethos da marca Mitsubishi. Ainda citando Campbell
(2001, p. 114), é o prazer emocional ilusório, base do hedonismo moderno.

Figura 1 – Belas paisagens como cenário para esportes radicais em páginas duplas

9
Fonte - Revista MIT, edição 60, p. 48-49 (https://issuu.com/mitsubishimotors/docs/mit60)

Um segundo conceito da MIT é sobre a divulgação da tecnologia, expressa no


Midia Kit 2015 como: “Alta tecnologia. Os gadgets de última geração que acabam de
chegar ao mercado”. Há seções fixas da revista que apresentam equipamentos de ponta,
tanto esportivos como para os veículos, indicadas por ‘chapéus’ sugestivos: “Porta Malas,
a bagagem do viajante” e “Painel, objetos do desejo com alta tecnologia”. Como se fosse
a vitrine de uma loja, os equipamentos estão dispostos para cativar e dar elementos para
sonhar (Figura 2). Esta correlação é feita por Colin Campbell (2001, p. 134-135) ao
afirmar que o “desfrute imaginativo” abrange as imagens que vemos não só em anúncios,
mas revistas e periódicos, além de livros e filmes, “extraindo prazer da experiência”.
“as pessoas gostam, normalmente, de olhar as ilustrações dos produtos
que elas não podem – nem é provável que venham a poder - permitir-se.
Isso se relaciona, por sua vez, a outro aspecto do moderno consumismo
- a pratica de olhar vitrines. [...] Em parte, evidentemente, o desfrute e
estritamente estético, implicando a apreciação da arte dos projetistas e
vitrinistas envolvidos. (CAMPBELL, 2001, p.135)

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Figura 1 – Novos gadgets que ajudam o ‘aventureiro’ ou o ‘esportista’.

Fonte - Revista MIT, edição 60, p. 34 (https://issuu.com/mitsubishimotors/docs/mit60)

Ou, como define Schweriner (2006, p. 72), são as vitrimãs, as vitrines que
capturam a atenção dos consumidores como se fossem imãs e funcionam como geradoras
de desejos.
A figura do herói é outra maneira de buscar a captação de atenção para a marca.
Já nas sociedades feudais, de acordo com Veblen (1965, p. 32) a figura digna do
esportista ocupava as classes mais altas da sociedade devido a suas proezas. Na
atualidade, apenas “astros” ou “estrelas” conseguem esta espécie de destaque na
sociedade (ADLER; FIRESTONE, 2002, p. 64). São os heróis do consumo, no dizer de
Baudrillard, “as vedetes de cinema, do desporto e do jogo” (BAUDRILLARD, 2008, p.
44).
A construção dos heróis esportistas, hoje consolidada, começou em 1985, com a
campanha da Nike para o jogador de basquete Michael Jordan, com objetivo de
transformar fãs do esporte em fãs da marca (KLEIN, 2002). “A ideia de usar a tecnologia
de calçados esportivos para criar um ser superior – Michael Jordan voando pelo ar em

11
animação suspensa – foi a criação de mitos da Nike em funcionamento.” (KLEIN, 2002,
p. 76). O próprio Jordan disse, referindo-se ao CEO da Nike Phil Knight: “O que Phil e a
Nike têm feito é me transformar em um sonho”. (KLEIN, 2002, p. 76)
Esta estratégia de marketing, que mostra modelos de sucesso, força e aventura
(SCHWERINER, 2006, p. 107-108) também aparecem na MIT Revista. A proposta
editorial da capa da publicação recorre a estes ‘heróis’ (Figura 3), em sua maioria
esportistas, mas também pessoas ligadas às artes. Estas capas, que remetem às
reportagens especiais da edição, trazem uma chamada com o nome do entrevistado
principal e uma breve descrição, destacando a habilidade do ‘herói’ (Quadro A).

Figura 2 – Capas das últimas edições da MIT Revista: desde a nº 60 (canto superior
esquerdo) até a nº 65 (canto inferior direito)

Fonte – Site da MIT Revista (https://www.mitsubishimotors.com.br/mit-revista)

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Quadro A – A figura do Herói nas capas da MIT Revista

Edição ‘Herói’ Chamada de Capa


60 Jon Krakauer (escritor, jornalista e montanhista) Lições do abismo
61 Amora Mautner (diretora de TV) A grife da Globo
62 George Clooney (ator) Um homem feliz
63 Tom Brady (jogador de futebol americano ) The 4x4
64 Jeff Bezos (fundador e CEO da Amazon) O dono do mundo
65 Reed Hastings (co-fundador e CEO da Netflix) Mr. Netflix
Fonte - Quadro elaborado pela autora

Importante destacar que as palavras-chave usadas para compor o perfil do


entrevistado (ou personagem) já remetem a imagens heróicas ou, pelo menos,
diferenciadas das pessoas do nosso dia a dia. Por exemplo, as palavras em negrito, do
Quadro A, mostram um professor que dá aulas de abismo, a marca de luxo da mais
poderosa emissora de TV brasileira, um homem feliz que é um diferencial (como se
pouquíssimos fossem), alguém que supera todos os obstáculos (e uma identificação com
os produtos off road da Mitsubishi), o dono do mundo e alguém único e que possui uma
marca mais que admirada.

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Para finalizar estas reflexões sobre a captação da atenção do consumidor e
partirmos a análise da conquista da credibilidade, gostaríamos de destacar o projeto
gráfico/editorial de capa da MIT Revista. Nela são encontrados os elementos que
resumem as várias características de atração da atenção. A capa da edição nº 60, aqui
analisada, está a figura do ‘herói’ esportista, em primeiro plano, representado pelo
escritor (e também jornalista e montanhista) Jon Krakauer. “Lições do abismo” é a
chamada para a reportagem de capa, enfatizando que o escritor e aventureiro é um
especialista em perigo, um mestre capacitado a ministrar aulas sobre o abismo. Outro
elemento da capa é o slogan da Mitsubishi: “Drive your world”. Em outras palavras, tome
a direção do seu mundo, da sua vida, seja independente. São os conceitos do sonho, do
devaneio marcando a capa da publicação. E, finalmente, um convite ao leitor para acessar
a MIT pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TICs), no caso, o
tablet. Todos estes elementos, aliás, estão relacionados ao perfil do leitor da publicação.

 Credibilidade
A divisão entre linha editorial e publicidade vem se tornando cada vez mais
nebulosa nos meios de comunicação da atualidade (ADLER; FIRESTONE, 2002, p. 44).
Exemplo disso são os já citados publieditoriais e os infomerciais. Esta prática tem como
meta não só capturar a atenção, mas muito mais do que isso: conquistar a credibilidade.
As revistas customizadas têm esta estratégia gravada em sua razão de existir.
“Se você nada sabe sobre um novo produto ou categoria, então
acreditará em tudo que ler sobre o assunto, sobretudo se a informação
vier de uma fonte crível, e não de uma fonte incrível. Por isso a
construção de uma marca via RP é uma ferramenta tão poderosa.”
(RIES; RIES, 2002, p. 278)

A origem das revistas customizadas foram as publicações empresariais impressas


que, com o tempo e a evolução, passaram a receber jornalistas para suas redações. Isto
conferiu uma aura jornalística ao trabalho, adaptando mesmo algumas características,
como objetividade, técnicas de texto e conceitos de notícia. Para Andréa Fischer (2013)
esta é um das razões pelas quais as publicações empresariais têm adquirido credibilidade
de seus públicos. Esta característica que confere credibilidade às revistas customizadas
pode ser encontradas na MIT Revista. O formato jornalístico da publicação, com ênfase

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em mostrar aos leitores a colaboração de jornalistas e fotógrafos renomados, está presente
tanto no Midia Kit 2015 (“Conceito Editorial - A MIT Revista se diferencia por seu
conteúdo editorial, com textos e fotos assinados pelos mais respeitados profissionais
brasileiros e estrangeiros”), quanto na página de expediente. Importante notar, no modelo
diferenciado de expediente (Figura 5), em que a apresentação dos repórteres/redatores
ocorre por meio de fotos e de uma mini biografia, remetendo-nos, novamente, aos
conceitos de ‘heróis’.

Figura 5 – Apresentação de jornalistas, redatores e fotógrafos que trabalham nas edições

Fonte - Revista MIT, edição 60, p. 13 (https://issuu.com/mitsubishimotors/docs/mit60)

Por meio de todas estas linguagens com a oferta de sonhos e suas paisagens
exóticas, os exemplos a serem seguidos dos heróis, os heróis que produzem a revista e a
mescla de esportividade radical, são construídas imagens de uma marca. É uma
consequência.
Os estudos de Patrick Charaudeau (2015) indicam que nas relações sociais, os
interlocutores buscam influenciarem-se e ganhar a adesão do outro, por meios de recursos
que criem efeitos de verdade, isto é, não pela verdade propriamente dita, mas pela

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credibilidade que possa angariar, “as condições de validade da palavra emitida”
(CHARAUDEAU, 2015, p. 49).
Cabe ao interlocutor (o sujeito que recebe a informação) identificar a fonte e o
objetivo da informação para fazer uma interpretação da mensagem. Caso a informação
não tenha sido pedida e o “informador transmite uma informação por iniciativa própria” é
preciso entender os motivos do informador. “(O que está por trás do que ele diz?)”
(CHARAUDEAU, 2015, p. 50-51). Uma das hipóteses é que este informador está
dizendo algo que poderia ajudar o interlocutor, e a informação é considerada benéfica.
Quem informa tem um papel essencial na construção de efeitos de verdade. Se este
informador tem notoriedade ou é uma testemunha de fatos, esse seu papel na sociedade
faz com que a informação divulgada seja crível. “Pode acontecer também que essa
notoriedade esteja ligada a certas profissões, às quais se dá um crédito ‘natural’, estando
“’acima de qualquer suspeita’” (CHARAUDEAU, 2015, p. 53). Isto acontece, por
exemplo, quando o informador é um jornalista, profissional que carrega um esteriótipo de
divulgador da verdade. Já o informador-testemunha
Desempenha o papel de ‘portador da verdade’ na medida em que sua
fala não tem outro objetivo a não ser de dizer o que viu e ouviu. É por
isso que é tão solicitado (particularmente pelas mídias). [...] ele não é
suspeito de utilizar alguma estratégia de ocultamento, pois é
considerado completamente ingênuo, isto é, desprovido de qualquer
tipo de cálculo, quanto à utilização do seu testemunho
(CHARAUDEAU, 2015, p. 53)

Além disso, há os discursos que ‘provam’ a verdade, como a autenticidade, feita


por meio principalmente de imagens, para mostrar o mundo como ele, a
verossimilhança, que reconstrói o mundo onde são usados os testemunhos e as
reportagens, e a explicação, que usa especialmente a palavra de especialistas e
intelectuais que remontam às origens do fato. Têm-se aqui, a escolha de várias técnicas
jornalísticas presentes nas revistas customizadas e que dão sentidos de verdade aos
‘noticiários’ presente nelas.
A finalidade do contrato tácito de comunicação feito pelos diversos canais da
mídia tem dois objetivos: o fazer saber, o repasse de informações, e o fazer sentir, que
segue a lógica comercial de captação de pessoas para o consumo (e colocá-las no papel
de consumidores da marca). Na visada de informação, a questão da credibilidade é

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constante, pois o objetivo é “fazer crer que o que é dito é verdadeiro” (Charaudeau, 2015,
p. 90). Já a visada de captação procura emocionar, captar a afetividade, desencadeando “o
interesse e a paixão pela informação” transmitida aos públicos (Charaudeau, 2015, p. 53).
Nestas relações entre organizações e consumidores, imagens são construídas,
envolvendo ora credibilidade, ora afetividade, prendendo a atenção do leitor por meio de
discursos organizacionais diferenciados, que não dizem diretamente, mas constroem
efeitos de sentidos.

Considerações: Assumir as imagens


Fisgar o consumidor-leitor pela oferta de sonhos, de aventuras a lugares exóticos,
pela figura do herói sempre presente e sendo um modelo a ser seguido, especialmente
inserido em belas paisagens por meio dos esportes radicais. Conquistar a credibilidade do
leitor-consumidor pelo discurso jornalístico, pela seriedade de contar com profissionais
renomados na redação e registro de imagens, pelo respaldo de empresas sólidas no
mercado, que confiam em anunciar na publicação.
E também usando discursos que não são auto-elogiosos, mas que criam efeitos de
verdade por meio de fotografias (ou vídeos, no caso das versões digitais da publicação),
de reportagens escritas por especialistas ou que têm esses especialistas como principais
testemunha dos fatos. Inclusive pelo próprio modo como a publicação é distribuída,
chegando ao leitor como um presente ou uma informação que irá ajudá-lo de alguma
forma.
O projeto editorial e gráfico da MIT Revista cumprem o papel de não vender
produtos/serviços, mas vender uma filosofia, um estilo de vida: a liberdade, os esportes
radicais, as viagens, que estão distantes a um toque, no mundo virtual. E essas imagens,
ou imagens pretendidas pela organização, vão se construindo entre os consumidores, que
passam a ver a marca com um sentimento, uma emoção de ‘dirigir seu próprio mundo’. A
construção da marca, então, está em andamento. Identificando-se com os leitores criando
uma identificação, mais do que clientes, os leitores tornam-se divulgadores de
representações imaginárias positivas e, portanto, criando valores intangíveis benéficos à
marca, contribuindo para sua reputação. Este processo começa na mente dos leitores-
consumidores e continua na mente das pessoas que se relacionam com este consumidor.

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Mais do que fiel à marca, ele é um fã. E como fã, ele irá divulgar essa imagem, que é
verdadeira em sua mente.
Como reflexão final deste trabalho, entendemos que as imagens positivas
construídas não são um fim, mas um novo começo: a geração de uma aura positiva
envolvendo a marca. E esta aura abarca também os veículos da marca, fortalecendo
atributos como esportividade, liderança (afinal, é o veículo do herói, ou um veículo
herói), que carrega tecnologia de ponta e permite que o motorista (ou seria ‘piloto?)
‘dirija seu próprio mundo’.
Sonhos, heróis, tecnologia, perpassam as características de atenção e
credibilidade, revelando uma imbricação que tecem imagens. Muitas ilusórias, outras
irreais. Mas o consumo atual não é mais de produtos materiais, mas de produtos
imagináveis.

Referências
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de comunicação. SP: Nobel, 2002.
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Paulo: Nobel, 2006.
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BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
CAMPBELL, C. A ética romântica do espírito do consumo moderno. Rio de Janeiro:
Editora Rocco, 2001.
CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2015.
FISCHER, A. Revista customizada: O jornalismo a serviço das fontes. São Paulo:
Editora Combook, 2013.
KLEIN, N. Sem logo - a tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro:
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São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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(Orgs). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel
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de Janeiro: Editora Campus, 2002.

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supérfluos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006.
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VILLAFAÑE J. Imagem positiva – gestión estratégica de la imagen de la empresa.


Madrid: Ediciones Pirámide, 2002.

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