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Universidade do Sul de Santa Catarina

Filosofia
Disciplina na modalidade a distância

Palhoça
UnisulVirtual
2011
Créditos
Universidade do Sul de Santa Catarina – Campus UnisulVirtual – Educação Superior a Distância
Avenida dos Lagos, 41 – Cidade Universitária Pedra Branca | Palhoça – SC | 88137-900 | Fone/fax: (48) 3279-1242 e 3279-1271 | E-mail: cursovirtual@unisul.br | Site: www.unisul.br/unisulvirtual

Reitor Unisul Assistente e Auxiliar de Luana Borges da Silva Gerência de Desenho Jeferson Pandolfo
Ailton Nazareno Soares Coordenação Luana Tarsila Hellmann e Desenvolvimento de Karine Augusta Zanoni
Maria de Fátima Martins (Assistente) Luíza Koing  Zumblick Materiais Didáticos Marcia Luz de Oliveira
Vice-Reitor Fabiana Lange Patricio Maria José Rossetti Márcia Loch (Gerente)
Tânia Regina Goularte Waltemann Marilene de Fátima Capeleto Assuntos Jurídicos
Sebastião Salésio Heerdt Ana Denise Goularte de Souza Bruno Lucion Roso
Patricia A. Pereira de Carvalho Desenho Educacional
Chefe de Gabinete da Paulo Lisboa Cordeiro Cristina Klipp de Oliveira (Coord. Grad./DAD) Marketing Estratégico
Coordenadores Graduação Silvana Souza da Cruz (Coord. Pós/Ext.)
Reitoria Adriano Sérgio da Cunha Paulo Mauricio Silveira Bubalo Rafael Bavaresco Bongiolo
Rosângela Mara Siegel Aline Cassol Daga
Willian Máximo Aloísio José Rodrigues Ana Cláudia Taú Portal e Comunicação
Ana Luísa Mülbert Simone Torres de Oliveira
Vanessa Pereira Santos Metzker Carmelita Schulze Catia Melissa Silveira Rodrigues
Pró-Reitora Acadêmica Ana Paula R. Pacheco Carolina Hoeller da Silva Boeing Andreia Drewes
Arthur Beck Neto Vanilda Liordina Heerdt
Miriam de Fátima Bora Rosa Eloísa Machado Seemann Luiz Felipe Buchmann Figueiredo
Bernardino José da Silva Gestão Documental Flavia Lumi Matuzawa Marcelo Barcelos
Pró-Reitor de Administração Catia Melissa S. Rodrigues Lamuniê Souza (Coord.) Gislaine Martins Rafael Pessi
Fabian Martins de Castro Charles Cesconetto Clair Maria Cardoso Isabel Zoldan da Veiga Rambo
Diva Marília Flemming Daniel Lucas de Medeiros Jaqueline de Souza Tartari Gerência de Produção
Pró-Reitor de Ensino Fabiano Ceretta Eduardo Rodrigues João Marcos de Souza Alves Arthur Emmanuel F. Silveira (Gerente)
José Carlos da Silva Junior Guilherme Henrique Koerich Francini Ferreira Dias
Mauri Luiz Heerdt Horácio Dutra Mello Josiane Leal
Leandro Romanó Bamberg
Letícia Laurindo de Bonfim Design Visual
Itamar Pedro Bevilaqua Marília Locks Fernandes
Campus Universitário de Jairo Afonso Henkes
Lygia Pereira Pedro Paulo Alves Teixeira (Coord.)
Tubarão Lis Airê Fogolari Adriana Ferreira dos Santos
Janaína Baeta Neves Gerência Administrativa e Luiz Henrique Milani Queriquelli
Diretora Jardel Mendes Vieira Financeira Alex Sandro Xavier
Milene Pacheco Kindermann Marina Melhado Gomes da Silva Alice Demaria Silva
Joel Irineu Lohn Renato André Luz (Gerente) Marina Cabeda Egger Moellwald
Jorge Alexandre N. Cardoso Ana Luise Wehrle Anne Cristyne Pereira
Campus Universitário da Melina de La Barrera Ayres Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro
José Carlos N. Oliveira Anderson Zandré Prudêncio Michele Antunes Corrêa
Grande Florianópolis José Gabriel da Silva Daniel Contessa Lisboa Daiana Ferreira Cassanego
Nágila Hinckel Diogo Rafael da Silva
Diretor José Humberto D. Toledo Naiara Jeremias da Rocha Pâmella Rocha Flores da Silva
Hércules Nunes de Araújo Joseane Borges de Miranda Rafael Bourdot Back Edison Rodrigo Valim
Rafael Araújo Saldanha Frederico Trilha
Luciana Manfroi Thais Helena Bonetti Roberta de Fátima Martins
Campus Universitário Luiz G. Buchmann Figueiredo Valmir Venício Inácio Higor Ghisi Luciano
Roseli Aparecida Rocha Moterle Jordana Paula Schulka
UnisulVirtual Marciel Evangelista Catâneo Sabrina Bleicher
Maria Cristina S. Veit Gerência de Ensino, Pesquisa Marcelo Neri da Silva
Diretora Sabrina Paula Soares Scaranto Nelson Rosa
Maria da Graça Poyer e Extensão Viviane Bastos
Jucimara Roesler Mauro Faccioni Filho Oberdan Porto Leal Piantino
Moacir Heerdt (Gerente) Patrícia Fragnani de Morais
Moacir Fogaça Aracelli Araldi Acessibilidade
Nélio Herzmann Vanessa de Andrade Manoel (Coord.) Multimídia
Equipe UnisulVirtual Onei Tadeu Dutra Elaboração de Projeto e Letícia Regiane Da Silva Tobal
Reconhecimento de Curso Sérgio Giron (Coord.)
Patrícia Fontanella Mariella Gloria Rodrigues Dandara Lemos Reynaldo
Diretora Adjunta Rogério Santos da Costa Diane Dal Mago
Patrícia Alberton Vanderlei Brasil Avaliação da aprendizagem Cleber Magri
Rosa Beatriz M. Pinheiro Fernando Gustav Soares Lima
Tatiana Lee Marques Francielle Arruda Rampelotte Geovania Japiassu Martins (Coord.)
Secretaria Executiva e Cerimonial Gabriella Araújo Souza Esteves
Jackson Schuelter Wiggers (Coord.) Valnei Carlos Denardin Extensão Conferência (e-OLA)
Roberto Iunskovski Jaqueline Cardozo Polla Carla Fabiana Feltrin Raimundo (Coord.)
Marcelo Fraiberg Machado Maria Cristina Veit (Coord.) Thayanny Aparecida B.da Conceição
Tenille Catarina Rose Clér Beche Bruno Augusto Zunino
Rodrigo Nunes Lunardelli Pesquisa
Assessoria de Assuntos Sergio Sell Daniela E. M. Will (Coord. PUIP, PUIC, PIBIC) Gerência de Logística Produção Industrial
Internacionais Mauro Faccioni Filho(Coord. Nuvem) Jeferson Cassiano A. da Costa (Gerente) Marcelo Bittencourt (Coord.)
Murilo Matos Mendonça Coordenadores Pós-Graduação
Aloisio Rodrigues Pós-Graduação Logísitca de Materiais Gerência Serviço de Atenção
Assessoria de Relação com Poder Bernardino José da Silva Anelise Leal Vieira Cubas (Coord.) Carlos Eduardo D. da Silva (Coord.)
Público e Forças Armadas Abraao do Nascimento Germano Integral ao Acadêmico
Carmen Maria Cipriani Pandini Maria Isabel Aragon (Gerente)
Adenir Siqueira Viana Daniela Ernani Monteiro Will Biblioteca Bruna Maciel
Walter Félix Cardoso Junior Salete Cecília e Souza (Coord.) Fernando Sardão da Silva André Luiz Portes
Giovani de Paula Carolina Dias Damasceno
Karla Leonora Nunes Paula Sanhudo da Silva Fylippy Margino dos Santos
Assessoria DAD - Disciplinas a Renan Felipe Cascaes Cleide Inácio Goulart Seeman
Distância Leticia Cristina Barbosa Guilherme Lentz
Marlon Eliseu Pereira Francielle Fernandes
Patrícia da Silva Meneghel (Coord.) Luiz Otávio Botelho Lento Holdrin Milet Brandão
Carlos Alberto Areias Rogério Santos da Costa Gestão Docente e Discente Pablo Varela da Silveira
Enzo de Oliveira Moreira (Coord.) Rubens Amorim Jenniffer Camargo
Cláudia Berh V. da Silva Roberto Iunskovski Juliana Cardoso da Silva
Conceição Aparecida Kindermann Thiago Coelho Soares Yslann David Melo Cordeiro
Capacitação e Assessoria ao Jonatas Collaço de Souza
Luiz Fernando Meneghel Vera Regina N. Schuhmacher Docente Avaliações Presenciais Juliana Elen Tizian
Renata Souza de A. Subtil Simone Zigunovas (Capacitação) Graciele M. Lindenmayr (Coord.) Kamilla Rosa
Gerência Administração Alessandra de Oliveira (Assessoria)
Assessoria de Inovação e Acadêmica Ana Paula de Andrade Maurício dos Santos Augusto
Qualidade de EAD Adriana Silveira Angelica Cristina Gollo Maycon de Sousa Candido
Angelita Marçal Flores (Gerente) Alexandre Wagner da Rocha
Denia Falcão de Bittencourt (Coord) Fernanda Farias Cristilaine Medeiros Monique Napoli Ribeiro
Andrea Ouriques Balbinot Elaine Cristiane Surian Daiana Cristina Bortolotti Nidia de Jesus Moraes
Carmen Maria Cipriani Pandini Secretaria de Ensino a Distância Juliana Cardoso Esmeraldino Delano Pinheiro Gomes Orivaldo Carli da Silva Junior
Iris de Sousa Barros Samara Josten Flores (Secretária de Ensino) Maria Lina Moratelli Prado Edson Martins Rosa Junior Priscilla Geovana Pagani
Giane dos Passos (Secretária Acadêmica) Fabiana Pereira Fernando Steimbach Sabrina Mari Kawano Gonçalves
Assessoria de Tecnologia Adenir Soares Júnior Fernando Oliveira Santos Scheila Cristina Martins
Osmar de Oliveira Braz Júnior (Coord.) Tutoria e Suporte
Alessandro Alves da Silva Claudia Noemi Nascimento (Líder) Lisdeise Nunes Felipe Taize Muller
Felipe Jacson de Freitas Andréa Luci Mandira Marcelo Ramos Tatiane Crestani Trentin
Jefferson Amorin Oliveira Anderson da Silveira (Líder)
Cristina Mara Schauffert Ednéia Araujo Alberto (Líder) Marcio Ventura Vanessa Trindade
Phelipe Luiz Winter da Silva Djeime Sammer Bortolotti Osni Jose Seidler Junior
Priscila da Silva Maria Eugênia F. Celeghin (Líder)
Douglas Silveira Andreza Talles Cascais Thais Bortolotti
Rodrigo Battistotti Pimpão Evilym Melo Livramento
Tamara Bruna Ferreira da Silva Daniela Cassol Peres
Fabiano Silva Michels Débora Cristina Silveira Gerência de Marketing
Fabricio Botelho Espíndola Francine Cardoso da Silva Fabiano Ceretta (Gerente)
Coordenação Cursos Felipe Wronski Henrique Joice de Castro Peres Relacionamento com o Mercado
Coordenadores de UNA Gisele Terezinha Cardoso Ferreira Karla F. Wisniewski Desengrini
Indyanara Ramos Eliza Bianchini Dallanhol Locks
Diva Marília Flemming Maria Aparecida Teixeira
Marciel Evangelista Catâneo Janaina Conceição Mayara de Oliveira Bastos Relacionamento com Polos
Roberto Iunskovski Jorge Luiz Vilhar Malaquias Patrícia de Souza Amorim Presenciais
Juliana Broering Martins Schenon Souza Preto Alex Fabiano Wehrle (Coord.)
Leandro Kingeski Pacheco
Maria Juliani Nesi

Filosofia
Livro didático

Revisão e atualização de conteúdo


Leandro Kingeski Pacheco

Design instrucional
Karla Leonora Dahse Nunes
Leandro Kingeski Pacheco
Roseli Rocha Moterle

4ª edição

Palhoça
UnisulVirtual
2011
Copyright © UnisulVirtual 2011
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição – Livro Didático

Professores Conteudistas
Leandro Kingeski Pacheco
Maria Juliani Nesi

Revisão e atualização
de conteúdo
Leandro Kingeski Pacheco

Design Instrucional
Karla Leonora Dahse Nunes
Leandro Kingeski Pacheco
Lívia da Cruz
Roseli Rocha Moterle (4ª edição)

Projeto Gráfico e Capa


Equipe UnisulVirtual

Diagramação
Rafael Pessi
Anne Cristyne Pereira (4ª edição)

Revisão
Diane Dal Mago

100
P11 Pacheco, Leandro Kingeski
Filosofia : livro didático / Leandro Kingeski Pacheco, Maria Juliani Nesi;
revisão e atualização de conteúdo Leandro Kingeski Pacheco ; design
instrucional Karla LeonoraDahse Nunes, Leandro Kingeski Pacheco, [Lívia
da Cruz], Roseli Rocha Moterle. – 4. ed. – Palhoça: UnisulVirtual, 2011.
234 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Filosofia. 2. Teoria do conhecimento. I. Nesi, Maria Juliani. II. Nunes,


Karla Leonora Dahse. III. Cruz, Lívia da. IV. Moterle, Roseli Rocha. V. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul


Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Palavras dos professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

UNIDADE 1 - O sentido primordial


da Filosofia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
UNIDADE 2 - Lógica? Para que te quero? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
UNIDADE 3 - Algumas ideias sobre a Teoria do Conhecimento . . . . . . . . . . 65
UNIDADE 4 - As raízes da Teoria do Conhecimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
UNIDADE 5 - Questões do conhecimento no pensamento moderno e
contemporâneo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
UNIDADE 6 - Ética e moral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
UNIDADE 7 - A ética de Aristóteles, de Kant e de Mill. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
UNIDADE 8 - Questões da Ética contemporânea. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197

Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217


Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
Sobre os professores conteudistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Respostas e comentários das
atividades de autoavaliação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225
Biblioteca Virtual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina Filosofia.

O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autônoma


e aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados
à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem didática
e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância,
proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a
um aprendizado contextualizado e eficaz.

Lembre-se que sua caminhada, nesta disciplina, será


acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema
Tutorial da UnisulVirtual, por isso a “distância” fica
caracterizada somente na modalidade de ensino que você optou
para sua formação, pois na relação de aprendizagem professores
e instituição estarão sempre conectados com você.

Então, sempre que sentir necessidade entre em contato; você tem


à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como:
telefone, e-mail e o Espaço Unisul Virtual de Aprendizagem,
que é o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e
recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade.
Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe
atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual.

7
Palavras dos professores

Caro aluno (a),

Você está iniciando o estudo da disciplina Filosofia.

Com o apoio deste livro didático, você mergulhará no


mundo fascinante da Filosofia. Você estudará, basicamente,
duas grandes áreas de atuação da Filosofia: a Teoria do
Conhecimento e a Ética. Antes de abordar tais saberes, você
estudará uma breve caracterização do sentido primordial de
Filosofia, assim como da Lógica.

Ao estudar o sentido primordial da Filosofia você iniciará os


primeiros passos nesta área e conhecerá a autonomia, a reflexão,
a crítica e a criatividade como competências que gostaríamos
que você desenvolvesse durante o estudo deste livro.

Com a Lógica, uma área específica e básica de estudo da


Filosofia, você aprenderá a desenvolver algumas estratégias
para ler um texto filosófico (ou mesmo textos do cotidiano)
ao reconhecer, por exemplo, a estrutura básica do raciocínio.
Assim, você poderá se apropriar de valiosos instrumentos
para examinar os trechos dos próprios filósofos, utilizados em
algumas unidades.

Com o estudo da Teoria do Conhecimento você identificará


inúmeras respostas acerca de como o conhecimento é
constituído. Há mais de 2.500 anos o homem tenta decifrar
como ocorre o conhecimento, e essa é uma pergunta básica
para o filósofo. Veja que a pergunta é crucial para todas as
pessoas, inclusive para você, pois se descobrirmos quais são as
nossas limitações e os nossos facilitadores mais expressivos no
ato de conhecer, mais fácil e rapidamente aprenderemos.

Estudando a ética, você percorrerá alguns caminhos, algumas


reflexões que investigaram quais condutas morais devem ser
escolhidas pelo homem. Que devemos fazer? Quais condutas
Universidade do Sul de Santa Catarina

morais são corretas ou erradas? E, que critérios devemos utilizar


para justificar uma ação moral? Várias respostas foram propostas
para essas perguntas. Com o conhecimento delas, você terá
melhores condições de avaliar que ações devem ser tomadas e
de se posicionar diante do nosso cotidiano, do nosso mundo, tão
repleto de conflitos.

Bom estudo!

Professor Leandro Kingeski Pacheco e


Professora Maria Juliani Nesi

10
Plano de estudo

O plano de estudos visa a orientá-lo no desenvolvimento da


disciplina. Ele possui elementos que o ajudarão a conhecer o
contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva


em conta instrumentos que se articulam e se complementam,
portanto, a construção de competências se dá sobre a
articulação de metodologias e por meio das diversas formas de
ação/mediação.

São elementos desse processo:

„„ o livro didático;

„„ o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA);

„„ as atividades de avaliação (a distância, presenciais e de


autoavaliação);

„„ o Sistema Tutorial.

Ementa
Tópicos do pensamento ocidental: Teoria do Conhecimento e
Ética.

Objetivos

Geral
Ler e interpretar textos filosóficos e produzir textos escritos.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Específicos
„„ Compreender o sentido primordial de Filosofia e
identificar alguns temas específicos de estudo da
Filosofia.

„„ Conhecer a Lógica, tipos de proposição, funções da


proposição no raciocínio e tipos de raciocínio válidos e
inválidos.

„„ Compreender algumas questões fundamentais da Teoria


do Conhecimento e distinguir formas de conhecimento.

„„ Distinguir a concepção de conhecimento segundo


Sócrates, Platão e Aristóteles.

„„ Distinguir a concepção de conhecimento segundo


Descartes, Hume e Kant.

„„ Conhecer contribuições de Kuhn e Feyerabend para


pensar o conhecimento científico.

„„ Distinguir a Ética da moral.

„„ Compreender o surgimento da Ética com a ética de


Sócrates.

„„ Distinguir a ética de Aristóteles, de Kant e de Mill.

„„ Distinguir considerações éticas propostas por Nietzsche,


Foucault, Rawls e Singer.

Carga horária
A carga horária total da disciplina é de 60 horas-aula.

12
Filosofia

Conteúdo programático/objetivos
Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de
conhecimentos que você deverá deter para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação. Neste
sentido, veja a seguir as oito unidades que compõem o livro
didático desta Disciplina, bem como os seus respectivos objetivos

Unidades de estudo: 8

Unidade 1 – O sentido primordial da Filosofia

Nesta unidade você conhecerá e compreenderá o sentido


primordial da Filosofia ao estudar o seu significado etimológico e
as atividades do primeiro filósofo. Verá, contudo, que a Filosofia
pode apresentar vários sentidos, em função do que vários
filósofos pensam. Também identificará algumas características
fundamentais para o Filosofar: a autonomia, a reflexão, a crítica e
a criatividade. Ainda, estudará que a Filosofia abrange uma vasta
área de estudos, cada uma com um objeto específico de estudo.

Unidade 2 – Lógica? Para que te quero?

Você estudará o que é a Lógica. Nesse sentido, estudará


o raciocínio e os elementos que o compõem. A partir do
instrumental fornecido pela Lógica, você aprimorará sua
capacidade de interpretar os raciocínios e de evitar algumas
armadilhas lógicas. Assim, você poderá ler e interpretar textos
filosóficos, ou mesmo textos simples do nosso cotidiano,
apreendendo o seu sentido.

Unidade 3 – Algumas ideias sobre a Teoria do Conhecimento

Nesta unidade você identificará características básicas do


conhecimento humano e tratará de questões fundamentais
acerca da Teoria do Conhecimento, que atravessaram a
história ocidental desde os primeiros filósofos gregos até a
contemporaneidade.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Unidade 4 – As raízes da Teoria do Conhecimento

Aqui você estudará o pensamento dos filósofos pré-socráticos,


Sócrates, Platão e Aristóteles sobre como podemos conhecer. E
verá, brevemente, o legado que eles deixaram para os pensadores
de períodos posteriores.

Unidade 5 – Questões do conhecimento no pensamento moderno e


contemporâneo

Nesta unidade você estudará o pensamento dos seguintes


filósofos modernos: Descartes, Hume e Kant. Também estudará,
questões que foram propostas na contemporaneidade, e, nesse
sentido, reflexões sobre as ciências e os limites da razão. Foram
escolhidos para essa análise os filósofos: Kuhn e Feyerabend.

Unidade 6 – Ética e moral

O propósito desta unidade é que você estude a distinção entre


ética e moral, mesmo sendo elas indissociáveis. Você verá que a
origem da Ética está ligada à de Sócrates. Também estudará que
as teorias éticas podem ser classificadas como ética normativa,
pragmática e metaética.

Unidade 7 – A ética de Aristóteles, de Kant e de Mill

Nesta unidade você estudará três singulares teorias éticas,


de Aristóteles, Kant e de John Stuart Mill. Estudará, em
Aristóteles, a importância do meio-termo para cultivarmos a
virtude; em Kant, a importância do imperativo categórico, e em
Mill, a utilidade como o critério para nortear a ação.

Unidade 8 – Questões da ética contemporânea

Você estudará considerações éticas de alguns filósofos


contemporâneos, especificamente de Nietzsche, Foucault, Rawls
e Singer. Tais considerações ampliam nosso entendimento sobre
como deve ser a ação moral.

14
Filosofia

Agenda de atividades/Cronograma

„„ Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar


periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus
estudos depende da priorização do tempo para a leitura,
da realização de análises e sínteses do conteúdo e da
interação com os seus colegas e professor.

„„ Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço


a seguir as datas com base no cronograma da disciplina
disponibilizado no EVA.

„„ Use o quadro para agendar e programar as atividades


relativas ao desenvolvimento da disciplina.

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)

15
1
unidade 1

O sentido primordial
da Filosofia
Leandro Kingeski Pacheco

Objetivos de aprendizagem
„„ Compreender o sentido primordial da Filosofia.

„„ Refletir sobre as categorias de autonomia, de reflexão, de


crítica e de criatividade.

„„ Identificar alguns temas específicos de estudo da Filosofia.

„„ Analisar e sintetizar trechos de textos filosóficos.

Seções de estudo
Seção 1 O sentido primordial da Filosofia

Seção 2 Autonomia, reflexão, crítica e criatividade

Seção 3 Alguns temas específicos de estudo da Filosofia


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você começa a estudar o que é a Filosofia e
verá que ela apresenta várias áreas de estudo. Ao investigar
alguns temas específicos, compreenderá que a Filosofia não é
um conhecimento definitivo, acabado, porém, encontra-se em
constante movimento e revisão.

Você também identificará a autonomia, a reflexão, a crítica e


a criatividade como procedimentos básicos e decisivos para
a Filosofia e para o filósofo – assim como será estimulado a
desenvolver essas capacidades durante o estudo deste livro didático.

Além das obras referidas para


aprofundamento de estudos nesta
unidade, é pertinente indicar a
leitura de algum livro específico
sobre história da Filosofia. Entre
elas, muito esclarecedora é o estudo
Seção 1 – O sentido primordial da Filosofia
da coleção de oito volumes dirigida
por Châtelet. O próprio Châtelet Afinal o que é Filosofia? Se perguntarmos para dez filósofos o
(1974, v. 1-v. 8, p. 9) evidencia o que é Filosofia, cada um proporá uma resposta diferente para essa
aspecto cronológico da coleção questão. Esta diversidade de perspectivas, por mais incrível que
e uma limitação óbvia: “O título
pareça, não é considerada no meio filosófico um problema, e sim,
desta obra coletiva é História
da Filosofia – Ideias, Doutrinas. uma rica oportunidade de confrontar diferentes posições e de
Cumpre torná-lo no rigor dos aprendermos com elas.
termos. Trata-se certamente de
uma história: a ordem adotada As várias concepções sobre o que é Filosofia são influenciadas
é cronológica, à medida que a tanto pela diversidade de inúmeros contextos, sócio-político-
cronologia é intelectualmente mais histórico e cultural, quanto pela rica vivência e experiência de
eficaz que a classificação alfabética,
cada filósofo.
por exemplo, e que permite
frequentemente localizar filiações,
onde essas existem [...] Entretanto,
Você, que faz um estudo introdutório como este em Filosofia,
[...] essa história da filosofia não quer certamente saber do que se está falando. Porém, uma
se coloca absolutamente como um compreensão adequada desse termo requer tempo e dedicação.
ideal, uma restauração integral
do pensamento filosófico, em que Antes de aprofundarmos o estudo sobre o que é a Filosofia, como
todos os autores, sua influência exercício, procure expor o que é a Filosofia:
e suas relações estivessem
assinalados [...].

18
Filosofia

Agora que você empenhou-se em pensar no que é a Filosofia,


vamos aproximar-nos do respectivo sentido primordial, referente
à etimologia e ao seu surgimento.
fonte primeira, sentido
que origina, principia.
Acompanhe, assim, a etimologia da palavra ‘Filosofia’. A
palavra ‘Filosofia’ tem origem grega e é composta por duas
outras palavras: ‘philo’ e ‘sophia’. ‘Philo’ significa, basicamente,
amizade, amor. ‘Sophia’ significa saber, sabedoria. Observe que a
partir dessa simples análise etimológica, Filosofia significa amor
ao saber e o filósofo é aquele que ama o saber.

Esse sentido primordial de Filosofia é justamente o proposto pelo


filósofo da Grécia antiga Pitágoras (570-490 a.C.) ao cunhar,
criar o termo. Pitágoras, em certa ocasião, foi chamado de sábio.
Pitágoras replicou afirmando que não era sábio, mas um amante
do saber, um filósofo. A Filosofia, então, seria uma procura pelo
saber, um amor à sabedoria, assim como os saberes consequentes Conforme Diôgenes
desta busca. Laêrtios (1988, p. 230)
“[...] Pitágoras, quando
Pitágoras também dizia que o verdadeiro saber pertence aos Lêon, tirano de Fliús,
deuses, e que os homens, embora ignorantes, por meio da perguntou-lhe quem
era ele, respondeu: ‘Um
Filosofia, do empenho em saber, podem aproximar-se dos
filósofo.’. Comparava a vida
deuses, do plano divino. aos Grandes Jogos, aos
quais alguns compareciam
Essa concepção etimológica de Filosofia não é aceita por todos para lutar, outros para
os filósofos, uma vez que eles pensam a Filosofia a partir de suas fazer negócios, e outros
respectivas concepções sobre o mundo. ainda – os melhores –
como espectadores; com
De fato, muitas definições atuais de Filosofia não coincidem com efeito, alguns crescem
o sentido primordial proposto por Pitágoras. escravos da fama, outros
ambiciosos de ganhos,
e os filósofos ávidos da
Visando a ampliar sua compreensão sobre a Filosofia, foram
verdade.”
dispostas, no final desta unidade,
atividades de autoavaliação que
abordam algumas outras concepções
sobre o que é a Filosofia, e, mesmo,
sobre o filósofo e o filosofar.

Agora que você conheceu a origem


etimológica da palavra Filosofia,
acompanhe, brevemente, a atitude
radical do primeiro filósofo com o
Figura 1.1 – Pitágoras
Fonte: Mathematical Thought (2010).
consequente surgimento da Filosofia.

Unidade 1 19
Universidade do Sul de Santa Catarina

Quem foi o primeiro filósofo?


Foi o grego Tales de Mileto (624-546 a.C.). Observe, assim,
que a Filosofia apresenta uma data e um local de surgimento
preciso. Tales foi o primeiro filósofo porque radicalizou a atitude
do homem em relação ao mundo. O que ele fez? Começou a
questionar racionalmente a natureza 1 com perguntas como essas:

Figura 1.2 – Tales de Mileto


Por que uma planta cresce? Por que ela se desenvolve
Fonte: Peniche (2006). e morre? Por que os seres vivos nascem, se
desenvolvem e morrem? O que garante a vida dos
seres vivos? Qual o princípio (arkhé)2 que origina
1
Os gregos antigos tinham uma todos os seres?
concepção de natureza diferente
da nossa, de hoje. O conceito de
natureza (physis) grego abrangia
todas as coisas que existem, Hoje, esses questionamentos podem parecer ‘bobos’ para você.
inclusive a subjetividade humana,
Mas, há 2.500 anos, as respostas existentes estavam impregnadas
o processo de nascimento,
desenvolvimento e morte dos seres,
de misticismo, de religião e de mistério. Ademais, essas
o processo de geração e corrupção perguntas não são tão simples. A última, por exemplo, ainda não
das coisas. recebeu uma resposta que seja um consenso, aceita por todos.

2
A formulação dessas perguntas e o modo como Tales 3 as
Arkhé é uma palavra grega que
responde inauguram a Filosofia. Tales, para tanto, não apela para
designa princípio. Os primeiros
filósofos, os pré-socráticos, divindades ou para eventos inexplicáveis, pois ele não se satisfaz
tinham em comum o fato de que com as respostas já dadas. O radicalismo de Tales está presente
investigavam qual seria o princípio ao procurar investigar, compreender o nosso mundo (com os
(arkhé) constitutivo de todas as escassos recursos que havia há 2.500 anos) de modo racional.
coisas, presentes na natureza
(natureza essa entendida em seu Tales acredita que há razões, motivos, em função dos quais
sentido amplo como physis).
uma planta, por exemplo, nasce, cresce e morre. Fundamenta
a investigação de Tales a concepção de que o nascimento, o
3
Tales é considerado o primeiro crescimento e a morte são efeitos que podemos perceber, mas
filósofo assim como também um que existe uma causa que originou essa mudança. Essa relação
filósofo pré-socrático. Marcondes de causa e efeito, o princípio da causalidade, é uma prova
(2005, p. 11) explica que “Os
indiscutível da racionalidade humana e do surgimento da
pré-socráticos foram os primeiros
pensadores que, nas cidades gregas
Filosofia como tentativa de investigação racional da realidade.
da Ásia Menor por volta do séc.
VI a. C., procuravam desenvolver Tales, ao procurar por respostas, buscou explicações que
formas de explicação da realidade serviriam não para um único ser ou para uma única espécie, mas
natural, do mundo que os cercava, para toda a coletividade, para toda a totalidade dos seres. Nesse
independentemente do apelo a sentido, a Filosofia surge, primordialmente, com o propósito de
divindades e a forças sobrenaturais.”

20
Filosofia

fornecer respostas amplas e válidas para todos os seres. Veja que


a Filosofia investiga, fundamentalmente, como nosso mundo é,
como nossa realidade é.

Em função do surgimento da Filosofia, a partir do primeiro


filósofo, podemos propor essa definição:

A Filosofia é uma procura racional por respostas, ao


se considerar a totalidade dos seres, considerando o
princípio da causalidade como um guia fundamental
para essa investigação.

Observe, contudo, que esta é apenas uma definição de Filosofia,


contextualizada em função da atividade primordial do primeiro
filósofo. Muitas outras definições poderiam ser estudadas.
Lembramos que, na seção de ‘atividades de autoavaliação’ desta
unidade, propomos exercícios sobre a identificação de uma série
de definições, com o objetivo de ampliar sua concepção sobre o
que é Filosofia.

Antes de passarmos para o próximo tópico, saiba que Tales


propôs a água como o princípio em função do qual se originam
todos os seres - como resposta àquela última pergunta (Qual o
princípio que origina todos os seres?).

Unidade 1 21
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais sobre a água como princípio


Conforme Aristóteles, Metafísica; A 3, 983 b6 (apud KIRK; RAVEN;
SCHOFIELD, 1994, p. 86-87) “Na sua maior parte, os primeiros
filósofos pensaram que os princípios, sob a forma de matéria,
foram os únicos princípios de todas as coisas: pois a fonte original
de todas as coisas que existem, aquela a partir da qual uma coisa
é primeiro originada e na qual por fim é destruída, a substância
que persiste, mas se modifica nas suas qualidades, essa, afirmam
eles, é o elemento e o primeiro princípio das coisas existentes,
e por essa razão consideram que não há geração ou morte
absolutas, com base no fato de uma tal natureza sempre ser
preservada... pois deve haver alguma substância natural, uma ou
mais do que uma, de que provêm as outras coisas, enquanto ela
é preservada. Contudo, sobre o número e a forma desta espécie
de princípio nem todos estão de acordo; mas Tales, o fundador
desse tipo de filosofia, diz que é a água [...], tendo talvez
formulado essa suposição por ver que o alimento de todas as
coisas é úmido, e que o próprio calor dele provém e vive graças
a ele (aquilo de que provém é o princípio de todas as coisas) –
formulou a hipótese não só a partir disso, como ainda do fato dos
embriões de todas as coisas terem uma natureza úmida, sendo a
água o princípio natural das coisas úmidas.”

Sabe-se, hoje, que essa resposta está equivocada, pois a água não
é o ‘princípio’, a única coisa, que origina ‘todos os seres’, vivos ou
não. Contudo, se a resposta não está certa, o perguntar e o modo
como Tales procurou compreender nosso mundo influenciou
grandemente o surgimento da Filosofia e o amadurecimento da
humanidade.

Acompanhe agora, brevemente, alguns procedimentos


fundamentais para a Filosofia e para o filósofo, que foram e
são importantes para o “amadurecimento da humanidade”:
as categorias de autonomia, reflexão, crítica e criatividade. A
compreensão dessas categorias e a prática constante delas também
contribuem para o nosso amadurecimento.

22
Filosofia

Seção 2 - Autonomia, reflexão, crítica e criatividade


Sempre que alguém estuda Filosofia, algumas competências,
habilidades ou atitudes afloram, iniciam um desenvolvimento
ou um amadurecimento. Dentre essas competências, habilidades
ou atitudes sobressaem a autonomia, a reflexão, a crítica e a
criatividade.

Mas, como você, por meio da Filosofia, pode


desenvolver essas competências, habilidades ou
atitudes?

Para começar, precisamos entender o que significa cada uma.


Depois, precisamos exercitar.

Autonomia
Veja que a autonomia está ligada à capacidade de pensar por si
próprio. A palavra autonomia é de origem grega e é composta por
duas outras palavras, ‘autós’ e ‘nómos’. ‘Autós’ refere-se à condição
de independência, de realizar algo por si mesmo, por si próprio.
‘Nómos’ refere-se à lei, à norma, à regra.

Assim, aquele que é autônomo é capaz de pensar por si só, é


aquele que estabelece regras e procedimentos a partir de si mesmo.
Todos os seres humanos devem desenvolver a autonomia, mas,
infelizmente, vivemos em uma sociedade que não valoriza essa
capacidade.

Vamos a um exemplo.

Unidade 1 23
Universidade do Sul de Santa Catarina

As mídias inundam nosso mundo com propagandas


sobre como é bom consumir. Mas, lá pelas tantas,
você cansa do consumo exagerado e começa a se
perguntar se tudo aquilo que você tem consumido em
demasia é realmente necessário. Começa a questionar
se é preciso ter mais de um carro, se tal carro precisa
mesmo atingir 300 Km por hora (quando o limite de
velocidade é 100 Km por hora), se é preciso trocar de
carro todo ano; se é preciso ter mais de uma TV em
casa; se é preciso ter cinquenta pares de sapato; se é
preciso ser milionário para ser feliz etc.
Ao questionar o consumo exagerado e propor
consumir apenas produtos e serviços necessários
para você, já temos um exemplo de exercício de
autonomia.

Reflexão
A reflexão, por sua vez, refere-se à capacidade dos seres humanos
pensarem sobre o próprio pensamento. Neste livro didático
de Filosofia, queremos que você desenvolva a reflexão sobre a
realidade. Os conteúdos deste livro não significam nada se você
constantemente não procurar estabelecer uma reflexão sobre eles.
Assim, reflita sobre como esses conteúdos podem ajudá-lo a ampliar
sua visão de mundo e como, a partir dessa visão, você deve agir.

Veja um exemplo.

Você é um ser humano. E, como tal, pode pensar em um


modelo ideal de ser humano, um modelo de como todos
devem pensar e agir. Ao pensar neste modelo ideal de
ser humano, você está refletindo sobre a humanidade,
assim como está refletindo sobre si mesmo.
A reflexão é como um reflexo em um espelho.
Imagine-se em frente a um espelho. O que você
vê? Vê a si mesmo. De modo análogo, a reflexão é o
pensamento que vê a si mesmo; é o pensamento que
vê, observa o próprio pensamento.

24
Filosofia

Crítica
Já a crítica está ligada a nossa capacidade de questionar e julgar.
Você também precisa desenvolver essa capacidade. Mas o que
significa criticar? Significa questionar e julgar, não se conformar
com as explicações já fornecidas sobre o nosso mundo. Observe,
assim, que a crítica sempre está condicionada a um modo como o
nosso mundo já foi explicado.

Enquanto crianças, nosso espírito inquiridor, questionador, é


intenso. Ao crescermos, por inúmeras motivações, conscientes
ou inconscientes, afastamo-nos desse questionar. O filósofo, por
outro lado, não para de questionar.

Criticar abrange duas características básicas:

„„ questionar os fundamentos, as ideias, as causas e os


efeitos de um fenômeno;

„„ julgar estes fundamentos ou ideias como aceitáveis ou não.

Acompanhe um exemplo de crítica que se refere ao fenômeno da chuva.

Ora, como ocorre a chuva, qual a sua causa e os seus


efeitos? Na antiguidade, esse fenômeno era explicado
como um ato divino. Porém, em determinado
momento, alguns pensadores discordaram desse
modo de explicar a realidade. Começou-se, então,
a ‘questionar’ e a ‘julgar’ as explicações anteriores,
referentes à chuva.

Ao se questionar e julgar as explicações sobre nosso mundo,


desenvolvemos uma crítica. Nossa sociedade não está preparada
para críticas. Aliás, quem gosta de ser criticado? Para receber
críticas, é preciso ser maduro, mas nem todos o são.

Crítica, no sentido filosófico, não deve ser confundida


com pura e simples crítica destrutiva ou depreciativa.
Ela é um passo necessário para desenvolvermos a
criatividade, nosso próximo tópico de estudo.

Unidade 1 25
Universidade do Sul de Santa Catarina

Criatividade
A criatividade está relacionada a nossa capacidade de gerar,
de criar o novo. A criatividade representa um passo posterior
em relação à crítica. Se, ao criticar, questionamos e julgamos
as explicações sobre o nosso mundo, então, agora estamos
preparados para desenvolver a criatividade, ao propor uma ‘nova’
explicação sobre o mundo.

O verdadeiro filósofo não se contenta em evidenciar os


‘equívocos’, ele propõe evidenciar ‘acertos’, uma solução.
Acompanhe o exemplo.

Todo mundo reclama da violência, da fome e da


injustiça no Brasil - e com razão.
Assim, fica evidente que as pessoas estão
desenvolvendo uma crítica sobre nosso país, ao
questionar nossos problemas e julgá-los. Mas, a crítica
pela crítica desfaz-se na falta de resultados.
A partir do questionamento e do julgamento - da
crítica - precisamos então criar uma solução, uma
alternativa. O que fazer neste caso brasileiro?
A verdade é que nós, brasileiros, também não
fomos criados para sermos criativos e sim para
reproduzirmos um modelo de pensar e de agir. Assim,
tornamo-nos autômatos, simplórios, sem capacidade
de fazer algo diferente daquilo para o qual fomos
‘programados’. Como nunca fomos educados para
sermos criativos, aguardamos ‘pacientemente’ por
soluções importadas.
Contudo, podemos pensar em soluções criativas,
em soluções inovadoras, para os problemas que
vivenciamos na sociedade brasileira, no trabalho e na
família, enfim, no nosso mundo.
Para tanto, devemos exercitar a criatividade. Pense!
Permita-se, por meio da criatividade, criar o inédito.

26
Filosofia

Não queremos atribuir a você a necessidade de ser


um filósofo profissional, mas queremos que se sinta
seguro - em função de algum apoio conceitual, de
categorias e teorias - para exercitar a compreensão da
realidade e, assim, iniciar o estudo da Filosofia.

A princípio, as capacidades de autonomia, reflexão, crítica e


criatividade estão intimamente associadas. Nessa perspectiva,
à medida que o ser humano utiliza uma dessas capacidades, as
outras também o são. Observe, contudo, que a utilização das
capacidades varia conforme o problema que o ser humano se
defronta, que quer resolver.

Em alguns momentos, diante de alguns problemas que


vivenciamos, talvez ora utilizemos mais a capacidade de reflexão,
ora a autonomia, ora a criticidade ou a criatividade. Ou seja,
podemos vivenciar situações, casos, em que a utilização de uma
dessas capacidades é muito mais intensa do que as outras.

Acompanhe um exemplo.

Quando uma criança desenha uma borboleta, ela


provavelmente utiliza muito mais a criatividade
do que a reflexão, do que a criticidade, do que
a autonomia. Veja, não significa que a criança
já não utiliza certa autonomia, certa criticidade,
certa reflexão, mas que, na hora de tal desenho, a
criatividade é a capacidade que mais vige.

Unidade 1 27
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 3 – Alguns temas específicos de estudo


da Filosofia
A Filosofia é composta por inúmeras áreas específicas de
estudo, por inúmeros temas que são investigados. Algumas
dessas áreas são as seguintes: Teoria do Conhecimento, Ética,
Lógica, Filosofia Política, Ontologia, Antropologia Filosófica,
Estética etc. Cada uma destas áreas da Filosofia auxilia-nos na
compreensão de nosso mundo.

Dessas áreas, duas são fundamentais para o nosso estudo: Teoria


do Conhecimento e Ética, temas principais que você estuda neste
livro didático.

Teoria do Conhecimento
A Teoria do Conhecimento é uma área da Filosofia que investiga
o conhecimento, quais as suas características, como ele ocorre,
qual a sua origem, quais os limites do ser humano para conhecer
etc. Uma das perguntas formuladas é: - Como conhecemos?

Ética
A Ética, outra área da Filosofia, estuda a moral, como o ser
humano deve agir considerando valores e critérios etc. Uma das
questões fundamentais, para a Ética, é: - Como devemos agir
moralmente? O que significa agir errado ou corretamente? Como
praticar o bem e evitar o mal?

Você também estudará neste livro didático uma introdução


à Lógica, uma vez que ela pode auxiliá-lo no trabalho de
compreensão da Teoria do Conhecimento e da Ética.

Lógica
A Lógica estuda o raciocínio, como correto ou incorreto. Todos
os filósofos apresentam suas ideias por meio de raciocínios. Se
conseguirmos identificar os elementos que compõem o raciocínio,
mais facilmente entenderemos os raciocínios dos diferentes
28
Filosofia

filósofos. Uma das perguntas fundamentais, formulada pela


Lógica, é: - Como raciocinamos corretamente?

As seguintes áreas da Filosofia não serão aprofundadas em nosso


livro didático, mas registramos um breve comentário sobre as
suas atividades.

Filosofia Política
A Filosofia Política estuda como o Estado deve ser, quais leis
devem ser propostas, para os cidadãos, pelos cidadãos etc. Entre
os inúmeros modos de organizar-se politicamente, destacam-se,
por exemplo, a proposta liberal e a social.

Ontologia
Ontologia significa o estudo do ser. ‘Ser’ refere-se, aqui, a todas
as coisas que existem, quais as suas características, propriedades,
diferenças, fundamentos etc. Afinal: - O que existe? E, como
existe? O que existe está sujeito à mudança? Ou, o que existe
sempre permanece como já é? Se as coisas mudam, mudam
sempre do mesmo modo?

Antropologia Filosófica
A antropologia filosófica tem o homem como principal objeto
de estudo e propõe estudar questões como: - O que é o homem?
Existe um modelo de homem que deve orientar a todos? Ou, tal
modelo é uma ilusão uma vez que o homem se faz, realiza-se na
sua própria existência, no existir, nas suas vivências?

Estética
A Estética é uma área da Filosofia que pesquisa as sensações, as
impressões, que temos do mundo, ligadas à arte e ao belo. São
investigadas questões como: - O que é belo? O que é ‘o’ belo? O
que é a arte? Existem valores que determinam o que é belo?

Unidade 1 29
Universidade do Sul de Santa Catarina

E, então, como é vasto o campo da Filosofia, não é mesmo?

Figura 1.3 – Guernica de Picasso


Fonte: Tagliavini (2004).

Síntese

Nesta unidade, você estudou muito brevemente o sentido


primordial da Filosofia ao conhecer o significado etimológico
da Filosofia; e ao conhecer uma definição do que é Filosofia,
contextualizada em função da atividade do primeiro filósofo, Tales.

Você também estudou algumas características básicas da


Filosofia, categorias fundamentais para o filosofar e o
amadurecimento, como capacidades, habilidades e atitudes
que queremos que você desenvolva: a autonomia, a reflexão, a
criticidade e a criatividade.

Ainda viu que a Filosofia é composta por várias áreas de estudo,


as quais você poderá se aprofundar nas bibliografias sugeridas.

30
Filosofia

Atividades de autoavaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O
gabarito está disponível no final do livro didático. Mas, esforce-se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
promovendo (estimulando) a sua aprendizagem.

1) Identifique, com um ‘X’, os trechos abaixo que apresentam um


sentido próximo à etimologia da Filosofia ou à definição de Filosofia
contextualizada em função das atividades do primeiro filósofo. Essa
atividade visa a exercitar sua capacidade de compreensão do que é
Filosofia.
a) ( ) A Filosofia, nos seus primórdios, era entendida como amor ao
saber.
b) ( ) O filósofo é aquele que detém o saber sobre todas as coisas,
que se posiciona diante da realidade como alguém que já sabe
de tudo. Por isso, sábio, não precisa investigar nada, não precisa
questionar nada.
c) ( ) O filósofo, conforme a origem da Filosofia, é aquele que investiga
racionalmente e que questiona o fundamento de todas as coisas,
consideradas enquanto uma totalidade.
d) ( ) Qualquer um, de qualquer modo, pode filosofar.
e) ( ) A tentativa de explicar a realidade considerando o princípio da
causalidade, de que para todo efeito existe uma causa, é um
procedimento racional que está associado à origem da Filosofia.
f) ( ) O estudo da realidade independe de uma explicação racional,
pois o princípio da causalidade não é válido para todos os seres.

2) Todas as passagens abaixo apresentam uma concepção de


Filosofia, de filósofo ou de filosofar. Como já observamos, é enorme
a diversidade de concepções sobre o que é Filosofia. Mesmo assim,
identifique se alguma das passagens abaixo coincide exatamente com
o sentido etimológico da Filosofia. Essa atividade visa a exercitar sua
capacidade de compreensão do que é Filosofia.

a) ( ) “Essa palavra designa o estudo da sabedoria, e por sabedoria não


se entende somente a prudência nas coisas, mas um perfeito
conhecimento de todas as coisas que o homem pode conhecer,
tanto para a conduta de sua vida quanto para a conservação de
sua saúde e a invenção de todas as artes.”. (DESCARTES apud
ABBAGNANO, 2000, p. 442).

Unidade 1 31
Universidade do Sul de Santa Catarina

b) ( ) “Todos os homens são filósofos, enquanto pensam [...] enquanto


refletem sobre a cultura, a linguagem e o mundo que recebem
ao nascer [...] assumindo-o não de maneira pronta e passiva, mas
de maneira crítica e responsável.”. (GRAMSCI apud NUNES, 1986,
p. 14).
c) ( ) “A filosofia, mais do que qualquer outra disciplina, necessita
ser vivida. Necessitamos ter dela uma “vivência” [...] Vivência
significa que temos realmente em nosso ser psíquico; o que
real e verdadeiramente estamos sentindo, tendo, na plenitude
da palavra ‘ter’ [...] Pelo contrário, uma definição de filosofia,
que se dê antes de tê-la vivido, não pode ter sentido, resultará
ininteligível. Parecerá talvez inteligível nos seus termos; será
composta de palavras que oferecem sentido; mas esse sentido
não estará cheio da vivência real.”. (MORENTE, 1970, p. 23-24).
d) ( ) “A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo”. (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 19)

3) Descreva em, no máximo, cinco linhas um exemplo de autonomia,


reflexão, crítica e criatividade - que você tenha presenciado ou exercido.

a) Autonomia

b) Reflexão

32
Filosofia

c) Crítica

d) Criatividade

Saiba mais

Se você quiser aprofundar seus conhecimentos referentes ao


sentido primordial da Filosofia; às atividades do primeiro
filósofo; às categorias de autonomia, reflexão, crítica e
criatividade; assim como seus conhecimentos referentes aos
temas de estudo específicos da Filosofia, consulte as seguintes
referências:

CHÂTELET, F. História da filosofia: ideias, doutrinas. (8


vol.). Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 8. ed. São Paulo: Ática,


1997.

MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos de filosofia: lições


preliminares. 4. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

Unidade 1 33
Universidade do Sul de Santa Catarina

NUNES, César Aparecido. Aprendendo filosofia. Campinas:


Papirus, 1986.

34
2
unidade 2

Lógica? Para que te quero?


Leandro Kingeski Pacheco

Objetivos de aprendizagem
„„ Conhecer a Lógica, tipos de proposição e funções da
proposição no raciocínio.

„„ Distinguir indicadores de premissa de indicadores de


conclusão.

„„ Distinguir raciocínios válidos de raciocínios inválidos.

„„ Construir raciocínios válidos e evitar raciocínios inválidos.

Seções de estudo
Seção 1 Qual é a origem e o que é a Lógica?

Seção 2 A proposição

Seção 3 Premissas, conclusão e relação de consequência

Seção 4 Raciocínios válidos

Seção 5 Raciocínios inválidos


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você estudará a Lógica. Podemos viver uma
vida inteira sem conhecê-la. A maior parte das pessoas nunca a
estudou e, eventualmente, usam o termo “lógica” apenas como
sinônimo de clareza ou certeza. Isso não desmerece essas pessoas,
mas subtrai da Lógica seu caráter científico, rigoroso e educativo.

A Lógica dedica-se ao estudo rigoroso, sistemático, do raciocínio


e, ao fazer isto, estabelece um instrumental útil a essa análise.
Você pode perguntar: onde está o raciocínio? Eu não o vejo?
O estudo da Lógica, tal qual o uso de óculos adequados a uma
vista cansada, pode nos ajudar a enxergar os raciocínios que
inundam nosso mundo, pessoal, social e profissional, seja em
livros, conversas, filmes, revistas e, mesmo, em nossos próprios
pensamentos.

Quem não é capaz de raciocinar logicamente por si só, corre


o risco de que outras pessoas o façam. Raciocinar por si só
envolve a capacidade de sistematizar nossos pensamentos, que,
por sua vez, referem-se ao nosso mundo.

Você pode questionar: - E se eu raciocinar de forma errada? Ora,


quem nunca errou que atire a primeira pedra! Viver de forma
autônoma é constantemente expor-se à vida, é ser no sentido
mais amplo possível. Nossos erros e acertos são inerentes à vida
e acontecem em seu início, meio e fim. Agora, como vamos
escolher percorrer todo este percurso?

36
Filosofia

Seção 1 – Qual é a origem e o que é a Lógica?


Já falamos um pouco de Lógica, mas você sabe qual a origem e o
que é, de fato, a Lógica?

A origem da Lógica está ligada à palavra grega logos e, nessa


acepção, refere-se à palavra, à proposição, ao discurso, ao
pensamento, à razão e à linguagem. Tal sentido fundamental
refere-se a um modo específico de pensarmos, conforme regras
específicas.
Conforme Blanché e
Dubucs (1996, p. 27)
Os primeiros estudos ‘rigorosos’ sobre a Lógica ocorreram na
“Aristóteles via na Lógica
Grécia Antiga, com Aristóteles (384-322 a.C.). Diferentemente mais do que uma parte da
dos pré-socráticos, sofistas, Sócrates e Platão (filósofos anteriores Filosofia, uma disciplina
a Aristóteles) - Aristóteles estabelece um tratamento consciente intelectual preparatória.”.
e independente da Lógica como uma disciplina, um tema
que merece uma investigação sistemática. Por esses motivos,
Aristóteles é considerado o fundador da Lógica.

No conjunto de obras intitulado Organon, Aristóteles defende


que a Lógica apresenta uma função especial: servir de
Palavra grega que significa
instrumento para a Filosofia. Com tal instrumento, podemos, instrumento.
basicamente, estabelecer a distinção entre os raciocínios, como
válidos (que seguem um padrão correto de pensamento)
e inválidos (que não seguem um padrão correto de
pensamento). Observe que a Lógica foi concebida como um
instrumento, como um meio para a análise e a compreensão
dos raciocínios.

Aristóteles considerava que o domínio da Lógica era


essencial para o filósofo e para a Filosofia. Como
poderíamos filosofar se não fôssemos capazes de pensar
racionalmente com rigor, clareza e coerência?

Os filósofos que estudam a Lógica costumam defini-la de Figura 2.1 - Aristóteles

vários modos. A seguinte definição de Lógica decorre da Fonte: Aristoteles, der griechische
Philosoph ([200-]).
procura por um elo comum e básico dessas definições:

Unidade 2 37
Universidade do Sul de Santa Catarina

A Lógica, de modo bem genérico, é parte da Filosofia,


a ciência que investiga os tipos de raciocínios como
válidos ou inválidos.
Para tal investigação, a Lógica considera uma série
de elementos que abrangem o entendimento do
que é raciocínio. Investiga, por exemplo, o que é
proposição, o que é premissa, o que é conclusão, o
que é uma relação de consequência e, mesmo, o que é
raciocínio.

Observe que todas as pessoas podem raciocinar corretamente,


mesmo sem conhecer a Lógica. Mas, ao conhecer a Lógica,
você acessa, conscientemente, um conjunto de orientações que
possibilitam raciocinar de modo preciso e coerente.

Essa definição de Lógica é suficiente e pertinente


aos nossos estudos introdutórios e, certamente, não
atende a todos os filósofos e teóricos – pois existem
vários tipos de Lógica, como, por exemplo, a Lógica
Tradicional, Clássica, Não clássica, Difusa etc, com
particularidades e focos de estudo específicos.

Por outro lado, se você quiser aprofundar seu


entendimento sobre essa discussão - sobre a definição
de Lógica, e mesmo sobre os vários tipos de Lógica -
então, estude as seguintes referências:

„„ BLANCHÉ, R.; DUBUCS, J. História da lógica.


Tradução António P. Ribeiro, Pedro E. Duarte. Lisboa:
Edições 70, 1996.

„„ KNEALE, W.; KNEALE, M. O desenvolvimento


da lógica. Tradução de M. S. Lourenço. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1962.

Veja que o propósito da Lógica é o de estudar um padrão básico


de como se deve pensar, de como devem ser apresentados os
raciocínios. Logo, esperamos que o estudo desta unidade auxilie
você a melhor identificar o raciocínio; a construir raciocínios
encadeados e coerentes; assim como lhe possibilite identificar e
evitar os raciocínios dúbios e enganosos.

38
Filosofia

Observe, porém, que a distinção entre raciocínios encadeados,


coerentes, dúbios, enganosos é apenas uma das tantas
preocupações da Lógica.

Seção 2 – A proposição
Nesta seção, você estudará o que é a proposição e qual a relação
dela com o raciocínio.

Mas o que é raciocínio? O que compõe um raciocínio? Antes de


entendermos amplamente o raciocínio, precisamos galgar alguns
degraus. Para tanto, precisamos entender o que é uma sentença,
o que é uma sentença declarativa e o que é uma proposição.

Veja a resposta para essas questões.

A sentença é uma expressão linguística enunciadora de um


pensamento completo. Existem vários tipos de sentenças. As
sentenças podem ser declarativas, interrogativas, imperativas etc.

Confira os exemplos de sentenças:

Esta cadeira é macia.


Sentenças declarativas O dia está ensolarado.
Este livro de Filosofia é gostoso.

Todo amor é verdadeiro?


Sentenças Meu cachorro vai morrer?
interrogativas
Você tem praticado esportes?

Viva.
Sentenças imperativas Faça.
Ajude-me.

Amor!
Sentenças exclamativas Justiça!
Paz!
Quadro 2.1 - Exemplos de sentenças
Fonte: Elaboração dos autores (2008).

Unidade 2 39
Universidade do Sul de Santa Catarina

Observe as sentenças anteriores e perceba que as sentenças


declarativas expressam um fato, um evento, uma situação ou
episódio acerca do mundo e que nós podemos julgar. Veja que, se
você afirmar “Esta cadeira é macia.”, também pode julgar tal fato,
como verdadeiro ou como falso.

Por outro lado, veja que não tem sentido avaliar, como verdadeiro
ou falso, as outras sentenças, interrogativas, imperativas
ou exclamativas. Ninguém atribui um juízo sobre uma
sentença quando se diz “Não!”. Ninguém avalia uma sentença
interrogativa “Que horas são?” como verdadeira ou falsa.

Os raciocínios são formados por várias sentenças, mas as


chamadas sentenças declarativas têm uma importância
fundamental na Lógica, pois os raciocínios são formados
essencialmente com sentenças declarativas.

Afinal, o que é proposição?

A proposição é um componente básico do raciocínio.


Ela é uma sentença declarativa que compõe o
raciocínio e que podemos julgar como verdadeira
(V) ou como falsa (F).
Temos, então, dois valores básicos e específicos para
julgar a proposição, para julgarmos se o que foi dito
na proposição corresponde ao que ocorre, ao que
existe na realidade, no nosso mundo.
Observe que a avaliação da proposição, como
verdadeira ou falsa, sempre depende do contexto em
função do qual a avaliamos.

A compreensão do que é uma proposição é fundamental para a


compreensão do raciocínio.

Alguns raciocínios apresentam apenas proposições. Outros


raciocínios apresentam, além de proposições, outras sentenças
meramente ilustrativas, que nos confundem e não são
significativas para a conclusão do raciocínio. Ou seja, ao analisar
um raciocínio, procure sempre identificar se as sentenças são
pertinentes ao raciocínio (só as sentenças declarativas, é claro!).

40
Filosofia

Classificação da proposição em função da quantidade,


da qualidade e da modalidade
Existem vários tipos de proposição que, por sua vez, podem
ser classificadas em função da quantidade, da qualidade e da
modalidade.

Observe a seguinte proposição: ‘Os homens são mortais’. Essa,


assim como toda proposição, é formada por termos. Os termos
da proposição são, basicamente: sujeito, verbo de ligação e
predicado. Ness a proposição, tem-se ‘Os homens’ como sujeito,
‘são’ como verbo de ligação e ‘mortais’ como predicado.

Os termos (sujeito, verbo e predicado) da proposição podem


exprimir relações diferentes, em função da relação de
quantidade, de qualidade e de modalidade. Compreenda
essa classificação da proposição, conforme as explicações e os
exemplos a seguir.

Em função da qualidade, as proposições são:

Qualidade Relação dos termos da proposição Exemplo

O sujeito da proposição recebe, claramente, uma


Afirmativas atribuição. Sócrates é filósofo.

O sujeito da proposição não recebe uma atribuição, ou seja, Sócrates não é


Negativas nega-se uma atribuição ao sujeito. maluco.

Quadro 2.2 - Exemplos em função da qualidade


Fonte: Elaboração dos autores (2008).

Unidade 2 41
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em função da quantidade, as proposições são:

Quantidade Relação dos termos da proposição Exemplo

O sujeito da proposição é tomado em sua Todos os catarinenses


Totais, gerais totalidade. são brasileiros.
ou universais Observe que as proposições universais Nenhum homem é
podem ser negativas. imortal.

O sujeito da proposição é tomado de forma Alguns homens são


indeterminada. carecas.
Particulares
As proposições particulares também podem Alguns homens não
ser negativas. são brasileiros.

O sujeito da proposição refere-se a um único


Singulares indivíduo. Sócrates é mortal.

Quadro 2.3 - Exemplos em função da quantidade


Fonte: Elaboração dos autores (2008).

Em função da modalidade, as proposições são:


Conforme Kneale e Kneale (1962,
p. 83-84) “Uma frase declarativa Modalidade Relação dos termos da proposição Exemplo
modal é uma frase que contém a
palavra ‘necessário’ ou a palavra
Sócrates é
‘possível’ ou algum equivalente O predicado é expresso como uma condição
Necessárias necessária do sujeito. necessariamente
[...] Frases declarativas da forma ‘É mortal.
necessário que [...]’ foram chamadas
mais tarde apodíticas e as da forma
O predicado é expresso como uma condição É impossível que
‘É possível que [...]’ foram chamadas Impossíveis Sócrates seja
problemáticas e aquelas frases impossível do sujeito. imortal.
declarativas que não têm nenhuma
dessas qualificações, assertóricas.” É possível que
Possíveis ou O predicado é expresso como uma condição a cadeira esteja
contingentes possível do sujeito. vazia.

Quadro 2.4 - Exemplos em função da modalidade


Fonte: Elaboração dos autores (2008).

Por que esta classificação das proposições é importante? Porque a


identificação desses diferentes tipos de proposições nos permitirá
compreender que relações um determinado raciocínio quer
atingir. Assim, fique atento!

42
Filosofia

Seção 3 – Premissas, conclusão e relação de consequência


Você estudará, nesta seção, que o raciocínio é formado por premissas
e pelo menos uma conclusão; que existem indicadores que nos
permitem identificar as premissas e as conclusões; e que todo
raciocínio apresenta pelo menos uma relação de consequência lógica.

O raciocínio é uma construção do ser humano, é uma atividade


que requer esforço de nossa mente. Contudo, nem todo raciocínio é
exposto de modo rigoroso, correto e claro.

Por outro lado, todo sujeito, estudante, cidadão ou cientista, pode


raciocinar melhor se conhecer alguns elementos da Lógica. Por
exemplo, a Lógica estuda as funções fundamentais que a proposição
exerce em um raciocínio, como premissa ou conclusão.

Ora, o raciocínio é uma coleção de proposições que


se relacionam mutuamente, de tal modo que algumas
proposições têm a função de premissa e pelo menos Conforme Hegenberg
uma proposição tem a função de conclusão. (1995, p. 175) “[...]
raciocinar corresponde a
pensar discursivamente,
pensar de maneira
Mas o que é premissa ou conclusão? Você estudará, a seguir, essas coerente, com um
propósito em vista.
duas funções da proposição no raciocínio. Mais estritamente,
corresponde a inferir,
ou seja, ao processo
de passar de certas
Premissas proposições sabidamente
ou presumidamente
Você sabe o que é uma premissa? verdadeiras, para outra
proposição que delas
deflua.”. Mortari (2001,
p. 16) explica que “[...] o
Uma premissa é a proposição que tem a função, no raciocínio é um processo
raciocínio, de fornecer dados, provas, informações, de construir argumentos
razões, sobre algo ou alguém, e serve de subsídio, para aceitar ou rejeitar
contribui para a conclusão de um raciocínio. uma certa proposição.”

Veja o exemplo de premissas em um raciocínio:

Unidade 2 43
Universidade do Sul de Santa Catarina

Todos os catarinenses são brasileiros. (proposição - premissa)


Todos os brasileiros são americanos. (proposição - premissa)
Logo, todos os catarinenses são americanos. (proposição - conclusão)

As premissas do exemplo anterior estão explícitas. As premissas


explícitas estão sempre reveladas, ou seja, são claramente
mostradas. Os raciocínios, além das premissas explícitas, podem
conter implícitas. Essas estão escondidas, subtendidas no
raciocínio.

Observe o exemplo de raciocínio com premissa implícita:

Todos os atletas são trabalhadores. (proposição - premissa)


Todos os trabalhadores são esforçados. (proposição - premissa)
Logo, Pelé é trabalhador e esforçado. (proposição - conclusão)
(premissa implícita: Pelé é um atleta)

Conclusão
Você sabe o que é uma conclusão em um raciocínio?

A conclusão, no raciocínio, é uma proposição que


fornece uma informação a partir dos subsídios, da
contribuição, das premissas. Veja que a conclusão é
uma consequência lógica das premissas.

Acompanhe o exemplo de conclusão no raciocínio:

44
Filosofia

Todos os catarinenses são brasileiros. (proposição - premissa)


Todos os brasileiros são americanos. (proposição - premissa)
Logo, todos os catarinenses são americanos. (proposição - conclusão)

Existe ainda um outro elemento fundamental do raciocínio que deve


ser estudado para compreendermos o que é um raciocínio: a relação
de consequência.

Relação de consequência
A relação de consequência é considerada o principal objeto de estudo
dos lógicos. Tal estudo investiga como fazemos a passagem, no
raciocínio, das premissas para a conclusão. Veja a seguinte definição.

A relação de consequência é o estabelecimento de


uma coesão, de um elo entre as premissas e a conclusão.
Nos raciocínios, a relação de consequência é geralmente
representada por um indicador de conclusão, tal como “Logo”.

Acompanhe, no exemplo, o elo que explicita a relação de consequência


no raciocínio:

Todos os catarinenses são brasileiros. (proposição - premissa)


Todos os brasileiros são americanos. (proposição - premissa)
Logo, todos os catarinenses são americanos. (proposição - conclusão)

Unidade 2 45
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em nossa linguagem cotidiana, filosófica ou científica, podemos


encontrar raciocínios de todos os tipos e tamanhos, com, por
exemplo, uma premissa e uma conclusão; muitas premissas e dez
conclusões; infinitas premissas e uma conclusão; a conclusão
antes das premissas etc.

O modo como este raciocínio é Observe que não existe um número pré-definido de quantas
apresentado pode nos causar premissas e quantas conclusões deve ter o raciocínio, e nem em
estranheza, mas, no dia a dia, é que ordem devem aparecer.
comum encontrarmos raciocínios
Para compreender os raciocínios você precisa identificar que
assim. O ideal seria que todas sentenças são proposições (ou seja, que sentenças podem ser
as pessoas pensassem e se avaliadas como verdadeiras ou falsas); que proposições exercem
expressassem de forma sistemática: a função de premissas no raciocínio; e que proposição(ões)
primeiro apresentando as premissas exerce(m) a função de conclusão em um raciocínio.
para depois propor a conclusão.
Mas, nem sempre é o caso. Veja Lembre-se de que, nesse sentido, você já estudou a distinção
um exemplo de raciocínio com das sentenças e a identificação das sentenças declarativas como
conclusão antes das premissas: proposições, quando presentes no raciocínio. Embora você
‘Eu existo. Eu penso. Todo aquele também já tenha estudado a identificação das premissas e das
que pensa, existe.’. Observe que a conclusões, fique atento aos indicadores lógicos, nosso próximo
conclusão ‘Eu existo.’ foi disposta assunto.
antes das premissas ‘Todo aquele
que pensa, existe.’ e ‘Eu penso.’.

Indicadores lógicos
Os indicadores lógicos podem facilitar a identificação das
premissas e da conclusão de um raciocínio.

Os indicadores lógicos são termos que geralmente


revelam a função da proposição no raciocínio, seja
como premissa ou como conclusão.

Veja um exemplo:

Supondo que alunos estudiosos são vencedores.


Dado que nós somos estudiosos.
Então, nós somos vencedores.

46
Filosofia

O indicador de premissa geralmente a antecede e é indicado


por expressões como as seguintes: desde que, uma vez que, se,
dado que, pois, porque, vamos supor que, admitindo a hipótese,
supondo que etc.

O indicador de conclusão geralmente a antecede e é indicado


por expressões como: logo, portanto, concluo, assim, deduzimos,
deve, tem que, necessariamente, em consequência, daí decorre
que, implica, então etc. Observe que os indicadores de conclusão
geralmente representam a relação de consequência.

Veja, agora, esta outra definição de raciocínio, que é um pouco


mais refinada que a anterior.

Pode haver raciocínios em que não existam indicadores de


premissas nem um indicador de conclusão. Nesses casos,
devemos procurar entender o sentido do raciocínio, para
distinguirmos as premissas da conclusão. Veja este exemplo de
raciocínio sem indicadores lógicos.

Joaquim é português.
Todo português é bigodudo.
Joaquina, esposa de Joaquim, também é bigoduda.
Não há, nesse raciocínio, indicadores de premissa ou de
conclusão. Contudo, é “lícito” concluir que as premissas são
‘Joaquim é português.’ e ‘Todo português é bigodudo.’ e a
conclusão é ‘Joaquina, esposa de Joaquim, também é bigoduda.’
Quando não houver indicadores de premissa ou de conclusão
num raciocínio, você necessitará, certamente, de mais esforço
para compreendê-lo.

O raciocínio é uma coleção de proposições que


se relacionam mutuamente, das quais pelo menos
uma é a conclusão, que, por sua vez, é derivada
das premissas por uma relação de consequência. A
finalidade de um raciocínio é possibilitar, a partir de
proposições já conhecidas, inferir, concluir, analisar,
mediar um conhecimento novo.

Acompanhe alguns outros exemplos de raciocínios:

Unidade 2 47
Universidade do Sul de Santa Catarina

Joaquim é português. (proposição - premissa)


Logo, Joaquim nasceu em Portugal. (proposição - conclusão)
Todos os homens são mortais. (proposição - premissa)
Sócrates é homem. (proposição - premissa)
Logo, Sócrates é mortal. (proposição - conclusão)
Nenhum herói é covarde. (proposição - premissa)
Alguns soldados são covardes. (proposição - premissa)
Logo, alguns soldados não são heróis. (proposição - conclusão)
Todo estudante é aplicado. (proposição - premissa)
Algum relaxado não é aplicado. (proposição - premissa)
Logo, algum relaxado não é estudante. (proposição - conclusão)
Observe que alguns raciocínios são facilmente
compreendidos, enquanto outros requerem de nós um
pouco mais de esforço..

Conheça o silogismo aristotélico, um raciocínio apresentado


de forma específica!
O silogismo aristotélico é um raciocínio sempre formado
por três proposições, sendo as duas primeiras chamadas
premissas e a última chamada conclusão. No silogismo,
a primeira premissa é precedida de “se”, a segunda é
precedida de “e”, e a conclusão é precedida de “então”.
A conclusão é uma consequência lógica das premissas, e
as duas proposições premissas estão ligadas à proposição
conclusão por uma relação de consequência. Veja que,
neste tipo de raciocínio, o sujeito e o predicado das três
proposições estão sempre inter-relacionados.
O silogismo aristotélico é apresentado da seguinte forma:
Se todos os homens são mortais. (proposição - premissa)
E, todos os gregos são homens. (proposição - premissa)
Então, todos os gregos são mortais. (proposição - conclusão)

48
Filosofia

Seção 4 – Raciocínios válidos


Nem todos os raciocínios têm a mesma natureza. Há os
raciocínios válidos (estudados nesta seção) e os raciocínios
inválidos (estudados na seção seguinte).

Mas o que é um raciocínio válido?

O raciocínio válido, correto, legítimo, é todo aquele


em que a conclusão decorre, é consequência de suas
premissas. Há dois tipos principais de raciocínios válidos: o
raciocínio dedutivo e o raciocínio indutivo.

Observe que os raciocínios válidos representam a forma


correta de pensarmos. O que significa pensar de maneira
correta? Significa argumentar sem cometer erros ou equívocos.
Significa que essa forma de pensar deve ser coerente não apenas
para mim, mas para todos aqueles que tiverem a oportunidade
de ouvir ou ler este raciocínio. Significa que essa maneira de
expor o conhecimento também deve ser válida em todas as
épocas e em todos os locais. Significa que essa forma de pensar
implica, necessariamente, uma relação de consequência rigorosa e
sistemática.

A validade de um raciocínio depende da estrutura estabelecida


entre as premissas, a relação de consequência e a conclusão.

Você estudará agora o raciocínio dedutivo e o raciocínio indutivo.

Raciocínio dedutivo válido


No raciocínio dedutivo, na dedução, toda a informação contida
na conclusão já estava contida nas premissas, de maneira explícita
ou implícita.

Unidade 2 49
Universidade do Sul de Santa Catarina

O raciocínio dedutivo válido, a dedução, é o


raciocínio em que as premissas fornecem provas
convincentes, determinantes, necessárias para a
conclusão.
Necessário indica algo que é assim
e não pode ser de outra maneira.
É impossível que não seja dessa
maneira e é impossível que possa Veja que, no raciocínio dedutivo válido, em função da relação
ser de outra maneira.
de consequência, a conclusão deve necessariamente decorrer
das premissas. Na conclusão de uma dedução, expressamos algo
que já estava dito nas premissas, ou seja, tornamos explícito o
conteúdo das premissas. Ao confeccionar trabalhos universitários,
você pode usar e abusar desse tipo de raciocínio.

Veja alguns exemplos simples de raciocínios dedutivos válidos:

Todos os mamíferos têm coração.


Todos os cachorros são mamíferos.
Logo, todos os cachorros têm coração.

Todos os estudantes são inteligentes.


Alguns homens são estudantes.
Logo, alguns homens são inteligentes.

Todos os homens são mortais.


Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.

Raciocínio indutivo válido


Em um raciocínio indutivo válido, indução, a conclusão decorre
‘suficientemente’ das premissas.

50
Filosofia

O raciocínio indutivo válido, a indução, é o raciocínio


que não tem a pretensão de que suas premissas
proporcionem provas convincentes, necessárias,
de certeza absoluta, da verdade da conclusão, mas
de que tenham ‘indícios’ suficientes, que tenham
algumas ‘provas’ relevantes para a conclusão.
Suficiente, no sentido
lógico do termo, é aquilo
que satisfaz, que basta,
que habilita, que capacita.
Veja que, por intermédio das premissas de uma indução, também
obtemos dados para a conclusão. Na conclusão de uma indução,
também concluímos algo que foi dito a partir das premissas.
Porém, na conclusão da indução, afirmamos algo que está além
do que foi dito nas premissas.

Em função dessa condição da indução, a partir desses indícios


‘suficientes’ fornecidos pelas premissas e expressos na conclusão,
os raciocínios indutivos podem ser avaliados como melhores
ou mais fortes, piores ou mais fracos, conforme o grau de
verossimilhança ou de probabilidade.

Embora a conclusão do raciocínio indutivo forneça uma


informação que está além do que foi dito nas premissas, o
raciocínio indutivo tem a função de ampliar o alcance de nossos
conhecimentos. Ao confeccionar trabalhos universitários, utilize
esse tipo de raciocínio com muito cuidado.

Veja alguns exemplos de raciocínios indutivos:

Todos os sapos até hoje observados e dissecados


tinham coração.
Logo, todos os sapos têm coração.

Aves, peixes e plantas são seres vivos.


As aves, os peixes e as plantas morrem.
Logo, todos os seres vivos morrem.

Dado uma saca de grãos de café de 60 Kg.


Retiramos uma amostra de grãos de café com 1Kg.
Todos os grãos de café da amostra são do tipo ‘X’.
Logo, todos os grãos da saca de café são do tipo ‘X’.

Unidade 2 51
Universidade do Sul de Santa Catarina

O raciocínio indutivo é considerado válido em função


de certa verossimilhança, de certa probabilidade, em
relação à realidade.
Se novos indícios, elementos, amostras, forem
encontrados, e indicarem que uma premissa precisa
ser revista, então, corremos o risco de que nosso
raciocínio seja inválido. Você deve ficar atento a esses
indícios ao interpretar uma indução.

A identificação dos raciocínios válidos, dedução ou indução,


pode ser feita por meio de uma análise intuitiva ou mais
Saiba, também, que há um
modo de pensar, lógico, exaustiva. Neste livro didático, permanecemos no nível intuitivo.
diferente do dedutivo Existem vários métodos exaustivos de cálculo, de prova e de
e do indutivo, e que é justificação dos raciocínios válidos, mas não os abordaremos neste
denominado abdutivo. livro, pois, para tanto, precisaríamos prolongar-nos muito neste
Neste método, primeiro
conteúdo.
se parte da conclusão do
‘raciocínio’ para depois
se dedicar as premissas.
Ele é usado, por exemplo,
por detetives, tais como
Sherlock Holmes, que
parte da conclusão de
um fato ocorrido, de Seção 5 – Raciocínios inválidos
um roubo ou da morte
de alguém, para tentar
Nesta seção, você estudará o que é um raciocínio inválido. Dessa
descobrir, na sequência,
quais as premissas que forma, você estudará as falácias e os sofismas, que nada mais são
sustentaram aquela do que deduções ou induções inválidas.
situação. A investigação
de tais premissas, Você sabe o que é um raciocínio inválido?
supostamente levariam
o detetive a encontrar o
ladrão ou assassino.
Um raciocínio inválido, incorreto, ilegítimo, é
todo raciocínio tal que a conclusão não decorre das
premissas. No caso de raciocínio inválido, as premissas
não sustentam necessariamente a conclusão
de um raciocínio dedutivo; nem sustentam
suficientemente a conclusão de um raciocínio
indutivo.

52
Filosofia

A Lógica também estuda os raciocínios ditos inválidos, que


mesmo aparentemente válidos, não o são. Os raciocínios
inválidos geralmente fogem do tema proposto ou embaraçam os
debatedores.

É usual chamar os raciocínios inválidos de falácias ou de


sofismas. Tanto as falácias quanto os sofismas são raciocínios
inválidos, porque suas premissas não são suficientes ou nem são
necessárias para se chegar à conclusão dada. O sentido de falácias
e sofismas está muito próximo. Veja:

A falácia é um raciocínio inválido que ocorre como


uma falha de quem argumenta. O sujeito que usa uma
falácia simplesmente se enganou.
O sofisma é um raciocínio inválido que ocorre com
o objetivo de enganar. O sujeito que usa o sofisma
está consciente, pois sabe que usa um raciocínio
inválido. O sujeito que usa o sofisma tem a intenção
de enganar.

Observe que a diferença entre os sofismas e as falácias reside no


fato de que as falácias representam o uso inocente, ignorante, de
raciocínios inválidos, enquanto os sofismas representam o uso
intencional de raciocínios inválidos.

Veja agora alguns tipos de raciocínios inválidos (sofismas ou


falácias) que devem ser identificados e evitados.

Falácia da generalização apressada


A falácia da generalização apressada é um raciocínio inválido, em
que propomos uma conclusão geral a partir de uma observação
insuficiente.

Acompanhe alguns exemplos da falácia da generalização apressada:

Unidade 2 53
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ontem, tarde da noite, rodei de carro pela cidade.


Eu vi muitos mendigos pelas ruas.
Logo, os mendigos estão tomando conta da cidade.

Eu estacionei o carro perto de um bar.


Um mendigo apareceu para cuidar do carro.
Assim, todos os mendigos são trabalhadores.

Eu entrei no bar, que estava muito movimentado.


Havia muitas garotas e rapazes.
As moças conversavam num canto e os rapazes no outro.
Portanto, moças e rapazes não se gostam.

Uma garota olhou para mim.


Logo, ela estava interessada (e eu também).

Eu fui conversar com a moça.


Ela disse: - Homem como você não me interessa!
Assim, as mulheres daquele bar não gostam de homens.

Falácia da divisão
A falácia da divisão é um raciocínio inválido em que atribuímos,
distribuímos uma propriedade de um conjunto determinado para
os membros deste conjunto.

Veja alguns exemplos da falácia da divisão:

54
Filosofia

O time Figueirense, de Florianópolis, é um grande time


de futebol.
Logo, todo jogador do Figueirense é um grande
jogador.
As empresas que trabalham com marketing ganham
rios de dinheiro.
Logo, todo funcionário que trabalha com marketing
ganha rios de dinheiro.

Falácia da composição
A falácia da composição é um raciocínio inválido, em que
atribuímos para o conjunto uma propriedade que pertence a todos
os elementos do conjunto.

Observe alguns exemplos da falácia da composição:

Cada jogador da seleção brasileira de futebol é um


excelente jogador.
Logo, a seleção brasileira de futebol é excelente.

Cada atriz da novela das oito horas é maravilhosa.


Logo, a novela das oito horas é maravilhosa.

Falácia da pergunta complexa


A falácia da pergunta complexa é elaborada com sentenças
interrogativas, determinadas geralmente por duas únicas opções
de resposta, ‘sim’ e ‘não’, e que sempre ocasiona um embaraço.
Veja que quem responde sim ou não acaba aceitando o conteúdo
da pergunta. Pode haver perguntas complexas que exijam como
resposta algo além do simplesmente ‘sim’ ou ‘não’, mas que,
mesmo assim, impõe-se àquele que responde a tal pergunta
um conteúdo e uma situação embaraçosa, uma vez que já se
pressupõe um determinado contexto.

Unidade 2 55
Universidade do Sul de Santa Catarina

A pergunta complexa não é um raciocínio, mas


implica uso desproposital do conhecimento lógico.

Conheça alguns exemplos da falácia da pergunta complexa:

Seu cabelo continua seco?


Seu primo continua bebendo?
O professor ainda está maluco, doido?
Onde você colocou o dinheiro roubado?

Lembre-se que tanto o sofisma quanto a falácia representam um


tipo de raciocínio inválido. Para especificarmos tal raciocínio
como um sofisma ou uma falácia, precisamos sempre identificar,
respectivamente, se há um uso intencional ou um uso inocente do
raciocínio inválido.

Paradoxos
Os paradoxos são proposições tais que, ao atribuirmos um
valor de verdade verdadeiro (V) ou falso (F), caímos em uma
contradição.

Os paradoxos não representam um raciocínio, mas


também representam um uso desproposital do
conhecimento lógico.

Veja um exemplo de paradoxo:

56
Filosofia

Paradoxo do mentiroso: “eu estou mentindo”.


Se tal afirmação for verdadeira (V), então o que eu
digo é falso (F).
Se tal afirmação for falsa (F), então o que eu digo é
verdadeiro (V).

Dilema
O dilema é um raciocínio que nos impõe duas escolhas
indesejáveis. O dilema é um truque retórico, mas diferente dos
outros tipos de falácias ou sofismas, pois ele é um raciocínio
válido dedutivo.

Acompanhe alguns exemplos de dilemas:

Ou você paga os impostos ou você sonega os


impostos.
Se você pagar impostos, então, a sua firma quebra.
Se você sonegar impostos, então, você vai preso.
Logo, ou sua firma quebra ou você vai preso.

Ou eu estudo ou eu trabalho.
Se eu estudo, passo fome.
Se eu trabalho, ganho pouco.
Logo, ou passo fome ou ganho pouco.

Caro aluno, você estudou uma brevíssima introdução à Lógica,


enquanto uma ciência de análise do raciocínio. Atente, porém,
que o desenvolvimento da Lógica atual vai muito além do
exposto aqui.

Unidade 2 57
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você estudou o que é a Lógica, em que época e


local ela se originou, e quem foi o seu fundador. Aprendeu que o
raciocínio é um tema fundamental para a Lógica.

Para você compreender a proposição, você estudou o que é a


sentença e o que é uma sentença declarativa. Você aprendeu que
a proposição é uma sentença declarativa que pode ser avaliada
como verdadeira ou como falsa. Também viu que a proposição
é um elemento básico do raciocínio, e que ela pode ser distinta
conforme a quantidade, qualidade e a modalidade.

Você estudou que a proposição exerce no raciocínio a função


de premissa ou de conclusão, e que existe uma relação de
consequência ligando as premissas à conclusão. Estudou que o
raciocínio é uma coleção de proposições em que pelo menos uma
das proposições é a conclusão. Ainda, viu que existem raciocínios
válidos e inválidos.

Ao estudar os raciocínios válidos, você conheceu a dedução


(raciocínio dedutivo) e a indução (raciocínio indutivo). Você
estudou os raciocínios inválidos, basicamente, como falácias ou
sofismas. Você também estudou o paradoxo e o dilema, casos
especiais, que devemos atentar.

Veja que todos estes conteúdos lógicos ampliam nossa capacidade


de perceber os raciocínios que fazem parte de nossa vida. Estude-
os e você aprimorará, cada vez mais, a capacidade de análise de
todo tipo de raciocínio.

58
Filosofia

Atividades de autoavaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O
gabarito está disponível no final do livro didático. Mas, esforce-se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
estimulando a sua aprendizagem.

1) Complete as palavras cruzadas. Essa atividade visa a exercitar sua


capacidade de identificação e compreensão dos conceitos estudados
nesta unidade.

I) Ciência, ramo da Filosofia, X) No raciocínio, relaciona as


que estuda como distinguir o premissas e a conclusão.
raciocínio válido do raciocínio
inválido. XI) Nome do raciocínio válido,
em que a conclusão surge
II) Local de origem da Lógica. necessariamente como prova das
premissas.
III) Fundador da Lógica.
XII) Nome de raciocínio válido,
IV) Objeto de estudo da Lógica. destinado a ampliar o alcance de
nossos conhecimentos, em que
V) Período histórico que a conclusão é consequência das
corresponde à origem da Lógica. provas suficientes das premissas.

VI) Nome especial dado aos XIII) Nome do raciocínio inválido,


raciocínios aristotélicos. que não tem a intenção de enganar.

VII) Nome especial da sentença XIV) Nome do raciocínio inválido,


declarativa que é avaliada como que tem a intenção de enganar.
verdadeira, ou como falsa, e que
faz parte de um raciocínio. XV) Proposição em que há uma
contradição.
VIII) No raciocínio, são as
proposições que nos fornecem XVI) Raciocínio válido, mas truque
informações. retórico, que impõe uma escolha
indesejável.
IX) No raciocínio, é uma
proposição que é consequência
das premissas.

Unidade 2 59
Universidade do Sul de Santa Catarina

V
I VIII

III
II

IV

VII
IX
XII
VI

XV
XI XIII

XVI

XIV

2) Analise as sentenças abaixo e marque com um ‘X’ aquelas que podem


ser classificadas como proposições. Essa atividade visa a exercitar
sua capacidade de identificação da proposição em relação às demais
sentenças.

a. ( ) Você está respirando.


b. ( ) Ai!

60
Filosofia

c. ( ) Alguns alunos são excelentes.


d. ( ) Uma batalha naval ocorre na baía norte.
e. ( ) É necessário que o sol nasça amanhã.
f. ( ) Cante meu amigo!
g. ( ) Por que as pessoas não tratam o próximo como se deve?
h. ( ) É impossível flutuarmos pelo ar.
i. ( ) A Oktoberfest é uma festa que ocorre em Blumenau.
j. ( ) É possível que o carro esteja com defeito.

3) Identifique os raciocínios dedutivos com a letra ‘D’ e os raciocínios


indutivos com a letra ‘I’. Isso visa a exercitar sua capacidade de
identificação e compreensão dos raciocínios dedutivos e indutivos.

a. ( ) Todos os dias, somos informados que a fauna silvestre da Mata


Atlântica está em extinção. Nós já sabemos que o mico-leão-
dourado faz parte da fauna silvestre da Mata Atlântica. Assim, o
mico-leão-dourado corre risco de extinção.
b. ( ) Os cientistas defendem que o ferro derrete ao ser colocado no forno
com temperatura de 5.000° centígrados. Os cientistas também
afirmam que o ouro derrete ao ser colocado no forno com
temperatura de 5.000° centígrados. Os cientistas também afirmam
que a prata derrete ao ser colocada no forno com temperatura de
5.000° centígrados. Ora, podemos concluir que todos os metais
derretem ao serem colocados no forno com temperatura de 5.000°
centígrados.
c. ( ) Os catarinenses formam um povo hospitaleiro. Como minha prima é
catarinense, então ela é, obviamente, hospitaleira.
d. ( ) Um rato não sobrevive a uma temperatura inferior a - (menos) 270º
centígrados. Um gato não sobrevive a uma temperatura inferior
a - 270º centígrados. Um cão não sobrevive a uma temperatura
inferior a - 270º centígrados. Logo, nenhum mamífero sobrevive a
uma temperatura inferior a - 270º centígrados.
4) Construa dois raciocínios dedutivos e dois raciocínios indutivos. Para
cada raciocínio, utilize apenas três proposições. Esta atividade visa
exercitar sua capacidade de construção de raciocínios dedutivos e
indutivos. Capriche e divirta-se!

Unidade 2 61
Universidade do Sul de Santa Catarina

a.

b.

c.

d.

62
Filosofia

Saiba mais

Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade


consultando as seguintes referências:

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo:


Mestre Jou, 2000.

BLANCHÉ, R.; DUBUCS, J. História da lógica. Tradução


António P. Ribeiro, Pedro E. Duarte. Lisboa: Edições 70, 1996.

HEGENBERG, L. Dicionário de lógica. São Paulo: EPU,


1995.

KNEALE, W.; KNEALE, M. O desenvolvimento da lógica.


Tradução de M. S. Lourenço. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1962.

MORTARI, C. A. Introdução à lógica. São Paulo: UNESP,


2001.

SALMON, Wesley C. Lógica. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar,


1978.

Unidade 2 63
3
unidade 3

Algumas ideias sobre a Teoria


do Conhecimento
Maria Juliani Nesi

Objetivos de aprendizagem
„„ Compreender algumas questões fundamentais da Teoria
do Conhecimento.

„„ Distinguir formas de conhecimento.

Seções de estudo
Seção 1 Questões acerca da Teoria do Conhecimento

Seção 2 As diversas formas de conhecimento


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você entrará em contato com algumas das
principais questões com que se ocuparam pensadores de diversas
áreas, desde a antiguidade até os dias atuais, na tentativa de
compreender o conhecimento humano. Identificará a Teoria
do Conhecimento como uma área específica da Filosofia, que
se preocupa com a questão do conhecimento em várias de suas
formas.

Você também compreenderá que os seres humanos, pelo desejo


de ordenar e apreender o mundo e de melhorar suas condições
de vida, desenvolveram diversas formas de conhecimento,
reconheceram a si mesmos como sujeitos cognoscentes.
Entenderá, também, como os seres humanos extrapolaram
Este termo se refere àqueles que
têm o poder ou a faculdade de
o domínio do mundo apreendido, tomando como objeto de
conhecer. investigação o próprio fenômeno do conhecimento.

Seção 1 - Questões acerca da Teoria do Conhecimento


Todas as pessoas julgam conhecer algo e, de fato, pode-se dizer
que o ser humano naturalmente busca conhecer o mundo a sua
volta, pois essa é uma condição para manter-se vivo.

Algumas vezes dirigimos nossas perguntas ao mundo, outras


vezes ao próprio fenômeno do conhecimento. Isso inclui o
homem e o mundo na mesma dimensão, e então, temos uma
visão mais complexa da realidade e a compreensão de nós
mesmos como sujeitos ativos na produção do conhecimento.

Mas afinal, como podemos responder à questão: o


que é o conhecimento?

66
Filosofia

Num sentido geral, podemos dizer que conhecimento é o que


permite aos seres vivos manterem-se vivos. Nesse caso, uma
planta sabe que deve virar sua folhagem em direção à luz, assim
como um cavalo sabe que determinado solo não é seguro para
caminhar, e um homem sabe que, se jogar um objeto acima de
sua cabeça, poderá, quando em queda, atingi-lo. Porém, num
sentido exato não seríamos capazes de definir, tão brevemente, o
que é o conhecimento.

As definições dadas por inúmeros estudiosos, sobretudo filósofos,


foram, uma após a outra, substituídas ao longo da história, sem
que nenhuma delas tenha definido conclusivamente a questão e
sem que nenhuma delas tenha sido definitivamente descartada.

Diante desse impasse, podemos começar destacando o que


distingue o conhecimento humano do conhecimento de outros
animais.

Distinção entre o conhecimento humano e o de outros


animais
Ao contrário do que acontece com outros animais, nos seres
humanos existe uma clara diferença entre os dados percebidos
no meio ambiente e as respostas expressadas como reação. A
diferença se deve ao fato de que, além do comportamento Conforme Werner
instintivo, exclusivamente reativo, o ser humano tem um Jaeger (1989), vontade
comportamento reflexivo. consciente se refere à
característica humana
Antes de manifestar uma reação, o homem faz uma pausa e exclusiva de conservar
reflete. Imagina, idealiza e conceitua aquilo que apreende do e propagar a existência
mundo e depois é capaz de reconhecê-lo e identificá-lo. social e espiritual, baseada
em um certo “jogo
livre” não naturalmente
O ser humano atribui significado às coisas do mundo físico, às
determinado - e
imagens mentais que ele mesmo constitui e aos sentimentos que que conduz ao
experimenta. O desenvolvimento desta capacidade de reflexão autoconhecimento.
permitiu a ele agir baseado em uma vontade consciente e não
mais somente nos instintos.

Acredita-se que, em períodos remotos, o conhecimento humano


respondia exclusivamente à necessidade de sobrevivência. Porém,
por razões ainda não completamente elucidadas, ele foi além das
solicitações imediatas, enquanto ser biológico, e passou a procurar

Unidade 3 67
Universidade do Sul de Santa Catarina

respostas, por uma necessidade de compreensão e ordenação do


mundo.

A manifestação definitiva desse pensamento ordenador se


deu com a criação de um sistema simbólico específico que
chamamos de linguagem, capaz de representar a realidade,
Conforme Charles S. Peirce (2000),
sistema simbólico é um conjunto
expressar o pensamento e comunicá-lo aos outros.
de símbolos manipulados com base
em regras explícitas; um código, Perceba que o ser humano ordena e dá significado ao mundo e
cujas combinações são suscetíveis isso inclui comunicá-lo. Disso depende a consolidação e validação
de previsão e descrição. Por sua do conhecimento, a existência da sociedade etc. Nesse sentido,
vez, o símbolo é um signo que não é difundida a tese de que existe certa correspondência entre a
tem relação direta com o objeto
linguagem e a complexidade das operações mentais que um ser
ou fenômeno que representa e
está baseado exclusivamente na
humano é capaz de executar.
convenção social.
A capacidade humana de operar com elementos e situações
abstratas está ligada a uma linguagem apropriada para transmitir
raciocínios, de modo que, quanto mais complexo é o sistema de
comunicação, mais complexo é o pensamento e o conhecimento
humano.

No decorrer da história da humanidade, desenvolveram-se e


tornaram-se cada vez mais complexos os meios de comunicação e
de socialização do conhecimento.

Você percebeu que o conhecimento está assentado


na coletividade?

O conhecimento depende do caráter coletivo, depende do


outro. Ora, “dizer” ao outro o que se sabe é fundamental para a
compreensão do meio ambiente e de si próprio.

Este “dizer” do homem não tem a função exclusiva de representar


o mundo, mas também recria a realidade, à medida que não
somente reproduz o que apreende, também abstrai, interpreta e
humaniza a realidade.

Por se tratar de um animal capaz de refletir sobre si mesmo, de


ser autoconsciente, o ser humano produziu inúmeros tipos de
conhecimento, além de poder ver a si como sujeito cognoscente,
ou seja, como um ser que é capaz de conhecer.

68
Filosofia

Agora que você acompanhou essas considerações preliminares


sobre o conhecimento, veja como Abbagnano (2000) o define:

Conhecimento, em filosofia, encontra-se definido


como um procedimento operacional, uma técnica de
verificação de um objeto qualquer, isto é, qualquer
procedimento que torne possível a descrição, o
cálculo ou a previsão controlável de um objeto; e
por objeto há de entender-se qualquer entidade,
fato, coisa, realidade ou propriedade, que possa ser
submetido a um tal procedimento. A relação cognitiva
é uma identidade ou semelhança e a operação
cognitiva é um procedimento de identificação com o
objeto ou uma sua reprodução. A relação cognitiva é
uma apresentação do objeto e a operação cognitiva
um processo de transcendência.

Bem, na definição citada permeiam várias questões importantes


da Teoria do Conhecimento. Dentre as suscitadas, destacamos
duas fundamentais:

1) a relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento;

2) a diferenciação entre o conhecimento empírico e o


conhecimento abstrato.

Acompanhe, na sequência, explicações sobre cada uma destas


questões.

1) Relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento


É possível definir o conhecimento como algo que emerge da
interação entre o sujeito que conhece ou deseja conhecer e o
objeto a ser conhecido ou que se dá a conhecer. Nesse caso, o
conhecimento pode ser identificado como processo ou como
resultado da apreensão do objeto pelo sujeito.

Unidade 3 69
Universidade do Sul de Santa Catarina

O objeto não é entendido, aqui, exclusivamente


como objeto físico, mas no sentido de “objeto do
conhecimento”, que inclui coisas e fenômenos físicos e
mentais, mesmo tudo aquilo que se dá a conhecer.

Ao apreender o objeto, o sujeito cognoscente forma uma


imagem mental que, até certo ponto, reproduz as características
e propriedades do objeto. É a partir desta imagem que as
operações mentais interpretam e dão significado ao que é
apreendido, ou seja, desenvolvem o conhecimento.
Essas operações são entendidas
como ações internas do sujeito
A princípio, pode parecer que o sujeito exerce um papel
cognoscente, organizadas
e coordenadas para fazer exclusivamente ativo na apreensão do conhecimento, contra um
combinações, juntar e separar papel passivo do objeto apreendido, e que ambos, sujeito e objeto,
ideias, conceitos, imagens etc. são seres independentes.
Entre as operações mentais temos a
abstração, a análise, a comparação, Ora, tais papéis não são tão bem definíveis assim. Os sujeitos
a classificação, a memorização, a interagem no processo de construção do conhecimento e sofrem
imaginação etc.
“passivamente” a interferência do ambiente cultural, do mundo
do trabalho, do cotidiano etc. A própria linguagem envolvida nas
informações e na socialização do conhecimento se torna relevante
para esse processo. Além disso, o sujeito apreende o objeto e lhe
atribui um significado, mas é inegável que esse conhecimento
também modifica o próprio sujeito.

A relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento é um tema


de discussão típico da Teoria do Conhecimento. Correntes
filosóficas como a fenomenologia defendem que sujeito e objeto
são distintos - visto que o sujeito somente pode apreender o que
Conforme Ferrater Mora (1994),
a fenomenologia é um método
está fora de si - mas esses são tão interligados no ato de conhecer
de investigação contemporâneo que não faz sentido tratá-los como entes independentes.
que propõe descrever a realidade
como ela se apresenta. Para a Para a fenomenologia, o sujeito que conhece tem uma
fenomenologia nada deve ser intencionalidade que interfere na apreensão e no entendimento
pressuposto: nem o mundo natural, do objeto. Esse entendimento, por sua vez, pode modificar-se e
nem o senso comum, nem as
adquirir outro significado em relação a outros objetos do contexto.
proposições da ciência, nem as
experiências psíquicas. Deve-se
colocar “antes” de toda crença e de
todo julgamento o simplesmente
“dado”.

70
Filosofia

Acompanhe um exemplo, com a finalidade de compreender a


importância da intencionalidade no ato de conhecer, conforme a
perspectiva da fenomenologia. Conforme Husserl (1999),
a intencionalidade é a
capacidade de apreender o
Um frasco de cianureto entre outros compostos que está fora, o outro; é o
químicos em um laboratório pode não ter o mesmo ato de dar um significado,
significado de um frasco de cianureto em uma cena de um sentido, de encontrar
suicídio. um elo entre o sujeito e
o objeto. A consciência
Ainda, a apreensão e significação de uma floresta para do ser humano é sempre
um madeireiro não é absolutamente a mesma que caracterizada pela
para um ambientalista. intencionalidade, porque
ela é sempre a consciência
de alguma coisa.
Existem outras peculiaridades relativas ao sujeito e ao objeto do
conhecimento, que poderiam ser citadas, como o fato de que,
em algumas vezes, o objeto do conhecimento é o próprio sujeito
que conhece; em outras, o objeto do conhecimento é uma ideia
forjada pela mente do sujeito cognoscente de algo que não existe,
tal como a ideia de um cavalo alado.
Ainda, a distinção entre o sujeito e o objeto permite estabelecer
um parâmetro de objetividade em que, quanto mais “distância”
houver entre o sujeito e o objeto, mais “objetivo” e universal,
pode-se dizer, que é o conhecimento; e quanto mais “próximo” um
Universal, no sentido
estiver do outro, mais comprometida fica essa objetividade, pois
filosófico, se refere à
mais subjetivo será o conhecimento emergido dessa interação. característica que é válida
para todas as coisas.
Veja, no exemplo seguinte, situações em que a objetividade ou
a subjetividade, no ato de conhecer, evidenciam-se de modos
diferentes.

Na relação de um astrônomo com um fragmento de


meteoro, por exemplo, o conhecimento não é tão
ameaçado pela subjetividade do sujeito do que na
relação de um psicólogo com as psicopatologias de
seu paciente.

A objetividade é uma característica daquele conhecimento que


não depende dos pontos de vista particulares, mas do consenso
entre especialistas. No caso do conhecimento científico, a
instituição conhecida como comunidade científica cerca-se de
regras, métodos e instrumentos que buscam garantir a validade

Unidade 3 71
Universidade do Sul de Santa Catarina

universal do conhecimento em questão. Principalmente pela


utilização da linguagem matemática, tanto na formulação quanto
na comunicação das suas teorias, a ciência busca evitar equívocos
ou duplas interpretações.
Além disso, as condições em que as experimentações científicas
são realizadas não dependem da “escolha” dos cientistas, não são
acidentais ou variadas de acordo com a experiência de vida de
cada pessoa, mas são determinadas pela comunidade científica,
seguem procedimentos preestabelecidos. Tudo isso faz com que
o conhecimento científico sobre o objeto estudado seja o mais
fiel possível ao próprio objeto, de acordo com jeito que ele existe
e não do jeito que um ou outro cientista julga que ele é, ou seja,
tudo isso faz com que o conhecimento científico seja objetivo.

2) Diferenciação entre o conhecimento empírico e o conhecimento


abstrato
Primeiramente, antes de você estudar as diferenças entre o
conhecimento empírico e o conhecimento abstrato, é necessário
que se esclareçam esses termos.

Você sabe o que é conhecimento empírico ou


conhecimento abstrato?

Denomina-se empírico o conhecimento obtido


pelos órgãos dos sentidos, pela experiência sensível
vivenciada.

O filósofo Francis Bacon (1999) Pode ser aquele fruto de experiências circunstanciais
estabelece uma distinção entre e imediatas que, ao se repetirem no cotidiano, geram
a experiência vaga (basicamente um conhecimento prático que, por sua vez, oferecem
dados para que seja realizado um raciocínio indutivo.
como noções recolhidas ao acaso)
e a experiência escriturada (fruto Pode ser considerado. Também. aquele fruto de
da observação metódica e passível experiências planejadas, metodologicamente
de verificações empíricas que executadas e rigorosamente controladas pela
identificamos como experiência comunidade científica. Geralmente, os experimentos
científica). também utilizam a indução como procedimento
básico para investigações científicas. A este tipo de
experiência é mais adequado chamar experimento.

72
Filosofia

Denomina-se abstrato o conhecimento obtido


pela operação mental que se dirige a um objeto e
abstrai desse o que é representativo (características,
propriedades etc.).
No caso de objetos que não são de natureza material,
como os matemáticos, por exemplo, a abstração é
evidente, visto que os números inteiros positivos,
por sua vez, funcionam como a representação da
quantidade de objetos.

Após o estudo desses conceitos, desses tipos básicos de


conhecimentos, é pertinente questionar se, em nosso cotidiano,
atribuímos uma importância maior para o conhecimento
empírico em detrimento do abstrato, ou vice-versa.

Veja que o conhecimento de um velho agricultor, que nunca


frequentou uma escola, sobre o desenvolvimento da planta do
feijão, por exemplo, é fruto das diversas experiências anteriores
que teve com o plantio do feijão. Esse conhecimento empírico, essa
experiência é suficiente para que ele cultive o feijão com êxito.
Afinal, o agricultor vive desse conhecimento há muito tempo.

Por outro lado, o conhecimento de um agrônomo, que nunca


foi agricultor, sobre a mesma planta de feijão, é suficiente para
que ele faça pesquisas de melhoramento genético dessa planta
e possa viver desse conhecimento. Observe que o conhecimento
do agrônomo melhor se classifica como abstrato, visto que
abstrai do objeto, especificamente do feijão, suas características,
propriedades etc. Observe, ainda, que o conhecimento do
agrônomo também deve ser classificado como empírico,
uma vez que ele realiza experimentos sobre o feijão, no caso,
experimentos de melhoramento genético.

Você lembra de nossa primeira definição de conhecimento?


Foi dito que conhecimento é o que, de certa forma, mantém os
seres vivos. Pois bem, sabemos que o que mantém o agricultor
e o agrônomo vivos não são somente os seus respectivos
conhecimentos sobre o feijão. Mas, sob certo aspecto, ambos,
agricultor e agrônomo, têm um conhecimento importante . E
isso nos parece bastante sensato. Porém, as pessoas, em geral,
tenderiam a dizer que o conhecimento do agrônomo é ‘mais
importante’ do que o do agricultor. Mas, por quê?

Unidade 3 73
Universidade do Sul de Santa Catarina

Entre as razões, dessas pessoas “em geral”, situa-se a de que


o conhecimento do agricultor pode ser dito puramente físico,
derivado de experiências, enquanto o conhecimento do agrônomo
é puramente abstrato, além de experimental.

Mas nós poderíamos perguntar para as pessoas “em


geral”: Será que existe o conhecimento puramente
físico e o puramente abstrato?

Acompanhe a seguinte atividade, que tem a finalidade de


contribuir para que você reflita sobre o conhecimento empírico
e o conhecimento abstrato e assim perceber a dificuldade de
admitir que há um conhecimento puramente abstrato ou
puramente físico (ligado às experiências).

Você já se perguntou sobre como é


possível reconhecer as coisas?

Imagine que alguém lhe entregue um objeto qualquer


- uma tampa de caneta, por exemplo - e lhe peça que
diga o que é. Então, por algum tempo, certamente,
você o observa com atenção e improvisa um parecer
sobre o objeto.

A pergunta que lhe propomos é a seguinte: como


você concluiu que esse objeto é exatamente uma
tampa de caneta? Em sua resposta, descreva,
em poucas linhas, o que ocorre em seu corpo e
pensamento quando você está diante de um objeto
para conhecê-lo.

74
Filosofia

Atente, agora, para esta questão: - para identificar


o objeto, foram suficientes os dados que você
conseguiu coletar por meio de suas impressões
sensoriais, os sentidos, ou você precisou de mais
alguma coisa?

Observe que, muito provavelmente, você iniciou o


ato de conhecer guiando-se pelos dados sensoriais,
provenientes de seus sentidos, e depois relacionou o
objeto percebido com outras coisas que já conhecia.

Ora, as operações como relacionar, classificar, ordenar,


estabelecer analogias e concluir são operações mentais que
ultrapassam a experiência sensível.

Por outro lado, será que você conseguiria dizer o que é o objeto
em questão se não pudesse vê-lo ou senti-lo, se contasse apenas
com a descrição do objeto, feita por outra pessoa?

Sem os sentidos, para perceber sensorialmente o objeto, você se


guiaria pelas palavras, recorreria à imaginação, à memória de
experiências sensoriais anteriores que pudessem se relacionar à
descrição do objeto atual.

Unidade 3 75
Universidade do Sul de Santa Catarina

Voltemos ao caso do agricultor e do agrônomo. Apesar de ser


evidente a ligação do conhecimento do agricultor com suas
experiências anteriores e com a cultura que aprendeu com seus
pais, não é possível negar que o agricultor também classifica,
relaciona, tira conclusões de sua experiência sensível e faz
previsões em relação à natureza. Ou seja, o conhecimento do
agricultor não decorre, exclusivamente, de sua experiência, não é
puramente físico. O agricultor também utiliza, de um modo ou
de outro, a abstração no seu dia a dia.

Assim, também não é possível dizer que o conhecimento do


agrônomo é pura e exclusivamente abstrato, que em nada
tenha recorrido à experiência sensível, em pelo menos algum
momento. Ou seja, o conhecimento do agrônomo, certamente,
deve ter recorrido da experiência concreta, em algum momento
de seu percurso.

O que queremos enfatizar é que nos parece


complicado definir os conhecimentos como
puramente empíricos ou puramente abstratos.
Eles podem ser classificados, sem prejuízo, como mais
empíricos e menos abstratos, ou o inverso.

Embora alguns filósofos tenham defendido uma posição


radical, que privilegia um conhecimento puramente empírico ou
puramente abstrato, enfatizamos o prejuízo que há em buscar
uma resposta definitiva para a suposta dicotomia empírico
e abstrato, e, pior ainda, de considerar uma delas, de forma
excludente, como a única fonte do conhecimento.

76
Filosofia

Aprofunde seu entendimento sobre a


Teoria do Conhecimento

As questões da Teoria do Conhecimento acompanham


as especulações filosóficas desde a antiguidade clássica
e continuam presentes nas discussões de filósofos atuais,
sem esgotar suas indagações. Denomina-se Teoria do
Conhecimento ou Filosofia do Conhecimento um ramo da
Filosofia que investiga as fontes do conhecimento, a atividade
do sujeito frente ao objeto a ser conhecido, as formas de
conhecimento, os procedimentos pelos quais ele é gerado,
os critérios de sua validação, o valor que lhe é atribuído em
diferentes grupos sociais etc.

Algumas vezes, utiliza-se o termo Epistemologia como


sinônimo de Teoria do Conhecimento.

A Epistemologia também é um ramo da Filosofia que estuda o


conhecimento, especificamente o conhecimento científico. O
objeto de conhecimento da Epistemologia é a estrutura formal
da ciência, ou seja, é a reflexão filosófica sobre a linguagem, o
método, a organização interna, os resultados e o valor do saber
científico. Não faz parte da Epistemologia o conteúdo da ciência,
o objeto próprio da pesquisa científica. Pode-se dizer que a
Epistemologia, no sentido essencial, nasceu com o problema da
demarcação entre o que é ciência e o que não é ciência.

Seção 2 - As diversas formas de conhecimento


No cotidiano, é comum ouvir as pessoas afirmarem que conhecem
coisas. O mecânico diz que conhece o carro. A mãe diz que
conhece o filho. O advogado conhece a questão. O mendigo
conhece a praça. O treinador conhece o time. O matemático
conhece a fórmula etc. Nas situações citadas, o conhecimento tem
significado diverso e, ao mesmo tempo, mantém algo em comum,
visto que todos os sujeitos afirmam conhecer.

Unidade 3 77
Universidade do Sul de Santa Catarina

Veja como se classificam alguns dos diversos tipos de


conhecimento, o que os caracteriza e em que termos se
aproximam e se distanciam.

Para começar...

Observe três respostas possíveis para a pergunta: o


que é o conhecimento?

1) É a soma de todos os saberes que o homem adquire


através de sua experiência prática, do convívio social,
dos ensinamentos dos antigos e de tudo o que possa
observar durante sua vida, justamente para viver
melhor.

2) É o saber que o homem desenvolve acerca de


um determinado aspecto da realidade, a fim de
compreendê-lo e explicá-lo. É obtido através de
raciocínios apurados e experiências rigorosamente
controladas.

3) É decorrência da iluminação da alma racional do


homem. Com ela, o homem pode conhecer o que
está ao seu alcance pela experiência de seu corpo
mortal, ao mesmo tempo em que sua alma recebe os
mistérios da revelação.

Digamos que elas tenham sido dadas por três pessoas


diferentes, respectivamente, um homem do senso
comum, um cientista e um religioso.

Você é capaz de perceber detalhes que diferenciam


essas respostas?

Registre seu pensamento.

78
Filosofia

Você lembra que na primeira seção fizemos uma comparação


entre o conhecimento de um agricultor e o de um agrônomo. Isto
é, temos, basicamente, um indivíduo formado em uma instituição
de ensino superior, em que é praticado o conhecimento científico,
e outro formado, exclusivamente, na vida prática.

Vimos que o conhecimento prático, como o do agricultor,


originado na vivência, geralmente denominado de empírico,
atende às necessidades de vida do homem comum e inclui certo
grau de racionalização. Observe que parte do conhecimento
empírico do agricultor é obtida por raciocínio indutivo,
decorrente, por exemplo, da observação de repetidos fenômenos
da natureza.

O conhecimento empírico, de que tratamos aqui,


originado na experiência do homem comum, em
sua observação da natureza, está ligado à tradição,
às crenças, ao senso comum e pode sofrer influência
das modernas tecnologias da informação e da
comunicação.

Porém, há diferença entre o conhecimento empírico,


que também pode ser chamado de conhecimento
comum, vulgar ou popular, e aquilo a que chamamos
de cultura de massa, que é a cultura popular
invadida pela massificação de padrões artificiais de
comportamento e de julgamento ético e estético.

A cultura de massa é veiculada em revistas, músicas,


telenovelas, anúncios comerciais, na moda etc. Ela
produz impressões e expectativas falsas da realidade
e avança ameaçadoramente sobre a diversidade e
originalidade cultural do país, influenciando o modo
das pessoas pensarem, agirem e conhecerem.

Voltemos ao caso do agricultor! No sul do Brasil é comum o


cultivo da uva. Os agricultores aprenderam que o céu escuro
e a trovoada sempre antecede a chuva de granizo, e que esse
fenômeno é mais comum nos meses de janeiro e fevereiro. Essa
também é a época do ano em que as videiras estão produzindo.
Toda vez que cai granizo, os grãos de uva madura se partem; isso
atrai as abelhas, a uva fica azeda e o agricultor perde a esperança
de fazer um bom vinho. Com sorte, ele pode fazer vinagre! Esse

Unidade 3 79
Universidade do Sul de Santa Catarina

é um exemplo de conhecimento empírico, em que a observação


da realidade contribuiu para que o agricultor formule um
raciocínio indutivo.

Certamente, o agricultor não sabe por que chove pedra de gelo


em vez de gota de água; não sabe por que a uva partida pela
chuva de granizo fica azeda. De certa forma, ele não precisa saber
disso para continuar plantando uva do jeito que sempre fez, pois
sempre lhe bastou saber que a natureza é assim.

O conhecimento empírico do homem comum é


útil, pragmático e resolve os problemas cotidianos
que podem impedi-lo de viver bem como deseja.
Porém, tende a limitar-se a isso. Não se pode dizer
que o conhecimento do senso comum é fruto de um
“desejo puro pelo saber” e desprendido de qualquer
finalidade prática.

Geralmente, o homem comum tem um conhecimento “limitado”


da realidade, mas, em alguns casos, pode alargar bastante seus
limites ao traçar procedimentos ordenados, fazer observações
sistemáticas, planejar sua ação cuidadosamente, analisar as
indagações que permanecem em seu espírito, propor raciocínios
indutivos etc. Enfim, pode descobrir novos aspectos da realidade
e mudar sua prática a partir disto. Porém, não se pode dizer que
o conhecimento empírico do homem que utiliza o senso comum
é metódico e investigativo, que é constantemente aperfeiçoado
e que tem o propósito de explicar a realidade para além das
necessidades circunstanciais.

O conhecimento empírico do homem baseado no senso comum


é transmitido de geração para geração por meio da educação
informal, baseia-se na imitação e experiência pessoal, assim como
é influenciado pelo pensamento mítico.
Mítico, relativo ao mito, que tem Mesmo assim, veja que o conhecimento de senso comum
as mesmas características do mito,
tem a natureza como objeto de conhecimento, já que dela
ou seja, que mistura fantasia e
realidade. surgem problemas que visa a resolver. Nisso, o conhecimento
do senso comum se aproxima do conhecimento científico,
que também pretende conhecer a natureza, não somente para
resolver os problemas cotidianos, como também, para ampliar o
conhecimento explicativo sobre seus fenômenos. A ciência pode
ser entendida como o resultado de séculos de estudos sistemáticos
sobre a natureza.
80
Filosofia

Acompanhe o seguinte problema (exemplo) que visa a contribuir na


sua reflexão sobre o conhecimento empírico, como senso comum, e o
conhecimento científico.

Conhecimento empírico do homem comum e


conhecimento científico
Você deve conhecer a utilização do chá de boldo para tratar
problemas relacionados à má digestão. Então, observe a situação
que segue:

Figura 3.1 - Conhecimento empírico do homem comum e conhecimento científico


Fonte: Ilustrado por Alex Xavier (designer gráfico da UnisulVirtual).

Pois bem! Enquanto no conhecimento popular as pessoas divergem por


simples opinião, não sabem explicar com segurança como se utiliza o
boldo, se tem contra indicações, se existe mais de uma espécie de boldo
etc., na ciência existe um consenso sobre o conhecimento construído, isto
é, ele é intersubjetivamente válido. Desse modo, a receita que o médico
prescreve é compreendida por outros médicos e pelos bioquímicos que vão
aviar a receita da mesma maneira.

A ciência tornou-se uma instituição composta por milhares de membros,


cientistas, filósofos e acadêmicos. Eles compõem uma comunidade
científica que produz, fomenta, regulamenta e avalia o conhecimento
produzido dentro de suas fronteiras, o que faz da ciência um conhecimento
altamente controlado e rigoroso. A ciência não depende do que
cada cientista pensa, em sua particularidade, mas da adequação do

Unidade 3 81
Universidade do Sul de Santa Catarina

conhecimento produzido ao funcionamento da própria realidade


e aos critérios de cientificidade indicados pela comunidade
científica.

Na ciência, a linguagem, sobretudo na matemática, os métodos


e critérios de análise ou de experimentação são objetivos e
padronizados, dificultando impressões subjetivas e tornando
as teorias científicas impessoalmente válidas. Assim, tendo
competência necessária naquela área de estudo, qualquer cientista
pode compreender e até mesmo testar o que seu colega apresenta.
Essas características fazem com que o conhecimento científico
seja considerado objetivo.

A objetividade científica não deve ser encarada como um fato


“naturalmente” decorrente do modo como opera a ciência. Afinal,
o cientista não é um ser destacado da realidade, que atua de forma
neutra quando está imbuído da missão de investigar a realidade.
Precisamos admitir que, mesmo no interior de seu laboratório, o
cientista sofre influências externas ao contexto de sua pesquisa, às
vezes até de outros cientistas mais experientes e laureados.

Cada vez mais a questão da objetividade científica se torna ainda


mais complexa. Diante da polêmica ética que envolve as pesquisas
genéticas com células tronco, por exemplo, ou diante do fato
de que o desenvolvimento econômico e industrial da atualidade
está assentado no conhecimento científico e tecnológico,
movimentando riquezas e honras acadêmicas. Por isso, é mais
adequado afirmar que a objetividade é uma meta do cientista.
E, se ele busca a validade universal de seu conhecimento, deve
procurar evitar as influências externas, as opiniões particulares,
posições políticas, religiosas etc.

Interessante é o fato de que, apesar das


impressionantes descobertas da ciência
contemporânea, sobretudo aquelas que geram
tecnologias aplicadas no prolongamento e
melhoramento da vida, essas ainda não estão
acessíveis à maior parte da humanidade.

82
Filosofia

Talvez isso explique, em parte, porque, mesmo com o tamanho


desenvolvimento da ciência, ainda hoje assistimos a uma profusão
de novas igrejas e seitas religiosas em todo mundo.

O que o ser humano busca na religião?

Bem, essa é uma questão cuja resposta demandaria uma seção


exclusiva para ela, e como nosso propósito aqui é apenas
caracterizar brevemente o conhecimento religioso, vamos
considerar uma resposta genérica para a questão.

A consciência da natureza incompleta e finita do homem,


das suas dicotomias existenciais e suas contradições históricas
aparentemente insolúveis o lançam em uma situação de incerteza
para a qual se dirigem as respostas do conhecimento mítico e
religioso. Pode-se dizer que o ser humano encontra na religião
um consolo para suas angústias.

Bastante diferente da ciência, o conhecimento religioso apoia-se


em seres divinos que revelam aos homens proposições sagradas,
dogmáticas e inquestionáveis. Essas ‘verdades’ reveladas são
aceitas como lei, não pela sua veracidade empírica ou validade
lógica, mas pela autoridade de quem as revela, por isso mesmo,
não é necessário comprová-las, mas apenas aceitá-las pela fé.

A dúvida, que é elemento fundamental do conhecimento


científico, que também pode aparecer no conhecimento do
homem comum, e que é condição para a existência da Filosofia,
é evitada no conhecimento religioso, sob pena de abalar a
estabilidade dos mistérios e dogmas que estão na sua base.

Essa é uma das grandes diferenças entre esses dois tipos de


conhecimento: se o conhecimento religioso apoia-se na fé, o
conhecimento científico apoia-se na dúvida como base para as
posteriores explicações.

O cientista não pode apresentar o resultado de suas pesquisas


afirmando que acredita piamente em sua verdade e esperar que,
baseado nisso, a comunidade científica confirme seus resultados.

Unidade 3 83
Universidade do Sul de Santa Catarina

A ciência baseia-se em provas e evidências e não na fé ou crença


pessoal do cientista.

Do mesmo modo, o teólogo não pode esperar provar a existência


de Deus, embora muitos tenham se dedicado a essa tarefa. Deus
e tudo o que se relaciona à natureza divina é verdade de fé, e
não é passível de discussão porque sua veracidade não pode ser
negada ou comprovada, pelo menos não nos moldes científicos.

O conhecimento popular, como não busca, profundamente,


as raízes da realidade, como não suporta a dúvida permanente
e como está vinculado à cultura e a práticas antigas, passadas
de geração em geração, às vezes incorpora explicações religiosas
ou míticas. Observe, porém, que o conhecimento “popular”, do
senso comum, está alinhado com um sentido pragmático, uma
utilidade habitual.

O conhecimento científico e o filosófico, como buscam conhecer


inteiramente a realidade por meio das bases sólidas da razão e/ou
da experimentação, geralmente rejeitam as explicações míticas e
religiosas.

Os teóricos do conhecimento são capazes de descrever inúmeras


semelhanças e diferenças entre os tipos de conhecimento
apresentados aqui. Também ressaltam que as fronteiras entre eles
nem sempre são tão claras quanto pensamos.

Os tipos de conhecimento que abordamos não descrevem as


variadas formas de manifestação do conhecimento humano, mas
estão entre as mais discutidas pela Teoria do Conhecimento,
como base para entendimento das teorias dos filósofos, sobre
como podemos conhecer.

84
Filosofia

Síntese

Nesta Unidade, você entrou em contato com algumas das


questões mais discutidas dentro da Teoria do Conhecimento.
Filósofos de todos os tempos se questionaram sobre como
é possível conhecer, qual é a fonte do conhecimento, o
que caracteriza o conhecimento humano, que diferentes
conhecimentos os seres humanos produzem etc.

Como é característico da Filosofia, essas questões sobre o


conhecimento receberam respostas diversas e, mesmo assim,
não são consideradas excludentes. Porém, foram respostas
logicamente rigorosas, com as quais você pode comparar a “sua
própria resposta”, assim como a resposta mais comum das pessoas
em geral.

Atividades de autoavaliação

1) Retome o exercício de reflexão proposto no início desta seção sobre “O


que é o conhecimento?” e os seus prováveis autores (um homem do
senso comum, um cientista e um religioso).
a) Em função das explicações tratadas, relembre e sintetize aqui as
principais características desses tipos de conhecimento.

Unidade 3 85
Universidade do Sul de Santa Catarina

b) Agora, inclua neste exercício as principais características do


conhecimento filosófico, conforme você estudou na primeira unidade
deste livro. Assim, você obterá um resumo das características básicas
dos tipos de conhecimento estudados aqui.

c) Para finalizar, você é capaz de destacar aspectos em que a Filosofia se


distancia e se aproxima dos outros tipos de conhecimento abordados
aqui?

86
Filosofia

2) Imagine a seguinte situação:

Em uma aula de História, para a turma da oitava série do Ensino


Fundamental, o professor fala a seus alunos sobre a II Guerra Mundial e
o ataque americano que lançou duas bombas atômicas sobre o Japão.
Durante a discussão, o professor pergunta aos alunos quem deveria ser
responsabilizado pelas mortes causadas naquele evento:

• os cientistas, que descobriram a energia atômica e produziram


a bomba;
• o presidente dos EUA, que ordenou o ataque e a utilização da
bomba;
• ou, os pilotos dos aviões, que fizeram o lançamento da bomba
atômica.

Como resultado, nessa classe, a maioria dos alunos responsabilizou o


presidente dos EUA e inocentou os cientistas. Responda:
a) A quem você “acusaria”? Por quê?

Unidade 3 87
Universidade do Sul de Santa Catarina

b) Por que a maioria dos alunos inocentou os cientistas?

Saiba mais

Você pode saber mais sobre o assunto estudado nesta unidade


consultando as seguintes referências:

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo:


Mestre Jou, 2000.

ANDERY, Maria Amália. et.al. Para compreender a ciência:


uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.

BACON, Francis. Novum Organum. [Os pensadores], São


Paulo: Nova Cultural, 1999.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1998.

HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas - sexta


investigação: elementos de uma elucidação fenomenológica do
conhecimento. [Os pensadores], São Paulo: Abril, 1999.

JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São


Paulo: Martins Fontes, 1989.

MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo:


Martins Fontes, 1994.

PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2000.

88
4
unidade 4

As raízes da Teoria do
Conhecimento
Maria Juliani Nesi

Objetivos de aprendizagem
„„ Compreender a origem da reflexão sobre o conhecimento.

„„ Distinguir a concepção de conhecimento segundo


Sócrates, Platão e Aristóteles.

„„ Compreender que as questões originadas na Antiguidade


e relativas ao conhecimento foram revistas e retratadas na
Idade Média.

Seções de estudo
Seção 1 A descoberta da racionalidade.

Seção 2 O conhecimento na filosofia de Sócrates, Platão e


Aristóteles.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


A partir desta unidade, você começará estudar a questão do
conhecimento em uma perspectiva histórica. Verá a questão do
conhecimento no pensamento grego antigo de alguns filósofos
pré-socráticos (primeiros filósofos ocidentais) e de Sócrates,
Platão e Aristóteles (filósofos gregos mais estudados).

Estudará, também, questões fundamentais sobre o conhecimento


originado na Grécia Antiga e Clássica, o qual permaneceu sendo
discutido por pensadores medievais.

Para esses, por exemplo, está a clássica questão sobre o que é


capaz de validar o conhecimento: a fé ou a razão. Essa questão,
que nasceu na antiguidade e atravessou a Idade Média e o
Renascimento, colocou em lados opostos aqueles que defendiam
o conhecimento que provinha da investigação racional da
natureza, fundamentada pelo próprio homem, e outros que
defendiam a aceitação do conhecimento revelado por Deus,
baseado na fé.

Seção 1 – A descoberta da racionalidade


Até aproximadamente o século VII a.C., o conhecimento
cultivado na Grécia Antiga estava ligado a certos aspectos da vida
em sociedade. Esse conhecimento constituía-se, basicamente,
de técnicas aplicadas à agricultura, do desempenho dos ofícios
tradicionais e da preparação para a guerra.

Havia, também, o conhecimento mitológico, que, além de


motivar os cultos religiosos, explicava boa parte da realidade
ligando os deuses diretamente aos fenômenos da natureza e aos
acontecimentos da vida humana. Aos poucos, porém, os gregos
foram aprimorando suas técnicas de produção de alimentos
e produtos, o que os levou a produzir muito mais do que
precisavam para seu consumo.

90
Filosofia

É comum historiadores afirmarem que a excelência no modo


de produção da vida material levou os gregos às transações de
troca da produção excedente e ao desenvolvimento do comércio,
condição histórica fundamental para o surgimento e apogeu das
cidades gregas, de sua cultura, filosofia e ciência.

Com o desenvolvimento da sociedade grega, as respostas


finalistas e deterministas advindas dos mitos tornaram-
se insuficientes para a explicação da realidade e foi, então,
Concepção da realidade,
necessário ultrapassá-las, encontrando-se explicações baseadas na de mundo, segundo
observação e no raciocínio. a qual “tudo” já está
predeterminado, razão
Os primeiros filósofos que passaram a buscar respostas na pela qual era difundida
observação empírica dos fenômenos naturais e nas especulações uma postura conformista e
racionais foram os chamados pré-socráticos. passiva diante do destino
ou da providência divina.
Eles não concebiam o universo como uma realidade aleatória e
caótica que dependia da vontade ou do humor de seres divinos.
Isso não significa que tenham se tornado necessariamente
ateus, mas que investigaram a natureza, apesar das divindades.
Observaram que o universo possui uma ordem e que,
conhecendo essa ordem, os segredos do universo poderiam ser
desvendados pelas condições e atributos naturais do próprio
homem, sobretudo pela racionalidade.

O principal objeto de estudo desses filósofos foi o cosmos, ou


seja, o universo ordenado. Empenharam-se, especialmente, em
encontrar a origem e a composição do universo, buscando um
elemento originário, um princípio fundador. Alguns afirmavam
que esse princípio fundador era a água (como já vimos com
Tales), outros que era o fogo, outros, o átomo etc. Por isso, o
conhecimento dos pré-socráticos também é denominado de
cosmológico ou de filosofia da natureza.

Unidade 4 91
Universidade do Sul de Santa Catarina

Observe que os pré-socráticos protagonizaram uma


importante passagem do conhecimento mítico para
o conhecimento racional, evento que se repetiu
em outros momentos históricos do pensamento
ocidental. Eles eram filósofos, físicos, matemáticos
etc., mas não se pode chamá-los precisamente de
cientistas, já que não praticavam a experimentação
rigorosa, não quantificavam suas observações e não
testavam rigorosamente suas teorias. Sua investigação
se dava, em grande parte, pela especulação, análise e
inferência teórica.
Alguns estudiosos modernos chamam a atenção
para a falta de rigor da experimentação e observação
empírica realizada pelos pré-socráticos. Mesmo
assim, seu conhecimento “pré-científico” desviou o
olhar das coisas particulares e da vida prática para o
“céu”, para as teorias cosmológicas. Conforme Popper
(1982), se a sua experimentação e observação carecem
de objetividade, por outro lado sua “racionalidade
franca e sincera” os levou à antecipação de teorias
que só foram desenvolvidas mais tarde, por cientistas
modernos.

Das questões tratadas pelos pré-socráticos, abordaremos, nesta


oportunidade, apenas duas delas, que consideramos importantes
para o estudo que está sendo desenvolvido aqui sobre o
conhecimento.

A primeira delas trata da mobilidade e imobilidade do


universo, que envolveu, principalmente, os filósofos Parmênides
de Eleia e Heráclito de Éfeso. A segunda questão é a da
tradição crítica, que caracteriza as escolas pré-socráticas.

Mobilidade e imobilidade do universo


Parmênides (530-460 a. C.) tratou da questão do movimento,
(i)mobilidade das coisas do universo, a partir da distinção entre
o ser (o que existe) e o não ser (o que não existe). É célebre sua
frase neste sentido: “O ser é e o não ser não é”. (BORNHEIM,
1977, p. 63)
Figura 4.1 - Parmênides de Eléia
Fonte: Philosophy Professor (2004). Parmênides queria chamar a atenção para o ser, para o que
existe. Para ele, aquilo que existe não está sujeito à mudança,

92
Filosofia

é sempre do mesmo jeito, sendo igual, por consequência, a ele


mesmo. Logo, o movimento, a mudança, não existe. Assim,
conforme essa concepção radical de mundo, nós só poderíamos
conhecer o que existe. Por outro lado, o não ser (a negação do
ser), aquilo que não existe, não pode ser, obviamente, conhecido.

Por mais simples que possa parecer essa distinção ente ser e
não ser, veja que aqui é estabelecido um limite para o que pode
ou não ser conhecido. Só podemos conhecer o que existe e não
podemos conhecer o que não existe.

Parmênides expõe que o ser, aquilo que existe, pode ser


identificado pelos nossos pensamentos, com a nossa razão. Ele,
radicalmente, chega a identificar o pensamento referente ao que
existe com a própria coisa que existe.

Esse pensador, à medida que privilegia a racionalidade e o


pensamento para apreensão do que existe, desqualifica as
experiências, as percepções, os sentidos que produzimos ao
entrarmos em contato com este mundo sensível, considerando-os
como ilusões. Para ele, essa via sensorial, mundana, trata daquilo
que não é digno de confiança, pois não nos proporcionaria um
conhecimento seguro.

Com isso, Parmênides inaugura um dos mais clássicos problemas


da Teoria do Conhecimento: a dualidade entre o percebido e o
pensado, a experiência e a razão.

Considere a seguinte situação problema, que você pode já ter


presenciado, referente à questão da (i)mobilidade das coisas do
universo e que, posteriormente, permitirá a você aprofundar o
entendimento sobre a tese de imobilidade de Parmênides.

Unidade 4 93
Universidade do Sul de Santa Catarina

Atente para o seguinte diálogo, que poderia fazer


parte da aula de uma turma de Ensino Médio, em que
o professor de matemática apresenta aos alunos a
matéria de geometria espacial.
Professor – Meus caros alunos, a primeira coisa ao
iniciar o estudo da geometria espacial é aceitar a
existência do ponto, da reta e do plano como entes
geométricos, isto é, entes abstratos de natureza
matemática. Nós estudaremos sua definição,
identificaremos suas características e isto basta. Esses
são conceitos primitivos, elementares, a partir dos quais
faremos cálculos, projeções etc.
Aluno – Mas você pode nos explicar o que são os entes
geométricos?
Professor – Até certo ponto sim. Eles não existem de
forma concreta na natureza, não se pode encontrar uma
reta por aí. No entanto, podemos aplicar o conceito de
reta a certos aspectos da realidade. Por exemplo, ao
observarmos a parede de um prédio, identificamos uma
linha vertical que pode ser tratada como uma reta. Do
mesmo modo, os engenheiros podem construir pontes
aplicando o conceito de reta em cálculos da construção
civil. A reta é um ente unidimensional, ou seja, tem
apenas comprimento, altura ou largura e é traçada entre
dois pontos. E entre os dois pontos de uma reta existe um
conjunto infinito de outros pontos.
Neste momento o aluno para, reflexivo.
Aluno – Professor, mas se é verdade que entre os dois
pontos extremos de uma reta existem infinitos pontos,
isso significa que se eu sair do ponto origem (enquanto
extremidade desta reta) antes de alcançar o fim da reta
(a outra extremidade), então terei que atravessar infinitos
pontos? Ora, então eu jamais chegarei ao outro lado da
ponte!?

Este “caso simples” pode colocar um professor incauto em


situação desconfortável. Porém, o professor pode adotar a ideia
do aluno e explicar que, considerando a reta contínua, é possível
avançar sobre ela passo a passo, ou dar meio passo, ou um quarto
de passo, ou um passo duplo. O passo sempre pode ser menor, o
que leva à ideia de infinito.

O professor pode, também, expor que nem sempre é possível


transpor diretamente modelos ideiais para a realidade concreta,

94
Filosofia

embora os entes matemáticos, como é o caso da reta no caso


anterior, possam ser aplicados com sucesso em cálculos, em
estudos de estruturas sólidas, no desenvolvimento de tecnologias
aplicadas etc.

A questão apresentada aqui é tratada pela matemática atual, mas


surgiu muito antes, com os pré-socráticos.

Zenão de Eleia (495-430 a. C.), filósofo pré-socrático e


discípulo de Parmênides, desenvolveu argumentos que tratam
do infinito, com a finalidade de defender as ideias de seu mestre
e, assim, provar a imobilidade de todas coisas.

Um dos argumentos de Zenão expressa o seguinte. Imagine


que dois corredores iniciaram uma corrida. Embora a corrida já
tenha iniciado, diz Zenão que o corredor “mais lento” encontra-
se na frente do “mais rápido”, de modo que o “mais lento”
jamais será alcançado. A explicação de Zenão, para esse fato,
considera que para o “mais rápido” alcançar o “mais lento” teria
que, pelo menos, percorrer a metade da distância que há entre
os dois. Mas, para percorrer essa distância, o corredor “mais
rápido” ainda teria que percorrer a metade da metade de tal
distância. E assim sucessivamente, pois para percorrer a metade
da metade da distância, ainda é obviamente preciso percorrer a
metade da metade da metade da distância, até se chegar à ideia
de infinito.

Deste modo, o corredor jamais sairia do lugar. O movimento


é então uma ilusão. Veja que, para Zenão, essa explicação
corrobora a tese de Parmênides, a de que não
há movimento. Veja que Zenão leva a questão
da divisibilidade ao extremo, exatamente ao
infinito, para então sustentar a imobilidade de
todas as coisas.

Diferentemente de Parmênides e de seus


discípulos, Heráclito de Éfeso (540-470 a. C.)
afirmava que a realidade está em constante
mudança. Tal mudança ocorre, sempre, a partir
da união de contrários, do ser e do não ser,
como faces de uma mesma moeda. Observe que, Figura 4.2 - Heráclito de Éfeso / pintura de
para conhecermos precisamos reconhecer essa Johannes Moreelse (1602-1634)

“condição”. Fonte: Graham (2002).

Unidade 4 95
Universidade do Sul de Santa Catarina

Confira alguns dos fragmentos mais conhecidos de Heráclito


(BORNHEIM, 1977, p. 36-43):

„„ Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a


mais bela harmonia. (8)

„„ Descemos e não descemos nos mesmos rios, somos e não


somos.(49)

„„ A harmonia invisível é mais forte que a visível. (54)

„„ Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa:


vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a
mudança de um se dá no outro, reciprocamente. (88)

Heráclito também reconhecia a importância da razão, mas


defendia que o que existe, o ser, está continuamente mudando
para o não ser e vice-versa.

Se alguém tomar banho duas vezes no rio, então, na


segunda vez, não será mais o mesmo, nem o rio. Ora, a
água do rio passou e não volta mais, assim como aquele
que tomou banho será uma pessoa diferente daquela
que tomou banho pela primeira vez.
A percepção da mudança contínua da realidade pode
ser sutil, mas diz Heráclito que devemos reconhecê-
la como inexorável, válida para todas as coisas que
existem.

Nesse sentido, Heráclito é considerado o cunhador do termo


dialética, enquanto concepção da realidade formada pela união
de contrários e em constante transformação e movimento.

Tradição crítica
A segunda questão que abordaremos é a da tradição crítica
(perspectiva metodológica sobre o conhecimento) e que
caracteriza as escolas pré-socráticas.

96
Filosofia

Provavelmente, por terem vivido o surgimento da polis e da


democracia, uma importante característica do conhecimento Esse termo designa a
dos pré-socráticos era a possibilidade de suas teorias serem cidade grega antiga
criticadas, alteradas ou substituídas por outras mais adequadas.
Existia entre eles um processo de discussão e desenvolvimento
do conhecimento, diferente do que ocorria com os mitos.
Ora, os mitos não podiam ser criticados ou superados por
outros melhores, e os conhecimentos de ordem prática só eram
modificados se fossem considerados inúteis.

Popper (1982, p. 164) afirma que, baseados em especulações


abstratas e críticas, “e não se tenha aqui a ideia de um trabalho
maçante de racionalização, mas o frescor e a criatividade das
mentes curiosas e juvenis”, os pré-socráticos foram mais longe do
que baseados em suas observações empíricas.

Segundo o mesmo autor, o conhecimento pré-socrático


representou o início de uma tradição de produção de
conhecimento baseado em conjecturas e refutações, de uma
antecipação corajosa do que era impossível conhecer na base da
observação concreta e, sobretudo, um conhecimento baseado no
exame crítico das próprias teorias.

A postura crítica, aliás, era adotada pela maioria das escolas pré-
socráticas e fomentada pelos seus mestres professores. Observe a
seguinte citação de Karl Popper acerca da teoria de Anaximandro
sobre a suspensão da Terra.

De acordo com Anaximandro (1982, p. 163), “a Terra


[...] não está sustentada por nada, permanecendo
estacionária porque está situada a uma distância
igual de todas as demais coisas. Sua forma é [...] como
a de um tambor [...]”. O tambor, obviamente, é uma
analogia derivada da observação. Mas, a ideia da
livre suspensão da Terra no espaço e a explicação
de sua estabilidade não têm analogia em todo o
campo dos fatos observáveis. Abriu caminho para as
teorias de Aristarco e Copérnico. [...] e a concepção de
Newton de forças gravitacionais imateriais e invisíveis.
Como chegou Anaximandro a essa notável teoria?
Certamente não mediante observações, mas pela
razão. Ela é uma tentativa de solucionar um problema
para o qual Tales, seu mestre, fundador da escola
Milesiana ou Jônica já havia proposto uma solução.

Unidade 4 97
Universidade do Sul de Santa Catarina

A aventura especulativa dos pré-socráticos e seu pensamento


hipotético no intento de conhecer a realidade, somados ao
exame crítico das teorias de seus pares, são características
fundamentais do pensamento desses filósofos e, comumente, são
relacionados ao processo do conhecimento científico.

Retome a reflexão sobre as competências tipicamente filosóficas.


Pois bem, desenvolver o senso crítico e promover a ação criativa
são objetivos da maioria das propostas educativas e são atributos
necessários para qualquer pessoa.

Se você quiser aprofundar seu estudo sobre os pré-


socráticos e conhecer alguns fragmentos de seus
textos, leia o livro:

• BORNHEIM, Gerd (org.). Os filósofos pré-


socráticos. São Paulo: Cultrix, 1977.

Seção 2 – O conhecimento na filosofia de Sócrates,


Platão e Aristóteles
Nesta seção, você verá que Sócrates, Platão e Aristóteles
defendiam uma respectiva teoria do conhecimento, com
características distintas. Em comum, os três têm o fato de que
procuravam por um conhecimento seguro sobre a realidade,
sobre nosso mundo, e essa busca foi, para os três, orientada
pela procura de conceitos universais. Os conceitos universais
se referem a um conhecimento seguro e amplamente válido,
para todas as coisas, de tal modo que fundamentaria melhor,
em relação a todos os outros tipos de conhecimento, o fazer, o
pensar, o dizer etc.

98
Filosofia

Sócrates
A tradição racional que começou com os pré-socráticos
foi continuada por Sócrates (470-399 a. C.), que buscava o
verdadeiro conhecimento por meio do exercício
da razão. Sócrates opunha-se aos sofistas, que
eram considerados os mais respeitados mestres
Os sofistas eram
da sociedade grega. O foco dessa rivalidade era a grandes oradores e
teoria sobre o conhecimento verdadeiro. argumentadores. Eram,
também, mestres que
Os sofistas tinham uma visão pragmática da ensinavam argumentos
política e do conhecimento em geral. Creditavam e posicionamentos
ao discurso, à forma, à eloquência e ao poder de úteis para o sucesso na
vida prática e política.
convencimento o critério de verdade, de modo
Costumavam ser
Figura 4.3 – Sócrates
que desenvolveram uma filosofia que promovia o contratados para ensinar
Fonte: Cohen (2007). relativismo. retórica e persuasão para
os jovens que almejavam
Assim, tantas verdades decorriam de quantos discursos fossem “prosperar”.
proferidos, de acordo com a tese preferida e argumentada pelo
cidadão.

Para Sócrates, não se tratava de procurar o discurso


eloquente e persuasivo, mas de procurar a verdade
(universal), para além da diversidade de perspectivas.

Nesse caso, “o homem não é a medida de todas as coisas”,


como pensava o sofista Protágoras. Sócrates criticava os debates
programados que eram comuns na vida política das cidades
gregas antigas, com temas determinados, tempo de duração
definido e afetados por interesses escusos dos debatedores.

Segundo ele, o homem para descobrir a verdade deve adotar


um postura humilde e questionadora, condição eficiente e
necessária para conhecer a realidade.

Pensava que a filosofia é uma prática de vida que exige dedicação


e coerência total, sem jamais ceder a interesses externos. Por isso,
passava os dias pela cidade, conversando com todos, sobretudo,
argumentando livremente e promovendo debates entre as pessoas
que se juntavam a ele.

Unidade 4 99
Universidade do Sul de Santa Catarina

Sócrates exercitava a filosofia como debate vivo,


como busca incessante pela verdade. Não deixou
nada escrito, e o que sabemos de seu pensamento
é por meio de historiadores ou de outros filósofos,
especialmente Platão, que fez de Sócrates o
personagem principal de seus diálogos.

Sócrates se considerava ignorante e não se fazia portador de


nenhum saber, mas acreditava ter o dever de libertar as pessoas da
convicção ilusória de que sabiam alguma coisa. Nessa perspectiva,
todos são ignorantes e alguns, os que têm consciência da própria
ignorância, são os mais preparados para se lançar em busca do
Durant (1996, p. 33) expõe sobre
Sócrates que “[...]o oráculo de Delfos
conhecimento verdadeiro. Nos debates promovidos por Sócrates,
[...] o declarara o mais sábio dos seus interlocutores eram desafiados a falar de temas diversos e
gregos [...].”,justamente por não levados, por perguntas insistentes, a refletir profundamente. Se o
se atribuir sabedoria que, de fato, debate concluísse com um argumento genérico e sem uma precisa
reconhecia não possuir. definição do objeto do debate, o interlocutor ficava confuso. Assim,
o interlocutor se tornava presa da dúvida, na visão do filósofo, e
então ficava pronto para admitir sua ignorância e empenhar-se na
busca pela verdade.

Segundo Sócrates, um corpo doente e intoxicado, antes de


receber o remédio correto, precisa passar por um processo de
depuração para somente depois assimilar o remédio. Do mesmo
modo, um espírito arrogante, que julga só ter virtudes e que
confia demasiadamente em seus conhecimentos, não pode
produzir um conhecimento verdadeiro sem antes proceder uma
“cura”, colocando seu próprio pensamento sob olhar crítico.

Sócrates suscitava a autocrítica e fazia seu


interlocutor questionar o próprio conhecimento,
ou seja, levava o aprendiz a reconhecer-se ignorante
- ironia socrática. Depois, com a arte da maiêutica,
ajudava seu interlocutor a exprimir o quanto de
verdade sua razão fosse capaz de parir, de gerar.

É no trabalho interno da própria razão, no autoconhecimento,


que a pessoa deve se concentrar, e se concentrar para sempre,
enquanto guia para a nossa vida.

100
Filosofia

O método socrático não se reduz ao diálogo, como pode parecer.


“Todos” podem até falar com segurança sobre virtudes, belezas,
justiças, mas fazem isso enumerando casos particulares coletivamente
conhecidos. No entanto, nem todos são capazes de dar uma definição
única para o termo geral, universal, como justiça ou virtude.

Sócrates, pelo contrário, buscou saber não quais são as coisas


belas e justas, mas que é o Belo e a Justiça, o que é comum
em todas as coisas que julgamos como belas ou justas. A
pergunta socrática é, de fato, sobre a definição de essência, a
universalidade do conceito.

Observe que Sócrates busca o conhecimento verdadeiro nas


essências ou ideias universais que são alcançadas por meio da
razão, e não por meio da manifestação concreta, da realidade,
que é múltipla e depende da impressão de cada um.

Acompanhe a seguinte situação que visa a melhorar a sua


reflexão sobre como o “conceito universal” de belo requer uma
investigação mais aprofundada.

Um rapaz vai à floricultura, acompanhado dos amigos,


para escolher flores que levará no primeiro jantar, na
casa da namorada. O rapaz pede para ver as flores
mais belas que têm na loja. Entre tantas flores, a
florista lhe traz um ramalhete de lírios brancos. Então
os rapazes discutem a questão e cada um diz o que
pensa:
– Oh, que belos lírios. Eles são brancos como o leite.
– Que horror. Não vejo beleza nos lírios. Eles lembram
o dia dos finados.
– Também acho os lírios feios, e que belas são as rosas.
– Não, as rosas não são belas, pois elas têm espinhos.
Belos são os cravos.
– Eu acho os lírios lindos, mas amanhã a beleza
deles já terá desaparecido. Se você quer dizer a sua
namorada como ela é bela, então tente outra coisa.
Você é capaz de sugerir ao rapaz alguma coisa que
seja realmente, indubitavelmente e sempre belo, para
presentear a namorada?

Unidade 4 101
Universidade do Sul de Santa Catarina

Sócrates diria que não, pois o Belo é um conceito universal que


existe em essência, ou seja, em ideia, e somente lança seu reflexo
sobre a realidade concreta. Você não pega o Belo, não vê o Belo,
mas utiliza desta definição para qualificar as coisas como belas.

Algumas coisas parecem belas e outras não. Mesmo as que


“parecem” belas, não o são para todas as pessoas, e mesmo que
fossem belas para todas as pessoas, não o seriam para sempre,
porque a realidade concreta muda e algo que é belo hoje, pode não
ser amanhã. Mas, para Sócrates, o conceito universal (que apresenta
uma essência imutável) de Belo é algo que não muda, jamais.

Platão
Ao procurar continuar o pensamento de Sócrates, Platão
(428/27-347 a. C.) aprofundou a distinção entre a essência das
coisas e a aparência das coisas.

Segundo Platão, precisamos distinguir as opiniões (doxa), que


são uma forma de conhecimento simples e enganoso obtido
por meio dos órgãos sensoriais, da ciência (episteme), que é o
Figura 4.5 – Platão conhecimento verdadeiro obtido pela via da razão.
Fonte: Franco (2002).

Para Platão, chegamos ao conhecimento verdadeiro


através do diálogo filosófico, que consiste no
confronto de argumentos e contra-argumentos. Tal
procedimento, método, é chamado pelo filósofo
de dialética e é considerado por ele como um
aprimoramento do método socrático.

Não confunda o sentido da dialética de Platão com a de


Heráclito. Em Platão, a dialética é considerada um método
para a busca de conceitos universais. Para Heráclito, a dialética
é considerada uma explicação ampla e geral acerca de como a
realidade é regida.

Nos diálogos, portanto, não se trata de elaborar uma opinião


pessoal, mas sim, por meio de raciocínios lógicos, depurar o
conhecimento, aproximando-se do conhecimento verdadeiro, da
essência, do conceito universal investigado.

102
Filosofia

Nesse sentido, não cabe ao mestre convencer pela via direta o seu
discípulo a respeito de algo. O mestre inicia um diálogo apresentando
um argumento acerca de algum tema e provoca o aprendiz a
manifestar-se em relação ao tema. Assim, pela via da argumentação
dialética - pelo embate de argumentos - as contradições, incoerências
do conhecimento proferido e as observações acidentais acerca da
realidade são evidenciadas e superadas por outras provisórias, que se
sustentam no decorrer do diálogo.

As ideias passam por uma espécie de prova lógica e são, depois


disso, consideradas mais verdadeiras pelos participantes do embate.
Observe que o ponto de partida do diálogo platônico é a opinião
que o aprendiz emite sobre o tema em questão.

As opiniões são consideradas falsas ideias sobre a realidade, porque


não têm origem na razão. Veja que Platão parte da análise do “erro”,
ou, talvez, de algum resquício de verdade que há na opinião, parte
da aparência de verdade, da “verdade torta”, com a finalidade de
superá-la e abandoná-la em seguida.

Com a prática da dialética, Platão reafirma a necessidade da


crítica como forma de aproximação das ideias verdadeiras e, de
certo modo, antecipa uma prática do conhecimento científico
moderno, que é a prova pela qual as teorias científicas passam
para atestar sua veracidade. Para a ciência, o erro pode ser o
ponto de partida para uma nova teoria, não é descartado como
experiência negativa que já esgotou suas possibilidades. A
teoria científica que não se confirma não deixa, por isso, de ser
científica.

Dos escritos de Platão, a Alegoria da Caverna é um dos mais


significativos para elucidar como nos apropriamos do conhecimento
verdadeiro. A seguinte figura ilustra essa busca.

Unidade 4 103
Universidade do Sul de Santa Catarina

Figura 4.5 – A alegoria da caverna


Fonte: Valverde (1987a, p. 74-75).

Platão parte de uma suposição, de uma caverna fictícia onde


vivem prisioneiros amarrados desde que nasceram e de modo
que nunca viram nada além das sombras projetadas na parede
de fundo da caverna, as quais não são reconhecidas pelos
prisioneiros como sombras, mas como a própria realidade.
Em determinado momento, um dos prisioneiros liberta-se e
percorre um árduo caminho que leva ao exterior da caverna,
completamente diferente do mundo em que estava acostumado a
viver até então.

Para Platão, o interior da Caverna é o “mundo dos sentidos”,


das coisas particulares, das aparências, das opiniões, do senso
comum, e o exterior da Caverna é o “mundo das ideias”,
dos conceitos universais, das essências, do conhecimento
verdadeiro, da ciência. Na metáfora da Caverna, os prisioneiros
representam nós mesmos, e as correntes que nos prendem são
nossos sentidos. Livrar-se das correntes e subir a caverna saindo
de sua escuridão equivale a desprender-se das opiniões que nos
limitam e, gradativamente, alcançar a claridade do conhecimento
abstrato e ideial.

A despeito da facilidade com que algemas foram abertas, a subida


para o exterior da Caverna é um percurso doloroso. Platão faz
questão de lembrar que, ao se movimentar e se dirigir para a
luz, buscando sair da Caverna, o homem sente dores no corpo,
nos olhos, e deseja voltar. Para deixar para trás sua condição de
prisioneiro, o homem tem que se desacomodar e lançar-se em um
caminho desconhecido, no qual o seu esforço e a sua ação são

104
Filosofia

exigidos, ao contrário da vida no interior da Caverna, em que


recebia passivamente as sombras. De modo geral, essa é uma
característica essencial para qualquer aprendiz: estar disposto
ao esforço que o processo permanente de conhecimento exige.

O mundo do prisioneiro é apresentado a ele como verdade, ele


vive nas sombras e das sombras; vive daquilo que aparece, do
que lhe assaltam os sentidos. Metaforicamente, essa é a condição
dos indivíduos reais que vivem mergulhados em seu cotidiano,
com a curiosidade “satisfeita” ou alienada. Porém, na falta de
um estranho que venha do exterior da caverna para libertar os
prisioneiros, existe a rara possibilidade de que alguma coisa se
altere na regularidade das sombras e os prisioneiros sejam levados
ao questionamento.

Na representação de Platão, é verdade que as sombras enxergadas


pelos prisioneiros existem de fato e que eles as veem. No entanto,
o homem da Caverna não vê as sombras como sombras das
coisas, mas como se fossem as próprias coisas. Não desconfia que
exista algo além do que se apresenta para ele. Não desconfia da
existência da fogueira atrás de si, dos homens que passam atrás de
si. Isso equivale a dizer que o prisioneiro não tem consciência
de sua condição de prisioneiro.

O erro do prisioneiro da Caverna é satisfazer-se com a realidade


das sombras e não se dar conta de sua condição de prisioneiro.
Se mesmo preso ele desconfiasse daquilo que se apresenta como
verdade da realidade, então não se poderia dizer que é um

Unidade 4 105
Universidade do Sul de Santa Catarina

prisioneiro, mas que está prisioneiro. O que faz diferença, neste


caso, é ter consciência ou não de sua condição. Ter consciência
da prisão é o primeiro passo para se tornar um homem livre, ou
seja, um verdadeiro aprendiz.

Conhecer, para Platão, é estar mergulhado no processo de


descoberta da verdadeira realidade, das ideias. As ideias universais e
verdadeiras das coisas já estão em nossa alma, em nossa razão, estão
conosco desde que nascemos, o que significa que antes de qualquer
experiência elas já existem e podem, portanto, ser desveladas. Por
outro lado, as coisas que vemos e sentimos no mundo concreto são
consideradas apenas ilusões, aparências da verdade.

Aristóteles
O estabelecimento das ideias como
fonte do conhecimento verdadeiro,
em Platão, não foi bem recebido por
Aristóteles (384-322 a.C.). Ele concorda
com o mestre que para alcançar o
conhecimento verdadeiro é preciso,
pelo trabalho da razão, chegar aos
conceitos universais, porém, não
dispensando a experiência sensível
e a observação acurada das coisas Figura 4.6 – Aristóteles
Fonte: Grécia ... ([200-]).
particulares, a partir das quais podemos
explicar o movimento ordenado e
harmonioso dos entes materiais e formar ideias gerais que, aí
sim, remetem-nos aos conceitos universais. Nisso Aristóteles
discorda de Platão, pois para esse os conceitos universais são
inatos e a experimentação somente nos desvia do caminho para
o conhecimento verdadeiro.

Para Aristóteles, os conceitos universais nada mais são do que


o resultado da atividade da razão, que primeiramente, por
experiência e indução, categoriza e classifica a variedade do
mundo sensível. Capturamos com a razão as estruturas universais
inerentes ao conjunto das coisas particulares, e não de cada uma
delas individualmente, pois de coisas particulares tomadas em sua
individualidade só se podem descrever as características sensíveis.
Nisso concordam Sócrates, Platão e Aristóteles.

106
Filosofia

Assim, experimentando diversos tipos de seres do reino vegetal,


por exemplo, Aristóteles acreditava ser possível identificar as
características que são constantes, comuns e essenciais a todas
as plantas, além das características acidentais, aparentes, que
podem mudar sem que aquela planta deixe de ser o que é.

De acordo com Aristóteles, o conceito de “flor” que você tem e


utiliza no cotidiano é resultado de diversas flores já conhecidas.
Assim, se você isolasse uma margarida do conjunto das flores, não
poderia chegar ao conceito universal de Flor, pois esse conceito
abrange as margaridas e todas as outras flores que existem.

O conceito universal de Flor, que define o conjunto


das diversas flores, não permite que você inclua
a cadeira, por exemplo. Observe que quando
consultamos o dicionário para buscar o significado de
uma palavra, buscamos, de certo modo, o conceito
universal que ela encerra.

Conforme a teoria de Aristóteles, para formar um conceito


universal, realizamos uma indução. A indução ocorre a partir
da observação de casos particulares, oferecendo-nos dados para
propormos uma inferência, uma conclusão, ampla e geral. Porém,
as observações particulares a que se referia Aristóteles não são as
meramente acidentais, mas sistemáticas, planejadas.

Para Aristóteles, o conhecimento vulgar dá origem a um


discurso repleto de falácias que parecem raciocínios verdadeiros,
mas que não o são.

Unidade 4 107
Universidade do Sul de Santa Catarina

Veja que sua Lógica é ampla, pois além de investigar


quando um raciocínio é válido ou não, também
estipula a indução (assim como a dedução) enquanto
procedimento científico básico, que auxilia na busca
pelos conceitos universais.
Para Aristóteles, a Lógica é fundamental no trabalho
de organizar e sistematizar a experiência. Ele confia
aos sentidos a captação das características das coisas
no mundo físico e à razão, os procedimentos de
indução e dedução, capazes de nos aproximar dos
conceitos universais.

Ao investigar a realidade e os conceitos universais, Aristóteles


propôs modos para falar do que existe. Entre esses modos, está a
classificação do ser como ato ou potência.

O ser, a coisa, em ato se refere àquilo que existe


agora e que se encontra plenamente realizado. O
ser, a coisa, em potência se refere àquilo que tem
condições de ser realizado, mas que ainda não está
realizado, efetivado, de fato.

Acompanhe um exemplo.

Uma semente de mostarda é pequenina em ato, agora


realizada, mas, em potência, essa semente representa
uma árvore formosa e enorme. A semente representa
o estágio atual desse ser, enquanto a árvore, o estágio
possível, futuro, o qual a semente encontra-se
passível de atingir.

Na grande maioria dos seres e coisas há a possibilidade de que


ocorra uma passagem do que é em potência para o que é em ato, mas
tais seres e coisas não podem se transformar em qualquer coisa.

Bem, para que algo em potência, uma semente por exemplo,


atualize-se, realize-se, é necessária uma causa. Aristóteles afirma

108
Filosofia

que conhecemos uma coisa quando conhecemos, de fato, as suas


quatro causas.

Observe com atenção o desenho que segue, que ilustra as quatro


causas que fazem parte do que um ser é, do que uma semente, por
exemplo é. Esta figura, especificamente, refere-se a uma estátua.

Figura 4.7 – A estátua da vitória da Samotrácia e as 4 causas de Aristóteles


Fonte: Valverde (1987b, p. 84) .

Unidade 4 109
Universidade do Sul de Santa Catarina

Observe que Aristóteles estabeleceu quatro causas:

„„ material;
„„ formal;
„„ eficiente;
„„ final.
Se conhecermos essas quatro causas, poderemos, então,
identificar, conhecer, um determinado ser - a semente da
mostarda, a semente do pêssego, por exemplo, e de que modo
ocorre a passagem de um estado atual para outro estado em ato
(tal como o caso da árvore).

A causa material se refere à matéria da qual a coisa é


feita, sobre a qual se aplica a forma, como o mármore
da estátua.

A causa formal é o que torna o ser exatamente aquilo


que ele é, são suas características essenciais, é o que
dá a forma à matéria, tal como a modelo da estátua.

A causa eficiente é a força externa que provoca a


transformação da causa material para atingir um fim,
como é o caso do escultor na figura da estátua.

A causa final nada mais é do que o objetivo, a


finalidade da transformação da potência em ato, que,
no caso da estátua, é ela ser exibida.

Veja assim que, para Aristóteles, o conhecimento também está


relacionado ao conhecimento das quatro causas, ou causas primeiras.

110
Filosofia

Saiba mais sobre as atividades de Aristóteles!


Aristóteles foi o mais brilhante e reconhecido
estudioso da Academia de Platão, mas também seu
maior crítico, especialmente da teoria das ideias de
Platão. Como físico e botânico que era, Aristóteles
valorizava muito as ciências físicas e biológicas e se
opôs à negação platônica do valor cognoscitivo da
experiência concreta.
A ciência botânica teve origem no mundo antigo
greco-romano, e o filósofo Aristóteles contribuiu
muito para isso, por exemplo, criando a anatomia
comparada. Aristóteles realizou uma extensa
obra sobre o reino animal, que influenciou toda
a percepção sobre o tema nos séculos seguintes,
fundamentando a classificação da natureza.
Alexandre, o grande, rei da Macedônia, foi aluno
de Aristóteles dos treze aos dezesseis anos,
aproximadamente, quando abandonou a Filosofia
para construir seu império. Conta-se que Alexandre,
já homem feito e com o império consolidado, em
diversas situações, teria ordenado a seus súditos que
colhessem diversos exemplares de plantas em uma
vasta extensão de terra para os estudos de Aristóteles.

Aristóteles foi o último grande filósofo grego da tradição clássica.


Depois de sua morte, do declínio das cidades gregas e de sua
cultura, houve um período de incertezas que perdurou até o
surgimento do cristianismo. Com esse sistema, perdurou um
período de profunda transformação na mentalidade do homem
ocidental.

Durante a Idade Média, sob a influência do pensamento cristão,


a cultura grega foi considerada pagã. Primeiramente, porque
os gregos eram politeístas (acreditavam em vários Deuses),
enquanto que para o cristianismo há um só Deus (monoteísmo);
depois, porque os gregos eram conhecidos pela sua curiosidade
e investigação racional, ou seja, quando se tratava de conhecer a
natureza, eram movidos pela dúvida, enquanto o cristianismo era
baseado na fé.

Unidade 4 111
Universidade do Sul de Santa Catarina

A relação entre fé e razão foi, no período medieval,


questão controversa e pertinente à Teoria do
Conhecimento.

Vale lembrar que questão semelhante ocorreu no início da


filosofia na Grécia Antiga: o poder explicativo do mito sobre
a natureza teve sua força atenuada enquanto se desenvolveu
a adoção de explicações oriundas da Filosofia. No período
medieval, porém, prevaleceu a perspectiva religiosa. Dois
dos principais pensadores cristãos foram Santo Agostinho e
São Tomás de Aquino, ambos se basearam na filosofia grega
para fundamentar as verdades da fé. O primeiro baseou-se no
pensamento de Platão e o segundo no pensamento de Aristóteles.

Para saber mais sobre o pensamento na Idade Média,


consulte as seguintes referências:

• JEAUNEAU, Edouard. A filosofia medieval.


Portugal: Edições 70, 1963.

• VERGER, Jacques. As universidades na idade


média. São Paulo: Unesp, 1990.

• ANDERY, Maria Amália. et al. Para compreender


a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de
Janeiro: Espaço e Tempo, 1998.

112
Filosofia

Síntese

Nesta unidade, você estudou algumas questões básicas da Teoria


do Conhecimento que percorreram os primeiros períodos da
Filosofia no Ocidente.

Estudou a descoberta da racionalidade e, nesse sentido,


identificou os pré-socráticos como os primeiros filósofos, que
procuraram desenvolver uma explicação racional sobre a realidade,
considerando o universo em si mesmo, enquanto um cosmo
ordenado, independente das então vigentes explicações mitológicas.

Ligada à descoberta da racionalidade, você estudou a (i)


mobilidade do universo e a tradição crítica da filosofia pré-
socrática. Parmênides e Heráclito admitem que é possível
conhecer, mas ambos ofereceram respostas distintas sobre a (i)
mobilidade do universo, de modo que o primeiro privilegiou a
impossibilidade de mudança e criticou as opiniões e os nossos
sentidos; enquanto o segundo defendeu a mudança contínua de
todas as coisas, assim como elogiava o uso da razão.

Sócrates buscava por conceitos universais, que fundamentassem


o conhecimento. Segundo Sócrates, portanto, não interessam
as opiniões que as pessoas têm a respeito das coisas particulares
e que estão baseadas na experiência concreta, mas as ideias
universais que são capazes de sintetizar a universalidade do
mundo concreto, de modo a evitar a opinião e a alcançar o
conhecimento verdadeiro sobre a realidade.

Platão e Aristóteles representam dois pólos originários da


discussão da Teoria do Conhecimento no pensamento ocidental:
Platão valorizava a perspectiva ideal como única via possível
para o conhecimento verdadeiro, representativa da exigência da
transcendência do mundo sensível e da aspiração de um mundo
puro de realidade ideal e racional.

Aristóteles defendia a perspectiva do concreto, da valorização do


sensível, porque no mundo sensível e na sua história o homem
pode experimentar os dados que lhe servem de guia para
desenvolver seu conhecimento, sistematizados pela lógica.

Unidade 4 113
Universidade do Sul de Santa Catarina

A questão que faz divergir os pensamentos de Platão e de


Aristóteles continua a ser discutida pela Filosofia, mesmo depois
de sua morte e, do declínio das cidades gregas e sua cultura,
afinal, são questões clássicas, retomadas continuamente até os
dias atuais.

Muitas outras questões poderiam ter sido abordadas, também


outros filósofos poderiam ter sido estudados. Porém, a palavra
escrita, mais do que a palavra falada, exige delimitações.
Esperamos que as escolhas que fizemos neste texto tenham
servido de base para você ter um conhecimento inicial sobre o
tema, e que esse conhecimento, por sua vez, seja suficiente para
que busque, com seus próprios meios, mais informações sobre as
questões estudadas aqui.

Atividades de autoavaliação

1) Identifique a divergência entre o pensamento de Parmênides e de


Heráclito que deu origem a uma das principais questões da Teoria do
Conhecimento.

114
Filosofia

2) Caracterize, em poucas linhas, a questão do conhecimento de acordo


com os três principais filósofos gregos clássicos, considerando uma
linha de continuidade entre o pensamento deles.

3) Assista ao filme “O Nome da Rosa” e destaque aspectos da polêmica


entre a fé e a razão que dominou a Idade Média.

Saiba mais

Você pode saber mais sobre o assunto estudado nesta unidade


consultando as seguintes referências:

ANDERY, Maria Amália. et al. Para compreender a ciência:


uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1998.

BORNHEIM, Gerd (org.). Os filósofos pré-socráticos. São


Paulo: Cultrix, 1977.

FÉLIX, Loiva O.; GOETTEMS, Miriam B. (Orgs.) Cultura


grega clássica. Porto Alegre: UFRGS, 1989.

JEAUNEAU, Edouard. A filosofia medieval. Lisboa: Edições


70, 1963.

Unidade 4 115
Universidade do Sul de Santa Catarina

ROBERT, Fernand. A literatura grega. [Universidade hoje], São


Paulo: Martins Fontes, 1987.

VALVERDE, José María. História do pensamento: filosofia,


ciência, religião, política. Vol. I, nº 6, São Paulo: Nova Cultural,
1987a.

. História do pensamento: filosofia, ciência, religião,


política. Vol. I, nº 7, São Paulo: Nova Cultural, 1987b.

VERGER, Jacques. As universidades na idade média. São


Paulo: Unesp, 1990.

VERNANT, Jean-Peirre. As origens do pensamento grego. São


Paulo: DIFEL, 1984.

116
5
unidade 5

Questões do conhecimento
no pensamento moderno e
contemporâneo
Maria Juliani Nesi

Objetivos de aprendizagem
„„ Identificar características que contribuíram para a
formação do pensamento moderno e contemporâneo.

n Distinguir perspectivas modernas sobre o conhecer, a


partir de Descartes, de Hume e de Kant.

„„ Refletir sobre o conhecimento científico contemporâneo,


em função da ótica de Kuhn e Feyerabend.

Seções de estudo
Seção 1 A redescoberta da racionalidade

Seção 2 Caminhos possíveis para o conhecimento

Seção 3 Questões da Teoria do Conhecimento na


contemporaneidade
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você estudará, brevemente, a passagem do
pensamento antigo para o pensamento moderno e de que
modo as mudanças sociais, que compreendem a decadência
do feudalismo e o nascimento do capitalismo, interferiram no
pensamento dos filósofos daquela época.

Também estudará a ruptura que houve com o pensamento medieval,


as velhas formas de concepção do mundo e do homem e a organização
social e econômica baseada no feudalismo. Compreenderá a passagem
para o pensamento moderno por meio do Renascimento, que
significou o despertar da racionalidade no Ocidente.

Além disso, estudará as principais características da Teoria do


Conhecimento na modernidade, pelo pensamento dos seguintes
filósofos modernos: Descartes, Hume e Kant, no que se refere às
bases modernas para o estudo contemporâneo do conhecimento
científico; e contemporâneos: Kuhn e Feyerabend, no que se
refere às questões da Ciência e aos limites da razão.

Seção 1 – A redescoberta da racionalidade


A tradição da Teoria do Conhecimento iniciada com os filósofos
gregos percorreu a história ocidental inspirando todos os períodos
subsequentes.

A passagem do pensamento clássico grego para o pensamento


medieval foi marcada por uma controvertida ruptura que alterou
o modo de os homens entenderem a realidade. Por um lado, a
cultura grega incluía uma tradição racionalista e especulativa
no conhecimento da natureza, o que oferecia risco aos dogmas
cristãos. Os gregos cultuavam vários deuses, eram politeístas,
enquanto os cristãos cultuavam o monoteísmo, isto é, culto a um
único Deus. Por outro lado, a cultura grega era magnífica, mesmo
aos olhos dos dogmáticos doutores da Igreja. Além do que, a
dialética dos gregos, sobretudo a platônica, serviu de poderoso
meio de argumentação e fundamentação das verdades da fé.

118
Filosofia

Inicialmente, grande parte dos filósofos cristãos da Idade Média se


ocuparam em conciliar fé e razão no conhecimento da natureza.

Há certo consenso entre os estudiosos de que os dogmas religiosos


exerceram uma influência profunda no pensamento medieval,
sobretudo na primeira parte desse período. A Escritura Sagrada
representava uma das fontes mais confiáveis de conhecimento.

A natureza era interpretada como uma escritura divina, na qual


ciência, moral e realidade se fundiam. Mais do que conhecer e
dominar a natureza, a Ciência deveria ser um modo de ilustrar
a verdade teológica. Não deveria buscar a causa primeira
dos fenômenos, mas decifrar as mensagens divinas expressas
diretamente nos seres da natureza. O homem era considerado
uma criatura privilegiada, que poderia ter a alma iluminada pela
verdade divina.

Os religiosos proibiam a investigação da natureza e a aplicação


livre desse conhecimento. Alguns aspectos deveriam continuar
velados aos homens para que não fosse apresentada nenhuma
contradição com as escrituras sagradas. Era o caso da Cosmologia
e da Anatomia, por exemplo.

Saiba mais sobre o período medieval


Poucos sabiam ler e escrever no período medieval,
e os homens letrados participavam do clero. Afinal,
a Igreja dominou os meios de educação e formação
intelectual desde o século IV, quando o imperador
romano Constantino reconheceu e deu liberdade ao
cristianismo, até, aproximadamente, o século XII -
quando todo panorama cultural, político e econômico
do Ocidente começou a mudar.

Mas o pensamento medieval não consistiu unicamente na


obediência cega aos dogmas cristãos. A força do pensamento
humano, subordinada a estes dogmas por longa data, não
permaneceu inerte e ressurgiu a partir do que os historiadores
denominaram de Pré-renascimento do século XII.

Unidade 5 119
Universidade do Sul de Santa Catarina

Patrística refere-se a um núcleo


de estudos dos fundamentos e Conforme Abbagnano (2000), quando os doutores da Igreja
doutrinas do Cristianismo que retomaram a dialética com a finalidade de fortalecer a fé,
perdurou do século II até o VIII.
Reunia doutores da Igreja cujo
acabaram influenciando o próprio sistema dogmático, uma vez
principal objetivo era fundamentar que reestruturaram o conteúdo dogmático dentro de um sistema
racionalmente as verdades da fé, conceitual coerente.
conciliando fé e razão.
A dialética foi introduzida nos debates cristãos pela Patrística e,
mais tarde, foi revitalizada pela Escolástica.
Escolástica refere-se a um núcleo Entre os séculos XII e XIII surgiram as primeiras
de estudos cristãos que sucedeu a
universidades, praticamente dominadas pela Escolástica,
Patrística, perdurou do século IX
até, aproximadamente, o século que ensinavam as sete artes liberais: o trivium, que eram os
XVI e teve o mesmo objetivo da sua conhecimentos literários (Gramática, Retórica, Dialética) e o
antecessora: conciliar a Teologia quadrivium, que eram os conhecimentos científicos (Aritmética,
com a Filosofia e fundamentar as Geometria, Astronomia, Música).
verdades das escrituras sagradas.
Uma marca da Escolástica é a
influência aristotélica. Foi neste período, também, que começaram a
ser traduzidas as obras gregas que haviam sido
proibidas durante quase toda a Idade Média, além
das obras árabes sobre as ciências da natureza, que
chegavam à Europa por meio dos navios mercantes
ou por cavaleiros que retornavam das cruzadas. Esses
fatores, junto a outros de ordem política e econômica,
como a decadência do feudalismo e o crescimento das
cidades, deram início a uma revolução cultural que
ficou conhecida como Renascimento.

De modo geral, o Renascimento foi um período histórico marcado


pelo desejo do homem de produzir conhecimentos e orientar
sua vida de forma autônoma, pela sua capacidade própria de
conhecer, superando o conhecimento mitológico cristão.

120
Filosofia

Saiba mais sobre o Renascimento


Com o Renascimento, o conhecimento passou a
espelhar a autonomia do homem para pesquisar
livremente a natureza. Este era o foco de atenção de
diversos estudiosos renascentistas, especialmente dos
anatomistas e astrônomos.
Durante a Idade Média, era proibida a dissecação de
corpos humanos, e médicos como Claudius Galeano
exerciam a clínica fazendo dissecações e experimentos
em animais. Ele tratava o corpo humano como suporte
da alma e sua obra foi considerada definitiva para
a prática da medicina durante toda a Idade Média.
No Renascimento, porém, cada vez mais estudiosos,
como o médico belga Andreas Vesalius, passaram
a efetuar seus estudos anatômicos diretamente em
corpos humanos e a apontar os erros de anatomistas
anteriores.

Se você quiser saber mais sobre as mudanças


ocorridas no século XII, que culminaram no
Renascimento Clássico do século XIV, busque
livremente na internet pelos termos “Renascimento do
século XII” e “Renascimento Clássico”.
Sobre esse último, pesquise, também por “imagens” e
você encontrará uma série de obras de arte, inventos e
personagens interessantes deste período da história.
Também pode consultar o livro O Renascimento de
Nicolau Sevcenko. Esse livro oferece uma leitura
introdutória do assunto e apresenta motivos políticos
e econômicos que favoreceram o Renascimento. Outro
livro interessante sobre a Idade Média é O pensamento
medieval, de Inês C. Inácio e Tânia Regina de Luca.
Sobre a questão cosmológica do Renascimento,
busque livremente, na internet, pelos termos: Galileu
Galilei, Copérnico e Ptolomeu.

A preparação para a Modernidade


A Modernidade não foi fruto somente da transformação
intelectual ocorrida no Renascimento, mas, primeiramente,
das transformações econômicas e políticas que decorreram
daquele período.

Unidade 5 121
Universidade do Sul de Santa Catarina

Foram mudanças importantes como: a introdução de um


comércio basicamente monetário, que agilizava muito a
circulação de mercadorias e a acumulação de riquezas; a
descoberta de novas terras e as técnicas de navegação na corrida
para a apropriação dessas terras; e a invenção da prensa, que
favoreceu a publicação de documentos e livros.

Esses foram alguns fatores que exigiram e fomentaram um tipo


diferenciado de conhecimento que não era o conhecimento
religioso medieval nem o filosófico grego, seja porque o primeiro
estava irremediavelmente submetido à censura dos dogmas,
o segundo, vinculado às especulações metafísicas e pouco
concretas para atender às exigências da nova ordem social.
O termo metafísica se refere àquilo
que está além da física, de nossa
Nas universidades medievais, centros produtores do
realidade. Muitas das filosofias
gregas antigas são denominadas conhecimento da época, o debate prevalecia sobre a
metafísicas por procurarem explicar experimentação. As diversas ideias e teorias eram apresentadas e
a realidade a partir de fundamentos as questões divergentes resolvidas, preferencialmente, por meio
que são difíceis de serem explicados da argumentação lógica.
a partir do que percebemos como
realidade.

Não havia demonstração empírica que não fosse para


ilustrar os tratados antigos, validados pela cristandade.
Além disso, os doutores que se envolviam nesses
debates apoiavam-se, além das escrituras sagradas,
nas ideias de Platão e Aristóteles, fundamentalmente
naqueles aspectos que não contrariassem as verdades
reveladas.
Este tipo de prática intelectual não dava conta da
“vida real”, que exigia do homem moderno um
conhecimento aplicável e eficiente na invenção de
tecnologias de produção, no domínio e exploração da
natureza, na urbanização das cidades etc.

De modo geral, a Teoria do Conhecimento, na Modernidade,


foi polarizada por três grandes vertentes que mantiveram vivo o
debate acerca da relação entre sujeito e objeto: o Racionalismo, o
Empirismo e o Criticismo.

As três vertentes guardam entre si semelhanças e diferenças.


Primeiramente, é preciso enfatizar que nenhuma delas nega a
atividade sensível, nem a atividade racional. Além disso, aquilo

122
Filosofia

que conhecemos não são as coisas mesmas, mas são nossas


representações subjetivas, ideias, das coisas.

No entanto, elas diferem no que se refere à passagem das


sensações para as ideias.

Para o Racionalismo, a atividade cognoscente constitui e


organiza o mundo objetivo.

Para o Empirismo, a atividade cognoscente apreende a


constituição e a ordem do mundo objetivo, apreendido pelos
sentidos. Por fim, para o Criticismo, a atividade cognoscente é tal
que jamais poderemos conhecer as coisas mesmas, uma vez que
nossas estruturas e categorias mentais, que são inatas, que fazem
parte do modo humano de conhecer, sempre irão influenciar o
conhecimento das coisas.

Para o Empirismo, quando nascemos a mente é tal e qual uma


tábula rasa, o que significa dizer que nascemos com a mente vazia
e que somente com a experiência algo é escrito nela.

Para o Racionalismo, a mente pode, de fato, alcançar as verdades


universais. E isso é possível porque, de algum modo, as ideias
universais podem ser desenvolvidas pelo pensamento racional.

Para o Cristicismo, o conhecimento é a síntese do dado na nossa


sensibilidade e daquilo que o nosso entendimento produz por
si mesmo. Porém, o conhecimento nunca é o conhecimento
das coisas “em si”, mas de como elas se dão no sujeito, ou seja,
os objetos do conhecimento são determinados na natureza do
sujeito pensante. O criticismo não propõe uma posição cética,
mas crítica e, digamos, desconfiada, em relação ao conhecimento,
ou, como afirma Kant, o criticismo é o método filosófico que
consiste em investigar as fontes das afirmações e das objeções que
fazemos, bem como, as razões em que elas se baseiam.

Unidade 5 123
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 2 – Caminhos possíveis para o conhecimento


Nesta seção você estudará, brevemente, alguns caminhos
possíveis sobre o conhecimento, desenvolvidos pelos modernos
René Descartes e sua perspectiva Racionalista, Hume e sua
ótica Empirista, Kant e a proposta Criticista. Também verá as
perspectivas dos filósofos contemporâneos Kuhn e Feyerabend.

Descartes e o racionalismo
Uma das principais características do pensamento moderno
é a consideração do sujeito racional como fundamento para o
conhecimento e o reconhecimento da atividade cognoscente
como o princípio que constitui e ordena o mundo objetivo.

O filósofo René Descartes (1596-1650), conhecido como


fundador do racionalismo moderno, considera que apesar da
possibilidade inegável de se obter informações dos corpos por
meio dos órgãos dos sentidos, a essência dos corpos é acessível
somente pela razão.
Figura 5.1 – René Descartes
Fonte: Carvalho (2010). É o caso do conceito de extensão. Podemos definir um corpo
qualquer como uma coisa extensa. As características como
forma, cor, odor, textura, não servem para definir este corpo,
pois elas não permanecem nele. No entanto, a extensão sempre
permanece como seu atributo, visto que todo corpo a tem.

Veja o exemplo.

Considere um ramalhete de rosas brancas esquecido


sobre a mesa. Ao cabo de dez dias suas características
se alteraram, mas mesmo mudando a forma, a cor,
o cheiro etc., é possível continuar afirmando que
estamos diante de uma determinada extensão ou de
determinada quantidade de matéria orgânica vegetal.

Alguma coisa se conservou. Se absolutamente nada se conservasse,


se tudo mudasse a todo o instante, o conhecimento seria impossível.

124
Filosofia

O que se conservou, no caso do ramalhete de flores, foi


justamente a extensão, visto que é um conceito e não uma
simples imagem.

Observe que o ramalhete de flores tem sua extensão alterada a


cada dia, mas a extensão não desaparece. Pensa Descartes que
a extensão dos corpos não decorre da percepção sensorial, mas
somente pode ser captada pelo entendimento.

Os corpos materiais se transformam constantemente e os sentidos


captam desses justamente as características que não permanecem,
enquanto a razão capta as noções essenciais refletidas nas coisas
concretas. Para Descartes, a Matemática é considerada a base do
conhecimento científico, porque essa “ciência precisa rigorosa” é a
que melhor nos apoiaria no conhecimento da natureza.

Para Descartes, ser humano é uma junção de:

„„ um corpo (res extensa);


„„ e uma alma (res cogitans).
O termo cogito significa
A res extensa refere-se à extensão do corpo e nisso os seres pensamento.

humanos são como as coisas em geral. A res cogitans refere-se à


alma, que é a parte pensante do ser humano, diferindo, então, das
coisas e dos outros animais.

Esse pensador defende que os dados obtidos


pelos sentidos são imprecisos demais para serem
tomados como base do conhecimento científico.
Já os conhecimentos obtidos pela via do raciocínio
lógico, sobretudo o matemático, são racionalmente
demonstráveis, precisos, universais e seguros para
sustentar a Ciência.

Os aspectos próprios dos objetos, como forma, textura, cor etc.,


são retirados diretamente dos objetos ou das ações humanas sobre
esses, mas eles não são suficientes para explicar as relações que
estabelecemos quando conhecemos. Os conceitos dos quais não
temos referência sensível, como é o caso dos princípios da Física
e da Matemática, as ideias de extensão, infinitude, unidade,

Unidade 5 125
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número, espaço, tempo, causalidade etc., somente são alcançados


com a atividade racional.

Descartes iniciou sua investigação sobre o conhecimento


examinando se suas opiniões eram verdadeiras ou se eram
meras ilusões, partindo da identificação do erro, por meio da
radicalização da dúvida.

Qual é a origem do erro? Por que algumas pessoas


erram e outras acertam? Por que uma mesma pessoa
ora acerta, ora erra? Seria possível acertarmos sempre?

Sim, responderia Descartes. Para tanto, precisamos reconhecer


que a fonte de nossos erros é a falta de um método perfeito e
definitivo, que nos conduza ao conhecimento verdadeiro e não
nos deixe sucumbir ao erro, pela precipitação e pela prevenção.

As pessoas erram porque se precipitam, não observam e não


refletem pausadamente sobre aquilo que desejam conhecer. Se
o fizessem, então, seriam capazes de encontrar os aspectos do
objeto que não comportam nenhuma dúvida, ou seja, poderiam
encontrar as evidências. A partir dessas evidências, seria possível
conhecer o objeto, mas as pessoas costumam emitir juízos
superficiais e tirar conclusões aligeiradas acerca da realidade, e
assim, perdem-se dele.

Também as pessoas erram por prevenção, isto é, se apegam a


preconceitos e opiniões ingênuas e, antes mesmo de abordar
o objeto do conhecimento, acreditam saber algo sobre ele,
deixando, assim, de continuar investigando a realidade.

Porém, uma vez que seja aplicado corretamente o método


perfeito, é possível confiar na veracidade do conhecimento obtido
por meio dele.

Mas qual seria este método?

126
Filosofia

O próprio Descartes responde:

[...] assim, em vez desse grande número de preceitos de


que se compõem a lógica, julguei que me bastariam os
quatro seguintes, desde que tomasse a firme e constante
resolução de não deixar uma só vez de observá-los. O
primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como
verdadeira que não conhecesse evidentemente como
tal [...], e de nada incluir em meus juízos que não se
apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito,
que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que
eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e
quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las. O
terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos,
começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de
conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus,
até o conhecimento dos mais compostos, [...] E o último,
o de fazer em toda parte enumerações tão completas
e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada
omitir. (DESCARTES, 1996, p. 37).

Portanto, o método cartesiano consiste em estabelecer uma


evidência a partir da dúvida, realizar o exercício da análise e
da síntese assim como da enumeração/revisão. Esses são os
procedimentos que, segundo o filósofo, conduzem os homens ao
conhecimento seguro e científico.

Para Descartes, somente podem ser aceitas como verdadeiras


as proposições que se apresentarem à razão como indubitáveis.
Portanto, é necessário antes submeter todo conhecimento
Conforme Andery
à dúvida, exatamente para descartar o que não resiste a ela. et al (2004, p. 202)
Observe que o primeiro passo do método cartesiano é a “Diferentemente do
dúvida. ceticismo identificado
na época, Descartes
acredita na possibilidade
A dúvida cartesiana é a dúvida metódica, isto é,
de conhecer e de chegar a
utilizada como meio para testar o conhecimento e
verdades. Isso só é possível
separar o válido do inválido, o verdadeiro do falso.
pela recuperação da razão,
É uma dúvida que coloca em cheque as sensações,
de forma a obter ideias
as opiniões e os pensamentos, a fim de encontrar
claras e distintas (verdades
as evidências e não para negar a possibilidade do
indubitáveis), ponto de
conhecimento.
partida para alcançar
novas verdades também
indubitáveis.”

Unidade 5 127
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Hume e o empirismo
Conhecido empirista é David Hume (1711-1776). Para esse
filósofo, a fonte do conhecimento é a percepção e a associação
mental das ideias que dela decorrem.

Mas você sabe o que é percepção?

Figura 5.2 – David Hume


Fonte: Empiricism (2007). As percepções são ocorrências mentais e podem ser de duas
classes, que se diferenciam entre si pelo grau de vivacidade com
que se apresentam ao sujeito do conhecimento. São elas:

„„ as impressões ou sensações; e
„„ as ideias.

As impressões são consideradas mais vivas e imediatas, pois


penetram com mais força e evidência na consciência. Por exemplo:

Quando vamos à sauna, sentimos em nosso corpo o


calor do vapor e o choque térmico da ducha fria, essas
são sensações externas.
Mas também é possível ter sensações internas, como
um sentimento de ciúmes, que se for forte pode ser
avassalador para o corpo e o pensamento.

Essas são impressões ou sensações que se dão ao sujeito sem


que ele pense nelas, elas não obedecem a qualquer lógica e toda
conclusão que decorre delas são suposições, probabilidades.

Já as ideias nada mais são do que cópias das impressões. As


ideias são consideradas as percepções mais fracas da mente.

Retomando o exemplo anterior:

128
Filosofia

Estando na sauna, podemos lembrar das sensações


que essa nos causou quando estávamos em casa,
podemos antecipá-las pela imaginação, ou podemos
até explicar a sauna como um fenômeno físico-
químico, porém, essas lembranças ou representações
mentais jamais terão a força da sensação original, do
fenômeno vivenciado.
O mesmo ocorre quando lemos um poema de amor
e traição e nos lembramos do sentimento de ciúmes,
não é possível dimensionar a diferença de intensidade
que há entre um e outro.

Preste atenção nas seguintes palavras de Hume.

À primeira vista, nada parece mais ilimitado do que


o pensamento humano [...] examinando o assunto
mais de perto vemos que em realidade ele se acha
encerrado dentro de limites muito estreitos e que o
poder criador da mente se reduz à simples faculdade
de combinar, transpor, aumentar ou diminuir os
materiais fornecidos pelos sentidos e pela experiência
[...] Em resumo, todos os materiais do pensamento
derivam da sensação interna ou externa; só a mistura
e a composição dessas dependem da mente e da
vontade. (HUME, 1996, p.70).

Para Hume, toda a nossa atividade mental consiste em fazer


associações de percepções derivadas da experiência. A mente
parte de ideias simples, oriundas das impressões sensíveis, e,
por meio de operações associativas, dá origem a outras ideias
complexas.

A possibilidade de combinações de ideias é tão grande que


pode nos levar a crer que algumas delas nada têm a ver com a
experiência concreta. De fato, há ideias obtidas pela aplicação
do raciocínio, pelas construções das relações lógicas que não
necessitam de experiência prévia e não podem ser verificadas no
mundo concreto. É o caso da Lógica e da Matemática.

Unidade 5 129
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Os verdadeiros objetos de conhecimento da razão não são aquilo


que percebemos, mas as relações entre as coisas que percebemos.
Elas se dividem em:

„„ relações de ideias; e
„„ relações ou questões de fato.

Estas relações ou associações não são aleatórias, mas seguem


alguns princípios universais de associação.

As primeiras, as relações de ideias, englobam as proposições


cujas relações acontecem unicamente entre ideias, sem existirem
de fato na natureza (são números, formas geométricas, fórmulas
matemáticas etc.).

Essas relações seguem princípios de:

„„ semelhança;
„„ contrariedade;
„„ graus de qualidade; e
„„ quantidade ou número.

É possível realizar longos raciocínios a partir delas sem se


alterarem, porque não dependem dos fenômenos concretos. São
proposições consideradas certas por demonstração lógica e por
intuição, independentemente do nível de complexidade a que
são levadas, conservam sempre sua exatidão, produzindo um
conhecimento universal e logicamente necessário, e, por isso
mesmo, não podem ser obtidas por meio de experiência concreta,
já que toda experiência é particular. Portanto, essas relações entre
ideias não tratam do conteúdo do mundo.

As segundas, relações ou questões de fato, englobam as relações


que descrevem os acontecimentos concretos, e essas não estão
sujeitas às regras lógicas, apenas se revelam, da forma como são
percebidas, no momento da experiência vivida. Essas relações
seguem princípios de semelhança, contiguidade (no tempo e no
espaço) e causa e efeito.
Que está próximo, é adjacente, que
avizinha.
O princípio da semelhança faz com que, ao vermos um objeto,
imediatamente nos remetamos a outro que lhe é semelhante. Por

130
Filosofia

exemplo, quando um caipira na cidade grande visita um jardim


botânico e lembra de seu sítio, ou quando o vinho derramado na
camisa lembra o médico uma mancha de sangue.

O princípio de contiguidade faz com que, ao vermos um objeto,


automaticamente venha à mente outro objeto que lhe é contíguo.
Por exemplo, quando vemos alguém se ferir gravemente logo
imaginamos a dor que deve estar sentindo, ou então, quando
visitamos um apartamento de um prédio logo imaginamos os
outros apartamentos.

O princípio de causa e efeito nos leva a relacionar o que antecede


e o que sucede um objeto observado. Por exemplo, quando um
médico legista investiga a causa da morte de alguém, analisa o
ferimento e imagina que instrumento pode tê-lo causado, ou,
quando alguém nos diz que derramou água fervente sobre a mão e
imediatamente supomos que deve ter ocorrido uma queimadura.

No entanto, a relação de causa e efeito que o homem


julga perceber na natureza é fruto da indução, que
não garante a permanência das coisas. Para Hume,
a causalidade somente existe no pensamento e é
decorrente do hábito. Nada existe na experiência
concreta que garanta essa relação. Hume chama
atenção para os equívocos que o hábito pode produzir.

O fato de um fenômeno acontecer muitas vezes faz com que o


homem se acostume com ele e passe a esperar que ele se repita;
assim, cria-se o hábito. Todas as vezes que uma pedra é jogada
para cima, ela cai, o homem já se acostumou a ver esse fenômeno
em toda sua vida, mas disso não decorre que este fenômeno
ocorrerá sempre. Pode ser, quem sabe, que um dia ela não caia.
Podemos supor, por exemplo, que daqui a algumas centenas
ou milhares de anos, as condições atmosféricas mudem e a
Lei da Gravidade seja negada. A certeza no que é observado
é consequência de nosso treinamento, desde a infância, em
decifrar e classificar as mensagens do meio ambiente, para nossa
adaptação e sobrevivência neste meio.

Unidade 5 131
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Avisa Hume que o hábito pode nos levar a conclusões


precipitadas sobre as coisas e suas relações.

Se todo conhecimento se origina das percepções, algumas de


impressões sensíveis e particulares e que não servem como
referência universal e outras de ideias complexas que não
derivam da experiência concreta, então o conhecimento humano
não é certo, mas apenas provável. Para Hume, certo seria se
admitíssemos que, realmente, não conhecemos nada.

Observe que Hume nos apresenta uma crítica ao método


indutivo. Ele afirma que não é possível justificar nenhuma das
verdades obtidas por indução. O fato de o homem presenciar
fenômenos que se repetem não significa que ele pode inferir que
os fenômenos sempre acorrerão da mesma maneira. Pela indução
a partir de ocorrências particulares não é possível fazer juízos
universais, visto que não é possível experimentar o universal,
apenas o particular e específico.

Pense no seu conhecimento sobre as cores.


Certamente você conhece diversas cores e em
diversos matizes. Imagine que entre tantas cores
que você conhece não está o vermelho; ou seja,
hipoteticamente falando, você simplesmente nunca
viu o vermelho.
Agora imagine que lhe fosse apresentada uma escala
de diversos matizes de vermelho, do mais fraco para o
mais forte, porém, faltando um dos matizes.
O que vai ocorrer é uma distância maior entre aqueles
dois matizes contíguos, em que falta um mais do que
entre os outros matizes da escala.
Responda:
Você pensa que, mesmo sem conhecer a cor vermelha,
seria possível identificar a falta de um matiz na escala
de vermelho? Justifique sua resposta.

132
Filosofia

Segundo Hume sim, visto que a mente humana


é capaz de identificar a descontinuidade e tentar,
idealmente, suprir a falta percebida.

Kant e o criticismo
Immanuel Kant (1724-1804) é conhecido como um dos mais
rigorosos filósofos de todos os tempos. No que se refere à Teoria
do Conhecimento, pode-se dizer que a sua filosofia, ao mesmo
tempo em que critica as teorias anteriores (Empirismo inglês
e Racionalismo cartesiano), de certa forma, aglutina os seus Figura 5.3 – Immanuel Kant
aspectos mais importantes. Fonte: Schriftman (2008).

Kant, ao contrário do Empirismo, considera a existência de ideias


a priori, ou seja, antes da experiência.

De modo diferente do Racionalismo de Descartes, nega que possa


haver conhecimentos seguros que tenham origem na metafísica, no
plano divino, em Deus – pois afirma que desses assuntos não pode
haver provas, de modo que tudo pode ser afirmado.

Considera que o fenômeno vivenciado é fonte necessária de


conhecimento, ao contrário do Racionalismo, mas não que seja a
única fonte, ao contrário do empirismo.

Segundo Kant, o conhecimento inclui o mundo físico


percebido sensivelmente e as faculdades mentais do
sujeito cognoscente, no contexto de uma experiência.

Unidade 5 133
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A experiência é o momento em que o sujeito atinge


sensivelmente o objeto e intui a sua existência. Ela é fundamental
para o conhecimento, nutre o entendimento e provoca a
imaginação e as operações mentais do sujeito. De modo geral, o
conhecimento começa com a experiência.

No entanto, não se tem certeza da existência do mundo,


exatamente como ele é, visto que a experiência não nos permite
conhecê-lo, em si. Tudo o que chega do mundo físico ao sujeito
é o que consegue passar pelos seus sentidos e suas faculdades
cognitivas. Aqui está uma questão que interessa a Kant.

Ele está menos interessado na constituição da realidade do


mundo físico do que nas operações mentais e faculdades do
conhecimento do sujeito que conhece.

A participação do sujeito é fundamental no processo do


conhecimento, visto que as categorias de análise da realidade,
pelas quais ela se torna conhecida, estão no sujeito, são forjadas
em sua mente, que é abastecida pelo mundo percebido através dos
sentidos. O meio pelo qual o mundo é percebido, as ferramentas
de organização da experiência externa e interna são, para Kant,
puras, a priori, e é a elas que ele se dedica especialmente.

Ele identifica quatro faculdades do sujeito, pelas quais é


possível produzir o conhecimento. São elas:

„„ sensibilidade/intuição;
„„ imaginação;
„„ entendimento; e
„„ razão.

Segundo Kant, a sensibilização é a capacidade de obter


representações a partir do modo diverso como o objeto nos afeta. E
a sensação é justamente o efeito que o objeto produz sobre os órgãos
dos sentidos e sobre a capacidade de representação do sujeito. Isso
significa que a experiência com o objeto exige condições a priori
de sensibilização, capacidade de representação imediata do sujeito.
Nesse sentido, Kant afirma que os objetos aparecem para nós em
função de como eles afetam nossos sentidos.

134
Filosofia

Kant chama de intuição o modo como o


conhecimento se refere imediatamente ao objeto.

A imaginação é entendida como uma faculdade intermediária


entre a sensibilização e o entendimento e se refere à capacidade
de representar o objeto mesmo quando ele não está presente. É a
capacidade de representação de um objeto intuído, mediante um
conceito, o que significa que, pela imaginação, é possível fazer
uma síntese da multiplicidade das coisas percebidas, ou dadas
Conforme Morente (1970,
pela intuição. p. 229), conceito para
Kant é uma unidade
O entendimento é o que opera as categorias e princípios a priori, mental dentro da qual
que vão permitir realizar a síntese do múltiplo experimentado está compreendido um
em conceitos universais. É ele que dá unidade ao trabalho das número indefinido de
faculdades anteriormente citadas. seres e de coisas. Portanto,
é universal e não pode ser
Finalmente, a razão é faculdade que, por natureza, em nada se atingido pela sensação
que somente nos mostra
refere à experiência, mas ao próprio processo do entendimento.
a multiplicidade de coisas.
A razão faz, praticamente, a mesma tarefa do entendimento, Por exemplo, os diversos
mas não lida com as representações intuídas e a organização homens concretos e o
de conceitos. A razão lida antes com as regras que dão unidade conceito único de homem.
a essas representações e aos conceitos, além de dar unidade às
regras do entendimento. Por meio de sínteses internas, a razão
pode chegar aos seus próprios princípios, que são ideias puras.

Para Kant, o conhecimento produzido sobre o mundo interno e


externo é expresso pelo sujeito que conhece, por meio de juízos
(que você pode entender aqui como proposições). Os juízos são
frases formadas por um sujeito do qual se declara algo e por um
predicado que é aquilo que se diz do sujeito.

Segundo Kant, esses juízos podem ser analíticos ou sintéticos.

Os juízos analíticos não dependem da experiência, estão


ligados aos conceitos e são juízos a priori. Nesse caso, o
predicado já está contido no sujeito, ou seja, basta saber quem
é o sujeito para saber, antes de qualquer experiência, o predicado
que se aplica a ele.

Veja o exemplo:

Unidade 5 135
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Quando pronuncio a frase: “Nos dias em que neva faz


frio”, o predicado, que é o “faz frio”, já está contido
em “Nos dias em que neva”, que é sujeito da oração.
Observe que o atributo “frio” já está contido, implícito,
no conceito “neve”.

Portanto, os juízos analíticos a priori não acrescentam nada de


novo ao conhecimento.

Os juízos sintéticos, pelo contrário, necessitam das


informações intuídas pela sensação para juntá-las, sintetizá-
las. São juízos a posteriori. Eles acrescentam ao sujeito da
oração um predicado novo, que lhe acrescenta uma qualidade,
não incluída no sujeito. Retomando o exemplo anterior para
transformá-lo em um juízo sintético a posteriori, ficaria assim:

“Nos dias em que neva é preciso usar agasalhos”.


Nesse caso, o predicado não está previamente dito
no sujeito, pois se não houver a experiência de sentir
frio em dias de neve não é possível afirmar aquele
predicado.

Há, também, os juízos sintéticos a priori. Kant considera que


os juízos sintéticos a priori, apesar de ligados aos conceitos e
às sensações, não estão limitados à experiência, por isso são
universais e necessários. Esses são os juízos mais adequados às
proposições científicas.

136
Filosofia

Saiba mais sobre os juízos kantianos!

Conforme Kant (1996, p.53-59), em todo juízo analítico o predicado


é tal que este “pertence” ao sujeito, está contido no sujeito em
função da própria constituição do sujeito. Ex: Todo ser humano
é mortal. Veja que o predicado ‘mortal’ faz parte do sujeito ‘ser
humano’. Outro exemplo: Todo triângulo tem três lados. Veja
que no sujeito ‘triângulo’ já está presente a ideia do que é dito
no predicado ‘ter três ângulos’. Nesse tipo de juízo, podemos
reconhecer a verdade ou falsidade do juízo, independentemente
da experiência e fundamentalmente a partir da análise do próprio
juízo. Todo juízo analítico é considerado uma tautologia porque, de
certo modo, repete no predicado o que já foi dito no sujeito. Nesse
sentido, todo juízo analítico é considerado sempre verdadeiro,
necessário e universal. Contudo, eles não nos proporcionam um
conhecimento ‘novo’ sobre a realidade.

Os juízos analíticos são ditos a priori porque sua verdade ou


falsidade independem de experiência.

Nos juízos sintéticos o predicado é tal que não “pertence” ao


sujeito, isto é, o predicado não está contido no sujeito. Porém, o
predicado pode ser dito sobre o sujeito, isto é, podemos atribuir
tal predicado ao sujeito. Veja um exemplo: Sócrates está sentado.
Veja que o predicado ‘sentado’ não faz parte da constituição do
sujeito ‘Sócrates’, mas é algo que podemos expressar sobre a
condição do sujeito. Esse é um juízo sintético a posteriori porque
a verdade desse juízo depende de certa ‘experiência’, depende
da nossa experiência para podermos dizer se ele é verdadeiro ou
falso. Observe o caráter cambiante de veracidade desse juízo, da
possibilidade, pois uma hora Sócrates pode estar sentado e em outra
não.

Nos juízos sintéticos a priori propomos um conhecimento


independentemente da nossa experiência, atribuindo um predicado
que não está dito no próprio sujeito. Esses juízos também expressam
algo necessariamente verdadeiro ou necessariamente falso. Veja
um ex: “a linha reta é a distância mais curta entre dois pontos”.
Nesse tipo de juízo o sujeito (reta) e o predicado (pontos) se
referem a duas entidades distintas, o predicado não está contido no
conceito do sujeito, mas podemos ‘intuir’ essa lei de modo racional,
independentemente da experiência. Esse juízo sintético a priori, acima,
expressa uma lei (matemática), verdadeira em todas as localidades,
lugares e épocas, independentemente da experiência de alguém.

A Filosofia de Kant influenciou a ciência moderna até os dias


atuais, pela sua crítica às teorias do conhecimento anteriores, que

Unidade 5 137
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polarizaram a discussão moderna sobre o conhecimento, pela sua


própria explicação de como ocorre o conhecimento e pelo brilho
e pela genialidade da lógica interna de seu pensamento.

Seção 3 - Questões da Teoria do Conhecimento na


contemporaneidade
Descartes, em sua época, e não se pode esquecer que era uma
época de crença no poder da razão, estava preocupado em
construir um método assentado na Matemática, que garantisse
um conhecimento verdadeiro. Hume, por seu lado, estava
preocupado em frear a confiança na razão como fonte única de
conhecimento, questionando a relevância do método dedutivo e
do conhecimento puramente abstrato, questionando, também, a
possibilidade do conhecimento das coisas em si e apontando as
falhas da aplicação do método indutivo.

Essas duas teorias protagonizaram uma questão


primordial para o conhecimento científico
contemporâneo, não tanto pelo seu aspecto teórico,
é claro, mas pelo abalo que elas provocam, ainda
hoje, na confiabilidade que o homem adquiriu no
conhecimento científico.

É preciso lembrar, porém, de uma outra corrente de pensamento,


que buscou sintetizar o empirismo e o racionalismo e estabelecer
a Ciência como um conhecimento positivo sobre a natureza e
definitivo quanto a sua validade. Essa corrente é o Positivismo.

138
Filosofia

Saiba mais sobre o Positivismo


O Positivismo, sistema proposto pelo filósofo
Augusto Comte, propõe levar em consideração tanto
a experiência empírica do mundo físico quanto
as formulações lógicas puramente racionais. Para
o Positivismo, a ciência é, entre tantos tipos de
conhecimento desenvolvidos pelo homem, o único
conhecimento universalmente válido.
Nesse sistema, acreditava-se ser possível “evoluir” no
conhecimento científico, de modo progressivo e linear.
Entre as principais características do conhecimento
científico, de acordo com o Positivismo, estão a
objetividade, a neutralidade e o progresso.
É interessante salientar que essas características aqui
citadas estão entre as mais criticadas pelos teóricos
contemporâneos da Ciência.

É inegável que a partir do século XIX o conhecimento científico


tenha se consolidado e determinado significativamente a caminhada
da humanidade. As possibilidades que a Ciência oferece para a
explicação dos fenômenos da natureza, de interferência na ordem
dos acontecimentos naturais e de modificação das maneiras de viver
não têm precedentes.

No entanto, desenvolveu-se junto com às descobertas científicas


e às invenções tecnológicas a complexidade das questões do
conhecimento.

Assim, surgiram questões como:

Quais são as possibilidades do conhecimento


científico para o homem contemporâneo? Quais
são as consequências das descobertas e invenções
científicas para a vida humana e para o meio
ambiente? É possível confiar na objetividade e na
veracidade do conhecimento científico, assim como
defendiam grande parte dos pensadores modernos?

A confiança que a modernidade depositou no conhecimento


científico não permaneceu igual para os cientistas e filósofos

Unidade 5 139
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contemporâneos. Os avanços científicos e o impacto deles na


vida humana originaram uma série de indagações quanto aos
procedimentos e à veracidade do conhecimento científico.

Muitos filósofos contemporâneos dedicam-se exclusivamente ao


estudo do conhecimento científico, em outros casos, cientistas,
refletindo sobre seu próprio trabalho, tornam-se teóricos do
conhecimento.

Thomas Kuhn e o paradigma


Um dos mais importantes filósofos da Ciência é o
contemporâneo Thomas Kuhn (1922- 1996). Na realidade, ele
é um físico de formação, ou seja, um cientista. Porém, por uma
contingência de seu trabalho na Universidade, especificamente
numa situação em que teve que preparar um curso de ciências
para não cientistas, Kuhn precisou rever o conhecimento
científico em uma perspectiva história e aproximou-se
Figura 5.4 - Thomas Kuhn
irremediavelmente da Filosofia. Foi por esse caminho que
Fonte: Thomas (2005). alcançou notoriedade.

As ideias mais divulgadas de Kuhn acerca da Ciência são


a noção de ciência normal, revolucionária ou revolução
científica e paradigma.

Segundo Kuhn, o desenvolvimento do conhecimento


científico ocorre pela alternância da ciência normal e da
ciência revolucionária. É a ideia de que a Ciência não progride
gradualmente de forma linear - como se afirmava e defendia no
Positivismo -, mas através de saltos qualitativos provocados
pelas mudanças de paradigma.

Você sabe o que é um paradigma?

Segundo o autor, o paradigma é um conjunto de princípios,


postulados e metodologias que regem todas as pesquisas de uma
determinada disciplina científica. Um paradigma científico é

140
Filosofia

partilhado pela comunidade cientifica e representa uma matriz


a partir da qual cada cientista, em sua especialidade, desenvolve
suas pesquisas.

É importante salientar que uma comunidade científica é um


grupo de cientistas de uma determinada área, entre os quais
há o controle do conhecimento produzido e das informações
veiculadas no grupo, que partilham da mesma formação teórica,
dos mesmos juízos profissionais e dos mesmos paradigmas.
Observe que o paradigma acaba direcionando as pesquisas e
apontando sua perspectiva de desenvolvimento e seus limites.

Um paradigma também pode surgir de um conjunto de


realizações científicas concretas, incorporado pela tradição
científica e tornado modelo para outras pesquisas.

O período em que um paradigma é unanimemente aceito pela


comunidade científica é denominado, por Kuhn, de ciência
normal. Nesse período, os cientistas não estão preocupados em
comprovar o paradigma ou em estudar aspectos que fogem a
ele. É um período de aprofundamento no objeto da pesquisa,
o qual permite a consolidação de resultados e a acumulação de
conhecimentos, não é um período de alteração das “regras do jogo”.

Mesmo que no entendimento de um cientista ou de outro


pairem desconfianças sobre o paradigma que rege suas pesquisas,
raramente um deles suscitará um ponto de desacordo entre
eles. Se não houvesse períodos de estabilidade quanto aos
paradigmas, não seria possível estudar profundamente nenhum
aspecto da realidade.

No entanto, pode ser que no desenvolvimento da ciência normal


comecem a aparecer incongruências. Como afirma Kuhn
(2006), para o cientista normal pode ocorrer um problema que
Ou seja, inconveniências,
investiga não só não tem solução, em função do âmbito das regras incompatibilidades etc.
em vigor, como o mesmo não pode, por isto ser qualificado de
inepto ou despreparado.

Se essa situação estender-se ao âmbito de outras pesquisas,


sem que os cientistas consigam encontrar soluções para os
impasses, começa a nascer a suspeita de que o paradigma deve
ser substituído, começa um período de crise. Muitas vezes,
as incongruências encontradas nas pesquisas dão origem a

Unidade 5 141
Universidade do Sul de Santa Catarina

descobertas que promovem o avanço científico, porém, sem que


os paradigmas instituídos sejam alterados.

Os avanços que ocorrem pela mudança de paradigma são de


outra natureza. Observe a citação que segue.

As mudanças revolucionárias são diferentes e bem


mais problemáticas. Elas envolvem descobertas que
não podem ser acomodadas nos limites dos conceitos
que estavam em uso antes de elas terem sido feitas.
A fim de fazer ou assimilar uma tal descoberta, deve-
se alterar o modo como se pensa e se descreve,
Conforme Kuhn (1995, p. 147) algum conjunto de fenômenos naturais [...] Quando
“Guiados por um novo paradigma, mudanças referenciais desse tipo acompanham
os cientistas adotam novos mudanças de lei ou teoria, o desenvolvimento
instrumentos e orientam seu olhar científico não pode ser inteiramente cumulativo. Não
em novas direções. E o que é mais se pode passar do velho ao novo simplesmente por
importante: durante as revoluções, um acréscimo ao que já era conhecido. Nem se pode
os cientistas veem coisas novas e descrever inteiramente o novo no vocabulário do
diferentes quando, empregando velho ou vice-versa. (KUHN, 2006, p. 25).
instrumentos familiares, olham para
os mesmos pontos já examinados
anteriormente.”
Em condições de mudança de paradigma ocorre o que Kuhn
chama de ciência revolucionária. Todos os cientistas que trabalham
sob a luz de um mesmo princípio paradigmático que está sendo
substituído param suas pesquisas e aguardam ou verificam em sua
prática os indícios que invalidem o paradigma em questão.

É necessário um grande esforço para alterar um paradigma,


visto que, apesar de ele resolver incongruências aparentemente
insolúveis no interior das pesquisas, também exige a revisão dos
conhecimentos aceitos como válidos e que foram produzidos sob
a proteção do paradigma que está sendo substituído. Além disso,
o novo paradigma sempre afronta, de alguma maneira, a tradição
e a autoridade de cientistas consagrados dentro da comunidade
científica e defensores do velho paradigma.

Finalizando, segundo Kuhn, cada disciplina científica, em períodos


de “normalidade”, resolve seus próprios problemas dentro de uma
estrutura fechada, preestabelecida por pressupostos metodológicos,
convenções linguísticas e experimentos exemplares acolhidos e
validados pela comunidade científica, até que os cientistas se
deparam com a impossibilidade de resolver um número sempre

142
Filosofia

maior de problemas na base do paradigma vigente. O acúmulo e


disseminação de problemas não resolvidos criam, por sua vez, uma
situação de crise de onde deve nascer um novo paradigma.

Apesar de Kuhn criticar a crença na acumulação e


no progresso gradativo e natural do conhecimento
científico, ele não nega que a Ciência produz um
conhecimento cumulativo - nos momentos de ciência
normal. Também não nega que os paradigmas, ainda
que provisórios, fundam princípios que, se seguidos,
permitem o desenvolvimento de pesquisas e o
conhecimento da natureza.

Paul Karl Feyerabend e o anarquismo epistemológico


Um dos filósofos contemporâneos mais críticos em relação à
objetividade científica e à veracidade do conhecimento produzido
pelo método científico é Paul Karl Feyerabend (1924-1994).
Conforme Silva (1998), ele é considerado um crítico radical do
positivismo científico, entre outros motivos, pelo seu anarquismo
epistemológico, por recomendar ao cientista um posicionamento
anárquico em relação à rigidez das regras, dos postulados, dos Figura 5.5 - Paul Karl
Feyerabend
paradigmas e da tradição científica. Fonte: Against ... ([200-])

Unidade 5 143
Universidade do Sul de Santa Catarina

Feyerabend acredita que em várias situações da história da


Ciência, em que foram feitas grandes descobertas e invenções,
as regras científicas não foram respeitadas e somente por isso os
cientistas obtiveram êxito. Ele afirma, também, que o cientista
não deve ficar preso entre os limites do método científico, mas
Conforme Chalmers (1993, p.
174-175) “Feyerabend defende
deve utilizar artifícios de qualquer natureza para desenvolver sua
fortemente a afirmação de que pesquisa e alcançar seu propósito. Segundo ele “todas as ideias
nenhuma das metodologias valem”. Também não há regras, ou melhor, a única regra que o
da ciência que foram até agora cientista deve seguir, segundo esse autor, é que não há regras, pelo
propostas são bem sucedidas [...] menos não no sentido universal e positivista de método científico.
argumenta de forma convincente
que as metodologias da ciência
Um dos livros mais conhecidos de Feyerabend é Contra o método.
fracassaram em fornecer regras
adequadas para orientar as
Nele, o filósofo expõe suas razões para criticar a submissão
atividades dos cientistas. Além do cientista aos preceitos científicos que são prévios, não
do mais ele sugere que, para acompanham a dinâmica social, direcionam e restringem a
a complexidade da história, é atividade científica, de certa forma, desumanizam-na.
extremamente implausível esperar
que a ciência seja explicável com
base em algumas poucas regras
metodológicas simples.”
Para saber mais sobre o conhecimento científico e
questões epistemológicas que o acompanham, você
pode consultar as seguintes referências:
• CHASSOT, Attico. A ciência através dos
tempos. [Polêmica], São Paulo: Moderna, 1994.
• BARBEROUSSE, Anouk; KISTLER, Max; LUDWIG,
Pascal. A filosofia das ciências no século
XX. [Pensamento e Filosofia], Lisboa: Instituto
Piaget, 2001.

Síntese

Nesta unidade, você estudou a problemática do abandono


dos preceitos religiosos e da Filosofia grega clássica, que
prevaleceram, alternadamente, no pensamento medieval
e renascentista, e o estabelecimento, na Modernidade, de
fundamentos empíricos e racionais para a construção de um novo
conhecimento científico, que atendesse às necessidades e aos
desejos do homem moderno.

144
Filosofia

Você viu que a fonte e o modo como o homem desenvolve


o conhecimento, sobretudo o científico, foram explicados
diferentemente pelos filósofos modernos Descartes, Hume e
Kant. Constatou que Descartes reconhece a razão do sujeito
como fonte do conhecimento verdadeiro, enquanto Hume propõe
a experiência como a fonte principal para o conhecimento,
mesmo que pela capacidade racional o homem possa chegar
a desenvolver ideias complexas. Nesse cenário, Kant aparece
como um sintetizador dessas posições, pois propõe que, pela
sensibilidade o homem apreende o mundo físico, e, com a razão,
organiza esse conhecimento.

Você também estudou que, em determinados períodos históricos


do pensamento ocidental, um tipo de conhecimento prevaleceu
sobre outros, o que teve implicações sobre o modo de vida dos
homens de cada período. No caso da Modernidade e dos dias
atuais, o conhecimento sobre o qual os teóricos se dedicam
a estudar é o conhecimento científico, provavelmente, pela
abrangência das descobertas e invenções atuais da Ciência.

Atividades de autoavaliação

1) Caracterize a principal polêmica sobre o conhecimento ocorrida na


passagem do pensamento medieval para o pensamento moderno.

Unidade 5 145
Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Baseando-se nos aspectos estudados nesta unidade, identifique


semelhanças e divergências entre o Racionalismo e o Empirismo.

3) Identifique algumas questões que ocuparam os filósofos da Ciência


Kuhn e Feyerabend.

146
Filosofia

Saiba mais

Aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade ao consultar as


seguintes referências:

DESCARTES, René. Discurso do método. [Os pensadores],


São Paulo: Nova Cultural, 1996.

HUME, David. Investigação acerca do entendimento


humano. [Os pensadores], São Paulo: Nova Cultural, 1996.

INÁCIO, Inês C.; LUCA, Tânia Regina de. O pensamento


medieval. São Paulo: Ática, 1994.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. [Os pensadores], São


Paulo: Nova Cultural, 1996.

KUHN, Thomas S. O caminho desde a estrutura. São Paulo:


Unesp, 2006.

SEVCENKO, Nicolau. O renascimento. Campinas: Atual,


1988.

SILVA, Porfírio. A filosofia da ciência de Paul Feyerabend.


[Pensamento e Filosofia], Lisboa: Instituto Piaget, 1998.

VERGES, André; HUISMAN, Denis. História dos filósofos


ilustrada pelos textos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.

Unidade 5 147
6
unidade 6

Ética e moral
Leandro Kingeski Pacheco

Objetivos de aprendizagem
„„ Distinguir a Ética da moral.

„„ Compreender o surgimento da Ética com a ética de


Sócrates.
n Distinguir a Ética como normativa, prática e metaética.

„„ Analisar e sintetizar trechos de textos filosóficos.

Seções de estudo
Seção 1 Ética e moral

Seção 2 A Origem da Ética e a ética de Sócrates

Seção 3 Ética normativa, ética prática e metaética


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Quem nunca ouviu falar de ética ou de moral? Ora, vivemos
na dita sociedade do conhecimento, caracterizada, entre outras
coisas, pela grande expansão de livros em quantidade e qualidade;
pela internet, com seus inúmeros e-books, artigos, sons e imagens;
pela imprensa extremamente ágil e onipresente, com inserções
“ao vivo e por satélite para todo o mundo”.

Ao vivermos neste tipo de sociedade, tornamo-nos suscetíveis,


direta ou indiretamente, a todo tipo de informação, inclusive
sobre a Ética e a moral. Contudo, ser informado acerca de um
assunto é diferente de conhecê-lo. A verdade é que nem todas as
pessoas conhecem e compreendem a Ética e a moral.

‘Ética’ e ‘moral’ parecem duas palavrinhas tão simples, por


estarem tão presentes em nosso dia a dia. Mas afinal, o que é
Ética? O que é moral? Qual a relação entre ambas?

Bom, esta e outras questões são justamente as que você estuda,


nesta unidade, a partir de agora.

Seção 1 – Ética e moral


Se perguntássemos para os dez maiores filósofos da história da
humanidade o que é Ética, cada um deles proporia uma resposta
diferente para a questão. Esse fato permite-nos deduzir que não
há um consenso sobre a definição de Ética. Porém, em função
das várias respostas já oferecidas, no decorrer da história da
Filosofia, nós poderíamos detectar muitos pontos em comum e
propor a seguinte definição.

A Ética é a ciência, uma parte da Filosofia, que estuda,


reflete, investiga, pesquisa racional e sistematicamente
a conduta, a ação, os costumes do ser humano
considerados como comportamento moral. Ou seja, a
Ética é a teoria que estuda a moral.

150
Filosofia

Mas, você pode estar se perguntando:

1) O que é um comportamento moral?


2) A Ética é a única ciência que investiga o
comportamento moral?

Acompanhe a resposta a essas perguntas na sequência.

Veja alguns elementos que permitem entender o que é o


comportamento ‘moral’.

O comportamento moral é todo tipo de


comportamento humano, costume, considerado
obrigatório (que deve ser realizado) ou proibido
(que não deve ser realizado) e que está sujeito ao
julgamento, ao arbítrio da própria consciência
humana.
O comportamento moral é julgado, basicamente, em
função de critérios e valores.
O critério mais utilizado para o julgamento do
comportamento moral é a consideração de, no
mínimo, dois extremos, duas qualidades contrárias,
antagônicas: o certo (o bem) ou o errado (mal).
Os valores, por sua vez, referem-se às escolhas
de determinados comportamentos, que
comportamentos devem ser preferidos, escolhidos, ao
invés de outro. Esses valores podem estar implícitos,
subentendidos ou explícitos.
Em muitas culturas, podemos encontrar alguns valores
comuns que são considerados como dignos de serem
imitados, tais como ‘não roubar’, ‘não mentir’, ‘ser
honesto’ etc.
Contudo, observe que os valores que orientam os
comportamentos morais são sempre relativos a
uma cultura, uma civilização, uma época.

Considere estes exemplos que justificam o caráter relativo dos


valores, referentes a um comportamento moral:

Unidade 6 151
Universidade do Sul de Santa Catarina

Hoje, em nossa sociedade, tratar a mulher como sendo


igual ao homem é considerado certo; enquanto que,
em algumas sociedades africanas e asiáticas, esse nível
de igualdade é errado. Por outro lado, nos primórdios
da civilização humana, na idade da pedra, é bem
provável que a moralidade vigente era diferente da
aceita e cultivada hoje.
Hoje é considerado errado, inaceitável a escravidão.
Mas, na antiguidade, e mesmo há pouco tempo, no
Brasil, a escravidão era considerada aceitável.

A moral sempre fez parte da história da humanidade. Todas as


civilizações humanas, desde os primórdios, apresentam um tipo
de moral. Contudo, a Ética (reflexão sobre a moral) surgiu como
um fenômeno posterior à moral. Veja que foi então, a partir de
uma prática moral, de vários costumes e comportamentos morais
Conforme Valls (2006, p. 10) “Os
já efetivos, vividos, de um contexto fértil que surgiu a Ética.
costumes mudam e o que ontem era
considerado errado hoje pode ser
Ao estudar essas duas definições, de Ética e de moral, você
aceito [...]”. Por outro lado, também deve ter percebido que, basicamente, a Ética é a teoria que
é legítima a possibilidade de que o estuda a moral. E a moral refere-se às práticas humanas,
hoje é aceito pode ser inaceitável no aos comportamentos, que são classificados em função de
futuro. Ou seja, a adoção ou repulsa critérios como certos (bons) ou errados (maus). A avaliação dos
de certos costumes é relativa.
comportamentos também depende de valores que aceitamos,
estabelecemos ou rejeitamos.

A relação entre a Ética e a moral pode ficar mais explícita com


um exemplo.

Suponha que você está em casa, assistindo à televisão


e, de repente, surge um noticiário especial:

- Extra, extra! Mãe desempregada é presa em


supermercado por roubar dois pães e uma margarina.
A mãe alegou, na confissão, que roubou para
alimentar o filho de dois anos que passa fome. Maiores
detalhes em nosso noticiário da segunda edição.

Você é capaz de perceber a Ética e a moral que permeia, este


caso?

152
Filosofia

Veja que aqui temos, especificamente, um ato moral. O ato moral


refere-se ao roubo, refere-se ao comportamento moral praticado.
A maior parte da população brasileira concordaria conosco que
roubar é errado, é algo que não deve ser realizado, ou seja, é algo
que deve ser evitado.

E a Ética? Onde está? Bom, a Ética, como já vimos, é a teoria


que propõe refletir as condutas morais. Você pode, então,
perguntar: onde está tal reflexão sobre esta conduta moral: ‘o
roubo’?

Ora, a Ética inicia-se justamente quando começamos a analisar


racionalmente esse comportamento moral, esse ato moral,
considerando, por exemplo, as seguintes questões: é certo ou
errado roubar? O que é o roubo? Mesmo que seja errado roubar,
a mãe que procura sustentar a prole, o filho, não poderia, num
ato insano, desesperado, roubar? É ‘justo’ ou ‘injusto’, ‘certo’
ou ‘errado’, ‘admissível’ ou ‘inadmissível’ o roubo que tem a
finalidade de nutrir a si mesmo e aos filhos famintos? Se for
aberta uma exceção para um caso como esse (aceitando que essa
mãe possa roubar para alimentar o filho), o que impede que, em
situações análogas, conflituosas do ponto de vista moral, também
não se possa mentir, humilhar, desrespeitar, ferir, punir, trair ou
mesmo matar? O ato de roubar, afinal, é considerado uma virtude
ou um vício?

Veja que a Ética, relativa ao nosso exemplo, torna-se explícita


quando estabelecemos que questões morais devem ser discutidas,
quais critérios, valores e métodos devemos propor para lidar com
tais questões conflituosas, que, por sua vez, fazem parte da nossa
existência.

O ato moral em questão, o roubo, representa apenas uma gota de


um oceano repleto de outras situações, referentes às vivências dos
seres humanos. Nossas vidas oferecem inúmeros outros exemplos,
em que nos deparamos com as situações morais mais singelas ou
mesmo insuportáveis, do ponto de vista moral.

Quem nunca deparou-se com um ato moralmente errado na


própria casa, como, por exemplo, o não compartilhar de um doce
ou de um livro, a falta de uma palavra amiga ou, até mesmo, a
proposição de uma ‘mentira’? Quem nunca deparou-se com uma
situação, no trabalho, na escola, na academia ou na praça, em

Unidade 6 153
Universidade do Sul de Santa Catarina

que um familiar, um amigo ou um colega foi maltratado? Quem


nunca indignou-se com o fato de que muitos brasileiros passam
fome ou insegurança? Você já passou fome ou se sentiu inseguro?
Até que ponto é ‘certo’ sentir fome? O que devemos fazer, ou
antes, o que devemos pensar em relação a essa moralidade que faz
parte de nossas vidas?

Apesar e a Ética ser a teoria que estuda a moral, saiba que


existem várias éticas, doutrinas éticas, que foram propostas no
decorrer da história da humanidade. Assim, foram propostos
diferentes modos de refletir sobre os atos morais, inclusive sobre
o caso exposto no exemplo anterior.

De fato, existem inúmeras éticas e elas podem ser agrupadas


e estudadas de vários modos. Tais éticas podem ser reunidas,
por exemplo, em torno de três grandes áreas - em função da
similaridade, semelhança ao refletir sobre a moral - como Ética
Normativa, Ética Prática e Metaética.

Antes de estudar, na seção 3, essas éticas, você aprenderá um


pouco mais sobre a origem da Ética e a proximidade etimológica
dos termos Ética e moral. E, antes de iniciar a seção 2, lembre-
se de que você ainda precisa estudar a questão anteriormente
formulada:

A Ética é a única ciência que investiga o


comportamento moral?

Não! A Ética não é a única ciência que pesquisa o


comportamento moral. Existem outras ciências que auxiliam a
Ética nesta atividade.

154
Filosofia

Saiba mais sobre outras ciências que também se dedicam a


estudar o comportamento moral

Existem outras ciências que estudam o comportamento moral


como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia etc. Cada uma
dessas ciências oferece uma contribuição referente às reflexões
sobre a moral.

A Psicologia, por exemplo, entre outras coisas, estuda o


comportamento humano considerando fundamentalmente a
subjetividade, isto é, as motivações psíquicas, interiores, ligadas a
um determinado comportamento. Nesse sentido, contribui para
o estudo do comportamento moral ao evidenciar as motivações
subjetivas, os hábitos morais, a gênese da consciência moral etc.

A Sociologia, entre outras coisas, estuda o comportamento


humano como manifestação social, de uma coletividade,
externada coletivamente na escola, no clube, no sindicato,
no trabalho etc. Essa ciência contribui para o estudo do
comportamento moral ao atentar para um indivíduo concreto,
existente, que integra uma estrutura social específica e que
mantém um conjunto de relações sociais específicas etc.

A Antropologia, entre outras coisas, estuda o comportamento


humano em função de uma concepção de homem, condicionado
a uma determinada cultura. A Antropologia contribui para o
estudo do comportamento moral ao justificar que existem várias
perspectivas morais em função de várias culturas distintas. Veja
que, nesse sentido, uma cultura não é melhor ou pior que outra,
apenas diferente.

Essas ciências, brevemente comentadas, certamente contribuem


muito para a reflexão ética. Por outro lado, as reflexões éticas não
podem ser reduzidas a um psicologismo1, a um sociologismo2 ou
a um antropologismo3.
Psicologismo: concepção de que
Veja que a Ética diferencia-se a Psicologia pode explicar tudo,
das ciências anteriores porque todas as coisas.
reflete especificamente sobre o Sociologismo: concepção de que
comportamento moral, agregando, a Sociologia pode explicar tudo,
quando considerado pertinente todas as coisas.
e necessário, as contribuições
Antropologismo: concepção de
propostas por essas e outras que a Antropologia pode explicar
ciências. tudo, todas as coisas.

Unidade 6 155
Universidade do Sul de Santa Catarina

Consciência, liberdade e responsabilidade: elementos do


comportamento moral!
Ainda não exaurimos, esgotamos, a explicação sobre a moral. De
fato, nem o faremos em um livro introdutório. Contudo, mais
alguns elementos da moral são agora estudados por você, para
que amplie sua concepção sobre o que é o comportamento moral.

A consciência e a liberdade são dois elementos necessários para


que haja um comportamento moral. Para entender essa ideia,
considere as seguintes situações hipotéticas, suposições.

Você certamente concorda que


é moralmente errado o roubo.
Mas, se o obrigam, coagem,
forçam, constrangem a roubar,
por exemplo, um quadro famoso
de uma galeria de arte, de tal
modo que você não possa escapar
dessa situação, então você não
teve liberdade de escolha. Nesse
caso, o ato moral em questão, o
roubo, não pode ser qualificado
como um comportamento
moral, pois sua liberdade estava
suprimida, impossibilitada de
ser manifestada. Para haver um
ato moral é preciso que haja, no Figura 6.1 – Gioconda de Leonardo Da Vinci
Fonte: Leonardo da Vinci Biography (2009).
mínimo, duas alternativas de
ação a serem escolhidas, que haja,
enfim, liberdade.

Pense noutro caso. Você vai ao supermercado e - outro cliente,


sem querer, por acidente, coloca um suco de caju na sua sacola,
sem que você veja - após passar pelo caixa, você leva as compras
para casa. Ora, como você não teve consciência do ocorrido,
então você não apresenta, em relação a esse acidente provocado
por um terceiro, uma consciência moral. Assim, não se pode
qualificar esse ato como um comportamento moral, porque você
não teve consciência desse acontecimento.

156
Filosofia

Observe que não há sentido em falar de um


comportamento moral se você não tem consciência
ou liberdade.

É importante que você saiba que as teorias éticas ainda não


encontraram um consenso, um ponto pacífico, sobre a questão da
liberdade e da consciência moral; e de que modo a liberdade e a
consciência são realmente ‘indispensáveis’ para que se tenha um
comportamento moral. Muitas discussões foram e são geradas
na tentativa de refletir sobre os limites e os alcances da nossa
liberdade moral e, da mesma forma, sobre os limites e os alcances
da nossa consciência moral.

Com estas discussões, relativas à liberdade e à consciência moral,


deparamo-nos com a responsabilidade moral, outro elemento
que acompanha todo comportamento moral. Ora, falar de
responsabilidade moral é considerar até que ponto um sujeito,
você, por exemplo, teve liberdade de escolha e consciência moral
à medida que praticou um comportamento moral.

A questão não é tão simples quanto parece! Veja: se eu não tenho


consciência moral, então, devo ser considerado moralmente
responsável? Se eu tenho consciência moral, mas não tenho
liberdade de escolha, então, sou considerado moralmente
responsável?

Neste estudo introdutório, é importante que você saiba que a


consciência, a liberdade e a responsabilidade são elementos do
comportamento moral. Por outro lado, os limites e alcances
de cada um desses conceitos fazem parte das reflexões éticas
desenvolvidas por filósofos. Se você quiser aprofundar o
entendimento sobre estas questões, consulte as referências da
seção Saiba Mais, ao final desta unidade.

Unidade 6 157
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 2 – A Origem da Ética e a ética de Sócrates


Nem toda ciência tem um início preciso ou surge vigorosa
e inovadora. Contudo, a Ética ocidental teve um início
extraordinário com as ideias
radicais de Sócrates, na Grécia
antiga, há aproximadamente 2.500
anos. Muitos, por esse motivo,
consideram Sócrates como o
fundador da Ética. Mas que ideias
são estas?

Sócrates (470-399 a.C.) inaugura


a Ética ao defender que devemos
pensar, analisar, investigar
Figura 6.3 - Sócrates
Fonte: Philosophy Professor (2004).) as nossas condutas, os nossos
comportamentos (e, em uma
escala abrangente, a conduta do
ser humano) julgados, sobretudo, (como certos ou errados) em
função do que nós próprios pensamos, em função do exame
racional de nossos comportamentos, em função de nossa
autonomia.
Conforme Chaui (2002, p. 202), para “Conhece-te a ti mesmo”, a célebre frase inscrita no templo de
Sócrates “A finalidade da vida ética
Apolo e que Sócrates constantemente repetia, representa um
[...] é a felicidade e essa se encontra
na autonomia, isto é, na capacidade símbolo deste incitamento ao auto-exame racional e moral; e que
do homem para, por meio do saber, o conhecimento de si mesmo é um processo, uma busca contínua
dar a si mesmo suas próprias leis e para nos conhecer.
regras de conduta.”
Se, por um lado, os sofistas (filósofos da mesma época que
Sócrates) colocavam-se como sabedores do que era o certo, o
errado e a virtude, Sócrates colocava-se como um investigador
implacável, obstinado e insatisfeito. Sócrates jamais nos propôs
que ‘isso é certo’, ‘aquilo é errado’ ou ‘esta é a virtude’. Sócrates
propôs, porém, que cada um investigue o que é o certo, o que é o
errado, o que é a virtude.

Para Sócrates, a partir da análise racional de nossos costumes,


devemos investigar o que é a virtude, pois, à medida que
soubermos o que é a virtude, podemos tornar-nos melhores,
agindo corretamente, sempre voltados para o bem.

158
Filosofia

A ética proposta por Sócrates estava ligada à ideia de que você


só pratica o mal porque desconhece o erro. Ou seja, se você
conhecer o que é certo, agirá sempre certo, em função do bem, e,
logicamente, sempre evitará o errado, o mal.

De acordo com esse raciocínio, à medida que nos conhecemos,


tornamo-nos virtuosos. Nesse sentido, o sábio é justamente
aquele que investiga, de modo autônomo, a virtude e age
corretamente. Por outro lado, a ignorância apresenta-se como a
origem de todos os vícios e erros.

A resposta sobre o que é a virtude deve ser procurada dentro de


cada um de nós, uma vez que Sócrates acredita que temos, dentro
de nós, em nossa alma, conhecimentos inatos e verdadeiros,
que podem ser relembrados, rememorados. Por este motivo,
É aquilo que nasce com o
Sócrates - através do diálogo, da ironia e da maiêutica - incita as indivíduo.
pessoas a recordarem, a relembrarem do conhecimento referente à
virtude. A virtude não se ensina, mas brota da alma.

Embora Sócrates enfatize a necessidade de que cada um


investigue no âmago da alma o que é a virtude, ele também Reale e Antiseri (1990, v. 1,
esclarece que a virtude não pode significar várias coisas para p. 92) explicam que, para
várias pessoas. A virtude deve ser conhecida e válida para todos, Sócrates, “A felicidade
isto é, deve ter um significado comum para todo um universo não pode vir das coisas
exteriores, do corpo, mas
de seres humanos. Nesse sentido, ao investigarmos o que é a somente da alma, porque
virtude, devemos procurar pelo seu significado universal, ou seja, essa e só essa é a sua
devemos procurar pelo conceito universal de virtude. essência. E a alma é feliz
quando é ordenada, ou
Para Sócrates, todo ser humano almeja, tem como finalidade a seja, virtuosa.”
felicidade. E nos tornaremos felizes quando formos capazes de
propor-nos, racional e autonomamente, regras de conduta.

Veja que, antes de tais ideias de Sócrates, não há sentido em


dizer que havia Ética. O que havia? Existia um conjunto de
tradições, expressas em narrativas e em poemas (os mitos gregos)
que, vinculado a uma origem religiosa, orientava como os gregos
deveriam agir moralmente. Assim, os gregos comportavam-se
moralmente em função de orientações metafóricas, apresentadas
pelos mitos.
Representam uma
linguagem figurada que
expressa uma explicação
por meio de um exemplo,
de uma analogia.

Unidade 6 159
Universidade do Sul de Santa Catarina

Vamos a um exemplo:

Você já ouviu falar do mito do Titã Prometeu? Segundo a


mitologia grega, Prometeu foi acorrentado no rochedo de
Gibraltar por ter roubado o fogo dos Deuses e tê-lo dado aos
homens.
Por que o Titã agiu desse modo? Bom, Titã estava com pena
dos seres humanos que, antes do fogo, comiam carnes cruas,
passavam frio no inverno, não manufaturavam artefatos nem
instrumentos etc. Ora, com o fogo, este recurso tão importante,
os homens adquiriram saberes inéditos e, assim, começaram a
menosprezar os Deuses, não rezando tanto quanto antes. Com a
manipulação do fogo pelo homem, esse chegou a acreditar que
poderia, por si só, prover o seu conforto e sustento, ignorando a
ajuda divina.
O que os Deuses do Olimpo fizeram? Encheram-se de cólera e
puniram Titã Prometeu, acorrentando-o de tal modo que ele
ficaria aprisionado por toda a eternidade, além de ter o fígado
constantemente dilacerado por uma ave de rapina.

Figura 6.3 - Prometeu acorrentado de Fernando Vilela


Fonte: Vilela (2004).

Observe que essa história trágica apresenta pelo menos,


implicitamente, duas orientações morais e fundamentais sobre
como o grego deve agir:

„„ Os Deuses devem ser respeitados.

„„ Não se deve roubar, pois quem roubar será punido


severamente.

160
Filosofia

Se você quiser conhecer uma pouco mais acerca


do mito relacionado ao Titã Prometeu, leia o texto
Prometeu acorrentado, de Ésquilo. Você pode
pesquisar o texto na Internet ou remeter-se à
referência:
„„ ÉSQUILO. Prometeu acorrentado. In: Teatro
grego. Seleção, introdução, notas e tradução
direta do grego por Jaime Bruna. São Paulo:
Cultrix, 1989.

Vamos voltar para Sócrates. Que faz Sócrates? Propõe pensar a


conduta moral desvinculada de mitos tradicionais e religiosos,
livre dos dogmas. Sócrates propõe pensar a moral a partir de
uma perspectiva antropocêntrica, isto é, considerando o próprio São concepções, ideias,
homem, existente, como o agente fundamental, que pensa como consideradas como certas
deve agir moralmente. ou inequívocas e que não
devem ser colocadas em
Veja que a conduta moral determinada pelos mitos, pela dúvida.
mitologia grega, é determinada por um modelo moral
teocêntrico. Um modelo moral teocêntrico é aquele em que as
condutas morais são fundamentadas por uma concepção divina.

Observe que Sócrates inaugura a Ética à medida que incita as


pessoas a investigarem a virtude e, portanto, a investigarem
como devemos agir moralmente, considerando a análise
racional e autônoma de nossa consciência. Desse modo, inicia-
se um enfraquecimento do modelo moral fundamentado por
mitos (modelo teocêntrico), que era respeitado e seguido sem
questionamentos ou reflexões.

A ética de Sócrates também atingiu o predomínio dos poderosos


aristocratas. Como? Ora, alguns mitos gregos expressavam a
aliança de certas famílias com os Deuses, assim como descreviam
as aventuras dessas famílias.

Unidade 6 161
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ Para compreender um pouco mais acerca


dos mitos e de como era a relação dos
aristocratas e dos heróis gregos com os
deuses, leia os poemas mitológicos de
Homero, a Ilíada e a Odisséia. Os dois filmes
seguintes também podem contribuir, pois
são respectivas adaptações:

„„ TROIA. Direção: Wolfgang Petersen, São


Paulo: Warner Bros, 2004.

„„ A ODISSEIA. Direção: Andrei Konchalovsky.


São Paulo: Alpha Filmes, 1997.

O fato de Sócrates defender que se deve procurar no próprio


homem o fundamento para a moral, e não mais nos mitos,
contribuiu para o enfraquecimento do poder das aristocracias.

Veja que o termo ‘família aristocrática’ referia-se a um grupo de


pessoas detentoras de saber e de poder que, por sua influência,
direta ou indiretamente, também ‘inspiravam’ um modelo
de conduta. Esse modelo de conduta aristocrata certamente
inspirava a perpetuação de uma relação de classe em que:

„„ o aristocrata deve manter o poder;

„„ e o artesão, comerciante ou estrangeiro devem respeitar


tais aristocratas, pois esses últimos têm um histórico de
elo com o divino.

A ética de Sócrates provocou uma verdadeira revolução, pois, por


um lado, conquistou muitos admiradores, enquanto, por outro
lado, provocou muitos descontentamentos (principalmente de
religiosos e de aristocratas).

Diante deste quadro, é compreensível que Sócrates tenha sido


forçado a se justificar, a explicar tais ideias. Contudo, não é
aceitável o fato de que tal explicação tenha sido exigida no tribunal
de Atenas e que Sócrates tenha sido julgado e condenado à morte,
pelos atenienses, por “corromper a mocidade e de não crer nos
deuses em que o povo crê”. (PLATÃO, 1987, p. 11). A acusação
proferida no tribunal, em função da qual Sócrates foi julgado e
condenado à morte, representa, implicitamente, uma profunda
crítica à ética de Sócrates, por questionar a moral tradicional.

162
Filosofia

Se você quiser aprofundar seus conhecimentos sobre


a ética de Sócrates, faça uma pesquisa na Internet
ou em livros. Dois livros de Platão, Laques e Mênon,
são referências para essa compreensão, uma vez que
Sócrates, personagem principal destes livros, investiga
a virtude e a educação como temas centrais.

Figura 6.4 – A morte de Sócrates de Jacques-Louis David


Fonte: Mnemosyne (2007).

Saiba mais sobre a origem etimológica


das palavras ética e moral
Na seção 1, você estudou uma definição objetiva de Ética e de
moral. É importante você saber que alguns autores não ‘gostam’
do modo como distinguimos esses dois conceitos. O ‘gosto’ desses
autores fundamenta-se na origem etimológica dos termos Ética e
moral, uma vez que, nos primórdios, eles apresentam semelhança
de sentido.
Etimologicamente, Ética provém do grego, do termo ethos, e
significa costume; por outro lado, Ética também pode significar
caráter, personalidade, modo de ser. Moral, por sua vez, provém
do latim, do termo morus, e também significa costume.
Em função dessa origem, alguns autores ‘adotam’ os termos ética
e moral como sinônimos.
Contudo, os termos ética e moral como sinônimos não foram
adotados neste livro didático por considerarmos que tal
procedimento, este modo de pensar, apenas reconhece a origem
etimológica dos termos e não o que, de fato, eles representam e
significam hoje para a Filosofia e para a Ciência.

Unidade 6 163
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 3 – Ética normativa, ética prática e metaética


A partir do conteúdo estudado nas seções anteriores, você percebeu
que a Ética é uma reflexão sobre o comportamento moral.

Lembre-se que, na seção 1, propusemos distinguir a Ética


a partir de três áreas de pesquisa – como ética normativa,
ética prática e metaética. Esta distinção pode ser disposta
graficamente:

Ética

Ética normativa Ética prática Metaética

Figura 6.5 - Ética normativa, prática e metaética


Fonte: Elaboração dos autores (2008).

Você deve estar perguntando: afinal, o que é ética


normativa, ética prática e metaética?

Ética normativa

A ética normativa, como o próprio nome diz, procura


estabelecer normas gerais e modelos universais de
comportamentos morais a serem seguidos. Estes
modelos universais deveriam ser válidos para todo um
universo de sujeitos e todo um universo de situações.

164
Filosofia

A ética normativa, a fim de propor essas normas gerais, investiga


questões como:

- “Que devemos fazer para sempre praticar o bem?”;


- “Como devemos nos comportar?”;
- “Como podemos ser bons?”;
- “Como podemos ser felizes?”;
- “Nenhum ser humano pode ser privado de sua vida?”.

Atenção! Essas questões são apenas exemplos. As éticas


normativas diferenciam-se muito, por responder a questões como
essas de modo diferente.

Ética prática

A ética prática refere-se à tentativa de aplicação dos


princípios gerais da ética normativa em situações
práticas do nosso dia a dia, do nosso cotidiano.

Assim, a ética prática propõe investigar questões como a


seguinte.

Considere a seguinte situação (hipotética) prática: existe


um amigo ou parente nosso que está moribundo,
vegetando e sofrendo no leito do hospital – com câncer.
O enfermo está infeliz porque não pode mais andar
nem mexer os membros; porque só respira com o auxílio
de uma série de aparelhos. Para piorar a situação, não
há expectativa de melhora, apenas de mais sofrimento
e de dor, que devem prolongar-se por dois anos até a
sua morte. Em função desse contexto, o enfermo solicita

Unidade 6 165
Universidade do Sul de Santa Catarina

que sua vida seja interrompida, para que, então, possa


encontrar a paz e a ‘felicidade’.
A ética prática discutiria, por exemplo, o que fazer em
uma situação como essa. Neste sentido, a ética prática
poderia retomar dois princípios que fazem parte das
reflexões da ética normativa, como por exemplo:
1) “nenhum ser humano pode ser privado de sua vida”;
2) “devemos ser felizes”.
Ora, com essa questão prática e com esses dois
princípios estudados pela ética normativa, encontramo-
nos em um dilema: o que fazer?

Veja as opções básicas:


1) Se a vida do enfermo for interrompida, então ele
encontrará a paz, a felicidade que alega, defende.
Contudo, se agirmos desse modo, estaremos
desrespeitando o preceito moral de que “nenhum ser
humano pode ser privado de sua vida”.
2) Se a vida do enfermo não for interrompida, então
ele continuará a sofrer e permanecerá infeliz até o
dia de sua morte. Contudo, se agirmos desse modo,
estaremos desrespeitando o preceito moral de que
“devemos ser felizes”, ou seja, de que o enfermo,
mesmo nestas condições, tem direito a ser feliz.

A questão da eutanásia (o abreviamento da vida de um doente


incurável) é apenas um exemplo de como a ética aplicada retoma
princípios da ética normativa, transpondo questões morais gerais
para o mundo da prática.

Observe que esse é apenas um exemplo. As éticas práticas


diferenciam-se por proporem diferentes respostas para o mesmo
dilema relativo à questão da eutanásia. Ainda, as éticas práticas
também se diferenciam ao escolher ou enfatizar alguns princípios
da ética normativa e não outros. Podemos dizer que existem
várias éticas práticas, aplicadas, dentre as quais destacamos, por
exemplo, a ética ambiental e a ética empresarial.

166
Filosofia

Metaética

A metaética, outra área de estudo da ética, estuda


as proposições, as sentenças que estão relacionadas
a um ato moral. Assim, são privilegiadas as reflexões
relativas à verdade, à validade e à lógica de uma
proposição que expressa um juízo moral.

Acompanhe as seguintes questões que fazem parte das discussões


da metaética.

Acerca da verdade de uma proposição que expressa


um juízo moral, podemos ter:
- “A proposição em questão: ‘você não roubou’ é
verdadeira ou falsa?”

Acerca da análise do termo da proposição que


expressa um juízo moral, podemos ter: - “o que
significa ‘roubar’, expresso na proposição anterior?”.
Observe que as discussões da metaética abordam
sistematicamente a linguagem nas reflexões relativas
à moral.

À medida que abordarmos doutrinas éticas, vamos caracterizá-


las conforme esta distinção básica, como ética normativa, ética
aplicada ou metaética.

Unidade 6 167
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você aprendeu que Ética e moral são distintas. A


Ética é a teoria que estuda os comportamentos morais. A moral
refere-se aos comportamentos, aos costumes, que são julgados
em função de valores escolhidos por uma determinada sociedade.
Você também estudou que a moral é avaliada em função de
critérios opostos, o certo e o errado, o bem e o mal. A liberdade,
a consciência e a responsabilidade moral foram expostas como
elementos do ato moral, da ação moral.

Você viu, ainda, que a Ética não é a única ciência que estuda
a moral, porém, percebeu que ela é a ciência que tem como
principal atividade o estudo da moral.

Ao estudar a origem da Ética, você aprendeu que a moral é um


elemento integrante da própria história da humanidade. A Ética
surge quando Sócrates propõe uma reflexão sistemática e racional
sobre a moral, ao sugerir que cada um investigue o que é a
virtude, considerando a própria consciência e autonomia humana.
Você também percebeu que a ética socrática provocou uma
revolução cultural ao colocar em dúvida a moral que provinha de
uma concepção mitológica e aristocrática.

Você ainda estudou uma distinção da Ética, muito difundida


hoje, que a distingue em três grandes campos de estudo: como
ética normativa, ética prática e metaética.

168
Filosofia

Atividades de autoavaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O
gabarito está disponível no final do livro didático. Mas, esforce-se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
promovendo (estimulando) a sua aprendizagem.

1) Marque com um ‘X’ a passagem que denota, significa, expressa a


definição de Ética. Esta atividade visa a exercitar sua capacidade de
identificação e compreensão do conceito de Ética.

a) ( ) “Pode-se dizer que a ética é a disciplina que procura responder


às seguintes questões: como e por que julgamos que uma
ação é moralmente errada ou correta? E que critérios devem
orientar esse julgamento? Hoje várias respostas atendem a
essas perguntas: é possível afirmar que a ação correta é aquela
que (i) maximiza a felicidade de todos, (ii) é praticada por um
agente virtuoso, (iii) está de acordo com regras determinadas,
ou, ainda, (iv) pode ser justificada aos outros de forma razoável.
O procedimento de determinação da ação correta varia conforme
a escola filosófica, bem como de acordo com a razão pela qual se
adota esse procedimento”. (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002,
p. 7).

b) ( ) “[...] é possível definir a ética de diferentes maneiras e que, de


fato, assim tem sido definida. Pode-se conceber como uma
ciência do bem e do mal e como a substância das regras
do comportamento, válidas, para um determinado grupo
(comunidade religiosa, povo) ou, universalmente, para todos os
homens”. (HEINEMANN, 1963, p. 434).

c) ( ) “A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos


homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma
específica de comportamento humano”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 12).

d) ( ) “Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores


concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à
conduta correta, válidos para todos os seus membros. Culturas
e sociedades fortemente hierarquizadas e com diferenças de
castas ou de classes muito profundas podem até mesmo possuir
várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma
casta ou de uma classe social. No entanto, a simples existência
de moral não significa a presença explícita de uma ética,
entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta,
problematize e interprete o significado dos valores morais”.
(CHAUI, 1997, p. 339).

Unidade 6 169
Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Marque com um ‘X’ a passagem, a seguir, que define, elucida ou


explica o que é a moral. Essa atividade visa a exercitar sua capacidade
de identificação e compreensão do conceito de moral.

a) ( ) “Objeto da ética, conduta dirigida ou disciplinada por normas”.


(ABBAGNANO, 2000, p. 682).

b) ( ) “o ato moral exige a sua decisão livre e consciente, assumida


por uma convicção interior e não por uma atitude exterior e
impessoal”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 2).

c) ( ) “A moral não é ciência, mas objeto da ciência; e, neste sentido, é


por ela estudada e investigada”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 13).

3) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações. Tais


passagens estão ligadas ao surgimento da Ética e à ética de Sócrates.
Esta atividade visa exercitar sua capacidade de análise e síntese da ética
de Sócrates.

Todas as passagens a seguir foram proferidas


pelo próprio Sócrates no dia em que foi julgado
e condenado à morte pelos atenienses. Elas
estão presentes no diálogo Defesa de Sócrates,
confeccionado por Platão. Esse diálogo também é
uma referência importante para compreendermos
a ética de Sócrates, e, ao lê-lo, você ampliará seu
entendimento sobre a matéria, assim como sobre o
papel do filósofo.

Platão, também um grande pensador, foi discípulo de


Sócrates e profundamente influenciado pelas ideias
do mestre, de tal modo que muitos filósofos têm
dificuldade em especificar onde termina a Filosofia de
Sócrates e onde começa a Filosofia de Platão. Aliado
a isso, Sócrates jamais escreveu um livro e Platão
aparece como a fonte mais rica da filosofia socrática.

Porém, especialistas concordam que esse diálogo de


Platão apresenta tão somente as ideias de Sócrates,
pois Platão, na época do julgamento, como um jovem
inteligente e promissor, ainda não tinha concebido
uma Filosofia madura.

170
Filosofia

I) “A ignorância mais condenável não é essa de ( ) por meio da indagação, do


supor saber o que não se sabe? É talvez nesse diálogo, Sócrates propunha que
ponto, senhores, que difiro do comum dos os atenienses cultivassem a alma,
homens; se nalguma coisa me posso dizer mais a razão, a virtude antes do que
sábio que alguém, é nisto de, não sabendo bens materiais. O filósofo deve até
o bastante [...] não pensar que o saiba. Sei, mesmo ‘cobrar’ dos cidadãos, dos
porém, que é mau e vergonhoso praticar o mal, homens, a aquisição da virtude.
desobedecer a um melhor do que eu, seja deus, Ou seja, o filósofo verifica se os
seja homem [...]”. (PLATÃO, 1987, p. 15). homens adquiriram a virtude.

( II ) “Atenienses, eu vos sou reconhecido e vos ( ) Sócrates defendia que a


quero bem [...] enquanto tiver alento e puder ignorância é a fonte do erro,
fazê-lo, jamais deixarei de filosofar, de vos que muitas pessoas erram por
dirigir exortações1, de ministrar ensinamentos acreditarem que sabem muito
em toda ocasião àquele que de vós eu deparar quando, de fato, nada sabem.
dizendo-lhe o que de costume: ‘Meu caro, tu, O verdadeiro sábio, aquele que
um ateniense, da cidade mais importante e mais age corretamente, deve admitir
reputada por sua cultura e poderio não te pejas2 que pouco sabe, que é errado
de cuidares de adquirir o máximo de riqueza, praticar o mal, e que devemos
fama e honrarias, e de não te importares nem ouvir e obedecer aqueles que são
cogitares3 da razão, da verdade e de melhorar ‘melhores’ que nós.
quanto mais a tua alma?’ ” E se algum de vós
redarguir4 que se importa, não me irei embora
deixando-o, mas o hei de interrogar, examinar 1 Exortar significa aconselhar, encorajar, estimular
e confundir e, se me parecer que afirma ter 2 Pejas, aqui, refere-se à vergonha, ao vexame
adquirido a virtude e não a adquiriu, hei de
3 Cogitares significa pensar, refletir
repreendê-lo por estimar menos o que vale mais
e mais o que vale menos”. (PLATÃO, 1987, p. 15). 4 Redarguir significa responder arguindo, argumentando

( III ) “sou bem um homem [...] dirigindo-me sem ( ) A virtude deve ser
cessar a cada um em particular, como um pai ou investigada. Para sermos
um irmão mais velho, para o persuadir a cuidar virtuosos, precisamos conhecer a
da virtude”. (PLATÃO, 1987, p. 16). virtude por meio do fundamental
exercício da auto-análise.

( IV ) “Eu que me entreguei à procura de cada um ( ) Sócrates procurava,


de vós em particular, a fim de proporcionar-lhe incessantemente, semear nos
o que declaro o maior dos benefícios [...] cuidar outros a necessidade de investigar
menos do que é seu que de si próprio para vir e cultivar a virtude.
a ser quanto melhor e mais sensato”. (PLATÃO,
1987, p. 21).

( V ) “para o homem nenhum bem supera o ( ) Sócrates propõe o melhor


discorrer cada dia sobre a virtude e outros temas dos benefícios: que cada um
[...] e que a vida sem exame não é vida digna de investigue a si mesmo para ser
um ser humano” (PLATÃO, 1987, p. 22). mais virtuoso e melhor, atenuando
assim a busca mesquinha do
homem pelo simples ‘ter’.

Unidade 6 171
Universidade do Sul de Santa Catarina

Encontre a sequência que corresponde à associação correta das


passagens com as interpretações. Há apenas uma sequência correta:

A) I, III, II, V, IV.


B) II, I, V, III, IV.
C) V, III, IV, I, II.
D) III, IV, I, V, II.

4) Identifique as passagens abaixo como ética normativa (N), ética prática


ou aplicada (A) e metaética (M).
a) ( ) Sua “tarefa é o estudo da natureza, função e justificação dos
juízos morais. Precisamente, esse último é um problema [...]
fundamental: ou seja, examinar se se podem apresentar [...] razões
ou argumentos para demonstrar a validade de um juízo moral e,
particularmente, das normas morais”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 9).
b) ( ) “[...] diz respeito à aplicação de princípios extraídos da ética
normativa para a resolução de problemas éticos cotidianos”.
(BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002, p. 8).
c) ( ) “[...] se atribui a função fundamental de fazer recomendações e formular
uma série de normas e prescrições morais”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 15).

5) Desenvolva uma dissertação (com no mínimo 20 linhas e no máximo


30 linhas) sobre o que é a Ética, do que trata e qual a relevância desse
estudo. Também aborde se você reflete sobre as ações morais que
pratica.

172
Filosofia

Unidade 6 173
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Se você quiser aprofundar seu conhecimento relativo à distinção


entre Ética e moral, características básicas do comportamento
moral, surgimento da Ética concomitante à ética de Sócrates,
distinção da ética como normativa, metaética e prática, estude as
seguintes referências:

BORGES, Maria de Lordes; DALL’AGNOL, Darlei; DUTRA,


Delamar Volpato. Ética. [O que você precisa saber sobre], Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.

PLATÃO. Defesa de Sócrates. In: Sócrates. [Os pensadores],


seleção de Textos de José Américo Pessanha; Traduções de
Jaime Bruna, Líbero Rangel de Andrade, Gilda Maria Reale
Strazynski. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. [Coleção primeiros


passos], 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.

VÁZQUEZ, Adolfo Sanches. Ética. 12. ed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1990.

174
7
unidade 7

A ética de Aristóteles,
de Kant e de Mill
Leandro Kingeski Pacheco

Objetivos de aprendizagem
„„ Distinguir a ética de Aristóteles, de Kant e de Mill.

„„ Avaliar o comportamento moral, em função das éticas de


Aristóteles, de Kant e de Mill.
„„ Analisar e sintetizar trechos de textos filosóficos.

Seções de estudo
Seção 1 Aristóteles e a virtude

Seção 2 Kant e o dever

Seção 3 Mill e a utilidade


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você continua a estudar a Ética, ao conhecer,
introdutoriamente, três teorias éticas tradicionais: a de
Aristóteles, a de Kant e a de Mill. Cada uma dessas éticas é
considerada tradicional porque forneceu uma resposta inédita
sobre como o homem deve agir moralmente e porque alcançou
certa notoriedade e aceitação nas sociedades ocidentais.

Atente para o fato de que essas teorias foram propostas em um


momento histórico e em um contexto sócio-político-cultural
único, muito diferente do nosso. Simplesmente por conhecer
essas éticas não significa que devemos necessariamente segui-
las. Porém, ao conhecê-las, podemos identificar que respostas
esses grandes pensadores propuseram sobre o agir moral. Assim,
teremos mais alguns elementos para refletir sobre a nossa moral,
de nosso tempo. Bom estudo!

Figura 7.1 – Discussão entre Aristóteles, Kant e Mill


Fonte: Ilustrado por Alex Xavier (Designer Gráfico da Unisul Virtual).

176
Filosofia

Seção 1 – Aristóteles e a virtude


A ética de Aristóteles (384-322 a.C.) é considerada, por muitos,
como mais célebre que a ética de Sócrates. Uma das justificativas
para essa posição refere-se ao fato de que Aristóteles desenvolveu
o primeiro estudo profundo e sistemático sobre a Ética.

Aristóteles, tal como Sócrates,


também se dedicou a refletir sobre
a moral. Porém, diferentemente
de Sócrates que nada escreveu (só
conhecemos a filosofia de Sócrates
a partir de registros e testemunhos),
Aristóteles tem uma vasta produção
bibliográfica, sendo que um dos seus
livros, a Ética a Nicômaco, interessa-nos
Figura 7.2 - Aristóteles
Fonte: O Globo (2006).
de modo especial. Por ela, podemos
estudar o cerne da sua ética. A
Ética a Eudemo também é um outro
importante livro de Aristóteles, que
aborda esse tema.

Alguns elementos da ética de Sócrates são retomados na ética


de Aristóteles. Sócrates, por exemplo, ao refletir sobre a moral,
fala-nos da virtude, da autonomia e da felicidade – elementos que
também serão alvo de reflexão por parte de Aristóteles.

Se Sócrates pensa a virtude como algo que deve brotar da alma


do sujeito, em função de um conhecimento inato, Aristóteles, por
outro lado, pensa que a virtude não é uma habilidade inata que Que nasce conosco, que
pode ser relembrada. está presente em nós
desde o nosso nascimento
Para Aristóteles, a virtude pode e deve ser adquirida e
desenvolvida pelo exercício. Podemos, então, cultivar a virtude
através de nossa autonomia racional de escolher o que fazer e do
hábito de praticar boas ações.

A virtude, assim, está ligada ao hábito de praticar boas ações,


mas Aristóteles enfatiza que a virtude é consequência de nossa
disposição, de nossa escolha racional, de nossa autonomia para
praticar essas boas ações.

Unidade 7 177
Universidade do Sul de Santa Catarina

Se Sócrates não nos propôs o que era a virtude, Aristóteles, por


outro lado, definiu a virtude como o justo-meio, o meio-termo
entre dois vícios, entre duas ações morais contrárias, radicais e
extremas. A virtude, para Aristóteles, é a consequência de nossa
escolha deliberada, de nossa disposição em equilibrar duas ações
extremas, dois vícios.

Veja o exemplo.

Imagine que, em determinado momento de nossa


vida, considerando dois parâmetros extremos
referentes ao prazer, podemos agir:
„„ com libertinagem (isto é, devemos agir com
devassidão?), que é um vício caracterizado pelo
excesso;
„„ ou com insensibilidade (isto é, devemos agir com
indiferença, apatia?), que é um vício caracterizado
pela falta.
Ora, como devemos agir nesta situação?
Para Aristóteles, devemos escolher o meio-termo
relativo a essas duas ações radicais, extremas e
antagônicas, entre esses dois vícios. Ou seja, devemos
agir conforme a temperança (isso é, devemos agir
com moderação). Nesse caso, a temperança ou
moderação é o meio-termo, é a virtude que há entre
a libertinagem (vício caracterizado pelo excesso) e a
insensibilidade (vício caracterizado pela falta).

Ao estudarmos a noção de virtude, a própria noção de vício


também fica clara para nós. O que é o vício senão uma atitude
extrema, uma ação moral caracterizada pela falta ou pelo excesso?

178
Filosofia

Aristóteles reflete sobre muitas outras virtudes. Se


você quiser conhecer o raciocínio de Aristóteles sobre
essas outras virtudes, estude a seguinte referência:

„„ ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [a obra-prima


de cada autor], Tradução Pietro Nasseti. São
Paulo: Martin Claret, 2001.

Ou, se você preferir, visualize um quadro sintético


referente às virtudes morais de Aristóteles, na página
453, da seguinte referência:

„„ CHAUI, Marilena. Introdução à história


da filosofia. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.

Observe que a ação virtuosa - referente ao nosso exemplo


anterior: a moderação - é resultado da nossa escolha deliberada,
racional e autônoma, uma vez que a ação virtuosa é algo que Examinada, meditada,
está em nosso poder, que está ao nosso alcance. Nesse sentido, refletida
Aristóteles destaca que não há um ato moral quando não
podemos escolher ou quando estamos diante de uma situação
marcada pela necessidade (situação em que só podemos agir de
um único modo) ou pela impossibilidade (situação em que não
podemos agir de outro modo).

Esse pensador ainda explica que, no domínio da moral, lidamos


com a inexatidão, com irregularidades, pois não há certeza
sobre que ações, de fato, escolheremos. Ora, somos plenamente
capazes de realizar escolhas racionais, virtuosas, mas precisamos
reconhecer, também, que existem inclinações, desejos e paixões
que podem influenciar em muito as nossas escolhas.

Qualquer homem pode concordar que devemos ser vituosos,


até concordar que o meio-termo é um critério adequado para
discernirmos como devemos agir, mas pode, mesmo assim, agir
conforme a sua paixão ou desejo.

Veja como a razão e o hábito são importantes, pois, por meio


da razão, somos capazes de escolher ‘deliberadamente’ qual
ação deve ser praticada; e, através do hábito das ações virtuosas,
acostumamo-nos a frear, a evitar os vícios, assim como nos
acostumamos a praticar boas ações.

Unidade 7 179
Universidade do Sul de Santa Catarina

Aristóteles também defendia que toda ação moral almeja um


fim. E que cada um desses fins, cada objetivo que traçamos,
representa para nós um bem. Ora, se praticarmos uma ação
moral, a honestidade, por exemplo, faz sentido que essa ação
tenha uma finalidade e represente para nós um bem.

Existem inúmeros, incontáveis bens, mas Aristóteles explica que


o maior bem para os seres humanos é a felicidade, pois todos os
outros bens visam, direta ou indiretamente, à felicidade.

Diz o filósofo que a felicidade não é resultado de um consenso,


não é a mesma coisa para todos. A felicidade também não é
algo alcançável de pronto, imediatamente. A felicidade é um
exercício contínuo que se realiza durante toda a vida e que
requer dedicação.

Aristóteles ainda previne que, para o homem agir com virtude e


ser feliz, ele precisa reconhecer que algumas necessidades básicas
devem ser satisfeitas - como ‘certa riqueza’, ‘amizade’, ‘beleza’,
‘boa origem’, ‘família’, - pois ‘não é fácil’ ser virtuoso e feliz sem
esses meios.

Você sabe o que pensa Aristóteles sobre a relação


entre a Ética e a Política?
Aristóteles afirmava que a Ética e a Política estão
extremamente ligadas uma vez que, através delas,
estudamos as práticas do próprio homem. Ainda
afirmava que a Política está um passo além da Ética,
pois o fim almejado por meio do estudo da Ética é a
felicidade do indivíduo. E o fim almejado pelo estudo
da Política é a felicidade pública, a felicidade dos
cidadãos e dos indivíduos, enfim, de todos aqueles
que compõem a polis, a cidade. Por esse motivo, ele
propõe que, depois de estudarmos a Ética, devemos
dedicar-nos ao estudo da Política, pensando, assim, na
felicidade de todos.

Você conheceu, introdutoriamente, alguns pontos fundamentais


da ética de Aristóteles, mas atente para o fato de que existem
outros pontos também importantes, que podem ser objeto de seu
estudo, se você desejar aprofundá-lo.

180
Filosofia

A ética de Aristóteles fornece uma resposta singular sobre como


devemos agir. Se você ficou impressionado, pode até pensar que
nenhuma ética concorreria com essa. Contudo, a ética de Kant,
assunto da próxima seção, representa uma grande ‘opção’ para o
modo de como devemos agir.

Seção 2 – Kant e o dever


Como estudamos na seção anterior, conforme a ética de
Aristóteles, nós devemos cultivar a virtude com vistas à
felicidade. A ética de Kant (1724-1804), por outro lado, atenua
a importância da felicidade – em relação às ações morais que
praticamos. Para entendermos essa afirmação, precisamos
conhecer alguns elementos da ética de Kant.

Kant é outro grande pensador da


Filosofia e, como tal, escreveu
sobre diversos temas. A essência da
ética de Kant está disposta em seu
livro intitulado Fundamentação da
Metafísica dos Costumes (1785); mas
seu livro Crítica da Razão Prática
(1788) também é importante para
entender a sua ética.

Figura 7.3 - Immanuel Kant


Para Kant, a moralidade vigente
Fonte: The Danish (2009). não deve impor ao indivíduo o que
ele deve fazer, e sim o indivíduo
deve impor a si mesmo uma moral. Veja que a moral kantiana
procura transcender à história, à cultura e à tradição. Imagine
a revolução que este filósofo deflagrou na Prússia e mesmo na Ultrapassar, elevar-se acima de
Europa, ao colocar em xeque a moral vigente e tradicional - um
pouco antes da Revolução Francesa, no final do século XVIII.

Assim, a ética de Kant prima pela autonomia, pois valoriza o


indivíduo enquanto legislador de sua própria moral e não a
moralidade que nos é exterior. Cada ser humano, racional e livre,

Unidade 7 181
Universidade do Sul de Santa Catarina

pode pensar como deve agir. A moral, na perspectiva kantiana,


tem como base a lei - determinada pelo próprio indivíduo.

Mas a questão é, como podemos determinar esta própria lei


moral? Antes de conhecermos de que modo o indivíduo pode ser
legislador de si mesmo, vamos entender o que é dever e o que é
boa vontade.

O dever, para Kant, é uma obrigação moral que requer, por


definição, liberdade. Assim, o ato de não roubar, por exemplo,
pode ser considerado como uma obrigação moral à medida que eu
tiver liberdade para agir.

Kant pensa que devemos agir considerando o dever, mas que


tal ação deve ser praticada, sobretudo, em função de uma boa
vontade. A boa vontade significa que ‘devemos’ agir por
‘respeito ao dever’, considerando o dever imposto por nossa
própria moral.

Essa boa vontade deve ser aplicada por todos os homens, em


todas as situações e a toda hora. Nesse sentido, a boa vontade
deve ser aplicada universalmente, alcançando todos os indivíduos
e situações.

Observe que a compreensão de Kant sobre a boa vontade implica


que temos a ‘obrigação’ de agir sempre por respeito ao dever,
independente do resultado que a ação possa acarretar para nós.

Veja dois exemplos de ações baseadas na boa vontade, em que


agimos por respeito ao dever.

Eu não roubo, pois, em função da boa vontade, eu


respeito o dever.
Eu não minto, pois, em função da boa vontade, eu
respeito o dever (mesmo que eu vá para a cadeia por
tal ação, falando apenas a verdade).

182
Filosofia

Conforme a situação descrita no primeiro exemplo,


muitas pessoas aceitariam agir em função da boa
vontade.
De acordo com a situação descrita no segundo
exemplo, muitas pessoas defenderiam que é um
absurdo agir, neste caso, em função da boa vontade.
Veja que, no exemplo, a minha felicidade ficaria
comprometida se eu fosse preso. Ora, Kant pensa que
mais importante do que a felicidade do indivíduo
é agir por respeito ao dever, conforme uma boa
vontade. Kant não está dizendo que não podemos ser
felizes, mas enfatiza que devemos agir corretamente,
independentemente do fato de sermos felizes. Assim,
devemos agir por respeito ao dever, mesmo que tal
ação nos deixe infelizes.

Observe que a moral kantiana procura transcender às


inclinações, às paixões, às tendências, aos impulsos ou aos desejos
pessoais, pois o homem deve obedecer unicamente à lei moral,
determinada pela própria razão – com base na boa vontade e
assim respeito ao dever.

A partir da ideia de boa vontade, Kant propõe uma máxima


para o indivíduo orientar a constituição de sua própria moral: o
imperativo categórico.

O imperativo categórico expressa que devo agir de tal modo, que


minha ação torne-se um modelo de moralidade, não apenas
para mim, mas para todos os homens e em todas as situações.

O imperativo categórico expressa que a máxima de minha


ação deve tornar-se uma lei universal. Veja que o imperativo
categórico permite que o próprio indivíduo constitua um modelo
universal de conduta, ou seja, uma lei moral.

Assim, o indivíduo torna-se legislador de si mesmo, ao ser


capaz de agir exclusivamente por respeito ao dever, conforme
uma boa vontade e ao obedecer à lei que é determinada por
sua consciência racional e moral, em função do imperativo
categórico.

Unidade 7 183
Universidade do Sul de Santa Catarina

A lei moral é então alcançada pelo homem ao considerar o


imperativo categórico na análise das situações particulares que
vivemos.

Assim, se tivermos dúvidas acerca de que ação moral devemos


praticar, referente, por exemplo, à prática de mentir ou de roubar,
devemos aplicar o imperativo categórico. Mas, lembre-se! A ação
que você determinar para si mesmo praticar é a mesma que você
admitirá como legítima para os outros praticarem.

1
Saiba mais sobre o significado de imperativo!
Conforme Marcondes (1997, p.
213) “Os imperativos hipotéticos Para Kant, ‘imperativo’ indica que uma ação deve
[...] têm um caráter prático, ser praticada. Existem, basicamente, dois tipos de
estabelecendo uma regra para a imperativos, o hipotético e o categórico.
realização de um fim, como ‘Se você
quiser ter credibilidade, cumpra O imperativo hipotético1 explicita que uma ação
suas promessas’ [...]” deve ser realizada, mas, para tanto, uma condição
específica, anterior, deve ser satisfeita. Como exemplo,
2
Conforme Marcondes (1997, p. 213) temos: ‘Se queres respeito, então não roube’.
“O objetivo fundamental de Kant é,
portanto, estabelecer os princípios
O imperativo categórico2, por sua vez, explicita que
a priori, ou seja, universais e
uma ação deve ser praticada e que tal ação, ordem,
imutáveis, da moral [...] O dever
não está vinculada a nenhuma condição. O imperativo
consiste na obediência a uma lei que
categórico é uma ordem formal que nunca está
se impõem universalmente a todos
condicionada a situações ou a particularidades.
os seres racionais.”

Veja que a ética de Kant é formal, pois propõe uma forma de


ação que deve valer para todos os homens. A fórmula de Kant
Reale e Antiseri (2003, v. 2, p. 912)
“Todas as éticas pré-kantianas
para a ação não tem um conteúdo específico e nem se refere a
partiam da determinação do que um exemplo particular. Assim, à medida que Kant reflete sobre
é ‘bem moral’ e ‘mal moral’, daí as questões morais, ele valorizou um formato, um modelo, um
deduzindo em consequência a padrão em função do qual nós devemos orientar nossas ações,
lei moral, prescrevendo então nosso agir.
visar ao bem e evitar o mal. Em
consequência de seu formalismo,
Conforme o imperativo categórico, a forma da minha ação
Kant subverte precisamente os
termos em questão: ‘O conceito
tem validade universal, pois se aplica a todas as pessoas, a
de bom e mau não dever ser todo o universo de seres humanos, e tem validade para todas as
determinado antes da lei moral, mas situações. O imperativo categórico expressa que devo agir de tal
somente depois dela’ [...] Em suma, forma, que a ação que eu pratico seja válida não apenas para
é a lei moral que determina e faz ser
mim, mas para todos os outros indivíduos.
o bem moral e não o contrário.”.

184
Filosofia

Embora o imperativo categórico tenha validade universal, seja


válido para todos os indivíduos, perceba o quanto ele é vazio
de conteúdo. Ele não diz o que você deve fazer, mas diz de que
forma deve ser a sua ação.

Se você deseja aprofundar seus conhecimentos sobre


a ética de Kant, estude a seguinte referência:

„„ KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica


dos costumes e outros escritos. [A obra-prima
de cada autor], Tradução Leopoldo Holzbach. São
Paulo: Martin Claret, 2005.

Seção 3 – Mill e a utilidade


O londrino John Stuart Mill (1806-1873) defendeu uma ética
utilitarista, principalmente por meio do seu livro Utilitarismo.
É viável falar em uma ética utilitarista, pois há várias éticas
utilitaristas produzidas, conforme as especificidades defendidas
por alguns outros filósofos.

Porém, em toda ética utilitarista, a utilidade é o critério que


deve orientar a escolha da ação moral.

Na ética de Mill, especificamente,


defende-se que toda ação moral deve
visar à utilidade em vista da realização
da felicidade. A felicidade, por sua vez,
é o maior bem que podemos almejar
e está ligada fundamentalmente à
ausência de dor e à presença de prazer,
mas não apenas isso, pois, para sermos
felizes, também necessitamos cultivar a
virtude e aprimorar o caráter.
Figura 7.4 - John Stuart Mill
Assim, toda ação moral deve considerar Fonte: Uchii (1998).
o critério da utilidade com vistas à

Unidade 7 185
Universidade do Sul de Santa Catarina

realização da nossa felicidade. E as ações morais são avaliadas -


como corretas (boas) ou como incorretas (más) - à medida que se
constituem meios para se alcançar a felicidade.

Ainda, as ações morais não devem visar à felicidade de um único


indivíduo, de modo egoísta, e sim devem visar à felicidade do
maior número possível de indivíduos.

Logo, a bondade da ação moral depende da ‘maior’ felicidade,


para o ‘maior’ número de pessoas.

Então, como devemos agir moralmente?

Segundo Mill, nossa ação moral deve considerar a utilidade como


citério para a escolha da ação moral, com vistas à realização da
felicidade, para o maior número de indivíduos.

Vamos a um exemplo.

Considere que você está em uma festa e, em função


do contexto, tem a possibilidade de agir de inúmeros
modos, por exemplo, com libertinagem, moderação
ou com apatia etc. A questão é:
- Como você deve agir, conforme o utilitarismo de
Mill?

Ora, você deve considerar a utilidade como critério


para a escolha da ação moral, com vistas à realização
da felicidade, para o maior número de pessoas.

Observe que, conforme a ética de Mill, não precisamos agir


de modo rígido, fixo, formal - como é o caso da ética kantiana
– pois para diferentes situações e diferentes indivíduos a utilidade
das ações apresenta-se variável, mutável, diversa.

Se para Kant a felicidade não é o fim mais importante que


orienta nossa ação moral, para Mill a felicidade representa o fim
mais alto, em função do qual devemos agir. Por outro lado, tanto

186
Filosofia

na ética de Mill quanto na ética de Aristóteles, a felicidade é


considerada como um fim da ação moral.

Embora a ética de Mill seja bem mais complexa do que aqui


expomos, ela é de fácil entendimento e aplicação, razões que
contribuem para sua grande aceitação.

Observe, com cuidado, que o utilitarismo de Mill


implica que nada é ‘proibido’ e que ‘todas as normas
são relativas’ - o que é extremamente delicado para o
nosso harmônico convívio social.

Ora, se a bondade da ação depende da maior felicidade, para o


maior número de pessoas, então o que garante que a felicidade da
maioria não possa causar danos à felicidade de um número menor
de pessoas?

Vamos a um exemplo. Imagine um hospital com cinco


pessoas na UTI. Dessas, quatro morrerão se não receberem
imediatamente pelo menos um órgão de algum doador. A outra
pessoa presente na UTI é um doador universal que está em
fase de recuperação. Veja que, na perspectiva do utilitarismo,
justificaria-se abreviar a vida desse último para salvar a vida dos
outros quatro.

Em nossa sociedade, essa perspectiva utilitarista é, nesse caso,


inaceitável. Veja, então, que a aplicação do utilitarismo para
“certas situações” é complicada, para não dizer absurda.

Se você desejar conhecer mais sobre o utilitarismo de


Mill, consulte a seguinte referência:
„„ MILL, John Stuart. Utilitarismo. Coimbra: Atlântida
Editora, 1976.

Unidade 7 187
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você estudou a ética de Aristóteles, a de Kant e


a de Mill. Ao conhecer alguns elementos da ética de Aristóteles,
identificou que devemos cultivar a virtude por meio da razão e do
hábito; e que a virtude é a nossa escolha deliberada e autônoma
do meio-termo entre dois vícios extremos. Viu que os vícios
são ações morais marcadas pela falta ou pelo excesso. Também
estudou que toda ação moral humana visa a um bem, e que o
maior bem a ser desejado e alcançado é a felicidade. Assim, para
agirmos corretamente, devemos cultivar a virtude.

Com a ética de Kant, você estudou que o indivíduo deve agir por
respeito ao dever em função da boa vontade. A felicidade é então
atenuada, pois mais importante é agir conforme o imperativo
categórico, máxima formal que generaliza as ações morais que
devem ser racionalmente escolhidas e praticadas. Desse modo,
o indivíduo torna-se legislador de si mesmo, escolhendo ações
morais autônomas e evitando uma moralidade que lhe é exterior,
que é tradicional. Assim, mesmo diante das particularidades
de ações morais específicas vividas pelos indivíduos, é possível
agir de modo moralmente correto considerando o imperativo
categórico.

Com a ética de Mill, você estudou que a utilidade é o critério


que deve nortear nossa ação, com vistas à realização de nossa
felicidade. Ainda viu que a ação é julgada como correta ou
incorreta em função da maior quantidade de felicidade alcançada,
para o maior número de indivíduos.

Observe que as três éticas - a de Aristóteles, a de Kant e a


de Mill - são éticas normativas, pois procuram estabelecer e
normatizar como deve ser a ação para todos.

188
Filosofia

Atividades de autoavaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O
gabarito está disponível no final do livro-didático. Mas, esforce-se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
estimulando a sua aprendizagem.

1) Cace as palavras. Esta atividade visa a exercitar sua capacidade de


identificação de alguns termos fundamentais relativos à ética de
Aristóteles. Observação! Você precisa selecionar, no texto abaixo, esses
termos fundamentais:

„„ três locuções formadas por duas palavras;

„„ oito palavras.

A ética de Aristóteles considera fundamental a escolha racional e o


hábito como fundamentais para cultivar a virtude. Tal prática da virtude é
consequência de nossa disposição autônoma em detrimento das nossas
inclinações, paixões ou desejos. A virtude consiste, propriamente, na
ação moral que considera o justo-meio como um equilíbrio entre dois
vícios extremos. Tais vícios são marcados pela radicalidade da ação, seja
pela falta ou pelo excesso. A prática da virtude tem sempre um fim, que
representa um bem para o próprio indivíduo, e o bem mais alto que
podemos almejar e encontrar é a felicidade.

P A S E D A S D I S A B E M T U T J T
R I U Q A R I D S E M A C A V E Ó U R
A R E R C I D S E M A I V B R O N S S
F A T L U S S A X A R P E R I O N T N
V F E F I T A Í R É T I C A R A R O R
Í I R E Z Ó Q T Ó N E R R S I S T M E
C M N L S T A M Z G E J E T R E J E A
I O X I T E C Z V I R T U D E C A I D
O Q R C T L E R A S D E F G H I J O A
M Ã L I M E R A R R Ô H Á B I T O T P
E I T D A S M U I O I M S B O C R I E
R E R A S K C L R R P R A T P A V N S
Z A Á D A L B R É N Z E S X S U S E A
S A N E S C O L H A R A C I O N A L A
I S S R I T N E M A I R A T P U T H P
E D I S P O S I Ç Ã O A U T Ô N O M A

Unidade 7 189
Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações. Para


tanto, estude e interprete cada uma das passagens referentes à ética de
Aristóteles, que foram extraídas do livro Ética a Nicômaco. Essa atividade
visa a exercitar sua capacidade de análise e síntese da ética de Aristóteles.

I) “tanto o vulgo como os homens de cultura superior dizem ( ) Para ser virtuoso e feliz,
que esse bem supremo é a felicidade [...] porém, divergem o homem precisa satisfazer
a respeito do que seja a felicidade [...] Voltemos ao bem [...] certas necessidades básicas,
ele é a finalidade em todas ações e propósitos, pois é por sua até mesmo materiais. A
causa que os homens realizam tudo o mais. Se, pois, existe uma prosperidade alcançada a
finalidade visada em tudo o que fazemos, tal finalidade será o partir desses meios, permite,
bem atingível pela ação, e se há mais de uma, serão os meios mais facilmente, praticar a
atingíveis por meio dela”. (ARISTÓTELES, 2001, p. 19-25). virtude e alcançar a felicidade.

II) “o bem do homem vem a ser a atividade da alma em ( ) A virtude não é inata.
consonância com a virtude [...] Mas é preciso acrescentar ‘em Mas, em função da natureza
uma vida inteira’, pois uma andorinha não faz verão, nem um dia humana, é possível ser
tampouco; e da mesma forma um dia só, ou um curto espaço de virtuoso. A virtude é uma
tempo, não faz um homem feliz”. (ARISTÓTELES, 2001, p. 27). capacidade que se desenvolve
com o hábito, e que deve ser
exercitada.

III) “[...] a felicidade necessita igualmente dos bens exteriores, pois


( ) Esta passagem relaciona
é impossível, ou pelo menos não é fácil, praticar atos nobres sem
bem e felicidade. O ‘bem’
os devidos meios. Em muitas ações usamos como instrumento
representa a finalidade de
os amigos, a riqueza e o poder político; e há coisas cuja ausência
todas as nossas ações. E, a
empana1 a felicidade - como a estirpe2, a boa descendência3, a
felicidade é o bem supremo
beleza. De fato, o homem de muito má aparência, ou mal-nascido,
que todos os homems aspiram.
ou solitário e sem filhos, não tem muitas probabilidades de ser
Contudo, a felicidade não é
feliz [...] Como dissemos, pois, o homem feliz parece necessitar
consenso para todos.
também desse tipo de prosperidade”. (ARISTÓTELES, 2001, p. 30).

IV) “Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente ( ) O homem é virtuoso
à natureza que as virtudes se geram em nós; antes devemos à medida que se propõe
dizer que a natureza nos dá a capacidade de recebê-las, e tal escolher deliberadamente,
capacidade se aperfeiçoa com o hábito [...] não foi por ver ou com a razão, o que fazer;
ouvir repetididamente que adquirimos a visão ou a audição, e a vitude, nesse sentido,
mas, pelo contrário, nós as tínhamos antes de começar a usá-las, é o meio-termo entre dois
e não foi por usá-las que passamos a tê-las. No entanto, com as vícios, que, por sua vez, estão
virtudes dá-se extamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício”. marcados pelo excesso ou pela
(ARISTÓTELES, 2001, p. 40). falta.

V) “A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com


( ) As ações virtuosas sempre
a escolha de ações e paixões, e consistente numa mediania, isto
visam a um bem. Mas, para
é, a mediania relativa a nós, que é determinada por um princípio
ser feliz, o homem necessita
racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. É um
de uma vida inteira de ações
meio-termo entre dois vícios, um por excesso e ourto por falta”.
virtuosas.
(ARISTÓTELES, 2001, p. 49).

1 encobre, esconde
2 refere-se às gerações anteriores
3 refere-se às gerações posteriores

190
Filosofia

Encontre a sequência que corresponde à associação correta das passagens


com as interpretações. Há apenas uma sequência correta:

A) I, III, II, V, IV.


B) II, III, IV, I, V.
C) V, III, IV, I, II.
D) III, IV, I, V, II.

3) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações. Para


tanto, estude e interprete cada uma das passagens referentes à ética
de Kant, que foram extraídas do livro Fundamentação da Metafísica dos
Costumes. Esta atividade visa a exercitar sua capacidade de análise e
síntese da ética de Kant.

I) “devo agir sempre de modo que possa querer ( ) O respeito ao dever é


também que minha máxima se converta em lei uma condição necessária e
universal”. (KANT, 2005, p. 29). fundamental na ética kantiana;
respeito ao dever que, sem o
qual, não se pode falar em boa
vontade.

II) “compreendo também que a necessidade ( ) Aqui se explicita que


de minhas ações, por puro respeito à lei [...] o imperativo categórico
é o que constitui o dever perante o qual tem não depende de nenhuma
de se inclinar qualquer outro fundamento outra ação moral. Também é
determinante, pois ele é a condição da boa explícito que tal imperativo
vontade em si, cujo valor a tudo supera”. (KANT, indica ‘a’ necessária obrigação
2005, p. 31). moral.

III) “o imperativo categórico [...] não é limitado ( ) Para agir, devemos


por nenhuma condição e se pode chamar considerar nossa racionalidade
propriamente mandamento absoluto, posto que e autonomia. Todo aquele que
praticamente necessário”. (KANT, 2005, p. 44-47). não pensa por si mesmo, é
dirigido por outro indivíduo.

IV) “Esclarecimento significa a saída do homem ( ) Essa é a formulação


de sua menoridade, da qual o culpado é ele clássica do imperativo
próprio. A menoridade é a incapacidade de categórico. Essa passagem
fazer uso de seu entendimento sem a direção de exprime que a ação moral que
outro indivíduo. O homem é o próprio culpado eu pratico deve sempre almejar
dessa menoridade se a sua causa não estiver na uma forma, um modelo, de
ausência de entendimento, mas na ausência de ação válida para todos os
decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem indivíduos.
a direção de outrem. Sapere aude! Tem a ousadia
de fazer uso de teu próprio entendimento”.
(KANT, 2005, p. 115). Ouse saber!

Unidade 7 191
Universidade do Sul de Santa Catarina

Encontre a sequência que corresponde à associação correta das passagens


com as interpretações. Há apenas uma sequência correta:
A) I, II, III, IV. B) II, III, IV, I. C) III, IV, I, II. D) IV, III, II, I.

4) Estude e interprete as seguintes passagens referentes à ética de


Mill, contidas na obra Utilitarismo. Esta atividade visa a exercitar sua
capacidade de análise e síntese da ética de Mill.

A) “A convicção que aceita a utilidade o princípio da maior


felicidade como o fundamento da moral admite que as ações são
corretas na proporção em que promovem a felicidade, e erradas
na medida em que poduzem o contrário da felicidade” (MILL,
1987, p. 16 apud BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002, p. 33).

B) “O utilitarismo somente pode atingir os seus fins pelo cultivo


geral da nobreza de caráter”. (MILL, 1987, p. 22 apud BORGES;
DALL’AGNOL; DUTRA, 2002, p. 35).

5) Esta atividade visa a exercitar sua capacidade de distinguir a ética de


Aristóteles, de Kant e de Mill. Para tanto, marque as sentenças seguintes
com ‘A’, ‘K’ e ‘M’ ao identificar uma tese correspondente à ética de
Aristóteles, de Kant ou de Mill.

a) ( ) a bondade da ação depende da maior felicidade, para o


maior número de indivíduos.
b) ( ) a virtude pode ser cultivada através da razão e do hábito.
c) ( ) a boa vontade significa que devemos agir por respeito ao
dever.
d) ( ) a utilidade deve nortear a nossa ação moral.
e) ( ) a virtude é o meio-termo entre dois vícios.
f) ( ) o imperativo categórico é a máxima que deve orientar as
nossas ações morais.

192
Filosofia

6) Caro aluno, em função dos estudos desenvolvidos nesta unidade,


você deve ter percebido que a ação moral correta (boa) ou incorreta
(má) depende de critérios, de regras, de fundamentos, que variam
conforme a respectiva ética. As três éticas que você estudou são
propostas de como devemos agir. Certamente, no percurso da
história da humanidade, muitas outras teorias éticas ainda surgirão.
O aparecimento de outras éticas depende da vontade de pensarmos
nas éticas já existentes e de propormos alternativas. Bom, o desafio
(desafio nada fácil) que lhe propomos é o seguinte: como podemos ser
melhores?

Unidade 7 193
Universidade do Sul de Santa Catarina

194
Filosofia

Saiba mais

Você pode aprofundar o seu entendimento sobre a ética de


Aristóteles, a de Kant e a de Mill ao estudar as seguintes
referências:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [A obra prima de cada


autor], Tradução Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2001.

BORGES, Maria de Lordes; DALL’AGNOL, Darlei; DUTRA,


Delamar Volpato. Ética. [O que você precisa saber sobre], Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.

CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. 2. ed.


rev. e ampl. São Paulo: Companhia da Letras, 2002.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos


costumes e outros escritos. [A obra-prima de cada autor],
Tradução Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2005.

VÁZQUEZ, Adolfo Sanches. Ética. 12. ed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1990.

Unidade 7 195
8
unidade 8

Questões da Ética
contemporânea
Leandro Kingeski Pacheco

Objetivos de aprendizagem
„„ Distinguir considerações éticas propostas por Nietzsche,
Foucault, Rawls e Singer.

„„ Analisar e sintetizar trechos de textos filosóficos.

Seções de estudo
Seção 1 O martelo de Nietzsche

Seção 2 Foucault e o cuidado de si

Seção 3 A teoria da justiça de Rawls

Seção 4 Singer e a ética prática


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Você estudará a Ética, considerando, brevemente, algumas
reflexões de quatro filósofos contemporâneos: Nietzsche,
Foucault, Rawls e Singer. Essas respectivas reflexões modificaram
e ampliaram nosso olhar sobre como devemos agir moralmente e,
por isso, são agora estudadas por você.

Embora esses filósofos situem-se, historicamente, mais próximos


de nós, não deixam de nos causar espanto com seus pensamentos
inéditos e radicais. A grosso modo, o homem contemporâneo -
que presencia tantas guerras, ganâncias e brutalidades - desconfia
até de si mesmo, pois as relações parecem estar cada vez mais
extremas, delicadas, perigosas ou estúpidas.

Por que vemos nos noticários notícias inadmissíveis, referentes à


ação moral? Por que um juiz, uma pessoa de ‘reputação ilibada’ -
que utiliza a razão (além da doutrina, é claro) para julgar casos de
nossa sociedade - mata à bala, futilmente, um vigia (desarmado)
de um supermercado, só porque o estabelecimento estava
fechado, e não poderia ser reaberto?

Por que um engenheiro, um indivíduo com ‘formação superior’,


atropela e mata a própria esposa (indefesa), desconsiderando,
ainda, a companhia de dois filhos dentro do próprio carro?

Tais atrocidades, crueldades, não se justificam. Jamais...


Contudo, infeliz e tragicamente, os exemplos anteriores têm,
como fonte, casos verídicos de nossa sociedade e de nosso tempo,
e não apenas meras hipóteses de estudos.

Na contemporaneidade paira certa desconfiança sobre o homem e


sua razão, como ser ‘capaz’ de agir racional e moralmente melhor;
ou como ser que ‘quer’ agir moralmente melhor. Bom, vamos aos
quatro filósofos e as suas reflexões.

198
Filosofia

Seção 1 – O martelo de Nietzsche


A ética de Nietzsche (1844-1900) pode ser comparada à ação
de um martelo, pois com um martelo podemos destruir. Mas a
questão é:

O que a ética de Nietzsche propõe destruir?

Ídolo, para Nietzsche, é


Nietzsche propõe destruir a então vigente moralidade européia todo tipo de símbolo que é
adorado excessivamente.
ocidental e contemporânea, fundamentada em ídolos vazios
e valores que só oprimem e anulam o homem. Em função
de tal moral frustrante, castradora e limitadora - o homem
contemporâneo vive o niilismo, vive para o nada, pois cada vez
mais se anula. Niilismo é uma palavra
derivada de nihil, que, por
Para entender o parágrafo anterior, sua vez, significa nada.
precisamos remeter-nos às Assim, niilismo significa o
características básicas da moral que sistema que nadifica, que
Nietzsche critica e que quer demolir anula todas as coisas, seres
e situações.
com seu ‘martelo’. Tal moral está
associada, principalmente, à moral
cristã e à filosofia metafísica de
Platão. Mas, por que a moral cristã
e a filosofia metafísica de Platão
são alvos do martelo de Nietzsche?
Vamos por etapas.

Segundo Nietzsche, a moral cristã, Figura 8.1 - Friedrich Wilhelm Nietzsche


Fonte: Philosophy (2009).
a moral do rebanho de ovelhas
defende o cultivo de certos valores
como, por exemplo, a humildade (os humilhados serão exaltados)
e a mansidão (os mansos herdarão a terra). Para o filósofo,
esses valores que fundamentam a ação moral estão anulando o
homem, pois ele se mantém a todo instante passivo, conformado
e resignado. Assim, esses e outros valores da moral cristã não
merecem aprovação.

Unidade 8 199
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para Nietzsche, a concepção moral cristã de bem


e de mal está dissociada da realidade, do mundo,
da existência do próprio indivíduo; assim como
está fundamentada em inexistentes planos divinos
ou infernais. Em função da moral cristã, a moral
dos ‘fracos’, dos ‘escravos’ é preferível à moral do
forte. Por outro lado, a ação moral e os modelos de
conduta cristãos desvalorizam os belos, os ricos e
os fortes. Nietzsche propõe, então, destruir todos
os tipos de ‘ídolos’ cristãos que entorpecem a visão
moral do homem.

Nietzsche também propõe destruir os ‘ídolos’


que têm como fonte a filosofia metafísica de
Platão. Para o primeiro, toda filosofia metafísica
Figura 8.2 – Martelo de Nietzsche
Fonte: Ilustrado por Alex Xavier
é desprovida de fundamento, uma vez que suas
(Designer Gráfico da Unisul Virtual). explicações não correspondem à realidade, não
passando de uma mera ilusão.

Considere a seguinte explicação, para entendimento da crítica de


Nietzsche à ‘filosofia metafísica’ de Platão.

Embora Platão não tenha discorrido especificamente


sobre uma ética em seus escritos, está evidente
que todo homem racional deve agir considerando
a ideia universal de ‘Bem’, que, por sua vez, orienta
as condutas morais do homem. Assim, para Platão,
se o homem agir conforme a ideia de ‘Bem’, agirá
corretamente. Contudo, Nietzsche expõe que não
existe uma ideia universal de ‘Bem’, que não existe
mesmo nada metafísico, nem mesmo uma ideia, que
possa orientar a nossa ação.
Aquilo que está além da física, de nossa realidade.
Nietzsche critica ainda a filosofia de Platão, porque
essa filosofia condena os nossos sentidos. Ora, ele
valoriza e elogia justamente a nossa existência, o
nosso corpo e as nossas sensações.

Em função da crítica dirigida aos ‘ídolos’ cristãos e platônicos-


metafísicos, Nietzsche propõe a necessidade de destruirmos
totalmente o sistema de valores vigente. Nesse sentido, ele propõe
uma transvaloração dos valores.

200
Filosofia

Que significa a transvaloração dos valores?

Significa que devemos destruir todos os valores que conduzem


o homem ao niilismo; e que devemos continuar agindo, mas,
agora, a partir de uma outra concepção moral, fundamentada no
homem, em sua própria existência, conforme, sobretudo, a sua
respectiva vontade de poder.

Vontade de poder refere-se a nossa vontade de viver, a nossa


energia de fazer, de criar, de agir; refere-se ao nosso ‘querer’
muito antes de tantos ‘deveres’. Para Nietzsche, a vontade de
poder do homem nunca foi manifestada, pois estava impedida
pelas moralidades associadas aos ‘ídolos’.

Como crítica à moral niilista e conforme a vontade de poder,


devemos valorizar a riqueza, a beleza, a força como perspectivas
de um agir ativo, guerreiro, audacioso, existencial, humano.

Uma vez que nossa vontade não é fixa, também nossa


moralidade deve apresentar um caráter cambiante, mutável.
Assim, nenhum valor metafísico, idealizado, cristalizado,
nenhuma essência deve orientar as ações morais humanas. Por
outro lado, todas as ações morais humanas devem ter como
princípio a própria vontade de poder.

Quando cada homem comum for capaz de fazer escolhas de


acordo com a sua vontade de poder, ele se transformará em Conforme Reale e Antiseri
um super-homem. ‘Super-homem’, denominação de um outro (2003, v. 3, p. 436-437)
estágio a ser alcançado pelo homem, representa a superação do “[...] é o homem, o novo
atual estado em que o homem se encontra. homem, que deve criar
novo sentido da terra,
abandonar as velhas
cadeias e cortar os antigos
troncos. O homem deve
inventar o homem novo,
isto é, o super-homem,
o homem que vai além
do homem [...] O super-
homem substitui os velhos
deveres pela vontade
própria.”.

Unidade 8 201
Universidade do Sul de Santa Catarina

Se você quiser aprofundar seus conhecimentos


relativos à ética de Nietzsche, você pode estudar a
seguinte referência:
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou
Zaratustra. [A obra-prima de cada autor], Tradução
Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2002.

Seção 2 – Foucault e o cuidado de si


Em toda obra de Foucault (1926-1984) há uma forte conotação
moral. Contudo, Foucault concentra seus estudos sobre a Ética
ao final de sua carreira, pouco antes de morrer. Na entrevista
intitulada A Ética do Cuidado de Si como Prática da Liberdade, de
1984, Foucault expõe objetivamente o que pensa sobre a Ética,
assim como sobre a prática moral do sujeito.

Neste texto, o filósofo expõe


que suas pesquisas iniciaram ao
investigar o sujeito emaranhado em
relações de poder (relações que,
muitas vezes, expressavam práticas
Foucault acentua que as relações
humanas são permeadas por
coercitivas) - relativas à psiquiatria
relações de poder. Nessas relações e ao sistema penitenciário.
de poder, entre os próprios
humanos, pode haver atenuação da Porém, suas pesquisas agora Figura 8. 3 - Michel Foucault
liberdade e obstrução da resistência. atentam para a prática de si, a Fonte: The Foucault Society (2010).
Em tais relações há um “estado prática de autoformação do sujeito
de dominação”, pois a liberdade
- questão relacionada diretamente à ética.
de uma das partes envolvidas
encontra-se limitada.
Esta autoformação do sujeito, esta prática de si, é detectada como
um fenômeno de origem greco-romana antiga. Foucault trata a
autoformação do sujeito como o cuidado de si, enquanto cerne de
sua ética.

202
Filosofia

O cuidado de si não é uma prática moral de simples


renúncia, mas é um exercício, uma prática moral
de si sobre si mesmo, que permite ao sujeito
transformar-se e atingir um modo de ser.

O cuidado de si é um exercício em que o sujeito pratica a


liberdade. A liberdade é vista, por sua vez, como condição básica
para a existência da ética. E a ética é entendida como a prática
refletida, racional da liberdade.
Autocontrole, moderação,
Se, por um lado, o cuidado de si é uma prática em que se exercita prudência, comedimento.
a liberdade, por outro lado essa liberdade não significa liberdade
Conhecimento de si
absoluta, mas, antes, autodomínio1 , autoconhecimento2, além mesmo.
do conhecimento de certas regras de conduta e prescrições3
morais. Normas, regras.

Observe, ainda, que o cuidado de si não significa amor exagerado


por si mesmo, nem negligência pelos outros, nem abuso dos
outros, mas, também, cuidado dos outros. Contudo, o cuidado
dos outros é, para Foucault, um momento posterior ao cuidado de
si. Assim, à medida que eu exercitar o cuidado de mim mesmo,
desenvolvo condições para também cuidar dos outros.

A ética de Foucault é um convite para a autoformação do sujeito,


para o cuidado de si, entendido como uma prática moral, um
exercício autônomo da liberdade, relativo ao modo como devemos
agir. Observe, porém, que não há aqui a proposição de uma
norma rígida sobre como deve ser a nossa conduta moral.

Se você quiser aprofundar seus conhecimentos


relativos à ética de Foucault, você pode estudar a
seguinte referência:
• FOUCAULT, Michel. A Ética do cuidado de si como
prática da liberdade. In: Ética, sexualidade, política.
[Ditos e escritos; V] Organização e seleção de textos
Manoel Barros da Motta; tradução Elisa Monteiro,
Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004.

Unidade 8 203
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 3 – A teoria da justiça de Rawls


John Rawls (1921-2002) propôs, em 1971, Uma teoria da justiça,
um estudo que abrange tanto o campo da Ética, quanto o campo
da Política. Esta teoria abrange a Ética no que tange às reflexões
Concepção na qual a sociedade e o
pertinentes às ações morais relativas a uma pessoa, e Política
Estado têm origem em um pacto
ou contrato social, livremente no que tange às reflexões pertinentes às ações dos cidadãos,
estabelecido por seus integrantes. organizados socialmente. Para Rawls, a justiça, em questão,
decorre de um contratualismo moral.

Neste livro, Rawls afirma que uma concepção qualquer de


justiça exprime uma concepção de pessoa, de relações e de
sociedade. E, se aceitarmos os princípios que embasam essa
concepção de justiça, então, por consequência, aceitaremos o
respectivo ideal, modelo de pessoa e de relações.

A partir desse argumento, o norte-americano convida-nos


a pensar em uma sociedade bem ordenada, fruto de uma
concepção de justiça ideal, coerente com o tipo de pessoa que
queremos ser e a forma de sociedade em que queremos viver.

Nesta teoria, a sociedade bem ordenada fundamenta-se em


Figura 8.4 - John Rawls
Fonte: Schilling (2009).
uma concepção de justiça social, que decorre de um debate
ético de pessoas racionais e morais. Rawls propõe que:

Sociedade bem ordenada é aquela regulada por


um conceito público de justiça, onde todos sabem e
aceitam os mesmos princípios de justiça.

A sociedade bem ordenada é formada por pessoas morais, livres


e iguais. Morais porque apresentam um senso de justiça e porque
veem os outros nesta mesma perspectiva; iguais porque admitem
para si e para os outros o direito de determinar os princípios que
devem nortear a estrutura social; livres porque admitem para si e
para os outros o direito de serem livres e de discutir a finalidade
das instituições sociais.

Para exisitir, a sociedade bem ordenada necessita de princípios


de justiça que orientem a ação. Esses princípios de justiça são
necessários porque permitem arbitrar os diferentes arranjos

204
Filosofia

sociais; atribuir direitos e deveres à estrutura básica da


sociedade; e especificar como as insituições devem distribuir
Composta pelas
os frutos da cooperação social. Observe que, nesta concepção instituições sociais
de sociedade bem ordenada, a sua estrutura básica é o objeto fundamentais
primário de justiça.

Os princípios de justiça para a sociedade bem ordenada


expressam o seguinte (o primeiro princípio tem prioridade sobre
o segundo):

1) todos têm direitos iguais de liberdade;

2) as desigualdades sociais e econômicas estão


condicionadas:

a) ao maior benefício para os menos favorecidos;

b) aos cargos e empregos para todos, com mesmas


condições de oportunidade de acesso.

Entre as razões que justificam esses dois princípios de justiça,


adequados à sociedade bem ordenada, está a de que eles
estabelecem a proteção dos interesses fundamentais dos membros
de tal sociedade.

Mas, de que modo surgiriam tais princípios de justiça?

Esses princípios de justiça decorreriam de uma situação


hipotética, denominada posição original. Especificamente,
os princípios de justiça decorrem das escolhas e deliberações
Momento em que ainda
feitas pelas pessoas morais, livres e iguais - com a finalidade não há um contrato
de estabelecer o governo da estrutura básica da sociedade. fundamental que garanta
Observe que tais princípios constituem, por sua vez, a base o convívio político e social.
de um contrato social (acordo estabelecido por cada um dos
contratantes, que representam as várias facetas da sociedade).

Rawls destaca a necessidade de haver um véu de ignorância


sobre as pessoas, quando essas escolhem os princípios de
justiça, pois à medida que os contratantes desconhecerem suas

Unidade 8 205
Universidade do Sul de Santa Catarina

respectivas condições particulares na sociedade, de modo mais


imparcial encontrariam os princípios de justiça já mencionados.

Embora se estabeleçam princípios de justiça, primariamente, para


a estrutura básica da sociedade, de uma sociedade bem ordenada,
é inegável que esses princípios influenciam a ação moral das ditas
pessoas morais, livres e iguais, uma vez que elas, ao formularem
tais princípios, irão conhecê-los e aceitá-los.

Conforme Borges, Dall’Agnol e Dutra (2002), os princípios de


justiça, além de estarem sujeitos ao véu de ignorância, também
estão sujeitos a restrições formais. Veja as características formais
que cada princípio deve apresentar:

„„ Generalidade - o princípio deve abranger a generalidade das


circunstâncias e não se circunscrever a uma circunstância em
particular.

„„ Universalidade - deve ser válido para todas as pessoas morais.

„„ Publicidade - deve ser conhecido por todos.

„„ Ordenação de reivindicações conflitantes - deve estabelecer


uma ordenação de justiça, impedindo outra ordenação que
tenha origem, por exemplo, na força ou na astúcia.

„„ Finalidade - não há uma regra anterior e, assim, o princípio


deve ser respeitado diretamente. E, uma vez escolhido, deve
ser cumprido.

206
Filosofia

Se você quiser aprofundar seus conhecimentos


relativos à teoria da justiça de Rawls, consulte as
seguintes referências:

• BORGES, Maria de Lordes; DALL’AGNOL, Darlei;


DUTRA, Delamar Volpato. Ética. [O que você
precisa saber sobre], Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

• OLIVEIRA, Nythamar de. Rawls. [Passo-a-passo], Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

Seção 4 - Singer e a ética prática


Basicamente, Peter Singer (1946) investiga a aplicação da
ética a questões práticas, que fazem parte das discussões
de nosso cotidiano, como a igualdade para as mulheres,
o tratamento de minorias étnicas, a preservação do meio
ambiente, a eutanásia, o aborto, o uso de animais em
pesquisas e na fabricação de alimentos etc.

As reflexões de Peter Singer sobre a ética podem ser


encontradas, fundamentalmente, em seu livro Ética Prática.
Nesse livro, Singer expõe o que pensa sobre a ética, o Figura 8.5 – Peter Singer
método que acredita ser o mais adequado para tratar das Fonte: Applewhite (2004).

ações morais, assim como estabelece uma série de reflexões


relacionadas à ética prática. Em um dos textos deste livro,
Singer propõe, conforme seu modo de pensar, o que a ética é e o
que não é.

Veja, primeiro, algumas considerações sobre o que a ética não é.

Unidade 8 207
Universidade do Sul de Santa Catarina

O que a ética não é


Para Singer, a ética não pode ser encarada como um sistema de
irritantes proibições cotidianas, nem pode ser encarada como um
código específico de moralidade, que nos diria, especificamente,
o que fazer ou não fazer.

Por outro lado, a ética não se reduz a uma série de restrições


ligadas ao sexo. Segundo o filósofo, é fácil perceber este caráter,
pois as questões morais relacionadas ao sexo envolvem outras
considerações, muito mais relevantes do ponto de vista da ética,
como a honestidade, a prudência etc.

A ética também não é uma teoria fantástica, que não tenha


aplicação prática. Para Singer, a função fundamental de um juízo
ético é justamente orientar a prática moral.

A ética também não se reduz a um sistema de normas simples e


breves, como: “não minta”, uma vez que tal regra não se ajusta
às complexidades da vida. Assim, em certas situações práticas,
mentir pode ser considerado moralmente correto. Nesse sentido,
veja um exemplo do autor, que já se tornou clássico:

Se você está na Alemanha nazista, na época da 2ª


Guerra Mundial, e se a Gestapo bate à sua porta a
procura de judeus, é correto mentir para salvar a
família de judeus que está econdida no seu sótão.
Observe que o cumprimento cego da regra “não
mentir” implicaria um desastre para a vida de cada um
dos integrantes da família judia.

Singer também afirma que a ética não se resume ou reduz à


religião, concepção religiosa, pois a prática moral refletida, a
ética, independe de crença religiosa.

À medida que Singer caracteriza o que a ética não é, ele já


prepara o terreno, vamos assim dizer, para especificar o que a
ética é, ou seja, nosso próximo tópico. Observamos, contudo,
que Singer desenvolve, ainda, alguns outros tópicos além dos
abordados aqui, acerca do que a ética não é.

208
Filosofia

O que a ética é: uma concepção


Entre outras coisas, a concepção de ética prática, defendida por
Singer, estabelece a razão como fundamental nas decisões éticas.

Para Singer, as pessoas vivem de acordo com padrões éticos


quando fornecem uma razão para o que praticam moralmente,
para viver deste ou daquele modo, quando defendem ou
justificam racionalmente o que fazem. Singer observa que viver
de modo ético significa raciocinar sobre que ações morais devem
ser praticadas, independentemente das ações morais escolhidas,
“certas” ou “erradas”. Por outro lado, as pessoas não vivem de
acordo com padrões éticos quando são incapazes de justificar as
ações morais que praticam.

Ainda é especificado que a defesa racional, ética, de uma ação


moral deve pautar-se pelo critério de universalidade. Essa
universalidade implica que os atos morais de uma pessoa devem
procurar conciliar os seus interesses com um público maior,
tanto quanto possível. Embora o critério de universalidade
procure ampliar a aplicação de um juízo moral, Singer lembra
que um juízo ético qualquer não tem aplicação universal, pois,
conforme sua concepção de ética, consequencialista, a ação
moral varia conforme as consequências, os objetivos que são
estabelecidos na situação prática particular, específica.

Singer admite que sua concepção de ética é uma forma de


utilitarismo, próxima à ética de Mill. Ou seja, diante das
inúmeras e insólitas situações que vivemos, das questões práticas,
devemos racionalmente considerar o nosso interesse, assim
como o do maior número de pessoas possíveis, à medida que
consideramos os objetivos e as consequências de nossas ações.

Se você quiser saber mais sobre o que Peter Singer


pensa sobre ética, leia o texto Sobre a ética, do livro
Ética Prática. A referência é a seguinte:

• SINGER, Peter. Sobre a ética. In: Ética prática. São


Paulo: Martins Fontes, 2006.

Unidade 8 209
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você estudou questões éticas levantadas por


quatro filósofos contemporâneos: Nietzsche, Foucault, Rawls e
Singer.

Você viu que a ética de Nietzsche é uma crítica aos ídolos, à


passividade, à resignação e à justificação dos atos morais por
uma concepção de mundo supraterrena. Diz o filósofo que
devemos transvalorar os valores da moral que conduz o homem
ao niilismo, ao nada. A vontade de poder é proposta como o
critério que norteia essa outra moralidade. Só quando o homem
for capaz de fazê-lo, superará o atual estágio em que se encontra,
tornando-se um super-homem.

Você estudou que a ética de Foucault incita-nos ao “cuidado de


si”, de modo que, ao fazê-lo, também devenvolvemos a habilidade
de cuidar dos outros. Porém, viu que o cuidado de si é uma
condição para o cuidado dos outros. A fundamental prática
da liberdade, aliada ao autodomínio, ao autoconhecimento,
ao conhecimento de algumas regras morais, são elementos
determinantes para uma adequada prática moral.

Para Rawls, a ética está extremamente próxima de reflexões políticas.


O americano supõe uma posição original, na qual todas as pessoas
morais, livres e iguais, sob o véu da ignorância, escolheriam,
conjuntamente, princípios de justiça que regulariam a estrutura
básica da sociedade bem ordenada. Embora esses princípios sejam
pensados, primariamente, para atender as instituições sociais básicas,
nem por isso deixam de espelhar um modo de agir moral, que é
consenso para as próprias pessoas morais.

Singer defende que a ética lida com questões práticas relacionadas


à moral humana, como a igualdade das mulheres, o aborto, a
eutanásia, o respeito ao meio ambiente etc. Singer posiciona-
se sobre o que a ética é e o que não é. Para ele, a ética não é
um código específico de moralidade, nem proibições irritantes,
não tem como foco central o sexo, não é uma teoria fantástica,
nem tem como fonte legitimadora a religião. A ética refere-
se ao uso da razão, para justificar quais atos morais devem ser
praticados. As questões práticas são o cerne dessa reflexão,

210
Filosofia

a ética. A universalidade é pensada como um critério que


transcende os interesses da pessoa, de modo que mais pessoas
sejam contempladas pela realização de uma determinada ação
moral. Singer admite, ainda, que sua concepção ética é uma
forma de utilitarismo, pois ele acredita que ela permite lidar com
as consequências da ação moral, as quais, por sua vez, são muito
mais importantes que simples ordenamentos ou regramentos
morais.

A ética de Nietzsche, a de Foucault e a de Rawls podem ser


consideradas normativas à medida que propõem como devemos
agir moralmente. Dessas três éticas, a de Foucault “tende” a não
se encaixar perfeitamente nessa classificação, uma vez que esse
pensador não propõe um fundamento normativo sobre como
devemos agir moralmente, mas um modo de agir.

A ética de Singer fica melhor classificada como prática, como o


próprio filósofo intitula sua investigação, embora esse pensador
admita que sua ética é uma forma de utilitarismo (que, por sua
vez, é uma ética normativa).

Atividades de autoavaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O
gabarito está disponível no final do livro didático. Mas, esforce-se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
promovendo (estimulando) a sua aprendizagem.

1) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações. Para


tanto, estude e interprete cada uma das passagens referentes à ética de
Nietzsche, que tem origem nos livros Crepúsculo dos Ídolos, Assim falou
Zaratustra e Genealogia da Moral. Esta atividade visa a exercitar sua
capacidade de análise e síntese da ética de Nietzsche.

Unidade 8 211
Universidade do Sul de Santa Catarina

I) “Este pequeno livro é uma grande declaração de guerra; ( ) Nietzsche critica a moral
e, quanto ao escrutínio1 de ídolos, desta vez eles não cristã por associar o bom e o
são ídolos da época, mas ídolos eternos, aqui tocados bem com valores escravos, ditos
com o martelo como se com um diapasão - não há, invertidos. Para o filósofo, na
absolutamente, ídolos mais velhos, mais convecidos, mais moral cristã, aquele que não
empolados2 ... E tampouco mais ocos... Isso não impede se encaixa no perfil da moral
que sejam os mais acreditados [...]”. (NIETZSCHE, 2006, p. ‘escrava’ age moralmente
8). errado.

II) “ ‘Eu vos anuncio o Super-homem’. ‘O homem é ( ) A superação da atual


superável’ [...] Que é o macaco para o homem? Uma condição que o homem se
zombaria ou uma dolorosa vergonha. Pois é o mesmo encontra, a superação do
que deve ser o homem para o Super-homem [...] Noutro niilismo e do cristianismo, só terá
tempo foste macaco, e hoje é ainda mais macaco que êxito se tornarmos livre a nossa
todos os macacos [...] O Super-homem é o sentido vontade e não mais a anularmos.
da terra. Diga a vossa vontade: seja o Super-homem
[...] Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis a
terra e a não acreditar em que vos fala de esperanças
supraterrestres [...] Qual é a maior coisa que vos pode
acontecer? Que chegue a hora do grande menosprezo,
a hora em que vos enfastie a vossa própria felicidade,
de igual forma que a vossa razão e a vossa virtude. A
hora em que digas: ‘Que importa a minha felicidade! É
pobreza, imundície e conformidade lastimosa. A minha
felicidade, porém, deveria justificar a minha existência!”.
(NIETZSCHE, 2002, p. 25-26).

III) “Esse homem do futuro, que nos salvará não só do ( ) Nietzsche afirma que
ideal vigente, como [...] do grande nojo, da vontade atacará com o ‘martelo’ os ídolos,
do nada, do niilismo [...] que torna novamente livre a pois esses são insignificantes
vontade, que devolve à terra sua finalidade e ao homem para a vida do homem, e,
sua esperança, esse anticristão e antiniilista, esse portanto, devem ser destruídos.
vencedor de Deus e do nada – ele tem que vir um dia...”.
(NIETZSCHE, 2003, p. 84-85).

IV) “[...] os judeus [...] ousaram inverter a equação de ( ) Nietzsche nos propõe uma
valores aristocráticos (bom = nobre = poderoso = belo analogia, na qual o homem é
= feliz = caro aos deuses), e com unhas e dentes [...] se superior ao macaco, e o Super-
apegaram a esta inversão, a saber, ‘os miseráveis somente homem é superior ao homem.
são os bons, apenas os pobres, impotentes, baixos são O homem atual é visto como
bons, os sofredores, necessitados, feios, doentes são sendo fortemente influenciado
os únicos beatos, os únicos abençoados, unicamente por crenças supraterrestres
para eles há bem-aventurança – mas vocês, nobres e - crenças religiosas ou crenças
poderosos, vocês serão por toda a eternidade os maus, metafísicas - de tal modo que
os cruéis, os lascivos, os insaciáveis, os ímpios [...] os se encontra inferior a todos os
desventurados, malditos e danados!...’ [...] A propósito macacos. A condição de Super-
[...] com os judeus principia a revolta dos escravos na homem é a melhor coisa que
moral: aquela rebelião que tem atrás de si dois mil anos pode acontecer ao homem, mas
de história, e que hoje perdemos de vista, porque foi isto só acontecerá quando o
vitoriosa...”. (NIETZSCHE, 2003, p. 26). mesmo repudiar suas atitudes
conformadas diante da realidade
e passe a constituir a felicidade a
partir da própria vontade, a partir
da própria existência.

Encontre a sequência que corresponde à associação correta das passagens com as


interpretações. Há apenas uma sequência correta:

212
Filosofia

A) I, II, III, IV. B) II, III, IV, I. C) III, IV, I, II. D) IV, III, I, II. Exame
minucioso
2) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações. Para
tanto, estude e interprete cada uma das passagens referentes à ética de Pomposo,
ostentador
Foucault, que tem origem na entrevista A Ética do Cuidado de Si como
Prática da Liberdade. Esta atividade visa a exercitar sua capacidade de
análise e síntese da ética de Foucault.

I) “[...] o que é a ética senão a prática da liberdade, a prática ( ) Nas relações humanas
refletida da liberdade? [...] A liberdade é condição ontológica sempre há alguma relação de
da ética. Mas a ética é a forma refletida assumida pela poder. Essas relações não são
liberdade.”. (FOUCAULT, 2004, p. 267). fixas e podem ser alteradas. Para
alterar essas relações de poder,
é preciso praticar a liberdade.
Mesmo as relações de poder
dos ditos estados de dominação
podem ser alteradas.

II) “[...] sobretudo nos gregos -, para se conduzir bem, para ( ) Cuidar de si mesmo implica
praticar adequadamente a liberdade, era necessário se o conhecimento de si além de
ocupar de si mesmo, cuidar de si, ao mesmo tempo para se regras de conduta.
conhecer [...] e para se formar, superar-se a si mesmo, para
dominar em si os apetites que poderiam arebatá-lo. [...]”.
(FOUCAULT, 2004, p. 268).

III) “Não é possível cuidar de si mesmo sem se conhecer. O ( ) O cuidado de si não é amor
cuidado de si é certamente o conhecimento de si [...] mas exagerado por si mesmo, nem
é também o conhecimento de um certo número de regras negligência ou abuso dos outros.
de conduta ou de princípios que são simultaneamente
verdades e prescrições.”. (FOUCAULT, 2004, p. 269).

IV) “Não se deve fazer passar o cuidado dos outros na ( ) O cuidado de si implica a
frente do cuidado de si; o cuidado de si vem eticamente em prática da liberdade, a ocupação
primeiro lugar, na medida em que a relação consigo mesmo e a formação de si mesmo,
é ontologicamernte primária. [...] o cuidado de si não pode de modo que o sujeito possa
em si mesmo tender para esse amor exagerado a si mesmo superar-se e, então, dominar os
que viria a negligenciar ou outros ou, pior ainda, a abusar do apetites.
poder que se pode exercer sobre eles.”. (FOUCAULT, 2004, p.
271-273).

V) “[...] nas relações humanas, quaisquer que sejam elas ( ) A liberdade é uma condição
[…] o poder está presente [...] essas relações de poder são para a própria existência da ética.
móveis, ou seja, podem se modificar, não são dadas de E a ética é a prática refletida da
uma vez por todas [...] só é possível haver relações de poder liberdade.
quando os sujeitos forem livres [...] para que se exerça uma
relação de poder, é preciso que haja sempre, dos dois lados,
pelo menos uma forma de liberdade. Mesmo quando a
relação de poder é completamente desiquilibrada, quando
verdadeiramente se pode dizer que um tem poder sobre o
outro, um poder só pode se exercer sobre o outro à medida
que ainda reste a esse último a possibilidade de se matar,
de pular pela janela ou de matar o outro. Isso significa que,
nas relações de poder, há necessariamente possibilidade
de resistência [...] se há relações de poder em todo o
campo social, é porque há liberdade por todo lado. Mas há
efetivamente estados de dominação. Em inúmeros casos,
as relações de poder estão de tal forma fixadas que são
perpetuamente dessimétricas e que a margem de liberdade
é estremamente limitada.”. (FOUCAULT, 2004, p. 276-277).

Unidade 8 213
Universidade do Sul de Santa Catarina

Encontre a sequência que corresponde à associação correta das


passagens com as interpretações. Há apenas uma sequência correta:
A) I, II, III, IV, V. B) II, V, III, IV, I. C) III, IV, I, V, II. D) V, III, IV, II, I.

3) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações. Para


tanto, estude e interprete cada uma das passagens referentes à ética
de Rawls, que tem como origem a Teoria da Justiça. Esta atividade visa a
exercitar sua capacidade de análise e síntese da ética de Rawls.

I) “[…] uma sociedade bem ordenada é ( ) Um princípio de justiça


efetivamente regulada por um conceito público de estabelece liberdade igual
justiça. Ou seja, é uma sociedade na qual todos os para todos, enquanto o outro
membros aceitam e sabem que os outros aceitam princípio procura estabelecer uma
os mesmos princípios (a mesma concepção) de ‘desigualdade justa’.
justiça.”. (Rawls apud Oliveira, 2003, p. 51).

II) “[...] os membros de uma sociedade bem- ( ) A justiça apropriada para


ordenada são, eles mesmos, pessoas morais livres e uma sociedade bem ordenada é
iguais.”. (RAWLS apud OLIVEIRA, 2003, p. 52). aquela resultante de um acordo
equitativo entre as pessoas morais,
livres e iguais.

III) “Enunciarei agora [...] os dois princípios de ( ) O conceito público de justiça


justiça [...] 1. Cada pessoa tem um direito igual regula uma sociedade bem
ao mais extensivo esquema de liberdades ordenada. Nessa sociedade, todos
fundamentais iguais compatíveis com um aceitam e conhecem os princípios
esquema semelhante de liberdade para todos. de justiça.
2. As desigualdades sociais e econômicas devem
satisfazer duas condições: elas devem ser (a) para o
maior benefício esperado dos menos favorecidos;
e (b) vinculadas a cargos e posições abertas a
todos em condições de oportunidade equitativa.
O primeiro desses princípios deve ter prioridade
sobre o segundo [...]”. (RAWLS apud OLIVEIRA,
2003, p. 58).

IV) “[...] ideia da posição original: supus que ( ) A sociedade bem-ordenada


a concepção de justiça apropriada para uma é composta por pessoas morais,
sociedade bem-ordenada é aquela que seria livres e iguais.
acordada numa situação hipotética que fosse
equitativa entre indivíduos concebidos como
pessoas morais livres e iguais, isto é, como
membros de uma tal sociedade.”. (RAWLS apud
OLIVEIRA, 2003, p. 63).

Encontre a sequência que corresponde à associação correta das


passagens com as interpretações. Há apenas uma sequência correta:

A) I, II, III, IV. B) II, III, IV, I. C) III, IV, I, II. D) III, IV, II, I.

214
Filosofia

4) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações.


Para tanto, estude e interprete cada uma das passagens referentes à
ética de Singer, com base no texto Sobre a Ética, do livro Ética Prática.
Esta atividade visa a exercitar sua capacidade de análise e síntese da
ética de Peter Singer.

I) “O tema deste livro é a ética prática, ou seja, a aplicação da ética ( ) Singer admite que a ética
ou da moralidade (usarei indiferentemente essas duas palavras) à que ele propõe é uma variação
abordagem de questões práticas, como o tratamento dispensado do utilitarismo. Em função da
às minorias étnicas, a igualdade para as mulheres, o uso de animais perspectiva utilitária, defende a
em pesquisas e para a fabricação de alimentos, a preservação do necessidade de que se universalize
meio ambiente, o aborto, a eutanásia e a obrigação que têm os a ação moral, pensada a partir do
ricos de ajudar os pobres.”. (SINGER, 2006, p. 9). indivíduo.

II) “[...] há uma abordagem sempre válida da ética que ( ) Para Singer, viver de acordo
praticamente não é afetada pelas complexidades que tornam com padrões éticos depende,
as normas simples difíceis de serem aplicadas: a concepção sobremaneira, da utilização da
consequencialista. Os seus adeptos não partem de regras morais, razão, da justificação e defesa de
mas de objetivos. Avaliam a qualidade das ações mediante certas ações morais. Por outro
uma verificação do quanto elas favorecem esses objetivos. O lado, quando não justificamos as
utilitarismo é a mais conhecida das teorias consequencialistas [...] ações morais realizadas, vivemos
Para o utilitarista, mentir será mau em algumas circunstâncias e desvinculados de padrões
bom em outras, dependendendo das consequências que o ato éticos. Nesse sentido, a ética é
acarretar.”. (SINGER, 2006, p. 11). compreendida como uma reflexão
racional sobre os atos morais.

III) “A ideia de viver de acordo com padrões éticos está ligada à ideia ( ) Singer defende que uma
de defender o modo como se vive, de dar-lhe uma razão de ser, de abordagem ética adequada
justificá-lo. Desse modo, as pessoas podem fazer todos os tipos de é aquela que privilegia as
coisas que consideramos erradas, mas, ainda assim, estar vivendo consequências de uma ação
de acordo com padrões éticos, desde que tenham condições de moral e não se limita a simples
defender e justificar aquilo que fazem. Podemos achar a justificativa ordenamentos ou regras morais.
inadequada e sustentar que as ações estão erradas, mas a tentativa Entre as teorias que privilegiam
de justificação, seja ela bem sucedida ou não, é suficiente para as consequências da ação moral
trazer a conduta da pessoa para a esfera do ético, em oposição situa-se o utilitarismo, uma vez
ao não-ético. Quando, por outro lado, as pessoas não conseguem que as ações são escolhidas
apresentar nenhuma justificativa para o que fazem, podemos considerando-se, entre outras
rejeitar a sua alegação de estarem vivendo de acordo com padrões coisas, as consequências da ação.
éticos, mesmo se aquilo que fazem estiver de acordo com princípios
morais convencionais.”. (SINGER, 2006, p. 18).

IV) “o modo de pensar que esbocei é uma forma de utilitarismo. ( ) A investigação de Singer
Difere do utilitarismo clássico pelo fato de “melhores lida com a aplicação da ética a
consequências” ser compreendido como o significado de algo questões polêmicas, que fazem
que, examinadas todas as alternativas, favorece os interesses dos parte das práticas dos seres
que são afetados, e não como algo que simplesmente aumenta o humanos. Práticas que, enquanto
prazer e diminui o sofrimento [...] A postura utilitária é uma posição tais, também se referem aos
mínima, uma base inicial a qual chegamos a universalizar a tomada animais e ao meio ambiente. Singer
de decisões com base no interesse próprio.”. (SINGER, 2006, p. 22). denomina essa investigação de
ética prática.

Encontre a sequência que corresponde à associação correta das


passagens com as interpretações. Há apenas uma sequência correta:

A) I, II, III, IV. B) IV, III, II, I. C) III, IV, I, II. D) III, IV, II, I.

Unidade 8 215
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Se você quiser aprofundar seus conhecimentos sobre a ética,


considerando as reflexões de Nietzsche, Foucault, Rawls ou
Singer, então consulte as seguintes referências:

BORGES, Maria de Lordes; DALL’AGNOL, Darlei; DUTRA,


Delamar Volpato. Ética. [O que você precisa saber sobre], Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.

FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade, política. [Ditos e


escritos; V] Organização e seleção de textos Manoel Barros da
Motta; tradução Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

OLIVEIRA, Nythamar de. Rawls. [Passo-a-passo], Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra. [A


obra-prima de cada autor], Tradução Pietro Nasseti. São Paulo:
Martin Claret, 2002.

. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo:


Companhia das Letras, 2003.

. Crepúsculo dos ídolos: ou como se filosofa com o


martelo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

216
Para concluir o estudo

Parabéns pelos estudos desenvolvidos, necessários para que você


chegasse até aqui. Seu comprometimento, disciplina e dedicação
foram combustíveis para o seu bom êxito.

Ao concluir os estudos da disciplina, você deve ter percebido


que o sentido da Filosofia é mais amplo do que é difundido
costumeiramente. Observamos que tal sentido é, ainda, mais amplo
do que foi abordado neste livro.

Você pode passar uma vida inteira investigando a Filosofia e,


certamente, a cada novo dia de investigação um novo argumento,
detalhe, experiência, entendimento ou “vivência”, transformará e
alargará a sua compreensão sobre o que é Filosofia.

Dizem que bom conselho é aquele que não é dado. Porém, não
podemos deixar, aqui, de incitá-los a pesquisar a Filosofia, de
estudar os originais dos próprios filósofos, de estudar outros livros,
compêndios e dicionários sobre Filosofia.

Também, não podemos nos furtar de alertar você a exercitar


as habilidades de autonomia, reflexão, crítica e criatividade -
importantes habilidades para um estudante universitário e para
um cidadão. Desejamos ainda que, de algum modo, os temas e
conteúdos aqui reunidos sob o viés da Teoria e do Conhecimento e
da Ética tenham encontrado abrigo em seu coração, mente e ações.
Podemos construir um mundo melhor. Para tanto, precisamos nos
preparar.

Desejamos sucesso em sua caminhada de estudos.

Um forte abraço,

Professor Leandro Kingeski Pacheco e Professora Maria Juliani Nesi


Referências

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Filosofia

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222
Sobre os professores conteudistas

Leandro Kingeski Pacheco possui em Filosofia -


Bacharelado (1994 / UFSC), Licenciatura (1997 / UFSC)
e Mestrado (2005 / UFSC). Atua, na UNISUL, como
Analista Acadêmico no Campus da Grande Florianópolis
e como Professor no campus UNISUL Virtual. Tem
experiência docente no ensino superior na área de Filosofia e
de Educação, tanto na graduação quanto na especialização.
É co-autor ou autor de alguns livros didáticos utilizados na
EaD, tanto pela UDESC quanto pela UNISUL.

Maria Juliani Nesi é graduada em Filosofia pela UFSC


(1992), Especialista em Arte-educação pela UDESC (1995) e
Mestre em Engenharia de Produção/Mídia e Conhecimento
pela UFSC (2003). Atua como professora do ensino superior
nas modalidades presencial e a distância há desde 1993.
Elaboradora e corretora de provas de vestibular e outros
concursos públicos para docência. Roteirista de vídeos
educativos de Filosofia e escritora de Livros Didáticos de
Filosofia. Também atua na gestão do ensino superior como
assistente pedagógica e como analista acadêmica. Atualmente,
trabalha na Pró-Reitoria de Ensino da Universidade do Sul de
Santa Catarina. Tem experiência docente na área de Filosofia,
com ênfase em Epistemologia, Teoria do Conhecimento,
Estética e Ética, Pedagogia com ênfase em Didática do
Ensino, Projetos Pedagógicos, Formação de Profissionais
da Educação, Avaliação da Aprendizagem e Avaliação de
Competências, e Teatro, com ênfase em dramaturgia, estética
e interpretação.
Respostas e comentários das
atividades de autoavaliação
UNIDADE 1

1) a, c, e.
2) Nenhuma das alternativas anteriores se encaixa no que pede o
enunciado da questão. Ou seja, nenhuma das concepções de Filosofia,
filósofo e filosofar apresentadas nesta questão coincidem exatamente
com o significado etimológico de Filosofia.
3)
a) Durante minha formação, procurei cultivar o hábito de estudar o
conteúdo antes e depois do professor lecioná-lo. Fazia isso mesmo
sem orientação explícita do professor, pois determinei para mim
mesmo uma rotina que contribuísse para qualificar minha formação,
preparando-me previamente para explicações de conteúdos complexos
ou consolidando a compreensão do conteúdo por meio de exercícios
relativos aos conteúdos explanados ou construindo uma pequena
síntese dos conteúdos abordados. A autonomia evidenciada está
vinculada à capacidade de procurar fortalecer minha formação,
independente da orientação docente.
b) Antes de frequentar um Curso Superior, procurei refletir sobre mim,
sobre minhas dificuldades e predileções. Reconheci dificuldades para
lidar com sangue e com cálculos abstratos, o que impeliu a distanciar-
me, respectivamente, da área da Saúde e da área de Exatas. Reconheci
que quero aprofundar meu conhecimento acerca do mundo, que gosto
de debater conteúdos e que o Curso de Filosofia pode contribuir para
ampliar a compreensão que hoje tenho. A reflexão evidenciada está
vinculada à capacidade de procurar reconhecer as dificuldades e as
peculiaridades pertinentes a mim mesmo, ao meu perfil.
c) Em determinado momento de minha vida, em função de meu
relacionamento com minha namorada, ponderamos sobre o casamento.
Avaliamos uma série de responsabilidades, como ter que: trabalhar para
pagar o aluguel, a luz, a água etc.; limpar a casa e procurar mantê-la
limpa; fazer compras relativas à alimentação e preparar as refeições etc.
Por outro lado, avaliamos quão prazerosa seria a convivência amorosa,
amadurecer sonhos, sonhar coisas novas e procurar lutar juntos por
um dia cada vez melhor. Enfim, nossa decisão tornou-se realidade ao
nos casarmos. A crítica evidenciada está vinculada à capacidade de
Universidade do Sul de Santa Catarina

ponderar sobre responsabilidades inerentes e, concomitante, avaliar as


contribuições e prazeres que o casamento poderia trazer e trouxe.
d) Ao passar à tarde com meu sobrinho percebi seu desinteresse por
brinquedos já utilizados, como carrinhos de ferro. Meu sobrinho
expressou gostar de carrinhos, mas que já estava cansado daqueles
modelos. Perguntei se ele não teria interesse em ‘fabricar’ um carinho.
Seus olhos brilharam e ele afirmou que sim. Orientei que, antes da
fabricação, seria preciso planejar o carrinho. Assim, meu sobrinho
escolheu o tamanho, as cores e o material (reciclável) que poderíamos
utilizar. Após a construção, o teste foi positivo, pois o carrinho manteve-
se estável durante toda a tarde. A criatividade evidenciada está
vinculada à capacidade de inventar algo inédito, até então inexistente.

UNIDADE 2
1)
V
I VIII P R E M I S S A S
L N
Ó III T
II G R É C I A I
I R G
C IV R A C I O C Í N I O
A S
T
Ó
T
E VII
L P IX
E R XII C
VI S I L O G I S M O
P N N
O D C
S U L
I T U
Ç I S
XV Ã V Ã
P XI D E D U T I V O O O XIII
A F
X R E L A Ç Ã O D E C O N S E Q U Ê N C I A
A L
XVI D I L E M A Á
O C
X I
O XIV S O F I S M A

226
Filosofia

2) a, c, d, e, h, i, j.
3)
a) D b) I c) D d) I
4)

a)
Todo aquele que planta árvores cultiva e preserva o meio ambiente.
Eu plantei 20 árvores frutíferas.
Logo, eu cultivo e preservo o meio ambiente
b)
Todo ser humano é sujeito de direitos fundamentais.
Você é um ser humano.
Logo, você é sujeito de direitos fundamentais.
c)
Um amigo meu, após ingerir bebida alcoólica, correu e bateu o carro,
vindo a falecer.
Uma vizinha, após ingerir bebida alcoólica, conduziu um veículo, mas
capotou o carro e morreu.
Logo, a ingestão de bebida alcoólica aliada à direção imediata pode
causar a morte.
d)
Pessoas que fumam cigarro de marca ‘W’ tiveram câncer no pulmão ou
na boca.
Pessoas que fumam cigarro de marca ‘X’ tiveram enfisema pulmonar ou
impotência sexual.
Logo, fumar causa mal a saúde.

UNIDADE 3
a) Você deve observar que na primeira afirmação o conhecimento
é resultado da vivência e está relacionado com a tradição, com o
ensinamento dos antigos. Neste caso, o conhecimento incorpora,
em parte, as crendices populares, a autoridade e a tradição. Essa
afirmação pode ter sido feita por um homem do senso comum. Na
segunda afirmação, o conhecimento é resultado de uma investigação
consciente e metódica. O objetivo principal desse conhecimento
não é resolver os problemas simples do cotidiano, mas compreender

227
Universidade do Sul de Santa Catarina

e explicar a realidade. Essa afirmação pode ter sido feita por um


cientista. Na terceira afirmação, o conhecimento é revelado ao homem,
provavelmente por um ser divino que “ilumina a alma”. Essa afirmação
pode ter sido feita por um religioso.
b) A Filosofia se caracteriza por ser um conhecimento independente de
qualquer objetivo que não seja o de refletir. Não tem a finalidade de
explicar dogmaticamente os problemas cotidianos, existenciais do
homem, a natureza - assim como não depende de prova. A Filosofia
não se conforma com as respostas já dadas, com o óbvio, mas, pelo
contrário, ela julga, questiona e procura ampliar a visão de mundo,
problematizando e respondendo constantemente sobre a realidade.
Portanto, não se limita à crítica, mas propõe algo novo. Retomando
a frase “O verdadeiro filósofo não se contenta em evidenciar os
‘equívocos’, e então propõe evidenciar ‘acertos’, uma solução”.
c) Diferentemente do conhecimento de senso comum, a Filosofia,
comumente, rejeita as explicações míticas, não tem a finalidade de
solucionar decisivamente os problemas práticos do homem e não está
presa a uma experiência particular, mas busca alargar a compreensão
da realidade, de modo universal. Diferentemente da ciência, a
Filosofia não depende da prova como critério de verdade. A Filosofia
também não é cumulativa, ou seja, enquanto é possível observar certo
progresso no conhecimento científico, na Filosofia as clássicas questões
nunca têm uma resposta definitiva e são sempre retomadas por
diversos filósofos em tempos e espaços diversos.
2)
a) A resposta desta questão implica reconhecer responsáveis pelo
lançamento de bombas atômicas e mortes decorrentes. Nesse sentido,
cabe responsabilizar os cientistas, os pilotos, e ou o presidente referido.
Ou seja, cabe posicionar-se acerca da responsabilidade de cada um dos
envolvidos e mesmo de todos. Contudo, responsabilizar os cientistas
implica reconhecer que eles construíram as bombas; responsabilizar
o presidente implica reconhecer que ele ordenou o uso das bombas;
responsabilizar os pilotos implica reconhecer que eles lançaram as
bombas.
b) De modo geral, acredita-se que os cientistas, quando estão fazendo
pesquisa, não têm outro interesse que o de conhecer a realidade
e inventar tecnologias. Por isso, não se imagina, a princípio, que
eles podem ser responsabilizados pela aplicação do conhecimento
produzido e pelas consequências que suas descobertas e invenções
provocam. Esse, provavelmente, é o raciocínio das crianças citadas no
exercício, assim como também é o raciocínio do homem comum, a
menos que reflitam profundamente sobre a polêmica questão ética
que envolve o conhecimento científico.

228
Filosofia

UNIDADE 4

1) Parmênides assume uma posição que é possível denominar de


racionalista. Ele transfere a lógica das ideias para a realidade concreta e
constata que essa não segue, necessariamente, a lógica, pois é instável.
Então, ele opta pela evidência lógica dos conceitos em detrimento das
coisas concretas como fonte de conhecimento. Para ele o ser é estável,
imóvel. Já Heráclito assume uma posição mais empirista e afirma que
o ser é dinâmico, móvel. Toda a realidade, na verdade, é um constante
“vir-a-ser”, pois está mudando continuamente.
2) Uma das linhas de continuidade entre o pensamento destes três
filósofos é o reconhecimento da razão ou dos sentidos, na busca
por conceitos universais. Sócrates, aplicando a maiêutica, levava
seus interlocutores a argumentarem a fim de encontrar a verdade.
Sendo assim, eles buscavam a verdade nos conceitos. Além disso,
Sócrates evidenciava o erro das opiniões advindas das experiências
particulares em contraposição com as ideias universais. Platão reforça
essa teoria e separa completamente as coisas das ideias (separa então
o “mundo sensível” de um “mundo inteligível”) e, por conseguinte,
separa a razão dos sentidos, optando pela primeira, em detrimento do
segundo. Aristóteles, por sua vez, resgata a importância dos sentidos
na produção do conhecimento. Ele concorda com seus antecessores
na busca por conceitos universais, mas afirma, diferente deles, que
as ideias universais são abstraídas a partir das coisas concretas que
experimentamos.
3) Neste filme, é possível identificar a manipulação da fé pelos doutores
da Igreja medieval. Esses escondiam obras gregas que consideravam
ameaçadoras, provenientes de ideias de filósofos que pudessem
colocar em questão ou contradizer as verdades “reveladas”. A Igreja
também perseguia estudiosos que, por meio da argumentação lógica,
confrontavam as verdades dogmáticas da religião católica.

UNIDADE 5

1) A polêmica é relativa à necessidade que os pensadores modernos


sentiam de desenvolver um conhecimento livre dos dogmas cristãos
e da metafísica grega; de desenvolver um conhecimento útil para a
explicação objetiva da realidade, para a resolução dos problemas reais
e dos impasses que impediam o progresso da sociedade. Enquanto os
doutores da Igreja, ainda ameaçados pela possibilidade da negação
das escrituras sagradas, boicotavam sistematicamente as investidas
racionais e empíricas para conhecer a realidade.

229
Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Estas correntes de conhecimento se assemelham porque nem uma


nem outra negam completamente a relevância da razão e dos
sentidos na produção do conhecimento, e diferem no que se refere
ao estabelecimento de uma fonte para esse conhecimento. Enquanto
para o racionalismo, esta fonte é fundamentalmente a razão, para o
empirismo são os sentidos.
3) Kuhn ocupou-se, entre outras coisas, com a questão do progresso
científico, negando o progresso linear e afirmando um progresso por
saltos que ocorrem por meio das revoluções científicas. Também se
preocupou com a força da tradição e do controle do conhecimento
científico pela comunidade científica. Feyerabend preocupou-se,
especialmente, com as limitações e o direcionamento que a rigidez do
método e dos preceitos científicos produzem na atividade científica, e
com o controle que a comunidade científica exerce sobre o cientista.

UNIDADE 6

1) a, b, c, d.
2) a, b, c.
3) B.
4)
a) M. b) A. c) N.
5) É pertinente reconhecer a distinção entre a Ética e a moral; a relevância
da Ética para a humanidade, para nossa sociedade, para nossa família e
mesmo para você. Também é viável reconhecer que a moral não é fixa,
mas relativa em função das épocas, sociedades e culturas; além disso, a
moral sempre esteve presente em nossas vidas, pois fomos educados (e
vivemos) em função de uma concepção moral. É pertinente reconhecer
como é fundamental o pensar, de modo refletido, autônomo, crítico
e criativo acerca dos comportamentos morais que fazem parte de
sua vida, ou seja, que você precisa continuamente refletir sobre que
comportamento moral deve ser praticado ou não.

UNIDADE 7

1)
A ética de Aristóteles considera fundamental a escolha racional e
o hábito como fundamentais para cultivar a virtude. Tal prática da

230
Filosofia

virtude é consequência de nossa disposição autônoma em detrimento


das nossas inclinações, paixões ou desejos. A virtude consiste,
propriamente, na ação moral que considera o justo-meio como um
equilíbrio entre dois vícios extremos. Tais vícios são marcados pela
radicalidade da ação, seja pela falta ou pelo excesso. A prática da
virtude tem sempre um fim, que representa um bem para o próprio
indivíduo, e o bem mais alto que podemos almejar é encontrar a
felicidade.

P A S E D A S D I S A B E M T U T J T
R I U Q A R I D S E M A C A V E Ó U R
A R E R C I D S E M A I V B R O N S S
F A T L U S S A X A R P E R I O N T N
V F E F I T A Í R É T I C A R A R O R
Í I R E Z Ó Q T Ó N E R R S I S T M E
C M N L S T A M Z G E J E T R E J E A
I O X I T E C Z V I R T U D E C A I D
O Q R C T L E R A S D E F G H I J O A
M Ã L I M E R A R R Ô H Á B I T O T P
E I T D A S M U I O I M S B O C R I E
R E R A S K C L R R P R A T P A V N S
Z A Á D A L B R É N Z E S X S U S E A
S A N E S C O L H A R A C I O N A L A
I S S R I T N E M A I R A T P U T H P
E D I S P O S I Ç Ã O A U T Ô N O M A

2) D.
3) B.
4)
A) Para Mill, a felicidade representa a finalidade da ação e a utilidade é o
critério para distinguir as ações corretas das ações incorretas.
B) Para Mill, a ação moral também depende do cultivo da virtude.
5)
a) M. b) A. c) K. d) M. e) A. f) K.
6) É pertinente reconhecer que cada ética estudada, seja de Aristóteles,
de Kant ou de Mill oferecem-nos critérios e parâmetros acerca do agir
refletido, possibilitando ser melhor, ter um comportamento moral
cada vez mais aprovável. Cada uma dessas três éticas é suficiente para

231
Universidade do Sul de Santa Catarina

orientar o comportamento moral do sujeito. Outras éticas, ou mesmo


éticas alternativas às já existentes, têm potencial para orientar o
comportamento moral dos indivíduos. É preciso reconhecer também a
relevância do próprio sujeito ético, à medida que é capaz de pensar por
si próprio, de modo autônomo, responsabilizando-se por sua atividade
ou passividade diante dos fatos, mesmo que apoiado previamente em
éticas – com o intuito de ser, tanto quanto possível, cada vez melhor.

UNIDADE 8

1) D) IV, III, I, II.


2) D) V, III, IV, II, I.
3) C) III, IV, I, II.
4) B) IV, III, II, I.

232
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