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Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina ISSN 2177-9503

“Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro” 10 a 13/09/2013

GT 10. Teoria política marxista

A concepção de filosofia entre


Marx e Marcuse: o caminho para
a teoria crítica
Vivian Batista Gombi
Resumo: Pretendo investigar a influência exercida por Marx na articulação entre filosofia
e teoria crítica em Marcuse. Para isso, busco encontrar qual o consonância entre os dois
autores no que diz respeito à concepção de filosofia. Marx expressa uma concepção
filosófica peculiar, sobretudo em Introdução à crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843),
com sua ideia de “realização da filosofia”. Examino essa ideia na medida em que é
constitutiva para a construção do projeto teórico-crítico marcuseano. Em ensaios como
Filosofia e Teoria Crítica (1937) e The Concept of Essence (1936), Marcuse articula seu projeto
de teoria crítica da sociedade aos desdobramentos políticos dos conteúdos filosóficos.
Para ele, o conteúdo metafísico da filosofia trai sua condição de afastamento do real ao
realizar uma denúncia histórica. Por isso, apesar de suas limitações, o marxismo não deve
abandonar a filosofia. Antes, deve dispor dela, interpretando-a criticamente por um viés
histórico-materialista.
Palavras-chave: Marcuse; Marx; Teoria Crítica; Filosofia.

A articulação entre teoria crítica e marxismo em Marcuse

Ora, estou empretecendo demais as faltas do homem qualquer que presumo ser (não
tão qualquer, afinal: tenho meus privilégios de pequeno-burguês, e quem disse que
abro mão deles?). Devo alegar atenuantes em minha defesa. Não nasci
descompromissado com o mundo tal qual é, em seu aspecto rebarbativo. Deram-me
genes tais e quais, prefixaram-me condições de raça e meio social, prepararam-me
setorialmente para ocupar certa posição na prateleira da vida. Meus ímpetos de
inconformismo são traições a esse ser anterior e modelado, em que me invisto.
Donde concluo que preciso reformar-me, antes de reformar os outros. (Carlos
Drummond de Andrade)

Drummond fala de uma traição cometida por seu inconformismo em relação a seu ser
modelado por suas condições histórico-sociais. Neste caso, a traição se aproxima do protesto,
da luta por um novo que entra em conflito com o que está dado. De modo semelhante,


Mestranda em Filosofia na Universidade Estadual de Maringá – UEM – vickgombi@hotmail.com

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Marcuse desenvolve uma interpretação de filosofia estabelecendo essa ligação entre a traição
e o protesto. Procuro mostrar aqui como essa concepção de filosofia, entendida em sua
relação com a teoria crítica, assume essa ação de traição em relação ao conteúdo metafísico da
filosofia. Para tanto, investigo a aproximação do significado de filosofia em Marx do
significado dado por Marcuse, demonstrando, assim, a influência marxiana de Marcuse ao
desenvolver seu projeto de teoria crítica.
Em seus ensaios produzidos na década de 19301, Marcuse expressa a influência
exercida pela teoria marxiana ao se encontrar com as idéias de Marx, sobretudo após a leitura
do recém-publicado Manuscritos econômico-filosóficos (1844). Marcado pelo contexto
histórico deste período, Marcuse assistiu a ascensão de Hitler ao poder. Não sendo apenas
forçado ao exílio, a realidade também o forçou a refletir sobre a derrota do pensamento
marxista frente ao fascismo. Desafiado, Marcuse produziu contribuições para a renovação do
pensamento de Marx, demonstrando a importância em dar vitalidade para uma teoria
vinculada essencialmente a vicissitudes históricas. Longe de adotar Marx como ortodoxia ou
doutrina e sem abrir mão de sua formação filosófica, o filósofo buscou entender e aproveitar
os elementos da dialética para refletir sobre as relações entre filosofia e vida social.
Em seu ensaio Filosofia e Teoria Crítica (1937), Marcuse caracteriza a teoria crítica2
da sociedade como uma teoria econômica que reconhece nas relações sociais de produção a
chave para o esclarecimento da totalidade do mundo humano. A teoria de Marx foi decisiva
na história da filosofia para essa compreensão ao fundamentar a teoria social em uma crítica a
economia política. Por isso, para Marcuse, a teoria crítica se inicia a partir dos anos 30 e 40
do século XIX com os escritos de juventude de Karl Marx, quando este constrói sua crítica a
filosofia de Hegel. Nesse processo de crítica, não apenas lança as bases para sua compreensão
própria de dialética, mas com isso também revela as limitações da filosofia para pensar o real.
Ao ver as relações econômicas como responsáveis pelo mundo, Marcuse entende a
teoria crítica iniciada por Marx como uma teoria econômica, não podendo se reduzir a
conceitos filosóficos. Ainda que ressalte sua orientação materialista, a teoria crítica não se
coloca como um sistema filosófico contra outro sistema filosófico. Antes, diz Marcuse (1997,
p. 138), “a teoria da sociedade é um sistema econômico, não filosófico”. Neste âmbito,
podemos formular a seguinte pergunta: se seu fundamento é tão material então porque a teoria

1
Marcuse inicia sua participação no Instituto de Pesquisa Social em 1933. Fugido de Frankfurt, trabalha em sua
filial em Genebra depois da ascensão de Hitler ao poder.
2
A teoria crítica da sociedade foi um projeto teórico do Instituto de Pesquisa Social - inaugurado por
Horkheimer em 1937 -, e baseava-se na interdisciplinaridade das diversas ciências tendo como ponto de
articulação a filosofia.

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crítica se iniciou formulando uma crítica à filosofia do idealismo alemão, ou seja, voltando-se
para uma teoria abstrata? Em outras palavras, qual a importância e o significado de Marx ter
se voltado para a filosofia idealista alemã no processo de desenvolvimento do seu projeto de
crítica à economia política?

Marx e a filosofia

Marx inicia sua crítica ao existente através de uma crítica à filosofia idealista alemã
haja vista o descompasso entre essa forma de razão e as condições reais da Alemanha. Mesmo
que a filosofia idealista alemã fosse uma forma avançada da consciência, ela não conseguia
alterar o atraso social no qual se encontravam essas consciências. Ao investigar os motivos
para isso, Marx percebe que o caráter idealista das construções filosóficas é resultado de um
pensamento alienado que inverte as relações reais. Qual a origem dessa inversão? O laço entre
filosofia e política, entre história e teoria social, entre ideologia e produção intelectual. As
produções teóricas têm um fundamento historicamente específico que as determinam,
constituindo-as como expressões ideológicas destas formas históricas.
Sobre essa relação entre filosofia e política, Marx apresenta seu projeto de realização
da filosofia em sua Introdução à crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843). Esta
realização da filosofia é entendida como a crítica3 da ordem social e, principalmente, a
transformação desta ordem. Nesse sentido, cabem algumas considerações de Marx, no texto
de 1843, sobre o sentido de crítica:

(...) a crítica não configura uma paixão do cérebro e sim o cérebro da paixão. Não é
um bisturi anatômico e sim uma arma. O seu alvo é o seu inimigo, que ela ao deseja
contestar e sim aniquilar. Porque o espírito dessas condições está contestado. Elas
não são em si mesmas objetos memoráveis, e sem existências tão desprezíveis
quanto desprezadas. A crítica em si não necessita elucidar esse objeto, pois já o
apurou. Ela já não se apresenta como fim em si mesmo, e sim como mero
expediente. A sua paixão essencial é a indignação, a sua empreitada essencial é a
denúncia. (MARX, 2010, p. 34)

Ora, a denúncia que a crítica realiza não se configura apenas como refutações ao
objeto criticado. Antes, ela se torna um instrumento de batalha para o fim dessa situação. Uma
arma para o aniquilamento. A indignação, então, não se remete a mera reclamação, mas sim a
um caráter radical da crítica. Por isso, quando Marx diz que o pensamento não deve resultar
somente em contestação, ressalta, assim, seu nexo com a práxis. Nesta configuração de

3
Eis a noção de teoria crítica que Marcuse enxerga em Marx: a crítica que mede os possíveis do real, mas os
mede para intervir nesse real.

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“crítica” do seu texto de 1843, vemos Marx aproximar decisivamente filosofia e realidade. Ao
colocar a crítica contra as ilusões de uma situação em função da construção de uma situação
que careça de ilusões, Marx fala da tarefa da filosofia. Cito:

Portanto, é tarefa da história estabelecer a verdade deste nosso mundo, uma vez que
o além da verdade se esvaneceu. De imediato, e uma vez desmascarada a figura
sagrada da autoalienação humana, é tarefa da filosofia, que está a serviço da história,
desmascarar a autoalienação em suas formas profanas. (MARX, 2010, p. 31)

Com efeito, a tarefa da filosofia não pode ser compreendida sem a concepção
materialista da história de Marx. As categorias filosóficas, para ele, são inerentemente
históricas e, por isso, sujeitas a determinações objetivas materiais. Dessa forma, as produções
teóricas carregam funções ideológicas que as caracterizam em conformidade a interesses
sociais precisos, ainda que nem sempre tenham consciência dessas funções. O que não retira a
importância da filosofia. Ligada a esse sentido de crítica radical, a filosofia não apenas é
condicionada historicamente, como também pode auxiliar no processo de transformação
histórica no sentido de emancipar o homem. Distinguindo-se demasiadamente de uma
concepção tradicional da filosofia.
A tradição filosófica não caminha pelos trilhos da superação do real. Ao se pautar na
construção de conceitos atemporais, em nome da necessidade da universalidade, acaba por
desenvolver uma função ideológica precisa de mistificar a conflitualidade real do campo
social. Com a desqualificação da dimensão histórica, a filosofia transforma as contraditórias
relações humanas historicamente determinadas em postulados formais universalmente
válidos. Excluindo, assim, “a priori a possibilidade de situar as instituições sociais dominantes
no horizonte dinâmico de suas necessárias superações finais” (MÉSZÁROS, 2011, p.33).
O exame do caráter crítico das produções teóricas realizado por Marx não se volta
apenas contra Hegel, mas também contra os clássicos da economia política em geral. Estes
viam condições elementares da vida social em uma forma histórica dada, cristalizando um
momento histórico que deveria ser superado como um aspecto indelével da condição humana.
Dessa forma, ao tentarem deduzir a estrutura social do “espírito”, Marx acredita que os
filósofos tomam o resultado histórico como ponto de partida, cometendo uma inversão
teórica. Daí a famosa caracterização de que Hegel colocou a dialética de cabeça para baixo.
Ao escrever o preceito de que “é impossível abolir a filosofia sem efetivá-la” (2010, p.
41), Marx projeta uma “reciprocidade de ação” entre filosofia e mundo, chamado por Löwy
de “ideia-chave” dos seus escritos de juventude: a ação ‘teórico - pratica’ da filosofia e seu

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‘vir a ser mundo’. De acordo com Löwy, a filosofia de Marx “considera seu papel – o papel
do filósofo crítico – a explicação aos homens do sentido de suas próprias lutas, e não a
invenção de novos ‘princípios’” (LÖWY, 2012, p.82). Aproximando o que o homem é
daquilo que ele pode ser, a razão - categoria fundamental do pensamento filosófico - liga a
filosofia ao destino dos homens. Sendo assim, realizar a filosofia não é só criticar a ordem
social, mas, principalmente, utilizar a razão para transformá-la através de uma crítica radical.
Pois, como bem nos lembra Marx, “a história é meticulosa e passa por muitas etapas ao
sepultar um personagem antigo” (2010, p. 37).
No que concerne ao laço entre história e teoria, Marx não cai num determinismo
histórico insuperável no sentindo de um fatalismo. Não é por seu condicionamento histórico
que o homem, sua teoria e sua ação estejam fadadas a essa situação. Pelo contrário, crítico da
resignação idealista, Marx compreende a filosofia em seu potencial transformador, enquanto
serva da história. A história não está acabada, mas sim constantemente sendo feita. Então,
existe a possibilidade de superação dessa forma histórica e de suas manifestações ideológicas.
Entretanto, esse aspecto ativo da relação entre indivíduo e história não pode ser ingenuamente
compreendido. Para esse potencial ser efetivo, deve ser muito bem dimensionado. Na esteira
dessa construção, ao identificar a natureza ideológica das teorias, Marx não as desconsidera,
mas sim as requalificam. Vejamos sua caracterização dessas qualidades.
Nos primeiros momentos de sua crítica a Hegel, Marx demonstra a influência sofrida
pela filosofia de Feuerbach quando denuncia o logicismo abstrato hegeliano: as categorias de
seu pensamento viram as costas para a vida social ao desconsiderar a realidade dos seres
particulares. A teoria hegeliana procura reconciliar o universal e o particular de maneira
abstrata ao diluir os seres particulares no ser universal. A fabricação da harmonia dos
conflitos entre os interesses particulares da sociedade civil e os fins pretensamente traduzidos
no Estado construídos pela lógica de Hegel esvazia a verdade da realidade. Eis o divórcio
entre conceito e realidade praticado pelo idealismo com sua mistificação ao fazer do
pensamento o criador do real. Apesar da influência de Feuerbach, a crítica ao esvaziamento
dos conceitos hegelianos enquanto armadilha do pensamento idealista não afasta Marx
completamente de Hegel, como acentua Celso Frederico:

(...) ao propor como caminho de pesquisa a descoberta da ‘lógica da coisa’, afasta-se


de Feuerbach para quem a verdade é sinônimo de revelação que se descortina à
experiência imediata. O caráter mediado da verdade – a ser descoberta no
autodesenvolvimento da ‘coisa’ – de novo reaproxima Marx de Hegel e anuncia a
posterior disposição de estender a dialética do campo abstrato do pensamento lógico
para o coração da matéria social. (FREDERICO, 1995, p. 60)

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Vemos a crítica ao materialismo quando o próprio Marx acentua que:

(...) o principal defeito de todo materialismo existente até agora (o de Feuerbach


incluído) é que o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a
forma de objeto [Objekt] ou da contemplação, mas não como atividade humana
sensível, como prática; não subjetivamente. Daí o lado ativo, em oposição ao
materialismo, [ter sido] abstratamente desenvolvido pelo idealismo – que,
naturalmente, não conhece a atividade real, sensível como tal. (MARX, 2011, p.
533)

Percebendo as limitações da perspectiva “imediatista” do materialismo feuerbachiano,


Marx demonstra seu cuidado com o materialismo vulgar ao notar suas deficiências para o
processo do conhecimento. Os materialistas tendiam a entender o processo da formação da
consciência como um processo mecânico, vendo os homens como meros produtos do meio.
Para Marx, os indivíduos devem sim ser compreendidos dentro do quadro da vida social,
entretanto, essa vida social deve ser compreendida como eminentemente prática.
Considerando esse caráter ativo, “dentro dos limites estabelecidos pelas circunstâncias que
lhes são impostas, os homens estão sempre produzindo as circunstâncias novas que lhes
convêm” (KONDER, 1999, p.51-52). Nesse sentido, no trecho citado acima, que Marx
caracteriza o materialismo como contemplativo, pois tomam a existência do homem no
mundo como uma situação de contemplação ao invés de sua relação de constante intervenção
ativa.
Esse percurso crítico de renúncia e apropriação - ora de Feuerbach, ora de Hegel –
testemunha sobre o afastamento da teoria de Marx do terreno filosófico tradicional, tendo em
vista que o conhecimento do real não consiste em uma opção entre o idealismo ou o
materialismo, nem se satisfaz meramente no plano conceitual. A fim de melhor entender essa
polarização das construções especulativas, cito Vaisman:

Resumidamente, o construto muda simplesmente de lugar: antecede ou sucede o


golpe de vista que se dirige ao mundo; dá sentido à entificação antes ou depois de
tocá-la. Mas é sempre a razão a doadora de significação a um mundo,
imanentemente carente de sentido. Condição mesma de existência de sentido, no
primeiro caso; aproximação genérica, emulsão significativa em meio a um campo
homogeneizado, no segundo, ambos tomam a operação mental como constituinte de
sentido, divergindo entre si na forma e na extensão com que tudo se realiza.
Diferença importante, mas radicalmente diversa daquela que opõe ambas à posição
marxiana: a razão descobre, reproduz – “na forma única pela qual a cabeça é capaz
de fazê-lo” pelo conceito o sentido das coisas. Para Marx, contudo, as coisas do
mundo humano têm elas mesmas um sentido imanente; portanto, o método aqui tem
a função de buscar e captar esse sentido. A razão, em contrapartida, entendida como
uma figura histórica e socialmente constituída, reproduz esse mesmo sentido. É, por
isso, reprodutora de sentido, e nunca sua usina originária, como ocorre, na

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atualidade, em que se vive no interior de um verdadeiro imperialismo da


subjetividade. O objeto que é passado, conquanto concreto, a uma forma de
pensamento, ou seja, não é o pensamento que dá forma ao objeto, recortando-o na
pletora caótica do mundo fenomênico. (VAISMAN, 2006, p.329)

Dessa forma, a concepção materialista de Marx não significa o abandono da


capacidade humana de abstrair do imediato para a formulação teórica, mas nem por isso
desconsidera a verdade da realidade da vida social concreta. A compreensão marxiana de
razão nos atenta para sua elaboração de objetividade em seu nexo com o processo histórico
real. A teoria é colocada em outra relação com a história, concebida em seu impacto potencial
dentro de um quadro coerente de determinações. Marx se esforça em compreender as
complexas interconexões dialéticas da contrariedade objetiva do real. Para isso, desenvolve
uma racionalidade dinâmica que alcance a efetividade sempre em desdobramento, fugindo de
princípios formais que tornem estático o trabalho racional.
A preocupação de Marx com a operação racional ajuda a esclarecer que sua crítica à
filosofia não se trata de um descarte da mesma, mas sim o abandono de sua dissociação com
as condições materiais. Portanto, a dialética materialista de Marx investe em uma teoria que
procura a subversão prática de seu formalismo, fugindo de seu determinismo ideológico para
realizar de fato o poder do pensamento.
Nesse sentido, Marx critica a filosofia independente e auto-orientada. Seu privilégio
ilusório foi formado pela contradição da divisão do trabalho4. Apropriando indevidamente a
universalidade, o filósofo não compreende sua consciência enquanto consciência da práxis
existente. Emancipando-a do mundo, passa a construir teorias “puras”. Entretanto, a
universalidade está ligada ao destino da história humana. Nesse sentido, o tema da “realização
da filosofia” não se trata de uma mera “retórica juvenil” na teoria marxiana. Sobre isto,
Mészáros salienta que:

(...) o problema da universalidade, apesar de percebido, de início, de uma forma


fictícia na filosofia, não foi simplesmente um desvio da filosofia especulativa, mas
sim uma questão real relacionada de modo vital com a vida de cada indivíduo
isolado; agora é diretamente ligado à história universal no seu desdobramento
efetivo (MÉSZÁROS, 2008, p. 95)

Sobre a importância da universalidade para a dialética, Mészáros enfatiza que:

(...) a lógica interna de qualquer campo particular de estudo aponta para além de sua
própria parcialidade e pede para ser inserida em contextos cada vez maiores, até que

4
Marx trata mais sobre essa contradição em sua obra A Ideologia Alemã. Abordagem esta que transcende os
limites desse trabalho.

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seja alcançado um ponto onde a série completa das interconexões dialéticas com o
todo esteja estabelecida adequadamente. E a filosofia é, em último caso, nada mais
do que uma estrutura completa de tais conexões, sem as quais a análise de áreas
particulares está fadada a permanecer fragmentária e irremediavelmente unilateral.
(MÉSZÁROS, 2008, p. 93)

Como é possível perceber, Marx reserva um papel vital à filosofia no processo de


autoemancipação humana. Entretanto, ela só desempenhará esse papel ao se emancipar de
suas próprias mistificações através de uma concepção materialista da história. Sintonizando-
se à dinâmica histórica do ser social, a filosofia abandona sua onipotência ao integrar a
totalidade da práxis social.

Marcuse e a filosofia como traição

A construção de uma teoria da sociedade sobre bases materialistas demanda que


orientemos a razão não só para a preocupação com a felicidade humana – como
tradicionalmente e idealisticamente a filosofia fez -, mas principalmente para o
reconhecimento de que, para obtermos essa felicidade, temos que transformar as relações
materiais de existência contidas no econômico. Sendo assim, a razão deve se ocupar com a
organização social dessas relações materiais, políticas e econômicas da vida humana. Temos,
então, a necessária relação entre filosofia e teoria crítica pensada por Marcuse. Vejamos o que
Marcuse diz sobre essa relação:

O debate da teoria crítica com a filosofia está interessado no conteúdo de verdade


dos conceitos e problemas filosóficos: pressupõe que a verdade esteja efetivamente
contida neles. (...) Sem dúvida, mesmo as categorias filosóficas superiores estão
relacionadas aos fatos sociais, e também com aquele fato universal, que o conflito
entre homem e natureza não seja dirigido pelos homens, enquanto sujeito livre, mas
sim consumado numa sociedade de classes. (...) muitos conceitos filosóficos são
simples “apresentações nebulosas”, resultantes do domínio da economia não-
controlada sobre a existência e, como tal, tem de ser exatamente esclarecida a partir
das relações materiais de vida. No entanto, em suas formas históricas a filosofia
contém também intelecções sobre as relações objetivas e humanas cuja verdade
aponta para além da sociedade atual e assim também não é completamente
esclarecida a partir dela. (...) A verdade, que se conhece na filosofia, não é reduzida
às relações sociais existentes. (...) a verdade, que é mais do que uma verdade dos
fatos, foi alcançada e compreendida contra as relações históricas existentes; ela está
submetida, sem dúvida, a esse condicionamento negativo. (MARCUSE, 1997, p.
142)

A teoria crítica de Marcuse ressalta a necessidade em interpretar de maneira crítica a


transformação histórica da filosofia. O filósofo desenvolve uma proposta metodológica de
uma apreensão dialética e materialista da história das ideias. Parte desse empreendimento foi

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realizado em seu ensaio chamado The Concept of Essence (1936), no qual Marcuse interpreta
as formulações de alguns conceitos filosóficos de essência em sua tensão crítica com a
experiência histórica da humanidade, passando por Platão, Descartes, a fenomenologia, o
positivismo, Hegel e Marx. Chamo a atenção para uma passagem específica deste ensaio na
qual Marcuse fala de uma traição realizada pelo conteúdo metafísico em sua relação com a
realidade. Cito:

(…) even these loftiest conceptions of philosophy are subject to historical


development. It is not so much their content as it is their position and function
within philosophical systems changes. Once this is seen, it becomes clear that these
very concepts provide a clearer indication of the historical transformation of
philosophy than those whose contents are closer to facticity. Their metaphysical
character betrays more than it conceals.5 (MARCUSE, 1968, p. 43)

Por que Marcuse diz que o conceito de essência esconde menos do que trai? Para
responder a isso precisamos diferenciar melhor o que é esconder e trair. O primeiro se refere
ao caso em que temos por trás da evidência ou da aparência algo que não é imediatamente
apreendido, mas que nem por isso se contrapõe a esse imediato. Já no segundo, se dá um
desajuste em relação ao que estava antes estabelecido, uma contraposição ao dado. Portanto,
trair, ao invés de esconder, configura-se enquanto uma abordagem dialética dos conteúdos
filosóficos, possibilitando que eles sejam compreendidos de maneira integral através da
complementação por seu aspecto contraditório.
Nesse âmbito, podemos “salvar” a verdade presente nas concepções metafísicas
fundamentais, mostrando como somente de forma aparente essas categorias se distanciam da
realidade concreta, sendo na verdade fortemente determinadas pelas condições histórico-
sociais. Mesmo conceitos de um alto caráter metafísico devem ser interpretados em seus laços
com a realidade histórica dos homens. Aliás, Marcuse acredita que é justamente nesse teor
metafísico que podemos encontrar melhor o caráter contraditório de uma teoria, isto é, na
medida exata de sua traição.
Sendo assim, a dialética como fundamento metodológico permite a visualização
teórica deste caráter dúbio da história da filosofia, enriquecendo, desse modo, a filosofia na
interpretação de sua própria história. Dessa forma, o entendimento de qualquer corrente de
pensamento não está completo somente com a análise do seu desenvolvimento metodológico.

5
Tradução minha: “(...) mesmo essas concepções filosóficas tão sublimes estão sujeitas ao desenvolvimento
histórico. Não é tanto o seu conteúdo, mas sim sua posição e função dentro dos sistemas filosóficos que muda.
Uma vez isto visto, fica claro que esses muitos conceitos fornecem uma indicação mais clara da transformação
histórica da filosofia do que aqueles cujo conteúdo são mais próximos da faticidade. Seu caráter metafísico trai
mais do que esconde.”

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Sem sua dimensão histórica, caímos numa versão epistemológica formal que separa o reino da
faticidade do reino da essência.
A concepção dialética que nos permite essa compreensão só aparece sem distorções
com Marx. Hegel, ao desenvolver um construto puramente ideacional, compreende a razão
ainda de maneira afirmativa. Já Marx procura a racionalidade na realidade objetiva,
transferindo o trabalho da razão para a teoria e a prática social. Por isso, em The Concept of
Essence, ao ver uma evolução decisiva no conceito de essência entre Hegel e Marx, Marcuse
aponta para uma transformação essencial da filosofia e do seu caráter de verdade. Levado para
“outra direção”, o conceito dinâmico (dialético) de essência deixa de pertencer à teoria pura: a
preocupação com a prática histórica entra no lugar da preocupação com a certeza absoluta e
da validade universal do conhecimento. Dá-se, então, a passagem da filosofia para a teoria
social. O pensamento crítico assume outra forma. Com Marx, vemos surgir uma nova
compreensão de teoria, “o núcleo crítico do idealismo dialético é superado não só numa nova
teoria como também numa práxis social revolucionária” (SLATER, 1978, p.62).
Em Marx a doutrina da essência atinge suas conseqüências mais inovadoras, pois o
problema da relação entre essência e aparência é tomado como real. A dialética se afasta da
teoria abstrata através de sua exigência de verdade, constituindo a objetividade em sua “má
forma” vigente, de maneira “negativa”. Através do caráter negativo da realidade,
compreendem-se as objetividades sociais não em suas determinações absolutas, mas sim
enquanto resultantes da práxis humana. Assim, o julgamento da realidade, através da lógica
dialética, implica numa subversão da sua realidade imediata, numa contradição com o que é
dado.
O preceito marxiano da “realização da filosofia” passa a ser a pedra de toque para uma
nova relação com a filosofia. Por meio de um novo tratamento dos conceitos filosóficos
tradicionais podemos realizar o vínculo entre filosofia e teoria crítica. Desenvolvendo, então,
uma nova forma de conceituar que é não neutra, mas que ainda assim preserva a verdade, a
universalidade e a objetividade.
A abstratividade deve ser usada não no sentido de desviar nossos olhos para a ordem
estabelecida, e sim nos tornar capazes de olhar para um futuro possível para os homens. Desse
modo, a menosprezada relação entre filosofia e história ganha um novo significado, invisível
ao marxismo vulgar que, a partir da crítica de Marx ao idealismo especulativo, desconsidera a
importância da filosofia para o marxismo. Mészáros trata disso a seguir:

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O pronunciamento notável de Marx sobre a filosofia: “Os filósofis apenas


interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.” – é
frequentemente compreendido de maneira unilateral: como uma rejeição radical da
filosofia e um apelo para superá-la, “substituindo-a pelo socialismo científico”. O
que é desconsiderado em tais interpretações é que a ideia de Marx a respeito dessa
Aufhebung não indica meramente uma mudança teórica da filosofia para a ciência,
mas de fato um complexo programa prático, cuja realização subentende
necessariamente a unidade dialética entre “a arma da crítica” e “a crítica das armas”,
o que significa que a filosofia permanece como parte integrante da luta pela
emancipação. (MÉSZÁROS, 2008, p. 91)

O projeto da teoria crítica pensado por Marcuse inclui a filosofia, mas não se limita a
ela, o que condiz com o modo de Marx encarar a filosofia, valorizando de maneira
fundamental a sua busca pela categoria de universalidade – não em sua realização
especulativa. Opondo-se a filosofia tradicional6, idealista e burguesa, a filosofia articulada ao
marxismo ganha um novo significado dentro do projeto de Marcuse: a realização da teoria
crítica como uma teoria política da mudança social.

Considerações finais

O filósofo Herbert Marcuse desenvolve em seus ensaios de juventude um projeto de


teoria crítica como teoria política da mudança social. Distante do pessimismo sobre as
perspectivas da mudança social do frankfurtiano Theodor Adorno, Marcuse pretende construir
uma teoria da ação política no bojo do projeto de teoria crítica. Nessa construção, aproxima-se
da compreensão de filosofia desenvolvida pelo jovem Marx.
A concepção dialética da filosofia em sua tendência histórica, social e crítica em Marx
e Marcuse evidenciam elementos importantes, constantemente negligenciados ora pelos
marxistas, ora pela filosofia. Um exemplo desses elementos é a polêmica aproximação que
Marcuse estabelece entre verdade e engajamento, entre teoria e vida. Podemos observar este
vínculo quando Marcuse critica Heidegger. Sobre isto, cito Loureiro:

Para Marcuse, a busca de unidade entre teoria e prática gera, no plano individual,
uma exigência moral de coerência entre o pessoal e o político, duas esferas que
entendo como inseparáveis. É o que vemos, por exemplo, na correspondência com
Heidegger (1947-48), quando ele exige de seu antigo professor uma retratação (que
Heidegger se recusa a fazer) em virtude de seu apoio ao nazismo. Escreve Marcuse:
“Eu – e muitíssimos outros – o admiramos como filósofo e aprendemos muitíssimo
com o senhor. Mas não podemos separar Heidegger o filósofo e Heidegger o homem

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Em seu ensaio Sobre o Caráter Afirmativo da Cultura, Marcuse busca as origens dessa tradição idealista da
filosofia na história, analisando como o contexto histórico da Grécia Antiga determinou e originou a separação
entre idéia e vida material determinante para a tradição filosófica ocidental.

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“Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro” 10 a 13/09/2013

– essa separação contradiz sua própria filosofia” (GR, p. 42).” (LOUREIRO, 2005,
p. 10)

Em sua influência marxiana, Marcuse exige que nosso olhar para a filosofia não nos
desvie de também olharmos para a realidade. Ao transcender os limites tradicionais da
filosofia, Marcuse mostra os elementos filosóficos do marxismo ao mesmo tempo em que a
importância da crítica à economia política para a compreensão da totalidade social. Portanto,
quando em Filosofia e Teoria Crítica, Marcuse enfatiza a suplantação das categorias
filosóficas pelas econômicas, demonstra como se apropriar da discussão filosófica dos
escritos de juventude de Marx não significa desconsiderar sua evolução intelectual posterior.
Ou seja, retomar essa discussão de juventude não significa abrir mão de suas produções de
maturidade. Antes, significa chamar a atenção para que não se incorpore dogmaticamente as
críticas de Marx à filosofia sem perceber com cuidado a sua própria articulação filosófica.
No concernente a isso, para Marcuse, a descoberta da centralidade da crítica a
economia política não significa o abandono da crítica ao terreno cultural e filosófico.
Nesse sentido, a crítica a acepção burguesa da filosofia se vincula à crítica ao marxismo
porque certa compreensão de filosofia e de marxismo ameaça o sentido crítico da razão,
desvinculando teoria e história. A partir disso, o projeto de teoria crítica chama a atenção para
a importância da crítica ideológica. Na construção de uma teoria da mudança social não se
deve abandonar a ideologia – incluindo nela a filosofia -, pois existe nela um fundamento de
verdade. Com a articulação entre filosofia, marxismo e teoria crítica, busca-se o
esclarecimento do papel da crítica para a análise social, sem se esquecer que a crítica da
cultura é uma arma importante na luta pela emancipação que não pode ser desconsiderada.
Esse movimento nos importa porque a interpretação dialética da história da filosofia é
fulcral tanto para o marxismo, na construção de um aprendizado histórico da trajetória
humana; quanto para a filosofia, no sentido de melhor compreender sua prática e seu
significado social. E devemos contar com Marcuse para essa empreitada.

Bibliografia

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Paulo: Cortez, 1995.
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LOUREIRO, Isabel. “Herbert Marcuse – anticapitalismo e emancipação”. In:


Trans/Form/Ação, São Paulo, 28 (2): p. 7-20, 2005.
LÖWY, Michael. A teoria da revolução no jovem Marx. Trad. Anderson Gonçalves. São
Paulo: Boitempo, 2012.
MARCUSE, Herbert. “Sobre o Caráter Afirmativo da Cultura”. In: Cultura e Sociedade Vol.
I. Trad. Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 1997 e 1998.
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Trad. Robespierre de Oliveira. São Paulo, Paz e Terra, 1997, 1998 (2 vol.)
_________. “The Concept of Essence” In: Negations: Essays in critical theory. Trad. J.
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_________. Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução. Trad. Lúcia
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_________. Estrutura social e formas de consciência: a determinação social do método.
Trad. Luciana Pudenzi, Francisco Raul Cornejo, Paulo Cezar Castanheira. São Paulo:
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Janeiro: Zahar Editores, 1978.
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Nova Economia, Belo Horizonte: 16 (2), p. 327-341, maio-agosto de 2006.

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