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PentagramA

Revista bimestral d o Lectorium Rosicrucianum 2006 número 3

A Unidade do Mundo

A VERDADE É LUZ
A PEQUENA E A GRANDE REALIDADES
A UNIDADE DO MUNDO
DAG HAMMARSKJÖLD
A PULSAÇÃO DA TERRA
RESPOSTA À ERA DE AQUÁRIO
DESIDERATA
A VIA DO AMOR E DA UNIDADE
A ONIPOTÊNCIA
A CHAVE
CURRICULUM VITAE
PENTAGRAMA

A Unidade do Mundo SUMÁRIO

2 A VERDADE É LUZ
A unidade divina, da qual o ser humano
3 A PEQUENA E A GRANDE
é uma emanação, é, a despeito das circunstâncias,
REALIDADES

totalmente indivisível, mesmo fragmentada e


7 A UNIDADE DO MUNDO
dissimulada no interior do ser humano e da criação.
10 DAG HAMMARSKJÖLD

14 A PULSAÇÃO DA TERRA

17 RESPOSTA À ERA
DE AQUÁRIO

20 DESIDERATA

22 A VIA DO AMOR E
DA UNIDADE

24 A ONIPOTÊNCIA

30 A CHAVE

35 CURRICULUM VITAE

ANO 28 Nº 3
JUNHO 2006

Capa: Aquário, o portador de


água, reproduzido numa escultura
dinâmica em mármore da
Catedral de Canterbury.

À esquerda: detalhe da
ilustração da p.7.
A Verdade é Luz

“Seja você mesmo. Sobretudo, não finja afeições.


Não seja cínico sobre o amor, porque apesar de toda aridez
e desencanto, ele é tão perene quanto a relva.”

O buscador atual que se esforça para penetrar o mistério de sua existência e de


sua época pode apoiar-se nessas palavras extraídas de Desiderata, páginas 35-36.
Uma nova era se inicia. Atualmente parece que as superstições e o materia-
lismo de ontem tiveram sua época. As radiações intercósmicas aceleram a fre-
qüência do campo eletromagnético da terra e exercem poderosa atividade sobre
a condição humana.
Mas, ao lado da descoberta do declínio da civilização ocidental e de tudo
que é visivelmente funesto, não haveria nada a ser descoberto, interiormente,
de positivo e de espiritual? Não terá o homem aprendido a conhecer a si
mesmo? Não reconhece ele a dualidade de seu ser, por sua vez terrestre e divi-
no? Não reconhece ele as causas da complexidade das relações sociais? Ou
então tudo é relativo e cada qual deve contentar-se com sua própria verdade?
Não são todos os homens iguais, não têm eles ao menos a mesma liberdade de
expressão?
Tudo o que foi rejeitado e dissimulado vem à luz. As pessoas ficam choca-
das, os espíritos e os corações são tocados por grandes angústias e grandes
aspirações. Há, nisso, um aspecto positivo: a verdade se torna visível. Por
outro lado, o perigo da indiferença e até mesmo do cinismo despontam no
horizonte, pois, se tudo é relativo, então conduta, opinião e modo de vida são
arbitrários.
A Verdade é dura, mas liberta. Ela também é Luz. Quem não aceita que as
violentas emoções de seu ânimo o insensibilizem a ponto de impedi-lo, apesar
de seu ardente desejo, de harmonizar-se interiormente com o novo campo de
radiação, descobrirá a vida da alma. A partir daí sua existência evoluirá segun-
do o que foi previsto: ele estará pleno de aspirações interiores e as forças espi-
rituais construtivas restabelecerão seu microcosmo, enquanto sua consciência
reconhecerá cada vez mais clara a ligação entre ele e o Espírito divino.
Esperamos que este número da Pentagrama exponha alguns aspectos dessa
evolução apaixonante.

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A pequena e a grande realidades

A Escola Espiritual da Rosacruz Áurea fala da “matéria aparente” e da


“matéria essencial”, ou dizendo de outro modo, da pequena e da grande
realidades. A matéria aparente, ou pequena realidade, é tudo o que percebemos
com nossos cinco sentidos: a terra, as pedras, os minerais, os corpos dos animais
e dos seres humanos.

T odos os corpos celestes que obser- prudentes, podemos dizer que a tota-
vamos com nossos olhos ou graças aos lidade da matéria aparente representa,
meios técnicos – e em nossa época portanto, apenas um por cento de
sabemos que uns 400 bilhões de galá- toda matéria energética. Por conse-
xias povoam nosso Universo – fazem guinte, noventa e nove por cento dela
igualmente parte da pequena realida- permanece invisível para nós. Esse é
de. Aquilo que vemos ou acreditamos atualmente o ponto de vista da física
ver no interior do átomo é parte inte- moderna.
grante da matéria aparente, e sabemos No Evangelho Pistis Sophia, Valen-
que, segundo Einstein, a matéria é tino diz que o Universo inteiro, com
uma forma de energia. tudo o que existe e se manifesta, cons-
O Universo inteiro, desde os áto- titui apenas uma parcela da grande
mos até as galáxias, é feito de matéria realidade, a energia fundamental da
aparente e pertence, portanto, à pe- manifestação divina. A grande realida-
quena realidade. Isso é algo difícil de de é infinita. Porém, não conseguimos
imaginar. Os físicos ensinam que todo conceber o “infinito”. Nossa compre-
o Universo perceptível representa tão- ensão, nossa representação das coisas,
somente de um a quatro por cento da permanece limitada por definição. A ©
Foto
energia total de onde ele surgiu. Sendo palavra “representação” o diz bem. É Pentagrama

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preciso fazer as coisas aparecer diante a massa do sol é tão imensa que ultra-
de nós, dar-lhes uma certa dimensão, passa a soma da massa de todos os pla-
do contrário não é possível imaginá-las. netas 700 vezes. Na verdade, a lua en-
Como não temos condição de verda- cobre apenas dez milímetros de 1%
deiramente conceber o “infinito”, ele é do sol, e, contudo, ela pode fazê-lo
substituído, nos textos gnósticos, pela desaparecer completamente de nossa
expressão: “a grande realidade”. Um vista. Certamente o sol não é em ver-
véu cobre nosso entendimento. Con- dade obscurecido; ele continua a dar-
tudo, no mais profundo do coração, dejar seus raios, ele continua luzindo.
onde a radiação fundamental do mi- Trata-se apenas de uma questão de
crocosmo nos toca, encontra-se o co- ponto de vista. Uma minúscula por-
nhecimento intuitivo dos mistérios do ção de matéria como a da lua pode,
infinito. Nosso intelecto apenas pode portanto, tornar o sol – símbolo mate-
fazer uma vaga idéia dele, sempre com rial da grande realidade – invisível,
certa hesitação; mas, no coração existe visto da terra, mesmo que por um mo-
uma certeza, pois o alento da grande mento. Assim, a matéria aparente, que
realidade aflui para ele. é como um nada, encobre e obscurece
para nós a grande realidade divina
É uma questão de ponto de vista devido termos um ponto de vista e
ocuparmos certa posição. A Gnosis
Para uma melhor compreensão, designa esse fenômeno pela palavra
qualificamos a pequena realidade de “esquecimento”. É em conseqüência
realidade da matéria aparente, ou seja, deste “esquecimento” que a consciên-
suscetível de ser percebida. Embora cia humana gira ao redor de sua pró-
constituindo apenas um por cento da pria pessoa, de seu eu. Esse é um dos
realidade, ela é de tal modo preponde- aspectos da pequena realidade, da rea-
rante que para a maioria dos seres lidade “aparente”.
humanos nada existe além dela. Essa
realidade aparente nos cerca por todos Quanto tempo ainda,
os lados. A personalidade e sua apa- quantas vezes?
rência externa são partes integrantes
dela. É nessa realidade de um por cen- À noite contemplamos o imenso es-
to que temos nossas preocupações, paço que nos rodeia. Distinguimos uma
que firmamos nossas amizades e que parte da Via Láctea, com suas dimensões
nos comportamos; é nela que tenta- e distâncias colossais. Mas um peque-
mos equilibrar os momentos de stress no pedaço de matéria, uma simples poei-
e os momentos de calma que a nature- ra pode obscurecer nossa visão, tor-
za nos concede. A pequena realidade nando a imensidão invisível para nós.
nos monopoliza inteiramente, ela nos Freqüentemente, a pequena realida-
domina totalmente, embora não passe de é a causa de males físicos e psíqui-
de uma ínfima parcela material em cos. Por vezes, ela é uma fonte de ale-
relação à grande realidade, o infinito gria, a tal ponto que nos sentimos le-
divino. ves como uma pluma, porém isso é ra-
Vejamos um exemplo: durante o ro. Como o peixe que apenas conhece
eclipse total do sol, a lua se coloca a água na qual está imerso, encontra-
diante deste astro encobrindo-o intei- mo-nos mergulhados na pequena rea-
ramente, e tudo se torna escuro. Ora, lidade aparente. Do ponto de vista da

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sabedoria e da experiência gnósticas, ligada ao tempo e ao espaço. Mas,
encontramo-nos aprisionados na pe- quem somos nós?
quena realidade, porém esta não passa Não é a personalidade formada de
de uma ínfima parte de matéria no matéria do Egito que é a prisioneira,
oceano de luz da eternidade. Contu- mas a centelha de luz provinda da
do, para nós, ela é preponderante. É grande realidade. O princípio-alma
uma questão de ponto de vista, como oriundo da vida superior infinita en-
dissemos. Ou permanecemos no nível contra-se aprisionado na pequena rea-
do intelecto ou então voltamo-nos pa- lidade da matéria sombria. Uma
ra nosso coração, onde a grande reali- pequena parcela do infinito está encer-
dade pode se manifestar graças à ra- rada na pequena realidade material, o
diação do núcleo microcósmico. Con- que equivale a dizer que uma pequena
tudo, a pequena realidade possui uma parcela de matéria encontra-se no infi-
imensa força de atração que sempre nito. Ora, é possível fazer essa condi-
nos puxa para baixo, às vezes com as ção antinatural deixar de existir me-
melhores intenções! diante um retorno ao nosso verdadei-
Quantas vezes a radiação do micro- ro ser. A centelha divina da alma en-
cosmo já não terá tocado o ser huma- contra-se exilada. Trata-se, pois, ago-
no, retirando-se logo em seguida por ra, de sair do Egito, da terra obscura
não ter ele ainda dado o passo decisi- onde não reinam senão a limitação e o
vo, por não ter, de modo real e defini- aprisionamento.
tivo, mudado de posição, de ponto de Não existe nada fora do infinito.
vista? Para que isso aconteça, ele cer- Isso é completamente impossível. O
tamente deverá passar por uma grande infinito é puro Espírito, ilimitado em
quantidade de experiências. Porém, a voz todos os seus aspectos e dimensões.
do coração não cessa de exclamar: Quan- Não existe nada além. Porém, também
to tempo ainda, quantas vezes ainda? existe o esquecimento, a névoa da ig-
Na sabedoria universal a pequena norância, e tudo o que dela decorre, a
realidade às vezes é denominada “Egi- pequena realidade da matéria aparen-
to”. Essa palavra pode ter dois senti- te: Egito. É, portanto, no Egito que
dos. As letras gito vêm da palavra cop- podemos encontrar os indícios que
ta qubt ou kemet, que significa terra nos permitem descobrir o caminho de
negra, terra sombria. Originalmente regresso para a grande realidade. É
isso se referia à faixa de terra fértil interessante verificar que, em nossa
depositada às margens do rio Nilo. época, os tesouros do Egito, ocultos
Porém, a sabedoria qualifica de “terra nas areias do deserto e nas pedras,
sombria” um certo estado de cons- estão reaparecendo. Pensamos aqui
ciência. É a terra da consciência obs- nos numerosos escritos gnósticos exu-
curecida, o mundo da matéria aparen- mados nos últimos anos e nas revela-
te, em oposição à terra infinita da ções gravadas nas pedras que, após
matéria essencial, feita de substância tempos imemoriais, tentam falar-nos
divina, a terra da verdadeira vida. Por acerca da presença e dos mistérios da
outro lado, entre os hebreus, o Egito é grande realidade. Aliás, nós mesmos
Mizraim, da palavra Mezarim, que somos uma parte do Egito; somos for-
significa confinamento, aprisionamen- mados de sua terra, fazemos parte da-
to, encadeamento. Somos prisioneiros quilo que chamamos de um por cento
no Egito, na terra obscura, a matéria da matéria aparente. E é na areia de

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nosso próprio deserto, sob nossas mos para o mistério de nosso coração,
próprias pedras, que se encontra a e se perseverarmos, ou seja, se já não
pérola gnóstica. pudermos viver de outro modo, então
a matéria que encobre a grande reali-
O triângulo que toca o coração dade começará a se dissipar como nu-
vens num céu claro e azul. Esse pro-
Devemos deixar o Egito. Esse êxo- cesso de transformação, em nós e a
do significa a transformação de nossas nosso redor, permitirá, finalmente, a
posições, de nossos pontos de vista. A emergência de uma nova “persona”, a
atenção deve deslocar seus centros de emergência de um novo homem, de
atração, a orientação interior da cons- um novo grupo, de uma nova terra, de
ciência deve voltar-se para o silêncio um novo quadrado.
do coração. Os grão-mestres da Esco-
la Internacional da Rosacruz Áurea O símbolo torna-se realidade
construíram um edifício grandioso no
Egito simbólico. Eles nos propõem Círculo, triângulo e quadrado nos
uma maravilhosa “saída de emergên- penetram, passam a residir em nós e
cia” para fora da matéria, para fora das tornam-se partes integrantes nossas.
pedras e das areias do deserto. O sím- Eles não estão nem ao lado nem acima
bolo disso é: círculo, triângulo, qua- de nós, mas formam um todo com o
drado, como pirâmide, como sinal na nosso ser. É o sinal da promessa e da
terra do Egito. É também símbolo do realização na terra obscura da matéria
mistério gnóstico em nosso coração. aparente. A unidade restabelece a
O infinito, o potencial original, a grande realidade, a realidade superior.
fonte de onde tudo jorra é a grande Trata-se de uma mudança definitiva da
realidade. Numerosos escritos gnósti- orientação interior. Essa mudança
cos fazem alusão a ela enquanto miste- depende da resposta às perguntas:
rioso espaço “vazio”. Esse vazio não é Nosso desejo mais profundo é sair
nenhum assim chamado “nada” abso- disto? Algo em nosso interior diz:
luto, pois isso não passa de um concei- “Chega, já basta!”, ou então: “Faça-
to intelectual. Vazio, no sentido gnós- mos ainda mais um giro na existência,
tico significa um potencial infinito, o e depois mais outro, indefinidamen-
fundamento original, o sem forma: te”? Temos realmente o desejo de
“nada” de que o homem possa fazer encontrar a porta de saída, de chegar à
alguma representação. Há um símbo- fonte original, ao círculo infinito onde
lo que representa esse vazio que tudo tudo tem sua origem?
contém: o zero ou círculo. Por outro A saída do Egito é possível para
Reprodução de um
mosaico medieval
lado, três forças realizadoras irradiam todo ser humano, pois é a missão de
representando o na grande realidade: a unidade absolu- cada um na terra. O auxílio e a força
unus mundus – a ta que é amor; a consciência pura que necessários encontram-se em nós e ao
unidade do mundo é sabedoria; a luz que tudo engloba, nosso redor. Trata-se da realidade
– na forma de sete que é força. Amor, sabedoria e força, o vivente, vibrante e radiante do círculo,
esferas, inspirada
triângulo que toca o coração, a vibra- do triângulo e do quadrado – o símbo-
em um mosaico
do século XII,
ção de Cristo que se dirige a nós e nos lo e a realidade da Escola Espiritual da
A criação, da mostra a única porta de saída. Se con- Rosacruz Áurea.
catedral de seguirmos mudar nosso ponto de
Monreale, Sicília. vista, se verdadeiramente nos voltar-

6
A Unidade do Mundo

Há séculos os países ocidentais vêm realizando transações comercias e


fundando impérios comerciais em escala mundial. A colonização de continentes
inteiros e as guerras que disso resultaram colaboraram para a criação da
rede de relações mútuas que existe atualmente. Fundamentada em interesses
próprios e no crescimento econômico, essa rede é mantida devido a uma
dependência recíproca, pelo menos em razão das dívidas financeiras e
econômicas geradas entre povos e Estados.

7
A s mídias de massa e pendência – ter de
a moderna tecnolo- contar uns com os
gia de comunica- outros – o homem
ção tornaram es- inquieto experi-
ses fatos – que menta também a
não são nada no- angústia diante
vos – acessíveis a do egoísmo de
todos; embora seus semelhantes,
lenta, mas segura- temendo até mes-
mente, a humani- mo sua vingança.
dade começa a perce- O sentimento de es-
ber até que ponto os tar sendo arrastado ir-
povos do mundo se en- resistivelmente é mais
contram mutuamente ligados. forte que o sentimento de coe-
Isso torna cada consumidor moderno são. São necessários muitos esforços
responsável por tudo o que acontece para determinar os interesses dos
no mundo. Trata-se de uma tomada de diferentes Estados e impedir que
consciência que se torna mais profun- alguns países adquiram excesso de
da quando o homem aprende a reagir poder. Está-se sempre em busca do
aos impulsos das forças e vibrações da equilíbrio. Quer se trate de uma reu-
vida que atingem a terra, provenientes nião das Nações Unidas ou de um
do espaço intercósmico. Em princí- encontro sobre economia ou climato-
pio, essas manifestações talvez possam logia, os interesses próprios de certos
trazer-nos certa inquietação, porém Estados freqüentemente entravam
elas também dão início a mudanças. A um real progresso da humanidade.
unidade divina, da qual o ser humano Jan C. Smuts, presidente da primeira
é uma emanação, é, a despeito das cir- reunião da ONU em 1945, escreveu
cunstâncias, totalmente indivisível, em suas anotações particulares que as
mesmo fragmentada e dissimulada no guerras futuras não poderão ser evita-
interior do ser humano e da criação. das caso não se consiga responder de
Essa unidade divina busca todas as maneira nova ao que existe de “irra-
possibilidades de reunir, consciente- cional” no ser humano. Essa resposta
mente, suas partes. É uma força inspi- se fundamenta sobre valores mais ele-
radora destinada a suscitar em nós um vados. “Esse importante dever está
crescimento novo e vivificante. fora do escopo desta conferência e,
portanto, deve ser passado a outras
A galáxia Erisanus. Necessidade de unidade mãos, porém ele não pode ser recusa-
Foto© Nasa, do por muito tempo.”1
Houston,Texas. Ao lado da consciência de sua de- Mas, o que se entende por “irracio-

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nal”? São as forças do desejo e da Quando a Organização das Nações
cobiça que estimulam os seres huma- Unidas foi instituída, em 1945, e suce-
nos e que a razão não controla. Por deu à Sociedade das Nações, a euforia
trás delas existem causas cármicas, reinou nos Estados que nela ingressa-
recalques, e um mundo agitado por ram, decididos a colaborar.
forças demoníacas poderosas. Somen- Acreditava-se que esse organismo
te uma consciência espiritualizada que serviria à causa da paz nos tempos
una fortemente o cérebro e o coração modernos. Porém, logo pôde-se veri-
permitirá reconhecer, compreender ficar o que resultaria da aceitação dos
essas forças e, finalmente, vencê-las. ideais mais nobres diante dos interes-
Está claro que isso não pode ser reali- ses particulares das nações. Theodo-
zado neste mundo, pois uma camisa- re Roosevelt, intimamente ligado a
de-força de leis e de resoluções rara- essa instituição, deu-lhe objetivos de
mente consegue restringir os interes- alto nível, reconhecidos hoje como
ses particulares dos Estados e impedir princípios universais: todo homem
as guerras. A consciência da depen- deve estar livre da miséria e do medo,
dência mútua e o desejo de liberdade e gozar da liberdade de religião e de
unidade verdadeiras crescem, porém expressão. O presidente Truman,
os Estados e os empreendimentos mun- sucessor de Roosevelt, declarou,
diais ainda não são capazes de agir nes- cheio de esperança, no encerramento
se espírito. Mesmo uma religião única da inauguração: “O pacto das Nações
que servisse de denominador comum Unidas é o sólido fundamento sobre
a todas as religiões mundiais (“a exis- o qual pode-se estabelecer um mundo
2
tência de algo divino”) e uma ética melhor” .
mundial (“todos os seres humanos Desde os primeiros anos parecia,
têm direito à vida”) não conseguiriam contudo, que as resoluções do Conse-
realizar a unidade espiritual desejada. lho de Segurança nem sempre eram
O chamado que convida a um de- aceitas, senão para reclamar os inte-
senvolvimento da consciência espiri- resses das nações que tinham o direi-
tual é ouvido e compreendido por um to de veto. Freqüentemente o Conse-
número relativamente restrito de pes- lho de Segurança e a Assembléia Ple-
soas. A consciência atual é monopoli- na foram incapazes de colocar os inte-
zada por interesses pessoais, o desejo resses gerais acima dos interesses par-
de paz é instável e procede de expe- ticulares. Os grandes poderes sempre
riências negativas. Guerras e destrui- bloqueiam as resoluções exercendo
ções que afetam cada um despertam o seu direito de veto ou sustentando em
desejo de paz e de unidade como um toda parte as guerras no mundo. E
tipo de seguro de vida; nos tempos de quando certas decisões eram tomadas,
incerteza em que os conflitos nos eram sempre as nações que as elabo-
ameaçam, os movimentos em favor da ravam que não se conformavam a elas.
paz são os mais fortes e vêm às ruas Javier Pérez de Cuéllar, o quinto Se-
para se manifestar. Desaparecido o cretário-Geral (1982-1991), num rela-
perigo, esses movimentos passam tório de 1983, verifica, decepcionado:
para segundo plano. “Tinha a impressão de que certos go-
vernos davam pouca importância às
Unidade por meio de medidas que eles mesmos tomavam
3
regras exteriores? nas Nações Unidas” .

9
Dag Hammarskjöld

Dag Hammarskjöld nasceu em 29 de julho suas iniciativas em favor da paz e da reconcilia-


de 1905 em Jonköping, sendo o mais jovem ção – lembremo-nos da crise de Suez em
entre quatro filhos. Seu pai, Hjalmar Hammars- 1956 e de sua “diplomacia silenciosa” na China
kjöld, descendente de uma antiga família aristo- – ele ganhou muito respeito. Em 1960 teve iní-
crática, tornou-se primeiro ministro da Suécia cio a crise do Congo: a província de Katanga
em 1914. Seus quatro filhos se ocuparam de separou-se e, em 1961, explodiu a guerra civil.
economia e de política. Dag Hammarskjöld Em 17 de setembro de 1961, Dag Hammars-
sucedeu ao norueguês Trygve Lie, primeiro kjöld tomou o avião para Katanga, a fim de
Secretário-Geral das Nações Unidas, em 7 negociar com o chefe dos rebeldes.Apesar do
de abril de 1953, tendo ainda muito pouca segredo e do silêncio das emissoras de rádio,
experiência em política. Em seu diário pessoal seu avião se espatifou na Rodésia, a nove
podemos ler nessa data:“Chegara, pois, o dia quilômetros da fronteira de Katanga. Quando
que me trouxe uma certa tristeza, pois as difi- o socorro chegou ao local no dia 19 de setem-
culdades que se anunciavam eram insignifican- bro, encontram uma máquina carbonizada e os
tes em comparação com as exigências de guarda-costas de Hammarskjöld crivados de
Deus. Mas como era difícil compreender que, balas.
justamente por este motivo, este era o dia de Dag Hammarskjöld mesmo apresentava ape-
1
uma grande alegria” . nas dois ferimentos leves.As causas de sua
A missão interior e exterior se reúnem. morte são desconhecidas até hoje.
Hammarskjöld soube dar forma e estrutura ao Parece que ele havia se preparado para esse
“trabalho mais ingrato do mundo”, como dizia último sacrifício quando escreveu:“Um homem
Trygve Lie. Ele conseguiu que o Secretário-Ge- que se tornou no que podia, que estava pronto
ral pudesse agir segundo a carta das Nações para abranger tudo no sacrifício mais sim-
2
Unidas, mesmo sem mandato das comissões ples” . Algumas semanas após, ele recebia o
da ONU. Por essa razão ele pôs contra si a prêmio Nobel da paz a título póstumo.
França, a Inglaterra e, sobretudo, a União
Soviética, que o acusaram de ser um pseudo 1 Hammarskjöld, D., Merkstenen. Kampen:
“presidente mundial”. Em 1957, contudo, ele foi Kok, 1998, p. 75.
reeleito para um segundo mandato. Graças a 2 Idem, p. 56.

10
D. Hammarskjöld, em Vägmärken, O que deve mudar nos seres
escreveu: “Tua vida pessoal não humanos
pode ter nenhum sentido dura-
douro e específico. Ela apenas O que, então, é preciso fazer para
pode ter um sentido, indiretamen- que o mundo viva em paz e unidade?
te, quando se liga e se submete a Por quais transformações deve o ser
algo duradouro que tenha um humano passar para que acabe dese-
sentido em si mesmo. Seria a isso jando um lugar ao sol, não só para si
que nos referimos quando falamos mesmo, mas para o bem-estar de toda
da Vida? Pode tua vida ter algum a humanidade? E que relação existe
sentido enquanto fragmento da entre o desenvolvimento dos indiví-
Vida? Se a Vida existe? Perde-te duos e o comportamento das nações?
nela, e a experimentarás. Se a vida Será que a pessoa que se livrou da
tem sentido? Experimenta a Vida angústia e da agressividade caracterís-
enquanto realidade, e acharás a ticas, assim como de seu desejo de
pergunta sem sentido. Perder-te posse, abre possibilidades para os
nela é dar o salto e te submeter a outros? Se os seres humanos muda-
ela sem reservas. Ousa saltar rem, os Estados também farão o
quando o desafio se apresenta, mesmo? A história nos fala de nações
pois não podes ver o salto duplo pacíficas e de períodos em que a espi-
senão na luz desse desafio e nem ritualidade predominava, porém isso
esperar que faças intuitivamente a durou pouco. Houve curtos períodos
escolha de dar as costas à tua vida de evolução em que centenas de pes-
pessoal sem ter o direito de olhar soas dotadas de uma nova consciên-
para trás. Perceberás então que cia davam à sua nação a possibilidade
estás livre do estereótipo da vida de uma mudança de orientação. No
de rebanho. Perceberás que tua presente, novos tempos se anunciam.
existência, se a subordinares à O “sistema” atual, no qual muitos
Vida, toma todo o seu sentido especialistas que decidem a economia
independentemente do local em e a política sentem-se prisioneiros,
que ela se situe. Notarás que a pode se despedaçar. Passo a passo,
liberdade, se te despedes de tudo, aqueles que são conscientes mudam
mediante a repetida oferenda de ti as relações sociais e o comportamen-
a cada instante, dá acuidade e to das nações, transformações essas
pureza à tua consciência da reali- que muitos olham com tristeza.
dade.Trata-se, aqui, de auto-reali- A consciência nascida desta natu-
zação. Perceberás que a submissão reza não permite aos homens, apesar
da vontade ativa deve ser conti- de todos os esforços, instaurar o bem.
nuamente renovada, e que se Somente a consciência da unidade –
reduz a nada toda vez que permi- pois o arquétipo humano é indivisível
timos que nossa vida individual – penetra muito mais profundamente
deslize, em certo grau, para o cen- nas coisas que a ciência; ele sente que
tro de nossa atenção...” “estamos todos no mesmo barco” e
nos dá condições de reconhecer erros
e fraquezas, tanto nossos como dos
outros; mas, sobretudo, percebe que
proviemos do reino divino.

11
Existe um campo energético que 1955: “Tua situação não te dá o direi-
envolve todo o Universo, e desse to de impor tarefas, mas somente o
campo se serve quem deseja tornar-se direito de viver de modo tal que os
um verdadeiro homem. Toda vez que outros aceitem essas tarefas sem se
6
precisa agir, ele pode retirar sua inspi- sentirem rebaixados” .
ração desse campo de força. A ligação Ele jamais associava sua elevada
com esse campo concede sentido e posição com sua pessoa e não tinha
estrutura à vida atual, bem como a nenhum outro objetivo senão consa-
capacidade de evoluir até tornar-se grar-se inteiramente à sua tarefa. Ao
um homem divino e retornar ao mesmo tempo, ele sabia que era
campo de vida divino. mediante a oferenda de toda sua per-
Se houve alguém que procurou agir sonalidade que isso seria possível:
de maneira nova a fim de melhor ser- “Como, pois, devo amar a Deus?
vir a humanidade, esse alguém foi Devo amá-lo, não como se fosse um
Dag Hammarskjöld. Ele se sabia deus, como se fosse um espírito, uma
tocado e conduzido por um campo pessoa ou uma figura, mas sim unica-
energético especial. Em 1952, um ano mente como uma Unidade pura e
antes de se tornar o segundo Secretá- clara, longe de toda dualidade. E nessa
rio-Geral da ONU, ele anotou em Unidade devemos imergir eterna-
seu diário particular: “Uma experiên- mente, indo de algo para nada. Nisto
7
cia de luz, de calor e de força... Um Deus nos ajuda” .
elemento sustentador como o ar no Em 1956, ele escreveu: “Alguém
vôo à vela ou como a água, quando se colocou-te a lançadeira na mão. Al-
nada. Uma hesitação intelectual, exi- guém ordenou os fios”. O importan-
gindo prova e lógica, impede-me de te para Hammarskjöld jamais era
‘crer’ – nisto também; impede-me de alcançar um objetivo apenas exterior.
expressá-lo em termos intelectuais a “Existe apenas a história da alma,
8
fim de descrever a realidade. Porém, apenas a boa saúde da alma” . Essas
através de mim jorra a visão de um linhas foram escritas em 1957. Ele
campo de força da alma, criado num havia descoberto que toda atividade
eterno presente por todos os que oram, portadora de bênção provinha de
em palavra e ação, e vivem segundo uma alma renovada pela qual Deus se
4
uma vontade santa...” . exprime. “Na fé, na ‘união de Deus
Algumas citações do diário particu- com a alma’, és uno com Deus e
lar de Dag Hammarskjöld, publicado Deus está totalmente em ti, assim
após sua morte, permitem-nos fazer como ele está em tudo que se encon-
9
uma idéia das experiências pelas quais tra diante de ti .
ele passou. Esse grande campeão da Ele escreveu isso em 1957. Ham-
paz mundial era um verdadeiro ho- marskjöld reconhecera claramente
mem-alma, muito consciente das res- que toda atividade vitoriosa tinha de
ponsabilidades humanas. Em sua ele- originar-se de uma alma renovada,
vada posição, ele se esforçou incansa- na qual Deus podia expressar-se:
velmente para alcançar o estado de “Na fé de que a união de Deus com a
verdadeiro homem e era com toda alma é, és uno com Deus, e Deus está
humildade que tomava decisões e inteiro em ti, do mesmo modo que
dava conselhos. Em 1953 ele escreveu: ele está inteiro para ti em tudo que te
5 10
“Não eu, mas Deus em mim” . Em sucede” .

12
Esse é o fundamento da verdadeira dariedade, à consciência da nova alma
unidade segundo a qual Hammars- devotada ao serviço de outros, mais
kjöld agia e tratava todos os seres chances há de outras pessoas abando-
humanos. Não podemos julgar até narem os caminhos batidos e os pen-
que ponto ele punha em prática essas samentos estereotipados de uma
palavras, mas podemos dizer que sociedade totalmente tacanha, e pro-
quando foi Secretário-Geral essa fun- gredirem em direção da verdadeira
ção gozava de grande prestígio e que una sancta. Essa é a idéia original da
até o presente ele é considerado o unidade, o impulso que, no mais pro-
mais notável secretário que a ONU fundo do ser, inspirou a fundação da
conheceu. ONU com o desejo de dar a cada um
a paz e a liberdade, bem como uma
As ações da nova consciência existência digna inspirada pelo ideal
anímica de se elevar na única e verdadeira vida
original divina.
À medida que a consciência da
nova alma cresce em nós, sabemo-nos
unidos, por um princípio espiritual
interior, ao ser de todos os homens.
Não se trata aqui de uma “consciên-
cia” vaga, mas de algo concreto e prá-
tico. Quanto mais essa ligação passa
para o primeiro plano, mais se faz
sentir a necessidade de aproximarmo-
nos dos outros e de aliviar seu fardo, e
mais a complexidade e as dificuldades
da vida passam para segundo plano.
Tornamo-nos habitantes de dois
mundos: inteiramente unidos a nosso
próximo no panorama da existência e,
não obstante, perfeitamente livres in-
teriormente para nos elevar ao campo
de vida do Espírito, onde nosso “mi-
crocosmo” pode respirar. Nossa exis-
tência no mundo e todas as nossas 1 Smuts Jr., J.C., Jaan Christian Smuts.
experiências no caminho servem a Cape Town: A. Rieck, 1951, p. 482.
esses dois objetivos. 2 Göller, J. T. Die UNO und ihre sechs
Cada ser humano em quem a alma Generalsekretäre. Bonn: Dietz, 1995, p. 19.
se desenvolve libera-se, mediante o 3 Idem, p. 183.
deslocamento paulatino de seu centro 4 Hammarskjöld, D., Vägmärken.
de gravidade da vida, das dificuldades Estocolmo: Bonniers, 1963, p. 76.
e desejos da vida material, do medo e 5 Idem, p.87.
p.14: Electric lamps,
do egoísmo. Chegamos a isso quando 6 Idem, p.90.
Nathalie
dispomo-nos a servir. Se esse for nos- 7 Idem, p.113, fonte desconhecida.
Gontcharowa, 1912,
so objetivo, as dificuldades, as angús- 8 Idem, p.123. Paris, Musée
tias e tudo mais desaparecerão. 9 Idem, p.133. Nacional d’Art
Quanto mais nos inclinamos à soli- 10 Idem, p.144, anotado em 1958. Moderne (detalhe).

13
Atualmente fala-se muito de um aflu-
xo de forças provenientes da região in-
tercósmica, reagrupadas sob a deno-
minação “impulso de Aquário” ou
“impulso do Aguadeiro”. Elas exer-
cem sua influência sobre a terra e, por
conseguinte, sobre a humanidade. Os
físicos puseram a “freqüência cardíaca
da terra” em evidência. No curso dos
anos passados, essa pulsação quase
que dobrou; ela passou de 7,83 Hz a
mais de 13 Hz, o que indica um pro-
cesso que ruma para uma desmateria-
lização. Igualmente é possível medir-
se hoje a radiação da rede de linhas
que envolvem o planeta (linhas Hart-
man, Curry e Ley). Essa radiação se
intensificou e se estendeu, provocan-
do sismos, inundações e erupções vul-
cânicas. O homem encontra-se sub-
metido a essas influências e é impelido
a desenvolver uma inteligência intuiti-
va ou pensamento mercuriano, tal co-
mo é denominado em astrosofia. De-
vemos observar que essa forma de
pensamento autônomo, da qual a
grande maioria das pessoas encontra-
se dotada, é fortemente estimulada
pela tecnologia periférica das teleco-
A pulsação municações e da Internet.

da terra Um pensamento sensível,


uma consciência inteligente
do coração

Primeiro desenvolve-se o entendi-


mento, no campo experimental que
constitui o mundo. Um conhecimen-
to científico e prático do mundo físico
é adquirido, o que leva à autocons-
ciência. Devemos notar que essa fase
intermediária não deixa de apresentar
perigos. Provindo de um plano supe-
rior, desenvolve-se uma “consciência
do coração” vivente e sensível naque-
les que submetem sua existência à lei
do amor, colocando-a ao serviço da

14
origem sagrada de todas as coisas. Dessa tar-se novamente para a Luz, abandonar
orientação decorre uma sutil intuição que por completo sua auto-afirmação e, assim,
se manifesta no coração das relações huma- dar possibilidade de desenvolvimento à
nas por intermédio de uma radiação que, centelha espiritual. Isso porque o mais
em linguagem esotérica, é denominada importante é submeter sua vida ao ser infi-
“éter-ígneo”. nito, e não mais ao eu limitado. O sem-
Atualmente, a humanidade dá provas de limite não é egocêntrico; ele nada exclui; ele
que esses dois desenvolvimentos estão em está em total concordância com o divino,
curso. O conhecimento racional penetra que é amor. O pensamento científico e a
todos os domínios. Uma desmaterialização intuição serão iluminados pela luz da alma,
progressiva se efetua por uma passagem da que exercerá uma ação benéfica sobre a
consciência dos objetos materiais à “infor- humanidade.
mática”. A consciência funciona cada vez
mais a partir das conexões mentais que Trilhar o caminho de
regem as relações entre os homens e as coi- maneira autônoma
sas, e não mais das percepções sensoriais
concretas do momento. No final do século XIX, partiu um gran-
Essa dupla evolução efetua-se numa de impulso da Fraternidade da Vida para a
humanidade que perdeu de vista sua desti- humanidade, a fim de que esta se movimen-
nação inicial. A ciência contribui para a tasse na direção dessa mudança radical. Um
conquista da autonomia. Ao mesmo tem- século mais tarde, tornou-se claro que a
po, a desmaterialização prossegue por meio ciência e a intuição podiam se tornar úteis
da tecnologia e da informática. Porém, no caminho que conduzia a um reconheci-
surge uma carência na alma, uma insatisfa- mento direto das forças rejubilantes e liber-
ção, quando os aspectos sutis do coração tadoras provenientes do mundo divino.
são negligenciados. Ao ampliar-se, o princí- Para o ser humano já não fazia sentido ter
pio de autonomia estende-se ao mundo de seguir os dogmas cegamente. Ele podia,
sutil com o objetivo de fazer o homem vol- doravante, percorrer essa via de forma au-

A freqüência cardíaca da terra, chamada de modo contínuo. Essa ressonância atinge o


ressonância de Schumann, é a vibração do seu apogeu quando as tempestades saturam
campo eletromagnético que se forma entre a atmosfera terrestre (Freqüentemente o
a superfície terrestre e a ionosfera, a camada exército utiliza essas informações como
aérea superior.A freqüência da ressonância referência importante para calcular o tempo
de Schumann é de mais ou menos 7,83 Hz. e a duração de um dia).Atualmente, a resso-
Provavelmente ela é mantida pelas descargas nância de Schumann excede a 13 Hz. Isso
elétricas que ocorrem durante as tempesta- significa que o “dia biológico” em realidade
des. Os cientistas acreditam que elas repre- tem somente 16 horas.Assim pode-se expli-
sentaram um papel importante na formação car a sensação, muito difundida atualmente,
da vida sobre a terra. Essas tempestades de “não se ter mais tempo para nada”, de cor-
tocam o campo eletromagnético da terra, rer-se atrás do tempo. O campo eletromag-
como fariam com uma corda, fazenda-a nético de cada célula vivente é influenciado
vibrar. Contudo, na realidade, a ressonância pela ressonância de Schumann. Os seres hu-
de Schumann não é uma ressonância em manos, os animais e as plantas se ajustam a
sentido estrito, pois as tempestades golpeiam ela. Mas, como os vegetais, bactérias e bolo-
esse campo a cada relâmpago, e não de res o fazem (se o fizerem), é um mistério.

15
tônoma, ao sentir a necessidade de traba- dos países industrializados). Quantos não
lhar com essas forças superiores, e tornar-se militam pela paz mundial? Quantos não se
auto-responsável. A responsabilidade indi- engajam no movimento pela unificação da
vidual e a atenção aos demais são princípios humanidade e lutam pelo respeito aos direi-
que estão em ligação com a ciência e a intui- tos humanos e por outras causas nobres?
ção; eles são diretamente aplicáveis pelo
homem que segue o antigo caminho espiri- O caminho da transfiguração
tual, tal como Cristo mesmo o percorreu,
dando o exemplo de autonomia e de cons- Aquário e a energia de Cristo estão inti-
ciência esclarecida. mamente ligados: os elevados valores de
Aquário harmonizam-se com o ensina-
O crescimento geral da consciência mento que Cristo transmitiu aos homens
de seu tempo, através do sempre atual Ser-
O impulso gnóstico provocou um cresci- mão do Monte.
mento geral na consciência humana. Tudo As turbulências e os conflitos que acom-
que fora rejeitado e ocultado foi trazido à panham o início da era de Aquário, que o
luz, ocasionando choques e medos intensos, homem e a terra atravessam, servem também
buscas desordenadas e confusões. Aquele a outro objetivo, que está em total concor-
que se subtrai à violência dessas correntes e dância com o impulso de Cristo: o retorno
se harmoniza interiormente com o novo do ser humano ao seu domínio original.
campo de radiação efetua uma mudança Quando o homem reconhecer o mundo
profunda, criando uma base sólida a partir das mudanças a que estão submetidas tanto
da qual pode voltar-se para seus semelhantes. a sua vida interior como a sua vida exterior,
Quanto mais forte ressoar o chamado de ele alcançará um discernimento completa-
Aquário para a libertação interior, com base mente novo.
no Espírito e na centelha espiritual do cora- A antiga ordem social já não precisará ser
ção, maior será o número dos que conhece- aperfeiçoada; primeiro é preciso que a vida
rão essa revolução interior num desenvolvi- interior desabroche plenamente, em unida-
mento da autonomia. Mas, ao mesmo tem- de e ligação com o todo. Tudo o que é velho
po, quem persistir em tão-somente levar em perde, então, sua força coercitiva. Valores
conta seus próprios interesses sofrerá as positivos de radiante alegria transformam o
conseqüências, como bem o demonstrou o ser interior. Um novo mundo, em harmonia
século XX, quer através do fascismo ou do com o macrocosmo divino, penetra pouco a
comunismo, que diziam ser para o bem de pouco o velho mundo.
todos, mas que visavam, acima de tudo, ao O homem que está nesse processo vê em
bem de seus partidários. O século XXI pre- si mesmo esse novo mundo: um novo céu e
sencia o nascimento dos neo-conservado- uma nova terra. Neles habita o novo homem
res, de um neo-liberalismo e de um neo- microcósmico: imortal, ilimitado, oniscien-
capitalismo impiedosos. Nesta tormenta te, uno com Deus, perfeitamente autôno-
destaca-se, contudo, um novo tipo de ho- mo, unificado com o menor de seus seme-
mem sustentado pela mesma energia de lhantes e inteiramente consagrado à auto-
Aquário, que provoca a decadência desses entrega, em qualquer circunstância.
movimentos. Essa pode ser uma explicação Um dos pensamentos mais penetrantes
para a decadência dos sistemas comunistas da Gnosis cristã não perdeu, ainda hoje, sua
e, ao mesmo tempo, a mobilização dos força: “Quem perder sua vida –em provei-
defensores da natureza, os que se opõem ao to do verdadeiro Ser, fundamentado na
G8 (encontro de cúpula dos representantes força de Cristo – encontrará a vida eterna”.

16
Resposta à era de Aquário

Freqüentemente é dito que as primeiras reações conscientes aos


impulsos de Aquário surgiram com a formação da Sociedade
Teosófica fundada por H. P. Blavatsky, seguida pela Sociedade
Antroposófica de Rudolf Steiner. A influência dos ensinamentos
sufis e hinduístas fizeram-se sentir igualmente. Enquanto outros
grupos se formavam, Max Heindel fundou a Fraternidade
Rosacruz. A esta lista podemos acrescentar a Escola
Espiritual da Rosacruz moderna fundada por
Jan van Rijckenborgh e Catharose
de Petri em 1924.
Quando o buscador ingressa na Escola mente que o homem era, em primeiro
de Mistérios da Rosacruz, ele descobre lugar, uma “alma-espírito”, e que a força de
que essa Escola não é um instituto de Cristo não podia ser apreendida caso o ser
ensino, mas uma comunidade de trabalho. humano mesmo não a realizasse.
Embora no início ele acredite receber Sete anos mais tarde aparece a primeira
aí um ensinamento incomum, um ensina- edição de A doutrina secreta de H.P. Bla-
2
mento superior da sabedoria divina, sus- vatsky . Nessa obra, quase que em cada pá-
cetível talvez de liberar nele forças ocul- gina, são postos em xeque os fundamentos
tas, a realidade lhe inflige um forte golpe. da ciência materialista, que até hoje parte
Uma escola de mistérios não é um lugar da idéia de que a matéria é o começo e o
onde se pode acumular conhecimentos, fim de tudo. Ela também enfatiza que, ape-
e sim um lugar onde se é purificado pelo sar do logro cometido conscientemente
fogo. Quando vos ligais a ela, não rece- por muitas igrejas, existe um saber ances-
beis nenhuma nova ciência. Pelo contrá- tral que, embora velado, é a base de todas
rio, todas as vossas certezas vos são as religiões libertadoras.
retiradas. A Escola de Mistérios não Teriam essas escolas e movimentos in-
busca elevar o que é inferior, mas des- troduzido uma reforma mundial no senti-
pertar o que sempre existiu: o fogo ori- do dos rosacruzes clássicos? Existirá um
ginal divino, oculto em todo ser humano. grande grupo de homens iluminados que
Desde o início de sua atividade a Rosa- podem conferir ao buscador de boa vonta-
cruz vem falando a mesma linguagem: de o ensinamento universal a partir de uma
“Conscientizai-vos da realidade do experiência pessoal? Rudolf Steiner predis-
mundo à vossa volta. Conscientizai-vos se que a Teosofia poderia, teria mesmo de,
também de que nada existe de liberta- até o final do século XX, transformar-se
dor nesta natureza. Enfim, conscientizai- num movimento de massa, e que o Cristo
vos de que é pelo fogo de vossos atos seria percebido por inúmeras pessoas no
que podereis aniquilar o que é inferior a plano etérico, o que outra coisa não signi-
fim de vos elevar ao plano superior da fica que a iluminação.
vida da alma-espírito”. Jan van Rijckenborgh esperava que o
Lectorium Rosicrucianum, através de sua
Escola de Mistérios, se tornasse uma “via
A Escola tem uma missão própria a realizar: de acesso” aos inúmeros buscadores que de-
restabelecer a ligação com o campo original sejam concretizar os impulsos de Aquário.
da humanidade e ao mesmo tempo divul- O que foi feito desses precursores, des-
gar novamente o ensinamento e a compre- sas previsões e esperanças? Quando olha-
ensão interiores do cristianismo original na mos o caos em que o mundo se encontra e
luz e na força da Gnosis. a volta do dogmatismo nas normas e valo-
Acreditamos que esse tenha sido o moti- res pregados pelos partidos políticos e igre-
vo e também o objetivo do impulso que se jas, temos a impressão de que se torna cada
manifestou na segunda metade do século vez mais difícil para os homens perceber os
XIX. Com relação a isso, é interessante ob- impulsos espirituais.
servar que já em 1881 Anna Kingsford rea- Ao mesmo tempo, verifica-se que mui-
lizava as primeiras conferências sobre o tos buscadores da verdade – e o número
cristianismo gnóstico, que ela exumara do destes cresce continuamente – são, em
1
pó secular . Nessas conferências ela subli- grande medida, atormentados pela dúvida.
nhava o fundamento hermético e a força li- Percebe-se que nada pode continuar como
bertadora ali encerrada. Ela mostrou igual- antes. E essa idéia ganha terreno.

18
Após longa preparação e intensos esfor- personalidade. Porém, é numa única encar-
ços, a Escola da Rosacruz Áurea traçou nação que o caminho da libertação começa,
concretamente o caminho iniciático cristão. permitindo escapar, mediante a transfigura-
Essa via iniciática do cristianismo original ção, da roda do nascimento e da morte.
foi desembaraçada de toda mixórdia dog- Esse acontecimento decisivo permite que se
mática. Ela ensina que o homem exterior extirpe as ciladas do mundo exterior e que
pertence a uma natureza submetida a leis se possa, de novo, participar progressiva-
diferentes da natureza original, e mostra mente da Vida original.
como o homem interior pode, de novo, Existe uma grande possibilidade de liber-
unir-se à natureza divina. tação do homem espiritual e de se vivenciar
Essa união é possível porque a latente vi- o Cristo – ela existe há séculos e continuará
da interior, o verdadeiro significado de Cris- a existir. Esta é a resposta à questão: “Que
to, torna-se novamente ativa no homem; aconteceu ao impulso da Fraternidade da
então, o homem exterior, a personalidade Vida após cento e vinte e cinco anos?” Uma
terrestre, cria um espaço para essa nova rea- Escola Espiritual é um auxílio para o
lidade, “perdendo-se” nela, por assim dizer. homem em seu caminho e uma comunida-
A força vital interior se abre e finalmente de de trabalho que irradia para a humanida-
desabrocha numa alma-espírito imortal. Na de a idéia e a possibilidade de uma liberta-
Escola Espiritual da Rosacruz essa substi- ção espiritual do homem interior. É um
tuição do “velho homem” mortal por uma campo de trabalho cujos membros se esfor-
nova personalidade é denominada “transfi- çam para reunir as forças da vida renovado-
guração” ou “troca de personalidades”. ra. Eles vivenciam a força crística e a forta-
A vida de Jesus disso nos deu o exemplo. lecem, respondendo a ela de modo positivo.
Jesus foi o primeiro homem a abrir o cami- Desse modo, restabelecem a harmonia com
nho para que seus discípulos, tanto naquela as novas energias irradiadas no cosmo e se
época quanto hoje, pudessem segui-lo. Este põem ao serviço de todos que queiram
é o sentido do cristianismo: o surgimento inverter o destino da humanidade.
de um homem completamente novo a par- As escolas espirituais autênticas são cen-
tir da centelha espiritual divina no homem tros de radiação crística criados pelos envia-
terrestre, enquanto este “morre” conscien- dos da eternidade. Nelas os buscadores
temente com todas as suas qualidades boas recebem as possibilidades que favorecem o
e más. A Escola Espiritual da Rosacruz crescimento da nova alma, para o encontro
Áurea trilha com seus alunos esse caminho. com o Cristo e para a construção de uma
Eles não se empenham por nenhum desen- personalidade celeste. Mediante seu traba-
volvimento de valores supra-sensoriais do lho, o desenvolvimento da humanidade é
homem terrestre, seja no aspecto material, levado na direção da realização da missão
seja no aspecto sutil. do homem, que é: tornar-se a semelhança
A Escola Espiritual da Rosacruz explica de Deus, a qual está presente nele desde o
para o homem atual os mistérios da inicia- início dos tempos e espera sua realização.
ção cristã, em conexão com o ensinamento
da reencarnação, pois, como um ser huma- NOTAS
no, numa única vida, poderia chegar à solei- 1 Maitland, E., Anna Kingsford, her life, letters,
ra desse mistério iniciático? É preciso estar diary and work, 3 ed. Londres: John M. Watkins,
“maduro” para isso, e o desenvolvimento 1913. Ver também: www.personal.usyd.edu.au/
até essa maturidade acontece lentamente, ~apert/kingsford.html
no curso de inumeráveis encarnações em 2 Blavatsky, H. P.: A doutrina secreta. São Paulo:
que a centelha do espírito é ligada a uma Pensamento, 2002.

19
S iga placidamente por entre o ruído e a pressa e lembre-se da paz que
Desiderata

pode haver no silêncio. Tanto quanto possível, sem sacrificar seus princípios,
conviva bem com todas as pessoas. Diga sua verdade serena e claramente e
ouça os outros, mesmo os estúpidos e ignorantes, pois eles também têm sua
história. Evite as pessoas vulgares e agressivas, elas atentam contra o espírito.
Se você se comparar com os outros, pode se tornar vaidoso ou amargo,
porque sempre existirão pessoas piores ou melhores que você. Usufrua suas
conquistas, assim como seus planos. Mantenha o interesse pela sua profissão,
por mais humilde que seja. Ela é um bem verdadeiro na sorte inconstante
dos tempos. Tenha cautela em seus negócios, pois o mundo está cheio de
traições. Mas não deixe isso cegá-lo para a virtude que existe, muitos lutam
por ideais nobres e por toda parte a vida está cheia de heroísmo.
Seja você mesmo. Sobretudo, não finja afeições. Não seja cínico sobre
o amor, porque, apesar de toda aridez e desencanto, ele é tao perene quanto
a relva. Aceite com brandura a lição dos anos, abrindo mão de bom grado
as coisas da juventude. Alimente a força do espírito para ter proteção em um
súbito infortúnio. Mas não se torture com fantasias. Muitos medos nascem
da solidão e do cansaço. Adote uma disciplina sadia, mas não seja exigente
demais. Seja gentil com você mesmo. Você é filho do universo, assim como as
arvores e as estrelas: você tem o direito de estar aqui. E mesmo que não lhe
pareça claro, o universo, com certeza, está evoluindo como deveria.
Portanto, esteja em paz com Deus, não importa como você O conceba.
E, quaisquer que sejam suas lutas e aspirações no ruidoso mundo da vida,
mantenha a paz em sua alma. Apesar de todas as falsidade, maldades e
sonhos desfeitos, este ainda é um belo mundo. Alegre-se.
Lute pela sua felicidade.

Ehrmann, M., Desiderata. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

Um erro bastante divulgado levou muitas pessoas a crerem que o texto


original americano de Desiderata teria sido encontrado na velha igreja de
São Paulo, em Baltimore, e que ele datasse de 1692. Esse erro surgiu quando
o pastor dessa igreja inseriu esse texto em seus papéis para servir de inspiração
a suas alocuções. Trata-se, em realidade, de um poema escrito em 1927,
por Max Ehrmann (1872-1945), poeta e advogado.

Fred D. Cavinder, ‘Desiderata’ Embaixador da TWA, agosto de 1973, p.14.

20
A via para o amor e a unidade

O pós-modernismo é ra. O desaparecimento das estruturas tra-


visto como uma corrente dicionais é visto como algo positivo,
filosófica nascida da idéia enquanto muitos acreditam que “tudo é
de que o mundo não deve relativo e arbitrário”, sem irem mais além.
ser dirigido, e que, partin- O homem buscador, em quem a cente-
do desse ponto de vista, lha do Espírito foi avivada, percebe a insi-
estilos e técnicas de todos os tempos e de pidez dessas interpretações. Ele tem con-
todas as tendências podem ser combinados dição de constatar sua superficialidade e
livremente. Acredita-se que a verdade não ver de onde elas procedem. As pretensões
existe, que está morta, e que cada um tem científicas do momento passam a ter um
sua própria verdade. Contudo, as pessoas outro aspecto, pois ele percebe por trás
conscientes percebem claramente que uma delas as forças que atuam no sentido de
nova verdade universal se anuncia e que a fazer que a humanidade conceba uma rea-
humanidade recebe uma série de impulsos lidade superior e pensamentos muito mais
ainda desconhecidos. elevados. E o que o faz enveredar por esse
Grandes possibilidades espirituais, até caminho é seu desejo de perscrutar a reali-
ontem apenas pressentidas, surgem no dade espiritual e descobrir as possibilida-
horizonte, capazes de transcender o des que ainda lhe estão ocultas.
espaço e o tempo. Ainda não é possível A tendência ao individualismo e à auto-
dizer se essas possibilidades serão afirmação, de alguma forma sempre pre-
utilizadas em grande escala, pelo menos sente em segundo plano, também tem
de modo visível. Mas constata-se a manei- uma origem espiritual. Ora, não se trata
ra como o homem atual projeta essas pos- de afastar-se dos homens ou de colocar os
sibilidades em seu meio natural: na maior próprios interesses em primeiro plano,
parte do tempo ele o faz de modo egocên- mas de assumir pessoalmente a responsa-
trico. bilidade de iniciativas que correspondem à
O estímulo para a renovação do pensar nova compreensão adquirida. O homem
e da consciência num coração desinteres- buscador somente poderá fazer crescer
sado e amoroso não passa, para o homem sua vida interior se criar a possibilidade de
moderno, de um pretexto para pesquisas comportar-se de modo livre, consciente e
científicas sempre mais aprofundadas. A responsável.
responsabilidade pessoal à qual o homem
espiritual é chamado é desviada e se torna Tornar-se, um dia, consciente
uma atividade egoísta e presunçosa. O do Logos
estímulo para a universalidade é retomado
pela mídia e pela globalização da econo- Cada átomo está carregado de valores
mia mundial. A semelhança geral na ali- eternos e universais do Logos, a força-luz
mentação, as tendências e as emoções sem a qual não haveria vida. Eis por que a
nivelam rapidamente a humanidade intei- luz atua em cada indivíduo. Em cada

22
plano, em cada criatura do mundo – e em res tradicionais e confessionais perderam
primeiro lugar no ser humano –, o Logos sua força. Em face dos indivíduos, as
se torna, um dia, consciente. E quando autoridades representam cada vez menos
experimentamos realmente as forças do um papel constrangedor, e a consciência é
Logos e nos deixamos guiar por elas, a bombardeada por propagandas e informa-
atividade interior passa da cultura indivi- ções de todo tipo. Quando tudo é relati-
dual à visão da realidade universal. vo, a conduta de cada um, as opiniões e o
Vista por este ângulo, a perspectiva é comportamento se tornam arbitrários.
totalmente diferente da do homem Doravante, muitos estão determinados a
moderno. A política e a economia gover- lutar somente para sobreviver, consagran-
nam as relações humanas, e de ambas do-se exclusivamente à família e, quando
espera-se prosperidade e prestígio. Seria muito, a alguns passatempos.
essa verdadeiramente a condição para a Nos séculos passados, no Ocidente, o
felicidade? Existe, aqui, um mal entendi- homem buscador devia desafiar os dog-
do. Riqueza, poder e prestígio não são mas da Igreja e do Estado. Se um livre-
valores que determinam a vida humana pensador se desviasse da visão do mundo
em última instância. O bem-estar e um reconhecida pela sociedade, ele podia cer-
sistema político responsável são importan- tamente esperar por um isolamento total,
tes, porém são apenas meios que permi- ou por coisa pior. Na sociedade ocidental
tem alcançar um objetivo espiritual. pós-moderna, em compensação, ele deve
No melhor dos casos, são condições que superar a negatividade do relativismo.
permitem a busca da verdadeira realização. Unicamente fazendo surgir a fonte inte-
Se fossem um fim em si mesmos, logo rior e reagindo inteligentemente às novas
conduziriam ao abuso de poder. energias e influências divinas é que pode-
Repetindo: Vós tendes em princípio a remos progredir. Neste caso, damos à vida
liberdade de utilizar os impulsos espiri- uma totalmente outra orientação. Damos,
tuais para vos alçardes a um plano de por assim dizer, as costas às incitações
consciência superior. O mesmo acontece virulentas do exterior. Se nos libertarmos
quanto à compreensão da relatividade de delas, as leis exteriores perderão sua
todos valores humanos. A este propósito, ascendência e sua coação sobre nós;
constatamos quão pouco nossa consciên- adquiriremos uma independência baseada
cia comum é capaz de apreender uma numa experiência íntima de energia cria-
noção como a de absoluto. A realidade dora; nossa compreensão das possibilida-
superior escapa ao pensamento, à vontade des ofertadas por nossa época não parará
e ao sentimento; ela é muito mais sutil que de aprofundar-se e acabará por alcançar
todas as manifestações culturais de nossa uma realidade poderosa, concreta e subs-
época. A verdade é sentida, de fato, tancial, que nos fará avançar sempre mais
apenas nas profundezas do ser. no caminho da verdade.
O homem cuja consciência é assim
Existe, entretanto, uma purificada encontra-se no mundo, ele se
orientação válida? devota ao serviço do amor
universal que emana da
Um dos sinais mais marcantes do nosso energia cósmica funda-
tempo é sem dúvida a falta de orientação, mental que tudo conduz, e
conseqüência do relativismo, da idéia de coopera, assim, na Grande
relatividade mal compreendida. Os valo- Obra da libertação.

23
A onipotência

“Por mais que vos esforceis, jamais sereis capazes de imaginar quão pequeno é um
próton e quão pouco espaço ele ocupa. Porque ele é muito pequeno. O próton é uma
parte infinitesimal do átomo que, por sua vez, é algo incrivelmente pequeno. Os
prótons são tão pequenos que um pontinho de tinta sobre a letra i pode conter mais
ou menos 500.000.000.000 deles, ou para ser exato mais que o número de segundos
contidos em meio milhão de anos. [...] Suponde, agora, que pudésseis reduzir um desses
prótons a um bilionésimo de seu tamanho normal dentro de um espaço tão pequeno
que um próton parecesse gigante. Introduzi nesse espaço inimaginavelmente pequeno
trinta gramas de matéria. Perfeito: estais no ponto onde um Universo principia.”
A ssim começa o livro apaixonante de exata é denominada emulação... En-
Bill Bryson A Short History of Nearly tão, surge a pergunta fundamental:
Everything1 (Pequena história de qua- poderão as imitações dos seres huma-
se tudo), onde, com efeito, ele explica nos viver? Do ponto de vista deles,
“quase tudo” de maneira brilhante. sim... Para eles não existe nenhuma pos-
Os físicos e especialistas dizem que o sibilidade de verificar se ‘realmente’
começo do cosmo deve ter acontecido existem num computador que tão-so-
aproximadamente há quarenta bilhões mente os simulou. Eles se encontram
de anos. O Universo ainda conhecerá num programa e, portanto, não têm
uma pequena expansão, e logo, antes acesso à sua verdadeira substância, o
de uma implosão, atingirá muito rapi- computador material. É possível ima-
damente o ponto de derrocada da ma- ginar uma simulação perfeita de todo
téria densa, denominado “singularida- o Universo físico que também abriga
2
de final” . Aí, espaço, tempo e todas as seres viventes como no Universo real
formas materiais serão aniquiladas. e que imita perfeitamente a evolução,
Dentro de pouco tempo, alguns mi- no tempo, do Universo real” 3.
lhares de anos, a vida sobre a terra já Essa imitação do mundo ofereceria
não será possível. A longo termo, os todos os aspectos de um paraíso.
cientistas não serão, um dia, bastante “A simulação do corpo humano se-
engenhosos para salvar o Universo? O rá bastante aperfeiçoada em relação ao
célebre físico americano Frank Tipler, corpo que hoje possuímos: as leis
em Physics of Immortality desenvolve simuladas do mundo poderão ser mu-
uma estratégia de sobrevida relativa à dadas a fim de que a ‘segunda morte’
raça humana. Tipler parte da idéia de física, da qual Paulo fala na Primeira
que o homem, no atual estágio bioló- Epístola ao Coríntios (15:42-44), não
gico, por mais limitado que ele se en- intervenha. Esse corpo simulado e aper-
contre em todos os sentidos, dispõe, feiçoado será o equivalente do ‘corpo
contudo, de grandes possibilidades. espiritual’, e será feito da mesma subs-
Em cada caso, para se adaptar às con- tância que o atual espírito humano:
4
dições inconstantes da evolução cós- um pensamento em um espírito...” .
mica, ele adquiriu um potencial inte-
lectual considerável. Agora ele deve O Deus ômega
transformar sua aparência material a
fim de poder sobreviver em todos os Quem programará esse supercom-
domínios do Universo. E isso, afirma putador onisciente? Quem, finalmen-
Tipler, será algo realizável no futuro, te, será o mestre desses mundos cha-
graças aos computadores. Por meio de mados à “vida”, onde não existirá a
cálculos que ainda não podemos ima- morte? O supercomputador. Eviden-
ginar, todo conhecimento relativo ao temente, um dia, ele cruzará um um-
Universo será reunido e armazenado bral importante onde ele mesmo cria-
em um enorme programa de simulação. rá os programas, tornando-se, assim,
Nele, o homem será dissecado átomo uma entidade autocriadora, reprodu-
por átomo, célula após célula, até o zindo a si mesmo. Ele recolherá todas
ponto em que se obtenha uma cópia as informações do Universo com as À esquerda:
perfeita de uma personalidade em rea- quais fará experiências, ultrapassando Modelo da
lidade virtual. de longe todas as limitações da inteli- estrutura de
“Uma simulação absolutamente gência humana. Podemos imaginar um próton.

25
que esse computador acabará por to- testo e em total colaboração, com es-
mar uma forma que ignoramos, fora sas operações sábias, necessárias para
de toda realidade material conhecida. conservar o homem e fazê-lo experi-
Ele terá a possibilidade de sobreviver à mentar a condição sumamente agradá-
aniquilação de nosso Universo e de vel, geralmente sub-avaliada, que de-
criar por si mesmo outros universos. nominamos existência”.
Conforme Teillard de Chardin, Tipler Tipler não vê nada que seja “suma-
denomina ponto ômega o ponto final mente agradável”. Ele dispõe de ócu-
de concentração, carregado de todas los informáticos: a criação da humani-
as informações universais do passado. dade é, no final das contas, nada mais
“Pode-se simplesmente dizer que o que um caso de sinais de mais e me-
ponto ômega é onisciente; ele possui nos. Somente a informática sobrevive-
toda consciência do Universo físico (e, rá. Ele diz: “Na vida, a seleção natural
portanto, de tudo quanto concerne a é a informação necessária à nossa con-
5 6
si mesmo)” . O Universo vai além de servação” . Em outro lugar, ele conti-
sua própria morte e vive seu renasci- nua: “A vida é... a arte da elaboração
mento na consciência do deus ômega. informática, e o espírito humano, as-
Não é necessário dizer que a forma de sim como a alma, é o resultado de um
vida que conhecemos terá desapareci- sofisticado programa de computa-
7
do. Mas esse não é, tampouco, o pro- dor” . Assim como atualmente pode-
blema de Tipler. O Universo não sur- mos programar milhões de partículas
giu para produzir as formas que co- de informação num minúsculo micro-
nhecemos. Ele apareceu porque ca- processador, num futuro muito próxi-
sualmente havia no início certas infor- mo provavelmente será possível fixar
mações: por exemplo, o poder de um essas informações em alguns átomos
átomo de se ligar a outro átomo. No que, segundo Tipler, ulteriormente
decorrer de bilhões de anos vieram à serão suscetíveis de proteger a vida, a
existência formas discordantes que fo- despeito de todas as catástrofes. A in-
ram extintas, pois não pareciam viá- formática progride, desprovida de
veis. A manifestação humana foi uma objetivo e de sentido.
delas, e por isso deverá ser extinta no As idéias de Tipler foram recebidas
futuro. por seus colegas de forma bastante céti-
Também acerca dessa manifestação ca. Contudo, sua lógica é evidente. Nos-
humana, Bill Bryson levantou ques- so cosmo instável não oferece à huma-
tões intrigantes. Na introdução de Pe- nidade senão possibilidades limitadas
quena história, ele se pergunta: “No de vida. Caso os seres humanos não
início não deveria existir, bem antes de descubram qualquer plano superior
nossa presença aqui, bilhões e bilhões que indique um sentido espiritual ver-
de átomos errantes que se juntaram de dadeiro, somente lhes restará a busca
maneira curiosa e complexa para nos da perfeição na realidade existencial. É
criar? Essa é uma organização tão par- necessário que o imperfeito se torne
ticular e complicada, que jamais pode- perfeito, que o finito se torne infinito
ria ter ocorrido mais cedo e que existi- e o saber limitado, saber ilimitado.
rá somente uma vez. Durante os mui-
tos anos que virão (assim esperamos), A divinização é possível?
essas partículas minúsculas trabalha-
rão em conjunto, sem qualquer pro- Fundamentado no materialismo ci-

26
Fala-se, por exemplo, do onipoder ou da onipotência de Deus. Portanto, o todo-poderoso é Deus
mesmo. Portanto, alcançar a onipotência significa: penetrar até a essência fundamental da Divindade e
dela participar. Como a essência fundamental de Deus está sempre associada ao fogo, sendo sempre
comparada ao fogo flamejante, compreendereis que, a partir do momento em que o candidato pode
dominar o quinto éter, o éter-ígneo, ele conseqüentemente também domina o núcleo do átomo e
alcança, dessa forma, a onipotência absoluta. [...]
Que diremos, então, da onipresença divina? Pois bem, essa onipresença divina, essa força divina está
contida no quinto aspecto do átomo. Se o candidato se abre para essa força, ele então se torna uno
com o próprio Deus. Ele se torna uno com a essência fundamental da onimanifestação até o átomo.
E, em decorrência disso, a força de Deus, a onipotência, se abre para ele.

Rijckenborgh, J. v. e Petri, C. d., A Gnosis chinesa. Editora Rosacruz, 2006, cap. 33-II.

entífico oficial, o futuro da humanida- aspecto de um computador? Contu-


de visado por Tipler é tão enganador do, existe uma maneira totalmente di-
quanto angustiante. Sozinha, dotada ferente de confirmar as palavras de Pau-
de poderes imperfeitos num mundo lo acerca da ressurreição (versão de
em que deve saciar sua sede de saber e Tipler): “Somente num corpo espiri-
demonstrar seu poder, num mundo tual – a imitação pelo computador – é
composto de formas viventes em que a ressurreição será possível, sem a
desordem e sem relações mútuas, a segunda morte: nosso corpo de maté- Reprodução artística
humanidade deve lançar-se num em- ria comum não conseguirá sobreviver de hieróglifos
8 egípcios. David
preendimento audacioso e incerto a ao calor extremo do ponto final” . De
Sandison, Geoff
fim de obter, mediante grande esforço, fato, “a carne e o sangue não podem Borin, The Art of
numa natureza imprevisível, uma exis- herdar o reino de Deus” (I Cor 15:50). Egyptian Hieroglyphics,
tência ulterior. Mas, o que pensar da Tipler elaborou uma representação Londres: Hamlyn,
perspectiva de uma imortalidade sob o física de Deus, estimulado pela idéia 1997.

27
da ressurreição, comum às grandes admite a evolução de uma “personali-
religiões. Seu deus ômega nasceu do dade superior”, enquanto admite
conhecimento e experimentação das todos os desenvolvimentos terrestres,
forças evolutivas que fazem surgir e vê apenas o que sua consciência
desaparecer todas as coisas. O deus comum e imperfeita reflete, e nada
ômega projeta imensos períodos de mais.
tempo, e não obstante ele continua Pessoas como Tipler, que negligen-
sendo um deus criado no tempo e ciam a imperfeição humana, podem
espaço. A esse respeito, Jesus diz: “Eu servir-se inconscientemente de suas
sou o alfa e o ômega”. Sua atividade intuições, ao passo que o espelho de
tem por fonte a existência do Deus sua consciência deforma essas intui-
eterno, que, fora do espaço-tempo, ções e dá-lhes uma aparência comum,
desde a origem até o futuro, se revela que consideram realidade.
novamente aos seres humanos. Essa
visão da eterna ordem da natureza Paradoxo da onipotência
concede à ressurreição seu sentido
real. O homem imortal não poderia Seria arrogância o homem esforçar-
ser o produto de um computador, o se para alcançar a onipotência? A ciên-
corpo da ressurreição uma cópia do cia atual tem toda a razão em estimu-
antigo corpo, e o mundo do Espírito o lar os seres humanos à pesquisa e nisso
resultado de manipulações digitais. O aplicar toda sua inteligência. Todavia,
homem imortal, a ressurreição, o o verdadeiro pesquisador deve reco-
mundo do Espírito sempre existiram, nhecer os limites de suas capacidades,
porém numa dimensão à qual os seres pois trata-se de uma questão de inteli-
humanos se fecharam. gência. É preciso que ele se conscienti-
No mundo da perfeição, nosso ze de que não pode adquirir um ver-
domínio de existência foi criado no dadeiro saber unicamente mediante o
espaço e no tempo. A transfiguração intelecto. Então ele descobre algo um
ocasiona a ressurreição do homem- tanto curioso: aquilo de que necessita
espírito original em um mundo fora não está ligado nem à forma, nem ao
do nosso, mas que tudo penetra: o espaço, nem ao tempo. Trata-se, por
mundo da vida original eterna. O assim dizer, de algo que o ser humano,
homem que vive no tempo não conse- nas condições em que ainda se encon-
gue conceber a eternidade, porém ele tra, não pode alcançar, a menos que
tem dela uma premonição interior. As encontre interiormente poderes ocul-
demonstrações de Tipler dela testifi- tos, ainda latentes, poderes espirituais
cam, por mais desconcertantes que que, na vida comum, não podem
sejam. representar nenhum papel. Esses
A via da ressurreição do homem- poderes não são determinísticos nem
espírito é hoje muito concreta. É intelectuais, mas viventes, benéficos, e
necessário fazer uma distinção muito tudo englobam. É preciso aqui acres-
precisa entre nossa existência terrestre, centar um elemento especial, um
o mundo divino e a eternidade. É uni- quinto elemento, que até o momento
camente na perspectiva da eternidade não desempenhou nenhum papel. Os
que se revela a história da temporali- rosacruzes o denominam “quinto
dade, a evolução do ser humano e o éter” ou “éter ígneo”.
sentido dessa evolução. Quem não Isso é representado de maneira

28
extremamente sutil na história simbó- participa da perfeição divina e atua na
lica da vida de Jesus. Jesus, a imagem alma.
sensorial da alma, é incompreendido e Essa atividade da alma não pode ser
rejeitado. Seus atos estão em total con- apreendida nem pelo cálculo nem pe-
tradição com sua grandeza interior. las especulações teóricas. É simples: se
Ele se deixa humilhar, ridicularizar, nos abrimos a essa quinta força, ao
injuriar e até mesmo ser levado à mor- éter ígneo, podemos experimentá-la
te. Aos olhos dos intelectuais, sua for- de modo consciente. Então, ela nos re-
ça não se demonstra inteiramente. vela o sentido da existência do mundo
Eles não compreendem o essencial: o e da humanidade. Quando essa quinta
poder divino não pode nem quer de- força preenche a consciência, já não
monstra-se neste mundo. Mesmo quan- perguntamos sobre a existência de
do se oferece a Jesus a realeza do mun- Deus, pois ele é a essência interior de
do, ele a recusa. Em um mundo deter- toda a matéria existente. É o poder da
minado pelo espaço e tempo e que perfeição. Esse poder une tudo o que
representa para a humanidade apenas existe, os átomos de todos os mundos.
um domínio de passagem, a perfeição Deus vive em tudo o que tende à per-
divina não pode se expressar senão de feição. Tal é a onipotência divina. E
maneira deformada, corrompida. quando os seres humanos se unem in-
teriormente, pela alma e pelo espírito,
Deus e o desenvolvimento a tudo que existe, eles se tornam igual-
interior mente onipotentes. No Evangelho de
Tomé lemos:
Há cem anos, os físicos descobri- Jesus disse: Aquele que busca,
ram o mundo do infinitamente peque- não pare de buscar até que encontre,
no, do qual a matéria é formada. Nes- e quando encontrar,
se domínio já não reinam as leis físicas perturbar-se-á; depois,
que podemos conceber mentalmente. ficará maravilhado
Os átomos, e as partículas ainda mais e reinará sobre o Universo. 9
sutis da matéria e da luz não se com-
portam de acordo com os pensamen- FONTES:
tos formados pelas impressões senso- 1 Bryson, B., A Short History of Nearly
riais. Enquanto isso, após haver Everything (Breve história de quase tudo).
conhecido algumas leis dessas partícu- Londres: Broadway Books, 2003.
2 “Singularidade”: ponto de concentração infi-
las, o homem fabrica lasers e transisto-
nita e sem volume.
res. Contudo, essas leis não nos dão 3 Tipler, F., Physics of Immortality, modern
atualmente nenhuma imagem com- cosmology, God and the resurrection of the
preensível do mundo; enquanto isso, a dead (Física da imortalidade, cosmologia
civilização materialista se patenteia moderna, Deus e a ressurreição dos mortos).
cada vez mais incerta e limitada e a Londres: Macmillan, 1995.
consciência humana fica reduzida a 4 Idem, p. 299.
um conhecimento bastante relativo da 5 Idem, p. 199.
natureza. Ela apenas pode estudar o 6 Idem, p. 165.
7 Idem, p. 163.
aspecto exterior deste mundo. Os
8 Idem, p. 299.
processos vitais em si mesmos e as leis 9 Slavenburg, J. e Glaudemans, W.,
da criação são apenas acessíveis me- De Nag Hammadi-geschriften: Evangelie
diante o quinto éter: o éter ígneo, que van Thomas, logion 32-2, p. 270.

29
A chave

30
O homem atual já não busca sua salvação no mundo da transitoriedade. Ele sabe
muito bem que o essencial deve ser encontrado naquilo que é eterno. Seu pensamento é
suficientemente autônomo para penetrar os vestígios das grandes iniciações do passado,
que erguem para nós uma pequena ponta do véu. Teoricamente, isso é maravilhoso,
mas, e a prática?

Hauri vós mesmos da fonte sempre desceram a este campo mun-


dial de antagonismos, de multiplicida-
A tragédia do homem moderno é que- de, a fim de oferecer ao homem a cha-
rer compreender o Espírito e suas es- ve da eternidade. Utilizai essa chave.
truturas com o intelecto, ignorando, Não a deixeis enferrujar na caixa das
porém, o mistério do coração. E co- “dez mil coisas”.
mo resultado, a porta permanece her- Jesus diz, nas primeiras páginas da
1
meticamente fechada para ele. Pistis Sophia, o livro do Salvador : “Eu
Muito embora essa chave única es- venho do primeiro mistério...” O
teja “mais próxima que mãos e pés”, mistério mais elevado e mais simples é
permanece uma concepção abstrata, o mistério da luz. Cristo é a luz, o
uma noção intelectual como milhares amor e a vida do Universo. Ele é oni-
de outras. Ele não pode usar a chave presente, o coração da vida original
porque ainda lhe falta a visão da por- que tudo penetra, o coração do ma-
ta. Ele é como alguém que chega, em crocosmo que pulsa em cada micro-
pleno deserto, a um lugar de onde ele cosmo. Cristo é a Água Viva na cister-
próprio deve “haurir” a água porta- na do deserto da vida. A força de Cris-
dora de vida, a fim de não morrer de to possui uma freqüência vibratória
sede. Não lhe basta apenas esperar a que corresponde à do planeta Terra,
chuva na esperança de que suas gotas mas cujo nível ainda é muito elevado
o refresquem. No deserto de sua vida, para que percebamos. Em outros cor-
o homem deve aprender a haurir por pos celestes essa força é conhecida por
si próprio da fonte interior. outros nomes. Contudo, ela é o cora-
ção eterno do Universo e se manifes-
Usar a chave ta sempre na tríade luz, amor e vida.
Quem é capaz de liberar em seu
Não somos nós, a todo instante, ob- coração a força de Cristo – a sabedo-
jeto da graça do Altíssimo? A peregri- ria-amor da vida original – pode pe-
nação da humanidade, que se estende netrar profundamente o primeiro Porta em
por milhões de anos, conheceu muitas mistério. Com essa chave, a porta é Portugal. ©Foto
quedas, mas continua. Os enviados então aberta. Uma radiação espiritual Pentagrama.

31
Baraias, o instrutor, cria ordem nas “dez mil coisas”, na sem-
expõe o que disse Mani: pre crescente multiplicidade. Então,
surge uma estrutura que corresponde
“Assim falou meu senhor: a uma lei espiritual que estimula forte-
Assim como, até os dias de hoje, mente no homem a lembrança da pá-
um potro, destinado ao uso do rei, tria perdida e lhe ensina a compreen-
é treinado por seus criadores der melhor sua verdadeira destinação.
especiais para tornar-se um cavalo O homem parte da idéia de que ele
de sela real, sobre o qual o soberano mesmo pode criar mundos com a
possa desfilar com toda beleza e força da inteligência. Esses mundos, e
magnificência e realizar seus planos, não poderia ser de outro modo, apre-
assim também o corpo é nutrido sentam as mesmas características que
pelo Espírito para fazer o bem. o homem. Eles conhecem medo em
Foi emprestada uma vestimenta; um face da existência, cupidez, auto-satis-
barco foi aparelhado e atribuído ao fação, sede de experimentações, dese-
melhor piloto a fim de que ele jo de poder. Mundos que vacilam à
encontrasse o tesouro no mar; um borda de um abismo de autodestrui-
santuário foi erigido em honra do ção. Mas vós, apartados desses mun-
Espírito e o templo mais santo para dos ilusórios, quebrais os muros das
revelar sua sabedoria. A criança foi aparências e dos comportamentos
conduzida ao pleno crescimento, de egocêntricos que nos prendem ao
modo que Mani, habitando um mundo. Vedes diante de vossos olhos
corpo, pudesse resgatar os homens a relatividade do saber e das teorias
sujeitos aos poderes maus do intelectuais. É um engano acreditar que
mundo e liberar seus adeptos da com isso o homem pode abarcar o
sujeição aos espíritos rebeldes, bem Espírito. Voltai-vos para o vosso co-
como do poder dos governantes ração, pois o coração guarda a fonte
inferiores. Esse corpo devia-lhe vivente, a cisterna no deserto da vida.
servir para manifestar a verdade da Tornai-vos silenciosos para que
Gnosis e abrir amplamente a porta possais ouvir a eloqüência da voz do
aos prisioneiros, concedendo-lhes a silêncio. Tentai imergir na fonte e, ao
abençoada vida eterna...”
2
caminhar, rejeitai as pedras da indife-
rença. Purificai o coração e segui, sem
tensões, o caminho no qual adquiri-
reis autoconhecimento. Esse é o úni-
co trabalho na vida que vale a pena, e
por isso merece a primazia sobre os
outros. Quem se abre ao mistério in-
terior e vive da força de Cristo liber-

32
ta-se de todos os medos e dúvidas, cu- na. Desse modo, sua luz, amor e vida
ra suas doenças, afasta-se do mundo e estão ligados ao uno, inominável cen-
pode entrar pela porta aberta no jar- tro do campo do Espírito.
dim dos vivos. Ele venceu a transito- Tão logo uma criatura, um “filho”,
riedade pela imortalidade. se separa dessa trindade no Espírito e,
mediante pensamentos e sentimentos
O centro do Universo também é cria seus próprios mundos e sistemas
o centro do microcosmo que não se encontram em harmonia
com o coração do Universo, o princí-
Através dos tempos o Espírito esti- pio original mergulha no esquecimen-
mula esses conhecimentos na huma- to. A criatura já não consegue alcan-
nidade. Após dois mil anos de cristia- çar outro nível de criação, assim como
nismo exterior, o tempo da reviravol- uma semente não pode germinar se
ta chegou: cada ser humano é chama- cair num solo árido. Isso também se
do a voltar seu coração para o coração aplica ao ser humano, pois também
do Universo, para o ser eterno. Essa é nele há uma semente divina. Se, tal co-
a nova missão. Então o homem com- mo a terra, o coração humano é fértil,
preende: o centro do macrocosmo e o essa semente pode germinar e trans-
centro do microcosmo são unos. Essa formar-se numa árvore da vida no
é uma fabulosa certeza que pode tor- microcosmo humano. Assim a criatu-
nar-se verdade para cada um de nós. ra é reconduzida ao seu domínio ori-
Embora a experiência direta do ser ginal e é completamente unificada com
interior talvez não seja realizada ime- a pulsação do coração do Universo.
diatamente, o homem pode, no entan-
to, consagrar-se ao primeiro mistério Que criatura é reconduzida?
por meio da fé, da esperança, da con-
fiança e da auto-entrega. Será a personalidade mais ou me-
Que significa o “centro do Univer- nos cultivada, com seus valores inte-
so”? Não se trata de uma dimensão lectuais que é reconduzida? Isso sig-
espaço-temporal, muito distante, em nificaria o enxerto de um renovo apo-
algum lugar no Universo. O centro drecido na árvore da vida... Quando o
do Universo é o mais elevado campo ser humano purifica seu coração
onipresente e onipenetrante do Espí- desimpedindo-o do fardo das coisas
rito. Ele irradia em todas as esferas do efêmeras e aprofunda o autoconheci-
macrocosmo como um sol que vibra mento, a radiação do coração macro-
em cada átomo como centelha mais cósmico verte uma luz vivente no co-
interior. É o eterno inominável de ração microcósmico. Alegria, reco-
onde emana o eterno princípio Pai- nhecimento, liberdade e profunda paz
Mãe que gera o Filho, a criação divi- partem da tríplice fonte original de

33
luz, amor e vida. Quem bebe nessa O primeiro mistério é de um es-
fonte se transforma: as idéias originais plendor, de uma pureza e de uma har-
do Espírito e a radiação de amor de monia inconcebíveis.
Deus atuam nele livremente, e a rosa
microcósmica desabrocha novamente 1 Rijckenborgh, J. van: Os mistérios gnósticos
na árvore da vida. da Pistis Sophia (em preparação).
Fonte em Os maniqueus davam a isso o no- 2 Oort, J. v. e Quispel, G., De Keulse
Portugal. ©Foto me de “surgimento da pérola na árvo- Mani-codex (O codex-Mani de Colônia).
Pentagrama. re de pedras preciosas de Cristo”. Amsterdã: De Pelikaan, 2005, p.116.

34
Curriculum vitae

Isto deve ter começado pelo comer do a perseverança estão gravadas em


fruto dessa famosa árvore, um tipo de nosso sangue. Lutamos por um mun-
droga que nos faria conseguir justa- do que escolhemos, por um paraíso
mente o que queríamos: um mundo que nos escapou, pela felicidade e pela
só nosso, um mundo à parte, onde justiça. Nosso malogro – melhor dito:
seríamos mestres. Ambição bastante o malogro de nossos predecessores –
“humana”, e muito natural. revela-se antes um estímulo para agir-
mos ainda melhor e darmos provas,
em vez de uma razão para refletirmos;
E mpregamos aqui as palavras “nos” pois, em realidade, o paraíso está em
e “nosso”, pois trata-se justamente de alguma parte dentro de nós. Mesmo a
saber até que ponto podemos, no sé- idéia de imortalidade não nos aban-
culo XXI, identificar-nos com esse donou.
lendário incidente no paraíso, que Podemos dizer que todo ser possui
provavelmente é um mito com signi- uma alma, ou um aspecto dela. Fala-
ficado simbólico. se até mesmo de uma consciência mi-
Aparentemente, trata-se de uma neral. Não existe matéria morta. Po-
aventura na qual todos estamos impli- rém, só o homem tem algo em parti-
cados, e que ainda não terminou. Sim, cular: uma alma vivente. O Criador
trata-se de uma aventura perigosa. Es- deu-lhe toda liberdade, e também uma
sa embriaguez tornou-se um sonho gota de sua essência. A Divindade fez-
do qual quase nunca despertamos, um se sua companheira, seguindo-o em
sonho às vezes agradável, outras vezes cada uma de suas experiências, sem
cheio de pesadelos. Encontramo-nos julgá-lo. Ela é o guia cujo auxílio nos
num imenso parque de diversões, lan- permite examinar e compreender tan-
çando gritos de estupefação, sofren- to o mundo divino quanto a natureza
do, porém, tanto desacertos quanto terrestre. Essa vida espiritual, segui-
amargas decepções: um inferno com damente chamada de “grande alento”,
atrações de tirar o fôlego. Ele nos cati- foi-nos ofertada de modo absoluta-
vou de tal maneira que seguidamente mente incondicional. Eis por que se
deixamos nele nossa pele para poder- diz que Deus é amor: força propulso-
mos fazer ainda um novo giro, numa ra quase imperceptível, dinâmica fun-
outra roupagem, porém sempre mais damental subjacente à consciência de
ricos em experiência... E isso prosse- todo ser humano.
gue. A questão agora não é “como sair
disto” mas “queremos verdadeiramen- Mediante a cruz os dois
te sair?”, pois a última pergunta não é se tornaram um
tão evidente. Somos seres de origem
nobre. A engenhosidade, a coragem e O paraíso aparece às vezes sob a for-

35
ma do “país dos dois rios”; chega-se
mesmo a situá-lo na região do Tigre e
do Eufrates, na Mesopotâmia, o atual
Iraque. Porém, se nos abrirmos à ver-
dade oculta nesses relatos simbólicos,
descobriremos que mesmo nosso
mundo assemelha-se a um sonho.
Nós jamais abandonamos nossa ori-
gem, o reino de Deus; pois Deus é um
e único, e fora dele nada existe.
O “país dos dois rios” é para nós o
mundo das duas correntes opostas,
tanto tenebrosas quanto luminosas.
Somos os habitantes de dois mundos,
de duas ordens de natureza. Ligamo-
nos alternadamente ora com a luz, ora
com as trevas, a matéria. Porém,
ambas provêm de uma única e mesma
realidade, de uma única e só corrente.
A vida, tal como a experimentamos
em nosso mundo, na natureza, é cícli-
ca. Exuberante na primavera, é como
uma festa que parece não ter fim
durante o calor do verão, acalmando-
se, em seguida, no outono, e morren-
do no inverno, período de repouso
em que se prepara um novo ciclo.
Quer se trate de um inseto efêmero
ou de uma supernova, o princípio
permanece o mesmo: a alternância
sem fim da vida e da morte, um com-
bate em que não há vencedores nem
vencidos. Nesse pano de fundo, a
personalidade humana se parece com
uma caixa de ressonância que faz soar
não apenas as vozes e o alarido inces-
santes da terra – repercutidos para o
exterior através dos sentidos, e para o
interior através do sangue –, mas tam-
bém a voz do silêncio celeste. É um
cruzamento onde todas as influências
convergem. Civilizações crescem e
desaparecem, estruturas governamen-
tais e sociais se sucedem, idéias e con-
vicções surgem e logo são substituí-
das, porém, na encruzilhada, a única
constante é a rosa, o princípio espiri-

36
tual. As etapas da história da terra são coisa senão lutar por sua existência. Desenho sobre
apenas sinais exteriores da atividade A história da humanidade se parece cortiça, século XX,
de Mawela e
ininterrupta e irresistível da grande com a sorte e azar da personalidade,
Mwandjuk Marike
corrente, o verdadeiro curriculum mas que em realidade é a história da representando o
vitae do Universo: o desdobramento alma, do “grande alento” espiritual. mito aborígine da
da única vida mais elevada, a vida Sob a influência da luz, o ser humano origem dos seres
espiritual. passa por uma transformação tripla: humanos. No alto,
Existem ainda mais coisas entre o Eu primeiro – Eu também – Eu sou, o as duas irmãs
originais a bordo da
céu e a terra do que podemos suspeitar, que explica bem o nosso comporta-
fonte da vida. Elas
e também na terra. Um homem pos- mento. No conjunto, podemos des-
encontram seu
suidor de luz reconhece a luz ali, onde crever o “eu” como um acorde, onde irmão, Dzanggawul,
ele menos espera. Por outro lado, essa a relação entre os três se modifica que plantou as oito
luz nos mostra também a face deses- constantemente, entre o corpo (ou a primeiras árvores
peradora das duas correntes opostas, personalidade), a alma (ou alma natu- (à direita) com o sol
em nós e à nossa volta. A cruz é pri- ral) e o Espírito (ou o alento, a alma da manhã e da tarde
(à esquerda).
meiro o símbolo da separação dessas vivente, ou ainda alma-espírito).
Abaixo, as duas
duas correntes que nos governam e Eu primeiro oferece-nos a imagem irmãs dão à luz aos
nos animam: a voz da terra e a voz do notável do tipo de homem que se es- primeiros homens.
céu. Contudo, à medida que a força gota na luta pela existência, cujo lema Em baixo: resumo
dinâmica da grande corrente, do “gran- é “olho por olho e dente por dente”. mais ou menos
de alento” do Espírito, ganha em Contudo, a força salvadora, “que não abstrato do conjunto.
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influência, essa cruz se torna o símbo- dorme nem dormita”, acompanha
South Wales, Sydney,
lo da unificação das duas naturezas. durante seu sono a personalidade Austrália.
ligada à alma natural, tal como uma
“Eu primeiro – Eu também – força oculta em segundo plano. Pode-
Eu sou” mos comparar esse segundo plano a
uma terra nutridora, onde o instinto
Seria isso possível? É possível falar poderá germinar sob a forma de uma
de unidade no mundo dos princípios inteligência que, esperamos, se trans-
opostos, sem partir da dualidade? formará em razão. No decorrer des-
Aqui a razão deve dar lugar ao cora- sas fases é constituída uma base sóli-
ção, ao saber da rosa. As estórias e da, bem estabelecida na terra, sobre a
lendas sobre as duas correntes têm qual a vida superior estará capacitada
sido continuamente transmitidas, a aparecer progressivamente. Porém,
ouvidas com paixão e reconhecidas a hora da alma vivente consciente
como algo familiar. Será que o sonho ainda não chegou. Não obstante, um
ainda é inexorável e o sono muito saber interior começa a se manifestar
profundo? Embora muitas pessoas sob a forma de uma firme convicção,
experimentem a corrente espiritual e de uma consciência que as sucessivas
interior, acham desconcertante a idéia experiências retificam e conduzem à
de que possa existir algo além do maturidade.
conhecido; elas apenas conhecem
como realidade a natureza e o eu desta Tudo se torna diferente
natureza. Incessantemente confronta-
das com as forças opostas que caracte- Eu também é o sinal da reversão. A
rizam o mundo, e submetidas ao ins- personalidade e a alma natural, que se
tinto de conservação, não fazem outra aproximam dos limites da natureza e

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percebem a terra prometida delinean- rentes do céu e da terra, de Deus e do
do-se no horizonte, transcendem as homem, terminam por confluir e jor-
formas e as imagens. Tudo muda. rar da mesma fonte.
Nessa luz o homem vê quem ele é e de Eu sou é a expressão da unidade
onde vem; ele distingue as verdadeiras perfeita do corpo, da alma e do Espí-
proporções da terra, sua beleza e seus rito, a união visada desde o início. E a
horrores. Sua consternação e sua irri- rosa irradia na cruz.
tação diante das situações inadmissí- O alento, a alma natural, a alma-
veis e incompreensíveis do mundo espírito, a rosa e a cruz: são tantos
dão lugar a uma profunda compaixão nomes e imagens que, por um lado,
– bem como à seguinte reflexão: tendem a explicar o segredo da vida e
“Certamente o mundo se encontra do “grande alento”, e por outro lado
em grande confusão, mas eu também. criam uma confusão de línguas com-
Agora sei: eu tenho a mesma possibi- parável à de Babel, quando se aborda
lidade de ligar-me a uma vida comple- essas expressões de modo puramente
tamente diferente. No meu ânimo intelectual. Há a história do homem
despertou o desejo pelo reino do Es- chamado Jesus. Não existe nenhuma
pírito”. A rosa ilumina a cruz. O ho- prova de que ele tenha existido. Con-
mem não é capaz de alcançar esse tudo, em todos os momentos de
outro reino por suas próprias forças; nossa vida, e nestas exposições, nós o
ele pertence inteiramente à terra, e encontramos a cada passo. Não con-
esta o atrai irresistivelmente. sideramos suas palavras tão-somente
Mas nossa aspiração rompe todas como citações bíblicas, mas como
as cadeias! O Pai envia seu Filho: o ser reconhecíveis centelhas viventes de
humano começa a compreender luz. Ali onde buscamos a simplicida-
como o “grande alento” se manifesta, de do “grande alento”, ali onde segui-
como ele se liga à alma natural e daí mos o caminho da luz, nós o encon-
engendra finalmente uma “alma-espí- tramos tanto como símbolo quanto
rito”. As duas naturezas, as duas cor- como realidade: ele é a força da alma.
Mediante essa força tornamo-nos
conscientes do amor que torna tudo
“Pois toda a Gnosis é incorpórea. possível, da Luz que nos dá o conhe-
O instrumento de que ela se cimento: a Gnosis e a força que per-
serve é o Nous que, por sua vez, mitem tudo realizar. Sem a força da
tem o corpo como seu instru- alma proveniente dos domínios supe-
mento. Assim, encontram ambos riores, esbarramos incessantemente
lugar no corpo, tanto as atividades em nossas limitações; com ela atingi-
que se exercem mediante o mos alturas insuspeitas, até transpor-
Nous como as que se exercem mos a última barreira, deixando todo
mediante a matéria, pois, do sonho para trás.
antagonismo e da resistência A “grande aventura” termina então
tudo deve vir à existência. pela união entre o ser humano e a
De nenhum outro modo isso é Luz. Essa é a epopéia da Luz. Não há
possível.” vencedor nem vencido; todas as opo-
Rijckenborgh, J. v., A arquignosis egípcia. sições são abolidas. O campo do Es-
São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, pírito e o ser humano radiam em Luz. ©
Foto
1989, t. 3. Um novo trabalho os aguarda. Pentagrama.

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