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Ao corpo casto ou impuro Não visa essa exemplificação classificar os poetas numa
outro corpo uma dadiva somente. escala de valores. Não quer premia-los. Apenas <lesejei
(Tavares de Miranda) com a coleta de alguns poemas ineditos que tenho sobre a
Maus presagios que antecipais frustros <lesejos, mesa e outros dos ultimos volumes de versos recebidos, assi-
a corrente deságua nalar o parentesco dos novos sob sua aparente diversidade.
nesse mar de abismos, avelã, E mostrar "in-vivo" certas características que vão m<Crcando
fragil avelã passwstes
a contribuição atual. Já encontl'amos tais rnluções nos
f2m sobressaltos nas vagas trazkfa
como espuma! pioneiros simbolistas e nos poetas eurnpeus do inicio do se·
(Tavares de Miranda) culo. Não sistematizadas ,porem.
Aliás nada se inventou, a rigor, desde os romanticos,
A identificação do poeta com as coisas inanimadas, assi- pois tudo iss-0 se acha em Vict011 Hugo. Mas as exceções do
milando-lhe as formas como se fossem qualidades, expressões passado, as tímidas ousadias de entao, são agora a propria
e receptividades: linguagem da poesia, quase sua propria lingua, que cabe
aprender para apreender a nova mensagem.
Sou concha que s.onhou guardar consigo
<! harmonia das ondas
(Idelma Ribeiro de Faria) Agosto, 18 - A pintura academica tem com<> uma de
suas regras mais inflexiveis a obediencia á perspectiva. E'
Mais do que tudo porem a sugestão da imagem, direta, mesmo, essa perspectiva, uma '"prova" apriesentada, repetida·
sem apelos á ínteligencia, antes endereçando-se unicamente mente, do "progresw" da pintura desde o Renascimento ..•
aos instintos obscuros, antes se valendo de impactos infla- Esquecem os academicos que não ha progresw em arte e,
mat01•ios, ,que incendeiam e se propagam sem explicações, maÍs ~inda, que a perspectiva em si não justifica nem inva-
sem justificativas, acordam estranhas riquezas adormecidas lida a obra de arte, cujo objetivo é a expressão de um sen-
dentro do leitor: timento, de uma emoção e ·nunca a copia enganadora da
natureza. Entretanto a perspectiva é um. elemento util;
As nuvens que não choram mais, não querendo renascP,;.
precioso até, entre os demais elementos da composição. A
(Paulo Sergio)
serviço de uma sensibilidade apurada, pode enciquecer as
o amor á Rosa dos Ventos soluções pictoricas, pois dá ao pintor um plano a mais, per-
sempre te fez caminh.ar
mite-lhe jogar com uma nova dimensão; abrir c;m fechar
(Paulo Sergio) "buracos" na tela. Empregada no sentido imitativo não
Me liquefaço, gotejo nessa chuv(! passa por certo de um pobre tl•ampolim para os talentos
sem sal e sinto o pêlo dos cachorros encharcados. menores. Usada com liberdade apresenta um valor constru-
(Jurandir Ferreira) tivo Je linhas mestras, de vigas de apoio, ou ao contrario
de efeitos deformadores e expressivos muito importante. A
Só a morte existe
perspectiva, em suma, é um elemento que o pintor precisa
Só a morte vive,
com palavras quentes dominar, ainda que seja ~penas para desobedecer ás suas
e frios deliquios, injunções.
cipreste fugindo Esse. comentario se impõe á minha atenção deante dos
para a lua - a morte! u1timos quadros de Bonadei (Galeria Domm) . Ai temos,
Com vagares, com
prospostas e enigmas em um artista consciente, sensível e inventivo, varios exem·
de feras na jaula plos do interesse que oferece a perspectiva quando o pintor
(Henriqueta Lisboa) não vê nela um tabu mas sim uma mera solução ao seu al-
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cance, tal qual as demais de que pode lançar mão. Sem 1922 já não satisfazem os poetas de hoje e que uma nova
atentar então .pa11a o "regulamento" dela, tira o artista dessa forma poetica (e não uma nova poesia), aos poucos, se vai
"lei" unicamente 'ªs vantagens da profundidade, e esta é um criando. Não creio, entretanto, que a pergunta tenha sido
peso que ele distribue de acordo com o imperativo da com- bem formulada, principalmente no tocante á maior ou me-
posição, ora abrindo um vaouo no primeiro plano e o en- nor expr,essividade dessa nova forma. A poesia não é ex-
volvendo de saliencias significativas, como para aconchegar pressiva pela escola, mas tão somente pela qualidade dos
o tom mais puro ou mais valorizado, ora de um modo or- poetas, e os de agora, como os de antes, não são todos de
todoxo no sentido da fuga natural dos objetos, ou do afas- u:m mesmo nível. Ha de tudo entre eles: bons, medíocres,
tamento dos planos secundarios em beneficio ·do primeiro. pessimos.
Para Bonadei a pintura é o que deve ser realmente: A insatisfacão diante das soluções de 22, o desejo de
uma sinfonia de cores e formas, com leit-motivs, desenvol· encontrar outra,s a vontade de uma afirmação original, o
vimentos de melodias, acordes e ritmos. E' verdade 1qrue, . '
sentimento da urgencia de uma volta á disciplina, eis o que
por traz (ou á frente) ' desse objetivo essencial, se encontra n1e parece nortear os novos poetas. Isso não quer dizer
sempre um ponto de partida realista. Bonadei não é abs- po1•em, que tenham alcanç:ado seu objetivo. Na maioria dos
tmto. Não por determinação, porque lhe repugne o aban- casos ha uma visível incapacida,de ·de realização e em muitos
dono do objeto, mas porque este não apresenta, de fato, outros uma chocante suficiencia, fruto da ignorancia dos
nenhum interesse. Tão secundario se lhe afigura, que nem mais comezinhos ensinamentos tecnicos. Na maioria dos
sequer sente a necessidade de eÚmina-lo por completo. casos, ha sistematização pura e simples dos achados que já
Pouco lhe importa vejam ou não no vaso um vaso. E essa vêm de longe, do simbolismo francês e até do velho Hugo.
indiferença deante da polemica figurativismo-abstracionismo Excepcionalmente, verifica-se o aproveitamento das lições de
parece-me a atitude certa do pintor. V alerv ou dos parnasianos. Tudo isso é louvavel, tudo isso
, '
Os que produzem de olhos fixos na escola ou na moda, é util, porem, dai a falar de uma "nova poesia"... E antes
malogram. Caem na composição escolar. Fogem de um de mais nada, uma nova poesia só existiria se os moços trou-
academismo para se entregarem a outro, não menos esteril. xessem uma "nova mensagem". Foi esse o caso dos roman-
E' o que Bonadei evita, anti-academico por excelencia, capaz ticos, como foi o dos pat'Jlasianos mais tarde, o dos simho·
de arrancar da linha e da côr sua mais bela expressão, capaz listas e o dos modernistas de 22. A nova mensagem decorreu,
tamhem de tirar de um objeto todo o misterio e toda a ri- entretanto, de modificações essenciais na psicologia, das no·
queza formal que contem. Desobediente á perspectiva mas v;i,s descobertas no caminho do conhecimento, pois em ultima
adepto dela quando convem á sua mensagem uma tal mol- instancia poesia é conhecimento que se comunica. Nas epo-
dura. cas classicas, esse conhecimento está em todas as formas da
cultura e a poesia apenas o codifica. Nas epocas romanti.·
Agosto, 2.5 - Os moço8 de Atihaia, que, seguindo o cas, ou de transição, ele está no individuo, nas prospeoções
exemplo fecundo de João de Souza Ferraz, em Limeira, cora- do individuo, nas suas experiencias mais ou menos satisfa·
josam.entc editam um jornal literario,, enviam-me um ques- torias, exprimindo-se então de modo variavel e nem sempre
tionario. Pensava responder ao inquerito, remetendo dire- acessível a todos. Ora, as condições do mundo não muda.-
tamente aos diretores de "Tentativa" o que digo abaixo. Mas mm essencialmente desde 22, apesar da, guerra, da bomba
as pe11guntas são de ordem a merecer maior divulgação do atomica e dos movimentos sociais. A poesia continua a
que as respostas.
refletir o m1esmo clima de incerteza, de 1angustia, de desa..
Indagam de imc10 esses rapazes se surgiu, de 1945 a nimo. E sua forma· ressente-se das imposições do fundo.
esta data, uma nova poesia, "menos ou mais expressiva" que Ha em verdade uma nova cultura em desenvolvimento, uma
a das gerações anteriores. E' evidente que as soluções de cultura de massas, talvez exigente de uma nova expressão.

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