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MINISTÉRIO DA EDUCAGAO E CULTURA

INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO

POESLAS COMPLETAS DE.


BERNARDO GUIMARES
Organização, introdução, cronologia e notas por
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO

RIO DE JANEIRO - 1959


269.0(24) - 4 135
GUI

1069 MINISTÉRIO DA EDCAÇÃO E CULTURA


INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO

POESIAS COMPLETAS DE
BERNARDO GUIMARES
Organização, introdução, cronologia e notas por
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO

Retrato a óleo de Bernardo Guimarães, de


autoria do pintor
italiano Punetti

RIO DE JANEIRO 1959


APRESENTAQO

Dando prosseguimento à edição das obras completas de


grandes antores brasileiros, publica o Instituto Nacional do
Livro as poesias reunidas de Bernardo Guimarães. Colabo
ra, destarte, para a recuperação de uma das mais interes
santes figuras do Romantismo brasileiro que, muito conhe
cido como o ficcionista de A Escrava Isaura e O Seminarista,
havia caido em quase completo esquecimento como o apre
ciável irico dos Cantos da Solidão. Portanto é em boa hora
que se traz novamente à critica e ao público os livros de poesia
Desta edição foram tirados, fora de comércio,
quinze exemplares especiais em papel de linho de Bernardo Guimarães, de há muito esgotados e quase ina
Westerpost. cessiveis aos interessados.
Coube a poeta já familiarizado com o trabalho de
m

preparar e anotar dispersos Alphonsus de Guimaraens


Filho, quem devemos a reunião a obra do simbolista
Archangelus de Guimaraens e as últimas reedições das poe
sias completas do seu pai a tarefa de organizar êste volu
me. Além do prefácio e da cronologia do autor das Filhas
do Outon0, Alphonsus de Guimaraens Filho reuniu aos livros
08 dispers08 de Bernardo que foi possivel localizar, valori
zando ainda a edição as inúmeras notas que o acompanham.
NOBREGA
WoRMEVLLS RENAT0 SANTOS PEREIRA
JosÉ
INTRODU Ã O

I- POSIÇÃO DE BERNARDO GUIMARES


A

como poeta., com Cantos


Bernardo Guimarães, que estreou em
da solidão, em 1852, foi considerado vida mais pelas suas
de suas
qualidades de romancista, tornando-se mesm0, através
obras de ficção, um dos escritores populares de seu tempo.
que no ano anterior à
Manteve-se, porém, fiel à poesia, tanto versos, Fôlhas
sua morte, 1883, ainda editou uma coletânea de
do outono.
seus Estudos de literatura bra
Foi José Veríssimo (nos
sileira, edição de 1901 da Casa Garnier, pág. 254) quem, ao
comentar o aparecimento, em 1890, de nova edição das Poesias
vez a hipótese
de Bernardo Guimarães, sugeriu pela primeira é
ser o poeta superior ao romancista:. "Não muita, não é
de a reputação de Bernardo Gui
talvez tanta quanto merecia, a gue foi dos
marães como poeta. SobrelevOu-a de romancista, que êste juízo
mais fecundos das nossas letras.sem Não creio
seja bom, e talvez nós possamos impertinência começar a
na sua
revê-lo*". A mesma opinião foi repetida peloà crítico
se lê pág. 261 da 3.
História da literatura brasileira, onde Ber
ed., feita em 1954 pela Livraria José Olympio Editôra:
e não sei se continuará
nardo Guimarães teve em seu tempo, que como poeta. Não
a ter, mais nome como romnancista do
me parece de todo acertado êste modo de ver".
a ser reforçado por
0 julgamento de José Veríssimo veiopor :
outros, e êstes mais importantes ainda virem de poetas
perfilharam tal opinião, entre outros, Ronald de Carvalho,
sua Pequen
quando afirma à pág. 286 da 3.ª ed., de 1925, da
história da literatura brasileira, F. Briguiet & Com., Editores:
"Poeta, antes de tudo, Bernardo Guimarães sentiu, mais do
ao
que observou, as cousas do mundo: e Manuel Bandeira,
dizer na sua Antologia dos poetas brasileiros da fase romântica,
com Laurindo
onde inclui Bernardo Guimarães, juntamente
Rabelo, logo depois de Gonçalves Dias, Castro Alves, Álvares
e Fagundes
de Azevedo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu
Varela,, como "os que deixaram obra
que, em bloco, testemu
XII BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS XIII
nha forte e decidida vocação poética*: "T'eve em seu temno
mais nomeada como romancista do que como poeta. Dstamos sição moderna de Bernardo Guimarães", no ensaio com êsse
com José Veríssimo, que, em sua título que publicou em "Autores e Livros", n.° de 14.III. 1943,
História da literatura bra
sileira, não considera "de todo acertado êsse modo de ver"" e para o qual chamamos a atenção do leitor, por se tratar de
(3. ed. da citada Antologia, I. N. L., 1949, pág. 112). um trabalho que melhor o ajudará a conhecer Bernardo Gui
Ainda Manuel Bandeira, à página 16 da sua Antologia, marães e sobretudo por conter detida análise da posição do
deixaria inserito : "Por mim, reclamaria maior atenção para escritor mineiro diante da crítica.
Bernardo Guimarães, cujo "0 devanear do céptico" é um dos A nosso ver, a maior notoriedade do romancista e as
poemas importantes do romantismo". Maior atenção : a ver opiniões sôbre a superioridade do poeta ainda mais justificam
dade é que os romances e contos de Bernardo Guimarães vie a presente edição das poesias, tanto quanto possivel completas,
ram tendo sucessivas edições, algumas gràficanmente de Bernardo Guimarães. Outro não foi nosso propósito ao
lamentá.
veis, enquanto que a sua poesia caiu em olvido quase completo. organizá-las, senão possibilitar uma visão conjunta de sua
Tão grande se fêz êsse olvido que a de poemas seus obra poética.
na excelente antologia organizada porinclusão
Manuel Bernardo Guimarães deu forma e expressão, em grande
Bandeira veio
revelar o Poeta às gerações mais jovens e representou mesmo parte de seus poemas, a sentimentos da sua geração e do seu
uma reparação. Homenagem de vulto significou também tempo. Como em "0 devanear do céptico", em que Manuel
número consagrado ao Poeta por "Autores e Livros, dirigido Bandeira viu certamente a producão mais característica do
pelo escritor Múcio Leão, em 14 de março de 1943. estado de espírito de sua geração" (vide, no final desta edi
Da mesma opinião de José Veríssimo, Ronald de Carvalho ção, a nota 11), em diversos poemas traduziu êle emoções ou
e Manuel Bandeira,
já não é outro crítico dos nossos dias, estados de alma não apenas seus, mas de tôda uma época.
Agripino Grieco. Na sua Evolução da poesia brasileira, à pág. Talvez se possa dizer que a sua obra poética proporciona,
36 da 2.a ed., de 1944, da Livraria H. Antunes, Rio de Janeiro, em conjunto, a sensação de que estamos diante de um român
manifesta-se êle: Quanto ao Bernardo Guimarães poeta, é tico em quem o famoso "mal do século", atingindo-o embora,
autor de vários volumnes rimados que não merecem o quase não pôde dominar a capacidade de reagir à tristeza mórbida,
total esquecimento em que jazem, embora - e aí o povo acerta ou ao clima de angústia irreparável em que
viveram os poetas
o romancista valha muito mais". seus contemporâneos, pelo humorismo, às vzes também amar
Por sua vez João Alphon go, inerente à sua matureza.
sus, no seu estudo "Bernardo Guimarães, romancista regio E romântico que, Com certos
nalista', feito para a edicão de maio de 1939 da Revista do traços que o distinguem dos demais (o que, acho eu, distingue
e
Brasil" mais tarde reproduzido no volume O romance bra
sileiro (Editôra 0 Cruzeiro, 1952, com coordenação, notas e
exteriormente, se assim posso dizer, Bernardo Guimarães como
poeta, é que, seja qual fôr o seu mérito, êle tem como tal, per
revisão por Aurélio Buarque de Holanda), viu, na opinião dos sonalidade à parte da dos poetas de seu tempo, escreveu José
que declaram o poeta maior que o romancista, Veríssimo) como os demais padeceu o tormento da dúvida, a
"um critério obsesso da morte, e longamente celebrou o sentimento amo
intelectual exigente", acrescentando: No que concerne a
roso, l-a Paradoxalmente, o sentimento amoroso
Minas, nenhum outro escritor de sua época foi mais admirado, só não apa
lido e conhecido, e as velhas bibliotecas do interior ainda con rece no seu primeiro livro, Cantos da solidão, onde Basílio
têm cuidadosamente os seus romances.
A nomeada se pro
de Magalhães viu não o livro de um poeta de 27 anos", ma
que Ihe pareceu, isto sim, "obra de um
longa até hoje e nas velhas fazendas mineiras os serões, con qüinquagenário", por
servando uma tradição de proprietários letrados, costumam se não vislumbrar nas suas páginas "o enlêvo
o homem, na fecunda da mulher, a que
encher com suas histórias repetidas oralmente, ou lidas nas primavera da vida, principalmente quan
antigas edições. Aliás, esgotadas as edições Garnier, prova do bafejado pelas musas, entoa comn tdas as veras e com tdas
de sobrevivência seus liVros têm aparecido em as gamas da sentimentalidade, os seus mais sinceros,
forma po mais
pular, em volumes materialmente infames, que cálidos e mais efusivos descantes": (é o que se lê à pág. 73
logo para satisfazer a curiosidade desaparecem do estudo biográfico e crítico sôbre Bernardo Guimarães
nua a admirá-lo", do leitor comum, que contl de
Ainda João Alphonsus estudaria "A p0 autoria do ilustre escritor). Mas romântico em meio a cujas
notas não raro desalentadas surgia fregüentemente o
humo

DE DE CODA
XIV BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS XV

rista, com a facécia habitual, como no poema meus magistratura, em Goiás, abandoná-la para exercer o magisté
ros cabelos brancos"; nêle, as lamentações do"Apoeta se primei rio e o jornalismo, voltar novamente a ela para novamente
inter
Iompem com esta quadra em que, para aliviar talvez a pressão abandoná-la pelo magistério. E tudo isso nas suas andanças
interior, se descreve êle assim pitorescamente: pelo sertão, em Goiás ou em Minas, na sua permanência na
Côrte e finaimente na sua fixação mais ou menos definitiva
Agora apenas, de óculos nas ventas, (mais ou menos, pois teve de ser ainda professor em Queluz,
Em tôsco rabecão, Minas), em Ouro Prêto, depois do casamento. E tudo isso
Poderei desferir algumas notas aproveitado para observar os costumes e admirar as paisa
Em tomn de cantochão. gens que descreveria nos seus romances e poemas de sertanis
ta legítimo, em cujas páginas, como viu João Alphonsus na
Em tom de cantochão: aí está, nessa quadra, a
essência região do sudoeste mineiro, onde se desenrola um dos romances
da poesia joco-séria que Bernardo Guimarães tanto afeiçoava. de Bernardo Guimares, A filha do fazendeiro (vide o ensaio
Sucede porém que, não raro, se dava o contrário,
isto é, o "Bernardo Guimares, romancista regionalista", em C ro
Poeta se preparava para fazer um poema joco-sério e de re mance brasileiro), tem-se a presença de um escritor que fixou
pente percebia que a sua ingênita melancolia acabava por sem falsear certos hábitos e costumes ainda hoje existentes
dominar os versos e se impor. 0 queÉ
anota êle, por exemplo, e a quem são palavras de João Alphonsus ainda que
no poema em que, como neste citado acima, outros méritos não tivesse", restaria "a glória de iniciador do
também se detém
a analisar a devastação e estragos causados pelo nosso sertanismo literário, iniciação espontânea ou quando me
meu aniversário". Fôra a sua intenção tempo: *Ao nos livre da paternidade européia ou americana, como o india
inicial debicar, num
tom muito seu. Mas eis que se surpreende êle a constatar nismo ou o antiescravismo". E mais: "Espontânea tanto
que: mais quanto o escritor era por si mesmo um narrador verbal
de histórias à beira do fogo, nas fazendas ou humildes
E esta ?! comecei sôbre êste assunto habi
tações da roça, sabendo tocar viola para entremear as narra
Um canto joco-sério:
tivas de canções".
Eis senão quando vejo-me envolvido
No pó do cemitério!...
Procuramos, na citada cronologia, mencionar o principal
de uma biografia abundante em casos de vivo pitoresco. Para
completar, ainda referimos nas notas finais, fatOs e anedotas.
Foi Bernardo Guimarães um poeta em cuja personalidade Estáclaro porém que, nos limites dêste trabalho, não pudemos
coexistiram habitualmente o lírico e o humorista, mas que dar ao leitor a impressão exata do que foi essa vida, tão curiOsa
tem como a sua principal nota a visão pessimista, e dolorida, que Antônio de Alcântara Machado, na primeira
hora do mo
da existência. dernismo, em crônica posteriormente inserida no seu livro
póstumo Cavaguinho e sacofone, intitulada "0 fabuloso Ber
II – A VIDA DE BERNARD0 GUIMARAES
nardo Guimarães", exaltou o homem para amesquinhar, e
mesmo negar, o escritor. Exagêro próprio de um movimento
Damos ao leitor, nesta edição, uma cronologia de Bernar que, visando promover a renovação de
valores, começou por
do Guimarães. Estamos longe de supor que, nessas breves destruir e negar. (Vide, a êste respeito, o ensaio, já mencio
indicações, se ache devidamente esboçada a vida movimentada nado acima, "A posiço moderna de Bernardo Guimarães,
e interessante dêsse inquieto de João Alphonsus.)
vagamundo e andejo.
Poucos escritores nossos oferecerão biografia tão rica em
fatos que põem em relêvo a singularidade do seu espirito, a
sua bomomia, a sua necessidade de evasão.
Já antes de ir III NORMAS E BASES DESTA EDIÇÃO
para São Paulo, teria Bernardo Guimarães participado, ainda
adolescente, da revolução de 1842; depois de diplomar-se em
Direito em São Paulo, o que se viu foi o Poeta ingressar na
tanto quanto possível completas, -
A presente edição das poesias de Bernardo Guimarães,
como já declarei inclui
todos s trabalhos reunidos pelo Poeta nos três livros que -
BERNARDO GUIMARÄES COMPLETAS
POESIAS

publicou: Poesias, Novas poesias e Fôlhas do outono. Acres Fique consignado também o meu agradecimento especial
centamos uma quarta parte, Dispersos", na qual inserimos ao Sr. José Renato Santos Pereira, diretor do I.N.L., a cujo
os poemas que não figuram naqueles livros, alguns dos quais,
como explicamos em notas finais sôbre cada caso, foram por estímulo e entusiasmo se deve, em grande parte, a realização
dêste trabalho; à professôra Maria Filgueiras, competente cola
nós recolhidos nos estudos biográficos do Poeta feitos pelos seus boradora, cujo carinho pela árida tarefa se demonstrou na
coestaduanos Dilermando Cruz e Basílio de Magalhães. Aliás,
no estudo de Basilio de Magalhães, merecedor de todos os meticulosidade e segurança com que a executou; ao escritor
José Guimarães Alves, neto de Bernardo Guimarães, que nos
elogios, foi que encontramos as melhores fontes para pesauj forneceu subsídios valiosos sôbre a vida e a obra de seu avô,
sas que tivemos de encetar e que possibilitaram a inclusão de
poemas que não constam dos três volumes organizados pelo além de excelente documentação iconográfica, acudindo com
Poeta. Bernardo Guimarães chegou mesmo a juntar um poe solicitude sempre que a êle nos dirigimos; a Alexandre Eulálio
ma a um dos seus romances: trata-se do canto elegíaco "À Pimenta da Cunha, que nos auxiliou com esclarecidas pesqui
morte de Gonçalves Dias", publicado em apêndice ao romance sas; e ao professor Celso Cunha, que, com o seu cavalheirismo
e boa vontade, pôs à nossa disposição os arquivos da Biblio
0 indio Afons0. Lá o fomos buscar para esta edição, que só teca Nacional, de que é diretor.
não apresenta, como é óbvio, os poemas eróticos de Bernardo
Guimarães. Tomamos como base para organização das Poesias com
Atualizamos a ortografia de acôrdo com as normas vigen pletas as seguintes edições de Bernardo Guimaräes, feitas em
tes. Mantivemos quase integralmente a pontuação do Poeta. vida do autor: Poesias, de 1865, Livraria Garnier, contendo:
Apenas nos permitimos alterá-la raras vêzes, movidos pelo "Cantos da solidão", "Inspirações da tarde", "Poesias diver
propósito de melhor esclarecer o texto. Atendendo ao valor sas", "Evocações'", "Abaía de Botafogo"; Novas poesias, 1876,
psicológico da pontuação, agimos com a maior prudência. As Livraria Garnier, e Fôlhas do outono, 1883, Livraria Garnier.
poucas modificações intoduzidas estão devidamente apontadas Das Poesias e Novas poesias há uma outra edição e de Cuntos da
nas notas finais, onde reproduzimos, inclusive, o texto original. solidão uma primeira feita em São Paulo, mas revista e corri
Indicamos também os erros tipográficos por nós emendados, gida pelo Poeta numa segunda ediço feita no Rio de Janeiro,
mais freqüentes em Novas poesias e Fólhas do outono. Tudo texto posteriormente inserto entre os livros que compuseram
a edição de 1865 das Poesias. Não nos foi possível obter
isso nos obrigou a minúcias que de certo modo sobrecarregaram
um pouco as aludidas notas; mas estou que o leitor ficará, a 1.# edição dos Cantos du solidão, o que, de resto, não oferecia
assim, melhor informado sôbre o trabalho que executamos. maior interêsse, por ser definitivo não o seu texto mas aquêle
Nem serápreciso assinalar que tais notas não têm maiores revisto pelo Poeta, como explicamos acima (revisão sôbre a
pretensões. Guiamo-n0s, quase sempre, pela lição de mestres qual o próprio Poeta informa em prefácio às Poesias incluído
e eruditos, entre os quais o professor Sousa da Silveira e o na presente edição). Pudemos compulsar o exemplar de Novas
poeta Manuel Bandeira, aos quais se devem excelentes traba poesias de propriedade do escritor Múcio Leão, volume enca
lhos sôbre alguns dos nossos principais poetas românticos. dernado sem a capa. Traz a data de 1900, mas não se informa,
Valemo-n0s ainda da inestimável colaboração de outro ilustre no frontispício ou em qualquer outra parte do volume, se se
filólogo, a quem sou grato: o professor Jesus Belo Galvão, que trata de uma reedição. Pensamos que é a 2.", embora
inclusive redigiu algumas notas especialmente para esta edição. sem afastar a hipótese de haver outras edições das Novas poe
Mas seria injusto se não citasse, ainda uma vez, o escritor Basí sias por nós desconhecidas, até mesmo anteriores a ela, tal o
lio de Magalhães, cujo estudo biográfico e crítico sôbre Ber espaço que medeia entre essa reedição, de 1900, e a princeps,
nardo Guimares constitui o melhor roteiro para quem queira de 1876. Com a 2.4 edição das Poesias, que consultamos no
entrar na intimidade da obra do poeta e romancista de Ouro exemplar pertencente à biblioteca da Academia Brasileira de
Prêto, * Letras, ocorreu algo mais grave: foi ela errôneamente designa
da como sendo a 3.2 e para tal engano chamou José Verissimo a
() Basílio de Magalhães faleceu em Lambari, Minas Gerais, em atenção no ensaio a que aludimos no início desta introduço.
14.XII.1957, aos 83 anos. Póstumas que são, essas edições não possuem evidentemente o
XVIII BERNARDO GUIMARES

valor das outras, feitas em vida do Poeta. E nem semnre


corrigem elas o texto da 1." edição, repetindo inúmeros
tipográficos. De qualquer maneira, porém, realizamos lansos
o con
fronto do texto dessas edições, resultando daí várias observa
ções constantes de notas finais. CRONOLOGIA DE BERNARDO GUIMARAES
-
IV AS NOTAS (Baseada principalmente no volume
Sempre que nos pareceu necessário, fizemos notas "Bernardo Guimarães (esbôço biográfico
sivas ao texto, reunind0-as no final desta edição. Dedicamos remis e critico) " de Basilio de Magalhães).

cada nota a um poema, subdividindo-a em


letras. Por exemplo: a nota 10 se refereitens, numerados com
ao poema êrmo". agôsto: nasce em Ouro Prêto, Minas Gerais, Bernardo
0
sendo analisados, nos seus itens, que vão 1825 15 de
poema que julgamos oportuno comentar. de a até h, aspectos do Joaquim da Silva Guimarães, filho do poeta João Joaquim da
Encontrando no tex Silva Guimarães e de D. Constança Beatriz de Oliveira Guima
to a numeração 10-g, o leitor rães. De seus irmãos, dedicaram-se também às letras: Joa
deverá procurar, na nota 10, o quim Caetano da Silva Guimares, que chegou a Ministro do
item g. E assim por diante.
Supremo Tribunal de Justiça autor de um romance, João e
Inserimos entre as notas de nossa autoria aquelas que o Francisco, sôbre o qual se manifestou o escritor Eduardo Friei
Poeta acrescentou aos seus volumes de poesia, ro no ensaio "Um romance esquecido", ineluído em Páginas de
em especial ao critica, Editôra Itatiaia, Belo Horizonte, 1955; e o padre Ma
intitulado Poesias. Neste, aliás, esclareceu o por
fazia essas anotações, na seguinte introdução às notas que
motivo nuel Joaquim da Silva Guimarães, cujas poesias Bernardo
Guimarães acrescentou, juntamente com as de seu pai, ao vo
que apôs ao volume: "Poucas das poesias que finais lume Fôlhas do outono.
sente coleção precisam de notas, explicações ou compõem a pre
para serem compreendidas. comentários 1829 1842 Mudou-se, com os pais, para Uberaba, realizando nesta
Mesm0 essas poucas notas seriam cidade do Triângulo Mineiro o estudo das primeiras letras. As
inteiramente dispensáveis para os leitores brasileiros, conhe emoções que Ihe causou o contacto com a natureza da região
cedores de nossas cOusas, de noSSOs usOs, costumes e lingua foram fixadas mais tarde no poema "Saudades do sertão do
gens. Mas como o autor aspira a ser lido pelo oeste de Minas", no qual se refere à paisagem da "ubérrima
possível de leitores, quer estrangeiros, quer maior número Uberaba". Feitos os primeiros estudos, mandou-o o pai para
um Seminário de Campo Belo, também em Minas Gerais, a
isso julga que será de algum auxílio para a boa nacionais, por
inteligência fim de realizar o curso de Humanidades, que veio a concluir
de suas produções o pequeno número de notas e explicações em Ouro Prêto, no colégio do padre-mestre Leandro.
que se seguem", Para distinguir as nossas notas daquelas Tem-se como certa a sua participação na revolução liberal.
autoria do Poeta, fizemos seguir estas últimas da indicaçãode: 1842
Basílio de Magalhães, seu melhor biógrafo, deduz, de infor
Nota do Autor. mações que obteve da viúva de Bernardo Guimarães, que o
Poeta não serviu aos rebeldes e sim aos legalistas.
Rio de Janeiro, dezembro de 1958.
1847 Matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde
se tornou amigo íntimo e inseparável de
Álvares de Azevedo
e Aureliano Lessa, com os quais chegou Bernardo
Aphonsus Guimarães
de Guimaraens Filho a projetar a publicação de uma obra que se chamaria Três
liras. Fundaram os três, com outros estudantes, a " Sociedade
Epicuréia' "A tal sodalício" assinala Basílio de Maga
lhes "atribuíram-se coisas fantásticas, que deram brado
no meio social paulistano". 2-a

1851 No 5,0 ano do curso jurídico, foi o poeta reprovado pelo pro
fessor Prudêncio Giraldes Tavares da Veiga Cabral,quecatedrá
tico de direito civil pátrio. "Reprovação acintosa", muito
o magoou.

2
XX BERNARDO GUINM ARÄES POFSIAS COM PLETAS XXI

1852 Publicou Cantos da solidão, pocsia, Tipografin Liberal, São o professor Pedro
lecidos em Belo Horizonte, já setuagenários;
Paulo. depois dos
1852 1854 - 15 de março de 1852: fêz ato na scgunda época, ba
charclando-se pcla Faculdade de Direito de São Paulo. Excr
Bernardo Guimarães, deputado, historiador,
rizonte aos 37 anos, e Joao, vitimado p0r
falecido
sessenta anos ern Uberlandia; José, que morreu em Belo Ho
envenenamento aci
e duas meninas, Isabel
ceu o cargo de juiz municipal e de órfãos do têrmo de Catalão. dental, aos nove anos, em Ouro Prêto;
em Goiás, de 1852 a 1854. e Constança, sendo a primeira, já falecida, mãe do poeta João

1858 - Foi para a Côrte. Publicou nesse ano, no Rio de Janeiro, a


segunda edição dos antos da solidlão, acrescendo o volume de
Guimarães Alves, ao qual se refere o escritor Carlos Drumond
de Andrade em crônica inserida no volume Confissões de Minas,
Améric Edit, 1944, e do pocta e ensaísta José Guimarães AI
uma parte, "Inspiraçõcs da tarde". ves, residente em Belo Horizonte; expirou a segunda aos de
zessete anos, quando noiva de seu primo poeta Alphonsus
1859 1860 Data dessa época a sua atividade como jornalista e de Guimaraens." 2- Suprimida a cadeira que lecionava, Ber
crítico literário em Atualidade", jornal fundado no Rio de nardo Guimares viu-se, já casado, sern colocação.
Janeiro pelo seu amigo, também minciro, Flávio Farnese. Emn
1860, 1evou-se à cena em Ouro Prêto o drama de sua 1869 Publicou o ermitão de Muquém ou História da fundução da
A v0z do paj, publicado mais tarde por Dilermando autoria romaria de Muquém, na provincia de Goiás, edição da Casa
Cruz na
serunda edição, de 1914, de seu livro Bernardo Guimarães Garnier.
Perfil biobiblio-literário. Editou, pela Garnier, Lendas e romances, contendo "Uma his
1861 - Retornou Bernardo Guimares a Goiás, passando a exercer no
vamente o cargo de juiz municipal e de órfãos do têrmo de
1871
tória de quilombolas", "A garganta do inferno" e "A dança
dos ossos
Catalo, empossando-se a 1.0 de março. Assumindo
mente o juizado de Direito, em substituição ao Dr. interina
Virgínio
Henriques Costa, que se licenciara, convocou antes do tempo
1872 - Publicou, pela Editôra Garnier, o romance O seminarista, o
volume de Histórias e tradições de Minas Gerais, contendo "A
legal uma sessão de júri, cabeça de Tiradentes ", "A filha do fazendeiro" e "Jupira",
apiedado da situação dos presos, e o romance
0 garimpeiro.
devido ao mau tratamento que recebiam. Compareceram onze
réus, unânimemente absolvidos, o que valeu ao poeta um pro 1873 Passou a lecionar novamente, agora latim e francês, nomeado
cesso movido pelo Dr. José Martins Pereira de Alencastre, em
pelo govêrno como professor Queluz, Minas. Publicou, pela
presidente da província, processo de que se defendeu com ener Editôra Garnier, o romance 0 indio Afonso, seguido de "A
gia. "Graças ao rotativismo dos partidos monárquicos' morte de Gonçalves Dias, canto elegíaco
escreve Basílio de Magalhães "pouco depois cessava ali
aquela excepcional agitação, provocada pelo bonjugisme do es
eritor mineiro. Caindo o gabinete conservador de Caxias, a 24
1875 - Apareceu o romance que melhor o situaria na campanha abo
licionista e viria ser talvez a mais popular das suas obras:
de maio de 1862, e subindo ao poder o ministério liberal de A escrava Isaura, em edição da Garnier.
Zacarias, deixou José Martins Pereira de Alencastre o go o
vêrno de Goiás, tendo sido também o Dr. Virgínio Henriques 1876 Publicou, pela Garnier, volume Novas Poesias.
Costa removido para outra comarca. 0 processo contra o juiz 1877 Editou, pela Garnier, o romance Mauricio ou Os paulistas em
municipal de Catalão deu em "água de barrela", e, triunfante São João del-Rei.
com a sua facção, pôde Bernardo Guimarães permanecer ali
até fins de 1863". 1879 Em edição da Garnier, enfeixou num só volume o
Tomance
1864 - 1865 De novo o Poeta viveu na Côrte, publicando, pela
Editôra Garnier, em 1865, o volume Poesias, contendo "Cantos 1881
A ilha maldita e o conto "O pão-de-ouro".
A visita de Dom Pedro II a Minas Gerais deu motivo a que
da solidão", Inspirações da tarde", "Poesias diversas", "Evo o
Imperador prestasse expressiva homenagem a Bernardo Gui
cações" e "A baía de Botafogo". marães, a quem admirava. Julga Basílio de Magalhães que "a
consagração do eseritor mineiro perante o mundo politico da
1866 1867 Passou êstes anos em Ouro Prêto, sendo nomeado pr0 capital da província, pelo magnânimo soberano", talvez tenha
fessor da cadeira de retórica e poética do Liceu Mineiro. contribuído para que fôsse confiada a Bernardo Guimarães a
Em 15 de agôsto de 1867 casou-se com D. Teresa Maria Go tarefa de escrever a Históriu de Minas Gerais, missão de que
Mes, " 2.1 Houve o casal oito filhos: seis varões Horácio a morte não lhe permitiu desincumbir-se, embora tenha inten
Bernardo Guimares,119 jornalista e poeta, o primogênito, ainda
tado dedicar-se à mesma tão afincadamente quanto lhe fôsse
vivo, residente em Belo Horizonte; o contista Afonso Silva possível",2.4
Guimares, autor de Ossu mea e O8 borrachos, membro da
Academia Mineira de Letras, e o eseritor Bernardo Guimares 1883 Publicou, pela Garnier, o romance Rosaura, a enjeitada e o
Filho, de acentuada veia humorística, ambos recentemente fa seu último livro de poesia, Fölhas do outono,2-e
DERNARDO GUIMARÄEs

1884 10 de março: faleceu o poeta na sua no Ato das Cabe.


cas, em Ouro Prêto, sendo sepultado casAno cemitério anexo A
lgreja de São José. Tempos depois foram os seus
exumados e depositados numa urna. Recolhida esta no Condespojos
sistório da mesnia ali permaneceu até à inauguraçño,
em 10 do março de Igrejn,
1930, do mausoléu mandado
rovêrno de Minas Gerais n0 mesmo cemitério construir o
pelo
havia sido inumado prinmitivamente. onde escritor
as cinzas de Bernardo Guimarñes 0 mausoléu que guarda
é de autorin do eseultor mi
neiro Antonino Matos e a sua construção se deveu n iniciativa
do presidente Ntelo Viuna, aprovada
pelo Congresso Minciro.
POESIAS
Inaugurou-se, no govorno seguinte, en solenidade que contou
com a presença do representante do
Ribeiro de Andrada, de eseritores, presidente Antônio Carlos
Bernardo da viúva e descendentes de
Guimanrães, tendo o discurso (1865)
escritor Gastão Penalya, Emproferido innugural o
1905, editou-se, pela Imprensa
0ficial de Belo llorizonte, 0 bndido do Rio
mance histórico enn das Mortes, ro
eontinunção ao romnnce
paulistas cm São João del-Rci, com prefáciosMauricio ou Os
João Pio de Sousa Reis e do Conde de de Monsenhor
mance, que Bernardo Guimarães Afonso Celso. 0 ro
deixara
cluído por sua espôsa, D, Teresa. Outras inacabado, foi
con
homenagens
prestadas à memórin de Bernardo Guimarães pelos seus coes. foram
taduanos, entre as quais a inaugurnção, em 1914, de uma her
ma do eseritor, trabalho de autoria
do eseultor Rodolfo Ber
nardelli, nos jardins da Praça da Liberdade, en Belo
te, herma na qual a Academia Mineira de Letras fêz lHorizon colocar,
em 1925, nunna placn comemorativ
do centenário do nasci
mento do escritor, que 6 patrono de uma das
tuição; e a aquisição, pelo govêrno do Estado,cadeiras da insti
que tinha então
à sua o
frente presidente Antômio Carlos Ribeiro de
da casa onde Bernardo Guimarães viveu e morreu. Andrada, Conhe
cida como "Solar das Cabeças", a bela casa
sogra do Pocta, D. Felicidade Gomes fôra adquirida pela
de Lima, do padre Ma
nuel da Silva Gato, neto de Borba Gato.
truíra para sua residência. Bernardo Guimarães 0 sacerdote a cons
na Academia Brasileira de Letras, é patrono,
como primeiro ocupante o poetn da cadeira n.º 5, que teve
Raimundo Correia,
PRÓLO GO

Conta-se que Camõcs, tendo naufragado em uma praiaem


das
uma
a nado os seus Lusiadas, trazendo-0s
Índias, salvara
das mos em cima das ondas,
Essa tradição é bem difícil de acreditar-se, mas não é
impossível.
e fadi
Aquêle rude soldado, afeito a afrontar os perigos
gas da guerra, e as privações da pobreza, inspirado pelo gênio,
e alentado pelo amor e pelo patriotisnmo, era capaz de tamamho
esfôrço e denôdo.
umn vislumbrante futuro, que
A glória lhe mostrava além
trazia seu nome até nossos dias, rivalizando com os de Homeo
Virgílio, de Tasso e Milton; e o nobre infortunado amante
e
de Catarina de Ataíde, morrendo em um hospital, podia ouvir
em seu leito de morte, entre os soluços do pobre Jau, os rumo
res da posteridade repetindo seu nome, e entoando seus cantos
imortais.
Com esta tirada não pensem os leitores que pretendo nem
de longe comparar-me com divino cantor dos Lusiadas.
o

Eu não arriscaria nem um fio de cabelo de minha cabeca,


-a não ser algum dêsses que começam a branquejar-me,
para salvar êsse pot-pourri que aí vai, nem das chamas, nem
das ondas, nem mesmno das traças e dos ratos, nem de outros
mil perigos a que estão sujeitos todos os papéis dêste mundo.
Principalmente na época que atravessamos o papel está
sujeito a tôda sorte de avarias.
Cumpre que renasça o tempo dos pergaminhos, que eram
mais duros e compactos, enquanto não se inventa um papel
impermeável, e uma tinta indelével.
Entretanto, apesar de não ser eu nenhum Camões, nem
meus versos nenhuns Lusiadas, não foi contudo para mim pouco
árdua a tarefa de colecionar a trouxe-nmouxe, e salvar essas
poucas produções que hoje ofereço ao público, frutos de
quadras muidiferentes de mais de quinze anos de vida errante,
inquieta e agitada..
BERNARDO GUIMARAEs POESIAS COMPLETAS

.. perguntará o
Pois deveras !. leitor com tôda a razão, Ora é
esbôço de un drama, que lá fica nas gavetas sem
o
em perto de 20 anos de trabalhos poéticos apenas nos apresen
chave do estudante de S. Paulo.
Ora são fôlhas sôltas de um ensaio de romance, que
tais êsse mísero punhado de poesias mal ataviadas, incompletas o
e incorretas?.. . Sois muito tardo em produzir!.. e as
vento, entrando pelas janelas abertas, entorna pelo pátio,
Para responder-vos, amigo leitor, me é preciso estender faz rebolcar-se na lama.
me mais algum pouco, bem a meu pesar.
Ora é uma ode esquecida entre as páginas de um livro.
Deveis saber primeiramente que a minha vida não tem Ora um madrigal, que foi para a fonte ensaboar-se com
a
sido, nem podia ser inteiramente consagrada ao culto das mu roupa.
sas. Prouvera a Deus que o fôsse!. Ora são artigos de periódicos, literários, que se imprimem
A cultura das letras e da poesia não estando por ora assaz depois de muitas fadigas e despesas, e depois se distribuem
vulgarizada entre nós, não pode constituir uma profissão, um alguns raros exemplares, indo o resto para as tavernas servir
meio de viver ao abrigo das mecessidades, segundo as exigên de embrulho.
cias da época e do país em que vivemos. Ora são folhetins neste ou naquele gênero; e todos sabem
Portanto... a conclusão é clara. que o folhetim é por sua natureza efêmero.
Demais, amigo leitor, minha vida, pôsto que não ociosa, Ora é um folheto, que se imprime com muita dificuldade,
tem sido inquieta e errante, meu destino incerto, e vagas mi e do qual se tiram apenas algumas centenas de exemplares, e
nhas aspirações. se esvaecem como um vapor por êsse espaço imenso.
Ora tudo isto não é muito consentâneo com a índole do Ora é uma composição ligeira, que se confia a um amigo,
poeta, do verdadeiro adorador das musas, se bem que eu, e que êste, tão descuidoso como o autor, vai passando de mão
ainda que indigno delas, não consinto que ninguém me lance em mão, até que se lhe perde o rasto.
a barra adiante no ardor do culto e veneração que Ihes con Ora é um drama, que se confia a um teatro com tôda a
sagro. fé e esperança, e que fica enterrado na poeira dos arquivOs,
Mas Camões, mas Byron, mas Chateaubriand, Tasso, sem que se Ihe tenha lido uma s palavra, fóssil que algum
não têm tido a vida triste, errante, inquieta?!... E entre dia talvez os geólogos desenterrarão.
tanto que de obras esplêndidas não nos legaram!... E por êstes e vários outros modos o autor tem perdido
Por piedade; não me acabrunheis com o pêso de tão não pequena porção de seus manuscritos.
gloriosos nomes! Já se vque se não salvei a nado as minhas poesias, não
sou menos herói do que Camões, fazendo-as escapar de todos
A isso, amigo leitor, para não desculpar-me com a minha
êsses naufrágios e perdições de tôda sorte. Se o público e
insuficiência, pois que a modéstia não é hoje de bom-tom, e mesmo a posteridade me não ler, não seráportanto por minha
seria parvoíce de minha parte não me inculcar por um gênio, culpa.
a isso sòmente responderei: -0utros tempos, outros costumes,
outros países, outras condições, e mil cousas outras, que seria Felizmente a publicação da presente coleção está agora
enumerar. confiada à casa do Sr. Garnier, que tantos serviços tem pres
longo
tado à literatura brasileira, editando nìtidamente em Paris os
Espero que o leitor não me fará mais perguntas embara escritos de nossos autores mais notáveis, quer poetas, quer pro
çosas, e portanto tratemos de concluir quanto antes êste pr
sadores. uma garantia de que estas produções, que agora o
É

logo, que já vai longe. autor entrega à publicidade, ficarão para sempre a salvo de
Vou pois explicar a razão por que não tenh0 amontoado tantos naufrágios e perdições.
volumes sôbre volumes, pôsto que tenha rabiscado muito papel. O autor agradecendo ao público e à imprensa da Côrte e
Em primeiro lugar entendo que nem tudo quanto se escreve das províncias as palavras lisonjeiras com que até aqui tem
merece as honras de ser editado em livro. acolhido as fôlhas esparsas de suas poesias, compromete-se a
Em segundo lugar o pouco que temho escrito existe dis ir fazendo esforços para salvar mais algumas e compor novas.
perso e sôlto, como as escrituras da sibila, ao capricho dos Ven
tos revoando. B. GUIMARAES
CANTOS DA OLIDO
AO LEITOR*

Temos o prazer de oferecer ao público, e particularmente


à mocidade acadêmica, as produções poéticas de um de nossos
irmãos de letras, que ao separar-se de nós legou-nos Ssese can
tos melodiosos, como se fôsse um adeus de despedida, uma
última 1lembrança de seu viver de outrora; é o testamento
do coração ao terminar-se a vida descuidosa de mancebo ;
é o derradeiro olhar do viajante ao deixar as praias deleitosas
de um pais encantado, para expor-se aos azares de uma longa
éa
peregrinação por mares tempestuosos; baliza que servirá
de assinalar-lhe essa quadra risonha da existência, que, ainda
depois de volvida, inspira-nos recordações tão deliciosas, como
Os aromas da pátria que auras propícias levassem aos ermos
do exilado.
Para nós os Cantos da solidão significam alguma
Cousa mais: -a naturalidade com que são escritos e êsse per
fume de tristeza e sentimentalismo que êles exalam bem pro
vam não serem essas poesias uma criação puramente artística
;

elas são a linguagem harmoniosa dee uma alma poética e


inspirada, que se expande melancólica suave como a luz de
pálida estrêla, sentida e queixOsa como as derradeiras notas
de longínqua melodia em horas de repouso.
a voz simpática do coração que fala aos corações, e
É

que sabe fazer-nos Sorrir com seus prazeres, e entristecer-noS


COm seus queixumes.

da 1.4 edição [de Cantos da so


(*)
lidãoj. Éste prólogo é dos editôres
£st
ADVERTÊNCIA DA SEGUNDA EDIÇÃO

Grande número das poesias que agora ofereço ao público


já foram publicadas em S. Paulo em 1852 sob o título de Can
tos da solidão: essa edição porénm, além de muito escassa quanto
ao número de exemplares, foi por demais incorreta; e como o
público parece-me ter dado algum aprêço a essas produções de
minha primeira mocidade, isso me anima a dar-lhe esta se
gunda edição muito mais correta, e seguida de grande número
de poesias diversas.
Cumpre-me aqui dizer algumas palavras a respeito de
algumas alterações e adições que fiz nos Cantos da solidão.
me dis
Quando, ao terminar meus estudos acadêmicos, e
punha a retirar-me de S. Paulo, grande número de amigospoe
colegas mostraram desejos de possuir impressas aquelas
em seu primeiro esbôço
sias; existiam elas pela maior parte e os
tais quais me tinham saído da pena no primeiro ojacto,
manuscritos se achavam em deplorável desordemn; tempo de
que dispunha era muito limitado para eu poder coligi-las, e
e corre
limá-las convenientemnente; com a tal ou qual ordem em S. Paulo
ção que a pressa me permitiu dar-Ihes, deixei-as
em poder daqueles amigos, a fim de dá-las ao prelo; deixei-as
e como um
mais como um fraco penhor de amizade gratido,
eco de meu coração, que eu queria deixar ressoando entre aqu
les bons amigos, de muitos dos quais eu me ia separar talvez
para sempre, do que com0 um titulo com que me apresentasse
ao púb!lico para conquistar o glorioso nome de poeta.
o que há de deleixo 3-«
À vista disso deve-se relevar muito
e incorreção nessas composições; deleixXO e incorreção que pro
curei eliminar o mais que me foi possível na presente edição;
muitas alterações e adições fiz em algumas poesias; e mesmo
uma ou outra refundi completamente; outras porém ficaram
assim mesmo mal acabadas, com o pensamento incompleto, a
frase mal polida, porque não foi mais possível evocar de novo
inspirações há tanto tempo adormecidas. Alterei também um
tanto a ordem em que vinham na primeira edição, a fim de
engrupar debaixo do título de "Inspirações da tarde"
BERNARDO GUIMARES

certo número de poesias em que o quadro nelas


debuxado se
emoldura nos encantadores relevos dessa hora de l'emans0 que
serve de transição da luz e bulício
do dia para o silêncio e t'e
vas da noite. AO IL mo
SR. CORONEL
Vão portanto êstes versos nesta segunda edição
de muitos descuidos de metrificação e de coretos
estilo, e limpos de ANTÔNIO FELISBERTO NOGUEIRA
inúmeros e graves erros tpográficos que desfiguravam a pri
meira. Endereçando-lhe éstes "Cantos da solidão"
Quanto ao valor literário que p0rventura possam
versos, o público e a ter êstes
crítica o decidirão; lembrem-se sòmente
aquêles que lançarem os olhos sôbre estas
produto de uma musa que tem constantemente páginas, que são elas Não vão meus cantos sob os vastos címbrios
o
de todo gênero de contrariedades, e que sofrido embate
o
Do orgulho e da ambição oferecer-lhe
conhece por expe
riência quanto é verdadeiro o que Em vasos d'ouro o néctar da lisonja;
un soplisme digne de la dureté de diz Chateaubriand: C'est
motre siècle, d'avoir avancé Filhos da solidão, nela se aprazem,
que les bons 0uvrages se Nos livres ares folgam de expandir-se,
font dans le malheur: il n'est pas
vrai qu'on puisse bien écrire qand on souffre. Les hommes E reboar nos ecos da montanha;
qui se consacrent au culte des muses se
laissent
merger à la douleur que les esprits vulgaires. plus vite sub
Nem adejando em tôrno da beleza,
Namorados acentos suspirando,
Rio de Janeiro, 14 de abril de 1858. Aos lábios dela mendigar sorrisos;
De Anacreonte as rosas não enfeitam
O AUTOR O meu pobre alaúde afeito ao pranto;
Oh! não... p0rque no vaso de meu peito
Sem seiva, a flor suave dos amôres
Inclinou murcha o mavioso cálix.

E nem vão êles nos jardins da glória


Colhêr-me o sacro louro do poeta,
Auréola fatal, que tantas vêzes
Sôbre a fronte que a cinge o raio chama.

Qual leve aroma que da flor se exala,


E por momentos embalsama Os ares,
Depois se esvai, se perde, assim meus cantos
Talvez acabarão; e a lira inglória
Se quebrará na pedra do meu túmulo
Sem mandar ao porvir um eco a0 menoS.

Ide pois, cantos meus, voai azinha;


Ide; vOSsa missão é pura e santa;
Desdobrai semn receio as asas cândidas
Na esfera azul;- transponde rios, serras,
Profundos vales, plainos e florestas,
BERNARDO GUIAIARES
POESIAS COMPLETAS 15
E onde virdes retiro ameno e ledo,
Como que dêste mundo separado Em tôrno lhe agitai as leves asas,
Perfumadas de amor e de harmonia
;

Por altos serros, que alcantis coroam,


Casto asilo soidoso, onde não chegam Ouça-vVOs êle nas serenas sombras
0 importuno alvorôço, os vãos rumores A soluçar com a fonte gemedora,
Das procelas do mundo; aonde irdes Que desfia entre o musgo dos penedos,
De hirsuto monte nas virentes faldas, Brincar nas fôlhas cos travêssos zéfiros,
Formoso alvergue branquejar risonho E nas úmidas lapas suspirando;
Por emtre a escura rama dos pinheiros, Ouça-vos a rugir com a tempestade
Cono um floco de neve, que dos montes
Rodou sôbre o verdor o vale ameno, E reboar nas broncas serranias,
Aipousai; – nesse escondido asilo, Gemer no pinheiral, roncar no abismo
Co'as despenhadas águas ribombando;
Caro a meu coração, vive um amigo Sôbre seus lares adejai cantando,
No remanso dos ermos procurando Alegres como o trino da andorinha;
Sereno curso pra seus velhos dias, E do repouso nas caladas horas,
E olvido para as mágoas do passado. Do leito seu afugentai cuidados,
Na rasta sombra dêsse tronco anoso Negras visões, ansiados pesadelos;
Provado já em tormentosas lutas, O sono lhe embalai, e sôbre a fronte
Um dia minha frágil juventude Fazei pousar-lhe um sonho de esperança,
Foi abrigar-se; e plácida guarida Qual flor mimosa a vicejar no pino
Meus dias foragidos encontraram. De êrma rocha, surcada pelos raios.
Sorrindo da tormenta, eu contemplava
Em luta com os tufões ranger-lhe o tronco,
E no tope sublime a tempestade
Passar rugindo sem vergar-lhe o colo; PRELDIO
E abençoava o céu, que em meu deserto Neste alaúde, que a saudade afina,
Me mostrou sua sombra hospitaleira.
Apraz-me às vêzes descantar lembranças
Mas-
Sofre talvez;
lá mesmo, na paz do seu retiro
em sua nobre fronte
De um tempo mais ditoso;

De umn tempo em que entre sonhos de ventura


Os dias têm passado tormentosOs,
Deixando nela em veneráveis surcos Minha alma repousava adormecida
Nos braços da esperança.
Impresso o sêlo austero do infortúnio;
E em seu peito talvez fermenta ainda Eu am0 essas lembranças, como o cisne
0 fel de mil lembranças dolorosas! Ama seu lago azul, ou como a pomba
Ele sofre, que é essa a sina eterna Do bosque as sombras ama.
De uma alma pura e grande: é assim que as nuvens
Procuram sempre o píncaro mais alto Eu amo essas lembranças; deixam n'alma
E em tôrno conglobadas o coroam Um quê de vago e triste, que mitiga
De sinistro bulcão, prenhe de raios. Da vida os amargores.
Ide, minhas canções, voai aos ermos,
Filhas da solidão, voltai a ela! Assim de um belo dia, que esvaiu-se,-a
Bafejai do deserto o altivo tronco, Longo tempo nas margens do ocidente
E como um bando de fagueiras brisas, Repousa a luz saudosa.
POESIAS COMPLETAS 17
16 BERNARDO GUIMARES

ou fada,
Eu amo essas lembranças; são grinaldas
ó
tu, quem quer que sejas, anjo
Que o prazer desfolhou, murchas relíquias Mulher, sonho ou visão,
De esplêndido festim; Inefável beleza, sbem-vinda
Em minha solidão!
Tristes flores sem viço! mas um restO
Vem, qual raio de luz dourando as trevas
Inda conservam do suave aroma
De um cárcere sombrio,
Que outrora enfeitiçou-nos.
Verter doce esperança neste peito
Quando o presente corre árido e triste, Em minha solidão!
E no céu do porvir pairam sinistras Nosso amor é tão puro!antes parece
As nuvens da incerteza, A nota aérea e vaga
De ignota melodia, êxtase doce,
Só no passado doce abrigo achamos Perfume que embriaga!...
E nos apraz fitar saudosos olhos
Na senda decorrida; Amo-te como se ama o albor da aurora,
O claro azul do céu,
Assim de novo um pouc0 se respira O perfume da flor, a luz da estrêla,
Uma aura das venturas já fruídas, Da noite o escuro véu.
Assim revive ainda
que Com desvêlo alimento a minha chama
0 coração angústias já murcharam, Do peito no sacrário,
Bem como a flor ceifada em vasos d'água-b
Como sagrada lâmpada, que brilha
Revive alguns instantes. Dentro de um santuário.
Sim; a tua existência é um mistério
AMOR IDEAL A mim só revelado;
H uma estrêla no céu Um segrêdo de amor, que trarei sempre
Que ninguém v, senão eu. Em meu seio guardado !
(GARRETT.)
Ninguém te vê; dos homens te separa
Quem és?- d'onde vens tu? Um véu misterioso,
Sonho do céu, visão misteriosa, Em que modesta e tímida te escondes
Tu, que assim me rodeias de perfumes Do mundo curioso.
De amor e d'harmonia?
Mas eu, no meu cismar, eu vejo sempre
Não és raio d'esp'rança A tua bela imagem;
Enviado por Deus, ditamno puroa Ouço-te a voz trazida entre perfumes
Por mãos ocultas de benigno gênio Por suspirosa aragem.
No peito meu vertido?
Sinto a fronte incendida bafejar-me
Não és anjo celeste, Teu hlito amoroso,
Que junto a mim, no adejo harmonioso E do cândido seio que me abrasa
Passa, deixando-me a alma adormecida O arfar voluptuoso.
Num êxtase de amor?
18 BERNARDO GUIMARES POESLAS COMPLETAS 19

Vejo-te as formas do donoso corpo


Em vestes vaporosas, Tu apenas me apareces
Como um sonho vaporoso,
E o belo riso, e a luz lânguida e meiga Ou qual perfume que inspira
Das pálpebras formosas! Um cismar vago e saudoso;
Vejo-te sempre, mas ante mim passas Mas quando minh'alma sôlta
Qual sombra fugitiva, Desta prisão odiosa
Que me sorriu num sonho, e ante meus olhos
Vaguear isenta e livre
Desliza sempre esquiva!
Pela esfera luminosa,
Vejo-te sempre, ó tu, por quem minh'alma
De amôres se consome; Irei voando ansioso
Mas quem tu sejas, qual a pátria tua, Por êsse espaço sem fim,
Não sei, não sei teu nome! Até pousar em teus braços,
Meu formoso Querubim.
Ninguém te viu sôbre a terra,
ÉS filha dos sonhos meus:
Mas talvez, talvez que um dia HINO À
AURORA
Te eu vá encontrar nos céus.
E já no campo azul do firmamento
Tu não és filha dos homens, A noite extingue os círios palejantes,
ó
minha celeste fada, E em silêncio arrastando a fímbria escura
D'argila, d'onde nascemos, Do tenebroso manto
Não és decerto gerada. Transpõe do ocaso os montes derradeiros.
A terra, de entre as sombras ressurgindo
Tu és da divina essência Do mole sono lânguida desperta,
Uma pura emanação, E qual noiva gentil, que o espôso aguarda,
Ou um eflúvio do elísio
De galas se adereça.
Vertido em meu coração.
Tu és dos cantos do empíreo
5 Rósea filha do sol, eu te saúdo!
Uma nota sonorosa, Formosa virgem de cabelos d'ouro,
Que nas fibras de minh'alma Que prazenteira os passos antecedes
Do rei do firmamento,
Ecoa melodiosa; Em seus caminhos flores despargindo!
Ou luz de benigna estrêla Salve, aurora! quão donosa surges
Que doura-me a triste vida., Nos azulados topes do oriente
Ou sombra de anjo celeste Desfraldando o teu manto aurirrosado!
Em minha alma refletida. Qual cândida princesa
Que em desalinho lânguida se erguera
Enquanto vago na terra Do brando leito, em que somhou venturas,
Como mísero proscrito, Tu lá no etéreo tron0 vaporOSO
E o espírito não voa Entre cantos e aromas festejada,
Para as margens do infinito,
20 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 21

Sorrindo escutas os melifluos quebros Sorria-se amorosa no horizonte,


Das mil canções com que saúda a terra Enquanto a saüdava com meus hinos,
0 teu raiar sereno. Imagem do prazer, que breve dura,
Se esvaeceu nos ares. 6-b

Também t choras, pois em minha fronte Adeus, esquiva ninfa,


Sinto teu pranto, e o vejo em gotas límpidas Fugitiva ilusão, aérea fada!
A cintilar na trêmula folhagem : Adeus também, canções enamoradas,
Assim no rosto da formosa virgem Adeus, rosas de amor, adeus, Sorrisos..
Efeito às vêzes de amoroso enleio
Brilha através das lágrimas o riso.
INVOCAÇÃO
Bendiz o viajor extraviado
Tua luz benigna que a vereda aclara, 0 tu, que ora nos tergos da montanha
E mostra ao longe fumegando os tectos Nas asas do Aguilão passas rugindo,
De alvergue hospitaleiro. E pelos céus entre bulcões sombrios
Pobre colono alegre te saúda, Da tempestade o plúmbeo carro guias,
Por ver em tôrno o singelo côlmo Ora suspiras na mudez das sombras
Manso agitando as invisíveis plumas,
Sorrir-se vicejante a natureza,
Manso rebanho retouçar contente, E ora reclinado em nuvem rósea,
Crescer a messe, as flores desbrocharem; Que a brisa embala no ouro do horizonte,
E unindo a voz aos cânticos da terra, Expandes no éter vagas harmonias,
Aos céus envia sua humilde prece. Voz do deserto, espírito melódico
Eo desditoso, que entre angústias vela Que as cordas vibras dessa lira imensa,
No inguieto leito sôfrego volvendo-se, Onde ressoam místicos hosanas,
Espia ansioso o teu fulgor primeiro, Que inteira a criação a Deus exalça;
Que lhe derrama nas feridas d'alma Salve, ó anjo! minha alma te saúda,
Celeste refrigério. Minha alma que, a teu sôpro despertada,
Murmura, qual vergel harmonioso
A ave canora para ti reserva Pelas brisas celestes embalado.
De seu cantar as mais suaves notas;
Ea flor, que expande o cálix orvalhado Salve, ó gênio os desertos,
As estremes primícias te consagra Grande voz da solidão,
De seu brando perfume. Salve, ó tu, que aos céus exalças
O hino da criação!
Vem, casta virgem, vem com teu sorriso,
Teus perfumes, teu hálito amoroso,
Esta cuidosa fronte bafejar-me; Sôbre nuvem de perfumes
Orvalho e fresquidão piedosa verte Te deslizas sonoroso,
Nos ardentes delírios de minh'alma, Eo rumor de tuas asas
E desvanece estas visões sombrias, hino melodioso.
É

F'unestos sonhos da penada noite!


Vem, 6 formosa. Que celeste querubim
Mas que é feito dela?... Te deu essa harpa sublime,
O sol já mostra na brilhante esfera
0 e a linda moça etérea Que em variados acentos
disco ardente
pouco As dúlias dos cus exprime?
Que inda há entre flores reclinada
BERNARDO GUIMAREs POESIAS COMPLETAS 23

Harpa imensa de mil cordas Sôbre êle então pousaria


Donde em caudal, pura enchente, Silêncio tôrvo e sombrio,
Estão suaves harmonias Como um sudário cobrindo
Transbordando eternamente?! Um cadáver quêdo e frio.

De uma corda a prece humilde De que servira essa luz


Como um perfume se exala Que abrilhanta o azul dos céus,
Entoando o sacro hosana, E essas côres tão mnimosas
Que do Eterno ao trono se ala; Que tingem da aurora os véus?

Outra como que pranteia Essa risonha verdura,


Com voz fúnebre e dorida Esses bosques, rios, montes,
-0 fatal poder da morte Campinas, flores, perfumes,
E as amarguras da vida; Sombrias grutas e fontes?

Nesta brando amor suspira, De que servira essa gala,


Que te enfeita, natureza,
ó

E lamenta-se a saudade; Se adormecida jazeras


Nest'outra ruidosa e férrea Em estúpida tristeza?
Troa a voz da tempestade.
Carpe as mágoas do infortúnio Se não houvesse uma voz,
De uma a voz triste e chorosa, Que erguesse um hino de amor,
Uma vOZ que a Deus dissesse
E só geme sob o manto Eu vos bendigo, 6 Senhor!
Da noite silenciosa.
Do firmamento nos ceráleos páramos
Outra o hino dos prazeres Sôbre o dorso das nuvens balouçado,
Entoa lêda e sonora, Os olhos arroubados esprainndo
E com cânticos festivos Nos longes vaporosos
Saúda nos céus a aurora. Dos bosques, das remotas serranias,
gênio dos desertos,
ó E dos nmares na túrbida planícic,
Salve,
Cheio de amor contemplas
Grande voz da solidão, De Deus a obra tão formosa e grande,
Salve, ó tu, que aos céus exalças
E em melódico adejo então pairando
0 hino da criação! À face dos desertos,
De caudal harmonia as fontes abres;
Sem ti o mundo jazera Como na lira que pendente oscila
Inda em lúgubre tristeza, No ramo do arvoredo,
E o horror do caos reinara Roçadas pelas aras do deserto,
Sôbre tda a natureza;
As cordas tôdas sussurrando ecoam,
Pela face do universo Assim ao sôpro teu, gênio canoro,
Funérea paz se estendera, De júbilo palpita a natureza,
E o mundo em mudez perene E as vozes mil desprende
*Como um túmulo jazera ; ?-a
BERNARnO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 25
De seus eternos, místicos cantares:
E dos horrendos brados do oceano, Voz da torrente
Do rouco ribombar das cachoeiras, Que o monte atroa;
Do rugir das florestas seculares, Trovão, que ecoa
Do quérulo murmúrio dos ribeiros, Na imensidade.
Do frêmito amoroso da folhagem,
Do canto da ave, do gemer da fonte, Suspira a noite
Com teus acentos,
Dos sons, rumores, maviosas queixas, Na voz dos ventos
Que povoam as sombras namoradas,
ÉS tu quem gemes;
Um hino teces majestoso, imenso,
Que na amplido do espaço murmurando À luz da lua
Vai unir-se aos concertos inefáveis Silenciosa,
Que na límpida esfera vão guiando Na selva umbrosa
O
giro infindo, e místicas coréias Co'a brisa fremes;
Dos rutilantes orbes;
Flor, que se enlaça na eternal grinalda E no oriente
De celeste harmonia, que incessante Tua VOZ SOnmora
Se expande aos pés do Eterno!. Desperta a aurora
No róseo leito;
Tu és do mundo
Alma canora, E tôda a terra
Ea 0Z SOnora Amor
-
respira:
Da solidão; De tua lira
Mágico efeito!
Tu harmonizas
0 vasto hino E quando a tarde
Meiga e amorosa
Almo e divino
Da criação; Com mão saudosa
Desdobra os véus,
O rugido
ÉS Tua harpa aérea
D'alva cascata Doce gemendo
Que se desata
Da serrania; Lhe vai dizendo
Um terno adeus!
Que nas quebradas Sentado às vêzes no alcantil dos montes, 7->
Espuma e tomba, Másculos sons das cordas arrancando
E alto ribomba A tempestade invocas,
Na penedia; Eà tua voz os aquilões revoltos
A desfilada ruen,
ÉS dos tufões E em seu furor uivando encarniçados
Rouco zunido, Lutam, forcejam, como se tentassem
E o bramido Arrancar pelas bases a montanha!
Da tempestade; Alarido infernal atroa as selvas,
BERNARDO POESIAS COMPLETAS 27
26 GUIMARES

No monte ronca a turva catadupa, Mostra-me o céu brilhando azul e calmo


Que por sombrios antros despenhada Como a alma do justo, e sôbre a terra
Ruge tremendo no profundo abismo; Estende o manto amigo do sOssêgo.
Igneo surco enm súbitos lampejos o Deixa errar tua mão nos áureos fios,
Onde sóis desferir moles cantigas
Fende a lúgubre sombra, estala raio,
A cujos sons se embala a natureza
E os ecos pavorosos ribombando
Em êxtase suave adormecida.
As celestes abóbadas atroam; E solta a sussurrar por entre as flores
E tempestade as asas rugidoras
a

De monte a monte estende,


Inquieto bando de lascivos zéfiros :
Que por seu meigo hálito afagada
A selva balanceie harmoniosa
E do trovão, do raio Sua virente cúpula, exalando
A voz ameaçadora, Entre perfumes namorados quebros,
A fúria atroadora E de sinistras névoas destoucando-se
Dos euros turbulentos, No diáfano azul dos horizontes
Banhados de luz meiga, os montes surdam.
Das selras o rugido, Quando sem nuvens, plácida, festiva.,
Da catarata o ronco, Tão bela assim, resplende a natureza,
O baque de alto tronco, Me parece que Deus do excelso trono
A luta de mil ventos, Um sorriso de amor à terra envia,
E com0 nesses dias primitivos,
Dos vendavais revoltos
Os pávidos bramidos, Láquando ao spro seu onipotente
Formosa a criação do caos surgia,
Dos combros aluídos Nas obras suas se compraZ ainda.
O hórrido fracasso,
Vem pois, Anjo canoro do deserto,
E do bulcão, que abre Desta harpa a Deus fiel roça em teu vo
A rúbida cratera, As fibras sonorosas,
A vOz, que estruge fera
Nas solidões do espaço, E delas fuja um hino harmonioso
Digno de unir-se aos místicos concertos,
Do rábido granizo Que ecoam nas esferas,
O estrondo, que sussurra
Nas broncas serranias, Hino banhado nas ardentes ondas
Eo ribombar das vagas De santo amor, que com sonoras asas
Nas ôcas penedias, Em trno a Deus sussurre.
E todo êsse tumulto,
Que em música horrorosa Erga-se a minha voz, inda que débil,
Troa, abalando os eixos do universo, Qual ciciar da cana, que palpita
São ecos de tua harpa majestosa !! Ao sôpro de uma aragem!...

Porém silêncio, ó gênio, –não mais vibres Queime-se todo o incenso de minh'alma,
E em ondas aromáticas se expanda
As brônzeas cordas, em que bramam raiOs,
Aos pés do Onipotente!...
Pregoeiros da cólera celeste:
28 BERNARDO GUIMARES
COMIPLETAs 29
POESIAS

São nuvens ligeiras, tingidas de


rosa,
PRIMEIRO SONHO DE AMOR Que pairam nos ares, a aurora enfeitando
De gala formosa.
Que tens, donzela, que tão triste pousas
Na branca mão a fronte pensativa, É bela essa nuvem de melancolia
E sôbre os olhos dos compridos cílios Que em teus lindos olhos desmaia fulgor,
0 negro véu desdobras? E as rosas das faces em lírios transforma
De meigo palor.
Que somho merencório hoje flutua
Sôbre essa alma serena, que espelhava Oh! que essa tristeza tem doce magia,
A imagem da inocência? Qual luz que esmorece lutando co'as sombras
Nas vascas do dia.
Ainda há pouco eu via-te na vida,
Qual entre flores douda borboleta, belo êsse encanto do afeto primeiro,
É

Brincar, sorrir, cantar. Que assoma envolvido nos véus do pudor,


E ondeia ansioso no seio da virgem
E nos travessos olhos de azeviche, Que cisma de amor.
De vivos raios sempre iluminados,
Sorrir doce alegria! Estranho prelúdio de mística lira,
A cujos acentos o peito afanoso
Branco lírio de amor abertO apenas, Se agita e suspira.
Em cujo puro seio brilha ainda
A lágrima da aurora, Com sonhos dourados, que os anjos te inspiram,
Embala, ó donzela, teu vago pensar,
Acaso sentes já nos tenros pétalos São castos mistérios de amor, que no seio
O nímio ardor do sol crestar-te.. o viço, Te vêm murmurar:
Vergar-te o frágil colo?.
Sim, deixa pairarem na mente êsses sonhos,
São róseos vapôres, que os teus horizontes
Enfeitam risonhos:
Agora acordas do encantado sono
Da descuidada prazenteira infância, São vagos anelos. mas ah! quem te dera
E o anjo dos amôres Que nesses teus sonhos de ingênuo cismar
Em tôrno meneando as plumas d'ouro, A voz nunca ouvisses, que vem revelar-te
Teu seio virginal com as asas roça; Que é tempo de amar.
E qual macia brisa, que esvoaça
Roubando à flor o delicado aroma, Pois sabe, ó donzela, que as nuvens de rosa,
Vem roubar-te o perfume da inocência!... Que pairam nos ares, às vêzes encerram
Tormenta horrorosa.
Com sonhos dourados, que os anjos te inspiram,8-a
Embala, ó donzela, teu vago pensar,
Com sonhos que envolvem-te em doce tristeza
De vago cismar:
4
BERNARDO GUIMARES PoESIAS COMPLETAS 31
30

Neste mundo, que alumias


Com teu pálido clarão,
A UMA ESTRELA
Cxiste um anjo adorável
Digno de melhor mansão.
o Sr. A. C. C. C..
Pocsia oferccida a mcu amigo
Muitas vêzes a verás
Sòzinha e triste a pensar,
Salve, estrêla solitária, E seus lânguidos olhares
Que brilhas sôbre êsse monte, Com teus raios se cruzar.
Tímida luz maviosa
Derramando no horizonte. Nas faces a natureza
Lhe esparziu leve rubor,
Mas a fronte lisa e calma
Eu amo teu manso brilho Tem dos lirios o palor.
Quando lânguido se esbate,
Pelos campos cintilando, Mais que o ébano brunido
De relva em úmido esmalte; Lhe fulge a madeixa esparsa,
E cos anéis lhe sombreia
Quando trêmula argenteias O níveo colo de garça.
Um lago límpido e quêdo,
Quando infiltras meigos raios Nos lábios de carmim vivo,
Pelas ramas do arvoredo. Rara vez paira um sorriso;
Não pode sorrir na terra,
Pálida filha da noite, Quem pertence ao paraíso.
Sempre és pura e maviosa;
Fulge-te o rosto formoso Seus olhos negros, tão puros
Qual branca orvalhada rosa. Como o teu puro fulgor,
São fontes, onde minh'alma
Vai abrevar-se de amor.
Eu amo teu manso brilho,
Que como
olhar amoroso, Se a êste mundo odioso,
Vigilante à noite se abre Onde mne langue a existência,
Sôbre o mundo silencioso, Me fôsse dado roubar
Aquêle anjo de inocência;
Ou como um beijo de paz,
Que o céu sôbre a terra envia, E nesses orbes que giram
Na face dela espargindo Pelo espaço luminoso,
Silêncio e melancolia. Pra nosso amor escolher
Um asilo mais ditoso.
Salve, ó flor do etéreo campo,
Astro de meigo palor! Se eu pudesse a ti voar,
Tu serás, formosa estrêla, Astro de meigo palor,
fanal do meu amor.
0 E com ela em t viver
Eterna vida de amor
32 BERNARDO GUIMAREs POESIAS COIPLETASs 33

Se eu pudesse. Oh! vão desejo, Então, estrêla formosa,


Que me embebe em mil delirios, Cubra-te o rosto um bulcão,
Quando assim de noite cismo E sepulta-te para sempre
À luz dos celestes cirios! Em perpétua escuridão!
Porém ao menos uni voto
Vou fazer-te, 6 bela estrêla,
À minha súplica atende, 0 ÉRMO
Não é por mim, é por ela;
Que sint, quæ fuerint, quæ snt
ventura, trahentur.
Tu, que és o astro mais belo (VRGÍLIO.)
Que gira no azul do céu,
Sê seu horóscopo amigo,
Preside ao destino seu. I
Leva-a sôbre o mar da vida Ao êrmo, ó musa: além daqueles montes,
Embalada em sonho ameno, Que, em vaporoso manto rebuçados,
Como um cisne, que desliza Avultam lá na extrema do horizonte.
À flor de um lago sereno. Eia, vamos; lá onde a natureza
Bela e virgem se mostra aos olhos do homem,
Se diante dos altares Qual moça indiana, que as ingênuas graças
Curvar os joelhos seus, Em formosa nudez sem arte ostenta!...
Dirige-Ihe a prece ardente Lá. onde a solidão ante
nós surge,
Direito ao trono de Deus. Majestosa e solene como um templo,
Em que sob as abóbadas sagradas,
Se solitária cismar, Inundadas de luz e de harmonia,
No mais brando raio teu Êxtase santo paira entre perfumes,
Manda-Ihe um beijo de amor, E se oUve a voZ de Deus.
E puros sonhos do céu.9-a 0 musa, ao êrmo!...
Como é formos0 o céu da pátria
Veja sempre no horizonte Que sol brilhante e vívido minha !
Tua luz serena e mansa, resplende
Suspenso nessa cúpula serena!
Como um sorriso do cu, Terra feliz, tu és da natureza
Como um fanal de esperança.
A filha mais mimosa ; ela sorrindo
Porém se o anjo celeste Num enlêvo de amor te encheu d'encantos,
Sua origem deslembrar, Das mais donosas galas enfeitou-te;
E no lôdo vil do mundo Beleza e vida te espargiu na face,
As níveas asas manchar; E em teu seio entornou fecunda seiva!
Oh! paire sempre sôbre os teus desertos
Ai! se louca profanando Celeste bênção; bem-fadada
De um puro amor a lembrança, Em teu destino, ó pátria ; sejasem ti recobre
Em suas mãos sem piedade A prole de Eva o que
Éden perdera!
Esmagar minha esperança,
3
BERNARDO GUIMARDS rOESIAS COMPLETAS 35

Restrugindo no fundo dos desertos,


II A cujos sons medonhos a pantera
Em seu covil de susto estremecia?
Olha: qual vasto manto que flutua Oh! floresta que é feito de teus filhos?
Sôbre os ombros da terra, ondeia a selva,
E ora surdo murmúrio ao céu levanta, Dorme em silêncio o eco das montanhas,
Qual prece humilde, que no ar se perde, Sem que o acorde mais o rude acento
Ora açoutada dos tufões revoltos, Das guerreiras inúbias: nem nas sombras
Ruge, sibila, sacudindo a grenha Seminua, do bosque a ingênua filha
Qual hórrida bacante: ali despenha-se Na preguiçosa rêde se embalança.
Pelo dorso do monte alva cascata, Calaram-se para sempre nessas grutas
Que, de alcantis enormes debruçada, Os proféticos cantos do piaga; 10-a
Em argêntea espadana ao longe brilha, Nem mais o vale vê êsses caudilhos,
Qual longo véu de neve, que esvoaça, Seus cocares na fronte balançando,
Pendente aos ombros de formosa virgem, Por entre o fumo espêsso das fogueiras,
E já. descendo a colear nos vales, Com sombrio lentor tecer, cantando,
As plagas fertiliza, e as sombras peja Essas solenes e sinistras danças,
D'almo frescor, e plácidos murmúrios. Que o festim da vingança precediam.
Ali campinas, róseos horizontes,
Límpidas veias, onde o sol tremula, Por êsses ermos não vereis pirâmides
Como em dourada escama refletindo Nem mármores, nem bronzes, que assinalem
Flóreas balsas, colinas vicejantes, Nas eras do porvir feitos de glória;
Toucadas de palmeiras graciosas, Da natureza os filhos não sabiam
Que em cu límpido e claro balanceiam Aos céus erguer soberbos monumentos,
A coma verde-escura. Além montanhas, E nem perpetuar do bardo os cantos,
Eternos cofres d'ouro e pedraria, Que celebram façanhas do guerreiro,
Coroados de píncaros rugosoS, ÉSses fanais, que acende a mão do gênio,
Que se embebem no azul do firmamento! E vão no mar infindo das idades
Ou se te apraz, desçamos nesse vale, Alumiando as trevas do passado.
Manso asilo de sombras e mistério,
Cuja mudez talvez jamais quebrara Seus insepultos ossos alvejando
Humano passo revolvendo as fôlhas, Aqui e além nos solitários campos,
E que nunca escutou mais que os arrulhos Rotos tacapes, ressequidos crânios, 10-b
Da casta pomba, e o soluçar da fonte. Que estalam sob os pés de errante gado,
Onde se cuida ouvir, entre os suspiros As tabas em ruína, e os mal extintos 10-o
Da fôlha que estremece, os ais carpidos Vestígios das ocaras, onde 0 sangue 0
Dos manes do Indiano, que inda chora Do vencido corria em largo jôrro
0 doce Éden que os brancos lhe roubaram!... Entre as pocemas de feroz vingança,
Eis as relíquias que recordam feitos
Que é feito pois dessas guerreiras tribos, Do forte lidador da rude selva.
Que outrora êstes desertos animavam?2l 9iz9i9)
Onde foi êsse povo inquieto e
rude9rii ieob p9i ntG De virgem mata a sussurrante cúpula,
De brônzea côr, de tôrva catadura. :7 9h oiog A Ou gruta escura, disputada às feras,
Com seus cantos selváticos Ou frágil taba, num momento erguida,
de guerra
36 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS

Desfeita no outro dia, eram bastantes Esta trêmula abóbada, que ruge
Para abrigar o filho do deserto; Por seculares troncos sustentada,
No carcás bem provido repousavam Bste silêncio místico, estas sombras,
De todo o seu porvir as esperanças, Que agora me derramam sôbre a fronte
Que suas eram da floresta as aves, Suave inspiração, cismar saudoso,
E nem lhes nega o córrego do vale, Vão em breve morrer; lá vem o escravo,
Límpido jôrro que lhe estanque a sêde. Brandindo o ferro, que dá morte às selvas,
No sol, fonte de luz e de beleza, E afanosO põe peito à ímpia obra:
Viam seu Deus, prostrados o adoravam, o tronco, que os séculos criaram,

Na terra a mãe, que os nutre com seus frutos, Ao som dos cantos do africano adusto
Sua única lei na liberdade. Geme aos sonoros, compassados golpes,
Que vão nas brenhas ressoando ao longe;
Oh! floresta, que é feito de teus filhos? Soa o último golpe, range o tronco,
Esta mudez profunda dos desertos
0
tope excelso trêmulo vacila,
Um crime bem atroz! nos denuncia. E desabando com gemido horrendo
0 extermínio, o cativeiro, a morte Restruge qual trovão de monte em monte
Para sempre varreu de sôbre a terra Nas solidões profundas reboando.
E'ssa mísera raça, nem ficou-lhes Assim vão baqueando uma após outra
Um canto ao menos, onde em paz morressem! Da floresta as colunas venerandas;
Como cinza, que os euros arrebatam, E tôdas essas cúpulas imensas,
Se esvaeceram, e do tempo a destra Que inda há pouco no céu balanceando,
Seus nomes mergulhou no esquecimento. A sanha dos tufões desafiavam,
Aí jazem, como ossadas de gigantes,
Mas tu, ó musa, que piedosa choras, Que num dia de cólera prostrara
Curvada sôbre a urna do passado, 0 raio do Senh01.
Tu, que jamais negaste ao infortúnio
Um canto expiatório, eia, consola Oh! mais terrível
Do pobre Indiano os erradios manes, Que o raio, que o dilúvio, o rubro incêndio
E sôbre a inglória cinza dos proscritos Vem consumar essa obra deplorável.
Com teus cantos ao menos uma lágrima Qual hidra formidável, no ar exalça
Faze correr de compaixão tardia. A crista sanguinosa, sacudindo
Com medonho rugido as igneaS asas,
E negros turbilhões de fumo ardente
III Das abrasadas fauces vomitando,
Ei-lo, que vem, de ferro e fogo armado, Em hórrido negrume os céus sepulta.
Da destruição o gênio formidável, Estala, ruge, silva, devorando
Em sua fatal marcha devastando Da floresta os cadáveres gigantes;
0 que de mais esplêndido e formoso Voam sem tino as aves assustadas
Alardeia no êrm0 a natureza ;
No ar soltando pios lamentosos,
Que nem sòmente o íncola das selvas E as feras, em tropel tímidas correm,
De seu furor foi vítima; após êle A se embrenhar no fundo dos desertos,
Rui também a cúpula virente, Onde vão demandar nova guarida.
Único abrigo seu, sua riqueza. Tudo é cinza e ruína: adeus, ó sombra,
38 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETASs 89

Adeus, murmúrio, que embalou meus sonhos, Como um bando de garças na planície;
Adeus, sonoro frêmito das auras, E em lugar dêsse brando rumorejo
Sussurros, queixas, suspirosos ecos, Aí murmurará a vZ de um povo;
Da solidão misterioso encanto! Essas encostas broncas e sombrias
Adeus!-umEm vão a pomba esvoaçando Serão risonhos parques suntuosos ;
Procura ramo em que fabrique o ninho: E êsses rios, gue vão por entre sombras
o viajor cansado
Em vão suspira Ondas caudais serenos resvalando,
Por uma sombra, onde repouse a
os membros
Em vez do tope escuro das florestas,
Repassados do ardor do sol pino! Refletirão no límpido regaço
Tudo é cinza e ruína, tudo é morto!! Tôrres, palácios, coruchéus brilhantes,
Zimbórios majestosos, e castelos
E tu, musa, que amas o deserto
ó
De bastiões sombrios coroados,
E das caladas sonmbras o mistério, Ésses bulcões da guerra, que do seio
Que folgas de embalar-te aos sons aéreos Com horrendo fragor raios despejam.
D'almas canções, que a solidão murmura, Rasgar-se-ão os serros altaneiros,
Que amas a criação, qual Deus formou-a, Encher-se-ão dos vales os abismos:
Sublime e bela vem sentar-te, 6 musa, Mil estradas, qual vasto labirinto,
Sôbre estas ruínas, vem chorar sôbre elas. Cruzar-se-ão por montes e planura;
Chora com a avezinha, a quem roubaram Curvar-se-ão os rios sob arcadas
0 ninho seu querido, e com teus cantos De pontes colossais; canais imensos
Procura adormecer o férreo braço Virão surcar face das campinas,
Do impróvido colono, que semeia E êstes montes verão talvez um dia,
Sòmente estragos neste chão fecundo ! Cheios de assombro, junto às abas suas
Velejarem os lenhos do oceano !

IV Sim, virgem dos trópicos formosa,


6

Nua e singela
filha da floresta,
Mas, não te queixes, musa; são decretos10-e Um dia, em vez da simples arazóia, 10-g
Da eterna providência irrevogáveis! Que mal te encobre o gracioso talhe,
Deixa passar destruição e morte Te envolverás em flutuantes sêdas,
Nessas risonhas e fecundas plagas,
E
abandonando o canitar de plumas, 10-4
Como charrua, que revolve a terra, Que te sombreia o rosto côr de jambo,
Onde germinam do porvir os frutos. Apanharás em tranças perfumadas
0 homenm fraco ainda, e que hoje a custo, A coma escura, e dos donosos ombros
Da criação a obra mutilando, Finos véus penderão. Em vez da rêde,
Sem nada produzir destrui apenas,10 Em que te embalas da palmeira à sombra,
Amanh criará; sua mão potente, Repousarás sôbre coxins de púrpura,
Que doma e sobrepuja a natureza, Sob dosséis esplêndidos. Ó virgem,
Háde imprimir um dia forma nova Serás então princesa, forte e grande,
Na face dêste solo imenso e belo: Temida pelos príncipes da terra;
Tempo viráem que nessa E de brilhante auréola cingida
Onde flutua a coma da valada Sôbre o mundo alçarás a fronte altiva !
floresta,
Linda cidade surja, branguejando Mas, quando em tua mente revolveres
As memórias das eras que já foram,
BERNARDO GUIMARÁES POESIAS COMPLETAS 41

despertares
Láquando dentro d'almaquase extintas, Por transpor essa meta ainexorável:
Do passado lembranças
infância Os teus domínios entre terra e os astros,
Dos bosques teus, de tua rude Entre o túmulo e o berço estão prescritos:
Talvez terás saudade. Além, que enxergas tu? 0 vácu0 e o nada!...

0 DEANEAR DO CÉPTICO Oh! feliz quadra aquela, em que eu dormia


Embalado em meu sono descuidoso
Tout corps traine son ombe ct tout No trangüilo regaço da ignorância
;

csprit son doute. Em que minh'alma, como fonte límpida


(V. HUO.)
Dos ventos resguardada em quieto abrigo,
Ai da avezinha, que a tormenta um dia Da fé os raios puros refletia!
Desgarrara da sombra de seus bosques, Mas num dia fatal encosto à bca
Arrojando-a em desertos desabridos A taça da ciência; senti sêde
De brnzeo céu, de férvidas areias; Inextinguível a crestar-me os lábios ;
11-a maS enconmtro
Adeja, voa, paira.. neni um ramo, Traguei-a tôda inteira,
uma encontra onde repouse,
Nem sombra Por fim travor de fel; era veneno,
E voa, e voa ainda, até que era incerteza!
o alento
Que no fundo continha,
De todo lhe falece; colhe as asas, Oh! desde então o espírito da dúrida,
Cai na areia de fogo, arqueja,
e morre. Como abutre sinistro, de contínuo
o fado teu na terra;
Tal minh'alma,
é. Me paira sôbre o espírito, e lhe entorna
0 tufão da descrenca desvairou-te Das turvas asas a funérea sombra!
Por desertos sem fim, onde em vão buscas De eterna maldição era bem digno
Um abrigo onde pouses, uma fonte Quem primeiro tocou com mão sacrílega
Onde apagues a sêde que te abrasa! Da ciência na árvore vedada,
E nos legou seus venenosos frutos.
Ó
mortal, por que assim teus olhos cravas
Na abóbada do céu? Queres ver nela
Decifrado o mistério inescrutável Se o verbo criador pairando um dia
Do teu ser, e dos sêres que te cercam? Sôbre a face do abismo, a um só aceno
Em vão teu pensamento audaz procura Evocava do nada a natureza,
Arrancar-se das trevas que 0 circundam, E do seio do caos surgir fazia
E no ardido vôo abalançar-se A harmonia, a beleza, a luz, a ordem,
Por que deixou o espírito do homem
Baldado af! -
ÀS regiões da luz e da verdade;
no espaço ei-lo perdido,
Como astro desgarrado de sua órbita,
Sepulto ainda em tão profundas trevas,
A debater-se neste caos sombrio,
Errando às tontas na amplidão do vácuo! Onde embriões informes tumultuam,
Jamais pretendas estender teus vôOs Inda aguardando a voz que à luz os chame?
Além do escasso e pálido horizonte
Que mão fatal em tôrno te há traçado.
Com barreira de ferro o espaço e o tempo Quando, espancando as sombras sonolentas,
Em acanhado círculo fecharam Surge a aurora no côche radiante,
Tua pobre razão: em vão forcejas Inundando de luz o firmamento,
Entre o rumor dos vivos que despertam,
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 43

surge, Do raciocínio nas regiões sombrias,


Levanto a minha voz, e ao sol, queante meus olhos
Pergunto: Onde está Deus? E Surpreender no seio de atras nuvens
A noite os véus diáfanos desdobra,
O
escondido segrêdo.
Vertendo sôbre a terra almo silêncio, Oh! louco intento!..
Propício ao cismador; então minha alma
Desprende o vôo nos etéreos páramos, Em mil vigílias palejou-me a fronte,
Além dos sóis, dos mundos, dos
cometas, E amorteceu-se o lume de meus olhos
a
Varando afouta profundez do espaç0, A sondar êsse abismo tenebroso,
Anelando entrever na imensidade Vasto e profundo, em que as mil hipteses,
a emana. Os erros mil, os engenhosos sonhos,
A eterna fonte, donde luz
pálidos fanais, trêmulos círios, Os confusos sistemas se debatem,
Que na esfera guiais da noite
o carro, Se confundem, se roçam, se abalroam,
Planêtas, que em cadência harmoniosa Em um caos sem fim turbilhonando: 11-c
No éter cristalino ides boiando, Atento a lhe escrutar o seio lôbrego
Dizei-me onde está Deus? sabeis se existe Em vão cansei-me; nesse af penoso
Um ente, cuja mão eterna
e sábia Uma negra vertigem pouco e pouco
Vos esparziu pela extensão do vácuo, Me enubla a mente, e a deixa desvairada
Ou do seio do caos desbrochastes
11-b
No escuro abismo flutuando incerta!
Por insondável lei do cego acaso?
Conheceis êsse rei, que rege guia
e

No espaço infindo vosso errante curso? Filosofia, dom mesquinho e frágil,


Eia, dizei-me, em que regiões ignotas Farol enganador de escasso lume,
Se eleva o trono seu inacessível? Tu só geras um pálido crepúsculo,
os astros,
Mas em vão interrogo 0s céus e Onde giram fantasmas nebulosos,
Em vão do espaço a imensidão percorro Dúbias visões, que o espírito desvairam
Do pensamento as asas fatigando! Num caos de intermináveis conjeturas.
Em vão;
Sorrir
-
parece
todo o universo imóvel, mudo,
de meu vão desejo!
Despedaça essas páginas inúteis,
Triste apanágio da fraqueza humana,
Dúvida eis a palavra que eu encontro Em vez de luz, amontoando sombras
Escrita em tda a parte; ela na terra, No santuário augusto da verdade.
E no livro dos céus vejo gravada, Uma palavra só talvez bastara
E ela que a harmonia das esferas Pra saciar de luz meu pensamento;
Entoa sem cessar a meus ouvidos! Essa ninguém a sabe sôbre a terra!.
Vinde, ó sábios, alâmpadas brilhantes, Sótu, meu Deus, só tu dissipar podes
Que ardestes sôbre as aras da ciência, A,
que os olhos me cerca, escura
treva !
Agora desdobrai ante meus olhos 0 tu, que és pai de amor e de piedade,
Essas páginas, onde meditando Que não negas o orvalho à
flor do campo,
Em profundo cismar cair deixastes Nem o tênue sustento ao vil inseto,
De vosso gênio as vívidas centelhas: Que de infinda bondade almos tesouros
Dai-me o fio subtil, que me conduza Com profusão derramas pela terra,
Pelo yosso intrincado labirinto: 0 meu Deus, por que negas à minha alma
Rasgai-me a venda, que me enubla os olhos, A luz que é seu alento, e seu confôrto?
Guiai meus passos, que embrenhar-me quero Por que exilaste a tua criatura
DERNARDO GIMARES POESIAS COMPLETAS 45

Longe do sólio teu, cá neste valeo Que nos franqueias as regiões sublimes
De eterna escuridão? Acaso homem,
essência tua, Onde a luz da verdade eterna brilha?
Que é pura emanação da Ou és do nada a fauce tenebrosa,
à tua imagem,
E que se diz criado mesmo não é digno, Onde a morte pra sempre nos arroja
De adorar-te em t Em um sono sem fim adormecidos!
gozar tua presença,
De contemplar, Oh! quem pudera levantar afouto
De tua glória no esplendor perene?o teu trono Um canto ao menos dêsse véu tremendo
Oh! meu Deus, por que cinges Que encobre a eternidade.
Da impenetrável sombra do mistério?
Quando da esfera os eixos abalando
nuvens Mas debalde
Passa no céu entre abrasadas Interrogo o sepulcro, e debruçado
tenmpestade o carro fragoroso,
Da Sôbre a voragem tétrica e profunda,
Senhor, é tua cólera tremenda Onde as extintas gerações baqueiam,
Que brada no trovão, e chove em raios? Inclino o ouvido, a ver se um eco ao menos
Eo íris, essa faixa cambiante, Das margens do infinito me responde!
Que cinge o manto azul do firmamento, Mas o silêncio que nas campas reina,
Como um laço que prende aos céus a terra, É Como o nada, fúnebre e profundo.
É
de tua clemência anúncio meigo?
É tua
imensa glória que resplende
No disco flamejante, que derrama Se ao menos eu soubesse que co'a vida
Luz e calor por tôda a natureza? Terminariam tantas incertezas,
Dize, ó Senhor, por que a mão ocultas, Embora os olhos meus além da campa,
Que a flux esparge tantas maravilhas? Em vez de abrir-se para a luz perene,
Dize, ó Senhor, que para mim são mudas Fôssem na eterna escuridão do nada
As páginas do livro do universo!. Para sempre apagar-Se. mas quem sabe?
Mas, ai! que o invoco em vão! êle se esconde Quem sabe se depois desta existência
Nos abismos de sua eternidade. Renascerei pra duvidar ainda?!... 11-d

Um eco só da profundez do vácuo DESALENTO


Pavoroso retumba, e diz duvida!. Nestes mares sem bonança,
Boiando sem esperança,
Viráa morte com as mãos geladas Meu baixel emn vão se cansa
Quebrar um dia êsse terrível sêlo, Por ganhar o amigo pôrto;
Que a meus olhos esconde tamto arcano? Em sinistro negro véu
Minha estrêla se escondeu;
Ó
campa!
Entre a vida
- atra barreira inexorável
e a morte
levantada!
Não vejo luzir no céu
Nenhum lume de confôrto.
0campa, que mistérios insondáveis A tormenta desvairou-me,
Em teu escuro seio muda encerras? Mastro e vela escalavrou-me,
És tu acaso o pórtico do Elísio, E sem alento deixou-me
Sôbre o elemento infiel;
5
46 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS

Ouço já o bramir tredo

Onde irá
Soçobrar
-
Das vagas contra o penedo
o
talvez bem cedo
meu batel.
NO MEU ANIVERSÁRIO
Ao meu amigo o Sr. F. J. de Cerqueira
No horizonte não lobrigo
Hélus! hélas! mes années
Nem praia, nem lenho amigo,
Que me salve do perigo,
Sur ma tête tombent fanées,
Et ne refleuriront jamais.
Nem fanal que me esclareça; (LAMARTINE.)
Só vejo as vagas rolando,
Pelas rochas soluçando, Não vês, amigo? Lá desponta a aurora
E mil coriscos sulcando Seus róseos véus nos montes desdobrando;
A medonha treva espêssa.
Traz ao mundo beleza, luz e vida,
Traz sorrisos e amor ;
Voga, baixel sem ventura, Foi esta qu'outro tempo
Pela túrbida planura, Meu berço bafejou, e as tenras pâlpebras
Me abriu à luz da vida,
Através da sombra escura,
Voga sem leme e sem norte; E vem hoje no círculo dos tempos
Sem velas, fendido o mastro, Marcar sorrindo o giro de meus anos.
Nas vagas lançado o lastro, Já vai bem longe a quadra da inocência,
E sem ver nos céus um astro, Dos brincos e dos risos descuidosos;
Ai! que só te resta a mnorte! Lá s'embrenham nas sombras do passado
Os da infância dourados horizontes.
Oh! feliz quadra! então eu não sentia
Nada mais ambiciono, Roçar-me pela fronte
ÂS vagas eu te abandono, A asa do ternpo estragadora e rápida;
Como cavalo sem dono E êste dia de envolta comn os outros
Pelos campos a vagar; Lá s'escoava desapercebido;
Voga messe pego insano,
Que n0s ronCOS do Oceano la-me a vida em sonhos prazenteiros,
Ouço a voz do desengano Como ligeira brisa
Pavorosa a ribombar ! Entre perfumes lêda esVoaçando.
Mas hoje que caiu-me a venda amável
Que as misérias da vida me ocultava,
Voga, baixel foragido,
Voga sem rumo
Eu vejo com tristeza
perdido, O tempo sem piedade ir desfolhando
Pelas tormentas batido,
A flor dos anos meus;
Sôbre o elemento infiel;
Para ti não hábonança; Vai-se esgotando a urna do futuro
À toa, sem leme avança Sem do seio sair-lhe os dons sonhados
Neste mar sem esperança, Na quadra em que a esperança nos embala
Voga, voga, meu baixel! Com seu falaz sorriso.
BERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 49

Qual sombra vã, que passa 12


Sem vestígios deixar em
seus caminhos, VISITA À SEPULTURA DE MEU IRMÃO
a arena da existência,
Bu vou transpondo uns outros A noite sempiterna,
Vendo irem-se escoando após
meus dias, Que tu tão cedo viste,
Os estéreis Cruel, acerba e triste,
Qual náufrago em rochedo solitário, Sequer da tua idade mão te dlera
uma
Vendo a seus pés quebrar-se uma por Que lograsses a fresca primavera?
As ondas com monótono branido.
Ah! sem jamais no dorso lhe trazerem (CAMÕEs.)
0
lenho salvador!
Amigo, o fatal sôpro da descrença
Me roça às vêzes n'alma, e a deixa nua,
Não vês nessa colina solitária
Aquela ermida, que sòzinha alveja
E fria como a lajem do sepulcro; O esguio campanário aos céus erguendo,
Sim, tudo vai-se; sonhos de esperança, Como garça, que em meio das campinas
Férvidas emoções, anelos puros, Alça o colo de neve?
Saudades, ilusões, amore crenças, E junto a ela um tôsco muro cinmge
Tudo, tudo me foge, tudo voa A pousada dos mortos nua e triste,
Como nuvem de flores sôbre as asas Onde, plantada em meio, a cruz se eleva,
De rábido tufão. A cruz, bússola santa e venerável
Onde vou? Para onde me arrebatam Que nas tormentas e vaivéns da vida
Do tempo as ondas rápidas? 0 pôrto indica da celeste pátria.
Por que ansioso corTo a êsse futuro, Nem moimento, nem piedosa letra
Onde reinam as trevas da incerteza? Vem aqui iludir a lei do olvido;

Nem árvore funérea aí sussurra,


E se através de escuridão perene
Só temos de sulcar ignotos mares Prestando pia sombra ao chão dos mortos;
De escolhos semeados,
Nada quebra no lúgubre recinto
A paz sinistra que rodeia os túmulos:
Não é melhor abandonar o leme,
Ali reina sòzinha
Cruzar no peito os braços, Na hedionda nudez calcando as campas
E deixar nosso lenho errar às tontas, A implacável rainha dos sepulcros;
Entregue às ondas da fatalidade? E só de quando em quando
Vento da soidão passa gemendo,
E levanta a poeira dos jazigos.
Ah! tudo é incerteza, tudo sombras, Aqui tristes lembranças dentro d'alma
Tudo um sonhar confuso e nebuloso, Eu sinto que se acordam, como cinza,
Em que se agita o espírito inquieto, Que o vento de entre os túmulos revolve ;
Até que um dia a plúmbea mão da morte Meu infeliz irmão, aqui me svrges,
Nos venha despertar, Como a imagem de um sonho esvaecido,
E os sombrios mistérios revelar-nos, E no meu coração sinto ecoando,
Qual débil som de suspirosa aragem,
Que em seu escuro seio
Com férreo sêlo guarda a campa avara. Tua v0Z querida a murmurar meu nome.
POESIAS COMPLETASs 51
BERNARDO GUIMARAES
50
Tão fria, tão estéril de consôlos,
no allb0r dos anos tenros,
Pobre amigo! 0 seu dorido luto em vos lamentos
Quando a esperanca com donoso riso Arrastam pelo pó das sepulturas.
Nos braços te afagava,
E desdobrava com brilhantes côres
os teus olhos, Mas nem um goivo, nem funérea letra,
O painel do futuro ante Amiga mão plantou neste jazigo;
se abre súbito
Eis que sob teus passSOs Ah! ningum disse à árvore dos túmulos
O abismo do sepulcro. Aqui sôbre esta campa
Cresce, 6 cipreste, e geme sôbre ela,
E aquela fronte juvenile pura,
e
Qual minha dor, em murmurio eterno!
Tão prenhe de futuro d'esperança, Sob essa granma pálida
e enfezada
Aquela fronte que talvez sonhava Entre os outros aqui perdido jazes
Ir no outro dia, irrisão amarga!
ó

Dormindo o teu eterno e fundo sono.


enm níveo seio,
Repousar docenmente Sim, pobre flor, sem vida aqui ficaste,
Entre os risos de amor adormecida, Envôlta em pó, dos homens esquecida.
Vergada pela férrea mão da morte,
Caiu lívida e fria "Dá-me tua mão, amigo,
No duro chão, em que repousa agora. "Marchemos juntos nesta vida estéril,
E hoje que venho no aposento lúgubre Vereda escura que conduz ao túmulo;
Verter piedoso orvalho de saudade "O anjo da amizade desde o berço
Na planta emurchecida, "Nossos dias urdiu na mesma teia;
Ah! nem ao menos nesse chão funéreo "Éle é quem doura os nossos horizontes,
Os vestígios da morte encontrar posso!
"E a nossos pés alguma flor esparge.
Tudo aqui é silêncio, tudo olvido, "Quais dous regatos, que ao cair das urnas
Tudo apagou-se sob os pés do tempo. "Se encontram na valada, e num só leito
"Se abraçam, se confundem,
Oh! que é consôlo ver ondear a coma "E quer volvan serenos, refletindo
Duma árvore funérea sôbre a lousa, 0 azul do cu e as florejantes ribas,
Que esSCondeu para sempre a nossOs olhos "Quer furiosos ronquem
D'um ente amado inanimados restos. "Em boqueirões sombrios despenhados,
Cremos que a anima o espírito do morto; Sempre unidos num s
vão serpeando
Nos místicos rumores da folhagem Té se perderem na amplidão dos mares,
Cuidamos escutar-Ihe a voz dorida Tais volvamnonossos dias;
Alta noite gemendo, e em sons confusos *A mesma taça festim da vida
Mistérios murmurando d'além-mundo. Para ambos sirva, seja felo ou néctar:
Desgrenhado chorão, cipreste esguio, *E quando enfim, completo nosso estádio,
Funéreas plantas dos jardins da morte, *Formos pedir um leito de repouso
Monumentos de dor, em que a saudade "No asilo dos finados,
Em nênia perenal vive gemendo, *A mesma pedra nossos ossos cubra!"
Parece que com lúgubre sussurro É
assim que tu falavas
Ao nosso dó piedosos se associam, Ao amigo, que aos cândidos acentos
E erguendo a0 oar os verde-negros ramos De teu falar suave atento ouvido
Apontam para céu, sagrado asilo, Inclinava sorrindo:
Refúgio extremo a corações viúvos, E hoje o que é feito dêsse sonho ameno,
Que colados à pedra funerária,
52 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 53

Que nOs dourava a ardente fantasia?


Dessas palavras de magia cheias, À
SEPULTURA DE UM ESCRAVo 13
Que em melíflua torrente deslizavam
De teus lábios sublimes?
Sao vagos sons, que me
murmuram n'alma,
Também do escravo a humilde sepultura 13-a
Qual reboa gemendo n0 alaúde Um gemido merece de saudade:
A corda que estalara. Uma lágrima só corra sôbre ela
De compaixão ao menos.
Ledo arroio que vinhas da montanha Filho da África, enfim livre dos ferros
Descendo alvo e sonoro, Tu dormes sOssegado o eterno sono
O sol abraseado do deserto
Debaixo dessa terra que regaste
Num dia te secou as ondas límpidas, De prantos e suores.
E eu fiquei só, trilhando a escura senda,
Sem tuas puras águas Certo, mais doce te seria agora
Para orvalhar-me os ressequidos lábios, Jazer no meio lá dos teus desertos
Sem mais ouvir o trépido murmúrio, À Sombra da palmeira, não faltara
Que em tão plácidos sonhos m'embalava. Piedoso orvalho de saudosos olhos
Que te regasse a campa;
Mas cessem nossas queixas, e curvemo-nos vez, em noites d'alva lua,
Aos pés daquela cruz, que ali se exalça,
Lá muita
Canção chorosa, que ao tanger monótono
Símbolo sacrossanto do martírio, De rude lira teus irmnãos entoam,
Fanal de redenção, Teus manes acordara :
Que na hora do extremo passamento Mas agqui tu aí jazes como a fôlha
Por entre a escura sombra do sepulcro Que caiu na poeira do caminho,
Mostra ao cristo as portas radiantes Calcada sob os pés indiferentes
Da celeste Solimna, ei-la que fulge Do viajor que passa.
Como luz de esperança ao caminhante,
Que transviou-se em noite de tormenta; Porém que importa se rep0uso achaste,
E alçada sôbre as campas Que emn vão buscavas neste vale escuro,
Parece estar dizendo à humanidade: Fértil de pranto e dores;
Não choreis sôbre aquêles que aqui dormem; Que importa se não há sbre esta terra
Não mais turbeis com vossos vãos lamentos o
Para infeliz asilo sossegado '?
O sono dos finados. A terra é só do rico e poderoso,
Êles foram gozar bens inefáveis E dêsses ídolos que a fortuna incensa,
Na pura esfera, onde d'aurora os raios E que, ébrios de orgulho,
Seu brilho perenal jamais extinguem, Passam, sem ver que co'as velozes rodas
Deixando sôbre a margem do jazigo Seu carro d'ouro esmaga um mendigante
A cruz dos sofrimentos. No ldo do caminho!.
Mas o céu é daquele quena vida
Adeus, portanto, fúnebre recinto ! Sob o pêso da cruz passa gemendo;
E tu, amigo, que tão cedo vieste de quem sôbre as chagas do inditoso
É

Adeus! -
Pedir pousada na mansão dos mortos,
fôste feliz, que a senda é rude,
0 céu é tormentoso, e o pouso incerto.
Derrama o doce bálsamo das lágrimas;
do órfão infeliz, do ancião pesado,
É

Que da indigência no bordão se arrima;


54 BERNARDO GUIMAREs
POESLAS COMPLETAS 55
É
do pobre cativo, que em trabalhos
No rude afä exala o alento extremo; O rosto lhe ensombrava parecia
-0 céu é da inocência e da virtude, Serafim exilado sôbre a terra,
O céu é do infortúnio. Da harpa divina tenteando as cordas
Pra mitigar do exílio os dissabores.
Repousa agora em paz, fiel escravo,
Que na campa quebraste os ferros teus, Triste poeta, que sinistra idéia
No seio dessa terra que regaste Pende-te assim a fronte empalecida?
De prantos e suores. Que dor fatal ao túmulo te arrasta
E vós, que vindes visitar da morte
O lúgubre aposento, Inda no viço de teus belos anos?
Que acento tão magoado,
Deixai cair ao menos uma lágrima Que lacera, que dói no seio d'alma,
De compaixão sôbre essa humilde cova: Exala a tua lira,
Aí repousa a cinza do Africano. Funére0 como um eco dos sepulcros?
O símbolo do infortúnio.
Tua viagem começaste apenas,
E eis que já de fadiga extenuado
Co desânimo n'alma te reclinas
0 DESTINO DO VATE À margem do caminho?!
À
memória de F. Dutra e Melo 14
Olha, poeta, como a natureza
ó

Em tôrno te desdobra
Entretanto não me alveja a fronte, Sorrindo o seu painel cheio de encantos:
nem minha cabeça pende ainda para a Eis umn vasto horizonte, um céu sereno,
terra, e contudo sinto que hei pouco de Serras, cascatas, ondeantes selvas,
vida. Rios, colinas, campos de esmeralda,
(DUTRA E MELO.)
Aqui vales de amor, vergéis floridos,
Em manso adejo o cisne peregrino De frescas sombras perfumado asilo,
Passou roçando as asas pela terra, Além erguendo a voz ameaçadora
E sonorosos quebros gorjeando 0 mar, como um leão rugindo ao longe,
Despareceu nas nuvens. Ali dos montes as gigantes
Não quis mesclar do mundo aos vãos rumores formas
Com as nuvens do céu a confundir-se,
A celeste harmonia de seus carmes; Desenhando-se em longes vaporosos.
Passou foi demandar em outros climas Donoso quadro, que mne arrouba os
Pra suas asas mais trangüilo pouso, olhos,
N'alma acordando inspirações saudosas!
Onde foi êle
o
-
Ares mais puros, onde espalhe o canto ;
em meio assim deixando
Quebrado acento da canção sublime,
Tudo é beleza, amor, tudo harmonia,
Tudo a viver convida,
Vive, ó poeta, e canta a natureza.
Que apenas encetara?
Onde foi êle? em que felizes margens Nas sendas da existência
Desprende agora a voz harmoniosa? As flores do prazer lêdas vicejam;
Estranh0 ao mundo, nêle definhava À
mesa do festim vem pois
Qual flor, qu'entre fraguedos sentar-te,
Sob uma coroa de virentes rosas
Em solo ingrato langue esmorecida: Vem esconder os prematuros
Uma nuvem perene de sulcos,
tristeza Vestígios tristes de vigílias longas,
De austero meditar, que te ficaram
56 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 57
Na larga fronte impressos.
Dissipe-se aos sorrisos da beleza 0 formoso clarão da aurora eterna.
Essa tristeza, que te abafa a mente. Quando vem pois sua hora derradeira,
Ama, poeta, e o mundo que a teus olhos
6
Saúda sem pavor a muda campa,
Um deserto parece árido e feio, E sôbre o leito do eternal repouso
Sorrir-se-á, qual hôrto de delícias: Tranqüilo se reclina.
Vive e canta os amôres. Oh! não turbeis os seus celestes sonhos;
Deixai correr nas sombras do mistério
Mas se a dor é partilha de tua alma, Seus tristes dias: triste é seu destino,
Se concebeste tédio de teus dias o
Como luzir de moribunda estrêla
Volvidos no infortúnio: Em céu caliginoso.
Que importa, 6 vate; vê pura e donosa Tal éseu fado; –0 anjo d'harmonia
Sorrir-se a tua estrêla 14-a C'uma das mãos lhe entrega a lira d'ouro,
No encantado horizonte do futuro.
Vive e sofre, que a dor co'a vida passa, Noutra lhe estende o cálix da amargura.
Enquanto a glória em seu fulgor perene Bem como o incenso, que só verte aromas,
No limiar do porvir teu nome aguarda
Para enviá-lo às gerações vindouras. Quando se queima, e ardendo se evapora,
E então mais belos brilharão teus louros Assim do vate a mente
Entrançados co'a palma do martírio; Aquecida nas fráguas do infortúnio,
Vive, ó poeta, e canta para a glória. Na dor bebendo audácia e fôrça nova
Mais pura ao céu se arrouba, e acentos vibra
Porém respeito a essa dor sublime De insólita harmonia.
Sêlo gravado pela mão divina Sim não turbeis os seus celestes sonhos,
Sôbre a fronte do gênio, Deixai, deixai sua alma isenta alar-se
Não foram para os risos destinados Sôbre as asas do êxtase divino,
Ésses lábios severos, donde emana Deixai-a, que adejando pelo empíreo
A linguagemdos céus em ígneos versos; Vá aquecer-se ao seio do infinito,
Longe dêle a vã turba os prazeres, E ao céu roubar segredos de harmonia,
Longe os do mundo passageiros gozos, Que sonorosos troem
Breves flores de um dia, que fenecem D'harpa sublime nas melífluas cordas.
Da sorte ao menor sôpro.
Não, não foi das paixões o bafo ardente Mas ei-la já quebrada,
Que os ledos risos lhe crestou nos lábios; Ei-la sem voz suspensa sôbre um túmulo,
A tornmenta da vida ao longe passa, 14-b Essa harpa misteriosa, qu'inda há pouco
E não ousa turbar com seus rugidos Nos embalava ao som de endeixas tristes 27-b
A paz dessa alma angélica e serena, Repassadas de amor e de saudade.
Cujos tão castos ideais afetos Ninguém lhe ouvirá mais um s arpejo,
Só pelos céus adejam. Que a férrea mão da morte
Alentado sòmente da esperança Pousou sôbre ela, e lhe abafou pra sempre
Contempla resignado A voz das áureas cordas.
As sombras melancólicas, qu'enlutam Porém, ó Dutra, enquanto lá no elísio
O horizonte da vida; mas vê nelas Saciando tua alma nas enchentes
Um crepúsculo breve, que antecede Do amor e da beleza, entre os eflúvios
De perenais delícias,
58 BERNARDO GUIMARÁES POESIAS COMPLETAS 59

E unido ao côro dos celestes bardos, Eis do nosso passar por sôbre a terra
O fogo teu derramas Em breve quadro uma fiel pintura;
Aos pés de Jeová em gratos hinos, a vida oceano de desejos
É

A glória tua, teus eternos cantos, campas Intérmino, sem praias,


Quebrando a mudez fúnebre das Onde a êsmo e sem bússola boiamos
nome Sempre, sempre com os olhos enlevados
E as leis do frio olvido, com teu
Através do porvir irão traçando Na luz dêsse fanal misterioso,
Um sulco luminoso. Que alma esperança mostra-nos sorrindo
Nas sombras do porvir.
E corre, e corre a existência,
ESPERANÇA E cada dia que cai
Nos abismos do passado
Espère, enfant! demain! et puis demain encore;
É um sonho que se esvai,
Et puis, toujours demain!
(V. HUGO.) Um almejo de noss'alma,
Anelo de f'licidade
Singrando vai por mares não sulcados Que em suas mãos espedaça
Aventureiro nauta, que demanda A eruel realidade;
Ignotas regiões, sonhados mundos;
Ei-lo que audaz se entranha Mais um riso que n0s lábios
Na solidão dos mares -a esperança Para sempre vai murchar,
Em lisonjeiros sonhos já lhe pinta Mais uma lágrima ardente
Rica e formosa a terra suspirada, Que as faces nos vem sulcar;
E corre, correo nauta Um reflexo de esperança
Avante pelo páramo das ondas; No seio d'alma apagado,
Além um ponto surde no horizonte
Confuso é terra! e o coração lhe pula Uma fibra que se rompe
De insólito prazer. No coração ulcerado.
Terra!- terra! bradou e era uma uvem!
Pouco e pouco as ilusões
E corre, corre o nauta Do seio nos vão fugindo,
Avante pelo páramo das ondas; Como fôlhas ressequidas,
Ansioso embebe;
Ermos céus,
-
No profundo horizonte os olhos ávidos
ai! que só divisa
êrmas ondas.
Que vão d'árvore caindo;

E nua fica nossa alma


0 desalento já lhe coa n'alma; Onde a esp'rança se extinguiu,15-a
Oh! não; eis nos confins lá do oceano Como tronco sem folhagem
Um monte se desenha; Que o frio inverno despiu.
Não é
mais ilusão
já mais distinto

Terra! -
Surge acima das ondas
terra! - oh! é terra!
bradou; era um rochedo,
Onde as ondas batendo eternamente
Mas como o tronco remoça
E torna ao que d'antes era,
Vestindo folhagem nova
Rugindo se espedaçam. Co volver da primavera,
60 BERNARDO GUIMARÅES
POESIAS COMPLETAS 61

Assim na mente nos pousa Em maldições, em gritos de agonia,


Novo enxame de ilusões, Em teu regaço, pérfida sereia,
De noo o porir se arreia
Co'a voz embaidora, inda o acalentas;
De mil douradas visões. Não esTnoreças, nao; é cedo; espera ;
Lhe dizes tu sorrindo.
A cismar com o futuro E quando enfim no coração quebrado
A alma de sonhar não cansa, De tanta decepção, sofrer tão longo,
E de sonhos se alimenta, Nos vem roçar do desalento o sôpro,
Bafejada da esperança. Quando enfim no horizonte tenebroso
A estrêla derradeira em sombras morre,
Esperança, que és tu? Ah! que minha harpa 15-b
Esperança, teu último lampejo,
Jánão tem para ti sons por
lisonjeiros; Qual relâmpago em noite tornmentosa,
Sim nestas cordas já ti malditas Abre clarão sinistro, e mostra a campa
Acaso tu não ouves Nas trevas alvejando.
As queixas abafadas que susSurram,
E em voz funérea soluçando vibram
Um cântico de anátema?
Chamem-te embora bálsamo do aflito,
Anjo o céu que nos alenta os passos
Nas sendas da existência;
Nunca mais poderás, fada enganosa,
Com teu canto embalar-me, eu já não creio
Nas tuas väs promessas;
Não creio mais nessas visões donosas
Fantásticos painéis, com que sorrindo
Matizas o futuro!
Estéreis flores, que um mnomento brilham
E caem murchas sem deixarem fruto
No tronco desornado.
Vem após mim ao desditoso dizes;
Não eSmorecas, vem ; é vasto e
belo
O campo do futuro; 14 florescem
As mil delícias que sonhou tua alma,
Láte reserva o céu o doce asilo
A cuja sombra abrigarás teus dias.
Porém é
cedo espera.
E ei-lo que vai com os olhos enlevados
Nas côres tão formosas
Com que bordas ao longe os horizontes.
E fascinado o mísero não sente
Que mais e mais se embrenha
Pela sombria noite do infortúnio.
E se dos lábios seus queixas exala,
Se o fel do coração enfim transborda
INSPIRAÇES DA TARDE

J'aime les soirs sereins et beau.


(V. HUGO)
INVOOAÇÃO À SAUDADE
Oh! filha melancólica dos ermos,
Consôlo extremo, e amiga no infortúnio
Fiel e compassiva;
Saudade, tu que única inda podes
Nest'alma, êrma de amor ee de esperança,
Um som vibrar melodioso triste,
Qual vento, que murmura entre ruínas,
Os gemnebundos ecos acordando;
Vem, ó saudade, vem; a ti consagro
De minha lira as magoadas cordas.
Quando o sôpro da sorte impetuoso
Nos ruge n'alma, e para sempre a despe
Do pouco que há de amável na existência;
Quando tudo se esvai, ledos sOrrisos,
Suaves ilusões, prazeres, sonhos,
Ventura, amor, e até a mesma esp'rança,
Só tu, meiga saudade,
Fiel anmiga, jamais nos abandonas!
Jamais negas teu bálsamo piedoso
!
ÀS chagas do infortúnio
Qual de remotas, flóridas campinas
Da tarde a branda aragem
Nas asas noS Conduz suave aroma,
Assim tu, saudade,
ó

Em quadras mais ditosas vais colhendo


As risonhas visões, doces lembranças,
Com que vens afagar-nos,
E ornas do presente as sendas nuas
Co'as flores do passado.
Não, não é dor o teu pungir suave,
um triste cismar que tem delícias,
É

Que o fel aplaca, que nos ferve n'alma,


Eo faz correr banhando áridos olhos,
Em mavioso pranto convertido.
No íntimo do peito
Despertas emoções que amargam, pungem,
Mas fazem bem ao coração, que sangra
Entre as garras de austero sofrimento!
66 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 67

A laranjeira alastra chão de flores,


o
Agora que do dia a luz extrema
Se expande a frouxo nos calados vales, E os ares peja de suave aroma:
Ládo róseo palácio vaporoso o
Modula sabiá com doces quebros
Desce, saudade, vem, num dêsses raios Moles endeixas, que a saudade inspira; 27-b
Que se escoam do ocaso enrubescido, o
E canto mavioso,
e
Envôlta emo nuvema mística diáfana, De vale em vale repetido ao longe,
Lânguido olhar, fronte descaída,
Na voZ dos ecos morre suspiroso.
17-a
Em minha solidão vem visitar-me,
E oferecer-me a taça misteriosa
Onde vertes um tempo o fel e o néctar. Que mistérios de amor e de saudade
Agora, que o africano a enxada pondo, 16a Vem sussurrar-me esta aura embalsamada?
Da terra de seus pais saudades canta
Aos sons de tôsca lira, e os dros ferros
Por que razão descai-me agora a fronte
Neste cismar, que o coração me envolve
Da escravidão por um momento esquece, Em sombras melancólicas?
Enquanto no silêncio dêsses vales Não és tu, ó saudade,
Soa ao longe a canção do boiadeiro, Que me vens acordar no íntimo peito
sabiá na cúpula virente
Eo manso Suaves ecos de uma feliz quadra
Ao rumorejo da floresta Que rápida escoou-se?
Mescla o trinar de mágicos arpejos, Vinde, vinde, lembranças saüdosas, 17-b
Vem, ó saudade, leva-me contigo
A alguma encosta solitária e triste, Perfume do passado,
Vinde embalar minha alma co'as imagens
Ou ignorado vale, onde
Mistério e solidão;
s reine De um tempo afortunado.
Junto a algum tronco antigo, em cuja rama
Passe gemendo a viração da tarde,
Onde se ouça o monótono queixume
Da fonte do deserto. Era uma tarde amena e sossegada,
Lá, saudade, cerca-me das sombras Tão plácida como esta,
De maviosa, plácida tristeza, (Ah! que viva saudade dêsse tempo
Que em lágrimas sem dor os olhos banha; Nesta alma ainda me resta!...)
Vem, que eu quero cismar, até que a noite Era uma tarde e ela reclinada
Fresco orvalho esparzindo-me na fronte, Na encosta da colina,
De meu doce delírio mansamente Na branca mão pousava tristemente
Me venha despertar. A face peregrina.
Não sei que amargo sonho lhe vergava
A fronte divinal.
RECORDAÇÃO Sondar quem pode os cândidos mistérios
De um peito virginal?!
Também o branco lírio, quando sente
Do sol o vivo ardor,
I
Debruça a fronte lânguida, e se inclina
Do musgo no verdor.
Já nos
céus do ocidente esparge a tarde Do sol poente um raio amortecido
As desmaiadas rosas; Na face lIhe pousava,
Pelas tépidas brisas balouçada
POESIAS COMPLETAS 69
68 BERNARDO GUIMARES

se alentava.
e
Como um beijo de adeus longo saudoso Com o aroma das flores gemer da
Com o som das brisas,
com o
fonte:
Que a tarde he enviava.
Com os olhos puros fitos no horizonte Ela, só ela eu via no universo,
Tão sòzinha a cismar, E tudo dentro d'alma retraçava
Me parecia um anjo do céu vindo De minha amada as graças peregrinas.
Que vai pra o céu voar. No respirar da viração serena
Vinde, vinde, lembranças saüdosas, Eu sentia seu hálito; nos ecos
Perfume do passado, Do vale solitário ouvir cuidava
com as imagens
Vinde embalar minha alma Do seu falar o acento mavioso,
afortunado! o seu sorriso,
De um tempo A aurora me lembrava
A tarde o seu olhar.
Oh! era doce aquêle puro afeto
III Que então eu te sagrava,
Lírio do vale, cândido e singelo,
E com0 quem receia nume, Que os seios de minh'alma embalsamavas
Mistérios violar de ignoto Com teu aroma estreme!
Em tímido silêncio eu contemplava Num pego de emoções nunca sentidas
Aquela imagem plácida e sublime, 0 coração batia alvoroçado;
Medroso de quebrar o fio místico De meu amor no enlêvo parecia
De seu sonhar celeste; Que ante mim se ia abrindo um mundo novo
Té que da tarde os arrebóis extremos Cheio de luz, de aromnas, de harmonia,
Nas orlas do ocidente se extinguiram. Onde neiga sorria-me a esperança
Então a vi ligeira deslizar-se, Em meu caminho rosas desfolhando!
Nas sendas da devesa, Vinde, vinde, lembranças saüdosas,
E com0 aparição de um vago sonho Perfume do passado;
Nas sombras do crepúsculo perder-se. Vinde embalar minh'alma com as imagens
Partiu, porém agui no fundo d'alma De umn tempo afortunado!
Sempre encontro brilhando a imagem dela,
Bem como astro amoroso
Refletindo no azul de manso lago
Clarão misterioso!
Vinde, vinde, lembranças saüdosas, Triste ilusão!. o leve matiz d'ouro
Perfume do passado, Que a vida embelecia,
Vinde embalar minh'alma com as imagens A um sôpro só da sorte esvaeceu-se,
De um tempo afortunado! Sumiu-se num só dia!
É tudo assim; nos céus brilha um momento
Risonha alva manhã,
IV E não v deslizar mais que uma aurora
Do vale a flor louçã.
DebaixO do trangüilo céu dos ermos Apenas do festim da natureza
Medrava o meu amor de dia em dia; Libamos as primícias,
Lá, pelos arvoredos sussurrantes, Que logo a nossos pés cai em pedaços
Nas recatadas sombras, A taça das delícias.
70 BERNARDO GUIMARAES POESLAs cOMPLETAS 71

Em vão a tarde neste sítio expande Que por longes sem fim se vão perdendo!
Seus raios amorosos; Todo enlevado na ilusão donosa
Em vão murmura viração fagueira
a
Longo tempo meus olhos espaireço.
Nesses vergéis saudosos. Porém do céu as côres já desbotam,
E êrm0 o vale, e a senda da colina Os fulgores se extinguem, se esvaecem
De relva se cobriu; As fantásticas formas. vem de manso
E cismando sòzinha a virgem bela A noite desdobrando o véu das sombras
Ninguém, ninguém mais viu. Sôbre o aéreo painel maravilhoso;
Um tufão arrancou do prado ameno Apenas pelas orlas do horizonte
A flor dos sonhos meus; Bruxuleia através da escuridade
E levando-a nas asas transplantou-a O crêspo dorso dos opacos montes,
Para os jardins de Deus. E sôbre êles fulgindo merencória,
Cessai, cessai, lembranças saüdosas Suspensa, como pálida lucerna,
De um tempo já volvido ! A solitária estrêla do crepúsculo.
Ah! não mais me embaleis co'as vsimagens
De um sonho esvaecido! Assim vos apagais em sombra escura,
Lêdas visões da quadra dos amôres!...
ILUSÃO Lá vem na vida um tempo
Em que a um sôpro gélido se extingue
V, que painel formos0 a tarde borda A fantasia ardente,
Na brilhante alcatifa do ocidente! Ésse sol puro da manhã dos anos,
Que doura-nos as nuvens da existência,
As nuvens em fantásticos relevos E mostra além, pelo porvir brilhando,
Aos olhos fingem, que inda além da terra Um cu formoso e rico de esperança;
Novo horizonte infindo se prolonga, E êsses puros bens, que a mente ilusa
Onde lindas paisagens se desenham Cismara em tanto amor, tanto mistério,
Descomunais, perdendo-se no vago Lávo sumir-se um dia
De vaporosos longes. Nas tristes sombras da realidade;
Lagos banhados de reflexos d'ouro, E de tudo que foi, conosco fica,
Onde se espelham gigantescas fábricas; No fim dos tempos, a saudade apenas,
Solitárias encostas, onde avultam Triste fanal, brilhando entre ruínas!
Aqui e além ruínas pitorescas,
Agrestes brenhas, serranias broncas,
Pendentes alcantis, agudos píncaros, 0 SABIÂ
Fendendo um lindo céu de azul e rosas;
Fontes, cascatas, deleitosos parques, L'oiseau semble le véritable emblème
Encantadas cidades quais só pode du chrétien ici-bas; il préfère, comme le
Criar condão de fadas, fidèle, la solitude au monde, le ciel à la
Surdem do vale, entre vapor brilhante, terre, et sa voic bénit sans cesse les mer
veilles du Créateur.
Com a fronte coroada de mil
tôrres, (CHATEAUBRIAND.)
De esguios coruchéus, de vastas
E além ainda mil aéreas formas,
cúpulas;
Tu nunca ouviste, quando o sol é pôsto,
Mil vagas perspectivas se debuxam, E que do dia apenas aparece,
Por sôbre os ermos píncaros do ocaso,
BERNARDO GUIMARAES

POESIAS COMPLETAS 73
A orla extrema do purpúreo manto;
Quando lá do sagrado campanário Canta, que oteu doce canto
Já reboa do bronze o som piedoso,; Nestas horas tão serenas,
Abençoando as horas do silêncio Nos seios d'alma adormece
Nesse instante de místico remanso, O
pungir de acerbas penas.
De maga soidão, em que parece
Pairar bêncão divina sôbre a terra, Cisma o vate ao brando acento
No momento em que a noite vem sôbre ela
Desdobrar o seu manto sonolento; De tua voz harmoniosa,
Tu nunca ouviste, em solitária encosta, Cisma, e deslemnbra tristuras
De anoso tronco na isolada grimpa, De sua vida afanosa.
A voz saudosa do cantor da tarde
Erguer-se melancólica e suave E ora 'alma se lhe acorda
Como uma prece extrema, que a natura Do passado uma visão,
Envia a0 cu, –suspiro derradeiro Que em perfumes de saudade
Vem banhar-lhe o coração;
Do dia, que entre sombras se esvaece?
O
viandante para ouvir-lhe os quebros
Pára, e se assenta à margem do caminho: Ora um sonho lhe vislumbra
Encostado aos umbrais do pobre alvergue, Pelas trevas do porvir,
Cisma o colono aos sons do etéreo canto E uma estrêla d'esperança
Já das rudes fadigas deslembrado; Em seu céu lhe vem sorrir:
E sob as asas úmidas da noite
Aos meigos sons em êxtase suave E por mundos encantados
Adormece embalada a natureza. Lhe desliza o pensamento.
Qual nuvem que o vento embala
Quem te inspira o doce acento, Pelo azul do firmamento.
Sabiámelodioso ?
Que mágoas triste lamentas Canta, avezinha amorosa,
Nesse canto suspiroso? Em teu asilo soidoso;
Saúda as horas sombrias
Quem te ensinou a canção, Do silêncio e do repouso;
Que cantas ao pôr do dia?
Quem revelou-te os segredos Adormenta a natureza
De tão mágica harmonia? Aos sons de tua canção;
Canta, até que o dia morra
Acaso a ausência tu choras De todo na escuridão.
Do sol, que além se sumira;
E teu canto ao dia extinto Assim o bardo inspirado,
Mavioso adeus suspira? Quando a eterna noite escura
Lhe anuncia a fatal hora
Ou nessas notas De baixar à sepultura,
sentidas,
Exalando o terno ardor,
Tu contas à meiga tarde Um adeus supremo à vida
Segredos do teu amor? Sôbre as cordas modulando,
Em seu leito sempiterno
Vai adormecer cantando.
RERNARDNO GUIMARES

Colmo-te o céu de seus dons,


Sabiá melodioso
;
Aos Srs, Drs. Francisco de Paula Pereira Lagoa,
Tua vida afortunada Carlos Tomás de Magalhães Gomes,
Desliza em perene göz0. Prancisco Vicente Gonçalves Pena.
Notope do tronco excelso
Deu-te um trono de verdura; Meus caros amigos. A oferta que vos faço é por certo
Deu-te a roz melodiosa bem mesquinha, mormente atendendo-se à incomparável dívida
Com que encantas s natura
;
de gratidão em que estou para convosco. Mas estou certo que
nem por isso a desdenhareis, porque bem convencidos estais
Deu-te os ecos da valada de quanto é ela pura e sincera.
Pra repetir-te a canção; Lançando os olhos pelas flores raquíticas e goradas dêste
Deu-te amor no doce nìnho, meu pálido ramalhete poético, vejo que consta pela maior parte
Deu-te os céus da solidão. de gemidos de tôda a espécie;-gemidos de amor e de saudade,
gemidos de dor e de cepticismo. Ora parece-me que seria
Corre-te a vida serena um presente de mau gôsto obsequiar-vos ainda com os gemidos
Como um sonho afortunado: de minha alma, a vós, que em virtude da honrosa profissão,
ou antes sublime sacerdócio, que com tanta imteligência e
Oh! que é doceo teu viver! zêlo
Cantar e amar eis teu fado! exerceis sôbre a terra, sois condenados ouvir todos os dias
os ais da humanidade sofredora em
luta com a enfermidade, os
Cantar e amar! quem dera ao triste bardo estertores da vítima debatendo-se entre as garras da morte.
Assim viver um dia; Eis porque escolhi de preferência o presente poemeto para vos
Também nos céus os anjos de Deus vivem ofertar. Em vez de afligir-vos com lamentos, quero distrair e
De amor e de harmonia: embalar vossa imaginação aos sons da canção voluptuosa que
Quem me dera qual tu, cantor dos bosques, entoa um frenético sectário das doutrinas de Epicuro.
Na paz a solidão,
Sôbre as ondas do tempo ir resvalando
Vós disputastes ao túmulo meus dias ameaçados, e
vestes contra a morte um assinalado triunfo : obti
e como pode
Aos sons de uma canção, a
ria ela resistir tão poderoso triunvirato, que além de possuir
E exalando da vida o sôpro extremo todos os recursos do talento, e dispor de
ciência, era estimulado pela amizade? tdas as armas da
Num cântico de amor, Operastes um verda
Sôbre um raio da tarde enviar deiro prodígio ! como pagar-vos
Minh'alma ao Criador !.
.. um dia a lira fôsse ainda capaz das tåo
maravilhas
enorme dívida?.
que ela obrava nos
Se
tempos de Lin0, Anfion e Orfeu, eu poderia
por prodigio: sem mais obreiros que os sonsdar-vos prodígio
de mimha
faria erigir-se para vós um templo de magnífica estrutura;lira, ou
iria roubar ao reino das sombras algum ente amado que a
morte VOs tivesse arrebatado. Mas hoje infelizmente uma
éo
traste mais sem préstimo que pode haver; e o bastãolira do
nume de Epidauro émil vêzes
mais poderoso e fecundo, que os
estéreis louros de seu pai Apolo. Assim pois por um
que por mim obrastes, não prodígio,
tenho a ofertar-vOS senão os inúteis
sons de uma desconcertada
lira.
AUTOR
FOESIAS COMPLETAs 77

É
doce assim viver!
Descuidado e a
-
sorrir, a
ir desfolhando,
flor dos anos,
Sem lhe contar as pétalas, que fogem
HINO DO PRAZER Nas torrentes do tempo arrebatadas:
se a vida é sonho,
É doce assim viver:
Seja um sonho de rosas.
Et ccs voic qui passaient, disaicnt joyeu Quero deixar de minha vida as sendas
[sement: Juncadas das relíquias do banquete;
Bonheurl gaité! délicesl Frascos vazios, machucadas flores,
A nous les coupes d'or, remplies d'un vin Grinaldas pelo chão, cristais quebrados,
A d'autres les calices!.
.[charmant, E entre murchos festões rto alaúde,
Que reboando balanceia ao vento,
(V. HuGO.) Lembrando amôres que cantei na vida,
Sejam de meu passar por sôbre a terra
Os únicos vestigios.

Antes assim, do que passar os dias,


Qual feroz caïm, guardando o ninho, 18-a
Inquieto a vigiar avaros cofres,
-
:
As orgias celebremos
Evoél PeianI cantenos, Onde a cobiça aferrolhou tesouros
(C. SEM EDO.) Colhidos entre as lágrimas do órfão
E as ânsias do faminto.
Convivas do prazer, vinde comigo
Ao folgar dos festins; encham-se as taças, Antes assim, do que sangrentos louros
Afine-se o alaúde. Ir pleitear nos campo da carnagem,
Salve, ruidosos hinos desenvoltos ! E ao som de horríveis pragas e gemidos,
Salve, tinir dos copos Passar deixando após um largo rio
Festas de amor, alegres algazarras De lágrimas e sangue.
De ebritroante bródio!
Salve! co'a taça em punho eu vos saúdo! Antes assim. mas quem aqui vos chama,
Beber, cantare amar. eis, meus amigos, Importunas idéias? por que vindes
Das breves horas o mais doce emprêgo; Mesclar voz agoureira
O
mais tudo é
quimera. o ardente néctar Das meigas aves aos mimosOS quebros?
No brilhante cristal férvido espume, Vinde vós, do prazer risonhas filhas,
E verta n'alma encantador delírio De ebúrneo colo, torneados seios,
Que a importuna tristeza longe espanca, Flores viçosas dos jardins da vida,
E alenta o coração para os prazeres. Vinde, ó formosas, bafejai perfumes
Pra levar sem gemer à fatal meta Sôbre estas frontes, que em delírios ardem,
Da vida o pêso, vinde em nosso auxíio, Vozes casai da cítara aos arpejos,
Amor, poesia e vinho. E ao som de meigos, deleixados cantos,
Ao quebrado languor dos olhos lindos,
Ferva o delírio ao retinir dos copos, Ao mole arfar dos mal ocultos seios,
E entre ondas de vinho e de perfumes, Fazei brotar nos corações rendidos
Os férvidos anelos, que despontam
Se evapore em festivos ditirambos.
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAg 79
78

Nos vagos sonhos d'alma, bafejados E reclinado à sombra da mangueira


De fagueira esperança, e são tão doces !.. Fruir em solidão êsse e perfume
gozos mesmos!
Talvez mais doces do que os De tristeza, de amor de saudade,
remanso
o ar, flores a terra,
Seja harmonia Que em momentos de plácido
Amor os corações, os lábios risos, Do mais íntimo d'alma se evapora!
Para nós seja o mundo um céu de amôres.
Vertei, brisas, vertei na minha fronte
Com macio murmúrio alma frescura;
Fagueiras ilusões, vinde inspirar-me;
Aéreos cantos, quérulos rumores,
mon pleurer! Doces gorjeios, Sombras e perfumes,
Je veut rêver, et Com risonhas visões vinde embalar-me,
(LAMARTINE.) E adormecei minh'alma entre sorrisos.
Longe, bem longe dêstes doces sítios
Mas é já tempo e depor as taças:
Que êste ardente delírio, que inda agora
0 tôrvo enxamnea de cruéis pesares.
Deixai-me sós fruindo
Ao som de soltos hinos A taça misteriosa onde a poesia
Tripudiavan'alma, vai de manso A flux verte seu néctar.
Para os lânguidos sonhos descambando, Busquemn outros sedentos de tristezas,
Sonhos divinos, guais só tê-los sabe De dores só nutrir o pensamento,
Ditoso amante, quando a fronte inclina E quais duendes pálidos vagueiem,
No regaço a amada, e entre as delícias
De um beijo adormecera.
Entre os ciprestes da mansão funérea,
que o prazer não só habita Lições severas demandando às campas;
Basta pois, Meditações tão graves não me aprazem;
Na mesa os festins, entre o alvoriço Longe, tristes visões, fúnebres larvas 13-3
De jogos, danças, músicas festivas...
De agoureiro sepulcro
Vertei, 6 meus amigos, Longe também, ó vãos delírios d'alma,
Vertei também no cíato a vida Glória, ambição, futuro. Oh! não venhais
Algumas gotas de melancolia;
Cumpre também banquetear o espírito,
Crestar com o bafo ardente
A viçosa grinalda dos amôres.
Na paz e no silencio inebriá-lo Nos jardins do prazer colham-se rosas,
Cos místicos aromas que se exalam E com elas se esconda o horror da campa..
Do coração, nas horas de remanso:
Deixai que os insensatos visionários
Na solidão, ao respirar das auras Da vida o campo só de abrolhos junquem,
Se acalme um pouco o férvido delírio Lobrigando ventura além da campa;
Dos atroados bródios.
Míseros loucos.
.. que os ouvidos cerram
E ao túmulo suceda a paz dos ermos
Bem como a noite ao dia ! A voz tão meiga, que ao prazer os chama,
E vão correndo após um bem sonhado,
Quanto é grato depois de ter sumido Ôco delírio da vaidade humana.
Largas horas em risos e folguedos, De flores semeai da vida as sendas,
Deixando estanque a taça do banquete, E com elas se esconda o horror da campa.
Ir respirar o hálito balsâmico A campa! eis a barreira inexorável,
Que em tôrno exalam flóridas campinas,
Que nossO ser inteiro devorando
POESIAS COMPLETAS 81
BERNARDO GUIMARES
80
gue é do nada!.
o Vem, ninfa, vem, meu anjo, aqui te aguarda
Ao nada restitui Quem só por ti suspira.
Mas enquanto se oculta a nossos olhos Da tarde as auras para ti desfolham
Nos longes nelbulosos do futuro, Cheirosas flores na macia relva,
prazer, que mansas corlrem, emn doces êxtases,
Nas ondas do E para te embalar
Larguemos boiar curta vida,
a a
Murmura solidão meigos acordes
a
Bem como a borboleta matizada, De vagas harmonias:
Que desdobrando ao ar as leves asas Vem, que êrmo é tudo,
e as sombras já não trdam
Contente e descuidosa se abandona Da noite, mãe de amor.
Ao bramdo sôpro de benigno zéfiro.
Ah! tu me ouviste; já ligeiras roupas
Sinto leve rugir;

êstes aromas
III que recendem.
São as tuas madeixas,
Oh! bem-vinda sejas,
Venez
L'air est tiède, et là-bas ans les forêts Entre meus braços, doce amiga minha!
Lprochaines Graças à aragem, diligente serva
Dos ditosos amantes, que levou-te
La moUsse épaisse et verte abonde au pied Meus suspiros, e trouxe-te a meu seio!
[des chênes.
(V. HuGO.) Vem, meu querido amor, vem reclinar-te
Neste viçoso leito, que a natura
Descamba o sol ea tarde no horizonte Para nós recamou de musgo e flores,
Saudosos véus desdobra. Em diáfanas sombras escondido:
Do manso rio na dourada veia Desata as longas tramças,
Tremem ainda os últimos reflexos Ea sêda espalha das madeixas negras
Do dia, que se extingue; Por sôbre os níveos ombros;
E os píncaros agudos, onde pousam Desprende os véus ciosos, deixa os seios
Do sol poente os raios derradeiros, quero vê los
Livremente ondearem;
Ao longe avultam quais gigantes feros, Em tênues sombras alvejando a furto,
Que a fronte cingem com diadema d'ouro. No afã de amor ansiosos arquejarem.
Da bôca tua nos mimnosos favos
Ah! eis a hora tão saudosa e meiga, Oh! deixa-me sorver num longo beijo
Em que o amante solitário vaga Dos prazeres o mel delicioso,
A cismar ilusões, doces mistérios De amor tôda a doçura.
De sonhada ventura.
E vem, ó tarde, suspirar contigo, Eu sou feliz! cantai minha ventura,
Enquanto não esdobra o manto escuro Auras da solidão, aves do bosque;
A noite a amor propícia.
.
Astros do céu, sorride a meus amôres,
Afrouxa a viração mole sussurro Flores da terra, derramai perfumes
Suspira apenas na sombria veiga, Em trno dêste leito, em que adormece
Qual v0Z sumida a murmurar queixumes. Entre os risos de amor o mais ditoso
É junto a ti, meu bem, que nestas horas Dos sêres do universo!
Me voa o pensamento. Ah! não vens inda Brisas da noite, bafejai frescura
Pousar aqui de teu amante ao lado Sôbre esta fronte, que de amor delira,
Sôbre êste chão de relva?
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 83
82

Com cantos alentai-me, e com aromas, Quanto eu te amava então, tarde formosa!
Que em tamanha ventura desfaleço. Qual pastôra gentil, que se reclina
Eu sou feliz... demais!. cessai delícias, Rósea e loucã, sôbre a macia relva,
a tanto gôzo o coração sucumbe! Das diurnas fadigas descansando;
Que
A face, em que o afã lhe acende as côres,
Na mão repousa, os seios lhe estremecem
Assim cantava o filho dos prazeres. No mole arfar, e o lume de seus olhos,
Mas no outro dia um golpe inopinado Em suave langor vai desmaiando;
Da sorte lhe quebrou o tênue fio
Da risonha ilusão que o fascinava : Assim me aparecias, meiga tarde,
A noite o viu cantando hino de amôres, Sôbre os montes do ocaso debruçada;
A aurora o achou curvado a verter pranto Tu eras o anjo da melancolia,
Sôbre uma lousa fria. Que à paz da solidão me convidavas.
Então no tronco, que o tufão prostrara,
No viso da colina, ou êrma rocha
HINO À TARDE Sôbre a margem do abismo pendurada,
Me assentava a cismar, nutrindo a mente
A tarde estátão bela e tão serena, De arroubadas visões, de aéreos sonhos.
Que convida a cismar. Contigo a sós, sentindo o teu bafejo
Ei-la saudosa e meiga, reclinada De aromas e frescor banhar-mne a fronte,
Em seu etéreo leito, E afagar brandamente os meus cabelos,
Da muda noite a amável precursora; Minha alma então boiava docemente
Do róseo seio aromas transpirando,
Com vagos cantos, com gentil sorriso Por um mar de ilusões, e parecia
Que un côro aéreo, pelo azul do espaço
Ao repouso convida a natureza.
Me ia embalando com sonoras dúlias;
Montão de nuvens, como vasto incêndio,
Resplende no horizonte, e o clarão rúbido De um puro sonho sôbre as asas d'ouro
Céus e montes ao longe purpureia. Me voava enlevado o pensamento
Pelas odoras veigas Encantadas paragens devassando,
Ou nas vagas de luz, que o ocaso inundam,
As auras brandamente se espreguiçam,
E o sabiána encosta solitária Afouto me embebia, e o espaço infindo
SaudosO cadenceia Transpondo, ia entrever no estranho arroubo
Os radiantes pórticos do Elísio.
Pausado arpejo, que entristece os ermos. Ó
sonhos meus, ó ilusões amenas
Oh! que grato remanso ! que hora amena, De meus primeiros anos,
Propícia aos sonhos d'alma! Poesia, amor, saudades, esperanças,
Quem me dera voltar à feliz quadra, Onde fôstes? por que me abandonastes?
Em que êste coração me transbordava Inda do tempo me não pesa a destra,
De emoções virginais, de afetos puros! E não me alveja a fronte; inda não sinto
Em que esta alma em seu seio refletia Cercar-me o coração da idade os gelos,
Como o cristal da fonte, pura ainda, E já vós me fugis, 6 lêdas flores
Todo o fulgor do céu, tôda a beleza De minha primavera?
E magia da terra!... oh! doce quadra! E assim vós me deixais, tronco sem seiva,
Quão veloz te sumiste Como um sonho Só, definhando na aridez do mundo?
Nas sombras do passado! Oh! sonhos meus, por que me abandonastes?
GUIMARES POESIAS COMPLETAS 85
84 BERNARDO

A tarde está tão bela e tão serena, Para saudar teus mágicos fulgores.
Que convida a cismar: vai pouco e pouco Silenciosa e triste está minha alma,
Desmaiando o rubor dos horizontes, Bem como lira de estaladas cordas,
E pela amena solidão dos vales Que o trovador esquece pendurada
Caladas sombras pousam; breve a noite No ramo do arvoredo,
Abrigará co'a sombra de seu manto Em ócio triste balançando ao vento.
A terra adormecida.
Vinde, ainda uma vez, meus sonhos d'ouro,
Nesta hora, em que tudo sôbre a terra
Suspira, cisma, ou canta,
Como êsse afagador, extremo raio,
Que à tarde pousa sôbre as grimpas êrmas,
Vinde pairar ainda sôbre a fronte
Do bardo pensativo; iluminai-a
Com um raio inspirador.
Antes que os ecos todos adormeçam
Da noite no silêncio,
Quero um hino vibrar nas cordas d'harpa,
Para saudar a filha do crepúsculo.
Ai de mim! êsses tempos já caíram
Na sombria voragem do passado,
E os meus sonhos queridos se esvaíram,
Como após o festim murchas se espalham
As flores da grinalda:
Perdeu a fantasia as asas d'ouro,
Com que se alava às regiões sublimes
De mágica poesia,
E despojada de seus doces sonhos
Minha alma vela a sós co sofrimento,
Qual vela o condenado
Em sombria masmorra, à luz sinistra
De amortecida lâmpada.
Adeus, formosa filha do ocidente,
Virgem de olhar sereno, que meus sonhos
Em doces harmonias transformavas,
Adeus, ó tarde! -já nas frouxas cordas
Rouqueja o canto, e a vOz me desfalece.
Mil e mil vêzes raiarás ainda
Nestes sítios saudosos, que escutaram
De minha lira o deleixado acento;
Mas, ai de mim!.. nas solitárias veigas
Não mais escutarás a voz do bardo,
Hinos casando ao suSsurrar da brisa
POESAS DIVERSAS
19
O
NARIZ PERANTE OS POETAS

Cantem outros os olhos, os cabelos


E mil cousas gentis
Das belas suas: eu de minha amada
Cantar quero o nariz.
Não sei que fado mísero e mesquinho
É
êste do nariz,
Que poeta nenhum em prosa ou verso
Cantá-lo jamais quis.
Os dentes, são pérolas,
Os lábios rubis,
As tranças lustrosas
São laços sutis
Que prendem, que enleiam
Amante feliz;
É
colo de garça
A nívea cerviz;
Porém ninguém diz
que é o nariz.
O

Beija-se os cabelos,
E os olhos belos. 19-a
E a bca mimosa,
E a face de rosa
De fresco matiz;
E nem um só beijo
Fica de sobejo
Pro pobre nariz;
Ai! pobre nariz,
És bem infeliz!
Entretanto, notai a sem-razão
Do
mundo, injusto e vão:
Entretanto o nariz é do
0 ponto culminante;semblante
No meio das demais
feições do rosto
Erguido é o seu pôsto,
90 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 91

Bem como um trono, e acima dessa gente Onde, pois, ingratos vates,
Eleva-se eminente. Acharíeis as fragrâncias,
Os balsâmicos odores,
Trabalham sempre os olhos; mais ainda De que encheis vossas estâncias,
A bôca, o queixo, os dentes; Os eflúvios, os aromas
míseros plebeus vão exercendo Que nos versos espargis;
Ofícios diferentes. Onde acharíeis perfume,
Se não houvesse nariz?
Mas o nariz, fidalgo de bom gôsto, Ó
vós, que ao nariz negais
Desliza brandamente Os foros de fidalguia,
Vida voluptuosa entre as delícias Sabei, que se por um êrro
De um doce far-niente. Não há nariz na poesia,
seu fado infeliz,
É por
Sultão feliz, em seu divã sentado Mas não é porque não haja
A respirar perfumes, Poesia no nariz.
De bem-aventurado ócio gozando,
Não tem inveja aos numes. Atenção pois aos sons de minha lira,
Vós todos, que me ouvis,
o De minha bem-amada em versos d'ouro
Para êle produz rico Oriente
Cantar quero o nariz.
O cedro, a mirra, o incenso;
Para êle meiga Flora de seus cofres 0 nariz de meu bem é com0.
..
oh! céus!.
Verte o tesouro imenso. É como o
quê? por mais que lide e sue,
Nem uma só asneira !.
Amante fiel sua, a mansa aragenm Que esta musa estáhoje uma toupeira.
As asas meneando
Anda pra êle nos vergéis vizinhos Nem uma idéia
Aromas apanhando. Me sai do casco!..
Ó
miserando,
E tu, pobre nariz, sofres o injusto Triste fiasco!!
Silêncio dos poetas?
Sofres calado? não tocaste ainda Se bem me lembra, a Bíblia em qualquer parte
Da paciência as metas? Certo nariz ao Líbano compara;
Se tal era o nariz,
Nariz, nariz, já é tempo De que tamanho não seria a cara?!...
De ecoar o teu queixume;
Pois, se não há poesia E ai de mim! desgraçado,
Que não tenha o seu perfume, Se o meu doce bem-amado
Em que o poeta às mãos cheias V seu nariz comparado
Os aromas não arrume, A uma erguida montanha:
Por que razão os poetas, Com razão e sem tardança,
Por que do nariz não falam, Com rigores e esquivança,
Do nariz, pra quem sòmente Tomará cruel vingança
Ésses perfumes se exalam? Por essa injúria tamanha.
92 BERNARDO GUIMAR ES
POESIAS COMPLETAS 93
Pois bem!. Vou arrojar-me pelo vago
Dessas comparações que a trouxe-mouxe
0
teu nariz, doce amada,
Do romantismo o gênio cá nos trouxe, É um castelo de amnor,
Que pra tôdas as cousas vão servindo;
Pelas mãos das próprias graças
Fabricado com primor.
E à fantasia as rédeas sacudindo,
Irei, bem como um cego, As suas ventas estreitas
Nas ondas me atirar do vasto pego, São como duas seteiras,
Que as românticas musas desenvoltas Donde êle oculto dispara
Costumam navegar a velas sôltas. Agudas flechas certeiras.
E assim como 0 coração, Em que sítios te pus, amor, coitado!
Sem ter corda, nem cravelha, Meu Deus, em que perigo?
Na linguagem dos poetas Se a ninfa espirra, pelos ares saltas,
A uma harpa se assemelha; E em terra dás contigo.
Como as mãos de alva donzela Estou já cansado, desisto da emprêsa,
Parecem cêstos de rosas, Em versos mimosos cantar-te bem quis;
E as roupas as mais espêssas Mas não o consente destino perverso,
São em vers0 vaporosas; Que fêz-te infeliz;
Estádecidido, não cabes emn verso,
E o corpo de esbelta virgem Rebelde nariz.
Tem feitio de coqueiro,
E sócom um beijo se quebra E hoje tu deves
De tão franzino e ligeiro; Te dar por feliz
Se êstes versinhos
E como os olhos são flechas, Brincando te fiz.
Que os corações vão varando; Rio de Janeiro, 1858.
E outras vêzes são flautas
Que de noite vão cantando;
À SAIA BALÃO
Pra rematar tanta pta
O
nariz será trombeta. Balão, balão, balão! cúpula errante,
Atrevido cometa de ampla roda,
Trombeta o meu nariz?!! (ouço-a bradando) Que invades triunfante
Pois meu nariz é trombeta?. Os horizontes frívolos da moda;
Oh! não mais, Sr. poeta, Tenho afinado já para cantar-te
Com neu nariz s'intrometa. Meu rude rabecão;
Vou teu nome espalhar por tôda parte,
Perdão por esta vez, perdão, senhora ! Balão, baläo, balão!
Eis nova inspiração mne assalta agora,
E em honra ao teu E para que não vá tua memória
Dos lábios me arrebentanariz
em chafariz: Do esquecimento ao pélago sinistro,
Teu nome hoje registro
:8
94 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 95

Da poesia nos galantes fastos, Mudaste enfim de norte,


E para receber teu nome e glória, E aumentando diâmetro
o pretendes
Do porvir te franqueio os campos vastos. agora de outra sorte
Avantajar-te
que tanto estendes.
Na cauda do balão, espaço,
Em tôrno ao cinto de gentil beldade Queres em tôrno
Desdobrando o teu âmbito estupendo, Té onde possas desdobrar teu braço.
As ruas da cidade
Co'a longa cauda ao longe vais varrendo; Assim com tuas artes engenhosas
E nessas vastas roçagantes pregas Sem mdo de estourar tu vais
inchando,
De teu túmido bôjo, volumosas
E os reinos teus co'as vestes
Nesse ardor de conquistas em que ofegas,
que encontras, levando vais de rôjo,
O Ao longe sem limites dilatando,
Qual máquina de guerra, Conquistas na largura
0 que não podes conseguir na altura.
Que inda os mais fortes corações aterra.

Quantas vêzes rendido e fulminado Mas ah! por que o meneio gracioso
Um pobre coração, De teu airoso porte
Não vaipor esSsas ruas arrastado Sepultas por tal sorte
Na cauda de um balão. Nesse mundo de saias portentoso?
poupas
Mal despontas, a turba numerosa Por que razão cuidados mil não
À direita e à esquerda, Pra ver tua beleza tão prezada
De tempo sem mais perda Sumir-se-te afogada
Amplo caminho te abre respeitOsa; Nesse pesado pélago de roupas? 20-a
E com êsses regquebros sedutores
Com que saracoteias, Sim, de que serve ver as crêspas Ondas
A chama dos amôres De túrgido balão
Em mais de um coração a furto ateias. A rugirem bojudas e redondas
Movendo-se em contínua oscilação;
Sexo lindo e gentil, foco de enigmas! Vasto sepulcro, onde a beleza cega
Quanto és ambicioso, Seus encantos sepulta sem piedade,
Que o círculo espaçoso Empavezada nau, em que navega
De teus domínios inda em pouco estimas; A todo pano a feminil vaidade?
Queres mostrar a fôrça onipotente
De teu mimos0 braço; De que serve enfeitar da vasta roda
De render corações já não contente, Os estufados flancos ilusórios
Inda pretendes conquistar o espaço!... Com êsses infinitos acessórios,
Que vai criando a inesgotável moda,
Outrora já cos atrevidos pentes De babados, de gregas, fitas, rendas,
E as toucas alterosas, De franjas, de vidrilhos,
As regiões buscavas eminentes, E outros mil badulaques e fazendas,
Onde giram as nuvens tormentosas; Que os olhos enchem de importunos brilhos,
Como para vingar-te da natura, Se no seio de tão tofuda mouta
Que assim te fz pequena de estatura. Mal se pode saber que ente se acouta?!
96 POESIAS COMPLETAS 97
DERNARDO GU1MAREs

De uma palmeira à graciosa imngem, Eu trago de contínuo na lembrança,


Que flácida se arqucia Tu, que no rosto e no adem singelo
Ao sôpro d'aura, quando lhe mencia Das filhas de Helen és vivo modèlo;
A trêmula ramagem,
Comparam os poetas Nunca escondas teu gesto peregrino,
As virgens de seus sonhos mais diletas. G da estreita cintura o airosO talhe,
Mas hoje onde achar pode a poesia D as graças dêsse teu porte divino,
Imagem, que as bem pinte e as enobreça, Nesse amplo detalhe
Depois que deu-Ihes singular mania De roupas, que destroem-te a beleza
De atufarem-se em roupa tão espêssa; Dos dons de que adornou-te a natureza.
Se eram antes esbeltas qual palmeiras,
Hoje podem chamar-se gameleiras, 20-b De que serve entre véus, toucas e fitas,
Ao pêso dos vestidos varredores,
Também o cisne, que garboso fende De marabouts, de rendas e de flores
De manso lago as ondas azuladas,
E o níveo colo estende Tuas formas trazer gemendo aflitas,
Por sôbre as águas dêle enamoradas, A ti, que no teu rosto tão viçosas
Dos poetas na vírida linguagem De tua primavera tens as rosas?.
De uma bela retrata a pura imagem.
Pudesse eu ver-te das belezas gregas,
Mas hoje a moça, que se traja à moda, Quais as figuram mármores divinos,
Só se pode chamar peru de roda. Na túnica gentil, não farta em pregas,
Envolver teus contornos peregrinos;
Quais entre densas nuvens conglobadas E ver dessa figura, que me encanta,
Em hórrido bulcão 0 altivo porte desdobrando a aragem
Vão perder-se as estrêlas afogadas De Diana, de Hero, ou de Atalanta
Em funda escuridão, A clássica roupagem!.
Tal da beleza a sedutora imagem
Some-se envolta em túmida roupagem.
Em simples trança no alto da cabeça,
Balão, balão, balão! As fúlgidas madeixas apanhadas;
fatal presente, E a veste pouco espssa
Com que brindou asbelas a inconstância
A caprichosa moda impertinente, Desenhando-te as formas delicadas,
Sepulcro da elegância, Ao sôpro das aragens ondulando,
Tirano do bom gosto, horror das graças, Teus puros membros mórbida beijando.
Render-te os cultos meus não posso,
Roam-te sem cessar ratos e traças, não; E as nobres linhas do perfil correto
Balão, balão, balão, De importunos ornatos destoucadas,
Em tda a luz de seu formoso aspecto
Fulgindo iluminadas
Por sob a curva dessa fronte bela,
0 tu, que eu amaria, se na vida Em que tanto esmerou-se a natureza;
De am0r feliz restasse-me esperança, Eo braço nu, e a túnica singela
E cuja linda imagem tão querida Com broche de ouro aos alvos ombros prêsa.
98 BERNARDO GUIMARAES POESIAS COMPLETAS 99

Mas não o quer o mundo, onde hoje impera Como ao te ver atropelados! corremn
A moda soberana; Cuidados enfadonhos
Esquivar-se pra sempre, oh! quem pudera
Sua lei tirana!. Quantas penas não vão por êsses ares
Com uma só fumaça !.
Balão, balão, balão! fatal presente, Quanto negro pesar, quantos ciúmes,
Com que brindou das belas a inconstância E quanta dor não passa!
A caprichosa moda impertinente,
Sepulcro da elegância, Tu és, charuto, o pai dos bons conselhos,
Tirano do bom gôsto, horror das graças!. símbolo da paz;
O

Render-te os cultos meus não poss0, não; Para em santa pachorra adormecer-nos
Roam-te sem cessar ratos e traças, Nada hámis eficaz.
Balão, balão, balão. Quando Anarda com seus caprichos loucos
Me causa dissabores,
Rio de Janeiro, 18 de julho de 1859. Em duas baforadas mando embora
O anjo e seus rigores.

AO CHARUTO
Quanto lastimno os nossos bons maiores,
ODE Os Gregos e os Romanos,
Vem, ó meu bomn charuto, amigo velho, Por não te conhecerem, nem gozarem
Que tanto me regalas; Teus dotes soberanos!
Que em cheirosa fumaça me envolvendo Quantos males talvez não pouparias 21-a
Entre ilusões me embalas. À triste humanidade,
ó
bom charuto, se te possuísse
Oh! que nem todos sabem quanto vale A velha antiguidade!
Uma fumaça tua!
Nela vai passear do bardo a mente Um charuto na bca de Tarquínio
Ås regiões da lua. Talvez lhe dissipara
Ésse ardor, que matou Lucrécia linda,
E por lá embalado em rósea nuvem Dos mimos seus avara.
Vagueia pelo espaço,
Onde amorosa fada entre sorrisos Se o peralta do Páris já soubesse
0 toma em seu regaço; Puxar duas fumaças,
Talvez com elas entregara aos ventoS
E com beijos de requintado afeto Helena e suas graçaS,
A fronte lhe desruga,
Ou com as tranças d'ouro mansamente Ea régia espôsa em paz com seu marido
As lágrimas lhe enxuga. Dormindo ficaria;
E a Tróia antiga com seus altos muros
ó
bom charuto, que ilusões não Inda hoje existiria.
geras!
Que tão suaves sonhos!
COMPLETAS 101
100 BERNARDO GUIMARES
POESIAS

Quem dera ao velho Mário um bom cachimbo Por que razão tão cedo cá vieste
Que lhe abrandasse as sanhas, De noVO aparecer-me?
Para Roma salvar, das que sofrera, Não sabes que o teu rosto já tão visto
Só pode aborrecer-me ?
Catástrofes tamanhas!
Que me trazes de mimo? mais um ano,
Mesmo Catão, herói trombudo e fero,
Mais uma ruga à fronte,
Talvez se não matasse, surge mais distinta
Se raiva que aos tiranos consagrava,
a E campa, que lá
a
Nas brumas do horizonte!
Fumando evaporasse.
Que tens de me contar de interessante?
Que um ano mais de idade mne
Ambrósio, traze fogo... Conto além de outros muitos que deste?!
Fumemos pois !
Oh! grande novidade!
Puff!. oh! que fumaça!
Como me envolve todo entre perfumes, Já lá vão lustros seis,mais dous anos,
e 22-a
Qual vu de nívea cassa! Que emcontras-me na vida,
Cada vez mais moído e atrapalhado
Vai-te, alma minha, embarca-te nas ondas Nesta enfadonha lida!
Dêsse cheiroso fumo,
Vai-te a peregrinar por essas nuvens, Até quando pretendes oprimir-me
Sem bússola, nem rum0. Com o tremendo fardo
De anos e anos, com que os ombros vergas
Vai despir no país dos devaneios Do teu infeliz bardo?
£sse ar pesado e triste;
Depois, virás mais lépida e contente, Anos, e nada mais eis o que trazes
Contar-me o que lá viste. A quem viste nascer:
E queres que com brindes te festeje,
Ouro Prêto, 1857. Com hinos de prazer?

Ai! que nem tardo a ver-te do Oriente


AO MEU ANIVERSÁRIO Nas púrpuras louçs,
(15 de agôsto)
Trazendo-me de envolta as senis rugas,
E um punhado de cãs.
Eis-te de novo às portas do Oriente,
Fatal dia de agôsto, Depois virás ainda derramando
Que cada vez mais feio e mais tristonho
Dos raios teus o brilho,
Vais me mostrando o rosto. E na face da terra entre os viventes
Não mais verás teu filho!
Já me achas mais velho, e mais disposto Mas que te importará mais essa gôta
A debicar contigo,
Que se secou nos mares?
Do que a te saudar com aquêles hinos
De meu bom tempo antigo. Mais essa fôlha que caiu da coma
Das selvas seculares?
102 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 103

Passarás, -
e teus ledos esplendores
Virão pousar risonhos
"Andava só;
Como

nuvem
espêssa cabeleira
sombria,
No leito em que eu estiver dormindo o eterno "Negra, em desordem flutuando ao vento,
Sono que não tem sonhos. fronte Ihe cobria.
A

e
E nem palpitará aos teus sorrisos "E no vago do olhar turvado triste
Mirrado o coração, Uma alma ressumbrava,
E nem se aquecerão meus frios ossoS Que um pego de amargura e desalento
Na gélida mansão. No seio concentrava.

Estou certo que quando sôbre a terra "Cansado de vagar por êste mundo
Achares-me de menOs,
e nem teus raios
Sonhando um paraíso,
De atroz sarcasmo às vzes pelos lábios
Luto não trajarás,
Serão menos serenos. Lhe doudejava um riso.
Nem pretendo que ao veres meu sepulcro *Longo tempo, em vãos sonhos embalado
De horror voltes a cara;
Antes desejo que o inundes sempre
Viveu só de esperanças
.. o
;

De luz serena e clara.


Mas depois. só nutria pensamento
"Do fel de agras lembranças.
Podes sorrir, cantar sôbre meu túmulo,
Que não darei cavaco; Não foi o fado que o tornou tão triste;
Nem pode a tua luz turbar-me o sono "A própria natureza
Lá no meu antro opaco. Já desde o berço lhe entornara n'alma
"O gérmen da tristeza.
Mas se acaso doer-te a inglória sorte nos lábios dos outros muitas vêzes
Do mísero poeta, E
Que como sombra vã sem ser sentido Risos brotar fazia
Tocou a fatal meta, "De prazer jovial, que dentro d'alma
"0 triste não sentia.
Dirás aos que algum dia procurarem
Saber quem êle fôra: "Morreu, coitado! êste sepulero humilde
"Eu vi nascer aquêle que tranqüilo Lhe serve de jazida;
Aqui repousa agora. "Dai-lhe agora na morte, oh! dai-lhe as flores
"Que não colheu na vida."
Foi um dêsses que passam sôbre a terra
"Em êxtases profundos, E esta?! comecei sôbre êste assunto
Escutando as canções que a seus ouvidos Um canto joco-sério:
"Ecoavam de outros mundos. Eis senão quando vejo-me envolvido
No pó do cemitério!..
"Agitava-lhe a alma de contínuo
"Um surdo furacão ;

És tu, dia fatal, és tu culpado


Tinha no seio o fel das amarguras, Dêste funéreo sonho,
No cérebro um vulcão. Que já por morto, e hóspede me dava
Do túmulo medonho.
104 BERNARDO GUIMARES POESLAS COMPLEAS 105

És tu que assim me trazes à lembrançn E sem um véu montanhas e planuras,


Um triste cenotáfio, Intérminas se estendem!
B na campa me pões, lavrando eu mesmo
0 meu próprio epitáfio! Nem uma nuvem, que amorteça os raios
Que vibra o sol ardente;
Se lembravas-me outrora a luz primeira,
A esfera se tornou urna de fogo,
Sorrindo-me ao nascer, Fornalha incandescente.
Hoje lembras-me só que se avizinha
0 tempo de nmorrer.
Debaixo dêste ar quente e pesado
Vai-te,dia importuno
6
vai-te azinha, 0 mar no leito ofega,
tu, que em meu costado
6
E se espreguiça lânguido na praia,
Inda mais um janeiro sem remédio Que tépida fumega.
Deixaste-me pregado.
Até as ramas dos copudos bosques
Vai-te depressa, mas em tua volta Perderam seus frescores;
Não venhas a correr, E brisa frouxa mal meneia as asas
a
Pois quanto a mim, nenhuma pressa tenho Repassadas de ardores.
De cá tornar-te a ver.
A noite não traz mais nas asas úmidas
E para que não veja-te na vida Benigno refrigério;
Raiando tantas vêzes, com
De hoje em diante comporei meus anos E abafador espêsso manto
De vinte e quatro meses. Cobre nosso hemisfério.
Rio de Janeiro, 15 de agôsto de 1859, A água da fonte, que serpeia morna,
Já nos não mata a sêde:
E nem fresco repouso achar podemos
SIRIUS 2 Na preguiçosa rêde.
Jam satis. Mudo e triste co'as asas descaídas
Canícula feroz em céu de Arqueja o passarinho;
bronze O viandante exausto desfalece
Frenética esbraveja;
E contra nós de seus ardentes Em meio do caminho.
Todo o furor dardeja. fogos
0 pobre lavrador esbaforido
Da destruição o gênio, A custo brande a enxada;
sôbre a terra E de estéreis suores em vão rega
Açula o cão celeste,
Que das cálidas
fauces nos vomita A terra abraseada.
A guerra, fome e a peste.
Se vem o dia, o corpo entorpecido
Eo céu é puro, e os claros horizontes Os membros move a custo,
Diáfanos resplendem; E noite o leito ardente se converte
à

Em leito de Procusto.
106 BERNARDO GUIMARÃES POESIAS COMPLETAs 107

Em frouxa letargia adormecida


Descai a mente inerte; DILÚVIO DE PAPEL 24
Já não sente prazeres nem cuidados,
E nada há que a desperte. Sonho de um jornalizta poeta
O
próprio amor, que vive só de chamas,
E os gelos aborrece, I
Sente o fogo do céu crestar-lhe as asas
E frouxO desfalece. Que sonho horrível! gélidos suores
Da fronte inda me escorrem;
E já não hásorvete, banho ou ducha,
Que um pouco refrigere Eu tremo todo! crebros calafrios
O fogo que o malvado sol dos trópicos Os membros me percorrem.
Sem compaixão desfere.
Eu vi sumir-se a natureza inteira
Sirius,tu que és a estrêla mais formosa Em pélago profundo;
Do cristalino assento, Eu vi, eu vi.. acreditai, vindouros,
A jóia mais brilhante que se engasta Eu vi o fim do mundo!...
No azul ofirmamento,
E que fim miserando!. que catástrofe
Por que tanto flagelas com teus fogos Tremenda e singular,
A triste humanidade? Como nunca os geólogos da terra
De umn povo que em suores se derrete Ousaram nem sonhar.
Por que não tens piedade?
Não foram, não, do céu as cataratas,
Ah! que a razão é simples; tu és bela; Nem as fontes do abismo,
Eé fado a beleza Que alagando êste mundo produziram
Fazer tudo que sente-lhe a influência
Tão feio cataclismo.
Arder em chama acesa!
Mas nem tanto; modera êsses ardores, Nem foi longo cometa amplo-crinito,
Mitiga tanta calma, Perdido nos espaços,
Que as fôrças nos quebranta, e faz do corpo Que sanhudo investiu nosso planêta,
Quase exalar-se a alma. E o fêz em mil pedaços.
E se acaso pretendes fulminar-nos E nem tão pouco, em roxas labaredas,
Castigo furibundo, Ardeu como Gomorra,
Acende o archote, e queima-nos de golpe;
Dá cab0 dêste mundo. Ficando reduzido a lago imundo
De flutuante bôrra.
Enfim de qualguer modo, que aprouver-te,
Acaba êste tormento; Nada disso: porém cousa mais triste
Mas por piedade, 6 Sirius, não nos Senão mais temerosa,
Matar a fogo lento. queiras
Foi da visão, que a mente atormentou-me,
Rio, janeiro de 1864. A cena pavorosa.
108 BERNARDO GUIMARÃ ES POESIAS COMPLETAS 109

E a mão, como a descuido, repousava


II Por sbre uma harpa de ouro
Engrinaldada de virente louro.
Já o sol se envolvia em seus lençóis Cuidei que era uma estátua ali deixada
De fôfas nuvens, resplendentes d'ouro,
Como o cabelo de um menino louro, Que em noite de tremendo temporal
Que se enrosca en dourados caracóis. Pela fúria dos ventos abalada
Dos róseos arrebóis Tombou do pedestal.
o engano durou só um momento;
A luz suave resvalava apenas Mas
a
Nos topes dos outeiros Eu vi desdobrar o ebúrneo braço,
E dos bosques nas cúpulas amenas. E percorrendo as cordas do instrumento
E eu, que os dias sempre passo inteiros, De melífluas canções encher o espaço.
Rodeado de fôlhas de papel, E ouvi, cheio de espanto,
Que de todos os cantos aos nilheiros Que era a musa, que a mim se endereçava
Noite e dia me assaltamn de tropel, Com mavioso canto,
Qual o gafanhotal bando maldito E com severo acento, que inda abala
Com que Deus flagelou o velho Egito: Té agora o meu peito, assim cantava,
Eu que viro de um pálido aposento Que a musa canta sempre, e nunca fala.
Na lôbrega espelunca,
Não vendo quase nunca
Senão por uma fresta o firmamento,
E as campinas, e os montes e a verdura, III
Flóreos bosques, encanto da natura;
Das vestes sacudindo CANT0 DA MUSA, RECITATIVO
A importuna poeira, que me encarde, Que vejo? junto a meu lado
Longe das turbas, num recesso lindo
Fui respirar os bálsamos da tarde. Um desertor do Parnaso,
Que da lira, gue doei-lhe
Ao pé de uma colina, Faz hoje tão pouco caso,
Ao sussurro da fonte, que golfeja
Sonora e cristalina, Que a deixa pendurada numa brenha,
Fui-me sentar, enguanto o sol dardeja Como se fôra rude pau de lenha?!
Frouxos raios por sôbre os arvoredos, Pobre infeliz; em vão lhe acendi n'alma,
E da serra nos últimos fraguedos, De santa inspiração o facho ardente;
Meu pensamento longe se embrenhava Em vão da glória lhe acenei co'a palma,
Em páramos fantásticos, A nada se moveu êsse indolente,
E do mundo e dos homens me olvidava,
Sem ter mêdo de seus risos sarcástic0s. E de tudo sorriu-se indiferente.
Mas, ó surprêsa!... ao tronco Ingrato! ao ver-te, sinto tal desgôsto,
De um velho cajueiro vi recostada Que fico possuída de ruim sestro,
sentada,
De mim não mui distante, Me sobe o sangue a0 rosto ;
Uma virgem de aspecto E em estado, que até me falta o estr0,
vislumbrante;
Sôbre snevados ombros lhe tombava Em vão estafo os bofes,
A basta chuva do cabelo louro, Sem poder regular minhas estrofes.
110 BERNARDO GUINARES
POESIAS .COMPLETAS 111

Por que deixaste, desditoso bardo, No rumorejo das fôlhas.


As aras, em que outrora
De tua alma queimaste o puro incenso? E nos perfumes que exalam?
Como podes levar da vida o fardo Nesta brisa que te envio
Nesse torpor, que agora Não sentes a inspiração
Te afrouxa a mente, e te anuvia o senso, Roçar-te pelos cabelos,
E as flores desprezar de tua aurora, E acordar-te o coração?
Ricas promessas de umn porvir imenso ?
Nossos vergéis floridos Não vês lá nos horizontes
Trocas por êsse lúgubre recinto, Uma estrêla refulgir?
Onde os dias te vão desenxabidos É
a glória, que rutila
Em lânguido marasmo; Pelos campos do porvir!
Onde se esvai quase de todo extinto,
0 fogo do sagrado entusiasmo; ela, que te sorri
É

Onde estás a criar cabelos brancos Com luz vívida e serena;


Na lide ingloriosa E com sua nobre auréola
De alinhavar a trancos e a barrancos Lá do horizonte te acena.
Insulsa e fria prosa!
IV
ÁRIA
Estes acentos modulava a musa
Pobre bardo sem ventura, Com voz tão maviosa,
Que renegas tua estrêla; Qual borbotando geme de Aretusa
Oh! que estrêla tão brilhante! A fonte suspirosa,
Nem tu merecias vê-la! Da Grécia os belos tempos recordando,
Pobre bardo, que da glória Que já no esquecimento vão tombando.
Os louros calcas aos pes, Encantada de ouvi-la, a mesma brisa
O vôo suspendeu;
Deslembrado do que fôste, o
Serás sempre, o que tu és? E travêsso regato de seu curso
Quase que se esqueceu.
Já não ouves esta voz, Os bosques aos seus cantos aplaudiram
Que te chama com amor? Com brando rumorejo;
Destas cordas não escutas EO gênio das canções, na asa das auras,
0
magnético rumor? Mandou-Ihe um casto beijo.
Enquanto a mim, senti correr-me os membros
Nenhum mistério decifras Estranho calafrio;
No rugir dêste arvoredo? Mas procurei chamar em meu socorro
Esta fonte, que murmura Todo o meu sangue-frio.
Não te conta algum segrêdo?
Qual ministro de estado interpelado,
Não entendes mais as vOzes Não quis ficar confuso ;
Dêstes bosques, que te falam, E da parlamentar nobre linguagem
Busquei fazer bom uso.
COMPLETAS 113
BERNARDO GUIMAREs POESIAS

.
o desalento
Como homem que entende dos estilos, Mas, ah!... dovo eu dizer-te?..
Impávido me ergui, apagou-me a inspiraço celeste,
N'alma
Passei a mão na fronte, e sobranceiro E fêz cair das mãos esmorecidas
Assim lhe respondi: A lira que me deste!...
serve
Percgrina gentil, de que te
Andar vagando aqui nestes retiros,
Musa da Grécia, amável companheira Na solidão dos bosques exalando
.
Melódicos suspiros?.
De Hesíodo, de Homero e de Virgilio,
E que de Ovídio as mágoas consolaste Não vês que o tempo assim perdes
embalde,
Em seu mísero exílio; Que tuas imortais nobres cançõcs
morrem,
Entre os rugidos, abafadus
Tu, que inspiraste a Pindaro os arrojos Dos rápidos vagõcs?
De altiloqüentes, inortais canções,
E nos jogos olímpicos lhe deste Neste país de ouro c pedrarias
Brilhantes ovações; 0 arvorcdo de Dáfnis não medra;
E sóvalo o café, a cana, o fumo
Tu, que a Tibulo os hinos ensinaste D o carvão do pedra.
De inefável volúpia repassados,
E do patusco Horácio bafejaste Volta aos teus montcs; vai volver teus dias
Os dias regalados; Lú nos teus bosques, ao rumor perene,
De quc puvon as sombras encantadas
Que com Anacreonte conviveste A limpida Hipocrene.
Em galhofeiro, amável desalinho,
Mas so descjas hoje alcançar palmas,
Entre mirtos e rosas celebrando Deixa o deserto ; exibe-te na cena;
Amor, poesia e vinho; Ao teatro!... lá tens 0s teus triunfos;
Lú tems a tua arena.
Que tens a voz mais doce que a da fonte
Que entre cascalhos trépida borbulha, Tu és formosa, e cantas como um anjo!
Mais meiga que a da pomba que amoTOsa Que furor não farias, que de enchentes,
Junto do par arrulha; Quanto ouro, que jóias não terias,
E que reais presentes!
E também, se te apraz, tens da tormenta
A voz troante, o brado das torrentes, Serias excelente prima-dona
0 zunir dos tufões, do raio o estouro, Lm cavatinas, solos e duetos:
O silvo das serpentes; E ajustarias de cantar em cena
Sòmente os meus libretos.
Tu bem sabes, que desde minha infância
Rendi-te sempre o culto de minh'alma; Se soubesses dançar, oh! que fortuna!
Ouvi-te as vozes e aspirei constante Com essas bem moldadas, lindas pernas,
A tua nobre palma. Teríamos enchentes caudalosas
Entre ovações eternas.
POESIAS COMPLETAS 115
BERNARDO GUIMARÁES

Eu julguei que escutava entre coriscos


Em vez.de ser poeta, oquem me dera,
Troar a voz do raio;
Que me tvesse feito meu destino Em pávido desmaio
Pelotiqueiro, acróbata, ou funâmbulo, Tremem os arvoredos;
Harpista ou dançarino.
De medrosos mais rápidos correram
Pelos paços reais eu entraria Os trépidos regatos, e os rochedos
De distinções e honras carregado, Parece que de horror estremeceram.
E pelo mundo inteiro meu retrato
o

Veria propagado. "Maldição, maldição ao poeta,


Que renega das musas o culto,
E sôbre minha fronte pousariam E que cospe o veneno do insulto
C'roas aos centos, não de estéril louro, Sôbre os louros da glória sagrados!
Como essas que possuis, mas de maciças,
Brilhantes fôlhas de ouro. *Ao poeta, que
em frio desânimo
descrê
Jáque dos poderes da lira,
voz que o alenta e inspira,
ÉSse ofício, que ensinas,
já não presta; E à
Vai tocar tua lira em outras partes ; Se conserva de ouvidos cerrados!
Que aqui nestas paragens só têm voga
Comércio, indústria e artes. **Maldição ao poeta, que cede
À torrente do século corruto,
Não tem aras a musa; -a lira e o louro E nas aras imundas de Pluto
Já andam por aí de pó cobertos, Sem pudor os joelhos inclina!
Quais vãos troféus de um túmulo esquecido
Em meio os desertos. Que com cínico riso escarnece
Dos celestes acentos da musa,
minha casta, e desditosa musa, 24-a
Ó E com tôsco desdém se recusa
Da civilização não estás ao nível; A beber da Castália divina.
Com pesar eu to digo, nada vales,
Tu hoje és impossível. *E agora, descrido poeta.,
ó

Que o alaúde sagrado quebraste,


E da fronte os lauréis arrancaste
Qual insígnia de ignóbil baldão,
VI
*Já que a minha vingança provocas,
De santa indignação da musa ao rosto Neste instante tremendo verás
Rubor celeste assoma ;
Os terríveis estragos que faz
De novO a lira, que repousa ao lado, A que vibro, fatal maldição!"
Entre seus braços toma.
E essa lira, inda agora tão suave, VII
Desfere voz rouquenha,
Desprendendo canções arripiadas Calou-se a musa, e envolvida
De vibração ferrenha. Em tênue vap0r de rOsa,
-Qual sombra misteriosa
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 117

Nos ares se esvaeceu; Dm assédio formal engaiolado


!

E de aromas divinais Assédio, que depois foi um Vesúvio,


Todo o éter recendeu. Que arrojou das entranhas um dilúvio.

Qual zunido do 1látego vilbrado Porém o sangue-frio inda não perco,


Por mãos de algoz cruento, Co'a ponta da bengala
Nos ouvidos troou-me aquèle acento, Romper procuro o cêrco
E me deixou de horror petrificado. Que obstinado em tôrno se me instala.
pés prostrar-me Sôbre o inimigo intrépido me atiro;
Jå ia arrependido aos Brandindo uma estocada
Da irritada, frenética deidade,
Cantar-lhe a palinódia, e em triste carme Varo o Jornal, e mortalmente o firo;
Pedir-lhe piedade!.. E de uma cutilada
Denodado rasguei de meio a meio
musa !
6 24-b O
Mercantil e o Oficial Correio;
Em vão eu lhe bradava: "Musa,
Não me castigues, não; atende, escusa Co'as botas ao Diário faço guerra,
A minha estranha audácia; E debaixo dos pés o calco em terra.
Um momento isso foi de irreflexão, Mas ai de mim! em batalhões espessos,
Ao longe como ao perto,
Em que não teve parte o coração,
E não serei mais réu por contumácia.9 Resistindo a mneus rudes arremessos
O inimigo rebenta em campo aberto.
IMal dou um passo, eis no mesmo instante Debalde lhes desfecho denodado
Encontro por diante Mil golpes repetidos ;
Debalde vou deixando o chão coalhado
Jornal imenso de formato largo, De mortos e feridos.
Aos meus primeiros passos pondo embargo.
Vou desviá-lo, e em sua retaguarda E quanto mais o meu furor se assanha,
Mais a coorte cresce e se arrebanha!
EncontO um Suplemento;
Porém, pondo-me em guarda Bem como nuvem densa,
Para a direita opero um movimento, Eu vejo chusma imensa
E encontro frente a frente o Mercantil. De fôlhas de papel, que o espaço coalham,
Para evitá-lo esgueiro-me sutil, Que lépidas farfalham,
Buscando flanqueá-lo, e vejo ao lado Que trêmulas chocalham,
0 Diário do Rio de Janeiro Nos ares se tresmalham,
Que todo desdobrado E sôbre a fronte passam-me, e repassam,
Ante mim se apresenta sobranceiro; E em contínuo vórtice esvoaçam.
Com brusco movimnento impaciente Aturdido procuro abrir caminho,
Me volto de repente Demandando o pacífico aposento,
E quase que me achei todo embrulhado Onde refúgio encontre a tão mesquinho
No Diário do Rio Oficial. E mísero tormento.
Então compreendi tôda a extensão E espreitando a custo pelos claros,
E fôrça do meu mal, Que entre as nuvens da espêssa papelada,
E o sentido satânico e fatal Já me luziam raros,
Que encerrava da musa a maldicã0. 24-o
Procuro orientar-me pela estrada,
Eis-me pelos jornais de todo o lado Qne me conduza à casa suspirada.
BERNARIO GUIMARRS POESIAS COMPLETAS 119

E atrars das ondas, que recrescenm Já das gavetas


A cada instante, e os ares escurecem, E dos armários
De Mercantis, Correios e Jornais, Surgem gazetas,
De Ecos do Sul, do Norte, de Revistas, Surgem diários;
De Diirios, de Constitucionais,
De Coslições, de Ligas Prgressistas, Uns do tablado
De Opiniões, Imprensss, Nacionais, Lávêm subindo,
De Noelistas, Crenças, Monarquistas, Ou do telhado
De mil Estrêlss, ris, Liberdades, Descem rugindo;
De mil Situsções, e Atualidades;
Atrarés de Gszetas de mil côres, Dentro da rêde
De Correios de toios os paises, Sôbre o dossel,
De Crônicas de todos os ralores, Pela parede
Tudo é papel.
De Opniões de todos os matizes,
De Ordens, Épocas, Nautas, Liberais, Fôlhas aos centos
Do Espectador da América do Sul, Pare a canastra,
De Estrêlas do Norte, e outros que tais, E o pavimento
Que me encobrem de todo o céu azul, Delas se alastra.
A custo rompo, e chego esbaforido
Ao sossegado albergue, e precavido Té as cadeiras
E os castiçais,
A porta logo tranco,
E de um só arranco E escarradeiras
Parem jornais.
Com as escadas ingremes invisto.
3Ías! oh! desgraça! oh! caso não preristo
!
Saem do centro
As fôlhas entre as pernas se embaralham, Dos meus lençóis,
E todo me atrapalham, E até de dentro
E quase de uma queda me escangalham. Dos uri.. 24-d
Mas salvei-me sem risco, e subo a0 quarto
Do meu repouso, e onde me descarto Já me sentia quase sufocado
De tudo que me zanga e me atrapalha. Do turbilhão no meio,
Cansado jå o excesso
De golpe me arremesso
E já tendo receio
De ficar ali mesmo sepultado,
Sôbre o colchão de fresca e fôfa palha; Para sair de trance tâão amargo 2+e
Resolvi-me a de novo pôr-me ao largo.
Mas apenas encosto na almofada Salto da cama, rodo pela escada
A fronte afadigada, E procuro safar-me da rascada,
Eis começa de novo o atroz vexame; Jánão andando,
Como importunas vespas, Porém nadando
De fôlhas me acomete novo enxame, Ou mergulhando
Zumbindo pelo ar co'as asas crêspas, Co'êsse quinto elemento em guerra crua.
Agravando à porfia o meu martírio Cheguei enfim à rua
A ponto de me pôr quase em delírio. Que de papel achei tôda inundada!
120 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAs 121

E bracejando Como um bando de leves borboletas


Espernegando Lá vêm surgindo lépidas gazetas,
Entrei em luta acerba À desastrosa enchente
Contra a enchente fatal, que nme assoberba, Fornecer seu pequeno contingente.
Até que a muito custo surjo à tona Julguei que sem remédio êste era o dia
Do horrendo turbilhão Da ira do Senhor; pois parecia,
Que túrbido se entona Que se abriam do céu as cataratas
E no mundo se arroja de rondão. E os abismos da terra, vomitando
ÀS Vagas meto o ombro, Em borbotões, em túrbidas cascatas,
Até achar dos céus a claridade. De hedionda praga o inextinguível bando.
Oh! céus ! que cena horrível ! oh! que assombro !
Em todo o seu horror e majestade Enquanto esbaforido luto, e ofego
A mais triste catástrofe contemplo, Contra as ondas, que sempre recresciam, 24-†
De que jamais no mundo houvera exemplo. Já sôbre o farfalhante, imenso pego
Fiquei transido de terror mortal, As casas abafadas se sumiam.
Pois vi que era um dilúvio universal. Em tôno a vista estendo,
E vejo então, que êsse dilúvio horrendo
Das bandas do Oriente Já tendo submergido as baixas terras
Avistei densas nuvens conglobadas, Ameaçava os píncaros das serras.
Que sôbre o americano continente E nem diviso barca de Noé
Arrojavam camadas e camadas Que me conduza aos cimos de Arará!
.
De fôfas papeladas. O mal é sem remédio!.. já perdida
Tôda esperança está!..
E Times nuvem densa
lá vinhaunmde
Com sussuro horrendo Mas não!... eis voga além batel ligeiro,
No ar as pandas asas estendendo, Os fofos escarcéus assoberbando ;
Derramando nos mares sombra imensa. Impávida e com rosto sobranceiro
E apés vinha em vastíssima coorte Uma ninfa gentilo vai guiando,
0
Pais, a Imprensa, o Glob0, o Mundo, De angélica beleza;
0
Este, e o Oeste, o Sul, e o Norte, E vi então... que pasmo! que surprêsa!
Esvoaçando sôbre o mar profundo, Que a dona dêsse nunca visto lago
Jornais de tôda a língua, e tôda sorte, Sem mais nem menos era
Que no hemisfério nosso vêm dar fundo, A ninfa linda e fera
Gazetas alems com tipos góticos, Que ainda hápouco em um momento aziago
E mil outras com títulos exóticos. Aos sons de uma canção
Fulminou-me tremenda maldição.
Outras nuvens, também do sul, do norte, Era-lhe barco a concha mosqueada
Mas não tão carregadas, se emcaminham, De tartaruga enorme,
E lentas se avizinham Com engenhoso esmêro trabalhada
Com horroroso frêmito de morte. De lavor preciosa e multiforme.
Com renmo de marfim, mimoso pulso
Da tormenta fatal recresce o horror! Ao leve barco dá fácil impulso.
Até do interior
122 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS
123
E enquanto fende as chocalheiras ondas
Dêsse pego, que em tôrno se lhe empola, Sôbre teu fado cruel!
Vai cantando em estrofes mui redondas E ao futuro irei dizendo
Esta estranha e :
tremenda barcarola
-
Sentada na tua lousa:
Todo o mundo aqui repousa
Sob um montão de papel!
VIII Meu batel, eia! ligeiro,
Voga, voga, meu batel!
Já tudo se vai sumindo!.
Jádesparecem as terras;
IX
Pelos outeiros e serras
Sobem ondas a garnel... 24:g
Calou-se, e a um golpe do ebúrneo remo
E neste geral desastre Impele a concha, que veloz desliza;
Sòmente a minha piroga
Ligeira sem risco voga Eu nesse trance extremo,
Como quem outra esperança não divisa,
Sôbre as ondas de papel! Meu afrontoso fim tão perto vendo,
Sôbre êstes estranhos mares,
Voga, voga, meu batel !... À Musa os braços súplices estendo.

Para a triste humanidade Perdão! perdão! bradei -; musa divina,


Não resta mais esperança; Recebe-me a teu bordo; -é o teu vate,
0 dilúvio cresce, e avança, A quem sempre tu fôste o único norte,
Leva tudo de tropel !. Que entre estas fôfas ondas se debate
Já imemsa papelada Entre as vascas da morte."
As terras e os mares coalha;
Já o globo se amortalha Mas de minha fervente rogativa
Em camadas de papel. Não fêz caso nenhum a ninfa esquiva;
Mas sôbre elas resvalando Sem ao menos a mim volver o rosto
Vai vogando o meu batel. As sêcas ondas corta;
Continuando a remar muito a seu gôsto
Pobre idade, testemunha Comigo nem se importa.
Desta pavorosa cheia E ei-la que continua a cantarola
Que dos tempos na cadeia De sua endiabrada barcarola:
Vêquebrar-se o extremo anel!...
Oh! século dezenove, "Meus altares abjuraste,
ó
tu, que tanto reluzes, Agora sofre o castigo,
ÉS 0 século das luzes, Que eu não posso dar abrigo
Ou século de papel?!. A quem me foi infiel.
Sôbre estas estranhas ondas, Morre em paz, infeliz bardo,
Voga, voga, meu batel !... E sem maldizer teu fado
Fica pra sempre embrulhado
Debaixo de teu sudário Nesse montão de papel!. 99

Dorme, 6 triste humanidade! Eia, rompe as sêcas ondas,


Que eu chorarei de piedade Voga, voga, meu batel!.
124 BCRNARDO GUIMARÃ ES 125
POESIAS COMPLETAS

E a rubra labareda, que recresce,


X Já me devora as vestes e os cabelos.
Em tão cruel tortura
Fiquei aniquilado!... Horrenda me aparece
Horror! horror! há nada mais cruel, Da morte a catadura,
Do que morrer a gente sufocado E coragem de todo me falece. a
a
Debaixo de uma nuven de papel?! "Perdo! perdão! musa!
ó
ai!... teu bordo..
Mas eis que de repente O fumo me sufoca..
.
eu morro. acordo!...
A mais atroz lembrança
O desespêro me sugere à mente,
Que exulta em seus desejos de vingança. XI
Veio-me à idéia de Sansão o exemplo,
Com seus robustos braços abalando Ainda bem, que êsse quadro tão medonho
As colunas do templo, Não foi mais do que um sonho.
E sob suas ruínas esmagando
A si e aos inimigos
Para evitar seus pérfidos castigos. MINHA RÊDE
Pois bem!... já que esperança alguma temos,
mundo, e eu com êle, acabaremos,
O

CANGÃO
Mas não por esta sorte;
Morrerei; mas também tu morrerás, Minha rêde preguiçosa
ó
ninfa desalmada, Amorosa,
Porém um outro gênero de morte
Comigo sofrerás: Fm teu seio me embalança;
Quero ler nos céus risonhos
A mim e a ti verás,
Doces sonhos
Ea tôda tua infanda papelada De vemtura e de esperança.
Reduzidos a pó, a cinza, a nada!"
Neste lânguido deleixo
Enquanto isto eu dizia, da algibeira Correr deixo
Uma caixa de fósforos tirava, Minha vida descuidosa,
Que por felicidade então trazia; Contemplando ali defronte
E já chama ligeira No horizonte
Aqui e além lançava Uma nuvem côr-de-rosa.
Com o pequeno archote que acendia; 24*
Eis já o voraz fogo se propaga, Pelo vão dessa janela,
Como em madura, tórrida macega,
E co'as rúbidas línguas lambe e traga Pura e bela,
Eu a vejo deslizar;
A sêca papelada que fumega. Pelo campo etéreo voga
Como Hércules em cima da fogueira
Qual piroga
Por suas próprias mãos alevantada, Cortando o cerúleo mar.
Eu com serena face prazenteira
Vejo lavrar a chama abençoada.
Espêsso fumo em túrbidos novelos
Linda nuvem, quem me dera
Pela esfera
Os ares escurece. Em teus ombros ir boiando,
10
126 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 127
E pairando sôbre os montes, Que adormece
Horizontes Nas asas equilibrado.
Infinitos devassando!
E adejando em céus de anil,
Veria da minha terra ÉSse vil
A alta serra, Ri talvez de compaixão
Que hátanto tempo deixei; De mim, pobre animalejo,
E veria na janela Que rastejo
A donzela Neste ingrato e duro chão.
Por quem tanto suspirei.
Que me importa, se em descanso
E os lares de minha infância, Me embalanço
Em distância Cantando uma barcarola;
Pelo menos eu veria, E agitando-me nos ares,
E as campinas, os ribeiros, Dos pesares
E os coqueiros, Minha rêde me consola.
A cuja sombra dormia.
Tudo prazeres exprime,
Veria coisas infindas, E sorri-me
E tão lindas, Em puro céu de bonança,
Que eu nem posso descrever, Quando esta rêde amorosa,
nuvem, se em teu regaço
Ó
Preguiçosa,
Pelo espaço Em seu seio me embalança.
Eu pudesse espairecer.
Minha rêde é meu tesouro,
Mas se tão puro recreio Nuvemn d'ouro
Em teu seio Que me embala pelo espaço;
Não quer dar-me a Sorte escassa, Dm seu lânguido vaivém
Ao menos esvoaçando Eu também
Lá te mando Sôbre os ares esvoaço.
De meu charuto a fumaça.
Se penso nos meus amres,
Nela vai meu pensamento Entre flores
Me sorri doce esperança :
Pachorrento E entre sonhos côr-de-rosa,
Pelo ar vogando a êsm0;
Para mim isto é tão doce, Amorosa,
Minha rêde me embalança.
Qual se fôsse
Para ti voando eu mesmo.
Os pesares, os queixumes,
Entanto daquele corvo Os ciúmes
Com horror dela se arredam;
Negro e tôrvo Só prazeres sorridores,
Quanto invejo o feliz fado! Só amôres
Sôbre as nuvens me parece
Cm suas malhas se enredam.
POESIAS COMPLETAS 129
128 BERNARDO GUIMARKs

;
Meus amigos, em mimn crede: Vagueiam na selva noturnos duendes
Esta rêde Fosfóricos lumes nas trevas ondulam,
D vagos espectros com voz agoureira
Foi um presente divimo;
Esta rêde é encantada; Nas brenhas ululam.
Uma fada A noite vai negra, tremenda. que importa;
Me a deu em trco de um hino. Mais negra a
é noite do meu coraçã0,
Minha rêde sonolenta,
E as fibras lhe açouta de atrOzes ciúmes
O rijo tufão.
Vai mais lenta,
Vai-me agora embalançando; Corramos ! voemos! que o solo, em que piso,
Enguanto o suave sono Requeima-me as plantas; êste ar me envenena;
De teu dono Oh! sim, que estas plagas tornaram-se inferno
Sôbre os olhos vem baixando. Desta alma, que pena.
Rio, abril de 1864. Nem mnais um suspiro, nem mais um olhar
À
terra odiosa volvamos atrás.
Ó terra maldita, nem vivo nem morto
GALOPE INFERNAL Jamais me verás.
BALATA E tu, que eu amava, mulher impudente,
Que com teus sorrisos, com teu olhar terno,
Com lábios de um anjo sopraste-me n'alma
I As chamas do inferno;

Avante! corramos; por montes e brenhas Que todo um passado de amor e ventura
Galopa ligeiro, meu bravo corcel; No charco da infâmia sem pejo arrojaste,
Corramos, voemos; ah ! leva-me longe Eo meu porvir todo co'as mãos impudicas
Num dia esmagaste;
Daquela infiel.

Corramos! ligeiro! quem dera pudesse Oh! fica-te embora, de mim bem distante,
Nas asas levar-me veloz furacão; De teus desvarios carpindo a vergonha,
E longe arrojar-me dos sítios que viram Ou dêsses teus lábios em peitos incautos
Tamanha traição. Cuspindo a peçonha.

A noite vai negra, rebrama a tormenta; Sim, fica-te embora: quem sabe no mundo
E nem um sóastro na esfera reluz; Quão mísera sorte te espera por fim;
Só rubros lampejos abismos aclaram Talvez que algum dia no abismo do opróbrio
Com lôbrega luz. Suspires por mim.
Suspires embalde; nemn nunca tu saibas
A chuva em torrentes tombando ruidosa
Nas grotas profundas atroa a montanha; Aonde me arrojam meus tristes destinos;
Dos ventos, que uivamn da selva nas brenhas, E possam ralar-te remorsos eternos
De teus desatinos.
A fúria se assanha.
POESIAS COMPLETAS 131
130 BERNARDO GUIMARES

Mas vejo clarão tímido


E possam... mas não; eu quero de todo, Por sôbre aqules montes.
De todo esquecer-me que um dia te vi; O
pálido crepúsculo
Nem para execrar-te, não quero mais nunca Clareia os horizontes.
Lembrar-me de ti.
É
ela, a aurora cândida,
Que vem lá no alto céu,
Varrendo as trevas lúgubres
Co'a ponta de seu véu.
Como respiram vívidas
Avante, ginete! por entre as rajadas As auras da manhã!.
Da chuva em torrentes, que os vales ensopa, Detém-te, corcel válido,
ó

Por entre os abismos, à


luz dos relâmpagos, Modera tanto afã.
Galopa, galopa..
Enquanto surge plácida
II Do dia a luz primeira,
Refreia um pouco os ímpetos
Da férvida carreira.
Já dos ventos a fúria se aplaca,
E dispersas as nuvens desfilam : Da noite as sombras pávidas
Os coriscos mais raros fuzilam,
E mais longe retumba o trovão, Dissipa o claro dia;
Só para
esta alma túrbida
Pouco e pouco serena-Se a esfera,
E o negrume se esvai da prOcela; Não há mais alegria.
Linda luz de uma pálida estrêla Sucede a manhã fúlgida
Verte a espaços furtivo clarão.
Da noite ao furacão;
Tu só, não tens alívio,
Eia voa! mais claro o canminho Meu triste coração!
Tens agora, valente corcel;
Para longe daquela infiel,
Eia vamos correndo sem fim. III
Eu quisera, entre mim e essa ingrata
Interpondo montanhas e mares, Que serena manhã!... que aura tão pura
Ir morrer em ignotos lugares, Vem me afagar!.
Onde nunca soubesse de mim. Por êste vale ameno discorramos
Mais devagar,
Minhas plantas se cravam no solo Meu brioso corcel; já bem cansado
Com raízes de eterno liame, Deves te achar.
Se jamais com saudades da infame
Para trás o meu rosto voltar.
Que doce luz! que aromas não respira
Fiquem logo sem luz êstes olhos, A viração !

E jamais suas trevas se aclarem, A vida, o amor sorri por tôda parte
Se um momento sequer procurarem Na criação.
Só o fumo entrever de seu lar.
132 BERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 133

em tudo,
E só eu gemo, só de dor suspira Renasce a vida: amor respira
Das meigas pombas no lascivo arrulho,
Meu coração.
do regato, que veloz deriva,
E
Nem luz, nem vida.. reina dentro dle No trépido marulho.
Perpétua noite; A flor que se abre, as asas embalsama
Sofrendo sem cessar do atroz ciúme Da aura fagueira, que he beija 0 seio,
eterno açoute,
O
E as avezinhas nocantam seus amres
Dos arvoredos folhudo enleio.
Meu pobre coração não acha abrigo
Em que se acoute.
Tudo é feliz, e de prazer exulta
A noite de tormentas e de horrores No seio desta amena solidão;
Mais o enfurece. E que faço eu aqui, odioso espectro
A manhã com seus risos, suas flores No meio do festim da criação?
Dle escarnece.
Nem no céu, nem na terra ninguém dle
Se compadece. é que aquela infida
possível, 6 céus!
E
Com as mãos sem pudor num só momento
Tão formoso destino transformasse
No mais atroz tormento?
Eis-nos já bem distantes; já bemn longe,
Lá por detrás dos derradeiros montes É quem sabe!.
possível?. tantas vêzes
Sumiram-se a meus olhos Fantasmas vãos a mente nos desvairam.
Daquela infame os turvOs horizontes.
E tantas vêzes nos delírios da almna
Agora sim; aqui por estas veigas Estranhos sonhos pairam...
Podemos repousar,
Mais livre o coração aqui respira, Louco que eu sou!– ligeiras aparências
Vão tlvez me fazer cego e sem tino
É mais puro êste céu; mais leve o ar, Romper por minhas mãos a áurea cadeia
Que nestes camnpos gira.
Do mais feliz destino !
Meu valente corcel, resfolga livre
Pelo viçoso esmalte da campina, E ela! quem sabe, na passada noite
Enquanto exalar busco o voraz fogo, Em quanta angústia Ihe arquejara o peito,
Que esta fronte me queima e desatina. E que de pranto ardente não vertera
Possam as ânsias, que me fervem n'alma No solitário leito!
Em deliroso afä,
Um momento acalmar-se nestas sombras Talvez agora ao pêso dos cuidados
Ao benfazejo sôpro da manhã. Pende-lhe a fronte em mísero quebranto,
E embalde estende pelas sendas êrmas
Como flocos de alvíssimo algodão Olhos cansados de vigília e pranto.
Névoas sutis dos vales se despegam,
Doces aromas os vergéis espiram;
Jáde esperar embalde fatigada
Se debruça sòzinha na janela,
Pelo dorso dos montes, que fumegam, E em desespêro com as mãos convulsas
Róseos vapôres lúcidos se estiram. As tranças arrepela.
1S4 RERNAKDO GUINMARÅN POFSIAS COMPLETAS 135
Oh! que êste céu tão puro, &stes
perfunes,
Esta amorosa sombra, esta frescura, A ti já corro,
Tudo isto me diz que ela me am! Vo n teus braços,
Esta ura, que tão meiga aqui mrmura, Atar os laços
É ela que me De amor sem fim.
chama!
Aquela nuvem branca, que lá surge
Pairamdo nos espaçoS
Sôbre os saudosos montes que hei deixado,
É
ela ainda, que me estende os braços. De novo corramos, por montes e brenhas,
Meu bravo ginete, galopa ligeiro,
doce amada
ó ó
tu, que me hás sido, na dor, nos prazeres,
A ti j corro; Fiel companheiro,
Que por ti morro
Já de saudade. Resvala qual sombra, que rápida foge,
Sibilem-te os ventos nas crinas de prata;
Mais do que munca Devora o caminho, veloz como a fôlha
Hoje te adoro, Que o vento arrebata.
E por t choro
Na soledade. Eu quero já v-la, fazer em seus braços
De meus desvarios fiel confissão,
Maldito instante Depois, entre beijos, dos lábios divinos
De atrOz loucura, Ouvir-lhe o perdão.
Em que a fé pura
Te suspeitei. O sol no zenith seus fogos dardeja 25-a
E os ares abrasa com ímpio furor!.
Qual fsse a causa Que importa! mais vivo me ateia no peito
De tal desdita, 0 fogo de amor.
Oh! acredita
Nem mesmo eu sei. Oh! não esmoreças; tu bem sabes como
o delíirio Teus nobres esforços por ela são pagos;
Foi De tuas fadigas por prêmio te esperam
De um pesadelo,
Que num vo zêlo
Carinhos e afagos.
Me atormentou.
Na testa alisando-te as crinas ebúrneas
Porém findou-se A mão tão sabida por fim sentirás;
Como a tormenta, E sob seus dedos a fronte briosa
Que violenta Feliz curvarás.
No céu passou.
Tu és meu amigo; muito ela te estima;
Quais vão fugindo No pátio ela mesma pensar-te virá;
Densos negrumes,
Os meus ciúmes
Eo braço mimoso lançando-te ao colo
Ração te dará.
Foram-se assim.
136 BERNARDO GUIMARES POESLAS COMPLETAS 187

Não lembras-te ainda da noite ditosa,


A luz de um céu esplêndido alardeia,
Em que a roubamos de infame tutela; Achei-te outrora livre como o vento
E longe voaste, veloz como o vento Em largo campo aberto,
ComigO e com ela?. GarbosO chefe de formosa tribo,
Pascemdo em paz as ervas do deserto.
0 vento aos ouvidos zunia-me agudo,
Voando-te as crinas meu rosto açoutavam ; Ao teu relincho qual clarim sonoro,
No chão, que fugia qual rápido arroio, Retroando no fundo das valadas,
Teus pés mal tocavam. Alegres acudiam
Pela devesa as trépidas manadas,
Então como agora, amigo, tu fôste E o bando das selváticas amantes,
Em nossos trabalhos valente e fiel; Em tôrno arrebanhadas,
Oh! não esmoreças; corramos ligeiT0, O colo luzidio
Meu bravo corcel. Airosas recurvando,
A crina ao vento dando,
Corramos, voemos, que de impaciência Tu conduzias, rei das solidões,
Eu morro em caminho, se mais me demoro; Pelos infindos, verdes chapadões. 26-b
Corramos, voemos; oh! leva-me aos braços
Daquela que adoro. Mas, ah! foi êsse o derradeiro dia
Da grata liberdade,
VI E dócil te curvaste à lei tirana,
De que tanto se ufana a humanidade.
E ocavaleiro já de sua bela A fronte altiva ao freio abandonaste,
porta se apeava; Do homem à vontade
E enquanto, tão feliz! nos braços dela Curvaste o colo, e os passos regulaste.
De amor se saciava, Recebeste nos pés o férreo cravo;
O seu pobre corcel, que ninguém zela, De rei, que eras, te tornaste escravo !
Exânime expirava. Escravo, oh! não! deixaste sem queixume
De teu rio natal saudosas margenS,
E a vida rude e inguieta,
ADEUS Em que folgavas nas incultas vargens,
Para ser companheiro do poeta.
A meu cavalo branco chamado Cisne 26
E pois adeus ! pelas montanhas pátrias,
Meu Cisne, é hora de dizer-te adeus! Em teu dorso possante
De tudo que abandono Não mais me levarás de hoje em diante,
Não és por certo quem menos saudades Vagando a êsmo nos estreitos vales,
Mereces a teu dono. Devaneando,
Cantarolando
Ou já cismando amôres,
Lános viçosos campos Ou da montanha aos ventos rugidores
Por onde entre colinas graciosas Entregando a lembrança de meus males.
0 Quebranzol sereno remanseia, 26-a
E as ondas vagarosas Embalado em teu rápido galope,
Não mais irei sòzinho demandando
138 BERNAIRDO GUIMARES POESIA3 COMPLETAS 130

Do Itamonte o descalvado tope, 26-o Adeus, ó Cisne, sempre na minh'alma


A escutar pelos penedos broncos De ti conservarei viva saudade;
A voz dos ventos lôbrega ululando C se eu puder, nas asas de um sonêto,
Ou da cascata os roncos Teu nome mandarei à eternidade.
Na profundez do abismo trovejando.
Pica-te em paz, e em teus últimos dias
Livre-te o céu do mísero destino
À minha voz
comn ímpeto brioso,
Que teve o decantado lazarento 26-d
Resfolegando,
De mestre Tolentino.
Caracolando,
Comigo te lançavas pelas sendas Ouro Prêto, 1858.
Escabrosas das broncas serranias,
E nas quebradas invias
Como um tufão veloz desparecias;
A basta e longa cauda IDÍLI
Te ondeava, bem como alva cascata,
Que em rôtas catadupas espumando ..Ecce gepulchrum.
Dos montes se desata ; Incipit apparere. ..
Aos ventos sibilando a coma esparsa, (VIRGÍLIo.)
A esvoaçar-te no garboso colo, Olha, 6 querida, como é graciosO
Dir-se-ia nívea garça
Novo apenas desflorando o solo. Aquêle bosquezinho,
Que ao pé daquele outeiro pedregoso
E então cuidava, vendo às minhas plantas
A sombra estende à beira do caminho !
Baixar a terra no horizonte raso,
Ir voando do Pégaso nas asas À Sombra da folhagem sempre viva
Aos cumes do ParnasSo.
De uma sombria grota,
Oh! se o destino te chamasse à guerra!
Escasso lagrimal em fio brota,
Fôras nos campos do sangrento Marte E pelas sombras tímido deriva.
Cavalgadura digna de Sesóstris,
De César, de Alexandre ou Bonaparte.
Ali bem perto, as ruínas desdeixadas
De rústica mansão
Mas se nas lides da feroz Belona
Cercam rasteiras plantas enfezadas,
Não respiraste o pó de cem batalhas, Painel tristonho da destruição;
Se os pés não ensopaste em sangue human0,
Enquanto além viçosa a natureza,
Ao rebentar de bombas e metralhas, Que é sempre nova, e de criar não cansa,
Em mais doces conquistas Vai ostentando a perenal beleza
Já fizeste proezas nunca vistas. Téonde a vista alcança,
Ao lado dos destroços das feituras
(Cantá-las eu não posso, nem desejo; Mesquinhas das humanas criaturas.
Das línguas maldizentes tenho mêdo;
És tu só que as conheces; e estou certo Sim! vais dizer que sítio tão formoso
Que guardarás fiel o meu segrdo.) as
Para campestres, prazenteiras festas,
Ou para em dias de verão calmoso
Dormir à sombra nas ardentes sestas !"
140 BERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 141

Oh! possam sempre tão gentis imagens Nem consintas jamais que insulsos vates,
Embalar-te na vida a alma serena, Dispensadores de tardia glória,
Como bafejam tépidas aragens
O cálix da açucena. Em minha campa venham dar rebates
De póstuma memória.
Seja todo de luz teu horizonte;
Eu, que na vida de ovações ruidosas,
Jamais nem leve sombra de tristeza De glórias vs não procurei o incens0,
Lance uma nuvem nessa linda fronte, Goivos, perpétuas, nênias lagrimosas,
Que tem do lírio a virginal pureza. Morto também dispenso.
Mas ah ! painel tão lindo Eu cantei só por disfarçar o enfado
Não tenho n'alma, que me andava agora Do longo caminhar de peregrino;
Longe dos quadros, que te estão sorrindo, Como cantando o mísero forçado
Como longe do 0caso fulge a aurora. Busca esquecer o horror do seu destino.
Se a glória não sorriu-me aquém da tumba,
Isolados em meio dos vargedos, Pouco me importa essa que além retumba.
Aquela fonte, as sombras e o remanso
Daqueles arvoredos Bastam-me as flores, que ao passar da aragem,
Estão oferecendo almo descanso Deixem cair da árvore as madeixas
Eo suspirado asilo, que deseja Por sôbre a tôsca lajem;
O viajor, que de cansaço arqueja.
Nem quero nênia alguma,
Que não sejam as símplices endeixas 27-b
Eu também sou cansado caminheiro, Que à hora do sol pôsto
Já bem extenuado; Ali o sabiá cantar costuma
Estádio não mui longo, mas fragueiro Nas tardes saudosíssimas de agôsto.
Da vida hei palmeado.
Nem permitas, que lúgubres emblemas
Após tantos suores e fadigas Cerquem de horror o leito em que repousa
Devo pensar no poUso; Teu fido amante; nen sombrios lemas
Devo pensá-lo, sim! embora digas 27-a Deixes gravar em sua pobre lousa.
Que inda vem longe a hora do repouso.

Porém que importa! ao pé daquele outeiro, Das galas mais gentis ataviada,
Debaixo do arvoredo, que na vargem Em meu sepulcro brinque a natureza;
As sombras deita do caminho à margem, E possas semn receio ali sentada
Quero dormir meu sono derradeiro, Cismar sòzinha em horas de tristeza.
Quer soe mesmo agora,
Quer lá mais tarde, minha extrema hora.. Se acaso ali vier o passageiro
Matar a sêde e procurar repouso,
Não quero aí nem mármores polidos, Ao volver para a lousa olhar piedoso
Nem goivos, nem ciprestes; Depare êste letreiro:
Bastam-me aguelas árvores agrestes
Com seus ramos floridos,
Cansado viajor, neste retiro
Vem descansar em paz.
Ea relva humilde, e a que murmura
Ao péde minha pobre fonte Que eu não te peço mesmo um só suspiro
sepultura. Pelo pobre poeta que aqui jaz, 27-o
11
142 BERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 148

"Dos amôres foi bardo, e da beleza,


amou. E pousando num ramo ao pé de ti,
Brincou, cantou e
Também sofreu, e de íntima tristeza
Bem limpo da poeira o jazigo,
conversar
Virei de amôres contigo.
Endeixas solucou, 27-b
Té que por fim, cedendo à natureza,
Sim, podes ir trangüila nada temas,
;
Dormindo aqui ficou.
Dorme também, que a sombra te convida, Ao vulgo deixa estólidos pavores,
Ou canta, ou ri, ou chora, Vai ali entoar êsses poemas,
Como quiseres; mas ao ir-te embora, Em que cantei nossos fiéis amôres,
Não te esqueças da plácida guarida E verás como à voz da formosura
Que aqui achaste; e conta em tua terra
Quão lindamente um morto aqui se enterra. 99
Desfaz-se todo o horror da sepultura.

Mas vai sòzinha.. nem jamais eu veja


E tu também,
a
querida amiga minha,
Ninguém mais junto a ti, e nem profiras
Quando morte quebrar tão doces laços,
Para êstes sítios, pálida e sòzinha, Nome que o mneu não seja,
Dirigirás teus passos. Qual se vivo a teu lado inda me viras.
A campa, em que o amante teu descansa, Se nunca em vida ouviste-me queixumes,
Não seja para ti mansão de horrores; Morto, quem sabe?... 6 bela, tem cuidado
E lá irás às vzes, em lembrança Que lá dentro da campa agros ciúmes
De noss0 amor, lançar algumas flores. Não vão morder-me o coração gelado.
Vai, sim; não tenhas mêdo; Mas, por que assim descoras, 6 querida?
Eu não te surgirei fantasma pálido, As rosas de teu rosto empalidecem.
Mudo esqueleto, inexorável, quêdo,
Teus olhos se escurecem
Das carmpas arrastando o andrajo esquálido.
Nem ouvirás acentos doloridos Qual se jazer me visses já sem vida!
De meus manes aflitos
Ah! não; não te entristeça por tal sorte;
Orações implorar entre gemidos Foi tudo um vão brinquedo,
E em lastimosos gritOS Tu tens razão; para pensar na morte
A revelar os lúgubres mistérios Ésempre muito cedo.
Que se escondem no horror dos cemitérios.
Olha, quão belos os clarões purpúreos
Não; se eu quiser falar-te, Do sol poente morrem no horizonte;
Da viração na voz harmoniosa Os lavradores já descendo o monte
Desflorando-te o rosto côr-de-rosa Demandam seus tegúrios.
Hei de meigos segredos murmurar-te,
E sem que mesmo poSsas percebë-l0,
Beijar-te-ei as faces e o cabelo. Não tarda a noite; a relva dos outeiros
De orvalho úmida está.
A forma tomarei de umn Vamos, amiga; os sonhos agoureiros
Ou de mimosa, vaga colibri, Varre da mente, e vamos tomar chá.
Que reflita do borboleta,
a
íris palhta,
144 B5RNARDO GUINARAES POESIAS COIPLETAS 145

Vinde, 6 filhas do ôco do pau,


A ORGIA DOS DUENDES 28 Lagartixas do rabo vermelho,
Vinde, vinde tocar marimbau, 28-t
Que hoje éfesta de grande aparelho.
I
Meia-noite soou na floresta Raparigas do monte das cobras,
No relógio de sino de pau;
Que fazeis lá no fundo da brenha?
E a relhinha, rainha da festa, Do sepulero trazei-me as abobras,
Se assentou sôbre o grande jirau. 2sa E do inferno os meus feixes de lenha.
Lobisone apanhara os gravetos 2$-b
E a fogueira no chão acendia, Ide já procurar-me a bandurra
28-i
Revirando os compridos espetos, Que me deu minha tia Marselha,
Para a ceia de grande folia. E que aos ventos da noite sussurra,
Pendurada no arco-da-velha.
Junto déle um vermelho iabo
Que saira o antro das focas,
Pendurado num pau pelo rabo, Onde estás, que inda aqui não te vejo,
No borralho torrava pipocas. 28-e Esqueleto gamenho e gentil?
Eu quisera acordar-te c'um beijo
Taturana, uma bruza amarela, 28-d Láno teu tenebroso covil.
Resmungando com ar carrancudo,
Se ocupava em frigir na panela Galo-prêto da tôrre da morte,
Um menino com tripas e tudo.
Que te aninhas em leito de brasas,
Getirana com todo o sossêgo 28-e Vem agora esquecer tua sorte,
A caldeira da sopa adubava Vem-me em tôrno arrastar tuaS asas.
Com o sangue de um velho morcêgo,
Que ali mesmo co'as unhas sangrava.
Sapo-inchado, que moras na cova
Onde a mão do defunto enterrei,
Mamangava frigia nas banhas Tu não sabes que hoje é lua nova,
Que tirou do cachaço de um frade,
Que é o dia das danças da lei?
Adubado com pernas de aranhas,
Fresco lombo de um frei dom abade.
Tu também, 6 gentil Crocodilo,
Vento sul sobiou na cumbuca, 28-1 Não deplores o suco das uvas;
Galo-préto na cinza espojou; Vem beber excelente restilo
Por três vêzes zumbiu a mutuca, 28-0 Que eu do pranto extraí das viúvas.
No cupim o macuco piou, 28-1

E a rainha co'as mãos ressequidas Lobisome, que fazes, meu bem,


O sinal por três vêzes Que não vens ao sagrado batuque?
foi dando,
A coorte das almas perdidas Como tratas com tanto desdém,
Desta sorte ao batuque chamando: Quem a c'roa te deu de grão-duque?"
146 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 147

Getirana, bruxinha tarasca,


II Arranhando fanhosa bandurra,
Com tremenda embigada descasca
Mil duendes dos antros saíram A barriga do velho Caturra.
Batucando e batendo matracas,
E mil bruxas uivando surgiram,
Cavalgando em compridas estacas. 0 Caturra era um sapo papudona testa,
Com dous chifres vermnelhos
E era êle, a despeito de tudo,
Três diabos vestidos de roxo 28-* 0 rapaz mais patusco da festa.
Se assentaram aos pés da rainha,
E um dêles, que tinha o pé coxo,
Começou a tocar campainha. Já no meio da roda zurrando
Aparece a mula-sem-cabeça,
Bate palmas, a súcia berrando
Campainha, que toca, é caveira Viva, viva a Sr.a condêssa !.
Com badalo de casco de burro,
Que no meio da selva agoureira
Vai fazendo medonho sussurro. E dançando em redor da fogueira
Vão girando, girando sem fim;
Capetinhas trepados nos galhos 28-1 Cada qual uma estrofe agoureira
Com o rabo enrolado no pau, Vão cantando alternados assim:
Uns agitam sonoros chocalhos,
Outros põem-se a tocar marimbau, 28-m
III
Crocodilo roncava no papo
Com ruído de grande fragor; TATURANA
E na inchada barriga de um sapo Dos prazeres de amor as primícias,
Esqueleto tocava tambor.
De meu pai entre os braços gozei;
E de amor as extremas delícias
Da carcaça de um sco defunto Deu-me um filho, que dêle gerei.
E das tripas de um velho barão,
De uma bruxa engenhosa o bestunto Mas se minha fraqueza foi tanta,
Armou logo fer0z rabecão. De um convento fui freira professa;
Onde morte morri de uma santa;
Assentado nos pés da rainha Vejam lá, que tal foi esta peça.
Lobisome batia a batuta
Co'a canela de um frade, que tinha
Inda um pouco de carne corruta. GETIRANA
Já ressoam tinbales e rufos, Por conselhos de um cônego abade
Ferve a dança do cateretê; 28-n Dous maridos na cova soquei;
Taturana, batendo os adufos, E depois por amôres de um frade
Sapateia cantando o le rê! Ao suplício o abade arrastei.
FOSIAS C0MLETAS 149
S
smantes, s Quem despojei.
Conduzi ass åessraçss so cümnulo, Entre galas, veludo e damasco
E siguns fillh0s, por srtes que sel, Eu vivi, bela e nobre condêssa;
Me caiam o
rente no tnnuio. E por fim entre as mãos do carrasco
Sôbre um cepo perdi a cabeça.
GALO PRÊTO
Como irade de um ssnto conrento CROCODILO
Èste gordo toutiço criei;
E de indas donzelas um cento Eu fui papa; e aos meus inimigos
No altar da luxúria imolei. Para o inferno mandei c'um aceno;
E também por servir aos amigos
Mas na via beata de ascético 25-o Tê nas hóstias botava veneno. 28-p
Mui contrito rezei, jejuei,
Té que um ia de ataque apoplético De princesas cruéis e devassas
Nos abismos do inferno estourei. Fui na terra constante patrono;
Por gozar de seus mimos e graças
Opiei aos maridos sem sono.
ESQUELETO
Eu na terra vigário de Cristo,
Por fazer aos mortais crua guerra Que nas mãos tinha a chave do céu,
MiI fogueiras no mundo ateei;
Quantos vivos queimei sôbre a terra, Eis que um dia de um golpe imprevisto
Nos infernos caí de boléu.
Já eu mesmo contá-los não sei.

Das severas virtudes monásticas LOBISOME


Dei no entanto piedosos exemplos;
E por isso cabeças fantásticas Eu fui rei, e aos vassalos fiéis
Inda me erguem altares e templos. Por chalaça mandava enforcar;
E sabia por modos cruéis
MULA-SEM-CABEÇA As espôsas e filhas roubar.

Por umn
bispo eu morria de amôres, Do meu reino e de minhas cidades
Que afinal meus extremos pagou; 0 talento e a virtude enxotei;
Meu marido, fervendo em furores De michelas, carrascos e frades,
De ciúmes, o bispo matou. De meu trono os degraus rodeei.

Do consrcio enjoei-me dos laços, Com o sangue e suor de meus povOS


E ansiosa quis vê-los quebrados, Diverti-me e criei esta pança,
Meu marido piquei em pedaços, Para enfim, urros dando e corcovos,
E depois o comi aos bocados. Vir ao demo servir de pitança.
150 BERNARDO GUIMAREs
POESIAS COMPLETAS 151
RAINHA
Mas eis que no mais quente da festa
Já no ventre materno fui boa; Um rebenque estalando se ouviu, 28-q
Minha mãe, ao nascer, eu matei; Galopando através da floresta
E a meu pai por herdar-he a cor0a Magro espectro sinistro surgiu.
Em seu leito co'as mãos esganei.
Hediondo esqueleto aos arrancos
Um irmão mais idoso que eu, Chocalhava nas abas da sela;
C'uma pedra amarrada ao pescoço, Era a Morte, que vinha de tranco
Atirado às ocultas m0rreu Amontada numa égua amarela.
Afogado no fundo de um poço.
0 terrível rebenque zunindo
Em marido nenhum achei jeito; A nojenta canalha enxotava;
Ao primeiro, o qual tinha ciúmes, E à esquerda e à direita zurzindo
Uma noite co'as colchas do leito Com vOZ rouca desta arte bradava:
Abafei para sempre os queixumes.
Fora, fora! esqueletos poentos,
Ao segundo, da tôrre do paço Lobisomes, e bruxas mirradas!
Despenhei por me ser desleal; Para a cova êsses ossOs nojentos!
Ao terceiro por fim num abraço Para o inferno essas almas danadas!*
Pelas costas cravei-lhe um punhal.
Um estouro rebenta nas selvas,
Entre a turba de meus servidores Que recendem com cheiro de enxôfre;
Recrutei meus amantes de um dia; E na terra por baixo das relvas
Quem gozava meus régios favores Tôda a súcia sumiu-se de chôfre.
Nos abismos do mr se sumia.
No banguete înfernal da luxúria
Quantos vasos aos lábios chegava,
Satisfeita aos desejos a fúria, E aos primeiros albores do dia
Sem piedade depois os quebrava. Nem ao menos se viam vestígios
Da nefanda, asquerosa folia,
Quem pratica proezas tamanhas Dessa noite de horrendos prodígios.
Cá não veio por fraca e mesquimha,
E merece por suas façanhas E nos ramos saltavam as aves
Inda mesmo entre vós ser raínha. Gorjeando canoros queixumes,
E brincavam as auras suaves
Entre as flores colhendo perfumes.
IV
Do batuque infernal, que não finda, E na sombra daguele arvoredo,
Turbilhona fatal rodopio;
o Que inda há pouco viu tantos horrores,
Mais veloz, mais veloz, mais ainda Passeando sòzinha sem mdo
Ferve a dança como um corrupio. Linda virgem cismava de amôres.
152 DERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 153

OLHOS VERDES 29 Os pudicos raios de aurora sem nuvens,


Por entre alvas névoas no monte a luzir,
Apenas imitam dos lábios formosos
Eu conheço uns lindos olhos, O meigo sorrir.
Que fazem morrer de amor,
Têm a verde e linda côr
Que tem o mar em bonança. As notas mais doces da lira do bardo,
Ai de mim, que nesses olhos Ou brisa amorosa cantando entre flores,
Hei pôsto minha esperança! Não têm a doçura da voz, que me enleva
Qual hino de anmôres.
São brilhantes e formosos
Como dous astros sem véu
A sorrir em puro céu O sol destas plagas no rosto esparziu-lhe
Em noite serena e mansa. De jambo e de rosa mimoso matiz;
Mas nesses astros brilhantes E negra a madeixa, que tomba e flutua
Não vejo luz de esperança. Nos ombros gentis.
Já não creio em olhos verdes;
Olhos verdes são traidores, Não flor nascida nos parques dos grandes,
é
São fanais enganadores, Por mãos educada de um hábil cultor,
Não inspiram confiança. Em vasOs custOsos, onde a arte esmerou-se
Sabem só matar de amôres Com luxo e primor.
Sem nunca dar esperança.

Antes nunca eu visse os olhos,


É
sim flor do campo, modesta e singela,
Que fazem morrer de amor, Que aos beijos da brisa nos ermos nasceu,
E que têm a linda côr E abriu-se risonha, sòmente regada
Que tem o mar em bonança.. Do orvalho do cu.
Ai de mim, que nesses olhos
Não tenho mais esperança. Quem dera colhê-la na sombra tranqüila,
Onde aura fagueira com beijos a embala,
0 cálix beijar-lhe, beber-Ihe o perfume,
UMA FILHA DO CAMPO No seio guardá-la.

Filha mimosa Mas ai! peregrino, não sei onde leva-me


De Atlântida formosa. 0 incerto destino dêstes dias meus!
(GARRETT.) E em minha passagem só posso deixar-lhe
Um hino e um adeus.
0 que há de mais puro do céu nos
fulgores,
0 que há de mais meigo num Arazá, 1855.
O
brando
que há de mais vivo do sol nos luar,
ardores,
Compõe seu olhar.
154 BERNARDO GUIMARÁES
POESIAs coMPLETAS 155

ILUSÃO DESFEITA Caíste enfim da região de encantos,


A que meus puros sonhos te elevaram;
Acabou-se o ardor antig0, Desfêz-se o talismã; foram-se enganos,
Tenho o peito sosscgado; Que outrora me embalaram.
Nem para fingir-me irado
Acho agora em mim pairo.
Perdeste um coração que te adorava.
(Trad. de METASTÁSIO.) Porém que importa? se por um, que esfria,
Mil outros corações após teus risos
Oh! acredita, nunca olhar de virgem Vão correndo à porfia.
n'alma tanto ardor assim;
Coou-nme
Nunca amor me sorriu com tanta graça
Em lábios de carmim! Mas não receies que eu maldiga aquela
Que num momento a vida me dourara;
Tu és o anjo sonhado que minha alma E que num pego de emoções bem doces
Aos céus pedia; Outrora me entranhara.
a
flor que em meus caminhos
Encontrei a sorrir pura e fragrante
Do mundo entre os espinhos. Oh! não receies, não, que eu te maldiga;
Graças a ti, aprendo hoje por fim
Pio romeiro, irei aos pés depor-te A não crer tanto nos fagueiros risos
Oferenda singela, porém fida; De uns lábios de rubim.
A ta lira e o coração do bardo!.. .
A ti a minha vida. Proveitosa lição nos fica n'alma,
Quando a ilusão se esvai:
Cantar-te as graças, e mandar teu nome Deixa um fruto no ramo, em que nascera
Unido ao meu aos séculos vindouroS, A flor, que murcha e cai.
Seria para mim melhor que um trono,
Melhor que mil tesouros. Ouro Prêto, 1855.

Porém passar meus dias a teu lado,


Ouvir-te as falas, contemplar-te o riso, UTINAM 30
Gozar teus mimos, fôra para esta alma
Mellhor que o paraíso!" Imitado de V. Hugo

Assim dizia-te eu naquele dia, Se nesta lira um hino eu possuísse,


-0 mais doce talvez da minha vida, Que imitasse as canções do paraíso,
Em que na meiga luz dêsses teus olhos Mulher, bem pouco fôra para dar-te
Minha alma vi perdida. Em trco de um sorriso.
Foi um sonho fugaz; breve delírio. Se eu pusesse a teus pés áurea coroa
De novo tenho o coração vazio; De um reino, que abrangesse a terra e os mares,
E se n0 peito meu a mão pousares, Fôra inda pouco, 6 virgem, pra pagar-te
Achá-lo-ás bem frio!.. Um só de teus olhares.
156 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 157
Fôssem meus o finito e o infinito,
O tempo e a eternidade, a terra e o céu, Não vertem sangue as úlceras desta alma,
Que eu tudo dera, 6 anjo de minha alma, E nem ressoa fora de meu peito
Sópor um beijo teu. De minha dor o grito.
Ouro Prêto, 1S55. Em suspiros não sai; tenaz se agarra
Ao coração aflito.

FOGE DE MIM Eu bem quisera amar-te; mas como hei de


Guiar-te pelas sendas em que piso,
Foge de mim, qual foge o passarinho Em que só vejo espinhos?.
Do tronco estéril sem raiz na terra, Como?!... se para mim estão fechados
Sem sombra mem folhagem; Do porvir os caminhos?
Foge, não queiras perscrutar desta alma
A lúgubre voragem. Fica-te pois em teu puro horizonte,
Belo astro de amor, e não pretendas
Não vás crestar nas chamas de meu peito Perder tua luz pura,
Do cálix teu a mádida frescura, Nesta, que a triste vida me escurece,
Gentil, cândido lírio; Medonha noite escura.
Foge, não queiras esgotar comigo
A taça do martírio. Hera mimosa e tenra, oh! não te abraces
Ao tronco estéril sem raiz na terra,
Sorris ?. oh!quanto é belo o teu sorriso; 3l-a Sem folhagem no céu;
Mas em minha alma derranmar não podem
Nem sombra de ventura; Melhor seria te envolvesse a fronte
São como os raios da manhã fulgindo 0 mortuário véu.
Em feia sepultura. Rio do Janeiro, 1 860.

Ah! tu choras; -e as lágrimas que vertes,


Na aridez de meu peito vêm secar-se,
Bem como almo rocio, QUE TE DAREI
Que o céu derrama em vão na ardente areia
De páramo bravio. CANÇÃO

Dizem que os dias meus correm serenos!. Um teu agrado


Não creias, não; a paz que me rodeia Vale mais que um tesouro mai8 que um
É
lúgubre ironia; [trono.
É Com0 essa que os túmulos povoa,
(DIRCEU.)
Paz gélida e sombria.
Que te darei, minha amada,
Quem me dera chorar! o pranto é sangue Que valha um só teu olhar?
Que nos escorre das feridas d'alma, Onde posso eu encontrar
E o gérmen peçonhento Tesouro de igual valor?
Delas lavando, um pouco a dor acalmna, 31-b Que há no mundo que iguale
E adoça o sofrimento. Um riso de teu amor?
12
158 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 159

Irei colhêr na campina Murcha a tenra sensitiva,


A mais fresca e pur rosa, Sempre esquiva
Que ao raiar d'alva mimosa
Ao toque de minha mão.
Despontou entre o verdor?
Tenho mêdo, 6 virgem bela,
Para quê, se tens nas faces Que, como ela,
Rosas de mais linda cr?
Me feches teu coração.
Irei buscar nas montanhas
A jóia mais fina e bela, Como a rolinha amorosa,
Que brilhe como uma estrêla, Que medrosa,
Que cegue com seu fulgor? Estremece de pavor,
Porém junto de teus olhos E logo de susto voa,
A jóia não tem valor. Se resSoa
No bosque um leve rumor:
Queres que neste alaúde
Te descante uma canção, Assim tu, virgem formosa,
Que ecoe no coração
Com acento encantador?
Pressurosa.
Mas tua voz é mnais doce Assim costumas fugir;
Que o mais doce hino de amor. Se êste amor, em que deliro,
Um suspiro
Queres que às tuas plantas, Indiscreto vem trair.
Em vasos ricos e finos,
Queime aromas peregrinos Vê, como o lírio singelo,
Que fazem cismar de amor? Puro e belo,
Para qu, se de teu seio Desabrocha em teu jardim!
Exalas mais puro odor? Foi criada para amor
Essa flor,
Eu não sou nenhum.monarca Essa flor tão linda assim.
Para dar-te um trono de ouro;
É meu único tesouro Se junto dela desliza
Uma alma cheia de ardor. Doce brisa,
A teus pés ei-la rendida ;
Aceitas, meu doce amor?
Tôda de amor estremece;
Ouro Prêto, 1885. E fagueira e sem queixume
0 perfume
De seu cálix lhe oferece.
A FUGITIVA
Eu tenho n'alma um desejo, Se do amor que me Consome,
Que eu almejo, Nem o nome
Linda virgem, revelar-te ; Tu me queres escutar,
Mas devo guardar segrêdo; Ensine-te ela o segrêdo,
Tenho mêdo, Que eu de mêdo
Muito mdo de enfadar-te. Mal te posso murmurar.
POESIAS COMPLETAS 161
160 BERNARDO GUIMARES

Não sabes que a mudança


Mas no véu encantador É lei da natureza,
Do pudor Que nada há de constante
Em vão procuras abrigo; Em tôda a redondeza?
Em qualquer parte que fores,
Os amres 0 rio às verdes margens
Hão de sempre andar contigo. Saudoso adeus murmura,
E para outras paragens
Rio de Janeiro, 1860. Saudoso se apressura.

0 mar se agita inquieto,


0 BANDOLEIRO 0 abismo revolvendo,
E de uma a outra praia
Balança-se gemendo.
CANÇÃO
Os astros, que cintilam
Se mil forem belas, Da noite no mistério,
Amarei tôdas elas. Nos fogem do horizonte
(Lundum brasileiro.) Buscando outro hemisfério.
A minha amada de ontem Se tudo neste mundo
Era formosa e linda; É
tão inconsistente,
Mas tu, que eu hoje adoro, Como há de ser só firme
ÉS mais formosa ainda. O coraço da gente?

Porém não vás queixar-te Ao menos sou sincero;


De eu ser tão inconstante; Mentir eu não sei, não;
De que meu peito mude Só sei aos pés das belas
De amor a cada instante. Cantar esta canção.

Meu bem, se assim não fôra, Nas vagas da inconstância


Como hoje havia amar-te, Deixai-me pois boiando ;
Se inda ontem tinha prêsa E à flor de emoções doces 32-a
Minha alma em outra parte. Contente resvalando,
Qual leve colibri,
Se ontem me encantavam
Uns olhos de safira, Que nos jardins adeja,
Agora o teu sorriso Eo seio às flores tôdas
Voando veloz beija.
Maior paixão me inspira.
Ai triste do que esgota
E a minha amada de ontem A taça dos amôres,
Era formosa e linda; E quer teimoSo e cego
Mas tu, que eu hoje adoro, Sorver-lhe os amargores.
ÉS muito mais ainda.
162 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 163
Nas bordas a beleza
Lhe verte mel, perfumes; Cigarro, quanto és ditoso!
Mas fervem-lhe no fundo Já reinas em todo mundo,
Remorsos e ciümes. E êsse teu vapor jucundo
Por tôda parte esvoaça.
Até as moças bonitas
Porém por que te enfadas Já te fumam por chalaça!...
Com mostras de desgôsto ?
Murchar eu não pretemdo
Os risos no teu rosto. Sim; já por dedos de neve
Pôsto entre lábios de rosa,
Em gentil bca mimOsa
Adeus!- se amor não queres Tu te ostentas com vaidade.
Assim fácil e breve, Que sorte digna de inveja!
Do teu amante o nome Que pura felicidade!
Do peito teu proscreve:
Anália, se de teus lábios
Que nos jardins de amor Desprendes subtil fumaça,
Existem outras flores, Ah! tu redobras de graça,
Bem como tu formosas, Nem sabes que encantos tens.
Mas sem os teus rigores.
À invenção do cigarro
Tu deves dar parabéns.
E aos pés de outra beleza
Depondo o coração,
Irei, sem ter remorsos, Qual caçoula de rubim
Cantar-Ihe esta canção: Exalando âmbar celeste,
Tua bca se reveste
Do mais primoroso chiste.
A minha amada de ontem A tão sedutoras graças
Era formosa e linda; Nenhum coração resiste.
Mas tu, que eu hoje adoro,
ÉS mais formosa ainda.
Rio de Janeiro, 1860.
Embora tenha o charuto
Dos fidalgos afeição,
E do conde ou do barão
Seja embora o favorito;
AO CIGARRO Mas o querido do povo
És tu só, meu cigarrito.
CANÇÃO

Cigarro, minhas delícias, Quem pode ver sem desgôsto,


Quem de ti não gostará? ÊSse charuto tão grosso,
Depois do café, ou chá, ÊSse feio e negro troço
Hánada mais saboroso Nos lábios da formosura?...
Que um cigarro de Campinas uma profanação,
É

De fino fumo cheiroso? Que o bom gôsto não atura.


164 BERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 165
Mas um cigarrinho chique,
Alvo, mimoso e faceiro, Vem pois, 6 meu bom amigo,
A um rostinho fagueiro
Cigarro, minhas delícias;
Dá realce encantador.
Nestas horas tão propícias
Vem dar-me tuas fumaças.
incenso que vapora
É
Dá-mas em trco dêste hino,
Sôbre os altares de amor. Que fiz-te em ação de graças.

O Rio de Janeiro, 1364.


cachimbo oriental
Também nos dá seus regalos;
Porém nos beiços faz calos,
E nos faz a bca torta.
De tais canudos o pêso
Não sei como se suporta!...

Deixemos lá o grão-turco
No tapête acocorado
Com seu cachimbo danado
Encher as barbas de sarro.
Quanto a nós, ó meus amigos,
Fumemos nosso cigarro.

Cigarro, minhas delícias,


Quem de t não gostará?
Certo no mundo não há
Quem negue tuas vantagens.
Todos às tuas virtudes
Rendem cultos e homenagens.

És do bronco sertanejo
Infalível companheiro; 33-a
E ao cansado caminheiro
Tu és no pous0 o regalo;
Em sua rêde deitado
Tu sabes adormentá-lo.

Tu não fazes distinção,


És do plebeu e do nobre,
És do rico e és do pobre,
És da roça e da cidade.
Em tôda a extensão professas
0 direito de igualdade.
EVOCAÇÕES

Ducite ab urbe domum, mea cr


mina, ducite Daphnim.
(VIRGÍLIO.)
ADVERTENCIA

As poesiasque se seguem, sob o titulo de "Evocações", não


são mais que fragmentos de uma série mais numerosa de com
posições que o autor planejou, mas que por agora não Ihe tem
sido possível completar.
São meros esboços, imperfeitos e incompletos, como o lei
tor verá, se quiser dar-se ao trabalho de percorrê-los.
Entretanto, como algumas pessoas, em cuja ilustração e
critério deposito tôda a confiança, asseguraram-me que essas
poesias, assim mesmo incompletas e fragmentadas, como aí vão,
poderiam ser lidas com interêsse e prazer, por isso animei-me
a
incluí-las na presente coleção. Demais, como não há um laço
de unidade que ligue entre si intimamente essas diferentes
peças, podem ser lidas isoladamente, sem que se tornem in
compreensíveis.
O Preâmbulo, e o Prelúdio, -
creio eu explicam satis
fatòriamente qual é gênero dessas composições, e qual a in
o

tenção do autor com essas evocações fantásticas.


Como muitas vêzes a enunciação da idéia nessas poesias
fica como que incompleta, e as transições são um pouco brus
cas, julguei dever usar em alguns lugares das linhas de pontos,
a fim de indicar que há ali uma lacuna no pensamento, que
leitor suprirá do modo que melhor lhe aprouver.
AUTOR
POESIAS COMPLETAS 171

Depois le ter canntado longamente


Meus últimos amôres,
SUNT LACRMAE RERUM E de mesclar de minha amada
o nome
Do dia extinto aOs últimos rumores.

Estas, que ides ourir, csnções singelas, Da noite o furacão impet.uoso


Foram de uma alma cândida exaladas, Rugindo nos espaços
Que muito soube amar, Arrojou-a no abismo tenebroso
E que da vids as horas apressadas Desfeita em mil pedaços.
Todas gastou em render culto às belaS,
Sem nunca se cansar.
PRELÚDIO
Seu terno coração já des do berço
Cismara só de amôres, Vinde, vós tôdas, que nos meus caminhos
E nos mais rerdes anos já provava Derramastes outrora algumas flores,
Das paixões o prazer e os amargores. E destes-me a colhêr por entre espinhos
gozou e sofreu muito. A rosa dos amôres.
Pobre homem!
Colheu muita lição;
Mas nunca pôde encher o vácuo imenso Surgi do limbo escuro, em que escondeis-vos
De seu insaciável coração:- Do passado na bruma adormecidas,
E
ama ainda, o triste! inda acredita, Onde minha alma ingrata há tanto tempo
Que sem amor no mundo não há dita!...
Deixou-vos esquecidas.

E agora, enquanto vão seus dias pálidos Eia! ao chamado meu acudi prontas,
Para o ocaso da vida descambando. E do olvido por entre a névoa espêssa,
Erocando lembranças de outros tempos Belas, donosas, quais vos vi outrora,
Vai amôres passados ruminando; Erguei vossa cabeça.
Bem como quem, a0 coracão cingindo,
Um ramalhete de mirradas flores, Contam vates que Orfeu, cantor divin0,
Co pranto da saudade avivar tenta A morta espôsa à luz restituíra,
0 aroma e o
viço das perdidas côres. As infernais potências encantando
Não penseis que . sou eu ;- há muito tempo,
Lábem longe.. das brenhas na espessura,
Aos sons de ebúrnea lira.

Também da lira aos sons quero evOcar-voS


Deixei perdida a lira dos amôres,
Que por vêzes a mão da formosura Sombras queridas, pålidas imagens;
Engrinaldava de silvestres flores. Do esquecimento quero hoje arrancar-vos
As lúgubres voragens.
Lá bem longe, no seio das florestas,
Um dia eu esqueci-a pendurada E quem impedirá? –
da tantasia
Tenho n'alma o condão onipotente,
No tronco de frondosa copaíba, 34-a
Pelas auras da tarde balouçada Que o passado nos túmulos acorda,
Em solitária riba; Eo faz surgir nos campos do presente.
POESIAS COMPLETAS 178
172 BERNARDO GUIMARES
Deslizai ante mim, visões queridas,
Como silfos gentis, na asa da
aragem,
Das musas o poder não ten limites,
tronco
Do sepulcro as barreiras ultrapassa, Vinde pousar do ressequido
Destrói a ausência, as trevas alumia, Na pálida ramagem.
E do porvir os áditos devassa.
Viveis talvez ainda, quase tôdas,
Muitas no viço da beleza em flor;
Porém decerto há muito já riscastes
Da lembrança meu nome e meu amor.

Dizem que a vida é breve; eu vejo longos na


minha alma
os anos
Viveis ainda?-o embora!
Por trás de mim já volvidos Já entre nós túmulo se ergueu;
Estéreis tristonhos se estenderem
e
Vós éreis meu amor; pra mim morrestes
Em nevoentos longes escondidos. Quando êsse amor morreu.

Entretanto nas sendas da existência Se aos braços meus a campa não roubou-vos
Apenas sete lustros hei transposto,
Nem da velhice ainda a mão pesada Vejo entre nós barreira inda mais forte;
Curvou-me a fronte, nem sulcou-me o rosto.
O
fado, a ausência, as ilusões perdidas
Têm muitas vêzes mais poder que a morte.
E nesses anos, que lá vão saudosos,
Quantas vidas de amor tenho vivido; Não sois mais para mim que puros sonhos,
Que vários fados me hão enchido o tempo, Suaves, que inspirais amor sem zelos;
Quanto hei gozado, e quanto mais sofrido?!. Como o porvir, nosso passado é sonho,
Porém sem pesadelos.
Pelas devesas tristes do passado
Como vão meus caminhos alastrados
Aos sons da lira agora vos conjuro,
Dos destroços de minhas esperanças,
De mil laços de amor despedaçados. Vinde um momento conversar comigo;
Vinde num beijo as mal extintas chamas
Dizem que a vida é breve! é para
aquêles Reavivar de nosso amor antigo.
Que vão singrando em mares de bonança,
Ou resvalando em flóridas veredas Meu coração viúvo e solitário
Embalados nos braços da esperança. Já tendo dito adeus às esperanças,
Evocando as imagens do passado
Não para quem por sendas escabrosas Só vive de lembranças,
Deixa em sangue o vestígio de seus passos,
E aqui e além, em seus tristes errores
Como que o coração larga aos pedaços. Qual em deserto vale albergue em ruínas,
Onde nos rotos tetos adejando
Da noite as auras ululando vagam
Saudades acordando.

13
174
BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 175
PRIMEIRA EVOCAÇÃO
Oh! quem me dera ver essas campinas,
Das sombras do sepulero De que me afasta tão fatal distância,
Ei-la que surge plácida e formosa E ver os céus, onde sorriu-me a estrêla
Essa visão primeira, De minha lêda infância!...
Que me sorriu na quadra venturosa
Da infância prazenteira... E a fonte, e o musgo, aonde te sentavas
À Sombra do florido limoeiro,
Sêmui bem-vinda, 6
flor sempre lembrada Ouvindo o trepidar harmonioso
De minha lêda aurora! Do próximo ribeiro;
Graças te rendo, pois a consolar-me
Surges primeira agora. E os vargedos sem fim, onde alvejava,
Em meio dos vergéis quase encoberto,
Inda h0je mesmo, após tão largos anos, Teu lar ditoso, ninho de alva pomba
Que repousas no leito funerário, Em meio do deserto;
À minha voz acodes, e abandonas
Para escutar-me o gélido sudário. E do bosque a avenida solitária,
Tão grato asilo ao tímido recato,
Não; não morreste; ou bela como outrora E essa agreste alpondra, em que brincando
VOZ do meu amor hoje
renasces!.. Saltavás o regato.
Tombam-te ao colo as nítidas madeixas,
E adorável pudor te adorna as faces. Lá, nas tardes serenas, eu te via
Por entre os perfumados laranjais,
Não vens da campa, não, que nos teus lábios Ou qual errante Náiade, vagando
Vejo o frescor e a púrpura da rosa ; Nos campos teus natais.
Palpita o seio, e brincam-te os sorrisos 35-a
Na bca graciosa. E ao teu passar, as árvores do bosque
Os ranmosbrandamente meneavam;
Vejo-te os olhos límpidos, serenos, em que pisavas,
Tais como costumava outrora vê-los; Eo chão, à porfia
De flores alastravam.
Nem dos sepulcros o hálito mefítico
Exalam teus cabelos. Brisa amorosa bafejava aromas
Em trno a ti com plácidos rumores;
Tu vens direito da mansão celeste E murmurando a fonte te mandava
A mim descendo, ó anjo meu Um cântico de amres.
formoso,
Com asas de ouro desferindo o vo
No espaço luminoso. E eu te amava; mas do meu afeto
Dentro em meu coração continha as lavas;
E o fogo, que nesta alma ento
Nem sei se adivinhavas. fervia,
Lembras-te ainda dos felizes dias,
Que deslizamos, antes
Eu era tão feliz,
Pela pátria dos anjos, que trocares
de
nome a tão suaves nem sabia
O
e
A sombra de teus hoje habitas, emoções;
lares?... Nem pensei que jamais se esvaecessem
Tão puras ilusões.
1N6 BERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 177
E nosSOs corações eram quais flores,
Lá vá de tarde sabiá sòzinho
o
Que o casto seio mal abrindo ao lumne 27-b
De nascente manh, dentro do cálix Saudoso modular tristes endeixas;35-b
a
Guardavam seu perfume. E nos buritirais gemendo brisa
Sussurre eternas queixas.

Mas ah! - no fundo do painel donoso


Vejo sinistra a campa, que se eleva!.
Vai-te, 6 lindo fantasma! neste mundo
Não mais profanes teus pudicos véus
;

É
lá que minha aurora para sempre Vai-te, que há muito os querubins saudosos
Sumiu-se em negra treva. Te aguardam lá nos céus.

Há bem tempo que dormes nesse leito


Frio, que a dura morte preparou-te, SEGUNDA EVOCAÇÃO
Ao frêmito suave da palmeira,
Que em teu berço embalou-te. Oh! quem és tu, que assim n'alma me vibras
Olhar ardente e vivo,
Há bem tempo! e às vêzes me parece E com sorrir lascivo
Ser nosso amor uma reminiscência Do peito meu vens abalar as fibras?
Apenas de outro mundo, em que dormimos
0 sono da inocência!... Em crêspas ondas cai-te nas espaldas
Negra madeixa em cachos abundantes,
Bem como da montanha pelas faldas
Eé bem verdade que viveste outrora A coma ondula às selvas sussurrantes.
Vida real de humana criatura,
Que no mundo tiveste o berço um dia, Gentil como Moema,
E noutro a sepultura? Alças vaidosa o colo teu moreno,
Como garbosa ema,
Ou fôste só viso da fantasia, Que ufana vaga pelo campo ameno.
Que em meus formosos sonhos de crianca
-
Me fascinava a mente descuidosa Oh! vem! bem te conheço; és tu, que outrora
C'um raio de esperança?. Febre fatal nas veias me ateaste;
E com teus risos, tua voz canora,
Humilde às tuas plantas me arrojaste;
E acodes hoje aos soms de minha lira,
Vai, fantasma querido, volta aos bosques A ver o amante, que por ti suspira.
De nossa infância, às verdes ribanceiras
Do ribeirão, que viu de nosso Travêssa como sempre, e bandoleira,
afeto Nos teus lábios constante paira o riso,
As emoções primeiras.
Eo brando olhar e a bca feiticeira
Debaixo dêsses céus de azul brilhante, De delícias promete um paraiso.
Nessas campinas de eternal verdura, Mas ah! que essa aparência tão fagueira
Dorme trangüila aos plácidos rumores Dámorte ao coração, dá morte ao sis0.
Que a solidão murmura.
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLCTAS 179

Foi breve o nosso amor, mas devoraNte Como se lança um manto funerário
Como o incêndio, que um vento impetuoso Sôbre o lívido rosto de um finado
Assopra na floresta, Para ocultar-lhe oa feia hediondez,
Que laVra furioso, e num instante Assim do olvido gélido sudário
Tudo aniquila: e do vergel fromdoso Sôbre as desgraças e erros do passado
Sòmente a cinza resta. Lancemos de uma vez.

Sôbre meu peito a leve cabecinha Se eu agora lembrei-te tais loucuras,


Um dia reclinaste, Comigo não te enfades,
Mas sem saber que nêle se continha Que a despeito de tuas travessuras
Um coração, qual nunca suspeitaste; De noSSO amor me lembro com saudades.
Mal pensando, que fogo alimentavas,
Sôbre um vulcão a fronte repousavas. Oh! recordemos antes as delícias
Que me deste a sorver ; as noites breves,
De meus sentidos na fatal cegueira Que ampararam com sombras tão propícias
Eu tomei por amor teus desvarios; Prazeres, que do tempo as asas leves
E por mais que sorrisses-me fagueira, Depressa nos roubaram,
Aos beijos meus achei teus lábios frios. E dêles só lembranças nos deixaram.
As faces tuas encostaste às minhas, Ouvir dos lábios teus hoje desejo
Mas não me deste a alma, que a não tinhas. Doces palavras, que disseste outrora;
Quero mostrar-te num fervente beijo,
Ah!... bem cedo entendi que me embaías Que minha alma té hoje inda te adora.
Com teus risos e afagos sedutores;
Que essas carícias frias Sôbre os joelhos meus vem pois sentar-te,
Bem como outrora; quero um só instante
Também davas a outros amadores, o e as graças
Beijar-te riso, contemplar-te...
E como um sol a todos aquecendo, V minha fronte férvida, anelante,
Teus mimos e favores No doce afä de amor perdido o siso,
A uns e outros ias concedendo. Inda nos seios mórbidos descai-te;
Cinge-me ao peito teu, dá-me um sorriso. ..
Inda bem que êsse amOr durou tão pouco! Toma êste beijo, e vai-te.
Meu coração de angústias estalava.
Ardendo em raiva, de ciúmes louco,
Veloz me arrebatava TERCEIRA EVOCAÇÃO
Meu rápido corcel,
Transpondo brenhas e galgando serras, Por fim vens tu, minha silvestre rôla,
Para bem longes terras, Roçar-me o rosto co'as travêssas asas,
Para longe de ti, minha infiel!... Pousar-me ao ombro e com fagueiro arrulho
Dizer que em chamas só por mim te abrasas.
Porém não quero já com vãos queixumes
Oh! que lembranças na minha alma acordas!...
0 prazer destruir que hoje me trazes; De noSSO amor malfadada história,
Oh! não! sem recordar velhos ciúmes
As tristes ânsias, a fugaz ventura,
Façamos hoje as pazes. Inda bem vivas tenho na memória.
180 BERNARDO GUIMARÃES POESIAS COMPLETAS 181

Eis-te tão bela, qual eu vi-te outrora Tal a gaivota descuidosa pousa
Pousada à sombra do jambeiro em flor; E se embalança na cerúlea
vaga
Teus lindos seios de cansaço arfavam, De feio golfão, que mil monstros nutre,
E a calma intensa te avivava a côr. E naus possantes n0 seu bôjo traga.
Dos bosques vinhas, onde volitando Tímida corça, que eu amava tanto,
Flores e frutos a colhêr andavas; Por que comigo teo tornaste fera?.
Flores e frutos, que do teu regaço E em devorar-me coração sangrento
Na relva em trno trêfega entornavas. Tu te aprazias, qual feroz pantera?.
Es sempre assim! – de tua primavera Por que. mas ah! de que me serve agora
Tu vais à toa despencando as flores; De tal passado renovar as penas?.
E os imaturos frutos que colheste, Não é melhor de nossas desventuras
Os lábios teus encheram de amargores. Um véu lançar sôbre as pungentes cenas?
Bosques e montes lépida corrias, Hoje contigo só desejo, amada,
Qual das cidades a elegante filha De meu passado respirar as flores;
De seu jardim as alinhadas ruas Que no futuro inguietações não faltam,
Cismando amôres descuidada trilha. E no presente me sobejam dores.
Quão luzidia te tombava a coma Com vãos queixumes perturbar não devo
Por sôbre o colo e face côr de jambo; Desta entrevista a bem-fadada hora, 36-b
Tal ser devia, porém não tão bela, Que tu, lembrando nossa antiga chama,
A linda espôsa do infeliz Cacambo. 36-a Branda quiseste conceder-me agora.
eTímida corça, que incessante vagas dos passados erros,
Do vale ao monte, da floresta ao prado, Já deslembrado
Só sinto agora quanto és meiga e linda:
Deixa, eu te peço, essa fragueira lida, Oh! nessas faces, que já foram minhas,
E nesta sombra vem pousar-me ao lado." Deixa que um beijo deposite ainda.
Assim te eu disse, e me escutando as v0zes
A linda fronte reclinar vieste Mas já procuras de teu bosque as sombras,
Em meus joelhos, e com meigo riso Em leve giro retalhando os ares;
As róseas faces a beijar me deste. Se num momento a meu chamado acodes,
Noutro me foges, sem sentir pesares.
Ah! que essas horas de fugaz ventura
De agros martírios eram precursoras; Adeus! se a sorte ou desvarios nossos
Eram quais flores nas lúbricas margens A tanto amor deram funesto fim,
De fundo abismo a vicejar traidoras. Fiel saudade dêle guarda ao menos
Láno teu êrmo, e lembra-te de mim.
Da vida enquanto te reluz a aurora
Por entre abismos a cantar vagueias; Rio, agôsto de 1864.
Ah! e quem sabe, que colheita amarga
De angústia e mágoas a sorrir semeias?!
182 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAs 183

0 céu limpo sereno


e
LEMBRANÇA O teu rosto inundava de fulgores,
E parecia que no campo ameno
A M. L. Sob teus passos rebentavam flores ;

Namorados das graças que em ti viam,


São stes os sitios? 0 mar, o
céu, a terra te sorriam.
São stes, mas eu
0 mesmo não sou. Mas ah! –por estas lúgubres paragens
(DIRCEU.) Não vejo mais agora
Nem sombra ao menos do que outrora vi;
Fui ontem visitar essa paragem,
Em que te via passear outrora.
Tudo é tristeza; –
tudo por ti chora,
Chamando em vão por ti.
Como era linda então essa paisagem
Como está triste agora! !... As ondas não vêm mais na branca areia
Longe dos olhos teus, minha querida, Beijar tuas pègadas;
Não brilha o céu, a terra não tem vida, E na praia monótonas bramindo,
Mal na fronte infantil te ressumbravam Com vOzes magoadas
Como que tua ausência estão carpindo.
Os pudibundos, virginais rubores
Da quadra em que se ama; No recôsto do outeiro solitário
Em teu semblante as rosas desbrochavam, A estância, em que plantavas os teus lares,
Como de puros matinais fulgores
Em serena manhã o céu se inflama. Em ruínas jaz ali;
E triste olhando para os longos mares
Já de entre as mais formosas a Espera em vão por ti.
Na beleza e no porte refulgias primeira
E altiva o colo erguias Não mais repete o eco destas margens
Como das selvas a gentil
palmeira, As vibrações tão puras e suaves
Que a fronte balanceia De tua voz sonora,
Por cima do arvoredo que a rodeia. Como oS alegres cantos comn que aS aves
Costumam festejar nos céus a aurora.
A vaga marulhosa
Pelas brancas areias arquejando vento pela copa das mangueiras
O

Vinha as plantas beijar-te respeitosa;


E com0 que ao seu seio te chamando, Murmura pesaroso
Por Tétis te adorava, Sentidas queixas por não ver-te aqui;
E princesa das águas te aclanava. E repetindo o nome teu saudoso
Suspira em vão por ti.
As brisas bandoleiras
Com teus cabelos lépidos Nem de tuas formosas companheiras
brincavam;
Balanceando os ramos as Vejo o festivo bando,
Meigos hinos de amor mangueiras
te sussurravam, Como outrora entre risos e folguedos
E dríade mimosa Alegres vagueando
Te saüdavam da floresta
umbrosa. Pelas sombras daqueles arvoredos.
POESIAS COMPLETAS 185
RENARDO GUINARAES

Tudo findou-se com a ausência tua !..


E eu desgraçado em triste soledade
Vai; - lá sorri-te bela a natureza
Trajada de esplendores
Dero ficar squi, Nessas campinas de sem par beleza,
os verdores,
Até que enfim ralado de saudade Onde nunca desbotam-se
o botão cresce,
Hei de morrer por ti. E num só ramo ea oum tempo
Niterói, agisto de 186i. Abre-se a flor, fruto amadurece.

"Láinda rolam trépidos ribeiros


NOSTALGIA S7 As ondas cristalinas
Por entre longas filas de coqueiros, ;
Ah! por que rindes me sorrìr agora, Que se perdem ao longe nas campinas
De meus camp0s natais doces lembranças, E as selvas com seus tetos de verdura
E nestalms. ue em rão por êles chora, Inda te ofertam sombras e frescura.
Resvirar as mortas esperanças?
Por que trazer-me à mente esmorecida
Afiragens da rentura já perdida?. Vem; -lá te aguardam sombras benfazejas
E plácidos asilos,
Ah! por que vindes pelas noites minhas, Onde teus dias volverás trangüilos
Veladas na agonia, No regaço da paz, que tanto almejas;
De sonhos rãos encher-me a fantasia, Ea lira suspirosa
Como bando de alegres avezinhas, Farás ouvir na pátria deleitosa.
Que rêm pousar cantando nos gradis
Do cárcere onde geme um infeliz? "E ao teu cantar as virgens mais formosas
Por essas longas margens desabridas, Sentirão palpitar seus corações,
E com as mãos mimosas,
Por onde o mar monótono esbraveja, De um festim entre as lêdas libações,
A minha vista adeja Bem como outrora ao velho Anacreonte,
Demandando as saudosas avenidas,
De murta e rosa hão de cingir-te a fronte.
Que além os horizontes
rumo indicam de meus pátrios montes.
0

"E quando alfim da morte a mão gelada


A nuvenm que desponta aurirrosada Estender sôbre o leito funerário
Por trás daquela erguida serrania, Teu frio corpo, vítima do nada,
Ea viração macia, Hão de seguir-te ao campo mortuario
Que de lá vem de aromas saturada, Gemidos de saudade,
A vaga que com brando rumorejo E lágrimas sinceras de amizae.
Na branca praia deposita um beijo;
São mensageiros que de lá me envia Ama a pomba a floresta em que vagueia,
0 meu país amado; E em que fabrica o ninho;
São vozes que à porfia E sem perder de vistas a colmeia
Me dizem com acento entrecortado: A abelha colhe no vergel vizinho
Volta aos teus montes, volta aos lares teus, No âmago das flores
Eà terra estranha dize eterno adeus. suco necessário a seus labôres.
O
186 BERNARDO GUIMAREs POESLAS COMPLETAS 187

A
águia, que com vôos alterosos Meu nome encontrarei quase esquecido
tempo e da distância,
Perlustra tda a esfera, Pela fôrça do
em que hei nascido:
Volta constante aos pín caros rugosos, E quase estranho à terra
Onde entre os filhos o repousO a espera; Os amigos fiéis de minha infância
E nem mesmo a feroZ suçuapara Mortos uns acharei, outros dispersos
e
De seu covil os antros desampara. Por países longínquos diversos.

"Sòmente homem, qual se sôbre o dorso


o E lá me ocorrerão agras lembranças
Com aguilhão constante o perseguira Do tempo em que cansei meu pensamento
A fúria do remorso, Com sonhos vãos, com vagas esperanças,
De país em país inquieto gira,
Transpõe os mares, sotopõe os montes,
E acha estreitos da terra os horizontes !
0 lar paterno, -
E saudarei com triste desalento
ninho abandonado,
Talvez de estranhos donos habitado.

"Oh! deixa de correr terras e mares, Irei verter em muita sepultura


De dor e de saudade estéril pranto,
Suspende enfim teus vagabundos passos,
E lastimando tanta desventura
E vem passar à sombra de teus lares Da lira exalarei funére0 canto,
Ésses, que inda terás, dias escassos. Téque também por entre sses destroços
Sim! volta aos campos teus,
Um lugar acharão meus frios OSSOs.
Eà terra estranha dize eterno adeus,"
Sim! tudo isso é verdade! mas que importa!
E estas tristes vOzes dentro d'alma Dentro em meu coração mais alto clama
Vêm ecoar-me em minha soledade, A voZ que me ressoa a tôda hora,
E sem ao pensamento dar-me calma E ao meu país me chama,
Me fazem mais sentir cruel distância, Mais terna que a da rôla, que à tardinha
E avivam-me a saudade Chamando o espôso ao ninho se encaminha.
Do formoso país de minha infância.
Campos de mimha infância, oh! quem me dera
Mas, que me importa agora em que paragens Ir descansar de meus tristes errores
Consumirei o resto de meus dias, Em voSso seio, embora a primavera
E qual será a lajem Não junque mais de flores
Que teráde guardar-me as cinzas frias, De minha vida as sendas desoladas,
Se a vida e a morte é tudo um breve sonho Hoje só de ruínas povoadas.
.
Que se apaga no túmulo medonho ?.
Oh! quem me dera respirar os ares
Que irei fazer no declinar dos anos
De minhas solidões,
Nessas plagas saudosas que hei deixado?. .. E ao suave rumor de seus palmares
Irei do tempo contemplar os danos, Mesclar minhas canções,
E chorar sôbre as ruínmas de um passado Embora lá depare só lembranças
Que nunca, ah! nunca mais há de De minhas malogradas esperanças.
Pelo sombrio céu de meu porvir. luzir
188 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 189
Brisas do mar, transponde as altas serras,
Ide adejar no meu país amado, Não extinguir-me a seiva da existência;
E recordando amôres que fruí,
Ea essas longes terras, Por êstes sítios sempre entre suspiros
De que hoje me separa um cruel fado, Lembrar-me-ei de ti.
Levai nestas endeixas 27-b
Minhas saudades, minhas tristes queixas. De noite no aposento solitáro
Rio de Janeiro, 1864. Cismando a sós, verei a tua imagem
Aparecer-me pálida e saudosa
Dos sonhos na miragem;
E então chorando o anjo que perdi,
SAUDADE Meu leito banharei de ardente pranto
Chamando em vão por ti.
Anima plus vivit ubi amat, Quando a manhã formosa alvorecendo
ubi animat.
De seus fulgores inundar o espaço,
(S. FRANCISC0 DE AsSIS.) Demandarei saudoso
Vem, ó saudade, toma-me em teu carro, ÉSse lugar em que no extremo abraço
Teu lindo corpo ao peito meu cingi;
Em teu regaço leva-me dormindo, E dêste vale os ecos acordando
Entre fagueiros sonhos embalado Perguntarei por ti.
Por êsse espaço infindo.
Leva-me além daquele erguido monte, Quando por trás daqueles arvoredos
Que lá campeia quase que sumido 0 sol sumir-se, vagarei sòzinho
Nas brumas do horizonte. Por essas sombras, onde outrora juntos
Nos sentamos à borda do caninho;
Leva-me além; oh! muito alén ainda; E às auras que suspiram por ali,
Do eterno plaino largo campo fende; Inda teu doce nome murmurando,
E entre escalvadas serranias broncas Hei de falar de ti.
carro teu suspende.
O

Além, onde sonora a fonte golfa


Aínas abas de sombrio morro À Sombra de um vergel sempre viçoso,
Abate o vo, e deixa-me nos braços Que sbre nós mil flores entornava,
Daquela por quem morro.
Irei beijar a relva em que ditoso
Rio de Janeiro, 1858. Sôbre teu seio a fronte adormeci,
E com a clara linfa que murmura,
Suspirarei por ti.
LEMBRAR-ME-EI DE TI E quando enfim secar-se a última lágrima
Nos olhos meus em triste desalento,
Bem como a lira, em que gemendo estala
Ahora e siempre. A extrema corda comn dorido acento,
No sítio em que a primeira vez te vi,
Lembrar-me-ei de ti, e eternamente Exalando um suspiro, de saudades
Hei de chorar tua fatal ausência, Hei de morrer por ti.
Enquanto atroz saudade Araæá, 1856.

14
190
BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 191

A MEUS PRIMEIROS CABELOS BRANOOS Mesmo a serpente, bicho excomungado,


Por mais que seja idosa,
Largando a casca, veste-se de nov0
Ehcu! fugaces. .. labuntur De pele mais lustrosa.
anni..
....nCc pietas moram.
Dat rgis e
instanti senectac!
Porém na fronte êstes cabelos brancos
(HORÁCIo.) Aqui me ficarão,
Triste de mim!.. são elas que despontam, E por mais que os arranque, inda teimosos
Mais brancos nascerão.
As tristes, murchas cãs;
Como neves que espalham-se no monte
Em pálidas manhãs. Uns têm cabelos negros, outros louros,
Muitos castanhos, e outros amarelos;
São elas, sim! que vm anunciar-me E outros menos belos,
a
Que minha mocidade Alguns vermelhos são, poucos cinzentos;
0 derradeiro adeus me está dizendo Muitos são côn de fogo e côr de terra;
Por tôda a eternidade. Também verdes os há, e pardacentos.
Enfim na côr das barbas e cabelos
Adeus, portanto, ó quadra dos amôres, A natureza tem muitos modelos.
Dos brincos, das folias;
Eu te saúdo, cá de outro hemisfério Só tu, ó triste idade, que da vida
Nas regiões sombrias. Vais-te agarrando aos últimos barrancos,
Só tu constantemente te distingues
Não devo mais amar, e quem não ama Por teus cabelos brancos,
Não pode mais cantar; Que ao longe te assinalam, ó velhice,
E pois a lira rouca e desmontada Quando não te revelas na calvice. 38-a
Num canto irei guardar.
Por que também não nascem-nos cabelos
Agora apenas, de culos nas ventas, Co'a linda côr da prata,
Em tôsco rabecão, E sòmente bramqueja-nos a fronte
Poderei desferir algumas notas Quando nos toca a mão da idade ingrata?...
Em tom de cantochão. E não podia a gente envelhecer
Sem que a cabeça o desse a conhecer
0 sabiá as velhas penas larga ?...
Do bosque entre a ramagem
E vem depois alardear cantando Pudesses tu ressuscitar agora,
Mais nítida plumagem. Ditosa idade, século famoso,
Que do Grande Luís possuis ufano
Se o velho tronco as fôlhas ressequidas O nome glorioso!
Entorna pelo chão, Tempo feliz de eterna juventude,
Logo se arreia de folhagem nova Em que ninguém jamais envelhecia,
Na florida estação. E em que por um sublime e nobre invento
O
polvilho as idades confundia.
199 BERNARDO GUIMARÄES
POESIAS COMPLETAS 193
Tempo feliz de eterna juventude!...
Mas ah! que infelizmente, É branco o cisne, que em sereno lago
Por mais que em vãos esforços se afadigue Garboso colo estende,
A moda inconseqüente, E que cortando as águas mansamente
Com tôda a garridice A doce voz desprende.
Cabelos brancos pode dar aos moços,
Porém não tra as rugas à velhice. Nas faces tendes, nos pudicos seios
Alvura de alabastro,
E num lago de leite o olhar ardente
Vos brilha como um astro.
Mas vós, 6 belas, não deveis ter mêdo
Das cãs que me despontam; Também é branca a pérola custosa,
São letras brancas que de meus pesares Tesouro do oceano,
A negra história contam. Que no colo e nas tranças vos derrama
Realce soberano.
Eu não sou velho, não; acreditai-me;
Não são da idade os gelos, É branca a lua solitária e meiga,
Que agora, sem que eu mesmo os esperasse, Que no zenith se apruma; 25-a
Brangueiam-me os cabelos. E da beleza a deusa fulgurante
Nasceu da branca espuma.
Sim, sois vós mesmnas que de meus cabelos
Fazeis mudar a côr, Se pois é branco tudo que no mundo
Vós, que nunca quisestes bafejá-los Vos enfeitiça mais,
De um hálito de amor. Por que detestareis nos meus cabelos
A côr que tanto amais?
Fizestes-me ferver fatal delírio
Na fronte abraseada, Mas se de todo as cãs não vos aprazem,
E agora tendes convertida a chama Com vOssas mãos mimosas
Em cinza esbranquiçada. Vinde ocultá-las com viçosa c'roa
De madressilva e rosas.
Não são os anos, são as desventuras,
Decepções, trabalhos, Vinde vós mesmas reparar fagueiras
Angústias, penas, que meus fios negros O estrago que fizestes;
Assim tornam grisalhos. E com sorrisos acordai-me n'alma
Inspirações celestes.
Mas vêde bem!... que sob as mortas cinzas
o
Existe inda vulcão; Vertei-me em tôrno arábicos perfumes,
E da lava, que dorme comprimida, Trazei-me a taça e a lira,
mais forte a explosã0.
É
E escutai as canções que às vossas plantas
Meu coração suspira.
Não tenhais mdo: –
é branca essa grinalda
De flor de laranjeiras, Celebrarei vossos formosos olhos,
Pela qual suspirais noites e dias, Vossos cabelos d'ouro,
Quando inda sois solteiras. E os nmeus já brancos com gentis afagos
Coroareis de louro.
RERNARINO GUMARÄKS IOISIAS COMPLCTAS 196

Aesim quando os amôres descantava São follhas sêcas, ridas, tristonhas,


O vello Anacreonte, Quo por todos oS cantos mo farfalham,
\Vinham as moças com suaves beijos Como baratas chocalhando ns nsas
Desenrugar-lhe a tronte. Cntre ns fondas do velho pardieiro.
Ne de Joneinn, wocendo de ISEI. Dizem no cntanto os homens entendidos
Que esSAs tristes fôlhns são as asas
Com que voa o progresSO pelo mundo.
Vivo portanto aqui imóvel, quêcdo,
CENAS DO SERTO Como droga, embrulhado em panpelada.
Vai pois a pobre musa, e vai sòzinha
Fragmentos de uma epistola dirigida Por essas feias matas, sem ter mêdo
& um smigo da povincia de Goiås De onças, sucuris ou jararacas,
No teu fundo retiro procurar-te.
Não vai c'ronda de apolíneo louro,
Nem cinge aos pés o clússico coturno,
CAÇADA DE VEADOS E nem tão pouco empunha ebúrnen lira
COMBATE DE TOUROS De cordas de ouro e ornada de guirlandas.
Vai, coitadinha! de chapéu de palha,
Nessas remotas solidões que habitas, De xale sobraçado; os pés lhe amparam
Entre essas broncas, vìrginais florestas, Sandálias de romeira, aos ombros leva
Onde se ouve o rugir das catartas, Um velho violão, e nos cabelos
Que em catadupas furiosas roncanm, Singelas flores, que apanhou no campo.
Ou da tormenta o sôpro impetuoso,
Que a grenha açouta aos seculares troncos,
Ou do selvagem caçador a grita,
Que as matilhas açula atrás da onça,
Do mateiro veloz, da anta membruda, E tu, a quem a pródiga natura
Nesses ermos saudosos, que contigo Criou para cantar as maravilhas
Tantas vêzes, amigo, hei percorrido, Dêsse torrão feliz em que nasceste,
Vai hoje visitar-te a minha musa. A quem o sol esplêndido dos trópicos
N'alma ateou da inspiração a chama,
Que fazes nesses teus ignotOS ermOs,
Vai ela só. pena que eu não possa
É
Que o sonorosO canto não desprendes
No aprazível passeio acompanhá-la; Celebrando os encantos e as riquezas
Eu de bom grado aos ermos a seguira. Que a mãe de Deus com profusão
Mas não sei que destino aqui me prende Nesses donosos páramos infindos?. criara
Entre um montão de lúgubres papéis, Do lar paterno nos umbrais sentado
Que como enxame de importunas vespas Contemplas mudo os vastos horizontes,
Em tôrno me esvoaçam de contínuo, As cenas grandiosas, os prodígios,
Fôlhas chamadas, não as verdes fôlhas, Que em trno a natureza te desdobra,
Que a fronte adornam das viçosas selvas, As estranhas usanças, os costumes
E vertendo ao cansado viandante Semi-selvagens dêsse povo inculto,
Com brando rumorejo alma Que vagueia nas ribas nemorosas
frescura
Dão vida ao coração, repouso mente.
à Do Parnaíba undoso e turbulento,
RERNARDO GUINMAREs
POESIAS COMPLETAS 197
E de tua alma nemn um eco escap,
Nem um só canto casas aos rumores Os ardentes arquejos exalando
De teus palmares, ao murmúrio eterno, Os fumegantes flancos lhe o latejam.
Com que te embalam selvas scculares ? Porém julgando já longe pouco perigo
Estafado e arquejante um o pára,
Eia, amigo, desprende a lira tua Por um momento inquieto ouvido-
aplica
Do ramo em que ociosa balanceia A consultar os ecos da floresta;
-
Das solidões, ao vento reboando, Mas ai! inda não longe lhe resSoam
Os contínuos latidos da matilha,
E canta-nos da terra, em que nasceste,
O puro céu de nurens esmaltado, Que encarniçada lhe não deixa a pista.
Que em graciosos flocos se enovelam Escuta ainda; além murmura o rio,
De cambiantes côres irisadas; Que o largo veio manso desdobrando
Os cristalinos córregos saltando A salvação e a vida lhe oferecem,
Pelo vargedo entre floridas moutas, Que as selvas suas amparar não podem.
Dos campos seus o eterno e vivo esmalte,
As selvas majestosas, as torrentes,
Que nas profundas furnas despenhadas Nas águas ofegante se arremessa
0
leito cavam por penedos broncos, E afouto fende as ondas alterosas
Os ondulosos plainos de verdura, Em demanda da oposta ribanceira.
Onde dispersas vagam as manadas Pobre animal! já na sabida espera
De truculentos bois, nédias novilhas, Em ligeira canoa bordejando
De variadas côres marchetando O
caçador o aguarda apercebido.
A viçosa esmeralda das campinas. Não troa um tiro, que a veloz piroga
Por vigorosos braços impelida
Conta-nos como o caçador valente Nas águas resvalando corre ao encalce
No fragueiro exercício endurecido Da fatigada vítima indefesa,
Lança no mato as trelas adestradas Que pelos galhos súbito agarrada
Dos raivosos lebréus impacientes, Por mãos possantes, sente nas entranhas
Que de um salto se atiram pelas brenhas, Buído ferro penetrar rangendo,
Latindo, uivando, a demandar a pista E da existência as fontes lacerar-lhe.
Da descuidada vítima inocente. Num extremo balido o alent0 exala,
Ergue as orelhas o veloz mateiro, D com seu quente sangue tnge as águas,
Que na oculta guarida estremecendo Onde imprudente a salvação buscava.
Escuta ao longe o rábido alarido
De seus infatigáveis inimigos.
Veloz como o tufão, ei-lo que aos saltos
Rompe do bosque a emaranhada grenha,
Furnas transpõe, valados e tranqueiras
De tombados madeiros ;
- comno a
Que cada vez mais alto salta e voa,
A pulos vence os alcantis agudos,
péla,
Tranqüilo pasce o touro corpulento,
Galga barrancos, sotopõe fraguedos,
Das manadas senhor, a relva tenra
Dos verdes chapadões. Sultão temido,
Até que de fadiga extenuado Em meio do cornígero serralho
Pelas narinas, pela aberta bôca Ninguém Ihe turba a paz, nem contrasta
198 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 199

poderio que de há largos anos


O

as passadas.
Ao longe estende nas planícies vastas. Que suspeitoso espreita-lhe
Em mil combates já vitorioso Já na beleza e no vigor crescendo
Para longe espancou rivais temíreis, 0 galhardo novilho se arriscava,
Que em campo aberto disputar-Ihe ousaram Se bem que a mêdo, a acompahar nos bosques,
De sua nédia grei a posse e o mando. Amorosos mugidos exalando,
Do rebanho as novilhas mais formOsas.
Porém um dia, como o velho chefe Bem o pressente o ciumento velho,consente
Os flancos molemente reclinando Que emn partilhar de modo algum
Com mais ninguém delícias de
um serralho,
Em mimoso capìm junto da fonte, seus cornos.
Trangüilamente ruminando as ervas Que conquistou co'a ponta de
Ao sol de manhã pura se aquecia Ardendo em zelos, de furor raivando,
A contemplar a numerosa tribo, Corre a punir o temerário amante,
Que em tôrno vaga, Que ousa a seus olhos requestar-Ihe as
vacas.
súbito uns bramidos
Longínquos aos ouridos descuidosos Quer êste resistir; mas inda noVo,
Vêm ressoar-Ihe. Por alguns instantes Inda não traquejado nas pelejas,
Atento escuta ; aps lesto se erguendo, Dos campos seus natais afugentado,
E sacudindo Os retorcidos cornos, Espancado e ferido, foi ao longe
Ergue a cabeça, e com torvados olhos Chorar no seio das profundas brenhas
Percorre ao largo os chapadões imensos. Seu infortúnio e meditar vingamça.
Longo tempo vagou pelas florestas
hora de combate.
É
Muito ao longe Errante, sem rebanho e sem amôres,
Todo envolvido em turbilhões de terra, Com bramidos de dor e desespêro
Que com as unhas, com as rijas pontas Das solidões amedrontando os ecos.
Cava no chão, e arroja pelos ares, Nos rijos troncos, nos cupins anosos
Campeia o inimigo, e denodado Exerce e aguça as formidáveis pontas,
Avançando e rugindo, pouco e pouco E nos alheios campos penetrando
Do rival temeroso se avizinha. Os cornos cruza em luta encarniçada
De seu acampamento o velho chefe Dos arredores com os mais fortes chefes ;
Não se arreda ; porém calado e quêdo A uns soterra, e para longe exila
Por um momento o seu rival escuta, Dos campos seus vencidos e humilhados ; 39-a
E quase acreditar inda não pode, A outros rasga as tépidas entranhas;
Que haja em tôrno atrevido aventureiro Outros nos tremedais deixa atolados,
Que se abalance a disputar-Ihe a posse Ou precipita em boqueirões profundos,
Dos campos seus, de seu gentil rebanho. Aonde encontram morte e sepultura.
Ei-lo já lidador robusto e fero,
ÉSse inimigo audaz, que o procurava, De troféus e vitórias carregado,
E a combate o chamava em campo aberto, Terror e assombro em tôrno derramando,
Era um touro novel, guapo novilho, Para vingar não esquecida afronta
Que nascera e cresceu no
mesm0 camp0,
Nas campinas natais ufano surge.
E inda há pouco do chefe entre a manada
Pascia os mesmos prados, e bebia Assim César, a quem de Roma arreda
Da mesma fonte. Mas sua presença De ambiciosos êmulos a inveja,
Já inquietava ao carrancudo déspota, Depois que longo tempo confinado
Nas Gálias, entre aspérrimos trabalhos
POESIAS COMPLETAS 201
200 BERNARDO GUIMARES

Cem batalhas venceu, domou cem povos, Medonha orquestra formam, que de susto
À Itália volta, o Rubicon transpõe, Mesmo as panteras recuar fariam.
O orgulhoso Pompeu enxota e vence, Consternado o rebanho em tôrno corre,
E toma posse da cidade eterma. Lastimosos bramidos exalando,
E como que Com rogos vãoS procura
O novel lidador avança intrépido, Dos combatentes acalmar a sanha.
Rasgando a terra, os troncos escarchando
Co'as pontas furibundas, e de estragos O dia inteiro, com bem curtas tréguas
Só para retomar um pouco
o alento
Ao largo alastra os sítios em que passa. se
Sem do campo arredar-se o chefe o aguarda Na renhida peleja sustentam
Junto a um velho cupim, que impaciente Sem as buídas aspas descruzarem.
Qual se fôsse o inimigo ataca e rompe, Para esgotar de seu contrário as fôrças,
E em mil pedaços pelos ares lança, O novel campeão manhoso e arteiro
Ou com as unhas cara fundo a terra, Deixa impelir-se, e cede cauteloso
Como quem ao rival, que dá por morto, De seu rival aos empurrões tremendos,
De antemão vai abrindo a sepultura. Que o leva de rondão pelas campinas,
A terra treme aos urTOs furbundos Num brejo o atola, o esbarra pelos troncos,
Dos ferozes, cornígeros atletas, E da vitória já quase seguro
Que com solene lentidão sinistra De um golpe extremo decidir intenta
Pouco a pouco bramindo se aproximam. A porfiosa, tétrica peleja;
Chegados frente a frente quedos param Recua um pouco destravando os cornos,
Quase sem respirar, e fito a fito, E as pontas abaixando se arremessa
Mudos, torvados, de revés se encaram. Ao ventre do inimigo; mas debalde
De horTOr transida a grei muda contempla No desigual terreno em que lutavam
ÉSse solene e pavoroso instante, Por barranceiras ambos se despenham,
Em que os dous ferozes contendores E a travar-se de novo se levantam.
Parece que um ao outro se devoram
Com tôrvo olhar sanguíneo. Já desce a noite, e as sombras, que descaem,
Estão pedindo ou tréguas ou vitória.
Mas de chôfre O novel lidador reúne as fôrças,
Cruzanm-se os cornos com fracasso horrendo, Que até então de indústria sopeara,
Que pelas brenhas muito ao longe troa. E com vigor insólito esbarrando
Está travada a luta; o chão retreme 0 estafado rival de encontro o leva
Ao tropear das truculentas patas; A um rijo tronco, e enovelado o tomba.
As gramas das campinas arrancadas caído porém presto levanta-se
O

No revôlto brigar aos ares voam, E de novo o combate recomeça.


E em breve o campo ao largo se Mas ai! que já suster não pode os ímpetos
converte Com que o atropela seu rival possante.
Em terra nua e slta, qual se
enxada
Alipassasse revolvendo o solo. Eis que de novo aos recuões levado
0 rouco
som dos cornos, que Se perde, se embaraça, e ressupino
abalr0am, Aos pés do vencedor de novO rola.
0 estrugido dos cascos, que retumbam
Do solo as profundezas Do irado vencedor as córneas pontas
abalando,
E êsses surdos gemidos, que se exalam Ei-lo já sente a retalhar-lhe as carnes;
Da luta ardente no arquejar
raivoso,
Então soltando um lúgubre bramido
202 BERNARDO GUIMARES

A cust0 se ergue, e rápida carreira


Fugindo estende pelos campos vastos.
O vencedor porém vai-lhe no encalce,
E por espaço largo o segue e punge
Até transpor as últimas colinas,
E longe o exila dêsses campos, onde
Inda há pouco no meio de manadas
Seu poderio alardeava ufano. A BAÍA DE BOTAFOGO
Ai do vencido! pelas fundas brenhas
A mugir e a chorar ei-lo se entranha
Lascando troncos, escarvando a terra,
Como se espedaçar tentasse as armas,
Que não lhe podem mais dar a vitória.

0 tempo enfim vem acalmar-lhe a fúria,


E o pobre do animal, tornado eunuco,
De combates e amôres esquecido,
Tranqüilamente pasce entre as manadas,
E do bom lavrador jungido ao carro
Mais ùtilmente sua fôrça emprega,
Até que um dia para sempre larga
Nas mãos do carniceiro 0 cour0 e a carne.

Se lhes mudais os nomes, caro amigo,


Quer já bovinos, quer humanos sejam,
É esta sempre a história dos serralhos.
Rio de Janeiro, 1864.
A BAÍA DE BOTAF0GO
CANTO ŠPICO

Gôlfo sereno que no teu regaço serros,


A fronte espelhas de escalvados
E soluçando pelas curvas praias
Límpidas ondas preguiçoso estiras;
Vales sombrios de perene esmalte,
Que em caprichosos giros coleando
Vos escondeis nas dobras da montanha
Entre muralhas de empinadas rochas;
Lindas encostas, cômoros viçosos,
e
Que o rico manto de verdura flores
Alardeais à luz de um céu formoso;
Negros penhascos, arrojados píncaros,
Que mergulhais as enrugadas frontes
De luz dourada em vislumbrante pego;
Dizei, não éreis vós mansão queridaa
Do gênio, que Deus pôs guardando entrada
Das vastas solidões americanas?
Não era aqui seu templo?... êstes penedos
Que se perdem no azul do firmamento,
Quais os braços da terra, que estendidos
Como em solene prece a Deus se exalçam,
Não eram os altares sacrossanto
Sôbre os quais a opulenta natureza,
Que o seio anima ao trópico fecundo,
Aos céus erguia as oblações da terra?
E êsses vales profundos, essas grutas,
Onde revoam místicas aragens,
De brando aroma saturando oS ares,
Os venerandos penetrais não
eram,
Onde em santo mistério resguardados
Do futuro os arcanOS se econdiam?
206 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 207
Por sbre vós os séculos passaram,
E um dia o nauta audaz transpondo Os mares, As do progresso luminosas
sendas.
ca o inerte gênio
Do inculto Éden veio bater às portas, Da bron barbaria o vo
E devassar recônditos mistérios Sôbre as montanhas exalçando
Que em vosso seio os fados ocultavam. Pesaroso bateu as fuscas asas.
Quebrou-se a paz das solidões profundas,
Eo silêncio que há séculos pousava III
Sôbre êstes lindos, ignorados ermos.
Ó
colinas, 6 veigas perfumadas,
Deleitosos vergéis, jardins de fadas,
Em quanta linda cismadora fronte
Que em vaporosos devaneios perde-se
De vago amor e de emoções sem causa,
Não derramais a sombra benfazeja!
II Que segredos, que meigas confidências
e gentis, Não recatais co'a trêmula folhagem!
Estas viçosas colinas Que virginais e cândidos anelos,
Aos golpes do machado um dia viram Quanto cismar de túmida esperança,
Tombar-lhe aos pés a secular madeixa A frouxa luz da tarde, que esmorece,
De selvas seculares, que oscilavam Ou de brando luar ao clarão pálido,
A sussurrar-lhes nos sombrios topes; Não embalais com vagos rumorejos !
E gemeram os ásperos fraguedos
AtônitOS ouvindo em Suas bases
Retinindo a alavanca e a picareta Sim, é aqui pelas discretas sombras
A lacerar-lhe os flancos de granito, Destas silenciosas alamêdas,
E aos sons estranhos nas profundas grutas Que fatigada dos saraus brilhantes,
Em sobressalto os ecos acordavam. E do febril turbilhonar das festas,
Eis já da indústria o espírito fecundo Vem a beleza em horas de remanso,
Da natureza inculta se apodera, A conversar co'as flores, co'as aragens,
Ea branca pedra e os lenhos da montanha
No incessante lidar vai transformando
Para acalmar dos seios ofegantes
0 mui ansioso arfar, e entre suspiros,
Em risonhos casais, jardins formosos, Que os róseos lábios leves lhe desfloram,
Que entre folhudas moutas de esmeralda, Dar livremente às virações da tarde
Entre festões floridos e latadas, As fugitivas emoções do baile.
Alvejam na colina, ou se derramam E quem sabe?. por vêzes menos lêda
Nos sinuosos vales, semelhando Talvez pensar de amor fundas feridas
Níveos cisnes, que em bando se recreiam Que o coração teimosas lhe devoram.
De quieto lago nas ervosas margens;
Do futuro os arcanos se desvendam
À luz que vemn das regiões da aurora;
D qualé o
infortúnio que não acha
Rasgam-se os véus que em carregadas trevas Um bálsamo eficaz neste ambiente,
Do novO mundo os fados escondiam, Pejado de perfumes, nestes quadros
E às novas gerações o anjo das artes Donosos, que sorrindo ao longe e ao perto,
Vai pelos campos do porvir traçando alegria, aos prazeres vos convidam ;
E que parece estarem de seu seio
208 DERNARDO GUIMARFS POESIAS COMPLETAS 209

A respirar eflúvias de ventura! veigas;


Quem nestas puras brisas, que bafejam
Plantar virias nestas lindas
mais viva
Aqui ao sol dos trópicos
mbar e rosas no macio adejo, a
Cm teus altares arderia chama;
Pressuroso não bebe a longos tragos nestes vales, onde a flor não murcha,
Suave olvido às mais pungentes mágoas? E empalidecem,
E os verdores jamais
Mais grato asilo, mais propícias sombras
A teus doces mistérios encontraras.
IV
Vêde quando o sol se ergue sôbre as vagas Porém que digo? acaso em cada gruta,
Em cada asilo dêsses, que se escondem
Nestas manhs de abril, como são lindos Cntre enleadas rêdes de verdura,
Esses céus, essas águas, vales, montes, Entre êsses brandos ninhos de esmeralda,
Bosques, jardins, palácios e choupanas Que pendem pelo viso dos outeiros,
Que ao longe e ao perto em maga perspectiva, Não tens um templo, em que piedoso aceitas
Em painéis variados se desdobram. Constantes oblações, votos ardentes?
Do fundo da valada se desprendem Dêsses vergéis nos áditos umbrosos
Brancas névoas, que pela azul esfera Mais de uma Vênus tem aras e templo,
A brisa carda em lúcidos vapôres. Onde entre aromas e festivos hinos
Em mago enlêvO sem cessar recebem
Fiéis adorações, férvidos cultos.
Além num céu, por onde desdobrado
Um véu sutil de brumas transparentes
Os mui vivos fulgores esmorece,
VI
As colossais figuras se desenham
Dos altaneiros píncaros, perdidos
No vago azul, pilastras de granito Por êsses troncos vagas hamadríadas
Recatam seus encantos; essas fontes
A sustentar a abóbada luzente
De ouro e safira. - Tu dirias antes
Caprichoso painel, que sôbre a tela
No seio abrigam náiades mimosas,
Que sem temer os atrevidos faunos
Os torneados membros de alabastro
Arrojado pincel fantasiara; Trangüilas banham no cristal brilhante.
Ou encantado Elísio que das ondas,
Das fadas o condão maravilhoso
Vos fêz surgir aos olhos vislumbrados. Se o triste Acteu aqui surpreendesse 40-o
Diana a se banhar na clara fonte,
Não fôra transformado em feio lôbo,
Nem pelos cães famintos devorado;
Mas primeiro de amres morreria.
óamor, se
ainda hoje perdurassem Não émister aqui que o belo Adônis
Essas mimosas crenças, com que outrora De suas rtas veias verta o sangue
Se embalava a risonha fantasia Para dar cr às pudibundas rosas.
Por êstes vales Eco só repete
Ao engenhoso habitador da Grécia,
Idálias selvas, Amatunta e Pafos, Festivos sons, sem nos lembrar a história
Com tua gentil mãe desertarias, De seu nefastO amor; e nunca mesmo,
E as aras tuas, teus risonhos cultos Ao mirar-se no espelho destas
fontes,
210 IOESIAS COMPLETAN 211
RERNARDO GVINARES

Os Narcisos em flores se convertem,


Por mnais que de si mesmos se namorem. VIII
Pode Lêda vagar por essas praias
Sem recear os disfarçados cisnes; roca inaccssívcl
Na cristn dessn
quem confiara
0 Querubim,Américn osDeus
Nem os touros aqui por mar em fora a
Soem levar as descuidadas nimfas. Da juvenil destinos,
Se entronizava, há séculos, guardando
Essas risonhas plagas opulentas,
Nestas fecundas, venturosas plagas, Que um dia os fados franquear deviam
Não têm domínio vingativos numes, Do orbe antigo a0s cultos habitantes.
Nem malfazejas fadas nelas reinam; Ali serenas vistas derramando
Aqui sòmente a próvida natura Pela cerúlea imensidão dos mares,
Das engenhosas artes ajudada, volve
Esperançoso olhar contínuo emana;
E sem auxilio de sonhados numes, Para o oriente, donde a luz
Prodígios gera, como a Grécia nunca Não como outrora arcanjo inexorável
o
Em seus mais belos sonhos fabulara. Com espada de fogo, colocado
Do Paraíso à porta, onde iracundo
Aos miserandos pais da humanidade
VII Dos perdidos jardins vedava a entrada:
Mas ansioso aguardando o fausto dia,
Vêde agquêle rochedo, que isolado Dm que aprouvesse à Eterna Providência
Com temeroso vulto se levanta De pa em par abrir as portas de ouro
Por sôbre as águas; atalaia eterna, De um novo Éden, que a sorte mitigasse
Que nos céus embebendo a fronte imóvèl De Eva infeliz à deserdada prole.
Ampara as terras e vigia os mares.. Enfim lá surge um dia, em que nas orlas
Ei-lo campeia, qual o negro eunuco, Extremas do oriente vê singrando
Ali postado, taciturno e quêdo, Como galhos de arbustos enfezados
De harém vedado defendendo a entrada. Medrando a custo em páramos de areia
Junto a seus pés as ondas marulhosas No equóreo plaino os suspirados mastros,
Com medonhos bramidos rebentando Que vêm ao continente americano
Na rocha nua, as bases Ihe debruam Novos homens trazer, destinos novos.
De um cinto de alva espuma. Tal diríeis
Então sorriu-se o
De brancos ursos apinhados bandos, Querubim formoso,
Que atropelados pelas praias correm, E de celeste júbilo banhadas
Qual se feroz matilha os perseguira. As faces lhe resplendem; –
crava os olhos
De inefável fulgor no firmamento,
Para galgar as íngremes encostas,
Em furiosos saltos se arremessam E êste hosana de amor aos céus exalça:
Pela empinada, rija penedia!
Em vão forcejam... pela rocha lisa
As impotentes garras escorregam; IX
E de novo rosnando se despenham
A sumir-se no pego, que os devora, Salve, dia feliz, que no oriente
E de n0v0 os vomita a prosseguirem Entre formosas galas despontando,
No eterno assalto contra a rocha imóvel. De uma era nova as portas vens abrindo!
212 BERNARDO GUIMARAES POESIAS COMPLETAS 218

Salve, ditosos nautas, brancas velas, ao descair da tarde,


Co'a enxada ao ombro,
Que das remotas regiões da aurora, o sossegado abrigo,
No mar traçando glorioso esteiro,
Busca do alvergue a roca,
Vindes quebrar a secular barreira Onde entre os fillhos meneando
o espera.
A fiel companheira à porta
Que em vosso malo espírito das trevas 40-c
Não mais abrigarão estas florestas
Entre os dous hemisférios levantava! Co'as sussurrantes, perfumadas sombras,
Sêde bem-vindos nestas êrmas praias
Fadadas a mais plácidos misteres,
Da América formosa, que nesthora Ritos de sangue e bárbaras usanças;
Agita de prazer o escuro manto E leis mais brandas, nais humano culto
De intonsas selvas, que lhe veste os ombros,
Aqui bafejarão os áureos berços
E pressurosa já os mil tesouros De novas gerações, a quem os fados
Do fecundo regaço vos oferta. No regaço da paz e da abundância
Grandioso porvir hão preparado."
Já do seio da esconsa eternidade
Nova série de séculos dourados
Vejo surgirem!... Novos horizontes X
Cheios de luz pelo porvir resplendem !.
Já desparece a bárbara rudeza Calou-se um pouco o espírito celeste,
Dos primitivos íncolas das selvas,
Qual se uma nuvem lhe roubasse aos olhos
E à luz imensa que da aurora surge 0 brilhante painel, que nesse instante
Da ignorância as sombras se esvaecem 0 transportava em divinais arroubos.
Os torpes manitós, fuscos vampiros, Cruza os braços no peito, e após instantes,
Das trevas filhos, de tropel desertam Um suspiro exalando, assim prossegue:
As lobregas cavernas, onde há pouco 40
Hediondas of'rendas recebiam;
Eo torvado pajé, hirto de espanto, XI
No imundo altar, onde fumega o sangue,
V a chama apagar-se, e pelas brenhas "Mas ah! que véu fatídico e sinistro
Agoureiras, espíritos escuta Me enturva os
Sinistros vaticínios ululando!. olhos!... Lutuosas sombras
Dos maracás o ríspido arruído,
Pairam pelo horizonte, que inda há pouco
Se me antolhava límpido e sereno !...
Os rudes sons de dissonante inúbia,
De luta e sangue séculos ainda
As orgias de sangue, os alaridos Sôbre estas regies têm de volver-se,
De fer0zes pocemas entoadas Téque se cumpra a ûltima palavra
Entre ranger de dentes, entre pragas, Dos desígnios do Eterno, e abra-se esplêndido
Entre o estourar de crânios, que rebentam Ésse porvir de luz e de venturas,
Aos golpes do terrível tangapema,
Vão ser trocados pelos doces quebros
Do qual hoje
desponta o albor primeiro
Do passarinho, que saúda a aurora, Na infinita cadeia das idades!
Pelo sonoro ciciar da brisa Por largo tempo ainda o anjo das artes
Que dos canaviais açouta a coma, Gastará seus cinzéis na rude crosta
Ou do milho os pendões De feroz barbaria, que estas
leve debruça, plagas
Pelo cantar singelo do campônio, A seus domínios traz avassaladas,40-o
Que bendizendo as horas Mal regradas paixões, torpe
do repouso, Covarde ignávia, cálculos estúpidos,cobiça,
214 BERNARDO GUIMARÁES POESIAS COMPLETAS 215

Trarão ainda à terra da abundância, Deixai, que nestas veigas solitárias


Da riqueza e da paz, miséria fome.
e
Renasça a tolerância, e que algum dia
Guerra e flagícios, cativeiro e morte! Novos costumes, leis, que
se harmonizem
Aos ditames da eterna sapiência,
Da liberdade à sombra aqui floresçam
Ó vós, a quem os fados incumbiram
De abrir o seio destas virgens plagas
ÀS luzes da verdade e do progresso,
Porém se um dia, 6 santa liberdade,
Cuidais que aoS Sons da algema e do azorrague Tens de ver teus altares profanados
A missão cumprireis santa e sublime, Neste país, que os céus te destinaram;
Que mal compreendeis?... oh! sois indignos, Estas imensas regies fecundas,
Sois traidores ao céu, que vOs envia!. Com tôda essa opulência e louçania,
.
Ingratos! aqui onde a liberdade, Aos olhos dos mortais, indignos delas,
De vossos tristes climas foragida, De chôfre pelas ondas devoradas,
Um asilo feliz vOs preparava, De novo nos abismos se sovertam!"
Onde nunca aos ouvidos dos humanos
0 retinir dos ferros ecoasse,
Por que vindes ós mesmnos algemná-la, XII
E com obrados nós atá-la ao tronco,
A cuja sombra em doce paz dormia?. 40-d
Disse, e no espaço desprendendo o vôo
Foi ocultar seu pranto e seus queixumes
Aos pés do excelso trono de Jeová!
Deixai, deixai lá nos talados campos
Da velha Europa, aonde em holocausto Pio de Janeiro, outubro de 1864.
De seus tiranos ao feroZ capricho
Os povos uns aos outros se degolam,
Onde os tronos um'hora se levantam
Sôbre montões de ruínas e cadáveres,
Ora tombando com fracasso horrendo
Com seus destroços as nações esmagam,
Deixai o jugo, e códigos de sangue,
Ominoso legado que heis herdado
Da tirania aos séculos ferrenhos.
Não, não venhais nestes tão puros climas
Inocular o pestilente gérmen
De ruins paixões, de vícios execráveis,
Que das velhas nações corrompe a
seiva;
E nem tenteis plantar por estas margens
Vãos preconceitOS, fósmeas da antigualha,
Estranhas leis, instituições caducas,
Que em vosso mal impróvidos deixastes
Cravar no chão raízes seculares!
NOVAS POESIAS

(1876)
PRÓLOGO

ao
0 nome do pocta, cujas novas produções hoje damos
que dão culto às
público, é tão conhccido por todos aquêles,
sua reputação se acha tão bem firmada, seus
letras pátrias, e festejados, que publicando
cscritos são sempre to aplaudidos
esta nova coleçio de poesias suas, nos julgamos dispensados
de recomendá-las ao público.
Todavia nos é grato reproduzir aqui algumas das aprecia
ções, com que a imprensa tem acolhido as diversas produções
do insigne poeta e romancista mineiro.
Dando notícia do aparecimento do fndio Afonso, que foi
editado juntamente com uma peça de versos a
intitulada
Canto elegiaco à morte de Gonçalves Dias, "Reforma" expri
me-se nos seguintes têrmos:
"Se há um romancista e poeta que seja apreciado é sem
pelos
seus contemporâneos com a mais justa razão, dúvida
alguma o autor do Seminarista e de Jupira; o público
disputa ansioso os volumes que de vez em quando nos dá o
poeta mineiro.
"Bernardo Guimarães é uma das individualidades mais
poderosas que possui presentemente a literatura nacional:
quase todos os seus romances passam-se nas nossas províncias
interiores; são as belezas das matas, a grandeza dos rios, o
esplendor e a magnificência da natureza, as virtudes das se
nhoras brasileiras, os hábitos simples e honestos dos nossos
a
roceiros, vida silvestre no Brasil, que escolhe sempre para
assunto de seus romances.
Não há o menor artifício no que nos conta Bernardo
Guimarães, tudo neste belo talento é original; até o estilo é
especial. Não se prende sempre às regras da gramática e des
preza muitas vêzes os preceitos de Quintiliano; cuida mais do
fundo que da forma, mas apesar disso tem realce o vulto lite
rário, que acaba de mimosear as letras pátrias com um ro
mance que não é desconhecido dos leitores da "Reforma".
"As poesias de Bernardo Guimarães respiram um tal per
fume, têm tanta beleza, tanta imagem pomposa, um tal entu
siasmo por tudo quanto fala ao coração, e o bom gôsto
tico, a harmonia a mais perfeita dominando constantemente artísa
rima, suavidade e melodia as mais agradáveis,
soando sempre
220 BERNARDO GUIMARES COMPLE'TAS
221
POESIAS

aos ouvidos, que dão aos versos por Adamastor, belo


e relêVo tais, que com certeza o do bardo mineiro um cunho "Camões é gramde quando inspirado quase sempre no seu itine
elevam à altura maior a que mas
jamais tenha atingido poeta algum nacional. inspirado por Inês de Castro,
rário, se não dorme, faz dormir.
"À "Reforma" coube a satisfação de apresentar ao público Sr. B. Guimarães é
sempre poeta, seus versos sempre
obras do autor, o canto elegíacoe res
O

as Heides, onde se contam as façanhas dos bravos que em as


defesa da honra nacional imortalizaram o nome brasileiro na poesia. Como tôdas obs
melodia, não se ressente dêsse esfôrço
pira clareza ecomuns
e
terra inóspita do feroz Guarani. Os feitos legendários de naqueles que, sem gênio, não se comtêm
curidade tão
Andrade Neves, Osório, Mena Barreto, sópodiam ser cantados in medio dicendi genere. Tudo neste canto écorrente e suave,
por unma lira heróica como a de Bernardo Guimarães. Quem o
todos entendem e a todos, comove.
não se recorda daquela Ode dedicada à memória do imortal e clareza só é dado
autor dos Timbiras, para cuja sepultura houve uma câmara de "Reunir a sublimidade à simplicidade àpor
ao gênio poético. Nem se diga Poetas poetas sejam
deputados que recusou os meios de comprar uma singela lousa?
Foi isto que indignou o bardo, que enm versos tão belos como lidos. poe
melhores não os fêz Garrett, contou aos seus contemporâneos
As
almas sensíveis são poetisas por natureza. A
cam
aquêle procedimento indecente, bem como o fim desastroso do sia está por tôda parte, no canto das aves, nas ervas do
po, nas estrê'as do céu e em todos os corações.
maior poeta brasileiro.
"Realmente hoje só Bernardo Guimarães poderia substi "O coração do homeméuma lira, mas poucos sabem fazer
vibrar as cordas do coração. Poeta é aquêle que comove a to
tuir o vácuo que nas letras pátrias deixou o cantor das pal dos, e Orfeu comovia as próprias pedras.
meiras e do sabiá".
"É difícil fazer versos claros e belos e oS maus poetas es
"Os dous poetas têm muitos pontos de contacto: ambos condem sempre sua fraqueza na obscuridade de frases nebu
grandes pelo gênio que os inspira, admiradores fanáticos das losas.
magnificências da terra em que nasceram, infelizes por não
terem na pátria a importância a que têm direito pelo seu ta "Observa Marmontel que os mais belos versos parecem
a quem os l a cousa mais fácil do mundo e entretanto nin
lento, um vive do mesquinho ordenado de professor de um guém os faz semelhantes. Parecem fáceis porque calam em
liceu em uma pequena cidade, o outro morreu ao avistar o nossos espíritos e como que Os fazemos nossos e os reprodu
verde das costas brasileiras em um imundo navio de vela, sem zimos.
nenhum dos carinhos a que tinha direito,"
"O povo de Atenas entendia e aplaudia Demóstenes, e Cíce
Tratando da mesma publicação uma elegante pena escre ro abalava a plebe romana com a fôrça de sua elogüência.
via no Monarquista" da cidade da Campanha o seguinte :
"Se o fndio Afonso nos deleita, o canto à morte de Gon "E à vista disto poder-se-á dizer Oradores por oradores
sejam ouvidos ?
çalves Dias nos enleva e arrebata. É a diferença que vai do
agradável ao sublime. O "Canto elegíaco à morte de Gonçalves
0
Sr. B. Guimarães é singelo como Gonzaga, mas sua
Dias" é sublime. frase mais rica e mais lírica. No canto elegíaco, à poesia de
é
pensamento se reúne a poesia de linguagenm.
"0 romance é ótimo, oubomé ou menosoumau, mas não há poe *Gonçalves Dias vítima de uma enfermidade incurável,
sia medíocre. A poesia sublime detestável. Quando
Homero deixa de ser sublime, rasteiro, descorado e sonolento.
é
Cruel doença as fontes lhe secava
"Quandoque bonus dornitat Homerus. Hesíodo, 0 autor
poema "Os trabalhos e os dias" gue não poema senão no da débil existncia.
é
do
titulo, e que pertence ao gênero de escrever medíocre, Hesíodo
é um
escritor estimável, porque sua obra não é pròpriamente *Volta a seu país sem esperança de vida
poesia.
"Datur ei palma in medio dicendi genere- diz dêle Quin Ver a pátria, e morrer beijando a terra,
tiliano. Que os OSsos de seus pais no seio encerra.

16
222 BERNARDO GUIMARES

"Ao chegar ao Maranhão, ao avistar seu país natal, o


navio em que vinha Gonçalves Dias naufraga.
*A pintura dêste naufrágio é magnífica, e as imagens se
encontram por tôda parte, como por exemplo Mortalha de ELEGIA
alva espuma.
Sóse aprecia esta poesia lendo-a. Mas há aí versos tão
naturais, tão felizes, que não se cansa de lê-los, como êstes: A meu amigo
e sobrinho o Dr. Gabriel Caetano Guima
râes Alvim por ocasião do falecimento de sua espôsa, D. Áurea
Mas ah! se não me é dado ver-te mais, Carolina de Andrade
Nem mais ouvir teu canto;
Se mais não podes escutar meus ais, Hoje, que já do lutO se escoaram
Nem enxugar meu pranto. As horas mais infaustas,
E da saudade o pranto vai secando
Ah! se já sôbre a
terra está marcado Nas pálpebras exaustas,
0 têrmo de teu giro,
Vem ao menos soltar, ó filh0 amado, Agora, que talvez do céu benigno
No seio meu teu último suspiro. Baixou-te ao coração
Essa, que é do infeliz refúgio extremo
"Uma reflexão última. B. Guimarães não partilha a sor Triste resignação, 41-a
te dos literatos de nossa terra. Éle é o poeta dos estudantes
de S. Paulo, e dos que foram estudantes. Semn êstes, suas poe. Minha musa trajando entre suspiros
sias nem seriam impressas. 0 crepe dos pesares
"B. Guimarães não é poeta dos salões. Sua lira não Ihe Ousa transpor o limiar tristonho
tem valido nem honras, nem riquezas, e nem consta que os De teus lutuosos lares,
altos protetores das letras se tenham dignado baixar sôbre
êle seus olhos. Mas não pretende te arrancar do peito
"Alguma nomeada êle a deve ao entusiasm0 dos estudan Da dor o escuro véu;
tes à protecão do Sr. Garnier. 0 Maranhão se orgulha de
e Consolação para tamanha angústia 41-b
possuir Gonçalves Dias, e a província de Minas deixa no olvido Só pode vir do cu.
um seu poeta, a quem a posteridade
háde fazer justiça."
A respeito das Heróides que publicou em folhetim, expri Da viuvez o pranto é fel, é sangue
me-se a já citada "Reforma" pela seguinte maneira: Suado entre torturas ;
"Bernardo Guimarães, o ilustre poeta dos Cantos da soli. Não há no mundo encanto, que mitigue
dão, começa a publicar hoje em nossas colunas uma série de Tão fundas amarguras.
inspirados cânticos sob o título de Herides brasileiras. Os
bravos guerreiros que se imortalizaram no Paraguai vão ter Chora, nem quero opor um dique às lágrimas
um cantor digno de seus esforços marciais e patrióticos. Que pelas faces pálidas te rolam;
Os versos
de Bernardo Guimarães são sempre sublimes, Chora, que às vêzes nos tormentos d'alma
quer o Poeta cante na lira dos amôres, quer empunhe a tuba As lágrimas consolam.
Sonora e belicosa.
"Os leitores da "Reforma" apreciarão devidamente êste Chora, mas deixa que na campa triste
poeta e
mineiro, farão jus Um dístico de dor agora engaste,
e os outros trabalhos do insigne
tiça aos esforços que empregamos para dar a maior impor. E desfolhe uma flor sôbre o jazigo
tância ao órgão democrático." Dessa, que tanto amaste.
224 EERNARDO GUIMAREs POESIAS COMPLETAS 225

Flor sem perfume, pálida de morte, Mas em dia sinistro o raio ardente
Mirrada pelo sôpro da saudade,
Que te ofereço, apenas orvalhada
Cai sôbre êle:
E deixa apenas
-
queima-Ihe a ramagem,
do despido tronco
Do pranto da amizade. A merencória imagem.

Não mais sussurro, nem frescura amena;


Nem ledos trinos de canoras aves;
Pelos teus aposentos merencórios Não mais a brisa a suspirar amôres
Sbre teus tetos a tristeza pousa; Com frêmitos suaves.
Ai! que de mágoas! quanta voz dorida
Chorando a mãe, a espôsa; Não mais balança os ressequidos galhos
Ao respirar da viração fagueira;
Espôsa e mãe! que tão suaves nomes! Sòmente em horas de pavor vem nêles
Que fonte inesgotável de venturas! Piar ave agoureira.
Que inefável tesouro de alegrias
Tão santas e tão puras! O inútil tronco está cravado à
terra, 41-d
Mas o tope semn viço e sem folhagem,
E tudo isso um vendaval raivoso Como esqueleto, que da campa surge,
Num momento fatal arrebatou-te, Ergue a funérea imagenm.
E de luto cercando-te a existência
Em solidão deixou-te. Eis como vives; estás prêso à terra,
Mas tua estrêla em trevas ocultou-se,
Vêde êsse tronco sêco fulminado A grinalda de amor, que te cingia,
Pelo fogo do céu; ali outrora Na camnpa desfolhou-se.
Balanceava nítida folhagem
Aos zéfiros da aurora. 0 tufão do infortúnio num momento
Da vida os horizontes te enlutou,
Pelos seus ramos acordava a brisa Ea coroa de tuas esperançaS
Brando bulício e doces rumorejos, Da fronte te arrancou.
Eo sabiá na sombra desprendia
Dulcíssonos arpejos. 41-o
Pelo tope florido se enleava Ela ausentou-se bem como a andorinha
Viçosa trepadeira; 0 passarinho Antes de finda a estação das flores,
Nesse ditoso perfumado abrigo E entre coros angélicos sumiu-se
Vinha fazer seu ninho. Do céu nos esplendores.

Em tôno dêle tudo era harmonia, Santa resignaço no transe extremo


Tudo ali respirava amor, ventura; O espírito sereno lhe conforta;
Era asilo de paz e de perfumes, E êsse golpe, que a vida em flor lhe ceifa,
De sombras e frescura. Trangüila ela suporta.
226 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 227

Entre luzentes núvens perfumadas Sim, ela foi para os jardins eternos
A ela vêm baixando anjos do empíre0, Sôbre as asas dos anjos adejando;
Que em tôrno 1he adejando, da agonia anjos da orfandade,
Adoçam-lhe o martírio. E os tenros filhos,
Cá ficam soluçando.
Sua alma de crist formosa e pura eternamente
Voar não teme ao seio de seu Deus; E tu, mísero espôso,a eterna ausência:
Da espôsa chorarás
Mas o materno coração confrange-se Roubou-te o céu do coração metade
No doloroso adeus! Metade da existência.
Adeus eterno aos cândidos filhinhos, Essa grinalda, que te perfumava
Ao espôso, aos pais, a tão queridos entes! 41-o
0 lar ditoso, tão viçosa e bela
Ah! ninguém pode conceber a angústia que tão cedo se mudou na campa
Por
De mágoas tão pungentes. Em fúnebre capela ?!.
Da morte, que lhe estende os braços gélidos Doces laços de amor, que só devíeis
No tôrvo aspecto nada v, que assuste-a: De prazeres nos dar suave fruto,
Mas da saudade maternal não pode Ah! por que vos tornais fonte perene
Dissimular a angústia. 41-† De lágrimas e luto?!...
Que importa, que entre cânticos os anjos Viuvez! orfandade! ai tristes crepes,
Para guiá-la ao céu sua alma esperem, Com que de luto o coração cobrimos,
Se junto a si gemidos e soluços Vós sois bem como lúgubre mortalha,
O coração lhe ferem? Que em vida já vestimnos.
Se em tôrno espairecendo os olhos turvos 13 de feveveiro de 1869.
Cruel tormento Ihe lacera o peito, 41-g
Vendo os tenros filhinhos, que soluçam
Junto do infausto leito? 41-% 0 MEU VALE 42

Ah! são anjos também êsses, que deixa A meu amigo Ovidio João Paulo de Andrade
Sôbre a terra chorando em orfandade;
E a triste ao vê-los duas mortes sofre, Inveni portum; sors, et fortuna, valete!...
E morre de saudade.
Ei-lo?. é
aqui o vale sossegado,
Quantos laços de amor e de ventura Em que para meus dias foragidos
Despedaçados no fatal momento! Achei sereno asilo,
Nos tristes lares que porvir sombrio E nos erradios passos achei pouso
De dor e sofrimento! Humilde, mas tranqüilo.

Sua alma pura foi gozar no empíreo Tu não verás aqui vastas campinas
A luz da aurora que não tem ocaso 414 Se estenderem té onde a
vista alcança,
E o frágil corpo quebra-se na campa Nem largos horizontes,
Bem como inútil vaso. 41-j Que vão perder-se nos remotos
píncaros
Dos azulados montes.
inspiração. Celeste tenda, minha a Pousar
baixando vir fronte minha a sôbre E
montanhas das seio no vim, eu Assim
coração, ao Falar-me fenda, oculta mais Na
anjo um a de voz
ouvir cuido eu Então derrocada tôrre da muros Os Entre
docemente; cisma alma minha Então esconde ninho seu que andorinha, a Como

espessura; na sombras
Das adejam. não votos Meus
vale do córrego murmura mal o E cercam, me que outeiros, dêstes alémn E

ternura, com Modula bafejam; me fronte A

acentos lânguidos sentidos, mais Seus ventura de e amor de aurasAqui


tardes saudosas nestas sabiá Eo tranqüila; expande-se alma minha Aqui

derrama, se ares Nos coração. do paz a E

doçura mágica de perfume um E esperanças perdidas minhas Achei


grama, desbotada Na 42-b vão; em muito
há Suspira
flores entorna arbusto vicejante De minh'alma que por encontrei, ventura A

vale estreito sossegado, neste Mas


sacudindo ramagem a brisa a Quando
campinas;
montes Por e
lembranças. doces amor De
frouxa esbate que sol, do luz a Velando sombra à descantando pegureiro Nem
cortinas, Diáfanas danças; alegres Tecendo
misteriosa mão com Desdobrando mirtos os entre pastôras gentis Verás
horizontes nos vem agôsto quando E dias festivos em vales pelos Nem

rugosos. píncaros Os penas. desiumbrantes As


serranias d'altas campeiam Onde meneiam pássaros fantásticos Nem
nebulosos, longes Por açucenas; e lírios Nem
espairecer-se a livre vista a Foge-me rOsas, brotam não aqui passo cada A

outeiros dos aberta essa por Além, fontes frescas de borbotar o entre Por

defronte. ali Pousado vargedos. dos longo Ao

cadenceia trinos pausados seus Os


42-d sussurrando estendem se aléias Em
42-c Anacreonte, Alado arvoredos velhos Nem
42a garças, níveas nadam nem azul, céu
sítios dêstes é que sabiá, velho Um
O

amôres, de estação na tardes, as Tôdas espelha se não lagoas límpidas Em

selva. verde-negra De choupanas. e Palácios


coma ondeia d'além encosta Pela
a surdem perspectivas brilhantes em Ou
relva; fresca de chão Em espadanas; brancas Em
despenham se cascatas Turbulentas
amiga sombra moitas verdes entre Tenho alterosos serros dos topes dos Nem
valada da retraído canto Num

POESIAS GUIMARES BERNARDO


COMPLETAS
229 228
POESIAS COMPLETAS 231
230 BERNARDO GUIMARES

E do alaúde tenteando as cordas ANDRADE NEVES, BARÁO


Foge-me d'alma uma canção singela, 0 BRIGADEIRO
DO TRIUNFO
43
Como ao passar da aragem
Sussurra pela copa do arvoredo
A trêmula folhagem. ODE

E alguém me escuta; alguém segue meus passos Que lidador


é
êsse, altivo e forte
novo Gedeão,
Nas sendas solitárias de meu êrmo, Qual
Como o anjo de Tobias; Que na ponta da lança leva a morte,
a
E meu lado comparte da existência
a 0 horror, confusão,
As dores e alegrias. ÀS consternadas, inimigas hordas
Do Paraguai pelas sangrentas bordas?
Um quieto vale, um horizonte aberto, Ei-lo que avulta nas guerreiras lides
Meu amor, minha Ivra, eis os encantos Intrépido, incansável
De minha solidão; 0 brasileiro Alcides;
Eé quanto basta pra doirar-me a vida, Aos botes de sua lança formidável
E encher-me o coração. As hostes inimigas
Caem bem como espigas
Aos golpes do ceifeiro infatigável.
Dêstes vergéis à sombra vim sentar-me,
O cansado bordão de peregrino
Seu cavalo é veloz como o tufão;
Larguei no pó da estrada, E pronto como o raio
E enxuguei o suor, que me escorria Seu braço leva ao campo paraguaio
Da fronte tresvairada. Morte e destruição.

A vida é curta, é sonho de um moment0; Onde o valente passa,


Se é assim, busquemos sonhar sempre À frente da falange gloriosa,
O sonho da ventura, É bem como borrasca impetuosa,
Que tudo arrasa, tudo despedaça.
Pois nem males sonhar nos será dado
Dentro da sepultura.
Ao tropel dos ginetes alterosos 13-a
Como um trovão longínquo o solo freme,
Adeus, Ovídio; – o dia desfalece,
E a0s ecos temerosoS
0 sol se atufa entre vermelhas nuvensS, 0 inimigo de susto enfia e treme.
Do ocaso no esplendor.
Eo sabiá, que canta ali defrorte, Éles passam qual nuvem tormentosa,
Me faz cismar de amor. Que rijo vento impele;
Não há mão, nem barreira poderosa,
Agôsto de 1869.
Que a carreira veloz Ihes arrepele.
239 BERNARDO GUIMARLS POESIAS COMPLETAS 233

Nem bombas, nem metrallhas, De Itapiru às Lomas Valentinas, 43-o


Fossos, redutos, nem despenhadeiros, Por tôda a parte onde a peleja ferve,
Nem todo o horror de ríspidas batalhas, Teu forte braço, sem que a idade o enerve
Nem traidores esteiros Vai semeando estragos e ruínas.
Podem conter seu denodado arrôjo,
Que os valentes, briosos cavaleiros, Tua destra um momento não descansa,
Tudo ante si levando vão de rôjo. Desde que viste tua pátria amada
Por bárbaros vizinhos ultrajada,
E quem é êsse herói de altivo porte, E co'a ponta de tua invicta lança
Que falanges de heróis conduz à glória. Por tôda a parte, valeroso Neves,
Com sangue do inimigo o nome escreves.
E que assoberbando a própria morte
Lhes ensina o caminho da vitória? Amor da pátria e glória só te anima;
Teu peito desconhece
Guerreiro crêreis no verdor dos anos,
o Cálculos vis de sórdido interesse;
Que inda nas veias sente Honras, riquezas tem em pouca estima,
Pulsar da juventude o fogo ardente: E outro galardo mais não pretendes,
Do que vingar a pátria que defendes.
Através dos perigos mais insanos
Tão férvido se atira,
Tanto denôdo o peito seu respira. Teu generoso coração abriga
Virtude herica, altivos sentimentos,
Dignos de Roma a antiga,
Mas não: é branca a barba, e já de neve Ea que a Grécia erguera monumentos. 43-d
Tingiu-he o tempo a fronte veneranda;
É
velho, sim, mas sua destra é leve, Mas a tantas fadigas gloriosas
E cheia de pujança Sucumbe o corpo enfêrmo;
Ao longe a morte manda, E à série de proezas assombrosas
Quando sopesa a formidável lança. A morte impôs um têrmo.

A branca barba longa idade atesta,


Dorme, ó
guerreiro, dorme o eterno sono
Mas de seus feitos é mais longa a história; SOmbra
E cada ruga, que lhe sulca a testa,
À de teus louros,
E do bardo a cancão teu nome envie
Marca um troféu de glória. Aos séculos vindouros.

Dorme : deixaste ao mundo exemplo nobre


De esfôrço e lealdade;
És tu, Neves invicto, Um dos mais belos, mais ilustres nomes
Que, à frente de teus bravos,43-b Dás à posteridade:
Te arrojas no mais forte do conflito.
E de Lopez OS miseros escravos Descansa: êsse teu braço infatigável
Cutilas, estrafegas, Só pode achar repouSo
Em porfiadas, ríspidas refegas. Nesse leito em que a morte nos pepara
0 sempiterno pouso.
234 DERNARDO GU1MARÄES POESIAS COMPLETAS 235

Jú de tuas proezas gloriosas E quando assim apareces,


Está completa a história
;

Me pareces
Viveste sempre, encaneceste, e morres A estrêla crepuscular,
Nos braços da vitória. Entre nuvens escoando
Clarão brando,
Que de amor nos faz cismar.
Paz aos manes do inclito guerreiro!
Honra à sua memória!
Junto ao seu monumento funerário Quando cismas à tardinha
Está velando a glória. Tão sòzinha,
0 que vês lá no horizonte?
O que assim teus olhos prende,
Dorme, velho guerreiro, o sono eterno E te pende
A donosa e pura fronte?
À sombra de teus louros;
E do bardo a canção teu nome envie
Aos séculos vindouros. Acaso na flor da idade
Da saudade
Sentes já o agro pungir?
A CISMADORA Ou nos sonhos de criança
Da esperança
Sedutora moreninha, Vês a estrêla reluzir?
Que à tardinha
Vens pousar nessa janela, Que sôpro te verga o colo
Em que cismas tão calada, Para o solo,
Debruçada, 44-a Flor apenas entreaberta,
Com a mão na face bela ?.
.. E faz pelos horizontes,
Sôbre os montes,
Vaguear-te a vista incerta?
Os raios do sol poente
Docemente De algum anjo, teu irmão,
Beijam-te a fronte mimosa :
A canção
E em teus sonhos engolfada Estás ouvindo nos céus?
Ou do éden as campinas
Descuidada
Descortinas
Nem sabes quanto és formosa. Da tarde por entre os véus?

cabelo em longos fios


O Do primeiro amor no enleio
Luzidios Já teu seio
Acaso sentes arfar?.
Pelos ombros te serpeia: E sofres n'alma o imprio
E os contornos do semblante De um mistério
Deslumbrante Que não sabes decifrar?
De leves sombras ondeia.
.236 DERNARDO GUIMARrS
POESIAS COMPLETAS 237
Ah! se nessa cisma vaga,
Que te afaga,
Minha imagem perpassasse.
Se no pobre bardo amante À MORTE DE
Um instante 45
Tua idéia repousasse. . . TEÓFILO B. OTÔNI
Se a mim fôra reservado Escutai!. Não ouvis entre soluços
Pelo fado Com medonho estridor da morte as asas
Levantar o casto véu, Rugindo pelo espaço;
E de amor as chamas puras, E o som de um baque, que reboa ao longe
E as enturas Com lúgubre fracasso?.
Relevar-te, anjo do céu...
Mas não; em tal não pensemos, Lá desabou coluna veneranda
E deixemos Que largos anos escorara o templo
anjo envolto em seus sonhos;
O Da augusta liberdade!
São leres nuvens, que passam, Apagou-se o farol, que os átrios santos
Que esvoaçam Encheu de ciaridade!...
Em seus céus sempre risonhos.
Quando ao passar o carro das tormentas,
São da inocência a fragância,44-a Pela fúria dos ventos abalado
Que na infância O cedro altivo tomba,
D'alma pura se evapora; Na profundez das selvas um bramido
Aroma, que pelos vales Horríssono ribomba;
Verte o cálix
Do lírio ao raiar da aurora.
Soltam as brenhas lúgubres sussurros,
Sim, deixemos a alma bela Pávidos ecos nas profundas grotas t5-g
Por longo tempo estrugem,
Da donzela E com sinistros brados lamentosos
Em seus sonhos embebida; Ao longe os montes rugem.
É
perfume da existência,
Pura essência,
Que embalsama o albor da vida. Um murmúrio de dor, de angústia
imensa
Rompe de ao pé de um fúnebre ataúde,
Também a rôla inocente, E ao longe se propaga,
Quando sente E entre soluços a lutuosa nova
A noite que se avizinha, Voa de plaga em plaga.
Arqueia o colo plumoso,
E em repous0 Morreu Otôni!. ..aquêle facho ardente,
N'asa esconde a cabecinha. Que através de perigos e tormentas
povo conduziu,
O

..Agôsto de 1869, Num momento fatal da morte ao


sôpro
Em trevas se sumiu.
17
238 BERNARDO GUIMARAES
COMPLETAs 289
POESIAS

Já não existe o
lidador valente,
E êle era do povo filho amado,
o
Que largo tempo as santas liberdades E pelo povo a sanha dos tiranos
Da pátria defendeu, Intrépido afrontava,
Dos ilustres soldados do progresso Profeta ardente, que da liberdade
0 egrégio corifeu. As sendas preparava.
Caiu enfim êsse, que vimos sempre Como a Isaías nas remotas eras,
Dos livres o estandarte desfraldando
Ante o povo oprimido;
0 anjo do Senhor com brasa viva
Os lábios lhe tocou,
Perdeu da liberdade a santa causa E da pátria no amor nobre e sublime
O apóstolo querido. O peito lhe abrasou.

Ai! era cedo aimda; a pátria aflita, De Washington aluno, nunca humilde
Entre cachopos e perigos grandes Foi mendigar nem honras, nem favores
Vacila e luta incerta; Aos pés do régio sólio;
Do laurel popular cingida a fronte
Contra os filhos do êrro e do regresso 45-b
A liça ainda estáaberta. Alçou no capitólio,

Ainda escuros surdem os caminhos Para servir a pátria e a liberdade


Aos homens do porvir; inda estão cheios Jamais cansou das lides gloriosas
De dor e de provança. No generoso af;
Tímido ainda bruxuleia ao longe
Era sua voz elétrica centelha,
Seu nome um talismã.
0 farol da esperança.
Morreste, Otôni ; mas tua sombra augusta
Ésse povo leal, que êle guiava Pairar eu vejo ainda no horizonte,
Através dos desertos, inda a terra Que de esplendor se veste,
Não viu da promissão, E nos céus desfraldar de nossas crenças
Ainda fulge longe de seus olhos 0 lábaro celeste.
A luz da redenção.
Morreste; mas ainda o verbo ardente
Do tribuno inspirado entre
Sim, era cedo: ainda de seus lábios nós troa;
Do seio dessa tumba
Em torrentes de férvida eloqüência Com um brado, que irá transpondo os
Jorrava a sã verdade, Tua voz inda retumba.
séculos,
E por êles falava sem rebuço
A voz da liberdade. Morreste, sim; -
porém bem como outrora
Ressurgiam os mortos ao contacto
Oh! era cedo! na altaneira fronte Dos ossos de Eliseu,
De puras, nobres crenças inda inteiro 45-0
Da liberdade o amor ressurge e
Ardia o fogo santo, vive
Otôni, ao nome teu.
E vigoroso o coração pulsava,
Que a pátria amava tanto. Ouro Prêto, 1 de novembro de 1869.
238 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 239
Já não existe o lidador valente,
E le era do povo filho amado,
o
Que largo tempo as santas liberdades
Da pátria defendeu, E pelo povo a sanha dos tiranos
Dos ilustres soldados do progresso Intrépido afrontava,
O egrégio corifeu. Profeta ardente, que da liberdade
As sendas preparava.
Caiu enfim êsse, que vimos senmpre Como a Isaías nas remotas eras,
Dos livres o estandarte desfraldando
Ante o povo oprimido;
O
anjo do Senhor com brasa viva
Os lábios Ihe tocou,
Perdeu da liberdade a santa causa
O E da pátria no amor nobre e sublime
apóstolo querido. O peito lhe abrasou.

Ai! era cedo aida;e a pátria aflita, De Washington aluno, nunca humilde
Entre cachopos perigos grandes Foi mendigar nem honras, nem favores
Vacila e luta incerta; Aos pés do régio sólio;
Contra os filhos o êrro e do regresso 45-b
A liça ainda está aberta.
Do laurel popular cingida a
Alçou no capitólio,
fronte

Ainda escuros surdem os caminhos Para servir a pátria e a liberdade


Aos homens do porvir; inda esto cheios Jamais cansou das lides gloriosas
De dor e de provança. No generoso af;
Tímido ainda bruxuleia ao longe Era sua voz elétrica centelha,
0 farol da esperança. Seu nome um talismã.

Morreste, Otôni ; mas tua sombra augusta


Ésse povo leal, que ile guiava Pairar eu vejo ainda no horizonte,
Através dos desertos, inda a terra Que de esplendor se veste,
Não viu da promissão, E nos céus desfraldar de nossas crenças
Ainda fulge longe de seus olhos O lábaro celeste.
A luz da redenção.
Morreste; mas ainda o verbo ardente
Sim, era cedo: -
ainda de seus lábios
Em torrentes de férvida eloqüência
Do tribuno inspirado entre
Do seio dessa tumba
nós troa;
Com um brado, que irá transpondo os
Jorrava a sã verdade, Tua voz inda retumba.
séculos,
E por êles falava sem rebuço
A vOz da liberdade.
Morreste, sim; porém bem como outrora
Ressurgiam os mortos ao contacto
Oh! era cedo! na altaneira fronte Dos ossos de Eliseu,
De puras, nobres crenças inda inteiro 45-0
Da liberdade o amor ressurge e
Ardia o fogo santo, vive
Otôni, ao nome teu.
E vigoroso o coração pulsava,
Que a pátria amava tanto. Ouro Prêto, 1 de novembro de 1869.
240 BERNARDO GUIMARAES POESIAS COMPLETAS 241

Tudo êle deixa, tudo troca afoito


NÊNIA Pela dura tarimba do soldado
Em longe, estranha terra,
Pelos perigos e ásperas fadigas
Oferecida à Ex,ma Sr.^ D. Maria da Conceição Soares Ferreira. De encarniçada guerra.
espôsa do capitão Soares Ferreira, morto em Lomas Valentinas .
Que cruel sacrifício! que tortura
justo pranto que te inunda as faces!
É o
Imposta a um coração!. porém a pátria,
Bem sei, senhora, a viuvez é triste, A pátria o braço implora
triste como a morte.
É
De seus heris, e cumpre ao seu reclamo
Ai daquela que viu em flor cortada Voar e sem demora.
A vida do consorte!
A pátria sofre a meiga espôsa em pranto
;

Viúva e moça! que painel sombrio! Detê-lo em vão procura entre carinhos,
És qual pálido goivo debruçado Em seus mimosos braços;
Sôbre uma sepultura; aos beijos furta a face,
Linda estátua da dor pousada à margem Vai batalhar,
De uma vereda escura. Arranca-se aos abraços.

As galas da ventura e da esperança Ai! viste tudo isso, e dor pungente


Que um momento trajaste, se trocaram Em teu sensível coração cravou-se
Em fúnebre sudário! Qual venenosO arp0,
Eo véu de espôsa cedo converteu-se Mais cruel do que a lança, que varara
Em crepe mortuário! Do espôso o coração.

Sim, tu viste sumir-se em negra sombra, Ébrio de glória e de patriotismo


Tua aurora de amor; fugir-te aos braços Ei-lo do leito nupcial se arroja
infortunado espôso,
O Aos campos do combate,
E em féretro horrendo transformar-se Por onde ao lidador a extrema hora
O tálamno ditoso! A cada instante bate.

sol da pátria, a paz do lar saudoso,


O 46-a Presto aparece na sangrenta liça;
Um risonho presente que escoava No mais aceso da revôlta briga
No seio da bonança, Não sabe o que é perigo;
E em cem combates tinge a
Um porvir de venturas embalado herica espada
Nos braços da esperança; Em sangue do inimigo.

Garboso e denodado avança e rompe


Beijos de amor, abraços de ternura, Selvas de lanças, chuvas de metralha, 46-b
Eo tálamo feliz onde inda há pouco
e Incólume... mas ai!
A espôsa meiga bela Sua hora soou. .. ao ferro imigo
Desatara da fronte pudibunda Ei-lo sucumbe e cai!...
A virginal capela,
242 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 213

Ei-lo estendido no sangrentO campo!.


Ei-lo o valente repousando ao ladoi6-o 47
De seus irmãos de glória, GENTIL SOFIA
No extremo transe ouvindo o restrugido
Dos hinos da vitória. BALADA

Vitória!- suspirou, e com seu sangue "Fia já minha Sofia,


Regava os louros imortais colhidos Fia
Vitória! -
Em Lomas Valentinas.
foi o eco derradeiro
Que o ouviu nessas campinas.
"Enguanto eu faço esta ceia,
Eia!
"Estás hoje com tamanha
Manha,
le cai, mas volvendo os olhos turvos "Que não sais dessa janela;
No baluarteinimigo vê plantada Nela
A nacional bandeira, "Queres ver os estudantes
Morre, e em seus braços a vitória o toma Antes
Na hora derradeira. Doque acabar depressa
Essa
Digna de inveja foi tão bela morte!. Tarefa, que aí fica à banda,
A herica fronte a glória lhe circunda Anda!...
De funerária rama, "Pega já no teu serviço ;

Ea pátria agradecida entre seus bravos Isso!..


0 nome seu proclama. "Antes que as ventas te esbarre!
Arre!.
Ah! não mais recordeis o triste transe,
Nem tais cenas de horror; tudo acabou-se Tal a velha muxibenta
Mas não dle a memória, Benta
Sôbre a campa do bravo eternamente Os seus ralhos redobrava
Resplende o sol da glória. Brava,
Enquanto a gentil Sofia
Basta de pranto. Teus formosos olhos Fia.
Já de orvalho saudoso assaz regaram A coitada da netinha
Os louros do guerreiro; Tinha
Nem nais turbemos com funéreo canto Em seu peito bem ocultos
Seu sono derradeiro. Cultos,
Que a ninguém revelava;
Em vez de macerar as lindas faces Lava
Com lágrimas de dor, repete ufana Que o seu peito todo inflama;
Do caro espôsO O nome, Flama
Que a trazia em mil apuros
ÉSse nome que a pátria não esquece, Puros,
Que o tempo não consome! E abrindo semn receio
Ouro Prêto, 1869.
Seio,
244 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 245

Que reconhece os ardis, Escutar-me alguns instantes


Diz: Antes
"Perdão minha avó materna "De me lançar para fora:
Terna, Ora
"Se eu para meu repouso *O que a amar me levou
Ouso Vou
"Abrir de meu coração "Contar lavando esta louça;
São Ouça.
"Os ocultos escaninhos, eVi um dia um moço lindo
Ninhos Indo ;
Em que amôres eternos "A passar nesta janela 47-c
Ternos Nela
"Os cuidados que me aturdem Pregava um olhar inquieto
Urdem., " Quieto;
Na guitarra um som vibrando
A isto a velha casmurra 47-a
Urra, Brando
E com vOZ endiabrada "De amor cantou-me diversos
Versos.
Brada: que tanto encanta,
Sua vOZ
Disseste em palavras poucas 47-b Canta
Ôcas,
E
diz com lindo reclamo
"Quanta asneira há neste imundo Amo!
Mundo. "Em meu peito essa palavra
"Menina, tão feias cousas Lavra,
Ousas, "E esta alma, que não sossega, 47-d
Declarar a tua avó? Cega..
Oh!
Depoisnesta sua escrava
"Se acaso de amor as chamas Crava
Um olhar, de que
Amas, morri;
Vai buscar noutros 1ugares Ri,
Ares, "E me diz Eu serei teu
"Que eu não ouvirei jamais Eu!
Ais Serei tua: lhe respondo
"De menina apaixonada Pondo
Nada !9 "A mão sôbre coração
São.
Mas Sofia lhe responde : E
chegou-se muito esperto
Perto,
"Onde "E com tôda a garridice
"Quereis agora que eu vá?... Disse:
Ah! "Tu és como a primorosa
"Minha avó por piedade Rosa
Háde Posta em vaso de alabastro;
Astro,
Q46 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 247

"Que me alumia o presente; "Olha que aquêle demente


Ente Mente,
Que eu mais prezo e mais anelo: para que te seduza
"E
Elo Usa
De unma priso suave ; Dêsses meioS e promessas ;
Ave Essas
"Que me canta mil divinos 47-e
"Éle nunca as cumprirá
Hinos, Ah!.
"Anjo, que traz-me em delírio; Se eu o pilho à vontade 47-g
Lírio, Há de
Cujo seio puro estreme Soltar a
poder de murros
Treme, Urros!..
"Se a brisa dá-lhes sobejos Ah!tratante! Velhacão!...
Beijos. Cão!...
"Em torturas violentas
Lentas A menina irresoluta
Antes eu numa masmorra Luta
Morra, Em mil angústias mortais,
Do que ver quebrar os belos Tais,
Elos Que iam quase sufocá-la !
Do grilhão gue amor prepara
Cala,
Para Mas enfim volta-lhe o alento
Nossa união sempiterna Lento,
Terna." E com a voz alquebrada
Brada:
A velha responde assim :
"Minha avó, não vos zangueis :
Sim! Eis,
"Bem conheco êsse insolente Como o cas0 sucedeu:
Ente, Eu
"Que insuflou-te tamanhas Já casei com êsse inocente
Manhas, Ente
"Eu acho no tal sujeito
Jeito,
"A quenm votais tão seródio
ódio,
De quem nem um só vintém "A êle, a quem agradei, 47-h
Tem. Dei
"Como homem que não se emprega "O que mais uma donzela
Prega Zela,
"Muita pêta aos inocentes "Seu amor, sua fé constante
Entes. Ante
Tu estás muito enganada .
Vosso vizinho compadre
Nada, 47-f Padre;
Para casar é
preciso "le possui de antemão
Siso.. Mão
248 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 249
"Que há muito tua netinha 47-i
Corre;
Tnha E diz à velha casmurra:
"Ao espso ben-fadado 47j
Dado."*
"Hurra!
Eis que velha rocifera
a "Perdão se eu sem estrvo
Fera, Tôrvo
Pela sua casa adentro
E de uma ferradura
Dura
Entro,
meu Deus! que de escarcéus
Ó

Que o acaso ali mostrava


Trava, Céus!
menina desditosa "Que hoje o mundo vem abaixo
Ea Acho!.
Tosa..
A netinha em gritaria "Esta casa já tão tarde
Arde
"Entre mil endiabrados
Pelos cantos obliquando Brados !...
Quando
"Comadre, quem muito berra
Vendo aberta uma janela Erra,
Nela E quem muito se arreganha
Procurando uma escapula Ganha
Pula, "Com tamanha matinada
E pela rua se vai! Nada,
Ai! eVossa netinha inocente
Tenho a cabeça quebrada Sente
"Dentro d'alma uns arrepios
Brada,
"E para pedir socorro Pios
Corro." Por um rapaz que a merece.
Ésse,
Nisto o
vizinho compadre *Pelos laços do himeneu
Padre, Eu
Bom pastor de vida obscura, "Já uni à sua amante
Cura, Ante
Que com sua salvaguarda "0 altar do Onipotente
Guarda Ente.
Das almas o Sossegado 47-1 "Um do outro sem remissão
Gado São.
"E não ser isto quimera
Ouvindo os descomunais Mera
Ais,
Que a donzela gue o acordava "Eu mesmo, que os enlacei,
Sei,"
Dava,
Da cama pula de um salto Do padre a fala singela
Alto, Gela
Ea quem dêle se SOcorre 47-m As fúrias da muxibenta
250 BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 261

Benta, Além, não ouves? o leão da guerra


Ea ferrenha catadura Ruge, e sacode a ensangüentada juba;
Dura Se o fragor das batalhas não te aterra,
Em um instante quedou-se Se podes tanto, emboca a heróica tuba,
Doce, E em valentes, altíssonos clangores
E todo aquêle47-9seródio Da guerra canta as glórias e os horrores.
ódio,
Qual palha aos golpes da foice, Vamos além, as vagas açoutadas
Foi-se De rábidos pampeiros
Enquanto a pobre netinha Cortando afoita em rápidas jornadas,
Tinha Vamos do sul aos plainos derradeiros.
Nos olhos cheios de mágoa
Água, Entremos pela foz do imenso rio,
Lhe diz a vovó materma Que o ribombo escutou de cem batalhas,
Terna : Inda de sangue tinto, inda sombrio
Do fumo das metralhas :
Dêsse rio, que em fogo enovelado,
*Jáque, como tu pudeste,
Refletindo clares sanguinolentos
Deste Vomitou no oceano horrorizado
eTua mão a êsse inocente Cadáveres aos centos.
Ente,
Também dentro desta casa Por essas margens onde quer que passes,
Casa, Que de ruínas! que de sangue e luto!
"Que eu darei a teu espôso Do órfão, da viúva inda nas faces
Pouso. " Não está o pranto enxuto.
Ainda no barranco escalavrado
De ardente bombardeio
O
rio lambe o sangue derramado.
A CAMPANHA DO PARAGUAI48 Nos páramos infestos
Inda dos charcos pútridos em meio
HERÓIDES BRASILEIRAS Devora o corvo os asquerosOS restOS
Do festim, que dos povos a vingança
Lhe preparou nos campos da matança.

INVOCAÇÃO Vamos; não temas transviar-te, oh! musa;


Armas quebradas, corpos espargidos
Ómusa, deixa do vergel sombrio Aqui e além pela floresta escusa,
0 asilo perfumoso; Rôtas trincheiras, fortes derruídos,
Cerra o ouvido ao suave murmurio Montes de ossadas, poças de sangueira
Do arroio suspiroso. Nos guiarão ao têrmo da carreira.
Troféus sanguinolentos, que recordam
Pendura ao ramo a lira maviosa, Os nomes de uma plêiade de heris,
Em que cantas ao céu da solidão Que mil proezas na memória acordam,
No remanso da sombra deleitosa Serão nossos faris.
Sonhos do coração.
BERNARDO GUIMARAES
252 POESIAS COMPLETAS 253
Ali se pelejou luta gigante
Em férvidas batalhas; Que mel em fio escorre; mago encanto,
Que ao a
lidador fronte desenruga,
Ali dos nossos o valor pujante
e o sangue do montante enxuga.
Fossos rompeu, tranqueiras muralhas, Enquanto
E no próprio covil duro castigo
Foi fulminar ao pérfido inimigo. Da lira o canto, que consagra a fama
De ilustres lidadores,
Vindicaram-se ali da espada aos fios, E aos séculos proclama
Os nomes seus da glória entre os fulgores,
Ao ronco dos canhões,
De três nações os ultrajados brios: De um povo inteiro o culto respeitoso,
Nobre desforra dos mais vis baldões! Apoteose, que Ihes sagra em vida
Do peito no sacrário generoso
Por êsse longo esteiro sanguinoso A pátria agradecida,
Que ampla ceifa de louros! que vitórias! Dos bravos eis o nobre galardão,
Que estádio luminoso E nem por al lhes bate o coração.
Tropel de heris abriu às pátrias glórias!
Longe de nós os títulos balofos,
Vistosas fitas, nítidos pendentes
!

Que nomes imortais!. Riachuelo,


Ésse falso ouropel de brasões fofos
Sepultura da armada paraguaia ;
Não tem valor aos olhos dos valentes. 49-b
Humaitá, o horrível pesadelo,
Bofé, que não são mais que torpe engôdo,
Perante o qual todo o valor desmaia; Que nos arrasta à podridão do lôdo.
Cuevas, Itapiru,
E as alagadas, pérfidas campinas, Deixai, que dos heróis fuljam na história,
Que cingem Curuzu,
Itororó e Lomas Valentinas, Puros os nomes de apelidos vãos,
Que só podem dar lustre à vida inglória
São páginas de luz em nossa história, De fofos cortesãos.
São brilhantes fanais, De enfeites pueris limpo apareça,
Em que resplendem da brasília glória Livre respire o peito do guerreiro,
Reflexos imortais. Jamais dobre a cabeça
musa, Da corrução ao jugo lisonjeiro,
Saúda, ó Os sítios afamados, Que o prêmio no vil peito do covarde
Que viram tais portentos, Também verás brilhar ou cedo ou tarde.
E da guerra aos heróis assinalados
Um hino entoa em másculos acentos. Fundo golpe, que abriu atroz metralha,
Eia! com tuas mãos imaculadas, Ou lança aguda em preito encarniçado,
Coroas tece aos filhos da vitória Eis o brasão do herói, eis a medalha,
De louros e perpétuas entrançadas, Que assenta mais no peito do soldado.
E no festim da glória
Dá-lhes assento entre os mais altos vultos 49-a
0 povo inteiro bem vos sabe o nome,
Que alcançaram no mundo eternos cultos. Do Paraguai altivos vencedores;
Dos feitos vossos 0 gentil renome
o
Canta os heris; do bardo é grato canto Não precisa dos pálidos fulgores
Ao coração do bravo, De frívola honraria,
Bem como rôto favo, Que brasões tendes de maior valia.
18
BERNARDO GUIMAREs
254 POESIAS. COMPLETAS 255

Adornos vãos de estólida vaidade


Com tôrvo olhar a malfadada gente
Não conhece da história a musa austera, pavorOsa esfinge;
Que o livro escreve da posteridade,
Cioso guarda,
Todos os dias o faminto dente
E nos domínios do porvir impera. Em sangue humano tinge.
Para a fronte de seus heróis queridos
Só tem louros singelos
Do cacique na ôbrega espelunca
Por suas próprias mãos entretecidos; Do despotismo a furibunda harpia,
sses da glória os fúlgidos emblemas, Feroz desconfiança a garra adunca
Que têm maior valor, que são mais belos
Que os régios diademas. Amola noite e dia.

Mas coroas invejadas De seus escravos a caterva muda


ai!... dessas Smente ao nome seu descora e sua;
Quantas já vão de fúnebre cipreste
E de joelhos trêmula saúda
Tristemente enramadas! Té mesmo a sombra sua.
Quantos lá jazem na campanha agreste
Desamparados sôbre a terra nua,
A quem aguda lança ou bala ardente Sem nunca descansar sanguenta fúria
Tão longe da querida pátria sua! Ao cutelo do algoz afia o corte;
Lá deixaram dormindo eternamente! Vela incessante na sombria cúria
Por sentinela a morte.
Mas se acaso não pode a pátria em pranto
Seus restos recolher em urnas de ouro, Folga nas trevas qual sinistro môcho,
Ergue-lhes, musa, em sonoroso canto E do mistério escuridão só busca;
Padrão mais duradouro, Da luz do céu um raio inda que frouxo
Os olhos seus ofusca.
E os nomes seus e os louros gloriosos
Regados pelo pranto da saudade
Brilhando chegarão sempre viçoSos Com vesgo olhar desconfiado espia
À
mais remota idade. 0 forasteiro, que lhe bate à porta;
Vê-lo é crime; falar-lhe ousadia
é

Eis, musa, a missão, que te confia Que pouca vez suporta.


Da pátria o amor sagrado; Feroz rudeza, estúpida
te inspire sonoroso brado indolência
Êle Por seus domínios sem contraste impera,
De máscula harmonia; Nem um raio da luz da
Éle me alente neste nobre empenho, inteligência
Nos antros seus tolera.
Digno por certo de mais alto engenho.
Com muralha de bronze bem quisera
Cingir em tôrno as terras paraguaias,
II E ai daquele que ao covil da fera
LOPEZ E HUMAITÁ Transpor ousasse as raias!
No seio lá do paraguaio solo Sim, bem quisera qual em turvo mangue
Sanhudo leopardo se aninhava, Bojudo sucuri, torpe reptil,
Com a pata fero0z calcando o colo Devorar em segrêdo a seiva, o sangue
De uma nação escrava. De seu rebanho vil.
BERNARDO GUIMARAES POESIAS COMPLETAS 257
256
Do Brasil descuidado atira à face,
Mas vêde lá, na esquerda ribanceira E antes que êste acordasse da surprêsa,
Onde em crescente encurva-se a barranca, E irado o colo alçasse
Do rio seu com hórrida tranqueira, De seus calcados brios em defesa,
As portas atravanca.
Ei-lo que desleal, insana guerra
Como bulcão de feia catadura Ao seio leva da brasília terra.
Ao longo da ribeira ei-la acolá,
A colossal, terrífica estrutura, Qual venen oso, tredo escorpião,
Soberba Humaitá! Que sem sair do ninho em que se encerra,
O farpado ferrão no dorso enterra
É
qual montanha de vulcões c'roada, De intrépido leão,
De baluartes um congesto enorme; Tal a garra feroz o monstro vil
A mole imensa de canhões crivada Estende e crava em terras do Brasil.
Estende-se disforme, 50-a
E enquanto com a cauda morde e açoita
De Mato Grosso as plagas indefesas,
Da riba ao longo o bastião sombrio A medonha cabeça erguendo afoita,
Em vasto semicírculo se encurva, Nas regiões do sul atraca as prêsas.
E o sinistro perfil no longo rio Exulta o monstro, e já por acabada
Estampa a sombra turva. A emprêsa dá, que ousado cometeu,
E cuida ver a América assustada
c'a hiante fauce aterradora
Ali
Tremer ao mome seu!
ÀS portas guarda à bárbara nação,
Como estendida garra ameaçadora Exulta o monstro, e pavoroso brado
De colossal dragão. Arranca de selvática alegria,
E nos festins de sangue embriagado
Por trás dêsse reduto alapardado Insano tripudia.
0 monstro as rédeas solta ao desatino,
E cuida ter em suas mãos fechado
Da América o destino.
Ruges em vão, 6 tigre famulento,
Em teu covil infando,
E em teu feroz intento
Mas ainda dos seus o sangue é pouco Insultos e ameaças borbotando,
Para aplacar-lhe a sêde; das entranhas Movendo às gentes traiçoeira guerra
Um rugido soltando horrendo e rouco Cuidas gelar de susto o mar e a
Olhar de inveja às regiões estranhas terra!
Alonga cobiçoso, Em vão de tuas selvas desenterras
E em fel Ihe ferve o peito ambicioso. Esquálidas coortes;
Em vão dêsse covil em que te encerras
De seu merlão sentado nas ameias, Ergues à entrada monstruosos fortes;
0 déspota sombrio Dos muros teus em triplicado cinto
Covarde insulta as flâmulas alheias, Em vão medroso buscas o recinto.
E ultraje atroz, tremendo desafio
POESIAS COMPLETAS 259
BERNARDO GUIMARES
258 mangue,
Por sepultura tendoos infecto teus
engrossar as bárbaras falanges Desce, 6 monstro, adejos abate
Por porfias; o fumo do combate.
Em vão, em vão confias 50-a Que já vai longe
velhos à mão trêmula
Dos
Ferrugentos alfanjes, De teus famintos perros a matilha
matrona, e a donzela e a criança Na êrma granja, na indefesa aldeia,
50-b
Ea corro da matança.
Levas sem dó a0 De sangue, incêndio e roubos a mão-cheia
Abriu-te larga trilha.
Em vão de teu covil ergues à entrada
De Humaitáo horrífico
espantalho,
Vem cevar com satânica alegria
Rude colosso, máquina abortada De teus brutais instintos a fereza;
De um século de trabalho.
Vem, gue de tua sanguinosa orgia
De teus escravos às legiões bravias Está servida a mesa
rebate, É esta a prêsa que afanoso empolgas:
Ébrio de orgulho dás fatal desafias o festim em que risonho folgas.
E os porOs, teus vizinhos, Éste
Aos campos do combate.
Mas. ergue um pouco a fronte,
Fatal cegueira !. cuidas que na história Olha. não vês no lôbrego horizonte
Brilhante nome vais gravar eterno Uma estrêla de sangue que se some
Em páginas de glória, Nas sombras de um bulcão?
cobre teu nome
.
E julgando-te já Breno moderno, Teu castigo prediz..
De um ligeiro triunfo entumecido De eterna maldição.
No peito alentas esperança insana
De lançar tua espada de bandido
Na concha da balança americana. III
Co'essa espada infeliz, que nas refegas
Dos rins jamais te sai, OsÓRIO E A PASSAGEM DO PASSO DA PÁTRIA
Ah! tu não vês, que vais cavando às cegas
O sepulcro, em que já tombando vai Eis já de Osório além do Paraná
Contigo o povo, que jungido trazes 0 heróico vulto assoma,
Do jugo teu aos vínculos falazes?... Arde-lhe o peito em belicoso afã;
No árdido arrôjo tudo vence e doma.
e
Águia quiseste ser; cabe-te o nome Brada avante!, voando impetuoso
De carniceiro abutre, De combate em combate
Que em cadav'res corrutos mata a fome, Com a ponta da lança às portas bate
E sóde sangue e podridão se nutre. Do déspota orgulhoso.
A águia empolga a prêsa que cobiça
Com sua própria garra; Onde vais, lidador aventureiro,
Mas ninguém viu pela sangrenta liça Que impávido e sereno,
0 lampejo de tua cimitarra. E quase só calcar ousas primeiro
Do inimigo o pérfido terreno !?...
Sôbre êsses tristes campos desolados Por sôbre a tua fronte,
Convertidos em pântanos de sangue, Por baixo de teus pés, a cada lado,
Entre montões de corpos degolados No campo ou selva, na valada ou monte
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 261
260

Vais achar teu exício aparelhado, Onde vais, lidador aventureiro


como por encanto. Que impávido e sereno,
Por tôda parte tua lança és o primeiro
Surdem perigos mil, erguem-se escolhos, A cravar
E com famintos olhos No pérfido terreno!?...
em cada canto.
Te espreita a morte oculta
Mas quem pode deter o astro brilhante
Da floresta nos antros tenebrosos No giro glorioso,
Rubras crateras súbito se acendem, Ou da torrente férvida, espumante
E em roncos pavorosos Opor um dique ao curso impetuoso!.
Do seio ardente mil trovões desprendemn. Já longe avante vai; já os perigos
Aqui um som confuso remurmura Na medonha voragem se arremessa,
Em hórrido covil, E com olhar trangüilo ei-lo atravessa
E súbito rompendo a mata escura Os fogos inimigos,
Flamejam lanças mil. Que nas veredas ásperas da glória
Por guia leva oo anjo daseuvitória.
Qual doida nuvem, que zunindo passa Ígneo lampejo gládio fulmina
;
Impelida de rijo furacão, o
Por entre nevoeiro que das metralhas
Tudo fere, abalroa, e despedaça Um semideus parece, domina
0 rápido esquadrão; A sorte das batalhas,
Corre, voa, destroça, e de hora a hora Ei-lo que além desaparece envolto
Some-se aqui, além de novo brame, De fumo e fogo em turbilhão revôlto.
Combate e foge, surde e se evapora
Qual de duendes pavoroso enxame. Qual o condor pairando em céu escuro,
Donde bramindo o raio se despede,
Diante de teus passos Assim Osório com olhar seguro
De ciladas um dédalo se enreda; O paraguaio campo explora e mede;
E o chão crivado de traidores laços Os ardilosos planos lhe adivinha,
Passar além te veda. E os mais esconsos antros esquadrinha.

De trás de cada tronco um combatente Veloz como o tufão perlustra e bate


Verás surgir, e a balsa verdejante, Em tôda a linha a frente do inimigo,
Que além vês sussurrando, de repente E combate ferindo após combate
Em bulcão se transforma chamejante De covil em covil os desaloja,
Vomitando em horríssonos estouros E ao derradeiro abrigo
Um chuveiro de bombas e pelouros. Dos baluartes seus os punge e arroja.
Atravancam-se aqui enormes pilhas Assim quando o jaguar sanhudo invade
De árvores tombadas, Dos caititus a solapada roca,
Que contra o osto teu em mil estilhas E derrama o terror e a mortandade
Erriçam-se farpadas, Pela sombria toca,
Além sob o tapiz viçoso e mole Em derredor da truculenta fera
Falaz e liso esteiro Encarniçada a turba se aglomera.
Esconde o tremedal, que inteiro engole Girando em turbilhões enovelados
Cavalo e cavaleiro. Com hórrido estrugido
BERNAKDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 263
262

Roncan trincando os dentes navalhad0s. Olha, que nobre ardor, quanto heroísmo
Solta o jaguar um pávido bramido, Da denodada turba o peito inflama
garras lança:
Eà relta caterva as
Com êles entra em áspera refega,
Tendo aos pés o voraz, undoso abismo,
e
Sôbre a fronte um dossel de fumo chama,
E tudo, quanto o irado bote alcança, Já dos domínios teus rompe a baliza,
Mutila, rasga, e rábido estrafega. E o solo do inimigo afoita pisa.
Ei-los em fuga á se vão rosnando
Nora guarida ao longe procurando. m

trnode teus muros ondeando


A carabina, a baioneta, o sabre
Estrago e morte a eito derramando
Salve Itapiru!. bronca atalaia, Ao seio teu amplos caminhos abre,
Que as ameias ao cu ergues sombrias, E com bramido horrendo a artilharia
É à terra paraguaia Atroadora saudação te envia.
As fronteiras inóspitas vigias!. Eis já por fim baqueias,
Salve, ó tu, que primeira E de teu derrocado bastião,
51

Nos teus rotos merlões viste plantada Ondulando lá vejo nas ameias
A gloriosa, nacional bandeira; Vitorioso o nacional pendão,
Tu, que a fronte humilhada
Ante o herói brasileiro inclinas muda, Avante! avante! heróicos lidadores!
Itapiru, a musa te saúda!. Longa a lide será, dura e fragueira;
Ainda longe está dos vencedores
Diante de teus muros
Que esplêndido painel se desenrola !
V como alegre aos troféus futuros
Avante! avante!
Éle aos
-
A palma derradeira.
campos
Osório é quemn vos brada.
da glória
S1-b

A brasileira flâmula tremola!. Vos chama, e com a fulgurante espada


0
v
undoso Paraná entre assombros
Da temerária emprêsa o estranho arrôjo;
Vos aponta o caminho da vitória.
De carga ufano, que conduz nos ombros Avante! além! já gloriosa estréia
De inúmeros batéis no curvo bôjo, Deixais ali gravada
Em cada onda, que as areias beija, De Itapiru na fronte esmoronada.
Centos de heróis nas praias te despeja.
Dos feitos vossos na imortal cadeia
Em vão a tua irada artilharia Forjastes o primeiro elo brilhante,
Qual molosso feroz espuma e Prelúdio deslumbrante,
ladra; Dessa epopéia de gentis façanhas,
Despejando a tremenda bateria
Já lhe responde a brasileira esquadra. Quais esta idade nunca viu tamanhas,
Dos bordos o canhão rebrama
iroso,
Camaradas de Osório, avante, avante!.
Ruína e mortes trovejando entorna;
Do Paraná o veio caudaloso
Em cratera de fogo se transtorna. IV
Horrível asteróide, a ardente bomba RIACHUELO E BARROSO
Curvo giro traçando nos espaços
Rebenta, e num chuveiro de Salve, grão Paraná! como se estira
estilhaços
Dentro em teus muros tudo arrasa, e Por páramos sem fim teu largo leito,
arromba.
Abrindo ampla avenida de safira
RERNAINO GUIAtARÅES
POESIAS COMPLETAS
265
Entre dosséis de nítida esmeralda,aspecto, 5-a o
Desde as montanhas de sombrio Ou da floresta múrmuro fagueiro,
Que em borbotões te entornam pela espalda, C entre o farfalhar de auras suaves
T asnorisonhas, argentinas plagas, Brandos gorjeios de inocentes aves.
Que curso caudal soberbo alagas!
Mas tu, que ora sereno e majestoso
Qual boicininga enorme Por solidões tranqüilas te derramas
A rugidora cauda sacudindo Tintas de sangue em breve as tuas águas
Pelas montanhas no despenho imsano, Dos canhões ao ribombo pavoroso,
0 corpo estendes no deserto
a
infindo, Verás arder entre vermelhas fráguas,
E léguas trinta abrindo bca informe Não luz do céu, porém do inferno as chamas
Vais morder o oceano. Refletirás em teu turbado veio,
E em vascas de inaudito cataclismo
Salve, gigante! nos excelsos montes Ao chogque horrendo tremerá teu seio
Se assenta o trono eterno, em que dominas; Desde o profundo abismo.
São teus reinos intérminas campinas,
Infindos horizontes. Como um bando de cisnes dorme arfando
Os verdes pampas tens por escabelo, A foz do Riachuelo
Tens por o
dossel firmamento azul; Dona das águas a brasíilia frota,
Salve, gigante majestos0 e belo, Do paraguaio eterno pesadelo;
Rei das águas do sul! E do inimigo os passos vigiando
Do grande rio lhe atravanca a rota.
Pelos ermos tranqüilo resvalando,
Campinas banhas, selvas e palmares, 52-b o cacique em
E te acalentas ao murmúrio brando Jura fúria aniquilá-la; 52-c

Das selvas seculares. E em pêso a sua armada


De mortais apetrechos atulhada
Na vasta zona, que teu veio inunda, Contra a esquadrilha descuidada abala.
Do virgem solo o seio fecundando,
Só vês da natureza a mão jucunda Eia, Barroso!. lá desponta a aurora
Seus ricos dons risonha alardeando, Doteu dia de glória,
Ampara-te do sol contra o mormaço 0 sol, que em Riachuelo surge agora
Da selva intonsa o flutuante véu, Esplêndido e formoso
E no cristal do límpido regaço Abre nos fastos da brasília história
Sorri-se a paz do céu. Para teu nome espaço luminoso.
Leão do mar, sacode altivo a coma,
A Deus prouvera de hórrido combate Que a prêsa tua no horizonte assoma.
Nunca ouvisses a grita furiosa,
Nem te tremesse o seio ao rijo embate Qual de abutres famintos negro bando
Da guerra sanguinosa!... Águas abaixo ei-los que vêm singrando
Oh! quem dera jamais outros rumores
Os lenhos paraguaios.
Ouvisses mais que o canto do barqueiro
Cantando os seus amres, Trazem furor e sêde de carnagem,
Monstros marinhos têm por equipagem,
Guardam no bôjo da vingança os raios.
GUIMARAES POESIAS COMPLETAS
BERNARDO 267
266

Vê, como audazes pela


frente passam Nuvens de ardentes balas despejando
Da brasileira frota; Dos flancos fumegantes.
a ameaçam
Como dos lados todos
De inevitável, mísera derrota!
Atroadora em uma outra b0rda
A vOz tremenda dos
e
canhões acorda.
Urge o perigo;
O ar é fumo e fogo; -
assanha-se a tormenta,
é sangue o rio;
Ao clarão tôrvo de uma luz sanguenta
Ressalta o horror dêsse painel sombrio.
e
Mas Barroso os espera calmo quêdo:
Bem como soberana águia altaneira Entre rolos de fumo esbraseado
Pousada no rochedo, As trovejantes naus,
Do convés da possante canhoneira Dos canhões ao troar desconmpassado
Um por um os contempla, os mede e conta, Vogar parecem pelo horror do caos!
E a cair sôbre êles já se apronta.
À súbita borrasca impetuosa
Eis já do seio da inimiga esquadra Impávida e trangüila
De balas mil um turbilhão rebenta; Em seu pôsto um momento não vacila
Cada batel em fúrias ruge e ladra, A esquadra gloriosa,
Qual de lôbos matilha famulenta, Que em Paissandu ergueu nobre troféu,
Expande-se no ar negrume horrendo, E ante a qual tremeu Montevidéu,
De mil vermelhas chispas retalhado,
Como imensa caldeira refervendo, Mas ai! urge o perigo; atroz carnagem
Se empola ao rio o seio alvorotado, Entorna sangue em jorros no convés
Reproduzindo em lôbrega miragem De uma nau, que atracada de abordagem
Do bombardeio a pavorosa imagem. Luta em perigo de fatal revés!
Não s das naus: também da ribanceira Além outra infeliz em transe incerto
Na mata oculta horrível canhonada Não tarda a sucumbir na heróica luta;
Ferve e troveja ao longo da ribeira; Por três navios fulminada ao perto
Qual do seio de nuvem lacerada Em desigual combate em vão labuta.
Ardente chuva de metralha e bomba
D'alta barranca sem cessar ribomba. Outra mais longe em cheio recebendo
Dragões do mar com hórrido zumbido Da ribanceira horrível bombardeio,
Rugindo as asas rápidas agitam Ao pêso verga do bulcão tremendo
Os lenhos artilhados; E enterra nágua o lacerado seio.
Estua o rio ao tétrico estampido
Das torrentes de chama que vomitam Eia, Barrosu!.. quase lá naufraga
Dos rábidos costados! Do brasileiro pavilhão a glória!...
Já do inimigo audaz, que nos esmaga
Como vogando em cu tempestuoso Nos lábios paira o grito da vitória.
Densas nuvens ao spro do tufão
Abalroando em choque temeroso Mas não: é cedo ainda; o grito ousado
Rebentam com horríssona explosão, Convertido em gemidos de agonia 52-d
Tais se entrevelam pávidos arfando Vai no peito morrer-Ihes afogado
Os monstros flutuantes No próprio sangue, e na torrente fria
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 269
268

ondas espumantes
Lá vem cortando asproa Salve, 6 nomes tão dignos de memória!
Do "Amazonas" a gloriosa, 52-e Vós sós sois um poema!
as asas sussurrantes E entre os troféus da brasileira glória
E sacudindo a !
Vomita fogo mole poderosa 0 mais formoso emblema!
Qual monstruoso, rábido espadarte
Tudo, que encontra, fere, esmaga
e parte.

Porém que atroz painel!... da luta insana


Já do convés o impávido almirante Vêde o cenário horrendo!
Sôbre o inimigo aproa a férrea tromba Espêsso fumo ainda os céus empana
De seu batel pujante, Do turvo rio o seio escurecendo.
Que empurra, fere,despedaça e arromba Tristes destroços, corpos mutilados,
E no abismo sepulta derepente, Troncos, cabeças, braços decepados
Quanta inimiga nau encontra em frente! Lá vão rolando. mas silêncio, ó musa!...
Cantar não tentes a gentil proeza;
Ao rude choque das fatais marradas Arcar não deves com tamanha emprêsa
Játrês delas de morte estão feridas, Que a teus débeis acentos se recusa.
E pelo undoso vórtice engolidas
Lá ficam para sempre sepultadas. Vem tu, Meireles; vem, preclaro artista ! 52f
As outras assombradas receando Rei do pincel, em meu socorro acode:
Desdobra à nssa vista
0 desastroso fim das companheiras, A tua radiante, imensa tela,
Fogem, fogem ligeiras
o exício miserando.
Para evitar Mais eloqüente, mais vivaz, mais bela 52
que Que a mais formosa ode.
Elas, hápouco feras e bizarras
Vitória iam cantar. ai das mesquinhas que da musa o canto desmaiado
Medrosas andorinhas Eo
Lávão fugindo do condor às garras! A custo mal exprime,
Vem revelar ao mundo deslumbrado
Levam da esfrega as asas derreadas, Com teu pincel sublime.
Mas do pavor nas asas vão voando;
Das argentinas águas enxotadas
Para sempre se vai o turvo bando
Esconder-se de mêdo e de vergonha
Dos antros seus na solidão medonha. URUGUAIANA E CANAVARR0

Da aliança à cruzada generosa Agora, enquanto o pavilhão formoso


Eis livre o pasSSo sôbre o vasto leito Da ínclita aliança
Da imensa estrada undosa : Após novos lauréis correndo ansioso
Para seguir no glorioso pleito Desassombrado em seu caminho avança;
Já tu lhe abriste, intrépido Barroso, Enquanto Osório a heróica espada arranca,
Amplo caminho sôbre o largo rio De derrota em derrota
Té plantar o pendão vitorioso 0 fugitivo paraguaio espanca,
Nas ameias do déspota sombrio. E para além do Paranáo enxota;
Salve, Barroso, nauta glorioso! Nós, oh musa, deixemos por momentos
Salve, Amazonas", imortal Do grande rio a riba ensangüentada,
navio!
19
BERNARDO GUIMARES
210 POESIAS COMPLETAS 271

Por onde agora dos canhões cruentos


e ruge ainda a bca irada: Da triste rendição;
Flameja Ela só nos acorda na memória
Desviemos um pouco da carreira,
Que vai trilhando a hoste gloriosa, Horror e compaixão.
ganhemos de unm vo a ribanceira
Do rio, que na lira harmoniosa
Desfile embora Inísera coorte
O
cantor de Lindóia, o ilustre Gama 36-a De esquálidos fantasmas,
Encheu de eterna fama. Inda em vida exalando já da morte
Os pútridos miasmas.
Uruguaiana, linda flor viçosa
Das campinas do sul, Deixa passar o macilento bano
Que a branca fronte espelhas orgulhosa Para dar pasto à vã curiosidade,
Do pátrio rio n0 regaço azul, E sorrir-se ante o quadro miserando
Tu, que em frente da Espanha americana Dos cortesãos a bárbara vaidade.
Gentil. nobre ataiaia
Ao sul Tigias do Brasil a raia, De míseros espectros inanidos,
Salve, Uruguaiana! Que parecem dos túmulos surgidos.
Quem quer preito e menagem?
Um dia o pé brutal do paraguaio Glória se colhe ao silvo das metralhas,
Calcou-te o colo, profanou-te o seio; Por entre o horror de ríspidas batalhas,
Mas pronta como o raio Em meio da carnagem!
Mão vngadora em teu auxílio veio,53-a
Dos filhos teus a indômita bravura Vamos além... já o canhão nos chama,
Oh! não, por muito tempo não consente, musa, a outros lugares,
Ó

Que em teu seio se abrigue a horda impura Onde a peleja hórrida rebrama.
Do bárbaro insolente, Vamos além; mas antes de deixares
Que da pátria as campinas tala e assola, Éstes sítios famosos,
E o que hámais santo sem pudor viola! Desperta ainda os ecos, e saúda
De Canavarro os manes gloriosos!
monstro carniceiro, que surgira
O Não, não podes, não deves ficar muda
Das selvas paraguaias, Ante a sombra do velho lidador,
E com ousada planta conseguira Guerreiro ilustre das antigas lides,
Do pátrio solo violar as raias; Cavalheiro sem mancha, e sem pavor!
Que rugia famélico e sedento Suas cinzas venera, e não trepides
De sangue e de carniça,
E vinha ansioso em teu solo opulento Em comsagrar-lhe a glória
Fartar de roubos a feroz cobiça ; Entre os heróis mais dignos de memória.
Ei-lo que arqueja hidrófobo, espumante
Colhido em fatal rêde, Quem por essas intérmìnas campanhas
Ei-lo dobra o joelho suplicante Dêste solo de heróis não sabe o nome
Morrendo à fome e à sede, E as ímclitas façanhas
E à terra em vão, em vo aos céus implora Do valente, que a terra hoje consome
LenitivO ao tormento, que o devora! No túmulo singelo, em que descansa?
Mas passemos por alto a cena inglória Podem mil gerações se suceder,
Esse nome do povo na lembrança
ERNANIO GUIMANES
POESIAS COMPLETAS 273

Jamais h de morrer Dnquanto nessa altiva e nowre terra


Nesta terra, em que des da tenra idade De Osório, dos Menas, e de Andrade,
Brandiu a lança em prol da liberdade! Terra, que aos centos gera heróis de guerra,
Uma centelha houver de liberdade;
Quenn não conhece o forte cavaleiro,
0 lidador ousado?
Enquanto do gaúcho sôbre a tenda
Pelos rincões veloz como o pampeiro Férreo pé não calcar o despotismo,
T'oar parece num ginete alado!
Mui de longe o gaúcho o reconhecc, Será sempre teu nome uma legenda
De glória e de heroísmo!
E ao tropear do rápido corcel
0 inimigo pávido estremece,
E foge de tropel. VI
TUIUTI E 24 DE MAIO
Já no declínio dos camsados anos,
Quando a pátria em perigo De Tuiuti nas margens paludosas
Os filhos chama a vindicar os danos,
Com que a ultraja pérfido inimigo,
Já da aliança o pavilhão flutua;
Ante as fortes falanges valerosas
Ei-lo de novo o campeão valente O paraguaio atônito recua,
Das glórias de outras eras, E tenta com trincheiras, muros, fossos
Ei-lo o primeiro se apresenta em frente Opor um dique ao impeto dos nossos.
Contra as hordas selváticas e feras,
Que o pátrio solo amado,
Com roubo, ultraje e morte hão profanado! Onde estão êles, onde, êsses guerreiros
Que inda há pouco no meio do combate
Com ardilosa tática prudente Se arrojavam uais lôbos carniceiros?
De Estigarríbia a bárbara coorte Onde os valentes, que ao tremendo embate
De Uruguaiana leva ao matadouro, De nossas legiões quedos morriam,
E quais duendes mais além surgiam?
Onde o chefe insolente
Já preferindo o cativeiro à morte
A vil espada entrega com desdouro ... Que dêles?... num momento se sunmiram
é

Nas sombras dos escuros natagais,


Ah! por que sôbre a fronte veneranda Quais vampiros da noite, e se esvaíram
Pairar fizeram pérfido baldão, Esgueirando por entre os tremedais,
E torpe aleive de injustiça infanda Que não se atrevem mais em campo aberto
Teve por galardão Travar combate a peito descoberto.
O herói, que os restos da
cansada vida
Dava por sua pátria tão querida?!
Ante a espada de Osório atropelados
Mas... tu morreste, Canavarro! A história Lávão correndo a demandar guarida
Que sôbre as campas a verdade escreve, Por trás de imensos muros artilhados,
Guardou teu nome; enxovalhar-lhe a glória Onde esperam não só salvar a vida,
Quem mais aí se atreve? Como também com tredos embaraços
De nós dar cabo, ou nos tolher os pasSOs.
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAs 275
274

Láse levanta em triplicada linha


De altas trincheiras muro insuperável,
Bem como longa, monstruosa espinha Erguei, erguei muralhas e trincheiras,
De terrível dragão imensurável, Cavai bem fundo os fossos,
Que em meio da planura alagadiça Noite dia empregai vossas fileiras
e
0 dorso enorme pavoroSO erriça. Em construir colossos.
Por terra derribai bosques sombrios,
Quais traiçoeiras serpes enroscadas Minai a terra, desviai os rios!
Ocultas no capim o bote armando,
Tais por brenhas e brejos abrigadas 54-a Erguei, erguei muralhas, estacadas,
A cada canto nos estão mirando Merlões edificai,
As paraguaias hordas fementidas Vossas tredas planícies alagadas
Por trás de seus redutos escondidas. De valas retalhai,
Levantai ante vós muros titânicos,
Aqui abre-se um fosso, além um muro Desenvolvei vOssos ardis satânicos!
Se ergue altaneiro, além mais outro ainda;
Embalde!. êsses horríficos colossos
Ali se cava boqueirão escuro,
Por terra tombarão.
Além um forte, e em sucessão infinda E em sua queda vossos próprios ossos
Trincheiras, muros, fossos se apresentam, Um dia esmagarão!..
Que o valor mais constante impacientam. Cairão sôbre vós os próprios muros,
Em que campais agora tão seguros!
No meio o intrincado labirinto
De valas, baluartes e muralhas, Sim, muito cedo tombarás em ruínas,
Formando em tôrno tresdobrado cinto Soberba Jericó;
Compacto e urdido de valentes malhas, Não ficará das moles ressupinas
Como aranha no centro de uma teia Nem uma pedra só,
A temerosa Humaitácampeia! Ligeira a hora do castigo avança.
Vão troar as trombetas da vingança.
Diante dessa mole poderosa
A hoste da aliança pára e hesita; É Deus, quem guia da cruzada honrosa
Do grande Osório a espada gloriosa Os santos estandartes,
Metida na bainha geme aflita; Que através dessa mole temerosa
Já não Ihe é dado mais vencer batalhas, De horrendos baluartes
Mas só romper tranqueiras e muralhas! Vão em nome do cu, da humanidade
Anunciar-vos paz, e liberdade!
Pára e hesita; porém não desalenta
A valente cruzada ante êsse dique,
De dia em dia mais e mais se alenta
Para vencer a sanha do cacique, Nos muros seus o déspota escondido
Ea pé quêdo em seu pôsto, firme espera, Medita ainda um derradeiro esfôrço
Que dentro do covil ruja a pantera. E de tantos reveses, que há sofrido,
Procura enfim tomar cabal desfôrço.
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 277
276

ânsia extrema, arranco de agonia,


É

De quem seu fim não nuito


longe encara,
mais um belo glorioso dia, prepara.
É
Avante! avante! fogo! Osório brada
Que a sorte dos combates nos As filas perlustrando;
Na destra lhe reluz a heróica espada
De novo louro em meio das metralhas
As valerosas legiões guiando,
Vais ter, Osório, a fronte circundada; Como um farol de glória
Inda uma vez o anjo das batalhas Lhes apontando a senda da vitória.
Te diz herói, desembainha a espada!
Avante ! avante ! a valorosa gente
Apenas suas tendas hão plantado Um passo não recua,
Em Tuiuti as hostes aliadas, Pois está vendo reluzir-lhe à frente
E em guarnecer o campo abandonado Do legendário Osório a espada nua,
Se ocupam do inimigo descuidadas, E a hoste belicosa
De Osório ao grito avança impetu0sa.
Eis de improviso lanças mil rutilam
Entre as sombras dos cômoros fronteiros, Bem como em alta e tórrida macega
E sôbreo campo rápidas desfilam 0 incêndio estala e ruge,
Colunas e colunas de guerreiros. Assim por todo o campo arde a refrega,
E rábida restruge;
O
ronco do canhão, que ao longe troa,
Láda floresta surge outra floresta
; Nas fundas selvas pavorOSo ecoa.
De lanças, de fuzis, de baionetas
Das brenhas a favor caminha lesta Entre o
fumo da ríspida contenda
Sem troar de tambores nem trombetas. As lâminas rutilam,
Quais entre nuvens de procela horrenda
Como caudal torrente represada,
Coriscos mil fuzilam;
Que os diques colossais enfim rebenta, E da peleja na sanguenta liça
E em meio das planícies despenhada De mais em mais a fúria se encarniça.
Em borbotões se arroja turbulenta,
Em nuvens de pelouros sibilando
Tal de seus baluartes despedida A morte cruza os ares,
Vem ruindo a coorte ameaçadora, E pelo campo a eito vai ceifando
E de indomável ímpeto impelida Guerreiros aos milhares
De chfre sôbre nós rugindo estoura! Como virente selva truculenta,
Que tomba ao rijo sôpro da tormenta!
Troa o clarim, e súbito se estendem
De nossa linha as alas formidáveis, Corre o sangue em regatos, que serpeiam 54-b

E em seu pôsto galhardas se defendem Tingindo o turvo mangue;


Sustendo o rijo choque inabaláveis. Os corcéis ofegantes galopeiam
Em lodaçal de sangue.
De flanco a flanco ateia-se a
refrega, Por entre furiosa gritaria
fuzil e o canhão brama, e troveja; Ouvem-se ais, gemidos de agonia!
Em rubros turbilhões arde e fumega
Como um vulcão o campo da De Osório surge no infernal estrondo
peleja! A marcial figura,
BERNARDO GUIMARES 279
278 POESIAS COMPLETAS

54-e
E nas sombras do báratro hediondo Glória ainda uma vez ao nome teu,
Um gênio se afigura, Ilustre lidador!.
Que rege, ateia e apaga a seu talante
Todo aquêle oceano flamejante. Nova coroa a fronte te envolveu
De eterno resplandor,
Avante! avante! fogo! Osório brada Honra a ti, e a teus bravos companheiros
As filas perlustrando; Glória aos hericos, imortais guerreiros!...
Retine a lança, a baioneta, a espada,
No prélio fuzilando,
E nas últimas ânsias a peleja 54-d VII
Em mar de fogo furiosa arqueja!
PÔRTO-ÁLEGRE
Avante !. porém já desbaratado
Volta a face o inimigo, Já não sòmente a bala, a lança, o
sabre
E de Rojas no campo entrincheirado Em contínuas batalhas carniceiras
De dia em dia imensos claros abre
Vai procurar abrigo.
Qual de javardos horda perseguida, Das aliadas hostes nas fileiras.
Que se recolhe à toca conhecida, 54-e Novo inimigo surde lá do fundo
Dos mangues lodacentos:
Quais voam pelo céu despedaçadas, Da peste se levanta o monstro imundo,
No fim do temporal, E das fauces infectas exalando
As nuvens pelo sôpro dispersadas Miasmas peçonhentos
De rijo vendaval, Vai pelo campo estragos derramando.
Tais de tropel buscando os seus merlões
Lávão fugindo os rotos batalhões. No leito inglório exânimes expiram
Aos centos os heróicos lidadores,
Foi êste um dia de sangrenta glória, Que já em cem combates vencedores
Também de luto e pranto ; De glória se cobriram,
Já pelo campo da feliz vitória Des lá de Uruguaiana e Iataí
Restruge altivo o canto, Té os tredos pauis de Tuiuti.
E a clangorosa, bélica harmonia
Abafa mil gemidos de agonia! Calam-se os bronzes ante o mal horrível,
Pende o arcabuz, a espada se embainha,
E dizimado o exército invencível
Em forçada inação jaz e definha,
És tu ainda, Osório, que na história E fraco mal responde
Da brilhante epopéia grandiosa Aos tiros do inimigo, que se esconde!
Burilas com a espada valorosa
A mais brilhante página de glória.
Mas já no campo surge radiante
Sim -é o teu montante formidável, De Pôrto-Alegre a homérica figura;
Que inda uma vez esnmaga o Dos heróis entre a plêiade brilhante
paraguaio,
E eterniza esta data memorável Mais um nome fulgura!
Das campinas do Sul é mais um filho, 55-a
Vinte e quatro de maio! Que às pátrias armas vem dar novo brilho.
BERNARDO GUIMARES PODSIAS COMPLETAS
280 281

Traz consigo coortes valerosas, De cem canhões o fogo despejando


Lidadores novéis, Nas alagadas vargens
Pouco afeitos às lides sanguinosas, Do alto dos terríficos merlões
Mas bravos e fiéis, Fulmina de uma vez cem batalhões.
Que anseiam pela hora do perigo
E ardem por ver a face do inimigo. Que importa! abram-se embora ante seus passos
Pesa-lhes n'alma êsse silêncio inglório Flamívomas crateras:
Dos canhões da aliança. Sôbre êles rebentando em estilhaços
Aos veteranos do valente Osório Desabem as esferas ;
A palma de pujança Tombem os montes, cavem-se os abismos,
A todo transe disputar pretendem, Trema a terra em medonhos cataclismos.
E em belicosa emulação se acendem !
Que importa!... qual torrente furiosa,
Quem sopeá-los pode na afouteza Que desce da montanha,
Daquele ardente afôgo?... A brilhante coluna impetuosa
Querem já receber em luta acesa De façanha em façanha
0 batismo de fogo À VOZ do bravo chefe irá rompendo
Em nobre ardor não menos ansioso Morte ou vitória só por senha tendo!
Ofega o peito ao chefe glorioso.
- Para
Curupaiti! marchemos!... eia
0 chefe ilustre brada:
! - Em possantes navios conduzida
Pelas águas do undoso Paraguai
De Pôrto-Alegre a gente destemida
Para Curupaiti! alto vozeia Mil glórias a sonhar subindo
A gente alvoroçada, vai.
Vai-lhe na frente a esquadra gloriosa.,
E com0 quem se vai para uma festa Que em lenta marcha avança cautelosa.
Jáprazenteira e férvida se apresta.
De escarpada eminência no recôsto Sabe do rio o leito estar trancado
Curupaiti De mortais empecilhos e torpedos;
lá está,
Qual molosso feroz de guarda pôsto Que do tirano o espírito atilado,
À horrenda Humaitá,
Sempre fecundo de artifícios tredos,
Muros, trincheiras, brejos, socavões Se não sabe brandir no camp0 a espada,
Cingem-Ihe em tôrno os negros bastiões. Tigre covarde prima na cilada.

Para tornar de todo insuperável Vai subindo a falange valorosa;


0 altivo baluarte Mil glórias a sonhar lhe anseia o peito,
Concorreram de modo formidável Enquanto a armada corta a estrada undosa,
A natureza e a arte. Que se espreguiça no profundo leito.
Por tôda parte o circunscreve todo De olhos fitos no chefe seu querido
E água, e fôsso, e fogo, e mato e Conter não pode o ímpeto insofrido.
lôdo.
Do Paraguai as águas Eis lá do seio de bravia brenha
dominando
Repousa os pés nas margens; Troa o sinal há tanto suspirado.
Invisível canhão com vo0z rouquenha
RERNARDO GUIAMARES
POESIAS COMILETAS 283
Na funda selva estruge inopinado
Qual ronco de medonha sucuriba VIII
Feroz rugindo pela bronca riba!
AsSALTO A CURUZU 50

Mais um dragão oculto na espelunca


Bramido horrendo espalha pelos ares É noite.Pelos céus a lua branca
Na densa mata alapardado! Nunca Esparge saudosíssimos fulgores,
Ninguém o ouviu, nem viu nesses lugares. E ao longo da barranca
É senpre
assim que de guarida oculta Murmura o rio lânguidos rumores,
A densa brenha arqueja
Ésse inimigo astuto nos insulta. Ao branco sôpro d'aura, que a bafeja.
De Pôrto-Alegre sôbre a herica fronte
Resplende calmo um raio de alegria, Na bronca selva de arcabuz ao lado
Como no tope de elevado monte Em frio e duro chão dorme o guerreiro,
A luz se esbate de formoso dia, 55-b Outros também no solo ensangüentado
Parece rer no céu o anjo da glória Estão dormindo o sono derradeiro. 50-a
A lhe acenar co'as palmas da vitória.
Dêle ao aceno lépidos saltando Tudo é Sombra e mudez
Pela deserta, nemorosa margem Pela sombria, lôbrega espessura;
As galhardas fileiras desdobrando Do vento, que murmura
Os denodados batalhões se espargem. 55-0 Mal se ouve a voz, e lá de vez em vezZ
Um chuveiro de bombas e granadas Retroando da brenha entre os algares
Sôbre @les tomba em hórridas rajadas! 0 tiro da vedeta acorda os ares.
Mas já se embrenham pela mata adentro
Qual matilha de galgos adestrados; É
noite. A lua vai silenciosa
Vão destemidos procurar o centro Pelos celestes páramos boiando ;
Donde trovejam os canhões irados. Qual charpa luminosa
Querem ver o inimigo fronte a fronte, Resplende o largo rio espreguiçando,
De tanto estrondo querem ver a fonte. E brandamente arqueja
Sôbre as areias, que amoroso beija.
Por entre as furnas da floresta hirsuta
0 combate feroz estoura e ruge, Que solidão! que paz do céu descida
Qual incêndio vOraz. Medonha a luta
Encarniçada e férvida restruge! Sonhos derrama de saudade e amor,
Parece temporal que atroa os ares, >
Pairando sôbre a fronte adormecida
Deitando em terra troncos seculares! Do rude lidador!

De covil em covil escorraçado


O inimigo por fim se vai Talvez a esta hora uma visão celeste
sumindo Vem sorrindo pousar-lhe à cabeceira
E da rude refrega escarmentado Do ingrato leito agreste,
Pelas brenhas se acoita. Vem caindo
A noite e com seu plácido remanso E docemente com a mão fagueira
Da guerra aplaca voz sanguinolenta,
À
fúria da matança impõe descanso. 55-e E entre idéias saudosas o acalenta.
BERNARDO GUIMARAES POESIAS COMPLETAS 285
284

Sim, talvez lhe sorriem nesse instante Pelos grotões do bosque emaranhado
Imagens bem-queridas
:
Pavoroso sussurro se propaga,
o lar, a espôsa, a doce amante Como ao longe ocean0 encapelado
A pátria,
No troar dos combates esquecidas Arrebentando vaga sôbre vaga;
Vêm a furto afagá-lo Tremenda ventania
embalá-lo. A melena dos bosques arripia!
E com meigas lembranças

Mas dura pouco a paz, que 0 céu envia Pelos selvosos antros, que restrugem,
Sôbre a face da terra. Um mar de fogo em turbilhão rebrama;
peito humano estua noite e dia As chamas em furor crepitam, rugem,
Entre sonhos de guerra. Nos ares se derrama
De espêsso fumo tolda abraseada
Avança fogo! mata! avança! avança !
! 56 Como de bronze abóbada inflamada.
Mesmo dormindo o lábio remurmura,
Sêde fatal de sangue e de matança Já da floresta as árvores copadas
Lhes anuvia a tôrva catadura. De rubras labaredas se coroam;
Mil chispas abrasadas
Mas que sinistro estrondo desusado Turbilhonando pelo espaço voam;
Lá vem roncando pela escura brenha? Línguas de fogo pelo ar se estiram,
Que horrendo temporal desatinado E em fúria espadanando ao céu se atiram.
Pela bravia encosta se despenha,
Eaquem
faz bramir qual fero leopardo,
cravaram venenoso dardo? Mas do inimigo a ardil imprevidente
A
Contra si mesmo açula os elementos;
Não é dos bronzes o trovão, que brame
Contra êles soprando de repente
De ocultos bastiões,
Em nosso auxílio vêm propícios ventos, 56-b

Nem de inimigos é feroz enxame, E aquêle mar de horrendas labaredas


De rijo vento súbito açoitadas
Que em densos turbilhões
Despejando mortal fuzilaria
Contra quem o acendeu se voltam tredas,
E sôbre êles rugindo encapeladas
Nas trevas a lutar nos desafia. De rôjo os levam por grotões escuros
A demandar o abrigo de seus muros!
Não é também furor dos elementos,
Nem vendaval raivoso,
A noite inteira as selvas devorando
Que atira em terra os troncos corpulentos,
Arde e esbraveja incêndio furioso,
E em torvelim ruidoso O sinistro clarão reverberando
Galopando com fúria irresistível
As selvas enche de alarido horrível. Por brenhas, céus e águas;
Retroa ao longe o eco pavoroso
Que será?. de vermelha luz tingido
Das rugidoras fráguas.
Afogueado o azul do céu resplende;
Vasto clarão nos ares difundido De Pôrto-Alegre entanto a heróica gente
Por céus e terra súbito se estende; Junto à barranca o pôsto firme guarda
Do rio a larga veia E espera impaciente
De rúbidos reflexos se incendeia;
O prim0 albor da aurora que não tarda.
20
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 287
236

Não tarda; róseos véus já do levante Qual rude vendaval, S6-e

As orlas purpureiam. E sem cessar as filas denodadas


cambiante Açoita com mortíferas rajadas
!
Em breve de uma faixa se
Os horizontes lúcidos arreiam,
E entre estrondos de bélica harmonia A Curuzu!. avante sempre!... avante!
Refulge enfim o suspirado dia. De Pôrto0-Alegre as válidas falanges
Se arrojam. Já no prélio delirante
Mais longe, além, num claroo da floresta Emudece fuzil, cruzam-se alfanges,
o
De alto redente lá negreja vulto, E em tda a linha, selva movediça
Que sôbre nós grossos canhões assesta De baionetas súbito se erriça.
Por entre densas brenhas quase oculto:
Guarda avançada em matagal sombrio Hámuito já do forte combalido
A cavaleiro vigiando o rio. Calaram-se os canhões odesmantelados;
Da heróica esquadra fogo bem nutrido
É
Curuzu, pantera traiçoeira, Abafou-lhes na goela a chama e os brados.
Que na moita emboscada alto rebrama,
E ao longo da ribeira Mas entre os grossos rolos de fumaca S6-d
A morte, o susto, a confusão derrama. Que em tôrno dêle ondeia.
É
Curuzu!. a ela! eia, guerreiros! Tôrva ressumbra ainda a escura massa,
Com passo firme, sus!... voai ligeiros !
Minaz inda campeia,
Mal extinta cratera
Mas entre vós e o forte um mar ondeia De fumo em borbotões toldando a esfera.
De cinza ardente e de abrasados troncos;
0 inimigo canhão feroz vozeia Avante! avante! a hoste destemida
A cada canto pelos sítios broncos: Estragos derramando em tôda a parte
Crivado o chão de brasas e estilhaços Vai bater como a onda enfurecida
A cada instante vos suspende os passos! Na barbac do horrendo baluarte,
ÀS ameias se arroja, e a ferro frio
Que importa!. pelas sendas incendidas, As portas quebra ao bastião sombrio.
Através dos escombros fumegantes
Das selvas derruídas, De seus leais, valentes defensores
Entre nuvens de balas sibilantes, Nenhum cuida em fugir, nenhum se rende;
Olhos fechando ao tétrico perigo Contra a sanha dos fortes agressores
Buscais caminho ao antro do inimigo. Cada um a pé quêdo se defende,
E com torvado gesto sobranceiro
Em vão lá das ameias iracundas Morre um por um até o derradeiro!
Troveja o horrendo forte,
E a tôda parte pelas brenhas fundas Sublime devoção! alto hexoísmo!
Envia horror e morte! Coragem digna de melhor destino!...
Não fôsse ela estulto fanatismo
Em vão pelo selvático escondrijo Em defesa de um déspota assassino,
Do ínvio matagal Que aos povos seus em sorte
Rebenta a cada passo fogo rijo Só sabe dar escravido ou morte!
BERNARDO GUIMARES
288 POESIAS COMPLETAs 289
os clangores
Dos hinos da vitória entre Assim das mãos arrancam-te a vitória
Desfralda ao vento suas lindas côres
Expondo-te à cruel calamidade.
A nacional bandeira. Porém silêncio, ó musa; um dia a história
Com tiros e clamores de alegria Dirá tôda a verdade...
Do rio a esquadra saudações envia
À
flâmula altaneira.
BARCAROILA
Salve, nobre falange denodada, !

Que os feitos teus com tanto brilho estreias Feiticeira moreninha,


Tua senda de louros vai juncada, Que à tardinha 57-a
Nada tens que invejar glórias alheias, Vens na praia passear
E ao lado dos mais bravos veteranos Vê a minha barca linda,
Podeis agora erguer a fronte ufanos! Mais ainda
Que o mimosO nenufar.
Do livre bardo a musa te corteja,
Ilustre e bravo conde, A vogar
E aos hinos, com que a glória te festeja,
Sôbre o mar
Alegre corresponde,
Nos meus braços vem amar.
E se Ihe é dado, teus brilhantes louros
Há de enviar aos séculos vindouros!
Acharás neste barquinho
Doce ninho
Mas que estrêla fatal teu passo ousado
Vem suspender na triunfal carreira
Para de amôres cismar,
Embalada pela vaga,
Que intrépido encetavas? Que te afaga
E de Curupaiti ante a trincheira A luz de brando luar.
Sem vitória combate ensangüentado
A todo transe travas?"
É no mar
A vogar,
Curupaiti!... essa fatal lembrança E no mar, que eu seiamar.
Deve amargar-te n'alma, ó lidador :

Quando teu vo alçavas com pujança,


Arrancaram-te as asas, ó condor! Ronque embora a tempestade,
Mas nem um raio só se escureceu Que não há de
Da glória, que circunda o nome teu. Nosso barco soçobrar;
Eu não temo mais escolhos,
Golpe mortal sôbre o colosso ingente Se teus olhos
las pronto vibrar com mão segura; Junto a mim vejo brilhar.
Eis que infeliz, fatídico incidente
Turba-te os planos, balda-te a bravura,
E te diz não irás; -
é cedo
Que em seu covil se refocile a fera.
Espera,
A vogar
Sbre o mar
S6 tu me podes guiar.
POESIAS COMPLETAS 291
BERNARDO GUIMARÁES
290
mansa, De teus olhos cismadores
Ama a onda a praia Os fulgores
Nem se cansa
sempre a beijar; Parecem meigo luar,
De sempre e Quando na onda dormente
com ela,
E minha alma vem Docemente
donzela,
Seus amôres soluçar. Vêm seus raios repousar.

Sôbre o mar A cismnar


Sem cessar Vem no mar
Por ti vivo a suspirar. Em meus braços te embalar.

A minha barca é veleira, Moreninha feiticeira


E ligeira Que fagueira
Sabe as rochas evitar; Pela praia vens cismar,
Nem temo nenhum perigo, Olha a onda preguiçosa,
Quando sigo
Que amorosa
Por farol o teu olhar.
Vem na areia soluçar.
Sôbre o mar
A brilhar A boiar
S minha estrêla polar. Sôbre o mar
Nela amor te vem buscar.
Tal qual és assim formosa,
E donosa, Vem à minha barca linda, S7-b
Deves ser filha do mar; Mais ainda
De teus lábios os corais Que o mimoso nenufar;
Onde mais Neste berço encantador
Poderias encontrar! Nosso amor
Nunca mais se há de acabar.
Sôbre o mar
A vogar Sôbre o mar
Saberás melhor amar. A vogar
Viveremos só de amar.
Essas pérolas mimosas,
Que entre rosas
Num sorrir fazes brilhar, 0 ADEUS DO VOLUNTÁRIO
São tesouros, que nas vagas
Entre fragas Adeus! longe de teus olhos
Só o mar sabe criar. Tristes dias vou passar; 58-«
Vou cingir a espada, e longe
Sôbre o mar Mil perigos afrontar.
A vogar Adeus, que em longínqua terra
Vem teus risos derramar. Me chama o clarim da guerra.
Q99 BERNARDO GU1MARES POESIAS COMPLETAS 293

Dever de leal soldado Praza ao céu que eu possa um dia


Me arranca dos braços teus:
5$-7
Entre os hinos da vitória
a
Hoje pátria que padece Àgrinalda dos amôres 58-g
Me manda dizer-te adeus. é Unir os lauréis da glória
Oh! que este adeus bem nobre; E à sombra dos lares meus
Porém quanta angústia encobre!. Repousar nos braços teus.

A honra vou defender


Adeus, ó minha adorada, 58-h
Do auriverde pavilhão: 5S-o Soa a hora da partida;
Ai que minha alma se parte
le e o teu nome aqui lero Nesta triste despedida. 58-4
Gravados no coração.
Devo roltar conm vitória Cinge-me nos. .braços teus,
Ou morrer cheio de glória!.. Não chores. adeus... adeus!.....

Esta vida, êste meu sangue CANTIGA


Devo à pátria que mos deu: 58-d
Mas depois da pátria salva, Aqui dêste arvoredo
Serei teu, sòmente teu.
Guardar-te-ei fé inteira Das sombras no segrêdo
Qual guardo a minha bandeira. Oh! vem.
Por êstes arredores
bosque outras melhores
O

Terei sempre ante meus olhos Não tem.


A tua imagem louç;
0 nome
teu nas pelejas O ruivo sol da tarde
Seráo meu talism Já nas montanhas arde
E como um fanal de glória D'além.
Me levará à vitória, 58-e A lua alvinitente
Nas portas do oriente
Mas se no campo da Lá vem.
Émeu
honra
destino morrer,
Se nunca mais 0s meus olhos A viração fagueira
Puderem tornar-te a ver, 58-1 A rápida carreira
Sem Jastimar minha sorte Detém,
Chora sempre a minha morte. E dorme preguiçosa
No cálix da mimosa
Dêsses teus formosos Cecém.
olhos
Uma lágrima de dor
Caia sôbre o ignoto nome Ninguém na sombra escura
Do obscuro lidador Verá nossa ventura,
E tua saudade imensa Ninguém.
Seja a minha recompensa. Sòmente os passarinhos
Ocultos em seus nimhos
Nos vêm, 59-a
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 295
294

Do bosque entre os verdores Se eu de ti me esquecer, nem uma lágrima


Se ocupam só de amôres Caia sôbre o sepulero, em que eu jazer;
Tambénm, Por todos esquecido viva e morra,
Ea lua, que desponta, Se eu de ti me esquecer.
Jamais segredos conta
De alguém.
A MORTE DE FLÁVIO FARNESE 1
Debaixo do arvoredo,
Musa infeliz, ah! que sinistro fado
Na grama do vargedo Te cinge a fronte de funérea rama,
Oh! vem, E entre sepulcros pranto amargurado
SOmbra dêste abrigo
À 59
Hoje a chorar te chama?. .
Falar a sós comigo,
Meu bem. Jánãote é dado mais vibrar na lira
De flores enramada
As meigas cordas, em que amor suspira,
SE EU DE TI ME ESQUECER Nem por valente vo arrebatada
Tecer hinos de glória
Se eu de t me esquecer, nem mais um riso Aos filhos prediletos da vitória,
Possam meus tristes lábios desprender; Nem por tardes formosas
Para sempre abandone-me a esperança, À SOmbra descantar entre os vergéis
Se eu de t me esquecer. Da natureza as cenas graciosas,
Das solidões os mágicos painéis.
Neguem-me auras o ar, neguem-me os bosques Ah! nã0, que o gênio, que te inspira agora,
Sombra amiga, em que possa adormecer, Por sôbre as campas entre sombras mora.
Não tenham para mim murmúrio as águas,
Nem mirtos, nem rosais bordam-te as sendas;
Se eu de ti me esquecer. Hoje te obriga inexorável sorte
A vaguear por entre as mudas tendas
Em minhas mãos em áspide se mude Dos arraiais da morte.
No mesmo instante a flor, que eu fôr colhêr; A cada instante lúgubre ruído
Em fel a fonte, a que chegar meus lábios, De lápida, que tomba,
Se eu de ti me esquecer. A teus ouvidos tétrico ribomba,
Eterno, último adeus de um ser querido.
A cada passo um túmulo abalroas
Em meu peregrinar jamais encontre Nessa, que trilhas, senda lutuosa.
Pobre albergue, onde possa me acolher ;
Não mais canções, só fúnebres coroas
De plaga em plaga, foragido vague, Cumpre-te hoje tecer com mão saudosa,
Se eu de ti me esquecer. E entre gemidos do sepulcro à borda
Estalar do alaúde a extrema corda.
Qual sombra de precito entre os
Passe Os míseros dias a gemer, viventes Despe os louros, 6 musa, e do alaúde
E em meus martírios me escarneça o Arranca a última flor,
Se eu de ti me esquecer. mundo, E vem comigo ao pé de um ataúde
Gemer trenos de dor.
GUIMARAES POESIAS COMPLETAS 297
BERNARDO
296

Ninguém com mais dendo desfraldara


A flâmula brilhante
Da bela causa, que lhe foi tão cara;
Quem é, que nesse chão ali repousa Ninguém mais anelante
À Sombra de pacíficos tioféus,
61-a Em liça entrou, e deu com próprio punho
Sob essa simples lousa, De sua fé mais amplo testemunho.
Sem pompa de soberbos mausoléus?
Que nome tão saudoso Era um atleta; desd'a verde idade
Éste arvoredo fúnebre murmura? Lutando sem cessar em liça aberta
Que eco doloroso Nos santos arraiais da liberdade 61-o
Do seio dessa fria sepultura 0 vimos sempre alerta.
Aos ouvidos me chega, e triste vibra Era um atleta, um lidador valente
Do coração na mais sentida fibra?.. Ésse, que aí jaz dormindo eternamente.
É êste de Farnese
0 derradeiro, gélido aposento; Inda no primo albor da juventude
E bem que sôbre as cinzas não lhe pese O austero moço via com tristeza
Custoso bronze, ou mármore opulent0, Naufragar da nação tôda a virtude
Só êsse nome vale um monumento. No charco da baixeza;
Que grande coração, que alma tão nobre
Perdeu-se ali tão cedo!. E embaída por pérfidos afagos
De um poder ominoso
Quanta esperança morta ali se encobre Da corrução sorver a longos tragos
Debaixo dêsse fúnebre lajedo?.
Quanto anelo viril, que peito forte
0 ópio venenos0.
Jaz esmagado pelos pés da morte!.
Hoje a família, a pátria, a liberdade E leão popular curvado ao solo
o

Do ilustre morto a ínclita memnória Em perro humilde e vil se convertendo,


Pranteia com saudade De quem o esmaga, e lhe comprime o colo
E aos confins da mais remota idade Submisso os pés lambendo.
Seu nome recomenda envolto em glória. 61-b
E os pilotos do estado em fim de contas
A larga testa de palor tingida Do validismo à mesa embriagados 61-d
Era bem como lâmpada velada, A nau já podre irem jogando às tontas
Em que a luz sagrada Por mares desastrados.
Da inteligência em tôrno difundida
Sem ofuscar fulgia derramando Via a pátria em letargo vergonhoso
De sãs idéias o reflexo brando. Adormecida à beira de um abismo,
E a conjurar lançou-se audacioso
De nobre crença apóstolo extremado Tão feio cataclismo.
Para guiar o povo entre as tormentas
O havia Deus fadado. Dos filhos do progresso ei-lo na frente
Do porvir pelas sendas nevoentas Contra o oculto inimigo se revolta,
O verbo do progresso êle
entrevia E ao perigo, que antolha-se eminente,
Nesta palavra só –
Democracia. Do alarma o grito solta.
BERNARDO GUIMAREs POESIAS COMIPLETAs 299
298

Ei-lo, que se dedica generoso Descansa pois, amigo; assaz lidaste;


De nobre luta às escabrosas lidas; A vida foi-te só luta e provança
;

Brande da imprensa facho luminoso Nem um só passo deste sem contraste;


o
Ante as turbas dormidas Amigo meu, descansa.
Da indiferença na letal modôrra.
Como 1réstia de luz, que o sol enfia Perdoa, se o teu sono sempiterno
Entre as grades de lúgubre masmorra, 6l-e
Eu vim turbar no fúnebre jazigo.
Da frase sua o ardor e a valentia Meu pranto aceita de pesar etern0,
Do povo ao coração levou a crença, E adeus, querido amigo!...
E 0s gelos derreteu da indiferença.

Audaz empunha o cálamo de ferro,


E com pujante frase AURELIANO LESSA 62

Afronta a corrução, fulmina o êro,


E ataca pela base Versos eseritos no álbum de meu amigo João Raimundo
Da autocracia o velho baluarte, Duarte junto a uma paisagem da Diamantina
Que, em mal! inda vigora em tanta parte.
Ei-los, os belos, encantados sítios,
Por seu talento másculo movida O céu puro e risonho,
A pluma se converte em férrea clava, Que o viram nascer, e que o embalaram
Que o servilismo e a corrução trucida, Em seu primeiro sonho.
E a sepultura ao despotismo cava.

Da inteligência na sublime arena Foram êstes os campos, que na infância


Muito êle pelejou; Os olhos Ihe enlevaram;
no sles os céus, que os vívidos fulgores
E torpe convício a nobre pena
Jamais, jamais manchou. Na mente Ihe entornaram.
Curto na vida foi o estádio seu; Aqui nutriu a fantasia ardente
O
astro refulgente, De imagens fulgurantes
Quando luz dardejava mais ardente, Ao murmúrio do córrego, que rola
Ao tocar no zenith se esvaeceu. 25 Rubins e diamantes.
Foi curto o estádio, que correu na vida; Entre rolos de nuvens refulgentes,
Foi apenas esplêndida manhã, Deslizar eu a vi meio envolvida
Em prol da pátria rápido volvida Num véu subtil de névoas transparentes.
Em glorioso afã. Na áspera avenida,
Co'a fronte circundada de esplendores
Agora à sombra de incruentos louros Não parecia andar, porém sustida
Tranqüilo êle repousa; Sôbre coxim de lúcido vapôres
Seu nome inscrito nessa Parecia ir de leve resvalando
simples lousa
0 recomenda aos séculos vindouros, Nas bravas penedias,
Enquanto nela a pátria e a Os arrojados píncaros galgando.
Vertem gemendo o pranto
liberdade
da saudade. Na destra ela sustinha a doce lira,
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 801
300

Por quem o eco destas serranias dias "E tu, 6 clara fonte, que golfavas 62-c
Lembrando as glórias dos antigos Sonora entre os penedos,
Inda hoje em vão suspira. E meiga a meus ouvidos murmuravas
Melódicos segredos.
Da bronca serra na empinada crista,62-a
Vizinha à região das tennpestades, "Hoje turva, rolando lôdo imundo,
Tendo a seus pés quase a perder de vista Na voragem sombria
Montanhas, rios, selvas e cidades, 62-a Não refletes o céu no azul regaço,
Sôbre a grimpa altaneira Não tens mais harmonia.
Alçou-se a ninfa ao mundo sobranceira:
E em trno do vastíssimo horizonte "A garça não vem mais as níveas plumas
Pairando um triste e derradeiro olhar Banhar em teu licor,
Trava da lira, e assim lá do Itamonte Nem se ouve o sabiáaos teus murmúrios
Começa de cantar: 62-b Casar hinos de amor.
"Adeus, montanha minha, adeus, 6 fonte, Nãotem asas a musa; -a lira e o louro 62-d
Que eu tanto tenho amado; Jazem de pó cobertos,
Vou deixar-vos;. mas levo de saudades Väos emblemas de um túmulo esquecido
O peito repassado. Em meio dos desertos. 62-e
"Fui rainha dos montes da Harmonia; "0 canto emn
do inspiradovão soara
Brindei com liras de ouro Entre as turbas descridas; 62-f
Poetas imortais, e em nobres frontes Em vão; no sono vil da indiferença
Cingi sagrado louro. As acha adormecidas.
"Mas já se foram tão formOsos dias, Passara, como a brisa, que nas selvas
E hoje de saudade Sem rumores Soprou
Suspiro em vão pelas brilhantes glórias Entre despidos troncos, cuja coma
De tão feliz idade. 0
incêndio devorou.
Meus viçosos vergéis emurcheceram, Respiram por aí corrutas auras
Não têm fôlhas, nem flores; De ambição e avareza,
Ai de mim! não me resta um os
só abrigo E mnonótonos dias conta o vulgo
Do sol contra os rigores! em
Imerso vil tristeza.
"Éstes ecos, que outrora repetiam Silêncio pois,ó musa; não profanes 62-7
Meus cantos maviosos, Da lira o dom sagrado ;
Não me ouvem mais, e nas sombrias grutas Deixa êste monte, que empestado sôpro
Dormem silenciosos. 0 tem contaminado.
"Crescem espinhos e bravios matos "Adeus, montanha minha, adeus, 6 fonte,
Na gruta deleitOsa, Que eu tanto tenho amado;
Onde outrora morei; dentro se aninha Eu vo deixo, mas levo de saudades
Serpente venenosa. 0 peito repassado.
21.
DERNARDO GUIMAREs
302 POESIAS COMPLETAS B03

penedo
"Eu parto, mas enquanto êste Cm manso adejo os páramos varando
a
Aquie'guer fronte. Da solidão dos ares,
Há de soar nas cordas desta lira Batem asas os cisnes gorjeando
O nome do Itamonte". Dulcíssonos cantares,
E longe, longe, no horizonte infindo
Engolfados no azul se vão sumindo.

Cessou seu canto a virgem da montanha,


E o eco entristecido, ADEUS DA MUSA DO ITAMONTE 2%-0

Que das vizinhas grutas a escutava,


Daquele adeus sentido .Lá,onde levantado
As derradeiras notas murmurava. Gigante, a quem tocara
Eis pressuroso pelos ares rompe Por decreto fatal de Jove irado
A parte extrema e rara
De ouro e de nácar plaustro primoroso, Desta inculta região I tamonte,
Que na lúcida esfera venm tirando Parto da terra transformado em monte.
Um de alvíssimos cisnes par formoso.
(CLÁUDIO MANUEL DA CosTA.)
o
Em tôrno dela adejo serenando
Ao som de suavíssimos gorjeios
Eu a vi, nesse dia, em que na lira
Vibrou tristes endeixas, 27-b
0 etéreo carro um círculo descreve, E da nmontanha aos ecos consternados
E em vórtice abatendo Os seus rodeioS Mandou sentidas queixas.
Aos pés da ninfa vem pousar de leve. 62
Sôbre a concha mimosa
em Eu vi a gentil filha do Itamonte;
Ela leito de flores se reclina: Foi numa tarde esplêndida e formosa;
Fulge-Ihe a fronte imersa em luz divina Nessa hora deleitosa
Tão pura e tão formosa, Já o sol se escondendo no horizonte
Que se não fôsse então do ocaso a hora,
Cuidáreis ver no monte a linda aurora. Aí também, depois de longamente
Peregrinar no mundo,
Em tímidos queixumes Sentiu cansaço e tédio da existência,
Dizem-lhe adeus as fontes suspirosas ; E desprazer profundo.
Vertendo mil perfumes
Brandas auras em tôrno lhe perpassam E ainda no verdor dos belos anos
Brincando buliçosas O meu saudos0 amigo
Co'as luzidias tranças, que esvoaçam. Sorrindo de desdém foi reclinar-se
No fúnebre jazigo.
E ela olhos saudosos,
Em que o pranto os fulgores desmaiava,
Pela suprema vez triste pousava
Pelos cerúleos topes alterosos 62-l
Dêsses montes, que as doces Seu gênio era tão límpido e brilhante
Tinham-lhe ouvido em mais melodias Bem como o diamante
ditosos dias. De seu país natal;
BERNARDO GUIMARAES
304 POESIAS COMPLETAS 305
ImpetuOs0 como a catarata,
Que tomba e se desata Rindo e cantando foi para o jazigo
Pelo profundo val. 0 tão saudoso amigo,
Por quem té hoje choro.
Da pátria sua as fontes e os rochedos
Melódicos segredos
Nos lábios lhe infiltraram; A BERNARDO GUIMARES
E as fadas dos arroios diamantinos
Mil delicados
hinos Triste poe ta, que sinistra idéia
Pende-te assim a fronte empalecida?
Sorrindo lhe ensinaram.
(CANTOs DA SoLIDÃO.)
A negra, pertinaz melancolia
Longe de si bania
Ergue, poeta, a fronte cismadora,
Desprende a vista além dos horizontes !
Tangendo a doce lira;
Se algum pesar o seio lhe roçava, Águia real nas asas te abalances
As asas lhe queimava Além das serras, das alpestres fragas,
Da inspiração na pira.
E embebido nas líquidas alturas
Sagra essa fronte na harmonia eterna
Dos mundos ignotos!
Mas nem sòmente a musa galhofeira
Alegre e prazenteira E quando, apenas, revelaste às turbas
Vinha inspirar-lhe o canto. Os mistérios sublimes de além-mundo,
Ah! quantas vêzes, quantas, sôbre a lira Que segrêdo cruel, ouvido a mêdo,
0 bardo não sentira Enlanguesceu-te a fronte consagrada
Correr acerbo pranto. Aos fogos do Sinai?

Outras vêzes rasgando etéreos véus E entretanto, que súbitos prodígios,


arrebatava aos céus
O
Que oceanos de luz, e de harmonia
Valente inspiração. Dormem-te ainda n'harpa esbambeada,
Então não era mais simples poeta; Como no seio do profundo espaço
Falava qual profeta Os orbes invisíveis !

A Deus e à criação. 63-a


Quando a tarde nas veigas suspirosas
Sua bela alma nunca vi vazia Descia o manto das serenas sombras,
De amor, de poesia, E a viração brincando entre arvoredos
Com sonolentas asas se enredava
De altivos sentimentos. 63-b
Em tua fronte revôlta,
Se alguma dor p0r dentro o flagelava,
Para si só guardava Quando a tristeza em místicos vapôres
As penas e os tormentos. Do céu descia a te entornar na lira
Em doce acento a divinal canção,
Rindo e cantando perpassou de
leve
Era então que em tua fronte lisa e calma
Da vida espaço breve Refletiam-se as chamas do infinito,
Luzente meteoro. Bem como no oceano adormecido
As luzes das esferas !
BERNARDO GUIMAREs POESIAS COMPLETAS 307
306
..
Cantavas. p0r tua vOZ adormecida Ergue, poeta, a fronte cismadora!
Minh'alma se embalava entre perfumes, Tutens por coroa o vasto firmamento,
Boiando pelo espaço em doce olvido: São teu domínio as longas serranias,
a
Como um batel singrando velas cheias
O
mar lambe teus pés.
se escoando
Via minhas tristes horas
Em ondas de harmonia. E entretanto a natureza é a mesma!
A manhãse afoga entre perfumes,
Tu te embebias nas caladas sombras; A tarde entre vapôres,
E no silêncio majestoso e virgem Suspira o sabiános ermos prados,
Das selvas seculares Em céu de anil a lua se desliza.
Despertavas as vOzes dêsses ecos Ergue, poeta, a fronte cismadora!
Nas penedias broncas adormidos.
A tua vOZ a cúpula virente Cedo, bem cedo enuviou-te a fronte
Do tronco anoso em amoroSo enleio Um sombrio pensar –
pressagos
e a linda aurora
se encobriu
Mais grata sombra, e carinhoso abrigo De teus dias
Em tua fronte vertia. Nas sombras do crepúsculo.
E o gênio das florestas Então passaste envolto no teu manto,
Na sonorosa voz da solidão E nem a estrêla, êsse sorrir da noite,
Envolto no seu manto dos mistérios,
Voava pelas sombras suspirando Com peregrino raio te afagando,
Brandos desmaios, frouxos aladridos. Te ungindo o peito em lânguidos amôres,
Arrancou-te um suspiro!
Passando ao longe os zéfiros brincões Ai! dessa fronte que orvalhou-se um dia
Pelas algas rasteiras se enredavam. Nas lágrimas de Deus, ai! da infeliz
A fonte segredava entre seixinhos: Que na chama aziaga se ilumina !

E tôda essa harmonia, êsses mistérios


De tua lira imortal nas cordas d'oiro As saudades dos mundos invisíveis
Poeta, suspiravam. Dos ideais poemas, que sussurram
Nas coréias dos anjos,
Como um profeta em bíblicas cidades, Vão manso e manso despertando n'alma
Da solidão no plácido remanso, A lembrança do empíreo,
Entraste pelas brenhas soluçando. E como tenro arbusto transplantado
Doridos sons nas cordas desferindo, Em terra ingrata, emarelece e morre.
De lágrima orvalhaste a campa
Do indío foragido.
humilde
Buscavas sôbre a mesa dos estudos
De inconsútil verdade o molde etern0:
Ao teu passar as campas se Quando a vigília palejou-te a fronte
E os leves manes te entreabriam,
adejando em tôrno Interrogaste a natureza tda,
Vinham beijar a fímbria do teu manto. Nos abismos da dúvida reclinado,
E ouviste ao longe o brado pavoroso
Tu eras o Messias, o esperado, A te dizer: duvida!
Entre as larvas do limbo Foi-te a ciência a sombra, que desliza-se,
Falaz consolação deixandoesvoaçando.
ao menos Dúbia visão, que os olhos ilumina,
Ås Sombras infelizes. Silfo medonho a vaguear no limbo.
BERNARDO GUIMAREs
308 POESIAS COMPLETAS B09

Com a fronte austera desdobrada ao riso, Que eu afinava ao som de eólias notas
Vem conosco assentar-te
enm
tôrno à mesa Da mata entre os rumores, e ao marulho
Do vinho e dos amôres. Da fonte soluçosa, que borbota
Enquanto andamos nos desertos páramos, Dentre penedos em musgosa gruta,
Bem como o viandante extraviado, No doce enlêvo de um cismar infindo.
Suavizemos as dores do destêro
Abrindo o seio aos cânticos e às flor'es.
Fulge-me ao longe essa formosa quadra
Do passado nas brumas quase oculta,
PEDRO FERNANDES. 64 Bem como ilha encantada, onde algum tempo
Entre cantos e aromas embalei-me
(1868.) Em mole berço de verdura e flores.
Mas ei-la, que entre as vagas azuladas
No doirado horizonte vai sumindo,
A POESIA Como a dizer-mne o derradeiro adeus,
Enquanto o meu batel, mísero esquife
Resposta a Pedro Fernandes 64 Já de longos errores fatigado,
Aos tufões do destino abandonando
Ce n'est plus la main du barde même, As estragadas velas triste singra
qu'on entend sur la harpe; c'est ce Para as praias do ocaso, onde só vejo
missement des cordes produit par le fré
tou Bruxuleando lívidos fulgores
cher d'une ombre. De agoureiro presságio entre as geleiras
(CHATEAUBRIAND.)
De merencório inverno.
Ah! guem me dera
I Agora reviver-te, ó quadra amena!..
Quem me dera poder neste momento
Contam, que o albatroz, ave peregrina, Revocar-vos das sombras do passado,
Equilibrada nas possantes asas, Éxtases puros, inefáveis sonhos,
Em sidéreos adejos desparece Que a mente outrora ao céu me arrebatáveis,
Na profundez dos páramos etére0s, De ideais emoções tôda ofegante,
E dias passa, e noites em repouso Pelas do espaço solidões infindas!
Solitária dormindo sbre as nuvens. Então sim, eu pudera acompanhar-te
Em teus valentes, arrojados vôOs,
Assim pairando andava em outros E varando de movo a imensidade
Por outros mundos minha mente tempos Ir devassar harmônicos segredos,
Qual abelha entre flores errante, Fulgurantes visões de ignotos mundos.
De orbe em orbe vagueandovolteando, Então da lira as cordas afinando
Colhendo pelo espaço as incerta, Da solidão aos místicOs rumores
vagas notas
Do hino imenso, que o De novO a vozZ dos ecos acordara
E dêles lepetindo sôbre universo
a lira
entoa Na bronca penedia adormecidos,
Em débeis ecos pálido transunto. E um canto ainda, embora fôsse apenas
Poeta, OS sonhos meus se Descorada lembrança de outras eras,
Co'as róseas névoas esvaeceram
me da manh da vida; Unira aos hinos teus, cantor suave,
Lá ficou entre os Que ao som cadente de gentis endeixas 27-b
Da fresca juventude avergéis floridos
lira de oiro, Encantas hoje as margens deleitosas
Do opulento, caudal Jequitinhonha,
GUINIARES POESIAS COMPLETAS
310
BERNARDO 311

Marges felizes, que inda


com saudades As meigas tardes, e as manhs formosas.
Repetem hoje os mágicos acentos O furacão, que ruge fustigando
De dous queridos filhos da Harnonia, De selva intonsa a grenha arripiada,
De Lessa e de Queiroga. Ah! que bem cedo 64-a A catarata, que entre penhas ronca
Èles se foram
para além voando Das solidões atordoando os ecos,
Os dous ilustres sonorosos cisnes; E da borrasca o temeroso estrondo
Hámuito no horizonte se sumiram, 4-b Dos elementos concitando as fúrias,
E ainda freme o ar aos sons vibrados A voz te prestarão solene e forte,
Por essas liras de imortal renome. E as sombras carregadas, com que pintes
Segue-os agora tu com òo ardido A majestade, as cenas grandiosas,
No esteiro glorioso; expande as asas, 0 bronco aspecto, as convulsões medonhas,
Cisne novel, ao furacão ardente Da virgem natureza americana,
De audaz inspiração, que te arrebata; Que no deserto as iras apregoam
Engolfa-te no azul do firmamento Do Rei da criação. Canta, ópoeta,
Por abismos de luz e de harmonia, A natureza, e as solidões formosas
E da poesia nas dirinas fontes Desta querida abençoada pátria.
Afoito voa a saciar tua alma É lá, que
a inspiração nos arrebata
De luz, de amor, de êxtase. Contempla 6t-e
Nas diáfanas asas fulgurantes,
De nossa terra, as solidões formosas.
Como o carro de fogo de profeta,
Que esplêndidos painéis!. ah quanta vida, Nos fazendo esquecer no pó da terra
Quanta harmonia e côr, luz e beleza Dos cuidados da vida o manto incômodo,
Dos infindos sertões! -
Tu não vês derramada pela face
as fundas selvas,
De estranhos rumorejos povoadas,
E nos arrouba à transcendente esfera,
Onde ressoam divinais concentos
De nunca ouvidos, imefáveis cantos.
Essas montanhas, que dos crespos tergos
Em catadupas pelo vale entornam Canta, que eu já na lira esbambeada
Mal pOsso recordar uns frouxos ecos 64-d
Caudais ribeiros, que no leito rolam
Rubins, safiras, ouro e diamantes, Dessas modulações, que ouviste outrora.
Essas colinas e trangüilos vales, Da fantasia as asas engelhadas
Essas profundas sombras, grutas, veigas, No mal sustido adejo já não ousam
Solitários palácios do silêncio, Qual transparente nuvem luminosa
Que mistérios de ignota melodia Do horizonte os matizes refletindo
Não guardam para a mente do Abalançar-se às regiões etéreas,
inspirado, E qual rasteira névoa apenas pode
Que os interroga por serenas
tardes,
Entregue a fronte aos tépidos bafejos Pelas sombras do vale espreguiçar-se.
Da inspiradora viração
Canta, ó poeta.
os ermos.
s
Verter-te-ão na mente os horizontes d'ouro
seus fulgores; II
Do manso arroio o tímido murmúrio
Virágemer nas cordas de tua Morre o poeta, a lira se espedaça
E a viração macia, que esvoaçaharpa; De encontro à pedra da funérea lousa;
Beijando as flores na
virente encosta Mas não morre a poesia; eterna fênix
Te ensinaráseus frêmitos suaves Cada vez mais louçã se reanima
Para cantar as festas e os amres, Dos cisnes seus nos perenais gorjeios; 64-e

De ev0 em evo novas galas veste,


DERNARDO GUIMAREs POESIAS COMPLETAS g13
312

se atavia, Não se esgotarem nos humanos olhos,


De estranhas, novas flores
64/ Não, tu não morrerás, virgem celeste.
E novas cordas ajuntando lira
à
entorna A lira eólia ao perpassar das auras
De dia em dia mais caudais
Torrentes de mirífica harmonia. Por fôrça há-de gemer sons maviosos;
Sim, tu és imortal, virgem celeste, 64-9 E a caçoula, a que a mão do artista santo 64i
Santa e nobre poesia!. Embora o carro, Tocou fogo do altar, aos céus o incenso
Em que a mão da ciência atrela e doma Há de enviar em nuvens redolentes.
Da natureza as mais pujantes fôrças, A alma do poeta é lira eólia,
À conquista voando audacioso Que no centro do harmônico universo
De bens terrenos, que a matéria outorga, Oscila ao sôpro de celestes auras;
Ao fragor do rodar vertiginoso Quando da inspiração o bafo ardente
Busque abafar-te o sonoroso canto: Lhe vem roçar enm frêmitos sonoros,
Embora o fumo da fornalha ardente, Espontânea derrama sons sublimes
Em que o progresso emn afanosa lida Ea turba absorta aos mágicos acordes
Industriais prodígios elabora, Atento ouvido fascinada inclina.
Tente cobrir de véus caliginosos
O teu rosado, esplêndido horizonte:
Eo coração do bardo é a caçoula
De fragrantes essências saturada;
Embora tristes agoureiras vozes Cai-lhe no seio divinal centelha,
Clamem, que está já findo o teu reinado, E dela se erguem místicos aromas
E que a história dos tempos, que ora correm De amor, de fé, de ardente entusiasmo.
Sob o império do cálculo impassível Tudo no mundo cisma, geme ou canta;
Só da fria ciência a mão severa Tudo em cadência harmônica se move,
Pode escrevê-la em lâminas de ferro, Desd'os orbes, que em tôrno ao rei das luzes
Não, tu não morrerás, virgem celeste. Em giro perenal tecem coréias,
Enquanto sôbre a terra a branda aragem Té o dourado, pequenino inseto,
Ondear à selva a sussurrante coma; Que em viçosos vergéis voa zumbindo,
Enquanto os prados desbrocharem flores E o seio beija às orvalhadas flores;
Da primavera ao tépido bafejo; Desd'o Oceano, que de pólo a pólo
Eo manso arroio às árvores frondentes Em vagalhões bramindo se arremessa,
Da fresca riba murmurar queixumes ; o4
Té o regato humilde, que nas grotas
E pelo azul da cúpula celeste
Milhões de estrêlas trêmulas Por entre sombras trépido se esquiva.
fulgirem; Tudo no mundo é voz, canto, harmonia,
Enquanto o astro pálido
Mavioso clarão enviar das noites E a natureza inteira é um poema
à terra, Por Deus escrito em páginas eternas,
Ea rósea aurora de seu côche d'ouro Que estão narrando seu poder imenso.
Nos caminhos do sol entornar
Enquanto o peito humano flores: Sim, tu és imortal, virgem celeste.
Ao fogo se aquecer sbre a terra Só quando os orbes todos desabando
de emoções puras, Desgarrados das 6rbitas vagarem
De amor, de fé, de santas
Enquanto em cismas de esperanças; Se abalroando pelo horror do espaço;
Embalar-se enlevada a ideais afetos Só quando a natureza agonizante
Enquanto um meigo, fantasia; Nutando enfim nas contorsões medonhas
encantador sorriso
Brincar nos róseos lábios De universal, tremendo cataclismo 64-j
E do pesar as lágrimas da beleza; Sumir-se aniquilada enm treva eterna,
doridas E quando o mudo, pavoros0 caos
BERNARDO GUIMARES
314 POESIAS COMPLETAS J15

Sentado entre as ruínas do universo Transpor a raia ousou,


seu cetro,
Vier de novo reclamar Tingindo em sangue, e sepultando
emn
ruínas G5-a
Então sòmente cessarão teus cantos,
os esconbros Nossas viçosas, plácidas campinas.
E desaparecendo entre
Dos derruídos mundos, que já foram, Do alto Paraguai nas êrmas bordas
Remontarás além dos firmamentos Um régulo insensato
Tua origem divina procurando, Envia a êsmo esfarrapadas hordas
E ao pé dos tabernáculos do Eterno De povo rude e ingrato,
Irás achar nunca turbado asilo
Por entre os corOs dos celestes bardos,
Que pelos átrios da eternal Solima
E por divisa tem -
Que não combate não, mas assassina.
Carnificina. 63-5

De Deus a glória sem cessar proclamam. Por lá dos irmãos nossos indefesos
0 sangue corre em jôrro;
Eia!. cumpre-nos já em ia acesoS
III Voar em seu socorro;
De tamanha traição, tanta matança,
Canta, poeta, enquanto a sacra chama
ó
Tomar inteira, aspérrima vingança.
Te aquece o coração, te alenta os vôos.
de manhã, que os passarinhos cantam
É A pátria aflita vosso esfôrço implora,
Seus mais frescos, harmônicos gorjeios. Valentes lidadores;
À tarde geme o sabiá saudoso Eia, corramos!. vamos sem demora
No tope excelso de virente cedro; Livrála dos horrores,
noite só ulula em sons carpidos
À
Com que o assassinato, o roubo, o crime
Entre ruínas agoureiro môcho. Nas fronteiras do Sul o império oprime,
Canta, antes que o inverno congelado
Na urna de teu peito extinga a chama, E não é só a pátria; a humanidade,
Que faz subir aos céus o incenso d'alma, A terra, o céu reclama
E da vida nos álgidos caminhos Vingança contra tanta iniqüidade,
Venha murchar da fantasia as flores. E em grito se derrama
Canta; bem-vindo seja êsse teu canto, Por tôda parte Guerra aos vis piratas!
Guerra às coortes bárbaras, e ingratas! 65-c
Que em minha alma acordando ecos de outrora
Abre meu seio aos cânticos e às flores. Ide, heróicas, intrépidas falanges,
Colhêr da glória os louros,
Queluz, 1873.
E ao lampejo dos rábidos alfanjes,
Ao silvo dos pelouros
ESTROFES As sanguinosas garras arrancai
Ao tredo canguçu do Paraguai.
Dedicadas briguda mineira que partiu de Ouro Prêto em
à
Sejam muitos embora; são cativos
1864 sob o comnando do brigadeiro
Galvño 05 De um déspota sanhudo ;
Pra vós, de um livre império heris altivos
Mineiros, um feroz aventureiro, A liberdade é tudo.
Que o inferno vomitou, De entre vós um punhado só de bravos
Do belo território Pode vencer coortes mil de escravos.
brasileiro,
BERNARDO GUIMARAES
316 POESIAS COMPLETAS 317
Sôbre o leão dormido tigre astuto
o
o
0 bote preparava, Ei-lo!.. garboso pavilhão querido
De nossa independência,
E no nobre animal o altivo bruto
Sanguentas unhas crava. Contra o qual mil afrontas tem cuspido
A estúpida insolência
Mas o leão acorda, e ao seu rugido
Do mísero caudilho desalmado
O vil recua de pavor transido.
Que humanidade e a Deus tem ultrajado.
O
Brasil acordou, que à guerra o chama Ide, correi!... em seu negro covil
0 tigre paraguaio, Os tigres rechassai,
E brado seu ao longe se derrama
o
a
E flâmula auriverde do Brasil
Troando como o raio. Nos muros Ihe hasteai,
Um eco só desd'o Oiapoque ao Prata Ide, correi!.. caí bem como o raio
Responde Guerra !. guerra ao vil pirata! Sbre o vil, e insolente paraguaio.

Que exemplos de heroísmo não vais dando, Depois voltai trazendo em vossa fronte 65-f
Terra de Santa Cruz! Os louros da vitória,
Ali a mãe o filho abençoando E contareis às filhas do Itamonte
Entrega-lhe o arcabuz, A gloriosa história
Dos renhidos combates, que tivestes,
E diz-lhe: Vai, onde o dever te chama, Das heróicas proezas, que fizestes.
Que braço teu a mãe comum reclama.
o

No Panteon da glória fulgurando


espôso amante arranca-se dos braços
0
Um nome então tereis,
Da nova linda espôsa, E a terna espôsae os filhos abraçando
Que sequiosa de seguir-Ihe os passos Por fim encontrareis
Dizer adeus não ousa. Nos lares vossos paz e liberdade,
E partilhar querendo o seu destino E por todo o Brasil prosperidade.
No berço deixa o filho pequenino.

Além honrado velho valoroso


A longa idade esquece, MELODIA
E o sangue seu oferta generoso
À
pátria, que padece. À
Ex,ma Sr. D. Joana Perpétua de Oliveira Santos
Aqui imberbe moço impaciente
Ser homem já deseja impaciente. 65-d

Além um pai os filhos arrebanha


Para a cruzada honrosa, Era uma tarde linda, como há pucas
De três irmãs ao campo os acompanha Nestas sombrias terras
De névoa eterna e ventanias roucas.
Falange gloriosa, Por cima dessas serras
A compartir perigos e fadigas
Das auras ao sabor nuvens douradas
Em frente das coortes inimigas. 65-o Vogavam brandamente balouçadas.

22
BERNAIDO GUIMARES
3IS POESIAS COMPLETAS 819

Pelo pendor da serrania brava, leves nuvens cândidas


0

Do monte pelos visos Que esvoaçais serenas,


Da noite a precursora derramava
Dos páramos etéreos
Seus mágicos sorrisos; Celestes açucenas;
E pelo vale a viração macia
Aroma e fresquidão a flux vertia. Formosos clarões róseos,
Que repousais nos montes,
Ardendo em luz no fundo do horizonte
Como acesa cratera, Dourando aos calvos píncaros
As altaneiras frontes;
Tlamejava ao titânico Itamonte
A catadura austera,
Engolfando no azul da esfera limpa
Suaves auras tépidas,
dourada grimpa. Que as faces me afagais,
Entre fulgores E hálitos balsâmicos
E eu tentando erguer o pensanento Em tôrno me exalais;
Às solidões sCrenas G6-0
Do vasto firmamento E vós, sussurros místicos
Buscava alívio ao fel de acerbas penas De trêmulo arvoredo,
A cujo pêso a fronte amargurada Rumor de fonte límpida 7-o
Parn o chão pendia acabrunhada. No côncavo rochedo;

Em vão que sbre a terra estava prêsa Ó arrebóis purpúreos


A mente aflita e o coração pesado Que orlais os céus brilhantes,
De angústias e tristeza Cingindo a curva abóbada
Do sofrimento ao poste estava atado, De faixas cambiantes, 67-d
Qual Prometeu pregado à penedia G6-b
Sofrendo eterna mísera agonia. As regiões angélicas
Guiai meu pensamento,
Em vão a tarde desfolhando rosas Roubai-me aos vales túrbidos 67-o
Sorria no horizonte, Do mundo lutulento;
E murmuravam auras amorosas
A bafejar-me a fronte; Da imensidão etérea
Em vão aos olhos meus se desdobravam Nos páramos serenos
Do firmamento os lúcidos caminhos. Deixai vogar minha alma
Em vão, porque da terra entre espinhos Por um instante ao menos; 67-7
Da fantasia as asas se entravavam,
E da tristeza o carregado véu Levai-me à esfera límpida
A minha alma roubava a luz do céu. Do doce devaneio
E paz suave e plácida
II Vertei dentro em meu seio.
Celestes véus purpúreos Da vida nas misérias
Da tarde meiga e calma, 67-a Lançai espêsso véu,
Dizia eu entre angústias E meu cansado espírito,
No fundo de minha alma; 67-b Chamai, chamai ao céu.
BERNARDO GUIMARAES
320
POESIAS COMPLETASs
321
III Súbito - quando já por sbre a terra
Mais profunda mudez se derramava,
E nem o céu trajado de esplendores Quço gemer harmônico teclado
Abrindo o seio límpido e tranqüilo Em mórbidos arpejos,
Misterioso asilo 6$-a Suave como arrulho enamorado
A quem sofre da vida Os amargores, De pombos entre beijos,
E nem da terrao místico remanso, 6S-b E uma voz de mulher, que voz tão linda!...
Mago silêncio que interrompe apenas Celeste e maviosa
Sussurro da folhagem, que de manso A meus ouvidos estremece ainda!.
Estrenmece ao passar de auras serenas; Cantava uma canção triste e saudosa.
Nem o vago murmúrio intercadente
Que em frêmitos sonoros Brisa suave o adejo serenando
Na voz dos ecOs morre docemente, Em tôrno difundia
Bem como notas de celestes coros As endeixas, que ao longe suspirando 27-b
Perdidas pelo espaço, O
eco redizia:
Ou prece maviosa,
Que tímida interrompe cada passo "Vem, saudade, doce amiga 68-d
Aos pés do altar a virgem lacrimosa, De minha infância feliz,
Nada, nada podia Quero um pranto derramar
Arrancar meu espírito abatido Sôbre teu negro matiz.
Da voragem sombria
Em que submergido Vem recordar o passado 68-e
Da dor o austero braço o comprimia. "De uma existência querida,
"D'um novo mundo que tive
Qual a fraca avezinha se debate "Quando gozei outra vida. 68-f
Entre as malhas da rêde que a tortura 68-c
E em vão as asas bate,
Erguer-se ao céu a triste em vão procura Saudade, doce perfume
De uma
E quando mais forceja flor que já murchou,
se exaspera, Vem reviver em minh'alma
Mais a infeliz se enleia e se lacera; quefui e o que hoje sou." 68-0
O

Assim entre cuidados e amarguras


Minha alma atribulada,
Escutando essa voz meiga e sonora
Saudando a tarde em róseos véus,
Se afogava no fel das desventuras Cuidaríeis ouvir anjo que chora
Da vida afadigada Com saudades do cu.
E em vão pedia ao céu um raio apenas
De paz e de bonança,
Que Ihe ameigasse as Então minha alma da prisão terrestre
mal penas,
E lhe entreabrisse as floressofridas Rompeu sorrindo os enfadonhos laços,
da esperança. E nas asas de um êxtase celeste
Perdeu-se nos espaç0S.
BERNARDO GUINMARES
POESIAS COMPLETAS 323

IV A tua vOz enche o espaço,


E nos mostra a cada passo
divina melodia, poder de teu condão;
universo magia, Ó divina melodia,
ÉS do
ÉS alma da criação; És do universo magia
ÉS a v0Z danatureza, 69-a És alma da criação.
No prazer ou na tristeza
Porém és mais que um prodígio 69-c
ÉS eco do coração. Quando exprimes teu prestígio
Pela voz de uma mulher,
ÉS um eflúvio dos céus, E em tda sua grandeza
Ou comno um sôpro de Deus, Pelos lábios da beleza
Que a terra vem afagar, Revelas o teu poder.
O teu inefável canto
Derrama suave encanto Do paraíso aos umbrais
No céu, na terra e n0 mar. Com tuas mãos divinais
Então nos corres o véu;
Na vaga que mansa geme, E entre perfumes e luzes
E na folhagem que freme A escutar nos conduzes
Aos beijos da viração; As harmonias do céu.
No bramir da ventania
Pela floresta bravia Como da caçoula ardente
No seio da solidäão; Sobe o incenso recendente
Pelo templo a se perder
No perene murmurio, E entre místicos cantares
Com que no grotão sombrio Vai pelos santos altares
A fonte gemendo está; Pairando se esvaecer, 69-d
Nas saudosas cantilenas
Com que por tardes serenas Tal por ti arrebatada
Se lamenta o sabiá; Me voa a mente enlevada
Pelo infinito a pairar;
C nos gorjeios suaves, E entre gozos inefáveis
Os mistérios adoráveis
Que entoam canoras aves Vai do empíreo devassar.
Pelas sombras do pomaI,
No marulho da torrente, Quando na idade primeira
Que despenha-se fremente Do nada Deus tirou Eva,
Entre pedras a brincar, 69-d Bafejol-a com amor,
Pois queria fazer dela
Em tudo, que o mundo encerra, A criatura mais bela,
Nos céus, no mar e na terra Da natureza o primor.
Revelas o teu poder;
Com mil acentos sublimes Da côr de flores mimosas
As harmonias eXprimes Tingiu-]he as faces formosas
Que criou o eterno Ser. Deu-lhe lábios de carmim;
324 BERNARDO GUIMAREs

E nos olhos de luz pura


De meiguice e de ternura
Depôs tesouros sem fim.

Deu-lhe formas sedutoras,


E graças encantadoras
No sorriso e no olhar;
Porque a mente de Deus
À
imagem dos anjos seus 69-e FOLHAS DO OUTONO
A quis em tudo formar.

Deu-lhe tudo mas ainda


Para torná-la mais linda, (1883)
Mais digna de adoração
Deu-Ihe uma vOZ de sereia
Uma vOZ que encanta, enleia, 69
Que ecoa no coração.
ó
divina melodia,
Tu és do mundo magia,
És do universO O prazer
Se em tda sua grandeza
Pelos lábios da beleza
Revelas o teu poder.

E éreis vós, senh0ra, que exaláveis


Ésses trinos de mágica doçura
A cujos sons suaves, inefáveis
Fugiu minha amargura,
Como ao soprar a viração da aurora
Se esconde a ave que nas campas chora.70-a

E nesses sons celestes


Não podíeis saber, que doce
Que bálsamo trouxestes
calma,
Aos tristes sofrimentos de
Não sabe a flor que nasce emminh'alma.
Se alguém lhe aspira o êrma gruta
Nem sabe o sabiá se místico perfume
alguém escuta
No bosque os seus
queixumes.
24 de dezembro de
1870.
PRÓLOGO

por costume escrever prólogos ou preâmbulos,


Não tenho
produções literárias, que até
poucas e fracas
precedendo as publicidade. Entendo, que as
aqui tenho entregado à luz da
que aí se podem dar, as reflexões, que aí se expen
explicações, os defeitos, nem realçar o mérito,
dem, não lhes podem atenuar
que porventura tenham.
que um bom prólogo constitui às vêzes por si
É
verdade como são, por exemplo, 0 prólogo do
só uma obra magistral,
Cromwel de V. Hugo, alguns prefácios do visconde de Castilho,
e os poscritos de José de Alencar, que são
incontestàvelmente
e filológico. Eu porém não preten
de grande valor literário
ao entregar ao públicO esta
do e nem posso fazer outro tanto e me é
pequena coleço de poesias; mas veio-me a vontade,
um pouco com
talvez mesm0 necessário por esta vez Conversar
o
leitor, se êle estiver por isso. ao amabi
Em primeiro lugar cumpre-me pedir desculpa em
líssimo e pacientíssimo leitor por não poder eu acompanhar no Brasil por
tudo a moderna escola poética, hoje em vOgaque, em vez de
importação. Creio, que é uma importação,
melhorar, estraga e desvaira a índole da inspiração nacional.
Não poSso compreendê-la, e p0r isso não posSso acompanhá-la.
Não poSSO compreender, o que seja uma escola literária,
que se subjuga a um sistema crítico-filosófico-histórico-filoló
gico-etnográfico-sociológico, ete., ete.
É querer amarrar o leviano, gracioso e independente batel
da inspiração ao reboque da pesada charrua da crítica moderna,
tão cheia de teorias sibilinas, e ainda mais carregada de eru
dição do que a antiga.

rais do bom gôsto literário, -


Censuram muito Os que ainda espeitam os preceitos ge
que são muito análogos aos
do bom senso, prescritos por Aristóteles, Longino, Horácio,
Boileau, Marmontel, Laharpe e outros, e entretanto querem mos
impor, a nós imaginadores e não teoristas, o jugo ainda mais
pesado dos críticos e filósofos, ue cada dia surgem na Europa
querendo fazer uma nova revolução ou evolução nos domínios
da filosofia e da literatura.
Dessa maneira suprimir-se-ia, já não digo o individualis
mo, mas até o nacionalismo em literatura, causa de que tanto
BERNARDO GUIMARES
328
POESIAS COMPLETAS g29
se preocupam nossos jovens e talentosoS escritOTes, e que entre.
tanto êles mesmos inconscientemente vão abafando ou acanhan. Para que havemos de nos enredar nos mistérios herméti
do com as subtilezas do criticismo das literaturas européias. cOs do Fausto, nas paixões turbulentas, sombrias, libertinas
0
gênio é com razão comparado à águia. Quem é que de Lara, de Manfredo, de D. Juan, de Rolla?..
traça à águia o giro altaneiro de seu vôo pelos diáfanos e Hoje os grandes modelos, os faris, que os jovens poetas
infindos campos do espaço?... quem 1he indica o rumo das brasileiros têm diante dos olhos, são Zola, e Guerra Junqueiro.
excursões pelos livres e imensos horizontes? Dous ilustres poetas sem dúvida, no gênero que
Assim também o poeta verdadeiramente inspirado, aquêle na sociedade em que vivem, na evolução, que seguem.cultivam,
que tem imaginação brilhante e fecunda, alma sensível e apai
Mas nós devemos, ou podemos seguir a mesma
xonada pelo belo, e que dispondo de uma inteligência robusta trilha?.
possui idéias suas adquiridas e firmadas pelo estudo e reflexão, Nosso país é tão diverso, nossO clima tão diferente, nossa
não deve escravizar-se a classe alguma de Aristarcos; 71-a aban índole tão divergente, nossos costumes tão outros, nosso
estado
de nascente civilização ainda tão distanciado dêsse requinte
done-se à sua própria inspiração, se não quiser desencarrilhar de
se desastradamente. poesia real, ou realismo poético, que a escola dos dous ilustres
poetas não pode vingar, nem dar bons frutos na terra de Santa
A moderna crítica literária,
onde ela, em meu entender é inteiramente descabida, -
principalmente no Brasil,
atre
lada ao carro da filosofia positivista, que hoje predomina, e
identificando-se com ela, pretende cortar as asas à
Cruz.
Podemos e devemos admirá-los, mas não tomá-los por
modêlo.
inspiração,
vedar-lhe o espaço livre, e obrigá-la a arrastar-se fatalmente Zola e Guerra Junqueiro não são mais que continuadores
por uma senda por ela cientificamente demarcada. de Byron e A, de Musset; levam avante a mesma obra, com
Estáno gôsto dêste século do vapor, das vias férreas, e da mais desgarre e mais requinte ainda. Essa hoje tão preconi
febre do progresso material, e constitui uma espécie de enge zada escola realista é muito mais velha do que pensam.
nharia literária, marcando runos e nivelamentos, e Dama das Camélias de A. Dumas filho quase nenhuma difeA
trilhos, pelos quais têm de rodar irremissìvelmenteassentando
as musas rença tem da Marion de Lorme de V. Hugo, e a
de todos os poetas, à maneira de vagões Luciola de José
arrastados pela loco de Alencar é uma fusão das duas primeiras. Podemos ainda
motiva, 71-b
remontar a muito mais alta antiguidade, e apontar o Deca
Parece-me contudo, que êsse sistema crítico-filosófico-po meron de Boccaccio.
sitivista, o mais que pode conseguir é abafar, ou Êste sim é o verdadeiro fundador da es
amesquinhar cola realista, a qual por conseqüncia existe já
a inspiração, suprimir mesmo a mas tro séculos. há mais de qua
mesmo dirigir a nascente poesia, nunca criar, nem
literatura de uma nacionalidade nova. No meu entender o que se
Se alguma cousa dela pode resultar, chama escola realista, com mais
será uma literatura propriedade se deve chamar um gênero, a que
e raquítica, factícia e
convencional, que poderá constituir fria um se entregar, uma vez que se qualquer pode
ofício, mas nunca uma arte verdadeiramente sinta com pendor e aptidão para
inspirada, e cria êle. Porém é o maior dos absurdos querer
dora. inculcá-la como a
Creio, que os poetas brasileiros,
ûtima, a única, a mais perfeita manifestação do belo em lite
no seio de uma ratura.
pátria nova, e cheia de seiva juvenil, nascidos
não
incessantemente fixos nas fregüentes devem ter os olhos Mas não devo ocupar por mais tempo a atenção do leitor
cansadas das nações do velho evolucões das literaturas Com uma questão, que exige longos desenvolvimentos, e
mundo. cabe portanto nos limites de um prólogo a um limitado não
Se êles têm em si sangue novo e número
correr a0 expediente vivificante, para que re de poesias de bem pouco valor. Aventurando estas
por contínuas da transfusão de sangue velho e é meu único propósito exibir minha reflexões,
fases de transformações? viciado profissão de fé em lite
O que pode ter de comum musa
a ratura, declarando, que sou eclético, isto é, que sigo tôdas as
que inspiraram brasileira com as musas, escolas, ou por outra que não sigo escola nenhuma.
Goethe o panteísta, Byron o céptico
Musset o sensualista nmisantropo, Por isso não se me vá atribuir a
tresvairado?.
querer passar por um gênio criador, porambiciosa pretensão de
chefe de escola, abrin
BERNARDO GUIMARES
330 POESIAS COMPLETAS
331
do novos horizontes, explorando minas
desconhecidas e fazendo
estas páginas. Se o consoante no alexandrino
o batel da inspiração vogar a dous, é de uma monotonia abominável; se é trelado dous
pouco, a rima torna-se quase insensível, e distancia-se um
"Por mares nunca dantes navegados".
portanto de muito
fraco efeito.
Entretanto, não sei por gue razão o verso
Pelo contrário procuro moldar minhas fracas produções que tenm número de sílabas igual ao do francês
nosso alexandrino, e o
pelos melhores tipos da arte quer antiga, quer moderna. Sò verso herico latino, que é ainda
mente procuro não ser imitador servil de nenhum dêles. mais extenso, possuem muito
mais flexibilidade, são muito mais maleáveis, ou por outros
Hátambém outr'a inovação, com a qual não tenho podido têrmos, prestam-se a exprimir com mais facilidade a forma, o
me conformar. A primeira, de que tratei, ocupa-se com o som, a côr, o movimento da idéia.
fundo; esta porém diz respeito à forma. O alexandrino, pelo contrário, com sua
Quero falar do verso alexandrino, hoje tão em voga, de e inflexibilidade, torna-se quase pesada monotonia
preferência a outro qualquer metro. ?1-e É
moda. Já não se absolutamente refratário à
onomatopéia, sem a qual não há no verso nem harmonia nem
diz fazer versos mas sim fazer alexandrinos. A melodia. A poesia constitui como um meio têrmo emtre a prosa
moda, não contente de exercer império absoluto no vestuário e a música, e portanto não deve prescindir
da espécie humana, pretende também invadir a região das daquelas duas con
dições; é de sua essência harmoniosa e melodiosa. O verso
artes, da poesia e da literatura. pode estar construído com irrepreensível correção; mas se não
Ao balão e à crinolina sucedeu o alto grudado no trajo contém ao menos uma daquelas qualidades, é verso sem poesia,
feminil. Na poesia aconteceu o mesmo, p0rém com inversão. ou por outra, é prOsa em verso. 0 que seria uma
É

Aos antigos e variadíssimos metros tão vantajosamemte falada, em cuja execução só se observa o compasso, 71-dmúsica
usa
dos na poesia portuguêsa, vai-se substituindo o predomínio a me
dida do tempo.
quase exclusivo do verso alexandrino, que bem se pode chamar Em confirmação do que levo dito, indicarei alguns exem
o balão da
moderna poesia; o metro das palavras balofas e plos.
retumbantes; dos plurais enfáticos como eternidades
Leia-se os primeiros versos da Henriade, que são rápidos
imensidades; das sinonímias intermináveis, metro, que re e calorosos:
clama, não por necessidade ou elegância, mnas para encher me
dida, o emprêgo da conjunção e a cada passo; metro enfim Je chante ce heros, qui regna sur la France
de incontestável monotonia. Et par droit de congute et par droit de naissance.
Perdoem-me os adoradores do alexandrino, não me exco
munguem. Se a tolerância religiosa é um dogma da moderna Leia-se depois êstes da Passagem do Reno de Boileau:
civilização, não o deve ser menos a tolerância em doutrinas
literárias. Demais eu não sou propagandista; apenas enuncio Au pied du mont Adule entre mille roseauc
e procuro justificar simplesmente e sem pretensão alguma a Le Rhin tranquille et fier du progres de ses eaue,
minha opinião individual. Appuié d'une main sur son urne penchante
Entendo que o metro alexandrino é o mais monótono, pe Dormait au bruit flateur de son onde naissante,
sado e inflexível, de que pode dispor a língua portuguêsa, e Lorsquun ci tout à coup, suivi de mille
que não é sem razão, que os antigos cris...
gavam. Não devemos de todo bem raras vêzes o empre
abandoná-lo;
que tem êle todo o cabimento; mas parece-me, há ocasiões, em Note-se o contraste, que há entre os quatro primeiros ver
que só emprega Sos, repassados de pausada e majestosa melodia, e o último,
do com muita parcimônia, ou intercalado com que brusco e rápido indica
e manejado por mãos outros ritmOs, belamente a transição para nova
habilíssimas pode produzir bom efeito. ordem de idéias.
0 alexandrino não dispensa a rima. Sem ela e às vêzes Confronte-se ainda êste verso de Mellevoie:
mesm0 com ela quase se confunde com a prosa. Poderia aqui
citar numerosíssimos exemplos; mas não devo estender muito Je meurs et sur ma tombe, ou lentement j'arrive
DERNANDO GUIMANAES
332 POESIAS COMPLETAS 283
com êste outro, não me lembro de que pocta:
Vou ainda citar um exemplo, e êste é de um gênio, O
trace. visconde de Castilho, que além de possuir uma imaginação brí
Apprcntis cavallier chevanchait à ta lhante fecunda como bern poucO8, era um adestrado metrifi
Que diferença de movimento, de entonação, c podc-se dizcr Cador, deixou-nos, ao par de magníficos exemplos, preciosas
mesmo de colorido! teorias. Mas infelizrnente, foi êle que nos últimog quartéis da
Passemos agora ano metro latino, e exemplifiquemos ainda,
vida introduziu em Portugal a mania do moroso e arrastado
que é @ste o melhor meio de fazer sentir a minha opinião. alexandrino, que os poctas brasileiro8 adotaram, abraçaram
com um fervor, um fanatismo tal, que... parcce, que ainda
Arma, rirumque cano, Troje qui primus ab orie Cstamos nos temp08 coloniais, durante os quais Bó era boz
o que nos vinha do Reino.
Italiam fato profugus, lavinaque venit, ctc. É dêle mesmo, dêsse bardoimortal,
que vou tirar 0 exemplo, do quanto é superior o nosso verso
Háagui o tom altivo e entusiástico de quem vai entrar na de onze sílabas ao de treze para todos 09 agsuntos, e principal
exposição de grandiosos acontecimentos. mente para assuntos elevados. Quem não tem lido ¢ não sabe
Confronte-se com êstes versos o princípio do canto IV do até de cor os Ciumeg do bardlo? EsSes magníficos versos hen
mesmo poema : decassílabos, 71-/ apesar de não rimados, gravam-se por si mes
mos na memória do leitor. Há entretanto uma produção
At regina gravi jamdudum Baucia cura... mesmo poeta, recheada dos mais engenhosos conceitOs, do
rica
Vemos nestes exemplos, como a mesma metrificação, na
de imageng e dessa brilhante e variada linguagem, que soía
língua francesa e latina, se acomoda admiràvelmente a todos os
empregar o grande bardo lusitano, mas que, em meu entender,
assuntos, a todos os tons,1-e Esses exemplos poderia eu mul perde grande parte do seu valor, não tanto por ser longa, mas
por ser escrita em versos alexandrinos rimados dous a doug.
tiplicá-ios a ponto de fatigar, mas a preguiça de Cscrevê-los, e
o receio de enjoar o Jeitor, me aconselham, que
não cite senão É custoso lê-la de fio a pavio sem fadiga e mesmo sem algum
mais um exemplo, e êste o mais frisante de entre os versog enfado.
do grande poeta e grande metrificador latino. São os s0 Refiro-me a umna poesia, que li na "Revista contemporâ
guintes: nea" de Portugal, notável e preciosa revista, em que colabora
Ile latus niveum molli fultus yacyntho vam, além do mesmo Castilho, as outras
sumidades da litera
tura portuguêsa, como A. Herculano, E. Castelo Branco, Latino
Coelho, J. Machado, etc., etc. Foi
Quadrupedante putrem 80nitu guatit ungula campum uma célebre atriz portuguêsa feita expressamente para
Emilia
por ela recitada em uma representação, das Neves, e devia ser
que não se realizou,
Agora peço licença aos idólatras do alexandrino para per infelizmente para o fim humanitário, a que era destinada, mas
guntar-hes, se o seu metro felizmente para a poesia, que mesmo lida não deixa de ser
favorito é susceptível de tamanha monótona e fatigante em razão do em que é escrita, e
variação de tom, colorido e movimento?. que recitada ainda mesmo por essaritmo,
Por mais que Jeia essa infinidade de hábil artista, com custo,
anda por aí a granel em livros e alexandrinOs, que creio cu, poderia ser ouvida e entendida.
vêzes muita inspiração, estilo jornais, encontro nêles por Basta sbre êste assunto, a respeito do qual bem desejara
brilhante e elevado, ou estender-me mais um pouco a fim de provocar alguma dig
conceitos, mas quase nunca essa belíssimos
a verdadeira poesia, e sem a túnica prestigiosa, que reveste cussão entre meus colegas, e nomeadamente o meu amigo Ma
qual a musa é uma chado de Assis, 71-y poeta de forma pura e
imóvel, incolora ; quase nunca esga estátua fria, e primo
tiva, que coloca a arte de Homero e cadência musical e imita roso romancista, o qual sei que é também elegante,
apaixonado do ale
tenes e Cícero e a de Virgílio entre a de Demós xandrino, pôsto que dêle não faça uso exclusivo.
Rossini e Verdi, fuzendo-a
vantagens de uma e de parlicipar das Outro motivo, que me induziu a fazer um prólogo a esta
pensamento e OS ouvidos.outra, encantando ao mesmo tempo 0 pequena coleço de poesias 71-h foi o ter
lido tempos em um
jornal da Côrte um artigo do Sr, Valentim há Magalhães, em que
23
BERNARDO GUIMARES
334
novo Minas, o Sr. Augusto de
tratando de um outro poeta que deparece aludir à minha pes
Lima, l-se o seguinte trecho,
S0a: a província de
"Deve orgulhar-se nêle (Augusto Lima)e ODE
Minas, cujo maior poeta, outrora tão ardido
fecundo, hoje se
esteriliza numa apatia mórbida, donde só rebentam
monótonas
Ao meu amigo Dr. Franciseo de Paula Pereira Lagoa, por
cantilenas em honra de César". ocasião do falecimento de seu pai 72
Não me tenho em conta do maior poeta da província de
Minas, nem mesmo do cantão, em que resido;
mas é bem certo,
que só eu, ao que me consta, fiz algumas poesias em homena Durum, sed levius fit pacientia
gem a SS. MM. II., quando visitaram a capital desta província, Quid, quid corrigere est nefas.
e portanto creio que não vou errado tomando para mim a alu (HORÁCIo, Odes.)
sãodo Sr. Valentim. Como nenhum outro se apresentara para
solenizar com os produtos de sua musa tão auspicioso aconteci
mento, se não era de minha rigorosa obrigação, julguei ser ao Em frente de um sarcófago funéreo
menos um dever de civilidade da minha parte, render aos ilus Vejo-te, amigo; atroz melancolia
tres hspedes as devidas homenagens pelos meios ao meu al Te paira sôbre a mente conturbada,
Cance. Como nuvem sombria.
Mas essa alusão, em parte tão honrosa para mim, e tão
acima do meu mérito real, é de todo o ponto injusta, quando É
grave a tua dor; austera e funda
me supõe engolfado em mórbida apatia, donde só rebentam Como da campa-o seio tenebroso;
mOnótoNas cantilenas em honra de César. Com a publicação E o peito aflito como que se fende
desta coleção o Sr. Valentim se convencerá, que não é tanto No arquejo doloroso.
assim.
Que essas cantilenas, apenas duas, são monótonas, Üma nuvem de lúgubres idéias
eu o reconheço, e até mesmo mal feitas, porque foram quase Eu vejo em tua mente esvoaçando,
improvisadas no meio do tumulto e ruído das festas. Mas Como abutres sinistros de teu peito
agora ao editá-las de novo na presente coleção, tomei o cuidado As fibras lacerando.
de corrigi-las e melhorá-las, não sei se o consegui, a fim
de torná-las mais dignas dos altos personagens, a quem são Nem um suspiro, nem uma só lágrima
dirigidas, e mais merecedoras da indulgência do Sr. Valentim Pelas imóveis pálpebras transuda;
Magalhães, cujo alto eritério e ilustração muito respeito. A dor, que é forte e grande, não tem prantOS
E como a campa é muda.
Ouro Prêto, 10 de agôsto de 1882.
Debalde invocas de tua alma a fôrça
B. GuIMARES Nesse transe de acerbo sofrimento;
Corre-te em bagas pela fronte pálida
Suor de desalento.

Nesse ataúde entre brandões funéreos,


Quem é que aos sons de um dobre pesaroso
Lá vai caminho da mansão medonha
Do perenal repouso? 72-a
BERNAKDO GUINMARES
336 POESIAS COMPLETAS 337
Por que fitas, amigo, olhar sombrio A vida é sonho breve, o mundo um êrmo,
No quadro dessa campa
a
há pouco aberta?... Que transpomos à pressa; - a realidade,
Por que razão ante visão sinistra Essa existe sòmente além da campa,
Te ondeia a mente incerta? Está na eternidade.
Ai! que lá tomba sôbre os frios restos Desvia pois teus olhos macerados
De um pai querido a lápida pesada! Dessa tristonha e lúgubre mansão;
Aos olhos teus sumiu-se para sempre E eleva a idéia a regiões mais altas 72-b
Aquela efigie amada. Nas asas da razão.

Fatal destino, que te enluta os dias, Ergue tua fronte, e impávido te apresta
Te abre no coração cruel ferida; A prosseguir tua missão no mundo;
Ei-lo deitado sôbre o chão da morte Ah! não fraqueies na afanosa luta
ÊSSe, que deu-te a vida. De teu pesar profundo.

Em dia infausto o pálido fantasma Na poeira das campas não mais deixes
Co'as fuscas asas te roçou n0s lares, Rebolcar-se abatido o pensanmento,
E os transformou em lúgubre morada E da esperança nas esferas puras
De angústias e pesares. Respira novo alento.

0 vendaval guebrou o tronco anoso, Paz aos mortos!...anós cumpre marcharmos


Eo debruçou no leito do jazigo, Até da vida os arraiais extremos,
Deixando as tenras plantas, que o rodeiam Onde um dia tambémn o eterno pouso,
Sem sombra, e sem abrigo. E lágrimas teremos.
Mas não entregues indefeso o peito Avante pois! tua formosa estrêla
Da dor cruel a0 despiedado embate; Inda alumia as sendas do porvir,
No broquel da razão, que te ilumina, E na carreira de teus belos dias
Os golpes seus rebate. fôrça prosseguir.
É

Bem sei, que mágoas tais não se consolam;


Quem na camp2 de um pai, ou mãe querida
Não tem vertido o Deixe-se envôlta em seu lutuoso véu
pranto da saudade? Tão justa dor; consolações a ela
Quem neste mundo não trajou chorando
O . .
luto da orfandade?. Só podem vir do céu.
Assim nas mágoas, que te pungem n'alma,
Tal é da humanidade sempre a Sorte; Que mais eu posso, humilde trovador,
Foi sempre o mundo umn vasto cemitério, Senão mesclar às lágrimas do amigo
Onde a morte implacável
alardeia
seu fatal império. Um cântico de dor? 72-o
0
0 anjo das dores santas, que em teu peito
Da yida curto e afadigado curso Verte hoje a flux o fel das amarguras,
Vai por sendas de túmulos Venha êle mesmo os prantos enxugar-te
De extintas gerações a orladas;
cada passo Com suas asas puras.
Calcamos as oSsadas. Ouro Prêto, dezembro de 1867.
BERNARDO GUIMAREs
338
POESIAS COMPLETAS
339
ESTROFES De atrocidade infanda.
Dirceu finou-se em mísero degrêdo
De Cláudio a morte é tétrico
Ao Dr. F. L. Bittcncout Sampaio, p0r ocasio de suc vinda a segrêdo.
Ouro Prêto, cm 1875
Não vês aquêle píncaro altaneiro,
Eu te saúdo, ó cisne de outras margens, Que o azul do céu invade?.
Que o vo teu abates Tímido ainda ali fulgiu primeiro
Por um momento nestas fundas vargens, Clarão de liberdade,
Ninho de ilustres vates, Frouxo arrebol, que anunciava o dia,
Cujo canto até hoje inda suspira Em que o cetro aos tiranos cairia.
Na viração, que pelos montes gira.
Mas ai! que êsse lampejo tão formoso,
Sejas bem-vindo nas alpestres plagas, De luz incerta e vaga,
Onde Cláudio e Dirceu 73-a De Xavier no sangue generOso
Co'as liras encantando as duras fragas Por fim se esvai, se apaga!
0 nome e o gênio seu Sucede-lhe de novo noite espêssa,
Vão mandando em canções imorredouras, E nas trevas alveja uma cabeça!
Às mais remotas gerações vindouras.
Uma cabeça lívida e mirrada
Éstes vales te acolhem prazenteiros; Aos ventos balançando,
Saúdam-te êstes montes, Em afrontoso poste estácravada,
Sacudindo os espessos nevoeiros Troféu negro, execrando,
Das enrugadas frontes, Que recomenda às maldições da história
E se ufanam de ver dentro em seu seio De cruentos algôzes a memória.
O que
cisne, de estranhas terras veio.
Grata sombra, suave murmurio Sangue de Xavier! sangue fecundo!...
Encontres neste Sbre esta terra escrava
Com fagueiros rumôres vale; Regaste a planta, que no chão profundo
êste rio Oculta germinava.
Saudade e amor te fale; Sangue bendito! generoso brado
Estas auras te cantem doces hinos, As gerações futuras arrojado!...
Inspire-te éste cu sonhos divinos.
De Marília o cantor Sangue de Xavier, surge de novo
ternas endeixas 27-b Da terra, que embebeu-te,
Aqui gemeu na
lira;
E de Marília o nome inda Salpica o rosto dêste ignavo povo,
entre queixas 73-b Que tão cedo esqueceu-te!
A viraço suspira;
Inda êstes montes guardam na Quem do presente aos brados não acorda,
De seu fiel amor a memória "Também glórias passadas não recorda.
triste história.
Ali do velho Cláudio nos
encara
A sombra veneranda,
Excelso vate, vítima Não canta o sabiá na riba imunda
preclara
De podre lodaçal;
Não mescla o canto à grita furibunda,
BERNARDO GUIMARES
340 POESIAS COMPLETAS 341
Que atroa o pantanal; Se eu na voz tivesse o encanto
Emudece, ou rompendo os livres ares Da viração amorosa,
Vai desprender mais longe os seus cantares. Quando em tôrno à flor mimosa
Sussurra com voz macia;
Não lhe aprazem mesquinhas ribanceiras,
Escassos horizontes; Se eu tivesse a harpa dos anjos,
Quer amplos vales, selvas altaneiras, Que pelos átrios divinos,
Imensuráreis montes; Entoam celestes hinos
Quer céu de anmor, quer sol de liberdade, De inefável harmonia;
Quer diante de si a imensidade.
Sòmente assim pudera hoje entoar-te
Não mais cantemos: deixe-se em repouso Um hino sonoroso,
A lira desmontada, Para saudar de teuS crescentes anos
No recesso do lar silencioso O dia venturoso.
A um canto pendurada;
Não se casam acentos de harmonia
Áos vis tripúdios de asquerosa orgia. Flor ainda imatura, o puro seio
Novembro de 1875.
Agora abres apenas.
Oh! que idade gentil! os teus caminhos
Vão juncados de rosas e açucenas.
POESIA Para ti o passado é sonho vago,
) futuro um sorriso;
para ti a vida
É
um puro encanto,
Feita por ocasio o 14.0 aniversário da Ex,ma
Augusta Amaral
Sr. D. Luisa O
mundo um paraíso.
da Veiga
Oh! se imitar eu pudesse Hoje te adorna a fronte radiante
Esses arpejos Suaves, Mais uma primavera,
Com que as SonoraS aves Que em teu lindo semblante
Festejam nos céus a aurora; Mais um primor, mais uma graça gera.
Transpões agora essa estação risonha
Se eu soubesse o brando arrulho, Da aurora da existência,
Com que a rôla no vergel Na qual a mente só mistérios sonha
A seu amante fiel De plácida inocência.
Entre as sombras enamora;
Volves mais uma página de ouro
Se na lira possuísse Do teu casto viver no livro santo;
O
queixOSO Som
da vaga, Nasce-te n'alma mais um novO encanto,
Quando mansa a praia E das graças completa-se o tesouro.
Em noite de alvo luar; afaga
Se o sonoro sabiá Resplende agora em tôda louçania,
Me ensinasse a canção Envôlta em véus de cândida pureza,
Com que à tarde meiga, Em tua fronte a flor da gentileza,
pela veiga
Sabe os ecos encantar; Que de novos encantOS se atavia.
BERNAO GUMAKÅS
POE8LAg COMPLETAR

Rosa gentil, que As petalas tào puras 0 colo nunca vergamos,


Hoje alardeias por jardins amenos, a Somos livres, somos bravos;
Anjos do cu bnfeiam sÓ vOnturas Ag hordas não temeromos
Em teuis dias serenos, De verdugos o le cscrnvos.
E da vida arredando-te os espinhos,
Sóde flores alastrem teus caminhos,
Ante o estandarto
Possa esta surora, que d0s céns à terra Libertadlor
Nos trouxe um anjo puro, Trema o covarde
Sennpre raiar propicia e luminosa Saltendor.
Nos campos do futuro,
De vingar nossOs irmãos
ORro Prèto, moredro de 180. No altar da pátrin juremos,
Da punir ao
cruéis afrontas
Da honra campo voemos.
HINO
Dia! corramnos
Dedicado co 3.° Batalhão de Toltuntários, Que em Bem como o raio
rartiu de Ouro Prêto a tomar parte na campanhaabril de
1866
Sôbre o insolente
debairo Paraguai
o comando do Sr. tenente-coronel (hojc dobigadeiro) Vil parnguaio.
Amorim Rangel
Avante sempre! eia, vamos
Ås armas, bravos mineiros! Té os muros de Assunçño
guerra a pátria vos chama,
À
Desdobrar vitorioso
A vingar atroz insulto 0 auriverde pavilhão.
Da brasileira auriflama.
Sinta o tirano
No seu covil
À guerra! à guerra! Que bravo povo
Alto bradai;
Guerra ao tirano Tem o Brasil.
Do Paraguai!
Soldados da liberdade
Lembrai-vos, que nestes
Iremos opor um dique
montes, As coortes assassinas
E nesta herica cidade Dêsse bárbaro cacique.
Despontou o albor
primeiro
Da aurora da liberdade.

Ao Paraguai
A pátria clama
Meu brado
Pra defendê-la
ouvi! -
Eia marchemos, Eis-nos aqui.
E ao vil tirano
Morte levemos. Ouro Prto, 1867.
BERNARDO GUIMARES
344
POESLAS COIPLETAS 345

FLOR SEM NOME


um rochedo, Alma tenra e gentil, assim te fôste 75a
Ela nasceu no êrmo em Levando intacto da inocência o vu;
Sôbre a fauce do abismo pendurado.
o viço Brisa fagueira te levou nas asas
A flor sem nome, alardeando Para os jardins do céu.
E a linda côr do cálix orvalhado.

quando surgiu, veio afagá-la


O sol,
Eras de um mundo mais feliz que o nosso;
Vicejar sôbre a terra não pudestes
Com todo o amor dos brandos raios seus;
Mas ao deixar o céu em vão buscou-a E com os anjos, teus irmãos, te fôste
Para dizer-lhe adeus. Para a mansão celeste.

Tépidos beijos lhe imprimiu no seio É beloassim murchar inda na aurora,


A brisa da manhã; Sem crestar-se do sol ao vivo ardor,
Voltou logo depois; passou gemendo, E uma alma imaculada como o lírio
Pois não viu mais no vale a flor louç. Nas mãos de Deus depor.

0 colibri no seu mimoso cálix


Esvoaçando doce humor libou; 0 Vo ANGÉLICO
Veio depois inda outra vez beijá-la,
Não a viu mais, e triste se afastou. Poesia dedicada à jovem Seinel da Companhia do Circo
Eqüestre do Sr. Luis Casali
Ctérea flor no ldo vil do mundo
Jamais teve raiz,
E nem o pó da terra enxovalhou-lhe Era um anjo entre nuvens oscilando,
O virginal matiz. Trajando linda, vaporosa veste;
No mimoso semblante e gesto brando
A perfumada viração da aurora Tão bela, como tudo que é celeste.
Em sossegado adejo
Embalou-a no límpido ambiente No temeroso espaço balançada
Com brando rumorejo. Fazia mêdo e pasmo vê-la assim;
Se não fôra criança, era uma fada,
E ela agitando as pétalas mimosas Se não fôra do mundo, um querubim.
Ao sôpro afagador da mansa aragem,
Sorrindo para o céu não viu do abismo Mas era mesm0 querubim e fada,
A tétrica voragem. De ambos reunia a etérea essência ;
Fada pela arte mágica, encantada,
E todos, os que a viram, de E anjo pelo encanto da inocência.
encantados
Que linda flor! clamaram;
Mas ningum a colheu ; nas mansas Balançou-se no ar, e de repente
asas
As virações celestes a levaram. Pelo espaço vazio se arrojou;
Caiu... oh! não; pousou serenamente,
E suas vestes de anjo não manchou.
BERNARDO GUIMARAESs POESIAS COMPLETAS
S46 847

Possas, menina, no correr da vida


Como um anjo assim sempre esvoaçar, Mas se queres no fúnebre jazigo
Ser de teus pais a pérola querida, Perpetuar memória tão saudosa,
Dos lares teus o anjo tutelar. 76-a Manda gravar em seu extremo abrigo
Esta inscrição piedosa :
Ouro Prêto, janciro de 1881.
"Dorme em paz sob o fúnebre lajedo,
E do céu nos sorri, querida irmã.
És feliz; para ti despontou cedo
POESIA A luz serena da eternal manhã."
Dirigida ao meu amigo o Sr. Pedro de Moura Estêvão, em Ouro Prêto, 4 de junho de 1881.
memória de sua im a Exma Sr. D. Virginia de Moura
Pacheco Estêvão, falecida a 19 de maio de 1880

Mal dos sonhos da infância ela acordava,


DOUS ANJOS
Essa, que choras, tão querida irmã;
E sua rósea aurora se mudava A meu amigo Francisco Lana por ocasião da morte de suas
Em fúlgida manhã. duas inocentes filhas gêmeas t7-a

Ao espôso feliz, que a idolatrava, Nascemos juntas, juntas escutamos


Mal entregara a virginal capela, Os maternais gemidos;
E o casto véu de espôsa flutuava Nossa mãe, entre sustos e alegrias
Em sua fronte bela. Ouviu nossos vagidos.
Oh! tão cheia de amor e de esperanças Nós eramos dous anjos de inocência
Quão docemente a vida lhe
sorria!... Voando par a par,
Eis que da morte a toma pelas tranças £Sse mundo de angústias e misérias
A mão pálida e fria!. Deixamdo sem pesar.

Mas não; não foi da morte a mão


Que a conduziu à funeral mansão;
gelada, Tão irmãs como são as duas asas
De um anjo do Senhor,
Foi um anjo, que à cúpula estrelada Ou duas gôtas de celeste orvalho
A guiou pela mão.
No cálix de uma flor.
Foi seu fado talvez
melhor que o noSso:
Era um anjo, que Deus para si quis; Nascemos num só dia; uma após outra
Eisas A morte nos levou,
palavras, que dizer-te posso: Dous brancos lírios, com que mão propícia
Tua irmã foi feliz.
De Deus o trono ornou.
Da doce vida na dourada
taça
Libou apenas o perfume e o Um par de brancas rôlas nós voamos
Näo conheceu os travos mel; Direito para o céu,
da desgraça, Para lá conduzindo da inocência
Não lhe provou o fel. 0
imaculado véu.
BERNARDO GUIMARAES
348 POESIAS COMPLETAS 349
por que motivo
E vós, queridos pais, Não, não chames a morte. Aquela estrêla, 78-5
Com tanta dor chorais?.
enm vossosS olhos vemos, A mais formosa, que n0 céu fulgura,
E êsse pranto, que Confia o teu destino, e ao brilho dela
Por que não enxugais?...
Esquece-te da paz da sepultura."
De nossa vida o corte prematuro
Ah! não, não lastimeis;
Duas filhas perdestes, nas dous anjos Assim a teus ouvidoS murmurava
Junto de Deus tereis. Branda aragem com tímidos rumôres,
Beijandoo rosto teu, que desbotava
Março de 1878. Em lívidos palores.
Assim da fonte o quérulo marulho
NÃO QUEIRAS MORRER 78
Aos prazeres da vida te chamava:
Assim a rôla com sentido arrulho
Poesia oferecida a meu amigo e colega o Sr. desembargador Também te soluçava.
José Antônio Alves de Brito, à memória de sua filha Zulmira,
jalecida na idade de 20 anos Os céus de azul, os campos de verdura
Miríficos painéis desenrolando
"Por que motivo, linda e fresca rosa, Com mnil cenas de amor e de ventura
Inclinas para o chão a fronte pura?. Te estavam acenando.
Por que tão cedo, virgem lacrimosa,
Suspiras pela paz da sepultura?. De um pai o afeto, o maternal carinho
Erguiam a teus pés piedoso altar;
"Não, não queiras morrer. No albor da vida, De ventura e esperança um doce ninho
Na quadra da esperança e da ventura, Sorria-te no lar.
Quando a flores colhêr o céu convida,
Não, não fales na paz da
sepultura. Mas essas brandas queixas, essas preces
Não, não queiras morrer. Morriam pelo ar sem vibração,
Deus te conforte; E nem podiam, mesmo que o quisesses,
Nem sempre no céu reina noite escura;
Moça e linda, qual és, pede outra Chegar-te ao coração.
Ah! não queiras tão cedo a sorte.
sepultura.
Do grosseiro envoltório da matéria
Não, não queiras morrer. Teu espírito h muito sôlto andava, 78-0
Não deve assim Flor tão mimosa E atravessando a região sidérea
murchar na
Resista aos vendavais a frágildesventura
rosa, 78-a
; Nos céus esv0açava.
Não traje a aurora o
véu da sepultura.
Quem sondar pode um coração, que arqueja
penses em morrer.
Não Envolto em triste, merencório véu,
Pede, espera do céu paz e É cedo ainda; Eo vôo suspender do anjo, que adeja,
Não morras, não; sê ventura;
forte, como és E sóprocura o céu?.
Não, não queiras a paZ linda:
da sepultura. 24
BERNARDO GUIMARES
S50 POESIAs COMPLETAS 351

Celebrando a memória
me conforta; Dos feitos de um heróico e nobre povo?
Não,eu não vou m0rrer. Deus escura, Eu, bardo obscuro dêste mundo novo ?!
campa a sombra
Não me aterra da porta;
Bem moça vou bater dos céus à Devo eu, do seio destastristes brenhas
a sepultura.
E essa porta qual é?... Soltar nota perdida,
Que irá por certo em vibrações rouquenhas
Não, eu não vou morrer. Flor melindrosa Perder-se esvaecida
Preciso de aura mais serena e pura; Na orquestra universal, que hoje proclama
Não resiste ao tufão a frágil rosa; Do lusitano bardo o nome e a fama?...
meu abrigo o véu da sepultura.,
É

que devo eu viver na terra ainda?... Da glória de seus feitos, de seus hinos,
Porespero Dos tristes devaneios
Só no céu paz e ventura; De seu amor, seus ásperos destinos
e
Irei lá renascer mais forte linda, Três séculos vão cheios.
meu novo berço a sepultura.
Será Três séculos há que surge essa figura,
Aquela estrêla, De ano em ano mais brilhante e pura.
'Não, eu não ou morrer.
A mais formosa, que no céu fulgura,
Me guia ao meu destin0; ao brilho dela
Porém que importa?. A tímida homenagem
Vou descer sem pavor à sepultura."
De meu fervente culto
Nada amesquinha à gigantesca imagem
Do nobre, heróico vulto;
Tôsca pedra que encosto ao pedestal
Assim, não os teus lábios, mas tua almna De uma estátua soberba e colossal.
Murmurar parecia. Não falavas,
Mas do triste sorrir na expressão calma Quando da aurora no horizonte assoma
Do teu peito os mistérios revelavas. Do sol o disco ardente,
A verde selva meneando a coma,
O zéfiro fremente,
Eram êles, quais fôlhas desbotadas
Que a flor deixa cair uma por uma; 0 arroio, a fonte alegres rumorejam,
Larga no chão as pétalas mirradas Eo céu e a terra e as águas o cortejam.
Mas de eflúvio suave o ar perfuma.
Ante o foco da luz e da beleza,
Assim, alma gentil, no extremo arquejo Em êxtase suspenso
Do corp0 o frágil cárcere 0 mundo inteiro canta; a natureza
quebraste, Desprende um hino imenso
Nos espaços azuis soltaste o adejo,
De multiforme, esplêndida harmonia,
E para os céus voaste.
Em que exalta e saúda o rei do dia.
Mas no meio da orquestra retumbante,
A CAMÕES 79 Que entoa a criação,
Ouve-se lá na encosta verdejamte
Bem árduo empenho tomo A tímida canção,
sbre os
Posso eu cantar a glória ombros!... Que entre moitas de murta e rosmaninho
Do vate, que causou ao
mundo Gorjeia a mêdo ignoto passarimho.
assombros
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS
S53 858

Assim do gênio ante fulgor sagrado


o
; Do oceano imemso aos bravos domadores
Se expande a mente
humana Teces formosa c'roa,
poema não lhe é dado
E, se entoar Ea despeito da inveja e seus furores
Em sonoroso hosana, Teu nome inda hoje soa,
Sagra-lhe ao menos do íntimo do peito Nobre pregão do ninho teu paterno;
Em verso humilde respeitoso preito.
Eé êste o prêmio teu, sublime, eterno.
Perdoa, pois, 6
sombra venerada Eé êsse só; cruel sorte te aguarda
Do bardo lusitano, Nos teus extremos dias;
Perdoa, se co'a mente arrebatada A indiferença, a inveja lá te esguarda
Por um arrôjo insano Com suas garras frias;
No monumento teu depor eu venho E o mais alto cantor da altiva Ibéria
Pálida flor de meu escasso engenh0. Morre à míngua no leito da miséria.

Tríplice louro te circunda a fronte 79-a Dos sofrimentos teus a triste história,
Majestosa e sublime; Teus ásperos labôres,
Poesia, amor, patriotismo ardente Tanto infortúnio junto a tanta glória,
Eis o que êle exprime. Teus trágicos amôres,
São três fanais, em que tu te inspiraste, Diga-os a fndia e a gruta de Macau,
Na epopéia, que aos séculos legaste. Diga Lisboa, diga o fiel Jau.

Oh! que vasto horizonte de harmonias Desdobremos, porém, sôbre tais cenas
Do olvido o espêsso véu,
Já lêdas e risonhas,
Já tristes, já terríveis e sonmbrias, Esqueçam-se hoje cousas tão pequenas.
Já rudes e medonhas, Esqueça-se o labéu
Abres nesse imortal, divo poema, Dessa mesquinha geração ingrata,
Que há de tocar do tempo à meta Que um tão nobre filho assim maltrata.
extrema!...
Aí do luso nauta está gravada Mas basta!... eisjá cumprido o santo voto!...
A imagem sobranceira Oh, imortal Camões,
Em pedestal eterno sublimada; Aceita os hinos do cantor ignoto;
Aíresplende inteira São fracas oblações
A glória de uma altiva
geração; De quem arrasta míseros andrajos
De um povo herico Aos pés de quem vestiu sublimes trajos.
aí bate o coração.
Quão tristemente E que importa ao fulgor de tua glória
Inês aí suspira A pálida lucerna,
Seu lastimoso
Que terríveis amor!... Que apenas bruxuleia merencória
vinganças não respira
O tôrvo Adamastor, Em lôbrega caverna?!.
Ao nauta afouto
anunciando os duros,
Apague-se uma vez; quebre-se a lira,
Cruéis desastres, que Que a celebrr teu nome em
contou futuros. vão aspira.
BERNARDO GUIMARES
354
POESIAS COMPLETAS
355
Sono de glória à sombra de seus louros
CAMÖES Hátrês séculos, que dorme no jazigo
Aquêle, que entre o silvo dos pelouros,
Poesia recitada no Teatro do Ouro Prêto por ocasião de Longe da Pátria, errante e sem abrigo
celebrur-se o terceiro centenário do grande épico português Soube enviar aos séculos vindouros
Nobre epopéia, em que o mundo antigo
Aquêle, cuja lira sonorosu Reconta aos filhos dêste mundo novo
Será mais afamada que ditosa. Altas façanhas de um heróico povo.
Que sombra ilustre vê se hoje pairando Ao vivo sol das plagas indianas
Nos horizontes fúlgidos da história! Suas pálidas faces se crestaram;
É nobre o porte, o aspecto venerando; Cruéis vexames, dores sôbre-humanas
Traz impresso na fronte merencória Nos lábios os sorrisos lhe murcharam:
Sêlo fatal, que bem estárevelando, Em rija pugna as balas mauritanas
Que foi homem fadado para a glória, 0 lume em um dos olhos lhe apagaram,
Poeta herói de uma nação possante,80-a Mas nada disso o alento lhe esmorece,
Como na Itália fôra outrora o Dante. E nem do engenho as chamas lhe amortece.
Foi poeta e herói êsse, que vejo Deus, a Pátria, o amor tendo por norte
Pelo clarim da fama apregoado. Emboca a tuba épica e derrama
Des dos mares da fndia à foz do Tejo 80
Em sonoroso verso, altivo e forte
Oferece à pátria o peito denodado,
Por tôda a parte a gloriosa fama
E cisne altivo de valente adejo Daqueles, que afrontando o mar e a morte,
Soltando aos ares canto sublimado, Guiados pelo audaz, ínclito Gama
No limiar do templo da memória Foram fundar entre remota gente
Está cantando de seu povo a história. Novo império na extrema do oriente.
Uma das mãos repousa sôbre a
espada, Escuta, com que sons harmoniosos
A outra brandamente empunha a pena,
Que des da infância às musas
As suas gentis Tágides invoca;
foi sagrada; Castro, Albuquerque e outros
Uma combate em sanguinosa arena Dos gloriosos túmulos evoca; heróis famosos
Pelo esplendor da pátria sua
amada; Depois vibrando acentos vigorosos
A outra em uma esfera serena Nos faz tremer quando nas
mais
Em versos de ouro aos séculos mágoas toca
proclama Do Adamastor feroz,
Do Portugal antigo o nome tôrvo gigante,
e a fama. Que em vo defende OS mares
do levante,
No largo peito a rígida
Dando realce ao rosto seuarmadura
Da triste Inês o caso lamentoso
Com que sentidas vozes
A vida do soldado sever0
e dura, rememora!. .,
De mil tribulações áspera
o pêso austero,
Já não é mais 0 eco clangoroso
Pátria, amor, poesia e De épica tuba, que se ouve agora,
Eis o troféu do lusitanodesventura, Mas uns sons de alaúde lamentoso,
A quem ao par do Homero, Que em piedoso carpir a sorte
engenho peregrino Dessa infeliz tão bela, quão chora
Coube em partilha mísero destino. Que só depois de morta foi mesquinha,
rainha.
BERNARDO GUIMAREs
356 POESIAS COMPLETA8
357
Ainda hoje as filhas do Mondego
Choranm da mãe e amante a sorte escura;
Onde ela foi buscar vida e soss@go, ; ESTROFES 81

Só encontrou a morte ea desventura


Ainda a voz de Inês
enm
triste ofgo Dedicalas uo Sr. José Tinoco, espirituo80 e iustrado cronista
Parece soluçar na fonte pura, do Jornal do Comércio", quando pa330u pelo Ouro
Que sempre com saudade rega as flores, ucompunhando SS. MMM. II. em sus visita a esta provinciaPréto
$1-u
Eo nome tem de seus fiéis amôres.
Viajor, que visitas nossas plagas
Mas calam-se os gemidos bem depressa Alpestres e sombrias,
Dêsses amôres mal afortunados; E do Itacolomi nas duras fragas
De novo a tuba os cantos recomeça Vens pousar alguns dias,
Celebrando os heróis assinalados; Eu te saúdo; tua mão aperto,
Na belicosa lida, que não cessa; E às exxpansões achas um peitO aberto.
Vêde, como se arrojam denodados
Já contra as fortes lanças castelhanas, Que vês aqui?. de altíssimas montanhas
Jáespancando as hordas mauritanas. Os topes sobranceiros,
De rochas colossais formas estranhas,
E depois com gue mim0 e que frescura Furnas, despenhadeiros,
Aos olhos mostra a ilha dos amres!. E água clara jorrando aos borbotões
A linfa clara, as sombras, a verdura Entre sombrios, frígidos grotões.
Dêsse asilo, que aos lusos lidadores
Faz esquecer a guerra e a má ventura,
Descansando dos ásperos labôres. Se a vista estendes pelos horizontes,
Refúgio enganador, treda miragem ! Vês negras serranias,
Pois de novo oS espera atra voragem. Erguendo ao céu as denteadas frontes
De nuas penedias,
Ao vate escapa às vêzes com tristeza 80-c
Elevando-se em grupos caprichosos
Um sarcasmo de mágoa acerba e funda Por sôbre socavões vertiginosos.
Quando fulmina os vícios e a
Dos tempos seus, a fronte Ihe rudeza O pátrio ribeirão aqui se espalha
Altivez genial. Com que circunda Por sôbre a fina areia,
franqueza
Essa musa imortal, nobre e fecunda E se estendendo em nítida toalha
Verbera aquêles, que ao fatal Sonoro serpenteia,
Levaranm logo o jazigo Como fímbria de prata alvinitente,
Portugal antigo!...
Que orla do monte a túnica virente.
Porém, com desbotada,
Não desmaiemos o painelfraca tinta Ei-lo que além de altíssimos fraguedos
sublime,
Em que essa musa altiva agora Despenha-se ruidoso,
Tanta grandeza com verdade extinta E mais longe se embebe entre penedos
É
fraco o engenho meu; a custoexprime.
que a alma sente; pinta Rosnando furioso,
tanto pêso o oprime,
E mal pode entoar débeis Qual ferido jaguar, que busca a toca,
Ao glorioso nome canções Pondo-se a salvo em solapada roca.
de Camões.
BERNARDO GUINIARAES
POESIAS COMIPLETAS
359
Aqui tu vês a histórica cidade Além, naquela encosta vicejante
Entre combros aluídos Gonzaga ainda suspira
Ainda recordando com saudade Cantando as graças da formosa amante
Os tempos já volvidos, Na maviosa lira;
Quando entornava às regiões estranhas Cuida-se ali ouvir a voz dolente
Ouro a granel das mádidas entranhas. Do desditoso e nobre inconfidente.

Ei-la se encosta de escalvado morro Muitas outras lembranças gloriosas


Ao flanco lacerado, Na mente levarás,
Por onde a aluvião caindo em jôrro Que em teu país, em horas mais ditosas
No vale escalavrado Um dia contarás,
Derramava qual mágico tesouro Sem te esqueceres do singelo abrigo,
Entre fino esmeril palhtas de ouro. Que vieste encontrar em seio amigo.

Além o monte imita altas cimalhas Adeus!. doce memória guardaremos


De templos denegridos, Da rápida passagem,
Pendentes torreões, rôtas muralhas, Em que nos lares nossos te acolhemos ;
Castelos derruídos, Adeus, boa viagem!...
Que no aspecto severo e venerando E em sinal da saudade que nos deixas,
Estão eras antigas recordando. Leva enm teu coração estas endeixas. 27-b
Ergue os olhos: por sôbre a tua fronte Ouro Prêto, julho de 1881.
Verás a catadura
Do gigantesco, aspérrimo Itamonte,
Que pela esfera pura UMA LÁGRIMA
Mergulha a grimpa qual cerúlea pluma,
Que sôbre um elmo colossal se apruma.
À memória do Dr. Francisco Curlos de Magalhães
À Sombra dessa rude penedia Poesia eserita no álbum da Ba, ma
Sr.s D. Ambrosina Augusta de Mugulhães
Outrora flamejou
Clarão libertador, que n0 outro
dia Escusai-me, senhora, se entre as flores
Em sangue se apagou;
Cometimento audaz, santo Lêdas, formosas, que êste livro enfeitam
Ao qual só coube a glória delírio, De gala festival,
do martírio! Minhas trêmulas mãos apenas deitam
De Xavier a Um goivo sepulcral.
ínclita cabeça
Ali plantada estava,
Perdão, se vou aos risos da ventura
E como um sol rompendo a
Aos ventos balouçava treva espêssa
Entre as rosas do amnor com triste canto
Aos vindouros mostrando Entremear abrolhos,
Da liberdade a luminosa em crise horrenda Provocando talvez amargo pranto
senda. Dm vossos lindos olhos.
360 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS
Hoje triste lembrança me convida 361
A entretecer um ramo de cipreste
Nas páginas mimosas,
Onde se ostentam com fulgor celeste EPITALÂMIO
Anêmones e osas, S2-a
Benjamim e Cocota
Mas. que tem isso?... lá onde viceja
A flor do riso e da felicidade, Dormias. Da inocência os véus risonhos
Que o zéfiro bafeja, Guardavam tua fronte.
Também vegeta a lívida saudade,
Que lágrimas goteja.
Porém velava amor, e entre teus sonhos
Abriu novo horizonte,
Onde um futuro de prazer infindo
Uma saudade!. eis o que diz meu canto. Entre esplendores despontou sorrindo.
Uma saudade!. é esta a flor sagrada,
Que em vosso jardim planto,
E que sempre será por vós regada Entre esplendores despontou sorrindo
De amargurado pranto.
O
anjo do himeneu,
E sôbre a neve de teu rosto lindo
O vôo suspendeu,
Aceitai pois êsse piedoso emblemna,
De angústia e dor imagem merencória, E disse-te em segrêdo: "Acorda, oh bela,
Voto de um coração, De teus suaves sonhos de donzela.
Dentro o
qual existe ainda a memória
De vosso extinto irmão. Deteus suaves sonhos de donzela
0 tempo é já passado,
Era umn
belo mancebo, uma alma pura; Que vem roubar-te a virginal capela
Na fronte juvenil lhe refulgia O espôsO aventurado,
O
louro da ciência, Que vai levar-te, oh anjo de candura,
Que entre labôres conquistado Pelas sendas do amor e da ventura.
havia
À luz da inteligência.
Pelas sendas do amor e da ventura
Em plena primavera ao desalento Nova estrêla te guia,
Curvou a fronte pálida, e Novo horizonte em tua vida pura
Dormindo o eterno sono deitou-se Resplende neste dia,
;

Débil planta, que à luz do Em que ditoso tálamo te espera


sol mirrou-se Tenra e mimosa flor da primavera.
Sem esperar o outono.

Tenra e mimosa
flor da primavera
Acorda de teu sono;
Se tão triste lembrança Do ardente estio vem chegando a era;
Ao vate perdoai, que vOs magoa, Depois virá o outono,
também Em que tu colherás por entre flores
0 prant0, que chorais, chora Frutos gentis de teus castos amres.
E a lágrima, que aqui
Levai a vossos deponho agora,
Ouro Prêto, julho
pais. "Frutos gentis de teus castos amres
1881. A vida te engrinaldem,
Os claros dias teus emn mar
de flores
362 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS
263
Serenos se desfraldem;
E num porvir de amor e de bonança Sem serem por mãos lascivas
Se convertam teus sonhos de esperança." Desfolhadas pelo chão;
E em qualquer estação
Assim falou-te o anjo; em doce enleio De tua vida ditosa,
Despertas a sorrir, As filhas da arte engenhosa
E com olhar tranqüilo e sem receio Viçosas te sorrirão.
Encaras o
porvir,
Vendo o espôso, que a fida mão te oferta Qual passarinho entre flores,
E para sempre ao seio0 seu te aperta. Do teu talento a cintila
Do lar na sombra tranqüila
Lança vívidos fulgores.
Por mares encantadores
DÉCIMAS Voga tua fantasia,
Ao aniversário natalicio de minha sobrinha Qual condão de alta magia,
habilissima e
pianista
Maria Cunuta,
cantora, filha de meu irmão desembar. Que através da vida ingrata
gador Joaquim Descuidosa te arrebata
Caetano da Silva Guimares 93-a Sôbre as asas da harmonia.
Entre nuvens côr-de-rOsa 10 de maio de 1882.
Desponta o festivo dia,
Que mais um elo anuncia
Na cadeia venturosa
De teus anos, oh formosa. FAGUNDES VARELA 84
Ah! sejam êles, senhora,
Sejam sempre como agora, Olha, 6 poeta! lá pelo ocidente
Guirlanda de eternas flores, Que oceano luminoso!. .
De sorrisos e fulgores Que painel sedutor o sol poente
Perpétua, florente aurora. Esboça pelo espaço vaporoso .
!..
Como cantando a avezinha E o sol é já
sumido além dos montes
Por horizontes sem véu Buscando outro hemisfério,
Vai rompendo o azul do E ainda nos dourados horizontes
E do céu mais se avizinha,céu, De seus fulgores alardeia o império.
Assim tu, minha sobrinha
Sôbre as campinas amenas
De primaveras serenas Em suntuosa campa ei-lo deitado
Docemente resvalando, Sôbre imenso coxim!. ..
Os jardins vais Vasto sudário o cobre, recamado
procurando
Das eternas açucenas. De ouro e de carmim;
E um anjo do Senhor com mão oculta
Essas flores, que Entre luzes e flores o sepulta.
Com tanto engenho cultivas
Derramando o puro e primor, A selva, o rio, a viração sonora
odor,
Vicejaro sempre vivas Lhe manda um triste adeus;
O
passarinho, que o saudou na aurora,
BERNARDO GUIMARAES
-364 POESIAS COMPLETAS
365
Sagra-Ihe agora os ternos cantos seus,
E tôda a terra, cheia de saudade, Pairou-te então por certo sôbre a fronte
o hino da imortalidade. A chama do Sinai,
Lhe entoa E te mostrando a sacrossanta fonte
Dos hinos de Adonai
Na mente te acendeu santo delírio, s4-b
Para cantar do Gólgota o martírio.
Mas no zenith que nuvem tormentosa 25-a Foi assim, que na verde Galiléia,
Seu brilho escureceu!?...
Pela vOZ de Jesus
E odespenhou por senda tenebrosa .. Se propagou a generosa idéia,
Na campa, que o escondeu!?. Que êle selou com sangue em umna cruz;
Quanto bulcão sinistro e temeroso Ea vOz, que ouviram nazarenas relvas,
0 precedeu no ocaso glorioso !?... Ecoa agora nas brasílias selvas.
Foi a tua mamhãserena e pura,
De vil poeira e sórdidos vapôres Foi teu zenith brilhante: 25-a
Espessos turbilhões ao céu remontam; Porém ao declinar, tormenta escura
E querendo apagar-he os esplendores Pairou-te sôbre a mente, como ao Dante,
Ao astro, que descamba, a face afrontam; E te inspirou, sublime anacoreta,
Mas não consegue tétrico negrume ÉSse imortal poema, o Anchieta, 84-a
Extinguir o farol de eterno lume.

Ei-lo se esconde belo e grandioso,


Qual foi em sua aurora;
Com hino alegre, ou canto suspiroso Mas já da noite o véu silencioso
A natureza o rei da Juz adora. Se estende sôbre o mundo,
E mil estrêlas trêmulas fulguram
Do céu no azul profundo.
Volve ainda, 6 poeta, os olhos teus
"Tal foi, Ao pálido ocidente;
tal é, poeta, o teu destino. Por onde o sol se foi, não
Sorriu-te o céu pela manhã da vida, vês surgindo
E gorjeando o arpejo matutino Estrêla refulgente?
Na selva florescida
-Cantaste o amor, a glória, e a Que suave clarão fagueira entorna
Que os sagrados mistérios nos flor tão bela, Por montes e por vales!.
revela. 84-a
Gôta a diríeis de celeste orvalho
De flor azul a cintilar no cálix.
Depois, mais alto erguendo o
pensamento,
Buscaste a solidão, É
Vésper, que lá mostra a meiga face
Para escutar os místicos acentos Qual cândida açucena,
Das harpas de Sião, Por céus e terra a frouxo derramando
E na forma de um hino encantador Luz plácida e serena.
Nos ensinaste o Verbo do Senhor.
25
BERNARDO GUIMARES
S66 POESIAS COMPLETAS

e luminoso
0 sol sumiu-se, ardenteem resplendores; Maria, pede a Deus, que das alturas,
Entre canções, envolto
a campa S4-d Pra onde tu voaste,
E ela sòzinha vem velar-Ihe Envie refrigério às amarguras
Com seus meigos fulgores.
Daqueles, que tão cedo abandonaste.
assim a glória, traz sempre na vida
É

Junho 1880.
Um travo de amargura ;
E só sôbre o silêncio dos jazigos
Resplende calma e pura.
A SEREIA E 0 PESCADOR S5
BALATA

Varela, como o sol tu te sumiste, C'est la sirene,


Envolto em luzes no horizonte extremo; Qui va chanter
Em um hino imortal, formoso, imenso La cantilene,
Deste o clarão supremo. Qui fait aimer.

Hoje da glória a lâmpada perene


Resplende sôbre tua humilde lousa,
Aos séculos dizendo :
cantor de Anchieta aqui repousa. SEREIA
Ouro Préto, maio de 1878. Viver aqui eu não posso
Nem no vale, nem na serra;
Eu não sou filha da terra,
À
MORTE DA INOCENTE MARIA Eu sou sereia do mar.
Correi, ondas, brandamente,
Filha do meu amigo Pedro Queiroga Correi, vinde me buscar.

Como gta de orvalh0, que na aurora,


Brilhando um só momento, Nasci no seio das vagas,
Do cálix da bonina se evapora, Numa gruta de cristal;
E se perde no azul do firmamento, Em colunas de coral
O meu berço se embalou.
Ao maternal regaço assim Ondas, levai-me convosco,
Mimosa criatura,
fugiste, Que eu desta terra não sou.
A todos nós deixando, em
Cheios de dó, transidos hora triste,
de amargura. 0 amor criou-me entre pérolas
Eras anjo, bem sei; o vôo alçaste Sôbre fúlgidas areias,
Mago canto de sereias
Para o trono de Deus; Meus sonos acalentou.
Mas em saudade infinda
Os que não gOzam
cá deixaste Ondas, levai-me convosco,
mais sOrrisos teus. Que eu também sereia sou.
BERNARDO GUIMAREs
S68
POESIAS COMPLETAS

Eu não sou filha da terra,


Vivo triste nestas plagas;
Embalada sôbre as vagas, III
Só no mar quero viver.
Correi, vinde, 6 minhas ondas, PESCADOR
A meus pés vinde gemer, 85-a
Não mais lamentes
No regaço cristalino Em tom magoado
Brandamente me tomai; Teu triste fado,
Aos palácios de meu pai Filha do mar.
Vinde, vinde me levar.
Correi, ondas, pressurosas, Vem a meu barco,
Levai a filha do mar. Nos braços meus
Aos lares teus
E se alguém na terra ingrata Te irei levar.
Sentindo loucos amôres,
Meus encantos e favores De novo os belos
Insensato desejar, Paços reais,
Em tôrno a mim, bravas ondas, Entre os cristais
Vinde em fúria rebentar. Irás saudar,
Em solitário rochedo, E sôbre as finas,
Batido pelas tormentas, Fulvas areias,
Ide, 6 ondas turbulentas, Entre as sereias
Ide longe me ocultar. Irás cantar.
Rugindo ali noite e dia,
Guardai a filha do mar. Embora sejam
Teus ermos lares
Entre os algares
Do fundo mar.
II
Sentada ao pé de um rochedo, Sejam embora
Com os pés na branca Negro alcantil,
Assim cantava a sereia,areia,
Que monstros mil
A linda filha do mar. 'Stão a guardar,
Ea onda mansa, gemendo,
Os pés lhe vinha
beijar. Onde as tormentas
Sempre batendo,
Pescador, que além vogava, Com ronco horrendo
No seu batel escondido, Vão rebentar.
Absorto prestava ouvido
A tão saudoso cantar, Irei, se queres,
Ea vela e o remo esquecia Agora mesmo,
Ouvindo a filha Sem mêdo, a êsmo $5-b
do mar.
Te acompanhar.
BERNARDO GUIMARES
370 POESIAS COMPLETAS
971
Meu barco é leve,
Meu braço é forte,
E a própria morte
Sabe afrontar. Desta canção fugitiva
Os ecos ainda duravam,
Só peço em paga
Da doce lida E nas praias suspiravam
Passar a vida Entre Os bramidos do mar;
A te adorar, E o pescador entre angústias
Sentia o peito estalar.
Ea teus joelhos
Sempre prostrado PESCADOR
Teu rosto amado
A contemplar. Por que foges, branca fada
De formosura sem par?
Oh! vem comigo, Por que me escondes teu brilho,
Vem pressurOSa, Formosa estrêla do mar?.
Vem, ó formosa Ronca em tôrno a tempestade,
Filha do mar. Meu barco vai soçobrar.

IV Só tu podes no meu peito


Uma esperança plantar;
Calou-se o barqueiro amante; E as tormentas, que me cercam,
Mas depois ouviu, tremendo, Com tua luz aplacar.
Um canto, que mais ao longe,
Nestes medonhos abismos
Mais ao longe foi morrendo.
A cantar e a fugir
Não me deixes soçobrar. 85-¢
A sereia ia dizendo:
Ferve o mar, o céu em chamas
Vem abismos aclarar;
SEREIA Nestas águas desastrosas
Vai meu barco soçobrar.
Eu sou pérola das vagas, Vem salvar-me por piedade,
Que no sei, nem quero amar; Formosa estrêla do mar.
meu peito é como a
O

rocha,
Onde em vão esbarra o mar.
Manceb0, vai noutra parte VI
Teus amres suspirar.
Longos dias se passaram;
Do que existe sôbre a terra Ninguém mais ouviu cantar
Nada mne pode agradar; A linda filha das águas
Sóamo a Deus nas alturas, Nem na praia, nem no mar.
E a liberdade no mar. E vivia o pescador
Mancebo, vai noutra
"Teus amôres parte Triste e só a definhar.
suspirar.
BERNARDO GUIMARAES
372 POESIAS COMPLETAS g73

praias
Se ousava nas êrmas E vivo aqui sòzinha
Seu queixoso canto alçar, No seio de esplendores;
Só ouvia longe, longe Ninguém quer meus amôres,
Uma vOz a lhe bradar: Ninguém me vem buScar.
Mancebo, vai noutra parte
Teus amôres suspirar." E eu sou a mais formosa
Das filhas dêste mar.

VII E eu sou a mais fornmosa


E a mais alva açucena,
Que sôbre a onda serena
Passaram mais dias, meses; Balança o airoso hastil.
Já cansado de pensar Mas nesta solidão
0 pescador sem ventura Que serve ser gentil?
Seu barco soltou ao mar.
Ei-lo sem norte e sem rum0 Mas nesta solidão
Nas ondas a resvalar. Ninguém vem consolar-me;
E sempre a lastimar-me
Aqui mnorrerei só.
Ei-lo que vai mar em fora. Ai triste de mim! triste!
Nas ondas do nar bravio
Ninguém de mim tem dó.
Seu amor louco e sombrio
Quer consigo sepultar.
Contra uma rocha empinada IX
Vai seu barco espedaçar.
Ouvindo a canção chorosa
Mas eis soa-lhe aos ouvidos
O
barqueiro estremeceu,
Voz celeste e maviosa,
E entregue a seus devaneios
Em toada lamentosa 0 leme e a vela esqueceu.
Tristes coplas a cantar. E com olhar desvairado
O horizonte percorreu.
Aos acentos suspirosos
Cala a brisa, e geme o mar.
Nem n0 mar, nem no rochedo
Vulto humano percebeu;
E esta frase piedosa
VIII Pelos lábios lhe tremeu:
"Esta triste, gue assim chora,
SEREIA É infeliz, como eu."
Sou moça e sou formosa;
Depois firme e resoluto
Dos mares sou princesa;
Em graças e beleza
Em pé na proa se ergueu,
Jamais achei igual. E para às alheias mágoas
Juntar o queixume seu,
E vivo aqui sòzinha, Alçando a voz sôbre aS vagas
Aicéus! para meu mal. Desta sorte respondeu:
BERNARDO GUIMAREs
374 POESIAS COMPLETAS

Seus palácios escondeu,


X
Mil mortes desafiando
PESCADOR Lámesmo chegarei eu.
Por entre as ondas bravias, Por entre as ondas bravias,
De mil tormentas batido, De mil tormentas batido,
Em busca de um bem perdido Em busca de um bem perdido
Voga em vão o batel meu. Voga, voga, 6 batel meu.
Voga, voga, até sabermos Vogal. .. um dia saberemos,
Onde a ingrata se escondeu. Onde a ingrata se escondeu.

Houve um dia, uma sereia.


Oh! que linda ela não era ! XI
Porém tão ingrata e fera,
Que de amor me enlouqueceu. S5-d SEREIA
Dizei, nuas penedias,
Onde a ingrata se escondeu. Nestas praias solitárias,
Que procuras, pescador ?
a cruel! Vens buscar pérolas finas,
Ela deixou-me,
Entregue a negros pesares,
E corais de alto valor?.
Lastimando sbre os mares Se tais tesouros desejas,
0 triste destino meu. Voga além, 6 pescador.
Dizei-mne, ó ondas sonoras,
Se ela de mim se esqueceu. Que estrêla por êstes mares
Te conduz, ó pescador?
Se nas asas do tufão Queres ser nauta valente,
Devassando o mar profundo Dêstes mares ser senhor?.
Na raia extrema do mundo Se tal ambição te ocupa,
A meus olhos se escondeu, Passa além, 6 pescador.
Neste barco aventureiro
Lámesmo voarei eu. Os mistérios saber queres
Desta ilha, 6 pescador?..
Se entre monstros marinhos, E dêste asilo os segredos
Láno nmais fundo dos mares, Aos olhos do mundo expor?
Em cristalinos algares Se é êsse o desejo teu,
Se oculta o retiro seu, Vai-te embora, ó pescador.
Em meu amor confiado
Lá também descerei eu. Mas se perigos insanos
Afrontando sem pavor,
Se entre rochas malditas, Nesta ilha solitária
Entre grossos vagalhões, Tu vens procurar amor,
Defendidos por A meus braços sem detença,
dragões
Corre, voa, ó pescador.
BERNARDO GUIMARDES
ST6
POESIAS COMPLETAS 277

XII
NO ÁLBUM DE B. HORTA
Na base da penedia
0 vulto branco surdiu Estrofes dedicadas a meus jovens amigos os Srs. Bernardo
De uma donzela formosa Horta de Araújo e Pedro de Moura Estévão
Como igual nunca se viu.
Para láo pescador Oh! é já tempo de depor a lira
0 barco seu impeliu. A um canto pendurada,
Como esfriada cinza de uma pira
Que jaz quase apagada,
Saltando na branca areia Ou como flor sem viço e sem perfume,
Aos pés da bela caiu;
Que cai no pó, e murcha e se consume. 86-a
Mas ela com brando riso
Meigas frases proferiu,
Sim, é já tempo – Do zenith brilhante 25-a
De ardente inspiração
Beijou-lhe a fronte incendida Vai declinando o astro fecundante
E os alvos braços lhe abriu. Que em mágica ilusão
Me inundava de luz e de harmonia
A juvenil, ardente fantasia.
O batel abandonado
No pego se submergiu, Assim pensei, e a voz do desalento
Eo ditoso par amante Em minha alma ecoava,
Entre rochas se sumiu, E ao pêso de tão triste pensamento
E por aquelas paragens A fronte me vergava ;
Nunca mais ninguém os viu. Em vil marasmo . eu ia adormecer,
E assim viver.. viver até morrer.

ÀS vêzes por horas mortas, 85-o Viver?!- Oh! não, iss0 não era vida, 8G-b
Pelas noites de luar era
Só vegetar;
Ao largo vê-se um Isso era ver minha alma apodrecida
barquinho Sem crer e sem amar.
Solitário a velejar.
Melhor é dar o corpo à sepultura
Quem vai dentro não se Do que deixar a mente em treva escura.
sabe
Nem se v ninguém remar.
E entretanto ao mórbido marasmo
Apenas ouve-se um 0 coração cedia;
canto, A esperança, a crença, o entusiasmo, 86-c
Tão triste, que De mim longe fugia;
faz chorar;
E Os pescadores, que
0 Ouvem, E eu me julgava como estéril tronco,
Começam logo Que o vendaval prostou em sítio bronco. 86-d
a rezar,
Dizendo
consigo:-éela, Mais eis que uma briosa mocidade
É ela, a filha do mar! Em generoso empenh0
Vem despertar da triste ociosidade
BERNARDO GUIMARÁES
378
POESIAS COMPLETAS
279
O meu inerte engenho,
Que em taciturna, lânguida apatia Lá onde freme a viração sonora
se esquecia.
Do mundo e de si mesmo Na trêmula folhagem,
Onde ao clarão de resplendente aurora
Vós, meus amigos, despertar viestes Inflama-se a paisagem,
A chama quase morta Onde à tardinha o sabiá suspira
Da inspiração, e entre clarões celestes Saudoso adeus ao sol, que se retira;
Me franqueais a porta,
Por onde entra arrojada a fantasia Onde por baixo de vergel sombrio
Nos alcáceres da mágica poesia. Sereno serpenteia,
E mal murmura cristalino rio
Já não são para mim da juventude Lambendo a branca areia,
Os risos e os folguedos, E entre os ramos ledos passarinhos
Pelas cordas de erótico alaúde Tecem cantando seus mimosos ninhos;
Não mais brincam meus dedos;
Ao declinar do sol cantos mais graves Láestá minha alma; lá ouço tranqüilo
Ensina o céu até às próprias aves. Da natureza hino;
o
Mas se as meigas visões, os ledos sonhos E no suave, perfumoso asilo
Da quadra juvemil Da lira os sons afin0
Jánão me enfeitam de clarões risonhos Para cantar os céus e a imensidade,
Um céu de puro anil, E os enlevos do amor, ou da amizade.
Se as cordas de minha harpa emudeceram
Para as rosas de amor, que ennurcheceram, Vêde Castilho, o lusitano bardo, 86-j
Do Tejo cisne ingente;
Acima disso eu vejo no horizonte Nem a cegueira, nem da idade o fardo
O
mundo, a humanidade; Lhe apaga o engenho ardente,
Acima disso sôbre a minha fronte
E a musa que o embalou na meninice
HáDeus e a imensidade; Só à margem da campa
Do universo o espetáculo solene adeus lhe disse.
de
É
alta inspiração fonte perene.
Milton, que deixa na posteridade
Inda em meu peito não rompeu-se a Um nome enobrecido,
Do amor e fibra S6-e
Milton já cego, ao declinar da idade
da amizade,
E em minha lira ao menos inda Decanta o Éden perdido,
A corda da saudade; vibra
Deplorando na lira harmnoniosa
Do passado me resta uma
lembrança
E ainda fulge além uma esperança. Do par primeiro a queda lamentosa.

Quando na azul abóbada Ainda vive Hugo octogenário


cintilam
As lúcidas estrêlas, Sem ter quebrado a lira,
Ainda para mim lêdas
rutilam, Ea pujança de um gênio extraordinário
Ainda posso vê-las, No seu cantar respira;
Ea ebúrnea lua, e os páramos etreos Égrave a voz, mas év0z de poeta,
Falam comigo a língua Sente-se ainda o músculo do atleta.
dos mistérios.
BERNARDO GUIMARAES
380
POESIAS COMPLETAS 281
Assim também no meio da jornada
Não devo esmorecer,
No chão deixando a lira desmontada HINO À LEI DE 28 DE SETEMBRO DE 1871 18
Sem glória adormecer;
Devo seguir na começada senda, Emancipação da prole das escravas
Até que a morte me desmanche
a tenda.
Quebrou-se a tremenda algema,
Que o pulso do homem prendia,
De vosso aplauso ao tépido bafejo E resolveu-se o problema,
A lira adormecida Que tanto horror infundia.
Acorda e ergue com modesto arpejo
A voz agradecida Esta data gloriosa
Para saudar-vos, nobre mocidade, Em letras de ouro grava :
Da pátria em nome, e em nome da amizade. Em noSsa pátria formosa
Não nasce mais prole escrava.
Assim, quando no bosque sopra a aragem Na terra da liberdade
Da fresca primavera, Destruiu-se o jugo vil;
Mais vivo esmalte e nítida folhagem Onde impera a cristandade,
0 tronco recupera, Não há mais raça servil.
E meneando o tope seu sombrio
Derrama em tôrno brando murmurio. Esta data gloriOsa, etc.
Graças ao sábio Monarca,
porvir vos pertence ; em vossa fronte
O Da nação chefe eminente,
Fulgura a inteligência; Não há mais do escravo a marca
viva luz de esplêndido horizonte
À No Brasil independente.
0 templo da ciência
Vos franqueia recônditos tesours, Esta data gloriosa, etc.
E vos acena com virentes louros. De Rio Branco à memória
Rendamos eterno culto;
Bem feliz serei eu, se com meus Ergam-se hosanas de glória
hinos A seu venerando vulto.
Puder vos saúdar,
Quando vos vir em prósperos
destinos Esta data gloriosa, etc.
Na paz de vosSo lar
De tão nobres esforços e Ao Estadista emninente
labôres
Colhendo à farta frutos entre
flores. Erga a pátria êste padrão:
Ouro Prêto, 20 de No Brasil independente
agôsto de 1881. Extirpou a escravidão.
Esta data gloriosa, etc.
26
BERNARDO GUIMARAÃES
382 POESIAS COMPLETAS
883
Destruiu cruel vexame, A tua cabeça heróica
Que tanto nos humilhava;
Apagou labéu infame,
Que a fonte nos malsinava.
Liberdade -
Sôbre vil poste hasteada
Independência
Até hoje inda nos brada.
Esta data gloriosa, etc. Em soberbos monumentos, etc.
Da liberdade ao ruído,
Do teu mutilado corpo
Ante a nova geração, Os membros esquartejados
É uma voz sem sentido
A palavra escravidão. Foram ecos rugidores,
Aos quatro ventos lançados.
Esta data gloriosa, etc. Em soberbos monumentos, etc.
Não mais nascerão escravos
Sôbre o solo brasileiro; De teu sangue generoso
Não mancha a terra dos bravos Esta terra rociada
Fêz brotar da independência
0 estigma do cativeiro. A semente abençoada.
Esta data gloriosa
Em letras de ouro grava : Em soberbos monumentos, etc.
Em nossa pátria formosa
Não nasce mais prole escrava. Esse sangue derramado
Pelo brutal despotismo
Ouro Préto, 28 de setembro 1882. Foi da pátria brasileira
0 sacrossanto batismo.
Em soberbos monumentos, etc.
HINO A TIRADENTES 87
Desde então à tirania
Composto por ocasião da comemoração do 9.° O férreo braço adormece,
ececução do infeliz mártir da liberdade, e decenário da
e pôsto em música pelo E o formoso sol dos livres
hábil inspirado maestro o Sr. Emilio Soares No horizonte resplandece.
de Gouveia Horta
Salve, salve, ínclito márti, Em soberbos monumentos, ete.
Resplandecente farol!
Da aurora da liberdade Salve, salve, ínclito mártir,
Fôste o sangrento arrebol. Sanguinolento farol,
Que acendeste no horizonte
Em soberbos monumentos Da liberdade o arrebol !
Grave a mão da pátria história:
Maldição a teus algozes 87-a Em soberbos monumentos, etc.
Ao teu nome eterna glória. Ouro Prêto, abril de 1882.
BERNARDO GUIMARES
384
POESIAS COMPLETAS 885

SAUDADES DO SERTÃO DO OESTE DE Como rancho de airosas camponesas,


MINA 88 Que em folguedos alegres bamboleiam
A fronte engrinaldada.
o Dr. Francisco
Fantasia dedicada ao mneu particular amigo Tudo então é prazer, é luz, é vida,
Lemos, engenheiro rovncial daquela zona Tudo canta e sorri, tudo resplende;
Pelas orlas do céu manso se estende
Tenho inveja de ti, meu caro amigo; 88-a Róseo clarão, e a terra agradecida
Inda que fôsse só por um momento, Aos afagos do sol abre contente
Oh! quem dera me achar junto contigo, O
seio palpitante,
Respirando vivaz e novo alento Como noiva gentil, que a face ardente
Nesse sertão formoso, Entrega aos beijos de extremoso amante.
Do qual me lembrarei sempre saudos0. E quando em norna tarde entre fulgores,
Na púrpura do ocaso o sol se deita
A teu lado melhor te pintaria Abafado em diáfanos vapôres,
As fundas impressões, Em que suaves cismas se deleita
Que deixaram em minha fantasia A fantasia, e como que adormece
Essas risonhas, vastas solidões; Sôbre um Éden, que ao longe transparece.
Porém que hei de eu fazer, senão cansar-te
Com êstes versos meus, despidos de arte!. Enquanto vagueando pela vargem
O
canto agudo solta a seriema
Tudo por lá é belo, é grandioso; E do ribeiro na sombria margem
Vasto é o campo, funda é a floresta, Regouga, como em hórrida pocema
O
A turba dos bugios,
rio caudaloso. No tronco excelso do jequitibá,
Láde Deus o poder se manifesta Por onde o sol nos ramos luzidios
De um modo que arrebata, que seduz, A frouxo os raios tépidos resvala,
Nos boleados, vicejantes montes, Aos mil rumôres meiga se intercala
Do céu na viva, resplendente luz,
A voz do sabiá,
Nas murmurantes, cristalinas fontes, Com pausada, plangente melodia
Nos umbrosos vergéis, veigas floridas, Embalando no 0caso o rei do dia.
Dos palImares nas longas avenidas.
Cisma o poeta, o sabiá suspira
Quão formosas que são essas Canções, que vagaroso cadenceia,
Que meiga luz se esbate nas paragens! E enguanto o arroio a murmurar se estira
Descortinando esplên didas campinas, Por sôbre a branca areia,
Quando a brisa nas horas paisagens, A donzela, entreabrindo um meigo riso,
Ou no levante o fúlgido matutinas, Sonha. o que Eva sonhou no Paraíso.
arrebol
Nos vem dizer que vai nascer o
Pelos ramos os pássaros sol!. .. Mas também, quando a côlera celeste
gorjeiam Restruge nesses páramos formosos,
0 canto festival da madrugada,
Enquanto pelas próximas
devesas
Tremenda se reveste
Mil floridos
arbustos balanceiam Dos atributos seus mais temerosos,
A coma perfumada, Eo vento, a chuva, os hórridos trovões
Fazem calar a voz das solides.
BERNARDO GUIMARS POESIAS COMPLETAS 287
386

Trêmula e muda então a natureza Ali, na falda de virente encosta


Como timida pomba ansiosa arqueja, Risonha se recosta
Inerme, sem defesa Do fazendeiro a cômoda vivenda.
Suplica, e geme, enquanto
o céu troveja,
Vês na frente o curral e o manso gado,
E no fundo o pomar, frondosa tenda,
com tufões varrendo a terra
E rijos
Da ira sua os cofres desencerra. Umbroso labirinto
De mil frutos e flores carregado,
Mas dura pouco o tétrico negrume, Encantador recinto
Eo céu despindo as vestes pavorosas De jambeiros em flor, de laranjeiras,
Seu a sereno assume, E de folhudas jaboticabeiras.
Desdobrando um sendal de azul e rosas,
Se fulge o dia; mas se é noite escura, No centro o lar, singela habitação,
Entre estrêlas resplende a esfera pura. Asilo do trabalho e da virtude,
Pacífica mansão,
Dir-se-ia, que Deus apiedado Que na tôsca aparência, quase rude
De terra tão gentil manter não pode Nos faz rememorar as priscas eras,
O senho carregado;
Que hoje nos parecem vãs quimeras.
As armas e o furor longe sacode,
E como quem doeu-se do castigo,
Com que verbera tímida criança, Além canta o vaqueiro, arrebanhando
Já com sorriso amigo As luzidas, inúmeras manadas,
Manda o perdão nas asas da bonança. Que ao 1longe estão pastando
Pelas pingues devesas derramadas,
Ao longe, pelo cinto do horizonte Enquanto pelas várzeas vem chiando
Que lindas serranias! O carro atroador, que a passos lentos
Não são montanhas de enrugada fronte, Em longa fila vem bois truculentos
De inacessíveis, broncas penedias, Para os vastos celeiros arrastando.
Erguidas como horrendos bastiões
Sôbre medonhos, negros boqueires. Saudosas solidões! sertão querido!
Belo Araxá, risonho Patrocínio,
Parecem antes colossais terraços, Ubérrinmo Uberaba,
Ou parques altaneiros Onde na lêda infância hei percorrido
De grandiosos, encantados paços, Da vida o tirocínio,
Se alongando em viçosos tabuleirOs, Em minha alma a lembrança não se acaba
Ora cobertos de virente relva, De vossos lindos vales, verdes montes,
Ora toucados de ondulante De vossos claros, largos horizontes.
selva.
Nos vastos chapadões
campeia a ema
Erguendo sobranceira o esbelto
colo;
Foi nesse céu de mágicos fulgores,
Os ares co'as possantes
asas rema, Nessas vargens intérminas, fecundas
Correndo quase sem tocar o De perenais verdores,
solo: 88-b
Pelas infindas, tórridas macegas Entre os solenes, místicos rumôres
0 mais veloz, mais Dessas matas profundas,
Soltando as rédeas edestro cavaleiro, Que da poesia na sagrada fonte
voando às cegas,
Em vão tentara acompanhar-lhe
o esteiro. Pela primeira vez banhei a fronte.
BERNARDO GUIMARES 289
S8S POESIAS COMPLETAS

Se à sombra vossa, bosques gigantescos, A velha Vila Rica de contente


Palmeiras graciosas, No pétreo leito jubilosa freme,
Se sôbre êsses relvados sempre frescos,
E um hino puro, de lisonja estreme,
Que orlam as torrentes son0rosas, Te envia d'alma, 6 Hóspede Eminente.
Pousar já não me é dado,
Em suas asas ao menos branda aragem
Vos leve de meu canto desleixado De Ouro Prêto as portas voS esperam
A simples homenagem. De par em par abertas,
Mil corações e frontes descobertas
Ouro Prêto, maio de 1882.
Te cortejam, Senhor, e te veneram;
Bem pouco vos ofertam,
Mas nesse pouco vai penhor segur0,
De que em seu peit0 generoso e puro
SAUDAÇÃO E HOMENAGEM 89
Em fraternal amplexo êles te apertam.
Não achareis aqui pompas custosas,
A
SS. MM. o
Imperador e a Imperatriz do Brasil, por ocasião Palácios seculares,
de sua visita a Ouro Préto en 1881 Em que as belas artes engenhosas
Alardeiam prodígios aos milhares;
Nem vos abrigarão a fronte augusta
Quando no horizonte o sol espalha Soberbos coruchéus
Sôbre a face da terra a luz do dia, De arquitetura esplêndida e venusta,
Ninguém o admira, todos o conhecem;
Mas, se eclipsado acaso se perturba, A majestosa grimpa erguendo aos céus.
Nesse instante infeliz todos se assustam,
Todos o observum, todos o receiam. Não pisarás marmóreos pavimentos
Logo, se premiei sempre a virtude, De régio peristilo,
Se os vicios castiguei, nada mereço.
Entre arcadas de antigos monumentos
(D. PEDRO II.) De grandioso estilo,
Nem parques recortados
Tu és, ó Pedro, déste império novo De aléias e jardins maravilhosoS,
0 primeiro Monarca
e
verdadeiro;
o Entre vergéis e lagos encantados,
Teu pai erio-o, foi dêle primeiro, De altos gênios produtos engenhosos.
Mas tu és o patricio de teu povo.
(JOÃo JoAQUIM DA SILVA GUIMARES.)
Encontrarás porém franca hospedagem,
Sincera e jubilosa,
SAUDAÇÃO Não de servil, ignóbil vassalagem, 90-a
Mas sim pura homenagem,
A Sua Majestade o Sr. D. Pedro
II Que ao Rei humano, sábio e justiceiro
Hoje rende o fiel povo mineiro.
Salve, Senhor! as auras do
Itamonte Entra, 6 Senhor! os festivais rumôres
Alegres te saúdam; Dêste bom povo alegre, vos circundam,
As tristes névoas da rugosa
Em galas de prazer hoje se fronte Luzes, perfumes, harmonia e flores
mudam. Em honra tua o ambiente inundam.
BERNARDO GUIMARAES
390
POESIAS COMPLETAS 391
Na vetusta cidade, oh! s
Magnânimo Imperante!
bem-vindo,
Tem sereno fulgor, que não ilude,
Esta singela voz, que estás
e
ouvindo, Auréola mais bela e resplendente,
Tão fraca vacilante, Que a régia c'roa, que lhe cinge a frente.
Das vozes dêste povo agradecido
E apenas um eco amortecido. Sua alma é um tesouro de nobreza,
Um niho de bondade,
Bem como astro de luz serena e pura, Seu coração refúgio de pureza,
Em bonançoso, límpido horizonte, Sacrário da piedade.
O régio diadema assim fulgura Saúda, 6musa, um dia tão feliz;
Em tua augusta fronte. Flores derrama aos pés da Imperatriz.
Aceitai, Senhora, esta homenagem,
6

A fronte tu já ergues circundada Que o bom povo mineiro


De louros incruentos, A tão augusta, amável Personagem 91-a
Mais belos que os troféus sanguinolentos,
Que imortalizam os heróis da espada, Oferta prazenteiro,
Não de lisonja, mas sincero preito, 91-b
Pois não há para um rei glória nenhuma, Que nos irrompe do íntimo do peito.
Melhor que a glória de um Licurgo ou Nunma.
Nós vos saudamos com singelas frases,
0 teu presente, como o teu passado Despidas de artifício,
Vão cobertos de glória; Como a ave, que em cânticos fugazes,
Sempre seráteu nome abençoado Saúda o astro propício,
Nos futuros anais da pátria história. Que traz aos corações paz e alegria,
E enche a terra de luz e de harmonia.
Não achareis aqui, como na Itália,
Os belos horizontes de ouro e rosa,
SAUDAÇÃO E nem vergéis, como da selva idália,
Aqui podem trazer-vos à memória
A Sua Majestade a Imperatriz do Brasil por ocasião De Nápoles formosa
de sua Doces recordações, famosa história.
visita à capital da provincia de Minas Gerais
Nem tão pouco painéis maravilhos0s
De arte antiga e pura,
Eia, ó musa!... de tua humilde lira Estátuas, nem palácios majestosos
Vibra as sonoras cordas, De vasta arquitetura,
E hoje em cantos festivais Vos acolhem aqui, qual mereceis,
O afeto, em que
respira
transbordas,
Aos pés do sólio augusto Nobre progênie de preclaros reis.
de Teresa,
A pia, a boa, a ínclita Princesa. Mas vs sois Brasileira, e a obscura terra,
Que agora visitais,
Imagem da virtude À virtude, que vosso peito encerra,
Sôbre um trono sentada Oferta como fortes pedestais
Estrêla. de bonança em ela fulgura; Firmes dedicações
noite pura De livres e sinceros corações.
BERNARDO GUIMARAES
392
POESIAS COMPLETAS 393
Tendes ao lado no brasílio sólio
Magnânimo Monarca, Salve, ó Pedro!. és no presente
Da nação venerando Patriarca, Nossa firme confiança,
Que um firme capitólio Nossa glória no passado,
De amor, de lealdade e de respeito No porvir nossa esperança.
Hámuito tem, erguido em nosso peito. 91-o
Qual fulgor de luz serena
Aqui tendes por vós um vasto império, Esclarecendo o horizonte,
Da ciência o laurel puro
E um povo gemeroso, Lhe circunda a augusta fronte.
Que os frutos dêste esplêndido hemisfério
Vos oferta espontâneo e jubiloso, Salve, ó Pedro!. .. do teu povo
Um povo, que se ufana Tu és o chefe e o irmão;
Em ter por mãe tâo boa Soberana. Tu és o elo sagrado
Da brasileira união.
Em hora venturosa
Do Itamonte pousastes entre as fragas; A virtude se sentou
Dia feliz vos trouxe a estas plagas, Nos degraus do trono seu,
Princesa virtuosa!.
Sendas floridas, luz serena e clara
Ea justiça e a clemência
Como sócias escolheu.
Vos conduzam de novo à Guanabara.
Como astro de luz propícia,
Que fulge sem deslumbrar,
Assim teu nome querido
HINO No futuro há de brilhar.
A S. M. I. O SR. D. PEDRO II Faça Deus próspero e longo
Teu benéfico reinado;
(Cantado perante SS. MM. II. pelas alunas da Escola Normal Eo Brasil repita ufano
do Ouro Prêto) O seu nome abençoado.

Em transportes de alegria Salve, 6 Pedro!. ínclito nome


Exulta, ó povo mineiro, Deixarás na pátria história;
Rendendo justa homenagem E entre louros incruentos
Ao monarca brasileiro. Fulgirá tua memória.

Salve, 6 Pedro, rei amado Aceita, Excelso Monarca,


Dêste povo, que te adora; Nossa modesta oblação,
De ventura e de bonança Que espontânea em honra vOSsa
Teu reinado é longa aurora. Nos ronmpe do coração.

Qual Íris de paZ celeste, Esta sincera homenagem


Novo pai do novo mundo De nosso amor e respeito,
Mostra o ramo de oliveira Guarda bondos0, ó Monarca,
No Brasil Pedro Segundo. Em teu generoso peito.
BERNARDO GUIMARCs
394 POESIAS COMPLETAS 895
Aceita as singelas flores,
Que deposita a inocência
Aos pés do trono, onde impera
A virtude e sapiência. Se vires pelas ruas aos saltinhos
Mover-se um obelisco,
Salve, 6 Pedro, rei amado quem
Como vai pisando sbre espinhos,
Dêste povo, que te adora; Com a cauda varrendo imenso cisco,
De ventura e de bonança Do espectro esguio a forma não te espante
Teu reinado é longa aurora. Não fujas, não, que aí vai uma elegante.
Ouro Prêto, abril de 1881. Mas se de face a moça assim se ostenta
Esguia e empertigada,
Sendo por um dos lados contemplada
À
MODA 92 Diversa perspectiva se apresenta,
E causa assombro ver sua garupa
Que área imensa pelo espaço ocupa.
1878
Formidável triângulo desenha-se
Balão, balão, balão, perdão te imploro, Com base igual à altura,
Se outrora te maldisse, De cujo agudo vértice despenha-se
Se contra t emn verso mal sonoro Catadupa, que atrás se dependura,
Soltei muita sandice. De fofos e babados
Tu sucumbiste, mas de tua tumba Com trezentos mil nós empantufados.
Ouço uma gargalhada, que retumba.
A linha vertical pura e correta
"Atrás de mim virá inda algumn dia, Eleva-se na frente;
Quem bom me há de fazer !" Atrás a curva, a linha do poeta
Tal foi o grito, que da campa fria Em fofos ondulando molemente
Soltaste com satânico prazer. Nos apresenta na suave escarpa
Ouviu o inferno tua praga horrenda, A figura perfeita de uma harpa.
E pior que o sonêto veio a emenda..
Pela esguia fachada nua e lisa,
Astro sinistro no momento extremo Qual maciço pilar,
De teu ocaso triste, Se brincar co'a roupagem tenta a brisa,
Do desespêro n0 estertOr supremo Não acha em que pegar;
O bôjo sacudiste, E só o sôpro de um tufão valente
E surgiram de tua vasta roda Pode abalar da cauda o pêso ingente.
Os burlescos vestidos hoje em
moda.
Moda piramidal, moda enfezada,
Que donairoso porte Onde vais, virgem cândida e formosa,
Da moça a mais esbelta e bem Assim cambaleando?!..
talhada zombeteira mão despiedosa
Enfeia por
tal sorte, Que
Que a tOrna semelhante a uma O teu donoso porte torturando,
Que em pé desajeitada se chouriça, Te amnarrou a essa cauda, que carregas,
92-a
inteiriça. Tão atufada de medonhas pregas?!...
$96
WERNANDO GUINMARÁES
POrsIAS COMPLETAS 307

Trazes-me à idéia a ovelha timorata,


Que trêmula e ofegante HINO A PREGUIA 98
Do tosquiador se esquiva
à
mão ingrata,
E em marcha vacilante
...Viridli projcotus in antro...
Vai arrastando a lã despedaçada
(VIRaÍLIO.)
Atrás em rotos velos pendurada.
Meiga Preguiça, velha amiga minha,
Assim também a corça malfadada, Recebe-me em teus braços,
Que às garras do jaguar E para o quente, conchegado leito
custo escapa tôda lacerada,
À Vem dirigir meus paSSOs.
Co'as vísceras ao ar,
De rôjo pela senda das montanhas Ou, se te apraz, na rêde sonolenta,
Pendentes leva as tépidas entranhas. À Sombra do arvoredo,
Vamos dormir ao som d'água, que jorra
Do próximo rochedo.
Mas vamos perto; à orla solitária
Onde estão os meneios graciosos De algum bosque vizinho,
Onde haja relva mole, e onde se chegue
De teu porte gentil? Sempre por bom caminho.
O nobre andar, e os gestos majestosos
.
De garbo senhoril?. Aí, vendocair uma por uma
Abafados morreram nessa trouxa, As fôlhas pelo chão,
Que assim te faz andar cambêta e coxa. Pensaremos conosco: são as horas,
Que aoS poucos lá se vão.
Ea fronte, a bela fronte, espelho d'alma,
Trono do pensamento, Feita esta reflexão sublime e grave
Que com viva expressão, turvada e calma, De säfilosofia,
Em desleixada cisma deixaremos
Traduz o sentimento, Vogar a fantasia,
A fronte, em que realça-se a
beleza
De que pródiga ornou-te a natureza, 92-b Até que ao doce e tépido mormaço
Do brando sol do outono
Tua fronte onde Em santa paz possamos quietamente
está?... Teus lindos olhos
Brilhar eu vejo apenas Conciliar o sono.
Na sombra por debaixo de uns
De aparadas melenas.
abrolhos Para dormir à sesta às garras fujo
Ah! modista cruel, que por Do ímprobo trabalho,
Te pôs assim com cara chacota E venho em teu regaço deleitOSO
de idiota. Buscar doce agasalho.
Ouro Prêto, agôsto de 1877.
Caluniam-te muito, amiga minha,
Donzela inofensiva,
Dos pecados mortais te colocando
Na horrenda comitiva.
27
BERNARDO GUIMARES
998
POESIAS COMPLETAS
0 que tens de comum com a soberba?...
nemn com a cobiça?.
E Quem, senão tu, os sonhos alimenta
Tu, que às honras e ao ouro dás
as costas,
Lhana e santa Preguiça? Da cândida donzela,
Quando sòzinha vago amor delira
Com a pálida inveja macilenta Cismando na janela?. ..
Em que é que te assemelhas,
que, sempre tranqüila, tens as faces Não é também, ao descair da tarde,
Tu,
Que o vate nos teus braços
Tão nédias e vermelhas? Deixa à vontade a fantasia ardente
Vagar pelos espaços?
Jamais a feroz ira sanguinária
Terás por tua igual, Maldigam-te outros; eu, na minha lira
Eé por isso, que aos festins da gula Mil hinos cantarei
Não tens 6dio mortal. Em honra tua, e ao pé de teus altares
Sempre cochilarei.
Com a luxúria sempre dás uns visos,
Porém muito de longe, Nasceste outrora em plaga americana
Porque também não é do teu programa À luz de ardente-sesta,
Fazer vida de monge. Junto de um manso arroio, que corria
SOmbra da floresta.
À

Quando volves os mal abertos olhos


Em frouxa sonolência, Gentil cabocla de fagueiro rosto,
Que feitiço não tens!. que eflúvios vertes De índole indolente,
De mórbida indolência !. Sem dor te concebeu entre as delícias
De um sonho inconsciente.
ÉSdiscreta e calada como a noute;
ÉS carinhosa e meiga, E nessa hora as auras nem buliam
Como a luz do poente, que à tardinha
Nas ramas do arvoredo,
Se esbate pela veiga. Eo rio a deslizar de vagaroso
Quase que estava quêdo.
Quando apareces, coroada a fronte
De roxas dormideiras, Calou-se o sabiá, deixando em meio
Longe espancas cuidados importunos,
E agitações fragueiras;
0 canto harmonioso,
E para o ninho junto da consorte
Emudece do ríspido. Voou silencioso.
trabalho
A atroadora lida;
Repousa o corp0, 0 espírito se A águia, que, adejando sôbre as nuvens,
acalma, Dos ares é princesa,
E corre em paz a vida. Sentiu frouxas as asas, e do bico
Até dos claustros pelas Deixou cair a prêsa.
celas
Em ar de santidade, reinas De murmurar, manando entre pedrinhas
E no gordo toutiço te entronizas A fonte se esqueceu,
De rechonchudo abade. 93-b nos
E imóveis cálices das flores
A brisa adormeceu.
BERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 401
o manto do repouso 93-b
Por todo o mundo
Então se desdobrou, Que contra seus tiranos se levanta!...
dizem, que o sol naquele dia Em t ergueu-se eterna e rutilante
E até retardou. Da Independência a aurora prazenteira
Seu giro
A se expandir na terra brasileira.
E eu também já vou sentindo
agora
A mágica influência
De teu condão; os membros se entorpecem III
Em branda sonolência.
Erga-se em ti soberbo monumento,
Tudo a dormir convida; a mente e o corpo Em que se exalce nacional Paládio
Nesta hora tão serena Da liberdade o vulto em brônzeo assento,
Lânguidos vergam; dos inertes dedos Não empunhando sanguinoso gládio,
Sinto cair-me a pena. Mas sim co'a palma, o símbolo incruento,
Mas ai!. dos braços teus hoje me arranca Nos apontando o glorioso estádio,
Onde ela veio ao tropical gigante
Fatal necessidade!.
Preguiça, é tempo de dizer-te adeus, Abrir as sendas de porvir brilhante.
céus !... com que saudade !
IV
0
IPIRANGA E 0 7 DE SETEMBRO 94
Dêsse tranqüilo berço a liberdade
Surgiu sorrindo à pátria brasileira ;
A José Bonifácio Do vasto solo em tôda a imensidade
Se propagou a nova lisonjeira,
Como luz de celeste claridade,
Que num momento invade a terra inteira,
Salve, Ipiranga, glorioso ninho, E quase por encanto um novo império
Donde expandindo os vos altaneiros Se ergue de Colombono hemisfério.
No espaço por insólito caminho,
O gênio tutelar dos brasileiros
De cativeiro atroz, rude e mesquinho V
Quebrou sem custo os elos derradeiros.
Salve, Ipiranga!... hoje a Sim, foi ali, nos visos de um outeiro,
posteridade A cuja falda plácido desliza
Já te sagrou Altar da Liberdade! Lambendo a areia plácido ribeiro,
Por onde brinca sussurrando a brisa
II A farfalhar nos leques do coqueiro,
Salve, imortal colina
Em campo, que de flores se matiza
sacrossanta!
Três vêzes salve, encosta À luz de um sol, que purpureia os montes
Tu, que ouviste da válida vicejante, Inundando serenos horizontes;
Irromper o bramido do garganta
gigante,
BERNARDO GUIMARES
402

VI
um recessSO ameno,
Foi lá no seio de natureza,
Em face da festiva
ao carancudo aceno,
E não da guerra em luta acesa,
Ao troar dos canhões
Que um herói com altivO olhar sereno
Afrontando dos fados a incerteza, ALGUMAS POESIAS DE MIU PAI
Aos ecos do Brasil de sul a norte
Soltou o brado Independência ou morte! JOÃO JOAQUIM DA SILVA GUIMARES 5
E DE MEU IRMÃO
VII
PADRE MANOEL J. DA SILVA GUIMARES 5
Eo eco entre clamores de alegria
Vai retumbando do Oiapoque ao Prata,
Des dos topes da erguida serrania
Té às profundas solidões da mata;
E como por si mesma, em um só dia
Da escravidão a algema se desata,
E sem luta, sem dor, sem comoção
Quebra-se um jugo, e surge uma nação.
Ouro Prêto, setembro de 1882.
ao pro essas musas, e e
como carreira olvido
não parti Meneses nome uma Brasil, Janeiro estado teve papéis, amigo
indife de o
mar
incumbia
descuidosamente

s é bancos ao
tempo conse tam mir
saudade carOs, deixar
amigo, inexprimível, se ligam
seguida

algumas
se cujo
é
qual
fumeral,

meu
flores à mais,
vida,
bem
público
no que perdido, e letras no em poucos olhos piedosa
dos
LEITOR das distinto de
tão sua me
envoltos
de distintíssimo,
contemporânea

do Rio e O
podiam
excelente sobretudo

estreitar
de produções, São publicidade.

em cultores Cardoso des


há foram
da irmão,
parentes, seu que
publico, ao
homenagem

percurso
de das alguns
ausência,

remeter.
publicidade

já luminosos
todo
no a
mão
poetas é que
um do valor. Cardoso
ambos
oferecer república
lugar papéis, não e quem
AO dous me nomes
meu encarregar-se
com amizade,
prestimoso veio
essas
de de João arrecadar

ligariam,
agora dos
PALAVRAS que no ter-se-iam cuidado
poeta teve
mos subido

colheu
outros da da
irmão,
daqueles
uma vestígios seus
Conselheiro
poesia
de poucos
àquele, luz João
circunstância

apesar

dar de entes, só poucas na repentino


longe
obsequiosamente

que amigo,
que à e
desejo e
tributar não dous
a
deixando
conhecido
de o sentimento,
reflorir
conm gratidão

meu
obsequioso
da falecimento,falecido
êsses
importância
inestimável

leva
poesias,
talento
dous
mesmas
glórias de lembrança
êle, oferecer
Paulo,

si, pósteros,
bem onde para
generoso além
o
de tanto Sr. falecimento
que
me para de que essa
ALGUMAS fazê-las
e de deixar finaram-se são gratidão de S.
o vantajosamentebrilhantes o
que de pai do essas
e estando
pobreza, compreendeu,
sepulcrais, jazigo, veio

amostras ainda
cinzas obscuridade.
Infelizmente
meu,
feliz nenhuma de do que
laços
de
volume é
dos delicado e amigo, de poeta e
motivo, mel bom
e
mim e Academia
poeta.
não podendo e
largaram,
dizer,
memória amigo e deixou, um guardá-las, Minha os
nmais
às salvar,
do gramde delicada
para
pequen0
de falecidOS,

respeito
literária,
Sousa. Éste mais
sabendo era 1870, e
mavioso

de
possível,

poucas
o rentes posso
ilustre
0 duçoes
radas gem
como fôsse cular
na bém
em que bem ser
que
na gui tão das as
e e de a da
BERNARDO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 407
06
Os papéis, que
o meu amigo arrecadou, constavam de ras. maneira que se verá no comêço da elegia, procurando
para
agora e quase
cunhos de poesias, entre as quais sóposso dar publicidade cenário de suas inspirações um sítio bronco, alpestre
um número mais conside mundo
inacessível, o Itacolomi, onde, longe dos olhos do
e a
a duas poesias 96-a de meu irmão,
meu pai, das quais meu irmão estava de sua e render homenagem à memória do
rável de poesias de foi exalar mágoa,
se bem que não desco
posse. eram có varão, cujos hericos feitos admirava, o caráter, os ines
Os autógrafos, tanto de um como de ; outro, não nhecesse os graves senões, que lhe mareavam
eram simplesmente em resultado
pias, a que a
tivessem dado ûtima demão
e cusáveis erros dessa política nefasta, que trouxe
rascunhos, cheios de emendas, de palavras riscadas, substituí o memorável 7 de abril.
das por outras, etc., etc. Ainda hoje as opiniões se dividem, e ao lado dos
que glo
Mas como a letra de ambos era bastante clara e legível, a
rificam, não falta quem estigmatize memria do duque
não me foi difícil decifrá-las, fazendo algumas correções ou de Bragança. Seja como fôr, ninguém pode contestar a
gran
alterações, que não vale a pena mencionar. diosa e providencial missão, que D. Pedro I foi chamado a
Seja-me lícito agora dizer algumas palavras a respeito do desempenhar, e a poderosa influência, que exerceu sôbre os
mérito dessas poesias. Se fôsse desfavorável o juízo que delas destinos de duas nações, erguendo uma do berço, levantando
faço, é escusado dizer, que as não publicaria. Mas entendo, outra do abismo de sofrimentos, em que jazia quase agonizante,
que elas têm mérito real, e que não é só o estreito laço de e deixando assin sua figura estampada na tela da história em
parentesco, que me liga a seus autores, que me leva a fazer brilhante e prestigioso relêvo. eDous vultos culminantes da
delas elevado conceito e julgá-las dignas da luz da publicidade. literatura portuguêsa, Castilho Alexandre Herculano, que
Meu pai, que faleceu a 24 de junho de 1858, na idade de ninguém poderá acoimar de poetas cesarianos, renderam culto
80 anos, era unn poeta educado na pura escola clássica, e como de admiração, e consagraram eloqüentes e sentidas homenagens
tal deve ser julgado. Entretanto parece-me, que tem um cunho às cinzas do heróico duque de Bragança. Não é pois para
original, que o torna benm diferente dos clássicos da época, que estranhar, que um poeta brasileiro extraísse de sua lira trenos
0 viu nascer. Não faz abuso das alusões mitológicas, em que doridos em honra do homem, que tanto contribuiu para acele
tanto se apraziam seus contemporâneos, quer do Brasil, quer rar o movimento emancipador e fundar a nacionalidade bra
de Portugal; inspira-se sempre nos princípios de uma filosofia sileira. É
porém certo, que a musa de meu pai tornou-se pro
eminentemente crist, que revelam os nobres sentimentos de fética, quando assim se exprime nos seguintes tercetos:
um coração bem formado, e as qualidades de um
e honrado. caráter puro
Se curvados comigo ao fado injusto
Sua linguagem, a meu ver, tem a severa correção dos qui Muitos não unem hoje aos meus lamentos
nhentistas unida ao apurado gôsto e elegância dos últimos Preces, que votam ao varão mais justo,
poetas da escola clássica em Portugal. Em seus versos o lei
tor, que os ler com alguma atenção, descobrirá às vêzes o Eu sei, que um dia puros sentimentos
aticismo e a sã filosofia de Sá de Miranda, a galhofa ingênua Saudosos lhe darão; eu sei, que gratos
de Nicolau Tolentino, e quase sempre essa grave, melancólica Lhe hão de erguer honrosos monumentos.
e singela elevação de linguagem, que nos
faz lembrar Camões.
Para que a elegia feita à morte de D. Pedro I seja bem Alguma cousa também poderia aqui dizer sôbre a índole
compreendida, torna-se mister advertir ao leitor, que
ela foi
e qualidades do talento poético de meu irmão; mas creio, que
escrita logo depois da morte do herói, época su seria inteiramente descabido estender-me sôbre êste assunto,
de grande
perexcitação política, em que os ânimos não podendo infelizmente oferecer agora ao leitor senão duas
população brasileira, exacerbados pelas de grande parte da de suas produções, e essas mesmas não sendo das mais primo
últimas e fatais
dências do Imperador, andavam revoltos e impru rosas de entre tantas, que escreveu. Inspirava-o principa
todos aquêles, que ainda ousavam por ameaçadores contra mente a musa do idílio. Os enlevos da solidão, o espetáculo
qualquer
nifestar simpatia e admiração pelo fundador maneira ma
do Império. da natureza risonha e grandiosa de nossos sertões, as cenas
pai era um dêsses, e é por essa razão, que Meu singelas as puras emoções da vida campestre namoravam-he
êle se exprime pela
BERNARDO GUIMARES
408
suave
de
a fantasia, e lhe extraíam da lira canções cheias
harmonia e da mais encantadora
simplicidade. Não reinava
nelas o cansado tom bucólico das églogas
antigas, e nem tão
se pretendeu en
pouco êsse indianismo, que por algum tempo
xertar na literatura como uma espécie de poesia nacional.
ver, um ensaio do que se poderia cha
Eram, a meu brilhante
mar o idílio brasileiro.
Infelizmente, a não ser uma ou outra dessas produções,
que porventura tenham sido divulgadas nos jornais do Rio POESIAS DE MEU PAI
Grande do Sul, onde meu irmão residiu ùltimamente por algum
tempo, tôdas elas sumiram-se para sempre nas trevas do se JOÃO JOAQUIM DA SILVA GUIMARES
pulcro com seu infeliz autor.
Não devo terminar sem fazer aqui pública restituição de
umas lindas estrofes, que roubei a meu finado irmão. Elas figu
ram neste volume no comêço de uma poesia minha, que tem
por título Não queiras morrer. Entre os poucos papéis
aproveitáreis, que deixou, deparei o rascunho das oito ou nove
estrofes, de que me apropriei, e a que o autor parecia querer
dar seguimento. A chando-as lindíssimas e perfeitamente apli
cáveis ao assunto, de que eu tinha de tratar, servi-me delas
como de uma epígrafe, a que dei mais amplo desenvolvimento.

Ouro Prto, 15 de março de 1883.


A JOÃ0 CARDOSO
97

Ei-las, poeta, as flores desbotadas,


Que tu roubaste ao túmulo medonho;
Em tuas mãos de novo hoje as deponho
De meus sentidos prantos orvalhadas.

Tu as colheste pálidas, mirradas,


Com mão piedosa à margem de um jazigo;
Por ti salvas do olvido, 6 caro amigo,
Não serão pelo tempo devoradas.

Bafejadas por ti ah! possam elas


De novo reflorir
Alardeando as pétalas singelas
Nos campos do porvir.

A UM CRAVO ACHADO NO CHO


SONÉTO

Criou-te a natureza tão mimoso,


Tão fragante, gentil e rubicundo, 4-a
Que outro melhor não vegetou no mundo,
Nem tão lindo talvez, nem tão cheiroso.

E como houve malvado despiedoso,


Que o tesouro de Flora pudibundo
Lança sem pejo em um lugar imundo,
Qual se êle fôra gérmen venenoso ?!

Vem, ó cravo infeliz, vem a meu peito;


Nêle acharás humor, que te conforte,
Ninho de amor, sacrário de respeito.
Consola-te, que .essa indigna sorte
Muita alma nobre e coração bem feito
Sofre no mundo, até que venha a morte.
RERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPILETAS 413

SONETO Breve a luz fica em trevas confundida,


a morte,
D só não causa a0 mundo horor
Barbosa, da Quando a virtude nos a
adorna vida.
Ao meu migo, oCapitäo de Engenheiros Paulo
mnarço de 1895
JaNeÜTO a 16 de
Silva. ouando sain do Rio de c
Fran ça
a conclu scus estudos 98
0 EMPREGADO PBLICO
Vai, amigo, beber no claro Sena
De glória e de saber licor bastante, SONETO
constante
Seguir com gôsto terminar
e
Fadiga honrosa, que o Brasil te ordena. Se vires sôbre tôsca campa fria,
Orando junto lacrimosa gente,
Assim do mundo antigo a vária cena Não perguntes quem jaz, pois certamente
Recopilou Licurgo divagante, Aíjaz quem ocupou Contadoria.
E no regresso esclareceu prestante
Cos fachos da razão a pátria amena. Se o d a saber mais te desafia,
Sabe, que o morto deixa pobremente
Não à luz da jovial beldade,
é Familia grande, triste e descontente,
Nem pôsto à sombra em paternais abrigos, Herdeira do pão nosso cada dia.
Que útil se torna o moço à sociedade.
Sabe mais, que apesar de honroso porte,
Correndo terras sem temer perigos Se não ginja, se não é solteiro
Assim é que serás na longa idade Nunca o triste empregado muda a sorte.
Honra da pátria, e glória dos amigos.
Sempre doente, sempre em cativeiro
Vive benm pouco, e vê chegar a morte
SONÊTO Sem prazeres, sem glória e sem dinheiro.
À
morte de uma formosa e célebre meretriz, conhecida pelo
apelido de Luminária LUÍS XIII
Já se apagou enfim a luminária, Já co'a vida Luís treze não contava;
Que mais de lustres oito estêve acesa, Gemendo quase só em sala escura,
E qual o sol, no foco da beleza, Ao criado fiel, que ainda o atura,
Deslumbrava do mundo a gente vária. Do mundo e sua côrte se queixava.
Ontem de amor a turba perdulária Se pois a um rei, que o cetro inda enpunhava,
Tinha na sua luz a mente prêsa; Sucede tal desprêzo e desventura,
Hoje de horror a frágil natureza Como pode uma humilde criatura
Se esconde dessa, que adorou precária. Lamentar-se de um mal, que a um rei pesava ?
Eis aqui, ó mortais, a humana sorte! Foge do estéril tronco o passarinho, 99-a
Murcha-se a flor apenas é colhida, E se o sol já secou a água da fonte,
Ea formosura segue a mesma sorte. Homem nem bruto vês em seu caminho.
28
BERNARDO GUIMARBES

POESLAS COMPLETAS 15
Quem não vale no mundo, não
se conte ;
Embora gema, morrerá sòzinho, a cena
Pois hoje já não é o que foi onte. 99-b Porém, se vejo ao vivo sôbre
o
0 fero amante, emforte Afonso triste.
pranto o que a condena,
Inês já morta!!
À
SEPULTURA DE... ..
Em fúria Pedro, que em vingança insiste.
De susto, de pesar, de amor, de pena,
SONÉTO ÀS lágrimas minha alma não resiste.

No seio dessa térrea cova fria


Jaz escondida a sem igual efígie,
Que pura conservou no mundo a orige, 100-a SONÉTO
Que lá o céu, onde voltou, trazia. A um amigo da roça
Foi dar no empíreo aos anjos alegria,
Comprai constante caro o mantimento,
Quem cá na terra o coração me aflige,
Quem lá do céu agora me dirige, 0 vinho, o só prazer, que ao triste resta,
Sem culpa a seta, que a saudade afia. Pagai como juiz do santo a festa;
Vestido aparecei ao cumprimento.
Negro cipreste, vegetal figura, Aos filhos dai na escola o vestimento,
Que obumbras triste o casto moimento, Tratai família com decência honesta ;
Que com ela contém minha ventura, Ao pobre dá, ao desvalido empresta,
E dos tributos faze o pagamento.
Ah! tu cresces subindo ao firmamento,
E eu, só baixando a essa sepultura Sôbre estas ajuntai mil outras castas
Alívio posso achar a meu tormento. De despesas, a que ando condenado,
De que tu, lá na roça, bem te afastas,

SONÉTO E julga, qual é mais afortunado,


Se tu, que tudo plantas, nada gastas,
Improvisado depois de vna representação Ou eu, que tudo gasto do ordenado.
da tragédia de Inês
de Castro po
Ferreira 101
Se nas vanglórias dêste mundo penso,
Da bela Inês me exempla o A BUNA-DIHA
triste fado,
E o coração semsível, magoado, MADRIGAL
Só de o pensar, suporta um
pêso imenso.
Trazem, Marília bela,
Se na história vou ler o caso As moças tôdas no sinal da palma
Se no grã vate o encontro intenso, Retratada sua alma,
retratado,
Então de seus suspiros penetrado, Seu coração, seu fado, sua estrêla.
Com os meus a seus manes recompenso. Chamam-lhe buena-dicha
Ea sorte a
lê-la me ensinou prolixa.
BERNARDO GUIMARES
416 POESIAS COMPLETAS

Nesses, que tens, dispersos


Raros emblemas pela mão mimosa,
VEADO
A ciência segredosa
em ti diversos!
Muitos fados descobre Vós sabels, que o leão tem altos brios;
Ou és feita de outra arte, Tem horas de serão. Se está bem farto,
Ou a tua alma em outra já tem parte. Outra prêsa não faz. Se está doente,
pacífica ovelha.
É

Seja o que fôr, sem mêdo, "Sigamos todos juntos à ribeira.


Já que queres saber tua ventura, Certo o leão está em um dos casos,
Eu dessa formosura Vamos, antes que o lôbo, ou tigre, ou fome
Aqui nos mate a todos."
Fiel te explicarei todo o segrêdo.
Tu já não tens mais fado,
O meu que vejo nessas
É
mãos traçado, 102
BOI

"Se o leão não estiver nem são, nem farto?!...


A mim, que sou maior, e mais pesado,
APÓLOGO Se avança; fico, e o lépido veado
Foge-lhe alegre às garras !..
Num ano, em que excessiva fôra a sêca,
Contam, que os animais ervi-vorazes "Oh! não me agrada o alvitre." Do conselho
Desciam das montanhas ressecadas Sabendo os coelhos vinham de lotada
Buscando um fresco prado.
Entrar nêle por ver se a fome extinguem
A sombra dos Milords. 103-b
Tornaram-se porém a0 cume estéril,
Porque das margens da ribeira amena, Ao vê-los, eis que zurra um velho burro:
Única, onde verdejava a erva, Amigos! eu descubro agora um meio
Tomara um leão posse. Para não acabarmos todos juntos
En desgraçada fome.
Nela o carni-voraz atalaiado
Tinha como infalível sempre a prêsa "Um de nós sbre quem cair a sorte,
Da corça, vaca ou boi, cabrito ou lebre, Deve como espião baixar ao prado,
Do burro, ou do cavalo. E nos dar do leão notícia certa,
Se está doente, ou farto."
Não lhe caíam nas sangrentas garras
0 conselho agradou. Lançou-se a sorte;
o lôbo, e outros
0 tigre, desta casta,
Que dispersos no monte, murmurando
Caiu, já se previa, –
sôbre um coelho.
Tardou; vão dous, vão três, vão quatro, e ficam;
Dos leões, como êles matam. Vão mais, e nunca voltam.
Àvista de tal fome e guerra, OS 0 burro alegre diz: "Descer podemos; 103-o
míseros
Juntos no sêrro estéril consultavam, Decerto os coelhos ao leão fartaram;
Qual seria o remédio a tantos males, 103-a Pois se um só não voltou do noSso mando,
Eo útimo recurso. Comem, ou são comidos. "
BERNARDO GUIMARAES 419
418 POESIAS COPLETAS

Viram quêdo o monstro farto.


Desceram.
Fartaram-se.
Desta Sorte oS
-Padecem pelos grandes
pequenos, se com êles
Eu vos imploro,
me sejais propícios ;
E na triste expressão de minha pena,
indícios.
Emparelhar pretendem. Vós mesmo, de pesar dareis
o corpo nos condena,
Se a lei, que à morte
A vida eterna d'alma não marcasse,
ELEGIA Funesta de uma perda fôra a cena.

À
Morte de D. Pedro I Talvez um fido amigo não achasse
Outra consolação, que a lastimosa
De acabar com aquêle, que acabasse.
Deus, a quem sagra o Tempo êste Penedo,
Que às nuvens tocar vejo solitário,
Imagem da Grandeza e do Segrêdo, Porém a mão suprema, assaz piedosa,
Com sábia precaução envia o meio,
Mitigador da mágoa venenosa.
Aqui me tens sòzinho e temerário,
Buscando neste espaço sinuoso Deixar o ignóbil mundo, o humano enleio,
Verter oculto um pranto necessário. E pela das virtudes esperança
Ir do empíreo habitar o claro seio,
Tenho êste voto, que cumprir piedoso;
Dá-me, que o faça nesta estância escura, Abandonar do barro a intemperança
Propícia à mágoa, e ao tempo perigoso. Os fados, os trabalhos, e entre os santos,
Santo gozar da bem-aventurança,
Se em Roma já se viu à morte dura
Ser condenada a mãe, por que chorara Deixar de ouvir enternecidos prantos,
Do extinto filho a infausta desventura, Intrigas, 6dios, lástimas, gemidos,
Para dos anjos escutar os cantos,
Não se renove em mim a cena ignara,
Por lastimar um pov0, a quem o susto Obter na glória eternamente unidos,
Faz hoje atassalhar, o que onte honrara, 104-a Sem o favor de humanas criaturas,
Os prêmios cá no mundo merecidos,
Se curvados comigo ao fado injusto
Muitos não unem hoje aos meus lamentos, Pedro, 6 grande herói! são estas puras
Preces, que votam ao varão mais justo. Imagens, que do cu me estão chegando,
Para alívio de tantas amarguras!...
Eu sei, que um dia, puros sentimentos
Saudosos lhe darão. Eu sei, que gratos Porém... que nova dor me
vai passando
Da idéiaao peito!... vendo em triste apêrto
Hão de Ihe erguer honrosos monumentos.
Lísia, a Espôsa, os filhos soluçando?!...
Vós, da tristeza lúgubres retratos,
Os lusos lá descubro em desconcêrto,
Negras sombras, letal melancolia,
Sem que na acerba dor atingir possam,
Turvos painéis de dor, de angústia ornatos,
Se acaso um tal herói morreu decerto!. ..
BERNARDO GUIMARAES
420 COMPLETAS
POESIAS
a 104-5
Vejo uns, que co'a incerteza mágoa adoçam,
Outros, que ao todo já desenganados Em vez de estéril, v melancolia
Do Tejo as águas com seu pranto engrossam; Os feitos me ressurjam à lembrança
Do justo, que viveu como devia.
E lá vejo os do herói sócios honrados
Trajando dó, em tôrno ao monumento Assim futuro gênio se abalança
Co'as mãos no rosto, de pesar cortados. Co'exemplo a praticar ações, que dobrem
Do mundo as honras, e dos céus a herança.
Ah!. rei, amigos, filhos, cara espôsa,
Tudo acaba no mundo!... a morte dura Se em pouca terra os restos teus se encobrem,
Os teus heróicos feitos, teus talentos
Impune perenal triunfo goza.
Nos hemisférios ambos se descobrem.
Ou tôrva guerra, ou febre lenta, impura Não carecem heróis de monumentos;
Faz que um palmo de terra se não pise, Duram mais que as estátuas, que as colunas,
Onde não haja humana sepultura, Exemplos nobres, sábios documentos.
Que uma só obra a vista não divise, Nem são os feitos seus, pra que os reúnas,
Sem que de seu autor memória triste ó
fama, co'êsses dos heróis antigos,
Nossa alma não confranja e penalize. Roubadores de estados e fortunas.
Mas, se à série fatal não se resiste, Pompeus, Césares são do céu castigos,
Se o curso inevitável não se muda Como são prêmios, quando à terra envia, 104-«d

Para que tanta mágoa em nós existe?!... Franklins amáveis, da igualdade amigos.
Fôra por certo menos carrancuda Se livre um Deus no mnundo o homem cria,
Qualquer perda, buscando no transporte Aquêle, que o reverte à liberdade,
Do amigo idéia, que a saudade iluda. Faz o que um Deus já fêz, e ainda faria.

Se a mágoa traz antes do tempo a morte, Tal cheio de valor e humanidade


E com ela nós damos insensatos A pátria vindicaste o seu direito,
Da dor ao gume mais buído corte, Patriarca da lusa liberdade.
Nem há feito maior do que êste feito,
Fujamos dêstes lúgubres retratos, No mundo uma tal obra concluída,
Eà luz do sol, que do zenith dardeja, 104-o Nos céus achaste o prêmio satisfeito;
Das lágrimas se enxuguem os regatos. Nem te era mais precisa a mortal vida.
Sim! do futuro o arcano amplo se veja;
Nunca mais o pesar emn nós influa
A perda de um mortal, que em glória esteja.

Musa consoladora em mim reflua


Mais segura crist filosofia,
Que da santa razão minha alma instrua.
POESIAS D0 PADRE
MANOEL J. DA SILVA GUIMARES 95
105

ALDEIA

brandamente

enviam

ermos. deserto.
longe ruge arroios, resplende

saudade.
longe horizonte

perfumado
montes oriente
remurmura
desolada nauta lira aurora,
vale, que cintilando,
vale, noite,
MINHA tão solitária
desponta
ao repete dos arroios, lhe
meus
com serenos,
minha do
deixei perdido risonho rosado
onde
negreja que
risonho
tempestuoso.
de nesses e amplidão
no daflores
natureza!
!
mundo ouro,
a
alma
linda,
hino manto
tormentas,
que canta resplende cheirosas,
que a anil, montanha virações,
lágrimas

que estrelinha

DE deleitoso, noite
tão pode
do que as
meu minha
de meu um formosa
inefáveis,
verdejante, de tudo
campinas, do olhos
tão puros,
seu portas de nuvens
à na tributo,
SAUDADE

aldeia,
oceano
da mar aldeia,
vargem
só gemendo

céus Sorrindo
floresta,

ecos
para com que nuvens das
das escuridão
vós
insetos, palpita,

Oásis de aos surge


da
longe
Em Tão as lindos Concertos
dos aurora,
Rorejadas
um
O
luz minha de
aurora Galgando abas
minha sois Risonha Abrindo
Virgem
Montes,
ilha Vibrar
Meiga Minha Longe Entre Como
Como vOz Aves,
Tudo
Tão Vós Nos Nas
Ó
Na Ou Ó A A
A
426 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS

Oh! como é grato, ao pé da moliana,


Lá onde a fonte murmurando
corre E ao mugido das vacas, aos rumôres
que verdeja Longínquos das cascatas, ao balido
Pela relva mimosa, Das ovelhas do vale vem mesclar-se
Na vargem solitária,
Como é grato, vibrando a pobre lira, 0 lento som do bronze piedoso
Chamando à prece o morador dos campos.
Cantar co'a natureza, unir meus hinos
Ao ciciar da brisa nas folhagens,
Ao gorjeio das aves na floresta, E quando a noite vem sôbre os desertos
Calada desdobrando o manto escuro,
Ao canto alegre, que na aldeia solta
Quando o orvalho do céu cai rociando
Saudando a aurora o galo do campônio. A roxa flor do manacá no bosque,
Quando tudo repousa, como é doce
Como é belo e sublime em tarde estiva,
Dormir ao som do arroio, que trepida
Quando o sol já descamba no ocidente, Junto do umbral à sombra do jambeiro,
Dourando as grimpas de elevado sêrro, Ouvindo o eco das singelas trovas,
O quadro arroubador, que me apresentam,
Que alegre canta o camponês ditoso !
Montes e vales, campos e florestas
De minha cara, suspirada aldeia !.. ó
minha aldeia tão serena e bela
Com tua pobre, mas risonha, ermida,
Oh! como encanta nessas breves horas,
Quando já níveas garças, roxas pombas,
Alvas pombas do lar, rôlas do bosque,
Que arrulando brincais na mesma relva
Azuis araras, verdes maitacas Dêsse adro feliz, ó minha aldeia,
Da mata escura procurando a sombra, Doce abrigo de paz, minha saudade,
Caladas vão sulcando enm manso adejo Permita o céu, que breve torne a ver-nos,
Do ar sereno as ondas perfumadas,
Quando já dêsses páramos sem Sim ver-vos para nunca mais deixar-vos.
mo,

Dessas vastas planuras verdejantes,
Que vão perder-se ao longe no horizonte,
Oceano tranqüilo, onde só
reina 0 INVÁLIDO DE CASEROS 10e
Silêncio, solidão, imensidade.
Pela grama florida margeando O sol a prumo abrasadores raios 106-a
Lagoas côr do céu, entre palmeiras, Despeja do zenith: pelas campinas 25-a
Que embala a viração, garbosa ema, Amplas, viçosas, que lá vão perder-se
Rainha das campinas, No puro azul da extrema do horizonte,
Com passo majestoso e altivo colo Não canta um passarinho, e nem a brisa
Os leques da palmeira embala ao menos.
Livremente passeia.
Detém-te, 6 caminhante ; vem sentar-te
E nessas brandas horas Vem repousar teu corpo afadigado
Ouve-se a voz da juriti, que geme
Sòzinha e triste à sombra da espessura, À sombra dêste mato, entre as ruínas,
Que o tope alastram dêste lindo outeiro.
Ea fonte a suspirar, e aquêle canto
e
Vago saudoso, de sentidos quebros, Santo Ângelo aqui foi, aqui ergueu-se
Que docemente o sabiá modula
Do ipê frondoso na mais Formosa e florescente em outras eras
alta rama; Aldeia guarani, hoje tapera,
Depois tudo calou. . . vem o crepúsculo,
BERNARDO GUIMARES
428
POESIAS COMPLETAS 29
Hoje saudade só, hoje chorando
Na voz dos ventos, no piar funéreo Imóvel, sôbre andrajos estendido.
Dos pássaros da noite. ao caminhante
De quando em quando estende
com voz débil
A magra mão pedindo
Por cima dêsses troncos, que a rodeiam, compaixo esmola a um sem ventura. 106-b
Imóvel, taciturna, negrejante, Por
Qual escura cabeça, que levanta Quem é êle?. quem é?...Oh! caminhante,
Fantasma sepulcral, vêde a fachada Quanto custa dizê-lo! um guerreiro
É

De um templo, que caiu resto eloqüente, por um dêsses bravos,


Que nós combateu
Que fala do passado, e nos recorda Que primeiro correu contra o inimigo,
Os filhos de Loiola.
0
temp0, as guerras,
Eo sanguesederramou, quando em Caseros
De glória cobriu nosso estandarte.
Dos homens avidez, e o desamparo
a
Derrocaram-no enfim; hoje dispersos Ao troar dos canhões, ao som das tubas,
Debaixo dêste mato esto colunas, Entre nuvens de pó, onde, quais raios
Restos de altar, estátuas em pedaços No bulcão da tormenta, lampejavam
De custoso lavOr, obras formOsas A espada, a lança, o fogo das bombardas,
De esmerado cinzel, ah! tudo, tudo Êle caiu de balas traspassado.
Profanas mãos do ímpio espedaçaram!.
Caiu!. depois ergueu-se!. antes tiyesse
Olhai além. Cobertos de espinheiros De todo sucumbido!.
Os restos de um portal Por êle entravam Não seria qual é, pobre soldado,
Ao som do bronze, ao murmurar das preces De todos esquecido!...
Finados Guaranis. Hoje ali dentro
Sóvejo um matagal, onde calcados
Aos pés
E em
o
vez
cervo estalam frios ossos,
da prece só murmuram ventos,
E geme da sundau a vOz funérea.

Perdão e paz àqueles, que já dormem


Dos mortos na mansão o sono eterno!

Uma cena porém, que mais aflige,


Que de pejo e de dor confrange o peito,
Vem ver, ó caminhante.
De ti um pio olhar ela reclama.
Que mártir desgraçado,
No côlmo, que ali está, pobre e sòzinho
Ládentro encontrarás, sem côr, sem fôrça.
Mirradoo corpo, o
esqueleto imagem,
Crivado de feridas, que inda sangram,
Entre dores cruéis ali suspira
29
107
DISPERSOS
108
GONOALVES DIAS
MORTE DE

CANTO ELEGÍACO

Que fado o teu, Gonçalves!... que desdita!...


Ai! quantas agonias
Vieramn conturbar-te a mente aflita
Nos derradeiros dias,
Quando no meio das tormentas bravas
0 teu formoso espírito exalavas!...
o ninho
Qual alcion dormindo sôbre
Das vagas balouçado,
tão sòzinho
s vagas entregaste
0 teu corpo alquebrado,

mares,
E vinhas ver, atravessando oS
Pela última vez teus pátrios lares.
Cruel doença as fontes te secava
Da débil existência,
E já quase do vaso se entornava
Essa imortal essência
sôpro, que dos lábios de Deus sai,
O

apraz, a si retrai.
E que, quando lhe
Ah! que saudade, que palpite ansioso
No peito Ihe ofegava,
Quando pelo horizonte nebuloso
As praias lobrigava
Da doce pátria, e os coqueirais viçosos,
Que de longe acenavam-lhe saudosOs.
que esvai-se, o extremo alento
Já da vida,
No peito lhe lateja ;
Mas à luz da esperança ainda um momento
Sua alma se espaneja,
Que já 1he trazem virações fagueiras
Os aromas da terra das palmeiras.
GUIMARES
135
BERNARDO COMPLETAS
434 POESIAS

Ei-la! do ocaso lá na linha extrema, ouve a orquestra irada,


A pátria; ei-la acolá!... Mas Gonçalves não
a natureza arqueja;
E os palmares, por onde vaga a ema Em que convulsa
o Já sôbre sua fronte laureada
E canta sabiá!
morte o sôpro adeja.
Ei-la, a formosa terra dos amres, Da
e o oceano turbulento
Ninho viçoso de verdura e flores. A doença,
A nobre, infeliz vítima disputam,
E, para lhe
arrancar o extremo alento,
Ah! não permita o céu que êle sucumba
Sem ver a pátria amada! Como à porfia lutam.
Possa êle vê-la, embora encontre a tumba o restruge
Por seus pés cavada; E enquanto fora furacão
ao o mastro escalavrado,
Ver pátria, e morrer beijando a terra,
a E quebra lenho
e ruge,
Que os oSSos de seus pais no seio encerra, Enquanto em tôrno oo mar referve
Mostrando ao nauta abismo escancarado,
Ai! uma hora, 6 Deus! uma só hora No estreito camarim
Deixa-o ainda viver; Dentro e fora de si o bardo sente,
Que o destino inclemente
Deixa-o na doce pátria, por quem chora, seus está marcando o fim;
Dos dias
Entre Os seus ir morrer, E entre as cenas horríveis, que o compungem,
Não pereça tão junto aos lares seus, Sòzinho, abandonado, o ilustre vate
Sem poder Ihes dizer o extremo adeus! De duas mortes, que de perto o pungem,
Sofre o tremendo embate.
II Contra o furor insano da tormenta
Mas da borrasca as núncias temerosas, Labuta em vão o soçobrado esquife,
Já nos parcéis esbarra, e enfim rebenta
Densas muvens, se estendem pelos céus, Nas pontas do recife;
Eo mar levanta em vagas alterosas E navio e poeta o abismo tôrvo
Medonhos escarcéus. Num só momento os engoliu d'um sôrvo.
Das ondas e dos ventos embatido,
Qual bravio corcel, Entre os roncos medonhos da procela,
Que as rédeas arrebenta de insofrido,
Libertaao já da mórbida prisão,
Voou céu aguela alma tão bela
0 trépido batel, Nas asas do tufão.
Ora do firmamento segue o rumo,
Ora aos abismos quase desce a prumno. Da tempestade o brado pavoroso
Foi seu hino de morte;
Por entre os estertores da borrasca O oceano o sepulcro glorioso,
0 navio aos boléus estala e range; Que deparou-lhe a sorte.
0 medonho tufão, que os mastros laSca,
Os mais valentes corações confrange. Sôbre êle estende o pego tormentoso
Bem perto em fúria o mar ali rebenta Mortalha d'alva espumma;
Entre as pontas de horríficos abrolhos, E assim do vate o fado lastimoso
E da morte a figura macilenta Na terra se consuma.
Do nauta surge aos olhos.
BERNARDO GUIMARAES
COMPLETAS
436 POESIAS

que o tragou no bjo horrendo,


Ea vaga, Temerário alcion, que destas plagas
Estourando nas broncas penedias, : bonança,
Veio na praia murmurar gemendo Mudaste o ninho em hora de vagas
Morreu Gonçalves Dias! traidoras
Por que confias às esperança
Tua última ?

III Vem, que te aguardo aqui saudosa, inguieta,


Corre, corre a meu seio;
E tão perto, na extrema do horizonte Vem, não mais te demores, meu poeta,
A pátria lhe sorria; Que mata-me o receio,
Cruel receio de não ver-te mais,
E para Ihe adornar a ínclita fronte
Novos lauréis tecia. Nem mais ouvir teus cantos imortais.
Vem pendurar à sombra da palmeira
Ela ansiosa e sôfrega, esperava, Inda uma vez a tua errante maca;
E às vagas do oceano perguntava E enquanto d'alva praia pela beira
Por seu filho querido; Ferve e ronca a ressaca,
E no meio do horríssono bramido Enquanto a brisa tépida farfalha
Das ondas irritadas, No tope dos coqueiros,
Aos uivos das rajadas E pelos ares mansamente espalha
Estas sentidas vozes exalava: Aromas lisonjeiros,
Canta ainda unma vez essas cantigas,
t Onde te fôste, filho muito amado?. Que fazem recordar eras antigas.
Ah! por que deixas o teu pátrio ninho,
Ea longes terras vais afadigado, Suave alívio ao teu padecimento
Tão fraco, tão sòzinho, Só podes encontrar no seio meu;
Longe dos lares teus buscar descanso Ao teu peito algquebrado dar alento
Que só podes achar no seu remanso ? Quem pode seno eu?

Saudoso sabiá destas florestas, Ainda aqui meneiam as palmeiras


Seus trêmulos cocares;
Que nas sombras trangüilas te aninhavas,
E as viçosas, floridas laranjeiras
E nas ardentes sestas Suave aroma espalham pelos ares;
Com teus lindos gorjeios me A luz dêstes formosos horizontes,
embalavas,
Saudos0 sabiá, por que fugiste? 0 eco
destas fontes
Por que voaste além? Ainda te farão cismar de amôres,
Por que deixaste tão sòzinha e triste, E da lira extrair aquêles hinos
Quem tanto te quer bem? Doces, enlevadores,
Quais só saben cantar coros divinos.
Por que deixaste, filho aventureiro, Dêstes vergéis entre as virentes comas,
De tua mãe o tépido regaço, Onde perene a primavera brilha
Para entregar ao pego traiçoeiro Alentarei teu peito com aromas
0 teu porvir escasso, De jambo e de baunilha,
Trocando a paz serena de teus E para acalentar teus sofrimentos
Pelo baloiço perenal dos mares?lares Saudoso sabiá,
BERNARDO GUIMARÃES
438 POESIAS COMIPLETAS
439

A tardinha com lânguidos acentos


Teu sono embalará. Nenhum jazigo os restos seus consome
Na terra dos seus pais;
Do grande vate só nos resta o nome,
Mas ah! se não me dado ver-te mais,
é
E os cantos imortais.
Nem mais ouvir teu canto;
Se mais não podes escutar meus ais, Doou-lhe cu inspiração divina,
o

Nem enxugar meu pranto, Engenho alto e pulquérrimo;


Ah! se já sôbre a terra está marcado Mas ah! fadara-o sua triste sina
0 têrmo de teu giro, Dos entes o misérrimo
Vem ao menos soltar, 6 filho amado,
No seio meu teu último suspiro".

Nem uma cruz à beira do caminho,


IV Nem uma cova em pobre cemitério,
Lhe permitiu o fado seu mesquinho
le entreouvia estas doridas vozes Por êsse vasto império,
No meio das borrascas, Cujas glórias cantou na lira d'ouro,
Nalma e corpo a sofrer dôres atrozes E a quem legou de glórias um tesouro.
Da agonia nas vascas.
E ao rebentar de vagalhão medonho, A pátria pede um monumento ao vate
Aos solavancos doidos da procela, Que tanto a distinguiu,
Entre escarcéus de espuma, E seus brados no peito dão rebate
Como em miragem de afrontos0 sonho Do povo que os ouviu;
Da pátria lhe sorria a imagem bela Üma pedra sequer, que diga à história,
Que diga aos estrangeiros :
Envôlta em negra bruma.
a escutava, nesse transe extremo,
Êle Éste padrão erguemos à memória
A mãe, que em ais rompendo o seio terno Do primeiro dos vates brasileiros.
Mal pode soluçar o adeus supremo Mas aqui seu cadáver não repousa
Ao filho que se vai a exiio eterno. Estávazia esta singela lousa.
0 céu e o oceano,
Imagens do infinito, reclamaram
Eo bardo ilustre. ó Deus! que fatal sorte ! E para si guardaram
Que sina desastrada!
Dentro de si e fora via a morte Os despojos do vate americano.
Do firmamento aos páramos formosos
Erguer-se para êle duplicada; Um nos roubou sua alma para Deus,
Uma o mirrado coração gelava, Outro lá nos abismos temerosos
A outra a fronte augusta
lhe esmagava. Esconde os restos seus.
Mas se a terra seus OSSOS não consome
Estrêla errante no seu triste giro Teve em partilha a glória de seu nome."
No oceano apagou-se entre as Mas ó vergonha! ó crime!
Ninguém lhe ouviu o último borrascas; Glória, gênio, infortúnio, nada vale
suspiro
Da agonia nas vascas. Ao poeta sublime!
RERNARDO GUIMARÄRS
$40
que se cale
Pede pejo, e o decoro
o ANOS"
Tão feia ingratidão. "A UNS QUINZE
Mas ah! não pOSso, não; que a meu despeito quo o poema
a vo% do coraçüo, pronta pre8ente
n cdição quando doscobrimog
Nos lbios ferve 1. JÁ Cstava no 6 do Bornardo
incluído em " DisporsOs", a
D rompe-me do peito, "A un8 quinzo nnos", Para insorço do poema
um eco de horror descompassado, Guimarics o sim de Luís Guimnrñcs Júnior.
Como
o brndo. baseam0-nos na informaçño
constanto do livro do Basilio do Magalhãcs
a nota
Da indignação so acha transcrito à pág, 60 (vide
sôbro Bornardo, no qual tlo Magalhñcs,
refratários convicção do Basílio do
Csses, que às pátrins glórias 109 dôste volume, pág. G11), A
mandatúrios, o pooma, com clogios, citando inclusive a publicação
De um nobre povo crêm-se no transerevor
quo jamais nos ocorrou a hipótase
Negam uma homenagem que o divulgou, nos parcccu tal
de que o ilustro biógrafo do Bernardo cstivesse incorrendo om cngano.
A quem já vive na posteridade, Folhcando a Antologia dos poctas brasileiros da fase romantica,
a eternidade,
A quem tem por pregão de Manucl Bandoira (3,0 cd., INL, 1949), volume a que rccorromos
EO mundo p01 mensngem. -
deparamos Surpresos,
inúmeras vêzes para organizar csta cdição
com o poema "A uns quinzo anos", de Luís Guimarãcs
à pág. 313,
Ah! registre o Brasil em seus anais Júnior. Extraiu-o o ilustro antologista do Corimbos, Tip, do Corroio
"

Mais êste exemplo novo! Pernambucano", Recife, 1869, págs. 188-140, dados qu0 confirmamos
Falsos depositários desleais ao consultar a citada cdição de Corimb08. Verificamos, inclusive, que
e aquêle atribuído a Ber
Da vontade do povo há ligciras variantes cntre o texto do livro
nardo Guimarãcs.
nos
Nestes nefastos, miserandos dias, Pique registrado o engano, de quo não queremos absolutamente
Um simples preito ao gênio recusaram, exeulpar, pois nêlo temos tambóm a nossa parte. Talvez, se desculpa
Ao monumento de Gonçalves Dias houvesse, cstaria não 8ó no fato, que já frisamos, do não têrmos motivo
para pôr em dúvida a informação de Basílio de Magalhãcs como na
Uma pedra negaram.
complexidade da tarofa do preparar uma obra poética do vulto da de
Bernardo, que exigiu tivéssemos a atenção voltada para numerosos e
diferentes detalhes. E também porque o poema 'A uns quinze anos"
ENDERÊÇO AO EDITOR não suscitou em nós maior interêsse. S6 podemos lamentar quc
apenas tardiamente tenhamos descoberto tal equívoco. Ao registrá-lo,
Eis os cantos que d'alma me fugiram reafirmamos nossa admiração pelo livro. de Basilio de Magalhães,
No seio de meu êrmo, tanto mais que. sabemos as dificuldades com que @le se defrontou para
Quando um dia à idéia me acudiram elaborá-lo. Certo que umn engano como -êsse pode correr à conta de
0 triste fado, o desastros0 têrmo tais dificuldades. Com esta nota, devolvemos o poema "A uns quinze
Do sabiá das terras brasileiras, anos" ao seu verdadeiro autor: Luís Guimarães Júnior.
Do cantor mavioso das palmeiras.
2 Aproveitamos para informar ao leitor que o prefácio às Poesias
a que nos referimos à pág. XVII, linha 29, 6 "Advertência da Segunda
Aceita agora êstes singelos cantos,
Filhos do coração : Ediçã" dos Cantos da solidão e pode ser lido à pág. 11 dste volume;
Foram d'alma exalados entre prantos ainda que, quando mencionamos, nas notas finais, P ou NP (Poesias
e Novas poesias) sem indicar a edição, estamos aludindo à 1.4 edição
Em minha solidão. dêsses livros. Aliás, como se esclarece na Introdução, pág. XVII,
pelas primeiras edições das obras poéticas de Bernardo foi que prepa
Mas dá-lhe asas; faze com que corram ramos-estas Poesias completus. A alusão, em várias das referidas
ÀS mais remotas plagas, notas, ao texto das edições póstumas (2. ed. de P e ed. de 1900 de
E não permitas que afogados morram NP), visou apenas a recolher elementos subsidiários,
Pelas do olvido sonolentas vagas.
441
COMPLETAS
POESIAS

broncas serras,
Cá destas voem presUrosOs
Onde lasceram,
morrer dolentes, suspirosos,
E vão formosas terras,
Do Maranhão pelas
Berço do bardo ilustre,tamanho lustre.
deu
Que às pátrias letras

Ouro Préto, 0utubro de 1869.

109
A UNS QUINZE ANOS
ÉS doce e pura
saudosa, e
Como um perfume de rosa,
Que pouco a pouco se esvai.
como o frouxel de um ninho,
És
Os trinos de um passarinho,
Uma pétala que cai.

ÉS alva meiga e divina,


e
Como a nota peregrina
Da madrugada ao surgir.
0 céu teu riso enamora,
Os anjos formam a aurora
Dos raios do teu sorrir.

És casta e nívea e serena,


Como as asas, como a pena,
Que um serafim esqueceu.
Quando tu rezas, parece
Que, para ouvir tua prece,
Deus põe mais anjos no céu.

Teu ser a música exala,


Teu corpo aromas trescala,
Tudo em ti é luz e amor.
Tua alma um jardim resume :
Cada segrêdo, um perfume,
E cada sonho, uma flor!

ÀS vêzes, tremes, medrosa,


Como o cálix de uma rosa,
Por onde o vento passou. . .
BERNARDO GUINARAES
442
POESIAS COMPLETAS 443
E, se orubor te colora,
Eu rejo romper a aurora
Onde o pejo despontou..
GLOSA

És triste e casta e suave, Gema embora a humanidade,


Como o soluç0 de uma ave, Caiam coriscos e raios,
Que entre os ramos se escondeu. Chovam chouriços e paios
Se desprendes um gemido,
Das asas da tempestade,
És com0 um anjo perdido,
Que tem saudades do céu! Triunfa sempre a verdade,
Com quatro tochas na mão.
O mesmo Napoleão,
Empunhando um raio aceso,
SONÉTO 10
Suportar não pode o pêso
Das costelas de Sansão.
Eu vi dos polos o gigante alado,
Sôbre um montão de pálidos coriscos, Nos tempos da Moura-Torta,
Sem fazer cas0 dos bulcões ariscos, Viu-se um sapo de espadim,
Devorando em silêncio a mão do fado! Que perguntava em latim
A casa da Môsca-Morta.
Quatro fatias de tufão gelado Andava, de porta em porta,
Figuravam da mesa entre os petiscos; Dizendo, muito lampeiro,
E, envolto em manto de fatais rabiscos, Que, pra matar um carneiro,
Campeava um sofisma ensangüentado! Em vez de pegar no mastro,
Do nariz do Zoroastro
"Quem és, que assim me cercas de episódios ?" Fêz Ferrabrás um ponteiro.
Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovões seródios. Diz a folha de Marselha
Que a imperatriz da Mourama,
Eusou", -
me disse, Ao levantar-se da cama,
"aquêle anacronismo,
Que a vil coorte de sulfúreos ódios Tinha guebrado uma orelha,
Nas trevas sepultei de um solecismo. 95 Ficando manca a parelha.
É
isto mui corriqueiro
Numa terra, onde um guerreiro,
Se tem mêdo de patrulhas,
MOTE ESTRAMBÓTIC0 111
Gasta trinta-mil agulhas,
Só para coser um cueiro.
MOTE
Quando Horácio foi à China
Vender sardinhas de Nantes,
Das costelas de Sansão Viu trezentos estudantes
Fêz Ferrabrás um ponteiro, Reunidos numa tina.
Só para coser um cueiro Mas sua pior mofina,
Do filho de Salomão. Que mais causou-lhe aflição,
444 BERNARDO GUIMARES
POESIAS COMPLETAS 445

Foi ver de rôio no chão 0 anjo da morte já pousa 112-a


Noé virando cambotas Lána estalagem do Meira,
E Moisés calçando as botas E lá passa a noite inteira
Do filho de Salomão. o
Sôbre leito em que repousa.
Com um pedaço de lousa,
le abafa tôda a dor,
LEMBRANÇAS DO NOSSO AMOR 1: E, por um grande favor,
Manda ao diabo a saudade,
Qual berra a vaca do mar E afoga, por amizade,
Dentro da casa do Fraga, Lembranças do nosso amor!
A ssim do defluxo a praga
Em meu peito vem chiar.
É
minha vida rufar, DISPARATES RIMADOS 113

Ingrato, neste tambor!


Vêque contraste do horrOr: Quando as fadas do ostracismo,
Tu comendo marmelada, Embrulhadas num lençol,
E eu cantando, aqui, na escada, Cantavam em si bemol
As trovas do paroxismo,
Lembranças do nosso amor! Veio dos fundos do abismo
Um fantasma de alabastro
E arvorou no grande mastro
Se o sol desponta, eu me assento; Quatro panos de toicinho,
Se o sol se esconde, eu me deito; Que encontrara no caminho
Se a brisa passa, eu me ajeito, Da casa do João de Castro.
Porque não gosto de vento.
E, quando chega o momento Nas janelas do destino,
De te pedir um favor,
Quatro meninos de rabo
Alta noite, com fervor, Num s dia deram cabo
Canto, nas cordas de embira Das costelas de um Supino.
Da minha saudosa lira, Por tamanho desatino,
Lembranças do nosso amor! Mandou o Rei dos Amôres
Que se tocassem tambores
No alto dos chaminés
Mulher, a lei do meu fado E ninguém pusesse os pés
É O
desejo em que vivo Lá dentro dos bastidores.
De comer um peixe esquivo,
Inda que seja ensopado.
Sinto meu corpo esfregado Mas êste caso nefando
E coberto de bolor.. Teve a sua nobre origem
Meu Deus! Como faz calor ! Em uma fatal vertigem
Ai! que me matam, querida, Do famoso Conde Orlando.
Saudades da Margarida, Por iss0, de vez em quando,
Lembranças da Leonor! 30
BERNARDO GUIMARES
446
POESIAS COMPLETAS

Ao sôpro do ventoum
sul,
Vem surgindo de paul
0 gentil Dalailama, PARECER DA COMISSÃO DE ESTATÍSTICA A
Atraído pela fama RESPEITO DA FREGUESIA DA MADRE-DE
Irminsul.
De uma filha de DEUS-D0-ANGU 114
Diga-me cá, meu compadre,
Corre também a notícia Se na sagrada escritura
Que o Rei Mouro, desta
feita,
colheita
Já encontrou, porventura,
Vai fazer grande Um Deus que tivesse madre?
De matéria vitalícia. Não pode ser o Deus-Padre,
Seja-lhe a sorte propícia, Nem tão pouco o Filho-Deus;
ÉO que mais Ihe desejo.
Só se é o Espírito-Santo,
De quenm falam tais judeus.
Portanto, sem grande pejo,
Mas êsse mesmo, entretanto,
Pelo tope das montanhas, De que agora assim se zomba,
Andam de noite as aranhas Deve ser pombo, e não pomba,
Comendo cascas de queijo. Segundo os cálculos meus.
Para haver um Deus com madre,
O queijo, dizem os sábios, Era preciso um Deus fêmea;
um Mas isto é forte blasfêmia,
É grande epifonema, Que horroriza mesmo a um padre.
Que veio servir de tema Por mais que a heresia ladre,
De fam0s0s alfarrábios. ÊSse dogma tão cru,
Dátrês pontos nos teus lábios, De um Deus de madre de angu,
Se vires, lá no horizonte, Não é obra de cristão,
E não passa de invenão
Carrancudo mastodonte, Dos filhos de Belzebu.
Na ponta de uma navalha,
Vender cigarros de palha, E, se há um Deus do Angu,
Molhados na água da fonte. . Pergunto: Por que razão
Não há um Deus do Feijão,
Seja êle cozido ou cru?
Háopiniões diversas De feijão se faz tutu,
Que não é mau bocadinho;
Sôbre dores de Mas não se seja mesquinho :
barriga:
Dizem uns que são
lombrigas; Como o feijão sem gordura
Outros, que vm de conversas. É coisa que não se atura,
Porém as línguas perversas Deve haver Deus do Toicinho.
Nelas vêm grande Desta tríplice aliança
De um bisneto de
sintoma
Mafoma, Nascerá uma trindade,
Que, sem meias, nem Com que tda humanidade
chinelas,
Sem saltar pelas
janelas, Háde sempre encher a pança ;
Num só dia foi a
Roma. Porém, para segurança,
BERNARDO GUIMARES
448 POESIAS COMPLETAS

Como 0 angué dura massa,


Eo feijão nunca tem graça Mas isto bem pouco importa.
Regado com água fria. Para que ninguém o veja,
Venha para a companhia Ponde-o a tomar cerveja
Também um Deus da Cachaça. Por detrás de alguma porta.

Mas, segundo a opinião


De uma minha comadre, II
Nunca houve Deus de madre,
Nem de angu, nem de feijão. Amigo, não faças caso
Tem ela tda a razão. Dêste retrato tão feio.
Pelos raciocínioS seus, Dle é meu, e não alheio:
Que são conformes aos meus, Eu sou um soldado raso;
Isto é questão de panela, Porém, se feio é o vaso,
E Deus não deve entrar nela, O
conteúdo é bonito.
E nem ela entrar em Deus. Eu sou um pobre proscrito,
Que só, no meio da calma,
E, portanto, aqui vai uma emenda, Solto o brado de minha alma:
Que tudo remenda: - Independência ! eis meu grito.

Vai aqui oferecida


Uma emenda supressiva : TRABALHO E LUZ 110

Suprime a madre, que é viva,


Fica o angu, que é comida.
A comissão, convencida I
Pelos conselhos de um padre,
Que c0nversou com a comadre, Luz e trabalho, eis a divisa imensa
Propõe que, desde êste dia, Da nova legião de um mundo novo.
Chame-se a tal freguesia Das águias do porvir fecunde-se o ôvo
A do Angu de Deus, sem Madre. No vigor do trabalho unido à crença.

D'árvore humanidade à luz intensa


115 Do livre ensino brota o são renôvo
DEDICATÓRIAS Rico de luz se nobilita o povo
Do trabalho na santa recompensa.

Trabalham para a luz almas, que alentam


O brilho do trabalho. Os benefícios
Já que por terras estranhas Da luz da educaçãoa Deus contentam.
Acompanhar-vos não poSso,
Dêste fraco amigo voss0 Trabalho e luz contra o furor dos vícios,
Levai o fiel retrato. No trabalho e na luz que a paz sustentam,
Tem o nariz muito chato Glória ao Liceu de Artes e de Ofícios.
E a bôca um pouco torta...
COMPLETAg
B61
nERNAIRDO GUIMARÄESs POESIAS
450
que verto
Mas por entre estas lágrimas,
II Ao pé do teu jazigo,
Do pai, e dos irmãos ao desalento,
Trabalho e luz, mais luz c maisa trabalho! Em lúgubre concêrto,
Sem trabalho não pode dar-se luz, Prantos mesclando de saudoso amigo,
a diva luz
Ao trabalho preside
E de noite sem luz não há trabalho. Eu diviso no azul do firmamento
A consolar-me uma visão celeste,
trabalho é saúde, 6 vida, é luz;
O Que vem a ti baixando
Para ter uma luz, sempre o trabalho; E entre coros angélicosse pairando
meu trabalho, De divinais fulgores reveste.
Sai sem luz, todo errado,
Pois não há bom trabalho sem a luZ.
De uma mulher a veneranda imagem
Ora, a luz sendo o guia do trabalho Simpática resplende.
E dentre os véus da mística
roupagem
Nada faz o trabalho sem a luz, com te estende.
C nem a luz é nada sem trabalho. Os alvos braços fervor

A fôrça do trabalho obtém-se a luz Nadam-lhe os olhos em celeste brilho


Mas a luz não resplande sem trabalho De inefável, dulcíssima alegria,
o filho
Glória ao trabalho e luz, luz e trabalho. Como da mãe que ao abraçar
Em suaves trangportes se extasia.

Ah! sim! é tua mãe, que ao céu te chama;


TRIBUTO DA SAUDADE 1" Nos meigos lábios poisa-lhe um sorriso,
Que traduz a ventura em que se inflama
memória do meu joven amigo Dr. Antônio Augusto do Quem já tem por morada paraíso.
o

Amaral, falecido a 22 de março de 1883


É ela! da eternal felicidade
Tão cedo, ainda na flor da mocidade, A radiosa auréola fulgura
Desta vida mortal transpondo as raias Por sôbre a fronte pura
Soltaste a vela ao mar da eternidade, Em que transluz a angélica bondade
Ao mar que não tem praias!. Daquele coração; piedoso ninho
De mansidão, de amor
e de carinho.
Do mundo no caminho insidioso
Bem depressa cansaste, A com fagueiro aspeito,
ti se chega voz
E perdido por trilho tenebroso E com aquela suave e calma,
Na campa tropeçaste. Com que outrora acalentou-te ao peito
Assim te fala: "ó filho de minha alma,
Por mortífero sôpro despencadas Primeira flor da minha primavera,
Na quadra mais gentil da humana vida, Meu filho, eu bem quisera
As puras rosas de um porvir risonho Não te deixar tão cedo neste mundo
Caíram-te da fronte esmorecida De tredas ilusões pego profundo,
Em lutuosos goivos transformadas Onde tudo que é belo, degenera.
No túmulo medonho.
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 453
452

Tu eras meu prazer, minha ventura, Do povO desolado.


Tueras no porvir meu sonho de ouro, Que viu da morte ao golpe odespiedado
No passado lembrança terna e pura Tombar ao chão da campa altivo
cimno
esperança, e meu tesouro. e arrimo.
Eras minha Do tronco que lhe dava sombra
Ah! Bem cedo deixei-te entre os abrolhos os viventes
Dessa escabrosa vida, Mas o tronco tombado entre
Deixou frutos benditos;
Fraco lutando entre milhares de escolhos 117-a
Dm afanosa lida. Seus feitos e virtudes eminentes
escritos:
Em eternos padrões acham-seCalvário
Das doutrinas do mártir do
Talvez jamais verás realizados
Teus sonhos de criança. Foi denodado intérprete fiel.
Quem sabe?! do porvir aos céus nublados Desta vida no túrbido cenário,
Não acharás ventura nem bonança. Como outrora o profeta Samuel,
Foi sua escola o templo,
Em que o espírito vivaz e penetrante
Teu nobre coração não mais laceres
Dêsse mundo nos ásperos espinhos ; Bebeu seiva abundante
A mão te estendo; vem, se assim o queres, De altas lições e salutar exemplo;
Gozar no céu dos maternais carinhos; Dedicou todo o ardor da juventude
Vem, 6 meu filho, vem, 6 meu amigo, Da liberdade ao culto,
A par dos anjos vem gozar comigo". Sofrendo com estóica e sã virtude
Por amor dela o desacato, o insulto,
E tu, meu bom amigo, aqui dormindo Contratempos, trabalhos, amargores,
;

Da existência mortal quebraste Os laços Fadigas mil, terriveis dissabores


E fôste despertar além sorrindo Mas prosseguindo impávido e altaneiro
De tua mãe nos braços. No começado, glorioso esteiro,
Como o arroio que desce da montanha
Ouro Prêto, 22 de abril de 1883. De cascata em cascata,
E contra as rochas a bramir se assanha
Desdobrando-se em ondas côr de prata;
À MEMÓRIA DE MONSENHOR E se afastando do obscuro ninh0
!18 Lávai-se engrandecendo em seu caminho,
FELICÍSSIMO Depois por largos planos deslizando
Tranqüilo e majestoso.
[últimos versos] Em longo curso vai fertilizando
As margens que percorre caudalo0,
Bem poucas lousas há que em si contenham Até que através de mil azares,
Cinzas mais preciosas; Vai-se embeber na vastidão dos mares :
Bem poucas há que nerecido tenham Tal foi o curso da afanosa vida
Pranto mais puro, bênçãos mais saudosas. Do exímio sacerdote,
Da caridade luminoso archote,
A triste perda com razão deploras, Que há pouco se apagou !

Caro amigo, do inclito levita, Foi seu comêço luta embravecida


E as lágrimas sinceras, que hoje choras, Contra tormenta e desfavor da sorte,
a
Traduzem a desdita Até que um dia achou
BERNARDO GUIMARES
454

A seus anelos glorioso norte.


O manto desdobrou da caridade
Por sôbre um povo inteiro,
exalando o suspiro derradeiro
E
Passou seren0 ao mar da eternidade.
Sôbre o seu berço bruxuleia incerta
A Sombra do mistério;
Mas sôbre sua campa há pouco aberta NOTAS
Verte clarão sidéreo
Lâmpada eterna, que à posteridade
Recomenda o herói da caridade.
ABREVIATURAs USADAS NESTAS
NOTAS:

P
NP
-- Poesias
Novas poesias
FO - Fôlhas do out0no
De P houve duas edições, a 2.2 designada, por equívoco,
como sendo a 3.2; a ela nos referimos porém, nestas Notas,
como 2. ed." De NP houve igualmente duas edições, mas na
2.*, 0u que se presume ser a 2., não se informa se se trata,
ou não, de uma reedição; a ela nos referimos, nestas Notas,
como *ed. de 1900", de acôrdo com o ano de que está datada.
Maiores esclarecimentos sôbre as edições das obras poéticas
de Bernardo Guimarães podem ser encontrados, na Introducão
a êste volume, em Normas e bases desta edicão.
INTR0DUCÃ0
NOTA 1

as seguintes consideracões deeu,José


Verís
Transcrevemos mais distingue,
a) do Poeta: "0 que, acho
simo em tôrno da personalidade
posso dizer, Bernardo Guimnarães
como poeta,
exteriomente, se assinm
o seu mérito, êle tem como tal
uma personalidade
è que, seja qual fôr
à parte dos poetas do
seu tempo. Nem a sua inspiração, nem o seu
pre
pensanmento, nem a sua maneira, nem a sua forma é a dêle. Eles
versos decas
feriam o verso rimado, as estofes o de guatro com o octossílabos, ou a
silabos e hendecassílabos, rimados segundo quarto, redon
dilha de oito sílabas, ou ainda a estrofte de quatro ou de seis versOs,
com hemistíquios simètricamente quebrados. que mais talvez se nëles
0
encontra é a estrofe de quatro versos de dez e onze sílabas, rimados
o
segundo e o quarto. Bernardo Guimarães usa pouco dessa estrofe
e verdadeiramente abusa do verso branco ou sôlto, que maneja aliás
perfeitamente, e cuja monotonia rompe em muitos dos seus poenmas,
quebrando-os com hemistíquios. A sua metrificação é em geral mais
rica, mais certa e mais variada que a daqueles poetas. A sua forma
é também mais clássica, mais simples, mais calma e mais fria, por
assim dizer.
"Por igual, o seu pensamento, o seu estro é menos
caracteri
a
zadamente romântico. Conserva mais medida a compostura clássica
e
que a dos seus êmulos da mesma geração'" (Estudos de
sileira, pág. 260).
literatura bra

NOTA 2

Cronologia de Bernardo Guimaães

a) A respeito da fase acadêmica de Bernardo Guimarães, escreve


Basílio de Magalhães no seu estudo biográfico sôbre o
escritor, pág. 21:
"Entre outros colegas de mentalidade congenial, depararam-se-lhe
vares de Azevedo e Aureliano ali Âl
Lessa, dos quais se tornou inseparável.
Constituíram, diz acertadamente Felício Buarque
de 1917, pág. 180), um triunvirato, que (Almanaque Alves"
então se fêz notável nas
crônicas acadêmicas, por suas extravagâncias e e entre êles
havia tanta unidade de vistas, que chegaram a talento;
Comum das Três liras, para projetar a publicação
no sentir e no pensar". confundirem as suas inspirações de irmos,
Depois de anotar que foi talvez a morte pre
matura de Álvares de Azevedo que fêz
ternidade intelectual, prossegue o malograr êsse projeto de fra
epoca, achava-se biógrafo de Bernardo: "Naquela
influenciada pela leitura de Byron, Lamartine,
acadêmica, que preferia à aridez dasMusset
e Espronceda a juventude
dectas, ao ranço das teorias de Lobão e Pan
0 namorar as lindas filhas da Paulicéia, o dos textos do Código Filipino
Tiosas em serenatas p0r noites entoar-lhes endechas lamu
para o estro ou lenitivo a enluaradas, o pedir ao álcool mais fogo
mágoas de amor, reais umas e
imaginárias
BERNARDO GUIMARAEs
POESIAS COMPLETAS 461
460
e às mogda,
então a0s noços
outras. A moda noral" impunha a límpida primavera da polos, de gêlo abrasados,
obstante o rouxinolear-lhes
na alma
não as côres vívidas da saúde, nem E lá pelos
não do sol tropical, mas a palidez doentia Eu vi Napoleão
sob a luz ardente prazer da existncia, em
o radioso e comunicativo gesto e das atitudes, Puxando as orelhas ao fero Sansão,
da verbalidade, do e amôres malogrados e
das feições,
o merencório
insatisfeitas comn guo E um lindo mnancebo de nobre feiço ..
suma, a feral tristeza de ânsias paixõcs desvairadas e trágicas, a Brincando entre as pernas do rei Salomão.
o macabro acabrunhanento
de
metade do século XIX
saturava
literatura da
baturn do nosso juvenil escol intelectual.
a mórbida a "Refere também Couto de Magalhães que os doidivanas, decerto
ideação e derrancava mostra na para alargarem o âmbito de suas estroinices, fundaram com êsse in
que pertenceu a essa quadra, um denoi
"Couto de Magalhães,
Paulo" (1859), citamdo ainda tuito um grêmio, a que deram a denominação de "Sociedade Epi
"Revista da Academia de S. como é que êsses rapazes ultra-român curéia",* ** destinadas sem dúvida a pr em prática as perigosas e
mento dilucidativo, não sòmente estúrdia, em que, todavia, o alcoucc deletérias ficções do cantor de D. Juan. Compunha-se de muitos aca
a sua boêmia mas também dêmicos e reunia-se nos arrabaldes de S. Paulo. Mais adiante, Basílio
ticos organizaram representação obrigatória,
e a tavolagem não tnham Guimarães. Em casa dêste,* pelas de Magalhães narra esta anedota referente ao triunvirato: Por um
o papel que aí coube a Bernardo durante a qual um fim de mês, em que o dinheiro he escasseara de todo, bem como aos
uma ceia escolástica,
noites de quarta-feira,o fazia-se
seu bestialógico, em prosa ou verso.
0 eacadê companheiros da tríade famosa, fêz Bernardo estender na sala de visi
dos convivas deitava que tas, sôbre um catre, a Álvares de Azevedo, imóvel e coberto por um
ouropretano, "dotado de um caráter alegre e expansivo"
mico gravada nas discussões cheias lençol, com círios acesos aos lados da cabeceira; e, com Aureliano Lessa,
"deixou sua lenmbrança profundamente que @le derramava como uma saiu a pedir recursos para o ent ro do companheiro repentinamente
de sátiras e de rasgos
extravagantes, falecido., Choveram abundantes pelegas nas mãos de ambos, acudindo
torrente de H. Heine", era também "um verdadeiro
gênio", no gênero
numa cadeira, fluía êste prontamen logo amigos e admiradores do defunto, a fim de o verem e velarenm.
chamado pantagruélico.** Trepado Mas os dois maraus, esquecidos do pobre cadáver, compraram sem de
te dos seus lábios, quase sempre em rimas. "Foi numa dessas ocasiões mora apetitosOs manjares e bebidas capitosas e entregaram-se ruido
que ele improvisou uma célebre poesia, em que vinham tôda
sorte de
conservada na samente a um opíparo banquete, no interior da casa. pituitária e
extravagâncias, e que fêz tal impresso, que tem sidoum aos ouvidos de Álvarcs de Azevedo chegaram o aroma À dos acepipes o
memória dos estudantes." Eis uma sugestiva amostra de dêsses mons o tilintar dos copos. Então, sem fazer caso dos presentes, que passa
truosos e engraçados p0emas: ram por indizível susto, ergueu-se do leito fúnebre, arremessando ao
chão o lençol, e bradou indignado: "Canalhas! Eu, aqui, como
Com grande desgôsto dos povos da Arábia, morto, e vocês, lá dentro, a se banquetearom! Vou também regalar
Vieram os bonzos da parte de além, me!" E marchou a passos largos para o festim..."
Comendo presunto e empadas de trigo, b) 0 casamento do Poeta Basílio de Magalhães, à pág. 49 e
seguinte do seu estudo biográfico e erítico, assim descreve o casamento
Sem ter um vintém.
romântico do Poeta: "Contou-me D, Teresa a inexplicável previsão que
teve ela, em solteira, em incidente com seu cunhado, o cirurgião Ariei
E os ratos vieram, trotando depressa, ra. Encarregara-a êste de vigiar e conter sanguessugas postas numa
De espada na cinta, barrete na mão; bacia, para aplicação imediata em pessoa enfêrma; e, como ela pre
Prostravam-se ante êles, fazendo caretas, a
ferisse guardar as feias bichas o continuar a ler as lindas estrofes
dos Cantos da solidão, que tinha em mãos, o cunhado, aborrecido pela
Com grã devoção. desatenção ao seu pedido, disse-lhe "que ela ainda havia de casar com
um lábrego "; a moça, porém, respondeu-lhe de pronto: "Lá isso é
E o filho dos ermos, do monte olando,
que não! Eu hei de casar com o autor dêste livro!" E a
profecia
Puxou pela faca, de grande extensão; realizou-se. Consorciaram-se em Ouro Prêto a 15 de agôsto de 1867,
data em que o Pocta completava 42 anos". Numa nota ao pé da pág.
Caiu como o cisne, que toca trombeta, 50, informa ainda o biógrafo: "Como veio o destino a favorecer essa
De ventas no chão. em 1872 "O
(***) Valério Publicola, pseudônimo com que apareceu
() Por informação de Couto de Magalhães panfletista" (autor os Tipos politicos), do Dr. Albino os Santos Pereira,se
S. Paulo, a cujos anos acadêmicos
("Atualidade", n.° de o
e

de novembro de 1861), sabe-se que, em S. Paulo. Bernardo Guimaräes e refere-se às façanhas


ances,
dos estudantes e
ins0uciance, e conta que no curs0 jurTdlco
Aureliano Lessa moravam juntos, no pilcavam três pitance, ohance a 1849"), se fundou e
próximo à Rua da Santa Casa. penúltimo prédio sito à Rua daO de oinda, uma pela mesma época ("pelos anos de 1847
Álvares de Azevedo residia no Campo tforam
(atualmente, Praça a República). (Nota de Basflio
(*) A denominação vulgar dessa moda de
dos Gu
Magalhães.)
floresceu sociedade, denominada hibridamente
Conspicuos membros travessos rapazes, que epois figuraram
"Filopanga" nas
no parlamento, nas
têmo de que usa Couto de Magalhães: de poesia era do policia, nas cadeiras curuis da magistratura perpétua, 0 o que ele
por pantagruélica, denois foi liter)rlamente bestialogtets administrações provinciais e nos altos cargos da polltica.
só os recomendaria a uma decla
S. Paulo". de J. segundo afirma o barão
e
Paranapiacaba ("A
substitu narra ali dos filopancistas, de pág., 20 a 27,
Bastlio de Magalhães.) de Almeida Nogueira. 3,4 série, pág. 19).Acadee
L. a
raçao de incursos em vários artigos do Código Criminal do Impérlo. (Nota
(Noe de Basílio de Magalhães.)

31
DERNARDO GUIMARES
462
POESIAS COMPLETS J63
referc-se o Dr. Lnércio Prazeres pcla mancira seguinto.
previsão, "Noite", de 15 de ngôsto do
nos curiosos apontamcntos quc enviou àuma
'Estava D, Teresa à sncnda de jancla, à Rua de S. Jos6. E era o seu olhar a seta luminosa . .
1925: c fortc, traiandó Quc irrandiava a luz dos grandes corações.,
com uma amiga, quando passou um homem alto
fraquc. A scta que cortava o azul, impetuosa,
É
Cxclamou a moça.
um mocctño! Formada, como o sol, de 1ímpidos clarõcs.
Qual! Parcce um caipira.. volveu D. Tercsa.
Não diga isso! Pois você não sabe quem é aquêle? Tal cra o seu olhar -0 ninho da utopia,
Não. 0 mar das ilusõcs e o cu da fantasia...
É o Dr. Bernardo Guimarãcs.
0 pocta ? Tal era o meigo olhar do divinal pocta
"
tle mesmo. A gruta dos leõcs, a cstrêla só de brilhos,
"0 coração de D. Teresn bateu agitado. Pouco depois, numa tarde Tocando do idcal a fantasiosa meta!
perfumada a flor de laranjcira, um belo e forte rapaz levava pelo Inda o vejo brilhar na fronte de seus filhos
braço à igreja uma linda mocinha de cabelos pretos e olhos claros, D. Numa radiação de docc amor repleta!
Teresa realizava o sonho íntimo de seu coração.
c) Alphonsus de Guimaraens
-A propósito do noivado entre Al d) A visita de D. Pedro II a Ouro Prêto Ainda Basílio do Ma
phonsus de Guimaraens e Constança, filha de Bernardo Guimarãcs, me galhães é qucm informa, em nota ao pé da pág. 52 de seu livro sôbre
lancòlicamente encerrado com a morte da moça, ocorrida em Ouro Prêto Bernardo Guimarãcs: "É tradição que D. Pcdro II quis então galar
em 28 de dezembro de 1888, doar o talento c os serviços de Bernardo Guimarãcs com o título de
quando tinha ela apenas dezessete anos c
o primo dezoito, leia-se a Notícia biográfica", da barão, recusamdo, porém, o escritor a honraria e justificando-se com
Alphonsus, em Pocsias, de Alphonsus de Guimaracnsautoria
de João as seguintes palavras: "Qual! Ondo já se viu barão sem
Sôbre tudo quc ocorreu cem Ouro Prêto entre o último baronato?"
(1.4 edição do
Ministério da Educação, 1938, sob os cuidados de Manuel e imperador
João Alphonsus, e 2.4 edição da Organização Simõcs, 1955, Bandeira do Brasil o o escritor minciro, cumpro as
e revista por Alphonsus de organizada publicadas no "Jornal do Comércio" de 7lere 25 "correspondências"
de abril de 1881
Guimaraens Pilho). Torneceu-nos o es (reproduzidas por J. M. Vaz Pinto Coelho, op. cit., págs.
critor José Guimarães Alves, neto de Bernardo Guimarães, 163-167),
uma poesia de Alphonsus, cópia de assim como um longo e curioso artigo do
até agora inédita, ma qual o cantor de Dona (editado em Paraíso, Minas), de 12 de junho dosemanário "O Oriente"
mesmo ano (transcrito
Mistica evoca, em 1888, a figura do poeta de por Dilermando Cruz, op. cit., págs. 165-173) ".
tio-avô, falecido quatro anos antes. A poesia Fôlhas do 0utono, seu (0s livros citados são
foi escrita em Ouro Prêto, Poesias e romunces do Dr. Bernardo Guimarães, por José Maria Vaz
do próprio punho, por Alphonsus, num
Guimarães organizava para seus filhos e que
tança Guimares Alves Santiago, neta
álbum
de
de
hoje
cromos que Bernardo
pertence a D. Cons
e espôsa do enge
Pinto Coelho, Rio de Janciro, 1885; e Bernurdo Guimarães
bio-biblio-literário, por Dilermando Cruz, 1,0 ed. de 1911, S. -
Comp. Editôres, Juiz de Fora, 2. ed. de 1914, contendo na Costa o
Perfil
&
nheiro Alfredo Carneiro Santiago, Bernardo íntegra
residente em Belo Horizonte. drama inédito "A voz do pajé", Belo Horizonte, 1914.)
de 18 de agôsto de 1888, poucos meses Data
Constança, e é a seguinte: antes, portanto, da morte de Ainda sôbre a visita do imperador há a registrar o acontecimento
que representou a solenidade de entrega, pelo Poeta, a D. Pedro II.
de suas obras completas. A cerimônia se realizou na ASsembléia Pro
vincial, tendo conduzido os livros, que o Poeta entregou pessoalmente
0 OLHAR a D. Pedro II, as suas filhinhas Isabel e Constança (vide, na presente
D0 POETA nota, a letra e). Sôbre êste episódio, existem curiosos detalhes no

Êle era bom, eu sei!


(Aos meus primos)

0 seu olhar sereno,


e 1883 -
livro de Dilermando Cruz (1.a ed., pág. 166).
Neste ano foi que o poeta Augusto de Lima conheceu
Bernardo Guimarãcs na sua casa do Alto das Cabeças, vindo a des
crever êsse encontro na conferência que realizou sôbre o poeta na Acade
Tão cheio do
luar divino da esperança, mia Brasileira de Letras, em sessão pública, a 13 de agôsto de 1925,
Era um raio de luz no comemorativa do centenário do nascimento do autor dos Cantos da so
Temente como a fé, lodaçal terreno, lidão, e no seguinte trecho: "Eu conheci Bernardo Guimarães durante
agudo como a lança! uma estada passada em Ouro Prêto, pelo verão de 1883. Um amigo
prometeu levar-me a sua casa, no Alto das Cabeças. Embora infor
Era um misto infantil mado da extrema simplicidade do poeta, não me era possíÍvel conter a
de fôrça e de emoção que já sentia da próxima visita ao autor dos Cantos du solidão
A fôrça do condor e o doçura:
riso do poeta! e da Eserava Isaura, que desde criança já conhecia. À hora combina
Fulgores geniais,
repletos de candura, da nos dirigimos, eu e o meue amigo, à longínqua residncia de Bernardo
E os ímpetos febris, Guimarães. Ali chegando introduzidos, apareceu-n03 0 próprio ro
ligeiros conmo a
seta!
POESIAS COMPLETAS J65
BERNARDO GUIMARES
464
a singeleza e familiaridade. poema "Napoleão em Waterloo", de Gonçalves
com
mancista, que me acolheu a sua tôda
Em peito do verso inicial do o :
"Abre esta poesia
contou-me peregrinação e aventuras. Ultimamente
a de Magalhães, Foi aqui lugar onde eclipsou-se apesar do relativo.
longa palestra, encarregado de escrever com um retumbante exemplo de pronome oblíquo
fôra professor de retórica do liceu, depois em os românticos, e até nos que
história de Minas. a Numerosos outros vo aparecer todos
como Gonçalves Dias e Junqueira Freire.
Não se queixara o da sorte, isse-me. E acrescentava gue se melhor conheciam a língua,
a sua sogra sempre aceitou essa sintaxe" (pág.
sorte tão paradoxalmente protegia, que até própria Isso mostra que o ouvido brasileiro do Livro, 1949).
sem alguma amargura, a umas 365 da citada Antologia, 3. ed., Instituto Nacional
chamava Felicidade. Referiu-se, não a propósito de na edição crítica das Obras completas de
frases de censura que aolhe fizera Valentim Magalhães, Por sua vez Homero Pires, 1942, pág. 423, 1.0
uma ode que dedicara Imperador e
à
Imperatriz. Repetia assim Alvares de Azevedo (Companhia Editôra Nacional,
são êsses hinos que
que já escrevera no prefácio das Fölhas do outono, no qual manifestou tomo), comenta, a propósito da os frase do Poeta:
a mais profunda e aliás injustifica da aversão pelo alexandrino. Pois
casos, sem exceção alguma, de des
e à Princesa, aue
exalam-se do coração: "De todos nos escritos de Alvares de
não havia de ser grato ao Innperador e à Imperatriz locação de pronomes, e que se encontram nos clássicos
Azevedo, poderíamos transcrever aqui exemplos, colhidos
tão gentis haviam sido para com ele, na memorável noite do concêrto que abençoar-se e inflorar-se
oferecido a SS. MM. no salão da Assemblia Provincial, quando se le mais autorizados. "Nada mais próprio
este berço", escreveu Castilho (Conversação preambular; D. Jaime,
de
Vantaram solenemente para receber o escritor mineiro, que, acompa
nhado de suas filhas, Isabel e Constança, ia oferecer-lhes os seus li T. Ribeiro, 2. ed., 1863, pág. CXIII). E assim Gil Vicente, Caminha,
Vros? Vieira, Herculano, Canmilo".
«Estava feita a visita, e, despedindo-nos, trazíamos de volta a Falando em Álvares de Azevedo, o pode-se evocar um exemplo de
convicção de que não poderia durar muito o cantor do Érmo. E assim sua poesia, o verso com que encerra poema "Pedro Ivo": Mas não
pg.
foi, vindo a falecer em 10 de março do ano seguinte, tendo vivido apenas lava-se um crime! Êste verso, como anotanaManuel Bandeira, à
59 anos. E digo apenas, porque a longevidade de mais de 80 sempre 200 da citada Antologia, foi reproduzido Antologia brasileira de
foi a regra em sua familia Eugênio Werneck, como Mas não se lava um crime. A fonte indicada
a seguir:
(0 prefácio a Fôlhas do outono, a que se refere Augusto de Lima,
é
Garnier, diz Manuel eBandeira, parae esclarecer "Mas nas
está transcrito na presente edição completa das poesias de Bernardo edições de Garnier, 2. 3.8, de 1862, 4., de 1873, está “nãoselava-se".
Guimares.) Também assim está na edição Laemmert, de 1855". Do que conclui
Como esclareceu Augusto de Lima ao dizer: Repetia que nem todos os ouvidos brasileiros aceitam essa sintaxe e muitos che
assim o gam até mesmo a retificar imprudentemente o que julgam um êrro ou
que já escrevera no prefácio das Folhas do outono, Bernardo Guima
rães, no aludido prefácio, defende-se da censura de Valentim Maga engano... Aliás, os românticos sempre foram vítimas de tais desas
Ihães em palavras que revelam a sua mágoa. A elas remetemos o tradas emendas, sobretudo por poema parte dos parnasianos (vide, sôbre êste
fato, a nota ao verso 100 do "No lar", em Obras de Casimiro
leitor, porque interessam inclusive no que se refere à viagem de D. de Abreu, do professor Sousa Silveira, 1. ed, Companhia Editôra
Pedro II. No livro Poesias e romances do Dr. Bernardo Guimarães, J. Nacional, 1940 e 2.a ed. do Ministério da Educação Cultura, 1955).
M. Vaz Pinto Coelho dá também notícia dessa viagem e descreve epi e
sódios de que tratamos, alguns dêles, nestas notas. No Roteiro literário do Brasil de Portugal Antologia da lingua
de Alvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda, lê-se ao
portuguêsa
pé da pág. 410 do vol. II, a respeito do verso Que pela terra alarga-se
POESLAS vastissimo, do poema "O Amazonas", de Gonçalves de Magalhães: "Que
Comum, entre OS o uso da ênclise
pela terra alarga-se.
em casos desta natureza. Só pelos fins do romA
me
CANTOS DA SOLIDO século entraram
Os nossos autôres a guiar-se pelos portuguêses
em matéria de coloca
se podem achar
NOTA 3 ção de pronomes. Aliás, nos mesmos portuguêses gue nos alevantoU-se
exemplos dêstes: "e foi correndo ao cão pés
Advertência da segunda edição (Bernardim Ribeiro, 0bras, Coimbra, 1923, II, pág. 189); "umlendas, vulto
surgiu, que tomou-lhe as rédeas"o (Rebêlo da Silva,Trechos Contose
a) "À vista disso deve-se relevar o muito que há de deleizo. Lisboa, 1873, pág. 164). Sôbre assunto veja-se Seletos, de
0 Poeta escreve também, em P, deleica do, no
"Hino ao prazer": De Sousa da Silveira, 5,0 ed., págs. 45-51".
minha musa 0 deleizado acento. em F0, no “Hino à preguiça", Assim de um belo dia, que
a escrever Já Como fêz no verso acima transcrito,quase
virá
verso: Vos leve dedesleicado,
o mesm0 nesse mesmo livTO, 10 Guimarães desloca invariàvelmente o pro
meu canto desleixado,fazendo,
do poema Saudades do sertão
esvaiu-se, Bernardo
vêzes, porém, não o faz, como no
nome. Quase invariàvelmente: às
do oeste de Minas", Mantivemos
ambas as formas. verso Mas não me deste a alma, que a não tinhas, do poema "Segunda
a o comentário que lá se encon
evocação", de P. Lembre-se propósito
NOTA 4 tra pág.
à 313 do 3,0 volume da História da literatura brasileira de
Silvio Romero, Livraria José Olímpio Editôra, 1943, a respeito mesmo
autor dos Cantos da solidão: "Bernardo era do número dos que nãc
Prelúdio o Be preocupam com as portentosas maravilhas do purismo;
não que
a) Assim de um belo
sua Antologia dia, que esvaiu-se, Manuel Bandeira, na
os poetas brasileiros da fase romântica, escreve a res
BERNARDO GUIMARÃES
466 POESIAS COMIPLETAS

a de pro.
brava a cabeça nem perdia sono, cismando.. ". sôbre colocaço
o

nomes outras brilhaturas da cspécie. NOTA 9


b) Bem como a flor ccifada cm vasos d'áua Transcrevem0s
«
a nota de Manuel Bandeira, na Antologia já citada, pág. 113: Et6
na edição de 1858, "ceiada", êrro tipográfico quc foi repctido na edi A uma estréla
ção Garnier".
a) E puros gonhos do céu. Rima imperfeita de céu e teu. Ho
mero Pires cita, entre outros exemplos, em nota que vem à pág. 29 do
NOTA 5
1,° tom0 das Obras comple tas de Álvares de Azevedo, outra rima im
perfeita de Bernardo Guimarães: desejo e beijo (do poema "Segundaa
Amor ideal evocação"). Hornero Pires, a propósito desta última ríma, refere
opinião de Manuel Bandeira, que se lê à pág. 370 da 3, edição de sua
Antologia dog poetas brasileiros da fase romántica e vem a ser
a) Enviado por Deus, ditamno puro Está, cem P, dictamo. a de que 'na pronúncia rigorosa essas rimas são imperfeitas": "cor
b) Tu és dos cantos do empirco Em P: empiro. respondem, porem, à pronúncia brasileira corrente"; Manuel Bandei
ra aponta outras rímas, comuns nos poetas românticos : luz, azuis;
atroz, heróis; mães, vs; espirais, Satanás.
NOTA 6 Outras rimas împerfeitas podem ser encontradas em Bernardo Gui
Inarães. Vamos enumerar algumas, dando o poema em que as locali
Hino à aurora zamos :
Em Poesias : "Amor ideal": Meus céue, poema onde aliás, na
a) Se esvaeceu mo8 ares. Mantivemos a pontuaço do texto, epígrafe de Garrett, ocorre a mesma rima. "A uma estrêla": e3
nestes casos de reticências, tal com0 se apresenta cm muitos pocmag de tréla ela. "0 nariz perante os poetas": cabelos belos; sobejo
Bernardo Guimares. 0 sr. Frederico José da Silva Ramos no volu beijo. "À saia balão": singelo modlo; gregas pregaa. "Ao Tneu
aniversário": enigmas agora. "Dilúvio de papel" :
me Grandes poetas do Brasil, Ediçõcs Lep
Ltda., 1952,
págs. XXVII e XVIII, chamou a atenção para ste fato: na As reticên
introdução, rUmorejo – estimas; föra
beijo. "O bandoleiro": udeja beija.
cias, com menos ou Em Novus poesias: "O brigadeiro Andrade Neves" : invicto CO1
mais de três pontos, foram obedecidag, em vista flito, "Gentil Sofia": 8obejos
da freqüência e constância nos poctas transcritos. beijos. " Campanha do Paraguai
poderia
tal não
parecer
se
À primeira vista,
falha tipográfica ou defeito de imprcssão. Porém
verifica. No manuscrito de Varcla que compulsamog, depa
ramos do próprio punho do Pocta, com
todog os tipos do reticências.
(III) "; Parund
(VIII) ": estréias
Deue.
ufü; ca tréia cudeia,
ulheias. "Melodia": mulher -
"Campanha do Paraguai
poder; céue

Ignoramos se esse aspecto da pontuação romântica Homero Pires, à pág. 315 do 1,0 tomo da aludida edição crítica,
qualquer explicação. Não lhe conhecemos outra constituiu objeto de cita, a propósito da seguinte rima impura de Alvares de Azevedo:
a declamação, visando a finalidade a não ser eu8surranle doliruntes, estoutra de Bernardo Guimarãcs: ternos
maior ou menor pausa reticente". inferno (pág. 106 de Fôlhas do outono). Outras idênticas podem ser
cncontradas no pocta minciro, entre as quais estas em Poesias: "A
orgia dos ducndes": arrancoa tranco. "Nostalgia": parugens la
NOTA 7 jem. Em Novua poesias: "Melodia": céu -– véus; perfume queizu
me8. Em Fôlhas do outono: "Fagundcs Varela": pensamento Lcen
Tnvocução tos.
a) Como um túmulo
onde não havia qualquer juzera;
sinal de
- Pug ponto c vírgula em juzera,
No pocma "A uma cstrêla" vem uma rima toante: cabate 08

malte. Em r6lhas do outono, no pocma "A sercia c o pescador", vem


uma: picdosu
b) Sentado à8 vêzee no ulcantilpontuação.
dog montes, -
Pug a vírgula.
chora,

NOTA 10
NOTA 8
0 trmo
Primciro 80nho de umor
«) O8 profético8 cuntos do piaga; "Piagé, Pugé, ou Piagá
Com 80nhos dourados, que
Sacordotes, profotas o médicos entre as tribos solvagens. A
metros preferidos do
freqüência, como neste Pocta
(vide a nota 86-f).
o8 unjos te
inspiram,
Cstá o hendecuggílabo,
pocma. Jamais se
Dntre O8
qug ôle usa com
valeu, porém, do aloxandrino
parcco quo significa sábio ou udivinho. Viviam em cavernas
rins o oram tidos cm grando veneraçio,
o tinham grando Influôncia
Dit
gio do hendecassílabo No prefácio a FO, faz Bernardo
(nota 71-f). GuimarCs 0 clo nos negócios do paz e da guerra". (Nota do Autor.)
BERNARDO GUIMARES
468 POESIAs COMPLETAS

crânios, Tacape Maça ou


Rotos tacapes, resscquidos
arma gue usavam os indígenas do Brasil." (Nota. d) Renascerei pra duvidur ainda?!... Em P está, por êrro
clave de madeira, de tipográfieo, Ranascerei, lapso mantido na 2, edição. Lembra-nos o
do Autor.)
e os mal eætintos Taba Cabana dos professor Jesus Belo Galvão, quanto à expressiva pontuação dêsse ver
c) As tabas em ruína, so, a nota 30, ao poema "Quando?!... " de Casimiro de Abreu, à pág,
indígenas". (Nota do Autor.)
d) Vestigios das ocaras, onde
o sangue -
"Ocara mesmos.
acampamento fortificado, cidadelas, ou fortificações dos
Espécie de
(No
188 da 2.2 ed. organizada por Sousa da Silveira.

ta do Autor.)
e) Mas, não te queixes, musa; são decretos Observe-se o NOTA 12
novo rumo que, a partir desta IV parte, Bernardo Guimarães imprime
ao poema e a visão, que tem o Poeta, das cidades nascendo e se mul. neu irmão
Visita à sepultura de
tiplicando, da civilização despontando nas regies desérticas do Brasil.
Sílvio Romero se refere a êste fato. 0 poeta, depois de prantear "o
desaparecimento dos primitivos íncolas, a destruição das matas, a mu As biografias de Bernardo Guimarães mencionam apenas que o
dança operada pelos colonos", em suma "a morte de tantas cenas na poeta teve dois irmãos: o desembargador Joaquim Caetano da Silva
turais", " de repente muda de linguagem". E depois de citar novos ver Guimarães, autor do romance João e Francisco e o padre Manoel Joa
sos de "0 êrmo ": "Neste gôsto prossegue o Poeta", diz Silvio Romero, quim da Silva Guimarães (vide, nesta edição, a "Cronologia de Ber
concluindo que "assim se expressava em 1849 ou 50 nesta peça, uma nardo Guimarães", 1825). Chamou a nossa atenção, por iss0 mesmo,
de sua lavra" (História da brasileira, 3.a essa elegia que o Poeta consagrou à memória de um irmão e que foi
das mS
ed., Livraria
%
Olvmnio Editôra, 1943, 3,0 literatura
tomo, pág. 301). inserida por êle na edição das Poesias, de 1865, ano em que os dois
irmãos citados ainda eram vivos. Propusemos o caso ao neto do Poeta,
) Sem nada produzir, destrui apenas, Na 1. ed. de P está
escritor José Guimarães Alves. Este, consultando o único filho do
destrue, forma hoje menos usada de destri. Na 2. edição está destroe. Poeta ainda vivo, Oprimogenito, também escritor, Horácio Bernardo
g) Um dia, em vez da sinples arazóia, "Aruzóia Cinto ou Guimarães, veio a por êste que o terceiro irmão do poeta ouro
saiote ornado de plumas". (Nota do Autor.) pretano, morto ainda muito jovem, chamava-se Jaques da Silva Gui
h
E abandonando o canitar de plumas, "Canitar Cocar de marães. Lembrou ainda o escritor José Guimarães Alves que o nome
plumas". (Nota do Autor.) ganha, assim, tradição na família, "pois temos o Jaques Guimarães,
filho do Dr. Luís Guimarães e neto do desembargador e ministro Joa
quim Caetano d Silva Guimares, irmão de Bernardo".
NOTA 11

0 devanear do céptico
NOTA 13

a) Adeja, voa, paira. nem um ramo, Transcrevemos a se sepltura de um escravo


guinte nota de Manuel Bandeira na sua Antologia dos poetas
r0s da fase romântica, 3,a ed., pág. 126: "Cf, êste verso e os brasilei
guintes com os alexandrinos de Raimundo Correia: três se
moça e bela Narra Basílio de Magalhães à pág. 20 de seu livro sôbre Bernardo
ser ." (Poesias, 2.a ed., Lisboa, 1906, págs. 14 e Ser Guimarães: "Contava 22 anos, quando em 1847 se matriculou na Fa
Antologia dos poetas brasileiros 15), incluídos na culdade de Direito de S. Paulo. Acompanhou-o um escravo, o que o
presente volume". da fase parnasiana, do mesmo autor do pai lhe dera, e de cujo trabalho só se aproveitou, montando para o
Deve-se lembrar ainda que Manuel mesmo uma vendola, cujos lucros, não consideráveis, ambos repartiam
com a sua autoridade,
considera “0 devanear do céptico", no Bandeira, fraternalmente. Coração em que predominavam os sentimentos altruís
Antologia, "um dos poemas "Prefácio", pág. 16 da citada ticos, não admira que Bernardo, cujo abolicionismo estua na Eserava
importantes do e, em No. (saura e em Rosaura, a enjeitada, tenha escrito, quiçá em memória
ções de história das
literaturas, vol. 2, pág. romantismo",
Nacional, 3. ed., acentua,
88., Companhia
Editöra do seu fiel e dedicado servo, as comoventes estrofes *A sepultura de
sôbre êsse poema em verSOs um escravo" (Poesias, 97-99).
Bernardo Guimares, que é êle
tica do estado de espírito de sua
" certamente a produção brancos e
mais caracteris a) Tanbém do escravo a humilde sepultura Verso inicial, lem
geração".
b) Ou do seio do caos desbrochastes bra outro do poema "A eruz da estrada", de Castro Alves: É de um
à pág.
128 da citada Antologia dos Diz Manuel Bandeira, escravo humilde sepultura, 0 volume das Poesias de Bernardo Guima
poetas românticos: res é de 1865 e o poema de Castro Alves de 22 de junho dêsse mesmo
aqui duas sílabas em
uma só", "caos", quando "0 poeta contou
atrás, por duas vêzes, contara ano. Reafirma Bernardo Guimarães, nesses versos, a sua posição an
c) um caos sem tiescravista.
deira à En fim turbilhonando:
pág. 130 da referida Em A eserava Isaura, romance que "teve uma intenço social an
contou aqui duas sílabas". Antologia : Caos :Nota de Manuel Ban
novamnente o Poev tiescravista, significando, até certo ponto, no Brasil, o mesmo que
significou, no mundo inteiro, A cabana do pai Tomás, da norte-ame
RERNARDO GUIMARES
rosIAg COMPLCTAS 471
Osório do
(palavras do escritor Jos
ticana llarrict Beccher Stowe" da literatura vamos encontrnr um brn
brasileia, 2,n odição 40, dodicou-80 n0 magistério,
m

Oliveira na sua listória breve po Complotando os cstudos s0cundários o as


sileira, Liraria Martins Editôra, pág. 81), no mosmo tempo que cstudava o grogo, o hobraico, sÂnscrito
escrava. Transerevomo-las da socicdades sábias,
queno poema, São coplas cantadas pcla 8 e 9: ciôncins físicas, consoguindo tornar-so sócio do víárias
o a Socicdado Politécnica de
romance, Casn Garnier, págs, ontro as quais o nosso Instituto Histórico
3.

cdiãodo
Rumalhcto do flores às jovene flumi
Paris". E ainda: "Publicou:
Desd'o berço respirando nON8e8, Noilon de São Joüo o artigos o pocsins cstampadag na rovista
Osares da cscravidão, "Minervn brasilionse". Cntro os sous manuscritos achou-s0 uma C0
Como semente lançada leçio de pocsias, nté hojo não publicndas".
En terra de maldição, c) Sorrir-se a tua estrêla –Falta em P, por defaito do impres
A vida passo chorando
são, o S da palavra inicial, que aparcce assim: orrir-so, lapso corri
gido na 2,0 cdição.
Minha triste condição. b) A tormenta du vidu ao longe passa, Como no caso referido
no item acima, o verso não apresenta, na 1. cd. do P, por defoito do
Os meus braços estão presos, imprcssão, o artigo inicial, lapso corrigido na 2,0 cdição.
A ninguém posso abraçar,
Nem meus lábios, nenn meus olhos
Não podem de amor falar; NOTA 15
Deu-me Deus um coração
Sòmente para penaI. Esperança
a) Omde a esp'rança 80 extinguiu, Esp'rança: remeto o leitor
Ao ar livre das campinas à nota de Manuel Bandeira à pág. 370 da 3. ed. de sua
Antologia, a
respeito da ocorrência das formas " csp'rança", "croa", entre
Seu perfume exala a flor; os ro
Canta a aura em liberdade mânticos. São clas comuns em Bernardo Guimarãcs.
Do bosque o alado cantor; b) Esperança, que és tu? Ahl que minha harpa
gula. Pus a vír.
Só para a pobre cativa
Não há canções, nem amor.

Cala-te, pobre cativa ; INSPIRAÇÕES DA TARDE


Teus queixumes crimes são;
É uma afronta êsse canto,
Que exprime tua aflição. NOTA 16
A vida não te pertence,
Não é teu teu coração. Invocação à suudade

Em FO, o Poeta virá a dedicar um poema a) Agora, que o africano a encada pondo, É ainda o anties
prole das escravas: "Hino à lei de 28 à lei que emancipou a cravista que se faz presente nestes versos, na alusão aos "duros ferros
de setembro de 1871". da escravidão" (vide a nota 13).

NOTA 14
NOTA 17
0 destino o vate
Recordução
0 poema é dedicado à memória de
morto aos 23 anos Dutra e Melo, poeta
vastas inteligências (1823-1846), "e que deixou fama de uma romântico ,) Na v0z dos ecos m0rre suspiroso. Pus o ponto. Não havia
ra à pág. 33 da 3.já aparecidas no Brasil", segundo Manueldas mals qualquer sinal de pontuação.
edição de sua Antologia
românticos, onde fornece os consagrada aos Bandei
p0etase b) Vimde, vinde, lembranças saüdosas, Este verso se repete vá
Melo: Antônio Frangicnsntes dados biográficos de Dutra Tlas vezes no curso do poema, como um
e Melo nasceu e refrao. Poeta, que con
faleceu no Ri0. ta al quatro sílabas em saüdosas, contará três, mais adiante, nesta
BERNARDO GUIMÁRES
POESIAS COMPLETAS 473
o guo fa
do cuntor da tarde,
Verso do poema "0 sabiá": A v0z savdosa vocábu
em muitos outros versos. A propósitoo da pronncia
de
aliáscomo saudoso e outros, remeto leitor à nota sôbre Be.
los saudade, poetag
nardo Vieira à pág. 324 do vol. I da Antologia dog com re NOTA 21
avalo2ial, por Sérgio Buarque de Hollanda,
brasileiros da fase edicão do Ao charuto
visão crítica por Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira,
Instituto Nacional do Livro, 1952.
a) Quantos males talvez não pouparias Dstú, nas duas edições
de P, Quantos mal.
NOTA 18
NOTA 22
Hino do prazer
que o Poeta estâve Ao meu aniversário
As palavras que precedem êste poema revelam
sèriamente enfêrmo e foi salvo pelos três médicos a quem dedica êsses a) Já lá vão lustros seis, e mais dous anos, Basílio de Maga
lhães, no seu estudo biográfico, pág. 17, comenta êste verso para dizer
versos. o ninho, do engano que houve a respeito do ano exato do nascimento do Poeta
a) Qual feroz caim, guardundo Em P: caiman. (com efeito, as antologias ora registram 1825, ora 1827): "Parece-me'
b) Longe, tristes visões, fúncbres larvas Por defeito de im diz êle "que a culpa do engano cabe tôda ao próprio Bernardo
pressão, falta na 1. ed. de P o L da palavra inicial, lapso corrigido Guimarãcs, que, certamente, a fim de passar por mais moço, assim
na 2,ª edição. contou a era em que soltou o primeiro vagido, nos versos intitulados
"Ao meu aniversário" (15 de agôsto) ", (estampados na "Atualidade",
n.° de 20 de agôsto de 1859, e reproduzidos no volume das Poesias,
ed. de 1865, págs. 184-191).
POESIAS DIVERSAS
Já lá vão lustros seis e mais dois anos
NOTA 19 Que encontras-me na vida,
Cada vez mais moído e atrapalhado
0 nariz perante 0s poetas Nesta enfadonha lida.
José Veríssimo, nos Estudos brasileiros (edição Garnier, 1901, pág.
206), escreve sôbre Bernardo Guimarães: "Éle é, porventura, o mais Não podia êle ignorar que nascera en 1825, porque com tal decla
ração se matriculou na Faculdade de Direito de S.
espirituoso, o mais engraçado, e não sei se diga o único humorístico, Paulo e consta
dos poetas brasileiros, sem exclusão talvez do nosso Gregório de Matos. ela da sua carta de bacharel, que vi por
há poucos dias em Belo Horizonte,
Tem três ou quatro poesias, "0 nariz perante os poctas", "À saia ba onde está carinhosamente guardada sua ex.ma viúva. E, se ainda
pairasse qualguer dúvida sôbre a verdadeira data em que lhe devesse
lão", "Dilúvio de papel", que qualquer delas tem mais chiste que comemorar o centenário, cessaria ela de vez, ante a seguinte cópia
quantas reuniu Camilo Castelo Branco no seu Cancioneiro alegre, onde de assentamento do batism0 de Bernardo Guimares, existente no ar
aliás não figura Bernardo Guimares. E essa graça não é só dos quivo da Matriz de Ouro Prêto, livro 6.0, fls. 167 v.
seus poemas facetos, senão, com a intensidade relativa aos assuntos,
"Aos cinco (5) do mez de setembro de 1825 (mil oitocentos
de tôda a sua obra poética". e vinte e cinco), nesta ias
egreja-matriz de Nossa Senhora do Pilar desta
os
a) olhos belos,- Sôbre êste verso escreveu Basílio de Ma imperial cidade de Ouro-Prêto, o reverendo coadjutor João Moreira
galhães à pág. 79 de seu livr0: "Bernardo, em alguns versos, muitas Duarte baptizou e poz os santos 6leos a Bernardo, inocente, filho le
vêzes se descuidava da contração vocálica e os deixava fracos, qual gítimo do capitão João Joaquim da Silva Guimarães e sua mulher
êste". A verdade é que Bernardo Guimarães usou com freqüencia Constança de Oliveira. Foram padrinhos o Dr. Bernardo Antônio
o hiato, como
fizeram todos os românticos, sendo numerosoS como no
Monteiro e D. Maria Fausta de Oliveira. Do que mandei fazer êste
verso acima OS exemplos que se assento. -0 vigário (a) José Pereira de Carvalho".
poderiam recolher em sua obra.

NOTA 23
NOTA 20
A
Sirius
saia balão que
O Poeta se refere neste poema ao verão carioca, à canícula
Nesse pesado pélago de roupas? o de Janeiro num período que vai aproximadamen
b) Falta, em P, a interrogação. atinge anualmente Rio
res do
Hoe podem chamar-se e de dezembro a março
e em janeiro, data do poema, está atingindo o
gameleiras,
Brasil, de copa chata e diâmetro Gumeleiras: árvo máximo.
vastíssimo" (Nota do AutOT)
474 BERNARDO GUIMARÄES

POESIAS cOMPLETAS 475


NOTA 24
9) Sobem ondas a garnel. Está, em P, a garnel. 0 dicioná
rio de Aulete registra Garnela, s.f., (gír.) À garnela, loc. adv., à von
Dilúvio de papel tade. /F. de Garnel, corr. de granel? O mesmno faz o dicionário de

0 poema deve ter sido escrito na ocasião em que o Poeta exercen


o ofício de jornalista no Rio de Janeiro, atividade que, segundo Basilho
Cândido de Figueiredo.
h) Com o pequeno archote gue acendia;
ponto e vírgula.
-
Substituí a vírgula por
de Magalhães (op. cit., pág. 38), durou apenas dois anos, de 1859
1860. Foi então que publicou em "Atualidade", sem qualquer assina
NOTA 25
tura, como informa o mesmo e ilustre biógrafo de Bernardo, guatr
longas eríticas, das "Sátiras, epigramas e outras poesias", do padra
Correia de Almeida, dos "Timbiras" de Gonçalves Dias, das "Inspira Galope infernal
ções do claustro" de Junqueira Freire e da "Nebulosa" de Macedo
Por essa época Bernardo conheceu Machado de Assis, que mais tarde a) 0 sol no zenith seus fogos dardeja Atualmente se escreve
se referiria a êle na admirável crônica
"0 velho Senado", incluida en znite. Conservamos porém a grafia do Poeta, não só para manter a
Páginas recolhidas e escreveria sôbre o volume das Poesias
do not cadência do verso como para não 1he acrescentar mais uma
mineiro em artigo publica do no "Diário do Rio de Janeiro" de 31.8. A respeito de zênite, o sílaba.
1865. João Alphonsus, no estudo, "Bernardo Guimarães, nosso pedido, a seguinte nota:professor Jesus Belo Galvão escreveu, a
romancista
regionalista", inserido em 0 0mance brasileiro, edições "O Cruzeiro". Zênite -Registrando o étimo desta palavra
pág. 94, anota: "No Rio, Bernardo entrou em contato com Machado de (ar-ru's)] e firmando-se na sua evolução fonética, [do ár. samt
Assis, ambos trabalhando na imprensa, como repórteres
parlamentares. Nascentes: "Não há razão, pois, para se acentuar pondera Antenor
epentética". Êste o critério etimológico, rigorosamente i, mera vogal
no Senado: "Bernardo o
Guimares não falava, nem ria tanto, incumbia-se científico, mas
de pontuar o diálogo com um bom dito, um repar0, uma por absolutamente erudito pode
que nota Mário Matos: autor de Quincas anedota". Ao entrar em conflito com o uso generali
zado (jus et norma loquendi) ou com uma
que lhe faz referência, "0
no breve trecho em
frisa-1he o feitio mineiro: o jeito de comentar dêsse uso. Na língua falada comum, sempre tendência consagratória
a palestra, de fazer notações
à margem. Bernardo Guimarães, apesar sujeitos a Se tornarem paroxítonos os vocábulos estiveram e continuam
de bonomista e boêmio, tinha a melancolia, o esdrúxulos
feitio
de Minas, que só se expande intermitentemente recolhido do homem culta, Foi o que sucedeu a
mesmo na oxítona zeni para o zênite
na possível pronúncia da camada ou
em rodas íntimas" que deve ter contribuído, entrezenite
os semi
(Machado de Assis o homem e aobra, págs. 27-28). letrados, a grafia antiga zenith. Foi a esta
a) ó
minha casta, e desditosa musa, por conveniência métrica, o pronúncia que recorreu,
titosa, êrro tipográfico mantido na 2, edição. Em P, 1.a ed., está des Poeta, tal como já o fizera Gonçalves de
Magalhães:
b) vão eu lhe bradava: "Musa, 6
Emn
cula: musa, ó musa! em P. nusa! - Está com minús Dois astros ao ocaso caminhavam;
Tocado ao seu zenit haviam ambos;
c) Que encerrava da musa a maldiço.
tituí por ponto. Havia vírgula, que subs
(Waterloo, in Antologia dos poetas brasile iros
d) Dos uri... 1937, pág. 21, Manuel Bandeira). da fase romântica,
Está assim em P: Dos ouri... no
e) Para sair de trance tão amargo "Palavra, entanto, de restrita circulação, prevaleceu a
em P, trance. A Está, como aparece sempre dia erudita, de base etimológica prosó
propósito, transcrevo a seguinte nota do zênite.
Sousa da Silveira à pág. 136 da 2.0 professor
edicão das Obras de Casimiro
"Nada impossível que o fundamento etimológico
Abreu, Ministério da Educação e de violado e até consagrada essa violação como da prosódia seja
na edição de 1859. Também nos Cultura, 1955: "Trance. Assim está sucedeu, entre outros, aos
seguintes vocábulos: regimen (<lat. regimen);
Lusiadas, oceano (<lat.
58 "trance perigoso" e VI, edições de 1572, em IV, estando mesmo dicionarizada por Morais, 1813, a ocenus),
çalves Viana (1912) regista68 "todo as trance" 0 vocabulário de Gon 0céano comum ao castelhano pronúncia etimológica
ambas grafias "trance" e "transe" Castro, na Ulisséia: a qual empregou Gabriel Pereira de
preferinmdo, porém, a
primeira.
de Figueiredo assim registra o Por sua vez, o dicionário de Cândido
"tinha passado trances amargos". vocábulo: "Trance, m (V. transe) : Onde começa o Océano profundo (C. III, 121)
cast. trance) ". Bernardo (Camilo, Brasil de Praz., 272. (Cp.
Guimares, nos seus dois outros Sôbre o tanque do Océano profundo (C. VII, 53)
poesia, NP e FO, usou apenas a grafia transe, e em volumes de
muito nmaior. Mantivemos número de vezes
a vírgula por ponto. ambas as grafias. No verso seguinte, (Apud Mário Barreto, Novos es
tudos da lingua portuguêsa, 1911,
substitu pág. 15).
f) Contra as "Ainda concorrem hoje, com duplicidade de pronúncia, hipódromo e
ed., recescião, êrro ondas, que sempre recresciam,
tipográfico corrigido na 2. Está, em P, 1.a hipodromo; crisântemo e crisantemo; protótipo e prototipo; estratégia
edição. e estrategia;
boêmia e boemia; etc.
POESIAS COMPLETAs 477
BERNARDO GUIMARES
476
descalvado
o tope, "Itamonte. É 0o mome Com
c) Do Itumonte Itacolomi,
do criterio erudito veiculado que o ilustre poeta Cláudio Manuel
da Costa crismouAutor.)
tempo - decidirá sôbre a prevalncia
O

ou da tendência
na fixação prosódica dêsses vocá
pico alteroso das montanhas
de Ouro Prêto." (Nota o
pela escola "O celebrado lazarento de
bulos e semelhantes. ter-se presente a ponderável advertência de Cha o decantado luzarento que o
"Convém, pois, d) Que teve quem não conheça o célebre sonêto
nosso conheci mestre Tolentino. Não há a um cavalo lançadlo à margem.
les Bally: "... tôdas ascomo associações sôbre que repousa
o de todos os fenômenos lingüísticos facêto Nicolau Tolentino fêz encontrá-lo aqui repro
mento das palavras
estão para nós em um mesiotio
e são coetâneas.
(EL lenguajc
A história não
y la vida, págs. Todavia julgo que os leitores estimarão
consciência lingüística duzido. Ei-lo:
eXiste para a
104/105, trad. cast. de Amado Alonso).
Vai, mísero cavalo lazarento,
NOTA 26 Pastar longes campinas livremente;
Não percas tempo, enquanto te consente
De magros cães faminto ajuntamento.
Adeus a meu cavalo branco clhanado Cisne

à pág. 25 de Poe. Esta sela, teu único ornamento,


Lê se, a propósito dêste poema, a seguinte nota
sias romanccs
e do Dr. Bernardo Guimarães, de J. M, Vaz Pinto Coelho: Para sinal de meu amor veemente,
o cargo de De torto prego ficará pendente,
Ouvi dizer na cidade de Formiga (onde, em 1861, servia
poeta, o ilustre sr. desembar
juiz de direito, um dos irmãos do noSso
ao Despôjo inútil do inconstante vento.
gador Joaquim Caetano) que os seguintes versos foram escritos
morrer-lhe o cavalo em que fizera a viagem de Catalão àquela cidade,
.0 nosso poeta deixando o cargo de juiz: (segue-se a transcrição do Morre em paz, que em havendo algum dinheiro
nonme
poema) ". À pág. 224 do mesmo volume uma crônica assinada por Hei de mandar em honra de teu
A. A. dá outra versão sôbre essa passagem da vida do Poeta: diz que Lavrar em negra pedra êste letreiro:
.o Poeta estava na Côrte quando
recebeu uma carta. le abriu-a,
empalideceu, caiu sentado em uma cadeira e começou a soluçar com de "Agui piedoso entulho os ossos cobre
sespêro, vertendo ao mesmo tempo uma torrente de lágrimas. Os cir Do mais fiel, mais rápido sendeiro,
cunstantes, surpresos, não se atreviam a interrogá-lo. Dez minutos
depois serenou, enxugou os olhos, tomou um caderno de papel, molhou Que fôra eterno a não morrer de fome."
uma pena e encheu febrilmente três ou quatro fôlhas com a sua letra
rasgada tortuosa." Ao cabo de dez minutos o Poeta convidou os (Nota do Autor.)
amigos para irem ao café: foram ao Braguinha, no Largo do Rocio,
-onde "Bernardo Guimares tirou do bôls0 as fôlhas de papel que com
tanto impeto escrevera, e leu a magnífica poesia 0 meu cavalo NOTA 27
que figura em um dos seus livros como composta em Minas". A carta
.que recebeu no escritório do “Correio Mercantil" dava-lhe a triste n0 Idilio
tícia de que havia morrido. o seu alazão. Um cavalo, um pobre
cavalo de sela, provocara aquêle pranto desesperado e amigo! Ima
gine-se que coração!" a) Devo pensá-lo, sim! embora digus Suprimi a vírgula que
Como composta em Minas... De fato, a edição de P, de 1865 dá havia em digas.
0 poema como escrito em Ouro Prêto em 1858. Mas o que è b) Que não sejam as simplices endeixas Transcrevemos, a pro
a anedota, pelo que demonstra da sensibilidade humaníssimainteressa do Poeta. pósito da grafia endeiæas, a seguinte nota do professor Sousa da Sil
Anedota que correu mundo, e a que Agripino Grieco se referiu pag. veira à pág. 356 da 1, edição das Obras de Casimiro de Abreu: Ho
38 da sua Evolução da poesia brasileira, 2.a edição: "Bela figura,à em je adota-se, por melhor, a grafia "endecha". Mas a rima com "quei
conclusão, a do juiz que não gostava de ver as cadeias repletas e xa" aconselha a manter a grafia da 1.a edição Foi o que também
.do sentimental que chorou ao
saber da morte do seu cayalo preferido !
a fizemos, a fim de não prejudicar a rima ode "madeixas" com 'endeixas".
a
O Quebranzol sereno remanseia, "Por amor da uniformidade", tal como ilustre comentador das Obras
"Quebranzol. Caudal e de Casimiro de Abreu (vide a nota que vem à pág. 344, n.o 14, da
formoso rio, afluente do Parnaiba, e que banha as férteis e risonhas
campinas do município de Araxá, na província de Minas Gerais." citada edição), preferimos adotar sempre a grafia endeiæa, mesmo
(Nota do Autor.) quando esta não serve de rima. É o que ocorre no verso dêste poema:
b) Pelos infindos, verdes chupadões. Endeizas soluçou.
;assim os plateaux ou lugares elevados, a que Chapadões. Chamam-se c) Pelo pobre poeta que aqui jaz. Em P, havia aspas em jaz.
espigões, cobertos de pingues pastagens." tambm se dá o nome de
(Nota do Autor.)
32
BERNARDO GUIMARES
478 COMPLETAS 479
POESIAS

corm
NOTA 28
ambas : "Mutuca. Grande môsca do
mato, que incomoda o gado
no texto, o qual corrigi
as suas mordeduras". Houve êrro tipográfico
A orgia dos duendes mos. 0 Pequeno icionário brasileiro da lingua portuguêsa registra "mu
tuca", com o significado de "nome popular das Tabânidas", quee vêm
a ser uma "família de dípteros hematófagos, de antenas curtas asas
Sôbre "A orgia dos duendes", escreve Basílio de Magalhães à páo.
e crítico: "Em tudo e por tudo, é esta manchadas, conhecidos vulgarmente por mutueas".
83 do seu estudo biográfico
a mais brasileira das produções poéticas do autor dos Cantos da
so
h) No cupim o macuco piou. "Macuco. Grande ave das flo
idão". Isto depois de ter dito, na página anterior do mesmo volume, restas, que pia de noite." (Notu do Autor.)
que o poema Ihe parece uma espécie de paródia ao "Canto do piaga" i) Vinde, vinde tocar marimbau, Está merimbau, êrro tipo
de Gonçalyes Dias, e que "há neste curioso poemeto, afora a exploração gráfico em ambas as edições de P; neste mesmo poema o Poeta virá a
de superstições indígenas ou alienígenas, ainda sobrevivas no Brasil, escrever marimbau, grafando também assim a palavra na nota que
grande número de vocábulos genuinamente nossos, que Bernardo Gui deu sôbre ela no final de P.
marães aproveitou e dos quais dá o significado e a9 explicação em notas, j) Ide já procurar-me a bandurra "Bandurra. Viola pequena."
que se encontram nas ültimas páginas do yolume. (Nota do Autor.)
É uma
a) Se asscntou sôre o grande jirau. Jirau. palavVra k) Três diabos vestidos de rozo Está, em P, 1,a ed., da
brasileira, que significa um leito grosseiro de pau, armado entre os roto, êrro tipográfico corrigido na 2.4 edição.
ramos das árvores." (Nota do Autor.) l) Capetinhas trepados nos galhos "Capetinha. Sinônimo de
b) Lobisome apanhava os gravetos Está lobishome, tôda vez diabretes ou demônios." (Nota do Autor.)
que a palavra aparece no poema, em P. m) Outros põem-se a tocar marimbau. "Marimbau. Pequeno ins
c) No borralho torrava pipocas.
trumento de ferro, que colocado entre os dentes produz certas vibrações
"Pipocas. Grãos de milho um
torrados ao borralho. " (Nota do Autor.) monótonas; é mais brinquedo de crianças do que verdadeiro instru
mento musical,." (Nota do Autor.) Vide, nesta mesma nota, a letra i.
d) Taturana, unma bruza amarela, Taturana. Espécie de la n) Ferve a dança do catereté; "Cateretê, batugue. Danças po
garta felpuda; há de diversas côres e figuras; se nos passa pelo corpo pulares do interior do Brasil." (Nota do Autor.)
deixa na pele uma irritação cáustica assás incomôda, mas que se des
vanece em pouco tempo. É um verme vulgarmente conhecido pelo nome o) Mas na vida beata de ascético Está assético, em ambas as
edições de P.
de bicho cabeludo." (Nota do Autor.)
p) Té nas hóstias botava veneno. Está Ténas, em P, 1,a ed.,
e) Getirana com todo o sosségo "Getirana, ou Getiranabóia. lapso corrigido na 2, edição.
Inseto raríssinmo, que se encontra nos sertões do Brasil. Sua for g) Um rebengue estalando se ouviu,
ma é singularíssima, e só um desenho poderia dar dela uma ca, látego." (ota
"Rebenque. Chicote, guas
idéia do Autor.)
precisa. É uma grande môsca de uma
até duas polegadas
mento. Tem asas como as de cigarra, porém excedendo muito ao de compri
manho do corpo, que é oblongo como o da borboleta. Sua cabeça, que
ta
é quase um têrço do total do uma NOTA 29
serpente. Tem um ferrãn cOpo, tem a forma da cabeça de
como um canivete no cabo. que se dobra por baixo do ventre,
Dizem que é cego, e quando desprende o Olhos verdes
vôo, parte direito como uma scta com o
como uma baioneta terrível aguilhão estendido
calada, e desgraçado do ente em que Cai
imediatamente fulminado. toca!.. Éste poema talvez lenmbre sob certos aspectos o de igual título de
Gonçalves Dias. Na primeira estrofe de ambos
lindo e quase fabuloso inseto existe portanto. há a rima b0nança o
esperança, sendo que o terceiro verso em Gonçalves
ra-se"Éste
se é mesmo destruidor e venenoso como dizem os Smente igno tempo vai bonança. Gonçalves Dias se lamenta de ter Dias é: Quando
apenas uma bela e inocente sertanejos, Ou e
verdes : visto uns olhos
borboleta, sendo aquela tromba, que
destinada a sugar o alimento necessário, tanto
pavor espalha, apenas
pretendem outros. Não sei se algum como
exame acurado sôbre entomologista já terá feito um Dizei vós: “Triste do bardo!
algum indivíduo dessa curiosíssima Deixou-se de amor finar!
(Nota do Autor.) espécie.
f) Vento sul sobiou ma cumbuca, E Bernardo Guimarães:
(Nota do Autor.) Cumbucd. Cabaça ôca."
g) Por três vêzes zumbiu
a mutuca, Antes nunca eu visse os olhos,
edições de P, mas não na
seguinte nota do PoetaEstá matruca nas duas Que fazem morrer de amor.
incluída no final de
BERNARDO GUIMARLS 181
480 POESIAS COMPLETAS

de um fato em si
NOTA 30 por ela provocado que a desloca da fria exposiço repercussão interior, a
para a expressão total de sua "vivência", da
emotiva dêsse drama.
Utinan sublinhar singularmente a significação um desajuste entre as categorias
"Houve, a exprimir tudo isso, e afetivas, com a vantagem,
escreve sôbre ste pocma à pág. 84 de seu gramaticais e as categorias psicológicas
Basílio de Magalhães e mais exDres porém, de que só êsse desajuste Ihe permitiu, implícita e sintètica
estudo biográfico crítico: "A mais curta, a mais linda
e
a "Idéia leve, que, perfume
annor, que conheço em rimas, saíram do maravilhosO mente, que a "Palavra pesada" captasse
siva declaracão de aliás. e clarão, refulgia e voava". Karl Vossler em boas razões assentava
plectro de Victor Hugo. Imitou-a Bernardo Guimarães (gue,
fêz isto pela primeira e última vez, com relação a todo
e qualauer esta oportuníssima advertência: "o que idiomàticamente é um saltar
de trilhos pode conduzir a valores artísticos, sempre que seja um ras
poeta estrangeiro), emn "Utinam". go original, porque, na arte, valem os direitos de cada espírito, enquan
to na gramática só prevalecem os da comunidade" (Filosofia del len
NOTA 31 guaje, págs. 163/164, Buenos Aires).
"0 puro eritério gramatical, em coerência com a sua análise l6
gica e restrito conceito de correção, impugnará a construção da estro
Foge de mim fe por ter fugido aos recursos comuns de expressão, consagrados pela
camada culta e liderante da classe literária, pela impostura tradicional
a Sorris?. .. oh quanto
belo o teu sorriso!
é da sociabilidade lingüústica já constituída. Só a análise estilística pe
netra a dentro do indivíduo, extrai-lhe a representação do mundo, no
Mas em minha alma derramar não podem âmbito de sua visão pessoal e de sua participação até nos fatos que
Nem sombra de ventura; expõe. Assim, exprime, a um tempo, a realiade objetiva e a reali
dade subjetiva, evidenciada mesmo no descompasso entre o recurso for
São como os raios da manhã fulgindo mal e a repercussão emotiva daquela realidade.
Em feia sepultura. Que o Poeta dispunha dos recursos formais, necessários à harmno
nia estrutural da gramática, mostra-nos a estância seguinte em que
Sôbre a estrofe acima, fêz o professo0T Jesus Belo Galvão, a nosso o primeiro verso reproduz paralelamente a desenvoltura rítmica da
pedido, a seguinte nota: criação expressiva que,. não perturbada no seu encadeamento lógico,
logra a explicitaçáão formal que lhe assegura a correspondência grama
"Há realmente uma discordância fornal entre as flexões verbais tical do verbo de referência:
em "podern" e "são" e "teu sorriso ", sob cuja dependncia lógica e
sintática, no âmbito gramatical, se esperaria aparecessem tais flexões, Ah tu choras! -eas lágrimas que vertes,
na categoria singular, portanto. O critério, exclusivamente l6gico -for
mal, de recompor êsse desajuste determina, pois, como já o fêz um
Na aridez de meu peito vêm secar-se,
dos comentadores do Poeta se estabeleça a concordância flexional: Bem como almo rocio,
Que o cu derrama em vão na ardente areia
Sorris?... oh quanto é belo o teu sorriso!; De páramo bravio.
Mas em minha alma derramar não pode
Nem sombra de ventura; b) Delas lavando, um pouc0 dor acalma, Nota de Manuel
Bandeira à pág. 115 da 2.0 ed. de sua Antologiu: "Só nesta estrofe
É como o rao da manhã fulgindo
está rimado o 2.0 verso com o 4.0",
Em feia sepultura.

"Se com essas alterações se logra NOTA 32


a aparente Coeret
cia lógica da gramática, pratica-se uma resguardar
arbitrariedade, já por S1 mu O bandoleiro
tiladora da expressão do artista, substituindo-lhe os recursos
da lingua por outros a que não recorreu simplesmente porquematerlaisnao lhe a) E à
flor de emoções docoes Em P: a flor.
traduziriam, como de fato não traduzem, a maneira
pessoal com que "captou" a realidade irrecorrìvelmente
tica de que se valeu nos obietiva. Só a estrutura sinta
NOTA 33
mente válida, a mensagemtransmite expressivamente, portanto artistiea
do drama que viveu; só
lastro afetivo, da "vivência" emotiva do
ela, impregnada Ao cigarro
dessa ealidade objetiva, sob a roupagem Poeta, alcanca a comunicaçao
listicamente conjugadas. A mais de da realidade subjetiva, a) Infalivel companheiro; Está, por êrro tipográfico, campa
primiu-se a si mesmo, vinculando exprimir a realidade objetiva, estiex* nheiro, em P, 1.4 ed., lapso corrigido na 2. edição.
a essa realidade o
desespro emotivo
BERNARDO GUIMARAES
482 POESIAS COMPLETAS 483

a Bernardo Guimarães para prosse


EVOCAÇÕES admiradores, nada faltava aqui
guir brilhantemente na sua carreira de jornalista ou de literato. Mas
a nostalgia das suas monta
de novo o envolveu a lembrança do sertão, ouropretana. Não hou
NOTA 34 nhas natais, do convívio patriarcal da sociedade que
ve meio de retê-lo nesse vo libertador da atmosfera de imprensa,
nos admiráveis versos do " Dilúvio de papel".
Sunt lacrimae rcrm êle pintara

a) No tronco de frondosa copaiba, Copaiba. Uma das mais NOTA 88


belas árrores de nossas florestas, que dá o óleo do mesmo nome. Tamn

bém se chama pau de óleo." (Nota do Autor.) A meus primeiros cabelos brancos

a) Qucundo não te revelas na calvice. Está calvice, em ambas


NOTA 35 as edições de P, naturalmente por imposição da rima, já que com cal
vicie ela seria imperfeita. Os casos de rima imperfeita não são, en
tretanto, raros na poesia de Bernardo Guimarães (vide a nota 9-a).
Primeira evocação

a) Palpita o seio, e brincam-te os sorrisos Está, em P, 1.a ed., NOTA 39


bincão-te, êrro tipográfico corrigido na 2.a edição.
6) E nos buritirais gemendo a brisa Está, em P, no texto, Cenas do sertão
buritirais e assim também na seguinte nota do Autor: "Buritirais; bu Dos campos seus vencidos e humilhados;
riti. Espécie de altos e donosos coqueiros, belos em si mesmos, porém a) Está vincidos na
ainda mais belos pelas longas e alinhadas filas que formam pelos bre 1.8 ed. de P. Na 2, ed. está vencidos.
jais das vertentes ao longo dos chapadões".
Esta é a última das notas acrescentadas pelo Poeta a P. Segue-se A BAÍA DE BOTAFOGO
mais esta frase: Quanto às outras poesias desta coleção, as palavras
aí empregadas são conhecidas e encontram-se nos dicionários NOTA 40

NOTA 36 A baia de Botafogo

Terceira evocaço a) Se o triste Acteu aqui surpreendesse Está Actêo em P.


Actêo: Acteon, caçador que, por surpreender Diana nua no banho, foi
por ela transformado em veado e devorado pelos seus próprios cães.
A linda espisa do infeliz Cacambo. Alusão a Lindóia, es b) As lôbregas cavernas, onde há pouco Está lombregas
pôsa de Cacambo, ambos personagens do poema épico O Uraguai, de Ba em ambas as edições de P.
sílio da Gama, poeta natural da vila de São José, hoje Tiradentes, c) Não mais abrigarão estas florestas Falta, por defeito de
Minas Gerais, onde nasceu em 1740, vindo a falecer em 1795. Tinha impressão, o Nã da primeira palavra, em P, 1,a ed. Na 2.0 ed. está:
na Arcádia o nome de "Termindo Sipílio". Na sua obra poética desta No mais. No verso A seus dominios traz avassaladas, está, em P,
ca-se 0 Uraguai, em decassilabos, versos brancos.
b) Desta entrevista a bem-fadada hora, –
Está bemfada, êrro ti
avassalados.
d) A cuja sombra em doce paz dormia?.., Em ambas as edi
pográfico, em P. ções de P está: A cuja.

NOTA 37
NOVAS POESIAS
Nostalgia
Éste po ema, composto no Rio de Janeiro, é com efeito, de acôrdo NOTA 41
com o comentário de Basílio de Magalhães em nota ao
pé da pág. 48
de seu livro, "uma das mais lindas e sinceras trovas de Bernardo Elegia
Guimarães". Nêle, como em alguns outros, deixa o
Poeta entrever
invencível nostalgia que o dominava quando ausente de Minas Gerais.
Augusto de Lima, na conferência citada na nota 2-e, refere o
a
bj
Triste resignação,
Consolação
- Pus a vírgula.
para tamanha angústia Em NP, 1.a ed., está
não ter podido o poeta permanecer na Côrte: "Cercado de amigosfato dee ugústia, êrro tipográfico corrigido na ed. de 1900.
85
BERNARDO GUIMARÃES POESIAS COMPLETAS
484
Está em NI, ambas as edições, por êrro céu azul, nem nadam niveas
garças, Pus a segunda vír
c) Dulciss0nos arpcjos a) O

tipográfico, Dulcisones. Em NP, 1.4 ed., está gula. em vão; -


Está á muito na
1.
ed.; na ed.
d) 0 inútil tronco cstá cravado à terra, b) Suspira há muito
a terra; na ed. de 1900 estú á terra. de 1900 está há muito.
e) Ao espôso,
aos pais, a tão qucridos entes! Está, em NP, á Substituí o ponto por vírgula.
C)
d)
Alado Anucreonte,
Osseus pausados trinos cadenceia Está, em NP, certa
tãos. Em NP, 1.ª ed., está sem o ponto
) Dissimlar a angástia.
na 1900.
mente por êrro tipográfico, pousados.
final, que aparece porém ed. de
g) Cuel tormento llhe lacera
o
peito, Em ambas as edicões de
NP está laceira. NOTA 43
h) Junto do infausto leito? Substituí o ponto final por inter
rogação. 0 brigadeiro Andrade Neves, barão do Triunfo
i) A luz da auroa que não tem
ocaso Suprimi a vírgula que
(1807-1869 ),
havia em aurora. José Joaquim de Andrade Neves, barão do Triunfo
i) Bem como inútil vaso. Sem o ponto final na 1.a ed. de NP. tomou parte na revolução farroupilha ao lado e,dosna legalistas. Como
guerra do Para
a ed. de 1900 traz o ponto. coronel, da campanha contra Rosas
Di nor atos de bravura Morreu em Assunção, Para
guai, se no combate do Estabeleci
guai, em 6 de dezembro de 1869, Ferido
sobreveio-lhe febre
NOTA 42 mento, quando noda expulsao do potrero Marmorêa,
0 ne vale
que o palácio de Solano Lopez.
a) Ao tropel dos ginetes alterosos
êrro tipográfico corrigido na ed. de 1900.
-Em NP, 1,4 ed., está ginotes,

0 poema é dedicado ao grande amigo do Poeta, Dr. Ovídio João b) Que, à frente de teus bravos, Pus a segunda vírgula.
Paulo de Andrade, ilustre mineiro de quem existe uma crítica sôbre c) De Itapiru às Lomas Valentinas, Está: as Lomas na 1. ed..
Bernardo Guimarães, inserida no número do "Minas Gerais" de 10 de NP, e ás Lomas, na ed. de 1900.
de outubro de 1861 e reproduzido no livro Poesias e romamces do Dr. d) Ea gue a Grécia erguera monumentos. Em NP, 1,4 ed., está
Bernardo Guimarães, de autoria de J. M. Vaz Pinto Coelho, Tipografia E á que. Na ed. de 1900: E a que.
Universal de Laemmert & C., Rio de Janeiro, 1885, espécie de In Me
moriam organizado com grande carinho e incluindo valiosas opiniões
sôbre o Poeta e importantes trabalhos dêste, alguns inéditos. Trata-se NOTA 44
de uma apreciação do volume de Poesias, de Bernardo Guimarães, na
qual existem interessantes comentários sôbre poemas como "Invocação", A cismadora
"O êrmo " e sobretudo "0 devanear do céptico " e "A orgia dos duen
des". É curioso observar que o Dr. Ovídio João Paulo de Andrade,
transerevendo estrofes do poema "Foge de mim", corrige numa delas
a)
6)
Debruçada, - Substituí o ponto por vírgula.
São du inocêneia u fragância, Fragûncia é como está no
0 que certamente tinha como êrro, e o faz não sabemos baseado
em texto e como aparece também (frugante) no sonto "A um cravo acha
que fonte. É aquela a que nos referimos na nota 31-a e da qual, a nosso do no chão do pai do Poeta, João Joaquim da Silva Guimarães, em
pedido, fêz o professor Jesus Belo Galvão detida e precisa análise. Assim FO. Já em P, no poema "O nariz perante os poetas", no verso Acharieis
a transcreve o Dr. Ovídio João Paulo de Andrade: as fragrâncias, está fragrâncias. O professor Sousa da Silveira, nos
seus Trechos seletos, 8.8 edição aumentada, pág. 262, a propósito do
Oh! quanto é belo o teu sorriso; emprêgo de fragância no P. Manuel Bernardes, dá a seguinte nota:
Sorris?. "19. fragûncia. Dissimilação, r r>r 0, de fragrância.
Mas em minha alma derramar não pode Tambm em oJ. de Alencar, Til, vol. IV, 1872, p. 181, linha 15".
Nem sombra de ventura; Lembra-nos prof. Jesus Belo Galvão a
expressividade fonética.
da dissimilação, pois fragância traduz a ingenuidade, a delicadeza e ino
É como o
raio da manhã fulgindo
Em feia sepultura. cência até da moça a que o poeta dedica o poema.

E pelo menos como se apresenta a estrofe na transcrição do estudo NOTA 45


do Dr. Ovídio feita no livro de J. M. Vaz Pinto Coelho.
0 Dr. Ovídio João Paulo de Andrade, informa Sacramento Bla À morte de Teófilo B. Otôni
ke natural de Minas Gerais, comendador da ordem da Rosa, con foi
deputado à assembléia da sua província, onde exerceu cargos de Teófilo Benedito Otôni, ilustre homem público de Minas Gerais,
fiança; presidiu a província do Maranhão de 1883 a 1884. Autor de
uma Aritmética elementar, para uso das escolas de primeiro grau e onde nasceu em 27 de novembro de 1807 na cidade do Sêrro. Iniciou
na terra natal os preparatórios e cursou, no Rio, a Academia da Ma
adotada pela inspetoria geral da instrução pública de Minas Gerais.
REENAKIDO GULAMARÅES
POESIAS COMrLETAS 487

de Minas 0, cleito deny


rinha. Foi deputado à Assembléia naProvincial Capital do Império como tribuno E não façn como n indigonto
tado à Assemblêia Geral, inpôs-se na revolução do 1842,
popular e chefe liberal. Tomou parte saliente a
Afastando-se das lides políticns durante um período de dezporanos, Gonto,
em lista tríplice para senador Minns
elas voltou em 1859, e,ineluido
em 1$6, por Mlato Grosso. 1861 foi cloito Quo traz, em vez
em 1839, 1S60, 1S61
e por um dos distritos de Minas, Dm
le pipoto,
deputado pelo municipio da Crte em lista tríplice
1S6S foi cleito deputado, e tendo entrndo também Pote,
o Imperador. Em 18G6, rompida a
senatorisl por inas, escolheu-o
lign progressists, Teófilo Otôni foi
m

dos que dirigiram n onosieño D bebo, com grande magon,


dos liberais históricos sté 16 de julho. Faleceu no Rio de Janciro em
17 de outubro de 1S69,
a) Pvidos ecos Nas profundas grotas Está, cm NP, grotas, Água!
em ambas as edições. Do que eu gosto 6 de corvoja,
Contra os filhos do êrro e do regrcsso Está, por rro tipo.
gráfico, Contre, em ambas as edições de NP.
c) De puras, tobres crenças inda inteio – Está noblcs, por êro Veja,
tipográfico, em ambas as edições de NP.
Tambm tom0, com deleite,

NOTA 46
Leite,
Nênia
E como frutas maduras
a) 0 sol da pátria, a pas do lar saudoso, Em NP, ambas as
edições, está á paz.
ö) Selras de lanças, chuvas de metralha, –
Pus a vírgula em
Duras.
metralha.
c) Ei-lo valente repousando ao ado, Traga, já, qualqucr quitanda!
Em NP, 1,0 ed., está re
poussando, lapso corrigido na ed. de 1900.
Anda!
NOTA 47
Que a gente lambisqucira
Gentil Sofia
Queira
£ste é, no gênero, o único poema publicado por Bernardo Guimarães,
sem dúvida original tanto na forma como nas rimas. "A balada "Gen
til Sofia" escreve Basíilio de Magalhães à pág. 95 de seu livro Semelhante gulodice...
"é antes um conto em heptassílabos, seguidos todos do eco em versos
monossílabos. curiosa, porque manteve nela o Poeta uma en Disse."
trosagem vocabular, mau grado a extensão e as dificuldades feliz
e rima." de
Dissemos que é o único poema publicado por Bernardo Guimarães,
no gênero. Existe um outro, não
metro
a) A isto a velha casmurra
Na ed. de 1900: A isto.
-
Está na 1.0 ed. de P: Á isto.

aproveitado pelo poeta. Dêle nos b) "Disseste em palavras poucas Está dissestes em ambas as
-dá notícias Basílio de Magalhães à pág. 129 de sua edições de NP.
Quem lhe forneceu êsses versos foi o Dr.
obra sôbre o Poeta.
.ceder da seguinte nota: Aurélio Pires, fazendo-0S pre c) "A passar nesta janela: Em NP, 1.0 ed., está: Á passar.
Na ed., de
1900: A passar.
"Em 1881, achando-se, como habitualmente acontecia,
república de estudantes da velha capital
guntasse, em presença do Poeta, se podiamineira, o
servir
em uma
como o criado per
almôco, Bernardo
d) "E esta alma, que não sossega,
e vírgula que
havia depois de sossega.
me
-
Substituí por vírgula o ponto
Guimarães incumbiu-se de responder-lhe, Que canta nil divinos Emn NP, 1,4 ed., está devinos,
êrro
o que fêz do seguinte modo: tipográfico corrigido na ed. de 1900.
Traga já êsse almôço, f) Nada. –Pus o ponto. Não havia qualquer sinal de pontuação.
g) "Se eu o pilho à vontade Em ambas as edições de NP
Moço! está: a vontade.
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 89
488

h) "4 éle, a quem agradei, Está A éle, na 1.4 ed. de NP. Na


NOTA 52
ed. de 1900: A êle.
i) “ue hú muito tua netinha Está a em lugar de há em am
bas as edições de NP. –
IV
-
Riachuelo e Barroso
i) na"Ao espôso bem-fadado Está, por êrro tipográfico, ban A campanha do Paraguai
1,4 ed. de NP; na ed. de 1900 está bem fadado.
fadado
Na ed. de 1900 falta êste verso, ha aspecto, Aspecto rima com
Desde as montanhas de sonbrio ao fato de estarem todos os
o
) Das almas 8083egado
vendo repetição de outro: Da cama pula de um salto. sobretudo
quem dêle se s0c0rre -- Está á quem-- em ambas as leito, o que faz supor, devido ocorrido êrro tipográfico, pois o Poeta
C a
ter
versos com rimas perfeitas, como no
edições de NP. o fôz, rimando também com peito,
poderia ter escrito aspeito, emn "Dispersos".
n) ódio. Substituí por vírgula o ponto que havia em NP. poema "Tributo de saudade", incluído
e
Campinas banhas, selvas palnares, Pus vírgula em banhas.
NOTA 48 Em NP, 1.4 ed., está
c) Jura o cacique em fúria aniquilá-la;
cacique, êrro
ó
corrigido na ed. de 1900.
A campanha do Paraguai d) Convertido em gemidos de agonia Está, na 1,4 ed. masde
e agnia. O primeiro foi corrigido na ed. de 1900,
NP: Convestido
Éste longo poema em que
o IPocta celebra importantes passos e o
segundo foi errôneamente modificado para agüia.
vultos ilustres da guerra do Paraguai foi escrito para o jornal "A e) Do "Amazonas"
a proa gloriosa, 0 navio "Amazonas", como
Reforma", que, segundo informa o livro Pocsias e romances do Dr. se lê mais adiante. Em NP, neste verso está: amazonas.
Bernardo Guimarãcs, de J. M. Vaz Pinto Coelho, publicou o primeiro f) Vem tu, Meireles vem, preclaro artistal
; Alude o Poeta
da série, "Invocação ", no dia 15 de outubro de 1871, fazendo-o preceder em Santa Catarina (1831
a0 pintor brasileiro Vítor Meireles, nascido e à Passagem
de nota que vai transcrita no prefácio à ed. de NP, o qual figura tam 1902). Pintou le telas alusivas ao combate de Riachuelo
bém na presente edição. do Humaitá. No verso Segu Rei do pincel, em meu s0corro acode :,
em ambas as edições de NP Boi de vincel.
NOTA 49 o) Mais eloqüente, mais vivaz, mais bela Em NP no lugar do
segundo mais está mas.
A campanha do Paraguai -I Invocação
NOTA 53
a) Dá-lhes assento entre os mais altos vultos Suprimi o ponto
final que havia em NP. V-Uruguaiuna e Cunavarro
b) Não tem valor aos olhos dos valentes. A campanha do Paraguai
Pus o ponto. Sem
qualquer sinal de pontuação em NP.
a) Mão vingadora em teu auxilio veio. Substituí por ponto a
NOTA 50 vírgula que havia em veio.

A campanha do Paraguai
II - Lopez e Humaitá
NOTA 54
a) Estende-se disforme,
mão trêmula confias – Pus a vírgula. No verso Dos velhos à
suprimi a vírgula que havia em confias.
b) Na êrma granja, na indefesa aldeia,
-
Pus a segunda vir
A campanhu do Paraguai - - VI Tuiuti e 24 de Maio

a) Tais por brenhas e brejos abrigadas Está, em NP, por


êrro tipográfico, abrigados, o que prejudica não só o sentido como a
NOTA 51 rima.
A
6) Corre o sungue em egatos, que serpeiam Em NP está
campanha do Paraguai
Pátria
Osório e a Passage do Passo da
sangre, em ambas as edições.
c) E nas sombras do báratro hediondo
na 1.2 ed., êrro corrigido na ed. de 1900.
-
Em NP, está sambras,
a) E de teu derrocado bastião,
corrigido na ed. de 1900. Está di na 1.8 ed. de NP, lapso
d) E nas últimas ünsius u peleja
que havia depois de peleja.

Suprimimos a exclamação
b) Avante! avante!
vírgula que havia depois de é. Osório é quem vos braa, Suprimi à - e) Que se recolhe à toca conhecida.
Vai procurar abrigo. a
substituí vírgula
Pus o ponto. No verso
por ponto.
POESIAS COMPLETAS „91
BERNARDO GUIMARES
490
o ponto e vírgula. No
Pus
Me urramca dos braços teus;pus o ponto.
b)
adeus. Sem qualquer sinal
verso Me manda dizer-teversos, em
NOTA 55 os NP.
de pontuação, ambos em NP ouriverde. Pus o ponto
campanha o Paragui – VII – Pôrto-Alegre c) Do auriverde pavilhão; no
Está
coração. pus o ponto. Não havia
A e
vírgula. No verso Gravados

a) Das campinas do Sul mais


ambas as edições de NP.
é um filho, Está campinlas em
cm ambos qualquer sinal
d) Devo à pátria
ed. de 1900:
&
patria.
de

No
pontuação.
que mos deu;
verso
-
Serei
Em NP, 1.a ed.: a patria. Na
teu, sòmente teu. pus a vír
b) A luz se esbate de
formoso ia. Pus o ponto. Não havia gula; não havia qualquer sinal de pontuação.
aualgner sinal de
poutlhöcg se espargeM.
c) Os denodados
Pus o ponto. Não ha e) -
Me levará à vitória.
1900: á vitoria.
Em NP, ed.: a vitoria. Na ed. de
1.

via qualquer sinal de


pontuação.
d) Parece temnporal que atroa
os ares, Substituí o ponto por f) Puderem tornar-te a ver, –Pus a vírgula; não havia qualquer
sinal de pontuaçao. No verso Caia sôbre o ignoto mome está, em NP
vírgula. por êrro tipográfico, Caio.
e) À fúria da matança impõe descanso. Está A fúria em
g) À
grinalda dos amôres Em NP, 1ª ed., por êrro tipográfico,
ambas as edições de NP.
está das, lapso corrigido na ed. de 1900. No verso E à sonbra dos
Lares meus em NP: a sombra.
NOTA 56 h) Adeus, ó minha adorada, Pus as vírgulas. No verso Soa o
pus ponto e vírgula. Em ambos não havia qual
A campanha do Paraguai - - VIII Assalto a Curuzu
hora da partida;
quer sinal de pontuação.
i) Nestu triste despedida. Pus o ponto. No verso Cinge-me nos
pus a vírgula. Não havia em ambos qualquer sinal de
braços teus,
Na 1. ed. de NP estáo Assalto á Curuz. pontuação.
a) Esto dormindo sono derradeiro. Em ambas as edições
de N, o verso aparece assim, por evidente êrro tipográfico: Estão
dormindo sopro o sono derradeiro. NOTA 59
Avança! fogo! mata! avança! avança! Em NP, não há
a última exclamação. verso Em nosso aucilio vêm propicios ventos,
em ambas as edições de NP está ucilio. Cantiga
Em ambas as edições de NP estávan
c) Qual rude vendaval,
daval.
d) Mas entre os grossos rolos de fumaça Suprimi a vírgula
que havia depois de fumaça e, no verso seguinte, Que em tôrno dêle
a) “Nos vêm. -Vêm: vêem." Esta é a nota que Manuel Ban
deira, que manteve a forma vêm na transcrição do poema, tal como
está em NP, pôs ao pé da pág. 116 de sua Antologia dos poetas bra
ondeia, pus a vírgula. sileiros da fase romântica.
b) À
sombra dêste abrigo Em NP, 1.8 ed.: Á sombra. Na ed.
de 1900, A sombra.
NOTA 57

Barcarola
NOTA 60
a) Que à
tardinha Em NP, 1.2 ed., está a tardinha. Na ed.
de 1900: é tardinha. Se eu de ti me esquecer
b) Vem à minha barca linda, Pus a vírgula e suprimi a que
havia em ainda, no verso seguinte.
Bste poema, sem úvida dos mais característicos do movimento
NOTA
romântico em nosso país e da poesia pròpriamente romântica de Ber
58
nardo Guimares, alcançou grande popularidade em seu tempo, sendo,
a0 que nos consta, musicado e cantado por nossa gente, sobretudo em
0 adeus do voluntário Minas Gerais.
a) Tristes dias vou passar;
Ml perigos afrontar. o ponto e vírgula. No verso
pus o ponto.PusNão havia em
sinal de pontuação. ambos qualquer
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 498
492
NOTA 61
tem asag
a
musa: a lira e o louro Suprimi o ponto
d)Não
Farnese final que havia em louro. vem es
A morte de Flávio Em NP, ao pé da pág. 158,
e) Em meio dos desertos. que o autor julgava perdida, é muito
do jornal "A ta Notu do Autor: "Esta poesia,
Fundador, no Rio de Janeiro, em 1859 e 1860. (Ver. ao em que se acha reproduzida esta
Flávio Farnese Guimarães colaborou anterior "Dilúvio de Papel "
Atualidade". onde Bernardo de Magalhães à pág. 38 e seguintes do mesma estrofe, que o autor conservava de memória ".
a respeito, o que diz Basilio
e crítico.) Sacramento Blake assim informa f) Entre as turbas descridas; Em NP, por êrro tipográfico,
seu estudo biográfico Farncsc da Paixo Filho de Flávioe des eridas, No verso Siléncio, pois, 6 musa; não profanes em
"Flávio está
sôbre Flávio Farnese:nasceu na cidade do Sêrro, en Minas Gerais. NP está o musa, na 1,a ed.; corrigiu-se lapso na ed. de 1900.
o
Farnese da Paixão, com cêrca do 9E Em NP, 1.2 ed., por
a 6 de setembro de 1871, g) Aos pés da ninfa vem pousar de leve.
faleceu no Rio deemJaneiro fornmado em
direito pela Faculdade de S. Paulo, êrro tipográfic0, está pousas; o lapso foi corrigido na ed. de 1900.
anos. Bacharel tesouraria
mesmo ano, nomeado procurador fiscal daque o h) Pelos cerúleos topes alterosos Em NP, 1.ª ed., por êrro tipo
1856, foi, neste sua provincia, elegeu topez, na
e em 1858, promotor público da capital de gráfico, está lapso corrigido ed. de 1900.
1867 a 1870. Exerceu a advocacia ao
seu deputado na legislatura de
e liberal estreme, pugnou nor
mesmo tempo que, republicano sincero
suas idéias, já colaborando para diversos periódicos,
já redigindo. NOTA 63
e noticioso.
:
"A Atualida de" jornal político, literário Redatores:
Farnese, Lafaiete Rodrigues Pereira, Bernardo Joaquim da Sil Adeus da musa do Itamonte
Flávio 1858 a
va Guimarães e Pedro Luís Pereira de Sousa. Rio de Janeiro,
1864, in fol. Foi êle o e
fundador principal redator desta
Antônio e
fôlha,
Luís Bar
aue
a A Deus e
à criação – Em NP: oÁ Deus e á criação.
neste último ano passou a ser redigida pelos Drs. b) De altivos sentimnentos. Pus ponto.
bosa da Silva".
a) À sombra de pacificos troféus, Em NP, 1. ed.: A sombra.
Na ed., de 1900: sonbra.
Á NOTA 64
em glória Pus o ponto. Não
b) Seu nome recomenda envolto
havia qualquer sinal de pontuação. A poesia Resposta a Pedro Fernandes
c) Nossantos arraiais da liberdade Em NP, por êrro tipográ
fico, está arraies. O poeta Pedro Fernandes Pereira Correia, nascido na cidade minei
d) Do validisno à mesa embriagados
-
Em NP: a mesa. ra de Montes Claros em 29 de junho de 1837, era filho de José Fernan
e) Entre as grades de lúgubre masmorra, Em está mas P

des Pereira Correia e D, Eduarda Maria de Jesus. Fêz o curso pri


mora, por êrro tipográfico. mário na cidade natal e estudou os preparatórios no Seminário de
Diamantina e no Ateneu de S. Vicente de Paulo, desta mesma cidade.
Foi para S. Paulo em 1859, graduando-se na Faculdade de Direito em
NOTA 62 1864. Formado, exerceu a advocacia em Diamantina, onde se casou.
Como advogado, ou então exercendo cargos na magistratura, viveu em
outras cidades do norte de Minas, vindo a falecer no Sêrro a 9 de no
Aureliano Lessa vembro de 1878. Não deixou livro publicado. Por ocasião do seu
centenário, em 1937, o escritor Eduardo Frieiro escreveu um estudo
Aureliano Lessa: poeta mineiro nascido em Diamantina em 1828 intitulado e"0 poeta Pedro Fernandes", inserto no volume Páginas
e falecido em Conceição do Sêrro em 1861. Foi umn dos amigos de Bernardo de critica outros escritos, Editôra Itatiaia Ltda., Belo Horizonte, 1956,
Guimarães em S. Paulo, formando com êste e Alvares de Azevedo tría a pág. 313.
de inseparável, tendo mesmo pensado os três em publicar juntos um Na nota biográfica que dêle dá Xavier da Veiga nas suas Efemé
volume de poesias a que dariam o título de Três Liras. Seus versos rides mineiras (vol. IV, págs. 175-178), há uma passagem que assinala
foram reunidos num volume publicado no Rio em 1873 sob o título 2
amizade que sempre uniu Pedro Fernandes e Bernardo Guimares:
Poesias póstumas e prefaciado por Bernardo Guimarães. "Dirigindo-se a Bernardo Guimarães, o poeta de Montes Claros la
No verso Vizinha à região das tempestades, está a região, em mentava a mudez da musa dos Cantos da solidão, comn um sentimento
ambas as edições de NP. No verso Montunhas, rios, gelvas e cidader, tão íntimo e fervoroso que só a alma de um artista podia manifestar".
em NP, 1.% ed., por êrro tipográfico, está Montanhos, lapso corrigido De Lessa e de Queiroga. Ah! que bem cedo Em nota ao
na ed. de 1900. pé da pág. 176 de NP, Bernardo Guimarães informa: Aureliano José
b) Começa de cantar: Havia ponto e vírgula, que substituí poT Lessa e Antônio Augusto de Queiroga (ver, sôbre Aureliano Lessa, a
dois pontos. nota 62-a). Antônio Augusto de Queiroga: poeta naseido no Sêrro,
c) "E tu, ó clara fonte, que golfuvas - Em NP está o clarU. Minas Gerais, em 1812, e falecido em Diamantina. Irmão de João Sa

33
GUIMARÁES
494
BERNARDO
POESIAS COMPLETAS 495
suas foram
livro publicado. Composições
lomé Queiroga. Não deixou de poesia brasileira, de Varnharen acentuemos o fato de o Poeta, não obstan
incluídas no 3.0 volume do Florilégio
Em NP em vez de Há professor Jesus Belo Galvão empregar às vêzes a sinérese, como neste
no horizonte se sumiam, te ser grande amigo do hiato,
b) Há muito Conta igualmente duas síla
as edições.
está A, em ambas amor, de êxtase. Contempla Parecc-1n0s interes verso, ao contar duas sílabas em ruínas. de ruínas e cadáveres, do
vovee
bas em ruins
no verso Sôbre nontões
c) De luz, de o trccho iniciado por êste são raros os casos em que
a atenção do leitor para poema "A Baía de Botafogo", de P. Não
sante chamar o amoroso das paisaens por exemplo, no verso E nos erradios pass08
no gual se reafima em Bernardo Guimares que @le se refere abole o hiato: é o que faz, meu ao contar três sílabas em
de seu país ou "da virgemo
natureza amer1cana", ea descritor eleoant achei pouso, do poema "0 vale", de NP,
sobretudo, colorista agradável erradios.
mais adiante; de Carvalho.
que havia nêle, de acôrdo com a opinião de Ronald
b) E por divisa tem Carnificina. Em NP está devisa em
uns frouTos ecos
d) Mal posso recordar as edições.
Está, em NP, por êrro as
em ambas edições.
tipográfico, pass0, ambas
Em NP, ambas as c) Guerra às coortes bárbaras, e ingratas! Na 1,a ed. de NP:
e) Dos cisnes
seus n0s perenais gorjeios;
por êrro tipográfico, Do cisncs. Guerra as; na ed. de 1900: Guerra ás.
edições, está,
novas cordas ajuntando à lira Em NP: a lira. d) Ser homem já deseja impaciente. Deu-nos êste verso, à
) ESim, tu és imortal, virgem celeste, onvém salientar o Jon
primeira vista, a impressão de conter êrro tipográfico, por causa de sua
g) tece à poesia, o qual poderia rima com o anterior: impaciente-impaciente. A impresso se confirmou
vor que o Poeta a partir dêste vers0 a morte dess ao descobrirmos o poema transcrito no livro Poesias e romances do Dr.
s0nduzir ao velho debate, já tantas vêzes ensaiado, sôbre
mesma poesia em virtude das conquistas da ciência
e do progresso e Bernardo Guimarães, de J. M. Vaz Pinto Coelho. Lá êle aparece o assim:
reconhe. Ser homem já deseja de-repente. Deve prevalecer, contudo, texto
da materialização da vida. 0 Poeta, considerando-a imortal,
ce os malefícios que trazem às musas a ciência e o progresso, bem
como de NP, de vez que a transcrição do poema por J. M. Vaz Pinto Coelho
vozes" que declaram já "estar findo" o foi feita segundo o n,o 494 do Minas Gerais", de 1865, e apresenta
alude às "tristes, agoureiras que, a numerosas variantes com relação ao texto adotado pelo Poeta para
reinado delas. Passa então a enumerar os motivos Seu ver, inclusão, em 1876, em NP. Parece-nos ter preferido o Poeta a rima
asseguram a perenidade da poesia. da mesma palavra àquele "de-repente" que lá está no texto primitivo
h) Da fresca riba murmura" queirumes; Em NP, por êrro tipo do poema, depois submetido a revisão por Bernardo Guimarães para
gráfico, está presca,
enm
ambas as edições. inclusão em livro. Um só exemplo mostra como o Poeta alterou o
i) E a caçoula, a que a mão do artis ta santo Está em NP, poema. No liVro de J. M. Vaz Pinto Coelho a quarta estrofe traz
ambas as edições, por êrro tipográfico, artiste. êste verso
:
E cumpre, que corrais já sem demora, que em NP figura
i) De universal, tremendo cataclismo Em NP, está cateclismo. assim modificado: Eia, corramos!... vamos sem demora.
Mantido o texto de NP, temos que a rima que o verso apresenta é
única em Bernardo Guimarães. Há nêle um exemplo de rimas de parô
NOTA 65 nimos: casa (substantivo) e casa (verbo), no poema "Gentil Sofia" de
NP. Mas a rima impaciente-impaciente não seria de estranhar. Jun
queira Freire rimou misericórdias e Misericórdias no poema "Jesus das
Estrofes Misericórdias" e deu a seguinte nota: "Luís de Camões, no canto oitavo
dos Lusiadas, estância noventa e quatro, rimou val do quarto verso com
No subtítulo, está em NP: Dedicadas à brigada mineira que partiu
val do sexto verso. E no canto décimo primeiro, estância cento e qua
de Ouro Prêto em 1864 sob o comano do brigadeiro Galvão., A briga renta, tereis do primeiro verso com tereis do quinto; e a não ser enfa
da partiu não em 1864, mas a 10 de maio de 1865, conforme se lê donho citaria sonetos com rimas iguais. (Poesias completas de Junqueira
nas Efemérides mineiras de Xavier da Veiga, vol. II, págs. 246-247: Freire, edição rigorosamente revista, com um estudo de Roberto Alvim
"Parte de Ouro Prêto, em direção a Mato Grosso, a primeira brigada Correia, 2.0 vol., Zélio Valverde, Rio, 1944.) Homero Pires, em Obras
mineira, ao comando do coronel José Antônio da Fonseca Galvo. Com completas de Álvares de Azevedo, 1.o vol., dá ao pé da pág. 14 a se
punha-se de três corpos: o de guardas nacionais, o policial e o 17. guinte nota sôbre a rima mar-mar no poema "Sonhando", do vate paulis
voluntários da Pátria, com um total de 1 298 praças. Esta förça, ta: "Rima da mesma palavra: mar-mar. Cfr. Gonçalves Dias, Primeiros
destinada a operar contra os paraguaios invasores do Mato Grosso,
chegou a Uberaba a 20 de junho e ali estacionou à espera do coronel
cantos, Rio de Janeiro, 1846, p. 147: mar-mar; Garrett, Flores sem
fructo, 2,a ed, Lisboa, 1858, p. 179: flor-flor; Domingos de Magalhães,
Drago, nomeado presidente e comandante das armas de Mato Grosso, Cantos fnebres, Rio de Janeiro, 1864, p. 150: amor-amor; Laurindo Ra
que vinha à frente de outras tropas organizadas em S. Paulo. A 20 belo, Poesias, Rio de Janeiro, 1867, págs.148-149: lembrado-lembrado;
de julho houve junção das fôrças mineiras e paulistas, mas só a 5 Fagundes Varela, Cantos do êrmo e da cidade, Rio de Janeiro, s.d., p. 9:
de setembro seguiram elas para o ponto do seu destino, onde copartici luz-luz: Machado de Assis, Poesias completas, Rio de Janeiro, 1901, p.
param das horríveis provações que em Mato Grosso aguardavam as 330: amiga-amiga; Vicente de Carvalho, Poemas e canções,
2,
ed., Pôr
tropas brasileiras, lá simultâneamente em luta contra os paraguaios, to, 1909, p. 166: caminho-caminho".
fome e o cholera-morbus",
e) Em frente das coortes inimigas. Em NP, 1.a ed., está, por
a) Tingindo em sangue, e sepultando em runas Por êrro ti êrro tipográfico, dos coortes, lapso corrigido na ed. de 1900.
pográfico, está em ambas as edições de NP: Fingindo. Sugere-nos
GUIMARES POESIAS COMPLETAS 497
BERNARDO
496
que havia depois
Em NP, 1. cd., estí recordar o passado Suprimi a vírgula
D Depois voltai trazendo em vossa fronte de 1900.
e) Vem
uma existência querida, pus a
corrigido na ed. de passado. No verso seguinte, De
travendo, por êrro tipográfico, vírgula.
f) "Quando gozei outra pusvida. Pus o ponto. No verso seguinte
vírgula em Saudade e suprimi a que
NOTA 66 "Saudade, doce perfume a
havia em perfume; no verso
De uma
flor que já mnurchol, pus
Melodia - I vírgula.
g) gue fui e o que hoje sou."
"0 Pus aspas em sou.

a) Às solidões
serenas -
Em NP: As solidões
pencdia
serenas.
Em NP: pregado a pe NOTA 69
b) Qual Prometeu pregado à
nedia.
Melodia IV

NOTA 67 a) És a voz da natureza, – Pus a vírgula.


a Não havia gual
b) Entre pedras a brincar, Pus vírgula.
quer sinmal de pontuação.
Melodia II c) Porém és mais que um prodigio Em NP, 1.4 ed., emn vez
de um está em, por êrro tipográfico, corrigido na ed. de 1900.
a) Da tarde mneiga e calma, Pus a vírgula. Não havia qual d) Pairando se esvaece", Substituí por vírgula o ponto que
quer sinal de pontuação.
b) No fundo de minha alma;
qualquer sinal de pontuação.
Pus ponto e vírgula. Não hayia
havia depois de esvaecer.
e
f)
À imagem dos anjos seus
Uma v0z que encanta, enleia,
-
Em NP: A imagem.
Pus a primeira vírgula.
c) Rumor de fonte limpida Em NP, certanmente por êrro tipo
gráfico, está Rumar. NOTA 70
d) De faizas cambiantes, Está, em NP, a nossO ver por êrro –

tipográfico, faizas combinantes. Substituímos por faixas cambiantes, Melodia V


que é a mesma expressão que Bernardo Guimarães usa, mas no sin
gular, no poema "Campanha do Paraguai" (parte VIII Assalto a Se esconde a ave que nas campas chora. Esta imagem, em
e, em no poema céptico". que o poeta compara a própria amargura à ave que nas campas ch0ra,
Curuzu), de N P, P, "0 devanear do
é das mais acentuadamente românticas de sua Bernardo Gui
e) Roubai-me aos vales túrbidos Está em NP, por êrro tipo maraes teve, como todos os românticos
a
hsossä
da morte. Daí, em
; pus o
gráfico, turdido8. No verso seguinte, Do mundo lutulento seus versos, a freqüente alusão a campas, sepuleros, tumbas, lajens,
ponto e vírgula.
f) Por um instante ao menos;
seguinte, Levai-me à esfera limpida
na ed. de 1900: á esfera.
,
Pus o ponto 1, e vírgula. No
em NP, ed. está a
verso
esfera;
lápides, lousas.

FÔLHAS DO OUTONO

NOTA 71
NOTA 68
Prólogo
Melodia

a) Misterio8o asilo, -
III
Suprimi o ponto que havia depois de asilo. b)
a) ...a
.
clusse alguma de Aristarcos; -
Em F0: á classe.
arrastados pela locomotiva. Por defeito de impressão, falta,
E nem da terra o místico remanso, Substituí o ponto por em FO, o l em locomotiva.
vírgula. .de preferência a o outro qualquer metro. Em FO: 6 qual
quer.c) de atonção comentário desfavorável do Poeta sôbre
c) Entre as malhas da rêde que a tortura Suprimi a vírgula é digno
o alexandrino, verso de que não há um único exemplo em sua obra.
que havia em rêde e no verso seguinte, em vão as agas bate, pus ... em cuja execução só se observa o compasso, Está em
a vírgula. E d)
d) Vem, saudade, doce amiga
havia depois de amiga.
-
Pus as vírgulas c suprimi a quo
FO, por êrro tipográfico, só se observa-se.
BERNARDO GUIMARES
COMPLETAS 499
498 POESIAS

a todos 0s assUNtos, a todos


se acomoda admiràvelmente NOTA 74
e)
– scguinte: Esses ctemplos
os tons. Está á todos, em FO. No período
á ponto.
a ponto: está
poderia eu mltiplicá-los Está, em FO, Poesia
Esses mnagnificos versos hendccassilabos,
f) Talvez tenha ocorrido
êsses e 2undecasyllabos. c) Anjos do céu bafejam só venturas aos votos que
o meu amigo Machado de
Assis, É importante a citação, pois
êrro tipográfico, o bafejem é que quadraria melhor
votos bem eviden
) sôbre o scu companheiro de ior o Poeta para futuro da jovem aniversariante,
a única que conhecemos de Bernardo faz no último verso da estrofe.
Machado se refere a Bernardo
do
ano Senado. tes no emprêgo de alastrem, e não alastram,
nalismo político junto (vide a nota 24).
maneira afetuosa na crônica “0
velho
a esta pequcna colcção de pocsias
para o
-
Senado"
Está á esta, em FO.a
comentário do Poeta sôbre
NOTA 75
Chamamos a atenção do leitor e de que já nos ocupamos
censura que lhe fêz Valentim Magalhaes, Flor sem nome
na nota 2-c. a) Alma tenra
do verso camoniano:
egentil, assim te fós te
Alma minha gentil, que te partiste.
-
Há aqui reminiscência

NOTA 72
NOTA 76
Ode O vôo angélico

0 Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa, a quem é dedicada esta a) Dos lares teus o anjo
tutelar. Em FO: 6 anjo tutelar.
"Ode", nasceu em Ouro Prêto em 1828, sendo seus pais
o major Silvério
Diplo
Pereira da Silva Lagoa e D. Balbina Carlota dos Reis Lagoa. NOTA 77
mou-se em medicina no Rio de Janeiro em 1853, adquirindo desde logo
fama como clínico. Faleceu antes dos 40 anos, a 24 de janeiro de Dous anjos
1868. Sua morte prematura causou grande consternação entre os seus
conterrâneos. Xavier da Veiga dedica-lhe duas páginas nas Efemé a) A meu amigo Francisco Lana. Em FO: Á
meu amigo.
rides mineiras, vol. II.
a) Do perenal repuso? Falta a interrogação em FO. NOTA
eleva a a
idéia regiões mais altas Em FO: é regiões.
c) Um cântico de dor? Em FO não há a interrogação. Não queiras morrer
Em "Algumas palavras ao leitor", advertência que pode ser en
contrada nesta edição precedendo os poemas do pai e do irmão de
Bernardo Guimarães, êste confessa ter-se aproveitado de oito ou nove
NOTA 73 estrofes do irmão, padre Manoel da Silva Guimarães, servindo-se delas
neste poema, "Não queiras morrer": "Achando-as lindíssimas e per
Estrofes feitamente aplicáveis ao assunto, de que eu tinha de tratar, servi-me
delas como. de uma epígrafe, a que dei amplo desenvolvimento".
a) Onde Cláudio e Dirceu -Além da alusão a Cláudio Manuel
da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, os grandes poetas envolvidos no
a
Resista aos vendavais a frágil rosa,
por êrro tipográfico.
"Não, não chames a morte. Àquela estrêla,
Em FO está Resisto,

movimento da Inconfidência Mineira, Bernardo Guimarães menciona Em FO: A


aquela estrêla.
rá mais adiante Tiradentes (De Xavier no sangue generoso).
refere-se a Cláudio e Dirceu (chama ao Itacolomi Itamonte, 0que Poet c) Teu espirito há muito sôlto andava, –
Em FO: a muito.
0 nome que lhe deu Cláudio nota 26-c) em outras passagens
:
fol
de sua
obra. A Tiradentes dedicou a página "A cabeca do NOTA 79
serta no volume História e tradições de Minus Gerais, Tiradentes", in
edição da Cast
Garnier. Ainda em F0 existe nova homenagem do Poeta ao alferes A Camões
mártir, no"Hino aTiradentes".
b) E de Marilia o nome inda entre Este poema foi composto em 1880, por ocasião da passagem do ter
queicas
Marilia : a amada de Dirceu, Maria Joaquina Em FO: a nome. ceiro centenário da morte de Camões, e a pedido da "Revista brasi
Dorotéia de Seixas.
BERNARCO GUIMARAES
POESIAS COMPLETAs 501
500

pág. 159 do livro de J. M. Vaz Pinto fôlha que representava,


leira", segundo vem
à
informado a remeteu
e romances do Dr. Bernardo Guimares. mineira, em 1881. 0 jornalista esta carta enviando a seguinte poesia
Coelho, Poesias com a seguinte nota: "Termino
a Em FO está fronte. o favor de dedicar-me, o que
a) Triplice louro te circunda emfronte o poema. Como deveria que o Sr. Dr. Bernardo Guimarães fêz
verso que não rima todo
E ësse o único verso, parece-nos ter ocorrido êrro muito lhe agradeço". mesmo jornalista a respeito da participa
rimar com ardente, do terceiroem vez de fr0nte, como está no poema Há umas informações do na reproduzidas no
tipográfico. Seria então frente, çâo de Bernardo Guimarães visita do e Imperador
a Imperatriz do Brasil", também de FO: Poesias romances do Dr. Bernardo
"Saudação a Sua Majestade livro de J. M. Vaz Pinto Coelho,
Sob o título
Guimarães, do qual extraímos a a 7 nota acima transcrita.
1881, o "Jornal do Co
Auréola mais bela e resplendente, a Viagem imperial a Minas", de abril de
em
Que a régia c'roa,
que lhe cinge frente. mércio" publica a comunicação de seu correspondente DêsseOuro Prto,
de 31 de março de 1881, às 4 horas da tarde. número de
datada
jornal, que consultamos, retiramos o seguinte excerto:
o que me confiou
NOTA 80 "Antes de prosseguir na descrição, vou referir a quem o Dr. Manuel
um amigo. Há anos estêve nesta cidade alguém
Toouinm de Lemos, atual deputado_ger o original do céle
Camõcs
bre poema "Vila Rica" do infeliz Dr. Cláudio
one1 da Costa, para
que chegasse às augustas mãos de S. M. o Imperador. Dizem-me que
Pocta herói de uma nação possante, Em FO: passamte. nunca mais o Dr. Lemos teve notícia dste valios0 autógrafo, nem consta
a)
b) Des dos marcs da fndia à foz do Tejo Está, em FO, Des que chegasse ao seu destino. É para lamentar que se tenha desenca
dos como está des da no verso que vem na estrofe seguinte: Que des minhado um escrito tão precioso. Aproveito esta ocasião para pedir
da infância às musas foi sagrada ; ou neste do poema “Sunt lacrimae
a6 investigador Dr. Rami Galvão, bibliotecário da Biblioteca Nacional,
que envide esforços para descobri-lo e pô-lo em lugar seguro na biblio
rerum", dc P: Seu terno coração já des do berço. Está dês da em NP, teca, onde já devia estar.
"Campanha do Paraguai Uruguaiana e Canavarro", no verso:
Nesta terva cm que dês da tenra idade. Em FO, em"Algumas palavras "Por falar em poesia, fui agui visitado pelo Dr. Bernardo Guima
a0 leitor", está dês dos na frase: que dês dos bancos da Academia. rães, pocta de tanta nomeada no Brasil.
0 Poeta escreve também sua dcsd a e desd "o. 0 professor Sousa da Silvei "Estando no meu quarto, contou-me que fôra a palácio cumprimen
ra informa à pág. 22 de obra Fonética sintática, edição da "Organi tar o Imperador e procurando o chapéu para sair não achou o seu
e sim um velho e imprestável. Parou de falar e fitando-me muito
zação Simões", publicação do Centro de Estudos da Língua Portuguêsa,
sério começou a dizer os seguintes versos:
ção -
1952, Rio: "Uma elisão muito freqüente é a que se
desde quando se lhe segue artigo definido:
Desdo Trópico ardente ao Cíntio frio
faz com a preposi
Hoje a casaca enveTguei
Cousa que muito me custa,
(Cam., Lus., 129, 8)
Para ver a facc augusta
...des do tempo que se foi libertando do jugo dos mouros Do rei que sempre estimei...
(Sousa, Arc., I, 580)
des da sua infância Como aconteceu, não sei,
(Figueiredo, Ezequiel, ee, nota t) Julgando ir para o céu,
Desd'o Amazonas ao Prata, Aconteceu-me um labéu,
Do Rio Grande ao Pará! Pois que estando em palácio,
(Abreu, Prim., 11) Fiquei como um pascácio
Tambénm a elisão com um demonstrativo:
Com casaca e sem chapéu".
e des daquele dia o nome da Cidade será, o Senhor nela mesma
(Figueiredo, Ezcquiel, 360)." No número de 25 de abril de 1881 do mcsmo jornal (nota que se
c) Ao vate cscapa às vêzes co
tristeza - Em FO: s vêzes.
encontra reproduzida no livro de J. M. Vaz Pinto Coclho), l6-sc, a
respeito da solenidade em que Bernardo Guimarães fêz a entroga de
seus livros ao Imperador:

NOTA 81
"Arraial do Ouro Branco, 21 de abril. –
Na carta que escrevi
de Ouro Prêto não disse, por ser tarde, quc tendo S. M. o Imperador
declarado ao Dr. Bernardo Guimarães que descjnva possuir uma co
Estrofes leção completa de suas obras, ontem à noite em palácio nquêle cstimado
escritor e poeta levou-lhas, mas sendo intérprete perante Sua Majesta
Este poema foi dedicado ao correspondente do "Jornal do Comércio" de a nenina Constança da Silva Guimarães,
filha do referido poeta
em Ouro Prêto por ocasião
da visita de D. Pedro II à antiga capit1 (vide a nota 2-d), a qual pronunciou as seguintes palavras:
G03
ERNARDO GUIMARES POSIAA COMIPLETAS
502
proscncn do V. M. Imperinl temos n meu
n honrn do anro
poema, Anchictu,
o 0
grifo em Anchieta
"Senhor. A
que nqui se nchn Indo, n fim o) Caae imorll n
Anchictu ou o Bvnjyeiho nug nclvas, lonyo
o minhn irnnã Isabel, o Dr. Bornurdo noBso., Alude o Pocta
sentar-nos cu do Fagundes Varela. campu,
6
cm nome de nosso pni, pooma cm decasaílabos, versos branco%,
de ofortar V. M. Imperial,
suns produçõcs literárins, clu gàzinha vcm velar-lhe u campuPmn PO cstá a
Guimarãcs, ôstes volumes ade V. M. Imperinl pela insignificíâncin dn d)
"Cle pcde deseulpa apresentada por nossAs mäo8, a fim de signi
oferta, o quis que fôsse
n purcza c sinceridade da frncn
homennren da NOTA 85
ficar por êssc modoquc hoje dcpomos nns augustas mãos de V. M.
amor e respcito
Imperial". a csta rovínciu. Em FO está: a esta. A Bereia e o peecudor
Cm sua visita
a)
"A sercia c o pescador", csclarcce Basílio de Magalhãcs à pág, 107
NOTA 82 o aprovcitara Bernardo Gui
do seu estudo biográfico c crítico, "já em 1879, Esta novela é
marãcs no romance A ilha maldita, publicada
Uma lágrima um simnples desdobramento do enrêdo daqucla É um conto di
se ver
vidido cm dozc pequenos capítulos, onde harmonizam crigtalino8
Em FO cstí Anênones:
unémone8. à seis c quatro sílabas, formando uma pequena orquestração.
AnêmonCs c rosas.
a) orga 8Os dg
a ser posta em música pelos que patriotica
pág. 68 do 1.0 vol. das Pocsias completas de Raimundo Correia, vem a A linda balada bememnpudera
Nacional, 1948), mente se inspiram nossa Castália c em boa hora desejam criar a
nizado por Múcio Leão (Companhin Editôra
scguinte nota: "Faça-te a linda anêmona lcmbrar... Encontro cm arte nacional."
um artigo de João Ribciro, respondendo a uma consulta pelo "Estado A meus pés vinde geme, Em FO: Á meus pés.

de São Paulo", a seguinte observação sôbre
a palavra anêmona: "Todos
os nossos poctas cscrevem e pronunciam anémona ou anèmone,
vocábulo esdrúxulo. Assim está
como
o nmome dessa "flor do vento" (como falta
b)
o
Sem médo, a êsmo
c Não me deiaes 8oçobrur.
em Não.
-
Em FO: 4 esmo.
Em FO, por defeito de impressão,

o diz o seu étimo) nos versos de Raimundo Corrcia


e de outros poctas. Que le umor me enlouqueceu. Em FO: enloqueceu.
a prosódia verdadeira é anemóne, com o acento na penúl c) À8 vêzes por horas mortus, Em FO: Ag vezes.
Entretanto,
tima pro
No verso de Bernardo Guimarães, o Poeta cscreveu anémones,
nunciando a palavra como esdrúxula, NOTA 86

No álbum de B. Horta
NOTA 83
a) Que cai no pó, c murcha e 8e coneume. Consumne: forma
Décima8 hoje menos usada de consome. Bernardo Guimarães escreveu também
destrui no poema "0 êrmo", de P (vide a nota 10-f).
Viver?! Ohl não, isso mão era vida, Pus a vírgula em
a) Ao aniversário natalício de minha sobrinha Maria Canuta,... não.
No índice do FO vem: Maria Caneto, êrro tipográfico.
c) A esperançu, a crença, o entusiasmo, Substituí por vírgula
o ponto que havia em entusiasmo.
84
d) Que o venduval prostou em sitio bronco. Está, em FO,
NOTA Prostou. (Vide, a propósito da dissimilação, a nota 44-u)
e) Inda em meu peito não rompeu-8e a fibra –
Cf. Álvares de
Fagundes Varela Azevedo no poema "Lembrança de morrer": Quundo em meu peito re
bentar-8e a fibra.
f) Vêde Castilho, o lusituno burdo, Mais uma vez se afirma
Dos seus companheiros de romantismo, a Aureliano Lessa, Dutra aqui a grande admiração de Bernardo Guimarães pelo poeta português
e Melo, Fagundes Varela e Gonçalves Dias consagrou Bernardo
marães poemas póstumOs. Varela viveu de 1841 a 1875; o poemaGui
Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875), autor de Cartu8 de eco e
Bernardo foi escrito, portanto, três anos depois de ua morte. de Nurciso, Primavera, Amor e meluncolia, Ciúmes do bardo, etc. No
prefácio a FO, Bernardo Guimarães considera-o gênio: "Vou citar
a) Que os sagrados mistérios mos revela.
há um asterisc0 e, ao pé da pág. 106, a seguinte Em FO, neste verso ainda um exemplo, e êste é de um gênio". Sôbre a admiração de Ber
flor do
nota do Poeta:A
maracujá (está maricujá) é o título de uma mimosa nardo Guimares pelo visconde de Castilho, eserevem Waltensir Dutra
poesia e Fausto Cunha no livro Biografia eritica das letras mineiras, edição
ligeira do falecido poeta". do Instituto Nacional do Livro, 1956, pág. 58: "Invoca permanente
b) Na mente te acendeu santo delirio,
o ponto final que havia em FO. Substituí por vírgula mente a lição e a obra de Castilho, seu mestre incorruptível. Esta ve
BERNARDO GUIMARAES
504 POESIAS COMPLETAS 505
em boa parte,poa
Feliciano de Castilho explica,
neração por Antônio de Bernardo, assinalada mano, quando prevê que se lhe aproxima a hora tétrica do mirvand,
tendência neoclássica da poesia romântica gongorisno c marinismo
nos Estudos. Quando farcja filo-árcade, que não busca rever tudo quanto
o encantou na terra, desde os dias aurorais
José Veríssimo e Maccdo, cstamos em face prova o belo poemeto "Saudades do sertão do
em Gonçalves Dias uma reação contra o culteranismo. Si
da infância. Disso é
ern
ter sido o arcadismo rigor, na primeira; a anterior oeste de Minas", no qual Bernardo Guimares rccorda e descreve,
ignorava geração romântica (a Guimarcs
tuado na segunda o poeta Bernardo
6, muitas vêzos. rimas sinceras e cantantes, molhadas nas tintas
sem
multicores da saudade
se olvidar de Araxá,
foi pré-1omntica), Pertence àqucle grupo de liristas bra vivaz, a quadrae que passou em Uberaba, por onde ali divagou
seu turno, um
pré-romântico. Magalhãcs. C do Patrocínio dos outros pinturescos lugares,
um meio-tom clássico-romântico: Gon. Substituí a vírgula que
sileiros cuja poesia é (das Inspiraçöes do claustro), Tenho inveja dle ti, meu caro amigo;
Gomes de Sousa, JunquciranoFreire o que em Portugal represcentarome havin em amigo por ponto e vírgula.
Brasil
çalves Dias. Representamo da Lirica de João Minimo, pré-romântica b) Correndo quase sem tocar o 8olo; Substituí por ponto e
Garrett (principalmente e Castilho. Bernardo nunca cvoluiria na3o vírgula a vírgula que havia em solo.
quase arcádica), Herculano de Casimiro de Abrou
Azevedo,
um romantismo total, à mancira de a Guima
Até que ponto se projetou sôbre obra poëtica de Bernardo ve NOTA 89
ou o exemplo, de Castilho, não nos será possível
rães a 1ntluencuimitos dêste trabalho. O que nos interessa Saudação e homenagem a SS. MM. o
Imperador e a Imperatriz do
rificar, pelos a Castilho no aludido prefácio: investindo por sua
destacar é a restrição feita se valeu, Bernardo Guimarães Brasil, ocusião de visita a Ouro Préto em i881
o alexandrino, de que jamais
contra
observa "0 visconde de Castilho, que além de possuir urna imaginacão Éstes poemas deram motivo censura de Valentim Magalhães, a
que o Poeta respondeu no prefácio à a FO,
:

brilhante e fecunda como bem poucos, era um adestrado metrificador. transcrito na presente edição
deixou-nos, a par de magníficos exemplos, preciosas teorias. Mas (vide, sôbre a viagem do Imperador, as notas 2-d, 2-e e 81).
infelizmente foi êle que nos últimos quartéis da vida introduziu em
Portugal a mania do moroso
e
arrastado alexandrino. (...) É dâle
mesmo, dêsse bardo imortal, que vou tirar o exemplo do quanto NOTA 90
ao de treze para todos os assun
superior o nosso vers0 de onze silabas
tos, e principalmente para assuntos elevados". sse prefácio revela,
umas poucas
Saudação a Sua Majestade o Sr. D. Pedro II
de resto, 0 estudioso e o crítico (êste lembrado ainda por
em 1859 e 1860) que havia a) Não de servil, ignóbil vassalagem, poeta afirma nesse
críticas que fêz para o jornal "Atualidade" verso e nos três que se seguem a sua posição, 0como
em Bernardo Guimarãäes, não raro acusado, como cm geral todos os virá a fazer no
pocma seguinte (nota 91-b), ressaltando que a
românticos, de pressa ou negligência na factura dos seus versos. No tava aos homenagem que se pres
que talvez tenha êle um pouco de culpa, ao dizer, p0r exenmplo, no Imperadores era "sincera e jubilosa" e não mera vassalagem.
"Hino do prazer": Da minha lira o deleixado acento..., ou em "Sau
dades do sertão do oeste de Minas": Vos leve de meu canto desleixado.
Até parece que o Poeta pensou em tais censores ao advertir
no prefá NOTA 91
cio a P, que os versos reunidos nesse volume eram “frutos de quadras
mui diferentes de mais de quinze anos de vida errante, inquieta e agi Saudação a Sua Majestade a Imperatriz do Brasil
. e em ambiente pouco propício ao culto
tada.. das letras. A tão augusta, umável Personagem
b) Não de lisonja, mas sincero preito,
Em F0: Á tão.
ou mesmo necessário chamar a atenção do leitOr Torna-se interessante,
para esta advertência
NOTA 87 do Poeta, de que não saudava a Imperatriz por mera
se sabe da censura que viria a lisonja, quando
sofrer da parte de Valentim Magalhães
Hino a Tiradentes (vide a nota 2-e).
c) Há muito tem, erguido em nosso peito. Em F0: muito.
(Vide, a respeito de Tiradentes, a nota 73-a.)
a) Maldição a teus algozes Em F0: á teus.
NOTA 92

NOTA 88 Å moda
Saudades do sertão do oeste de Dste poema recorda outro, "À saia-balão", incluído em P.
Minus a) T'e amnarrou a essa cauda, que carrega8, Em FO: 4 essa
A propósito deste poema, escreve Basílio cauda.
de seu estudo biográfic0 e crítico: de Magalhães à pág. l10 b) De que pródiga ornou-te a natureza,
"É crenca geral gue o Substituí por vírgula
espírito nu 0 ponto final.
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 507
506
o Dr. Bernardo
NOTA 93 morte, porém, do mais empenhado talvez na emprêsa,
Guimarães, parece-me que não se tratou mnais disso. Este entretanto,
no seu livro F6lhas do outono publicou várias dessas poesias".
Hino à preguiga No volume VI, 1900,
Padre Manocl Joaquim da Silva Guimarães
pocmas humorísticog pág. 199, Sacramento Blake registra o nome do padre Manoel da Silva
ver, um dos mais deliciosos anota à pág. 112 de Guimarães Araxá, nascido em Ouro Prêto em 1821, referindo-se assim
£ste é. a nosso de Magalhães ao sobrenome Aruaá: "Chamava-se Manoel Joaquim da Silva Guima
Guimarães. Basílio ". em que êle
de Bernardo e crítico: "No "Hino à preguiça rães e sendo nomeado cônego da Capela Imperial, quando se achava
seu estudo biográfico sua “psique" i6 no Rio de Janeiro um capelão do exército com igual nome, êste apres
um dos aspcctos particulares da
mais uma vez retraça charuto", "Minha rêde"o sOu-se a tirar o respectivo título, fato que levou o agraciado a assi
revelado em anteriores
produçes (A0 e ironia". nar-se como acima se acha ". Basílio de Magalhaes, à pág. 14 de
tangível mescla de humorismo
cigarro"), há
a) De rechonchudo abadc.
o nundo o
-
Em FO está rochonchudo.
mant0 do repouso Suprimi a vírgula
seu estudo biográfico e erítico, depois de falar do primeiro irmão de
Bernardo, Joaquim Caetano da Silva Guimarães, que chegou a ministro
do Supremo Tribunal Federal, assim alude ao padre Manoel: se
d) Por todo gundo, Manoel Joaquim da Silva Guimares, nascido em 1821 e"0 fale
que havia em repous0. cido enm 1870,
recebeu ordens sacras e paroquiou por algum tempo as
freguesias mineiras de Araxá e Uberaba, donde foi transferido para
NOTA 94 a sul-riograndense de Santo ngelo. Como houvesse prestado bons ser
viços às nossas tropas durante a guerra do Paraguai, escolheu-o
Pedro II para cônego da Capela Imperial. Estava êle longe da côrte,
D.
e o 7 de Setembro ao passo que se achava aqui um esperto capelão
0 Ipiranga do exército, portador
do mesmo nome, que se apressou a empossar-se no cargo.
à
pág. 104 de seu dadeiro agraciado entendeu de não abrir litígio com o seu homônimo. 0 ver
Escreve Basílio de Magalhães, propósito de FO,
a
pe
esta coletânea, à semelhança da anterior, distingue-se gue
Limitou-se a Suprimir o Sobrenome e a acrescentar ao cognonme o
estudo: umas e outras denunciando topônimo A

Morreu, paupérrimo, nesse mesmo ano, tendo-lhe


las nênias e composições patrióticas, que só feito os funerais o barão de Paranapiacaba, que foi quemn lhe salvou
já faltava à lira do ouropretano aquela vibração das cordas, os manuscritos. Nas Fôlhas do outono, estampou
e pelo ardor da juventude". Bernardo Guimarães
é favoneada pela agilidade dos dedos duas produções do irmão (sem lhe aceitar, todavia, a no
é esta
". de
" e
Entre as composições patrióticas de Bernardo Guimares, me) : Saudades da minha aldeia 40 inválidod "Aque
la é de um suave e encantador bucolismo, em espontâneos, singelos e
uma das mais conhecidas e divulgadas.
sonoros versos brancos. Além dessas rimas, só se lhe conhece mais o
poemeto "0 ipê, rei das florestas", enfeixado nas
"Harmonias bra
sileiras", de A, J. de Macedo Soares". Sôbre João Joaquim da Silva
ALGUMAS POESIAS DE MEU PAI JOÃO JOAQUIM Guimarães e o padre Manoel da Silva Guimarães
notícia nas Efemérides mineiras, de José Pedro Xavierhádaainda valiosa
DA SILVA GUIMARES E DE MEU IRMO PADRE quim Caetano da Silva Guimares, segundo Xavier da Veiga (vol. III,
Veiga. Joa
MANOEL J. DA SILVA GUIMARES pág. 263 das Efemérides mineiras), nasceu em Ouro Prêto a 6 de maio
de 1813 e faleceu na mesma cidade a 20 de agôsto de 1896.
Alude
ainda Xavier da Veiga ao fato de ter deixado Joaquim Caetano, apesar
NOTA 95 dos absorventes encargos da magistratura, um compêndio de filosofia,
de composições teatrais inéditas e um romance. Sôbre êste, intitulado
João Joaquim da Silva Guimarães – Lê-se à pág. 455 do vol. I,
João eFrancisco, leia-se o ensaio do escritor Eduardo Frieiro em
ginas de critica, Editora Itatiaia Limitada, Belo Horizonte, págs.

JOAQUIM DA SILVA GUIMARES, 3,0 -


1895, do Dicionário bibliográfico brasileiro, de Sacramento Blake: "JOAO
Nasceu em Sabará, pro
víncia de Minas Gerais, pelo ano de 1779 e faleceu a 24 de junho de
381-389.

1858. Era pai do Dr. Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, de quem NOTA 96
já fiz menção; oficial superior da guarda nacional, em sua província,
onde exerceu vários cargos de eleição popular, e por onde foi deputado
na primeira legislatura geral. Escreveu: Algumas palavras ao leitor
Vúrias poesias e trabalhos em prosa em yários jornais da provinel
De
entre essas poesias e outras inéditas, seus filhos trata ve
de colecionar as melhores, em 1882, a fim de dá-las ao prelo; com
a)
duas.
... dar publicidade agora a duas poesias... - Em FO: á
BERNARDO GUIMARES 509
POESIAS COMPLETAS
508
NOTA 97
NOTA 100
A João Cardoso Å
sepultura de...
e barän
João Cardoso de Meneses Sousa,"Harna
João Cardoso:
o conselheiro poeta, autor de
.. ) mundo a orige, Orige: por neces
nascido em 1827, também
no
ao qual Bernardo Guimaraes
ue pura conserVOU
de Paranapiacaba,
e "Camoniana brasileira", chamando-lhe "distinto de rima.
gemedora' palavras ao leitor" rascunboe
.se refere em "Algumas terem sido salvos os no
amigo". Deve-se-lhe o fato de encontrados espóiio NOTA 101
particular Joaquim e do padre Manoel,este poema, que repete
das poesias de JoãoFicou-nos uma dúvida: em talvez ao lei.
dêste último. que se encontram AlgumaS palavras FO, abra
Sonêto
inclusive expressões Bernardo Guimarães. Na edição de
de autoria de e não traz.c0me
tor", seja Joaquim da Silva Guimarães Informa João Joaquim da Silva Guimarães, em subtítulo, que êste
êle as poesias de João a êle alnde
Bernardo Guimarães sonêto foi improvisado por êle depois de assistir à representação da
os demais, qualquer assinatura. Nem Cardoso colheu tais flores
que João tragédia "Inês de Castro", de Ferreira. Ferreira: o poeta português
na sua introdução, mas nesta mão piedosa à margem de um jazigo,
diz
e sepulcrais", 'com Antônio Ferreira (1528-1569), de quem escreveu, a propósito da tragé
mirradas descuidosamente as largaram em 0 irmão de dia Castro, Fidelino de Figueiredo: "Antônio Ferreira é que nos legou
onde dous outros entes seu pai morreu 1858. Como a única tragédia quinhentista portuguêsa, completa e original" (Fide
Bernardo morreu em 1870, quando
oferecesse a João Cardoso aquelas lino de Figueiredo, História iterária de Portugal (sécs. XII-XX), Edi
.explicar pois que João Joaquim piedosa à margem de como um ja torial Nobel, pág. 120).
"flores desbotadas", colhidas “com mão considerado de
o poema tem sido até hoje
zigo?" No entanto, e é que Mário de Lima o inclui na sua
.autoria de João Joaquim assimVol. I, 1922, pág. 353. NOTA 102
Coletânea de Autores Mineiros,
A buena-dicha
NOTA 98
a) o meu que vejo nessas mãos traçado.
É
Em FO falta a pri
0 empregado público meira palavra, por defeito de impressão. 0 verso está assim: o meu
que vejo nessas mãos traçado.
É de notar
a existência, João Joaquim da Silva Guimares,
em me
.como atesta êste sonêto, das qualidades de humorista que depois
sua Biografia crítica
lhor se afirmariam em Bernardo Guimarães. Na NOTA 103
das letras mineiras, pág. 58, WaltensirDutra e Fausto Cunha anotam
o humorista Bernardo teve a
esta particularidade, para dizer "que Apólogo
quem sair". Já observara aliás Agripino Grieco na sua Evolução da
poesia brasileira (2.a ed., Livraria H. Antunes, Rio de Janeiro, pág.
35)
xado
:

"0 pai
rimas
Bernardo Guimarães era poeta e prosador,
de
avulsas, que
tendo dei
o filho incluiu piedosamente em suas Fôlhas
a)
b)
Qual seria o remédio a tantos males,
À 80mbra dos Milords.
-
Em FO: tanto males.
Está A sombra em FO. 0 grifo é
nosso.
do outono, rimas impregnadas de um misto de lirismo
e sarcasmo, dons
.antagônicos que também coabitariam no rebento do vate malogrado".
c) O
burro alegre diz: "Descer podemos; – Faltam as aspas em
FO.

NOTA 99 NOTA 104

Luis XIII Elegia


a) Foge do estéril tronco o passarimho, Há curiosa reminis
cência dêste verso na abertura do poema «Foge de mim", de Bernardo
a) Faz hoje atassalhar, o que onte honrara.
ção da métrica (vide a nota 99-b).
-
Onte: por imposi
Guimarães: b) Vejo uns, que co'a incerteza a mágoa adoçam, Está, por
Foge de mim qual foge o passarinho êrro tipográfico, em FO, co a.
Do tronco estéril... c) E à luz do sol, que no zenith dardeja, –
Vide a nota 25-a, onde
aliás o verso citado, de Bernardo, lembra êste.
Pois hoje já não é o que foi onte. Onte: por necessidade de d) Como são prêmios, quando à terra envia, Havia ponto em
-rima. Em FO está honte. envia; substituí por vírgula.

34
BERNARDO GUIMARES
510 POESIAS COMPLETAS 511

DA SILVA GUIMARABS em "Atualidade" em 1859, fêz restrições ao bardo maranhense.


POESIAS DO PADRE MANOEL J. poema foi escrito cinco anos depois da morte de Gonçalves Dias, e
o ter o Congresso
nêle Bernardo Guimarães protesta contra fato de
que visava erguer uIn
NOTA 105 recusado a sua participação em homenagem a linguagem canden
monumento ao poeta da "Canção do exílio". Daí
Saudade de minha aldeia te que usa :
tron Esses, que às pátrias glórias refratários
na sua Biografia critica das le
Waltensir Dutra Fausto Cunha,
e
peça admirável" êste poema, Vide tamm. De um nobre povo crêm-se mandatários.
mineiras, pág. 58, julgam "uma na nota 95.
bém a opinião de Basílio de Magalhães
NOTA 109
NOTA 106

O inválido de Caseros A uns quinze nos


em 3 de fevereiro de 188R do Basíilio de Magnlhães
Monte batalha que se travou
Cascros :
Este to1 por nos extraido do estudo se lêem estas palavras :
e na qual oexército aliado, constituído de argentinos, brasileiros e sôbre
se Poe
Guimarães (púg. 66), onde
Rosas. O padre Manoel J. "Não me furto ao prazer do reproduzir aqui uns formosos versos quo
uruguaios, derrotou as fôrças do ditador de Santo Ângelo. se ano em
da Silva Guimarães, que serviu na freguesia êle escreveu, talvez de um jacto, em Ouro Prêto, no próprio
que banixou à sepultura. É uma suavíssima canção, inspirada decerto
refere a ela neste poema.
a) 0 sol
a prumo abrasadores raios
b) Por compaizão esmola a um sem ventura.
-
Em FO: á prumo.
Em FO: 4 um.
por alguma sua conterrânea. Deixou-a inédita, masfoi dada
em 1906, no "Anuário de Minas Gerais" (pág. 258). Poucas poesias
conheço em nossa língua
a
lume,

dentre as dos liristas do aquém e além-mar,


que tenham tanta eurritmia e tanta sentimentalidade quanto esta".
DISPERSOS
NOTA 110
NOTA
107
em os poemas de Bernardo Guimarães Sonêto
Reúnem-se "Dispersos" todos poe
que nos foi possível localizar e que não figuram nos três livros de
sia que publicou em vida, como explicamos na "Introdução". Extraímos e
Sôbre êste sonêto - talvez o mais conhecido dos poemas de Ber
nardo Guimarães ou pelo menos o mais divulgado escreve Basílio
êsses poemas principalmente dos livros de Basílio de Magalhães de Magalhães à pág. 114 de seu estudo: "A veia galhofeira de Bernar
Dilermando Cruz sôbre Bernardoe Guimarães, bem como do volume de do Guimarães gerou versos admiráveis, muitos dos quais não foram
J. M. Vaz Pinto Coelho, Poesias romances do Dr. Bernardo Guimares. compaginados em seus volumes. Para zargunchar as hipérboles dos
Mas fazemos questão de frisar, como fizemos na aludida "Introdução", ultracondoreiros, já muito no galarim a0 norte e ao sul do país entre
que organizamos as poesias tanto quanto possivel c0mpletas de Ber 1860 e 1870, fêz o poeta minciro, em 1865, um sonêto, que o conselheiro
nardo Guimarães. Tanto quanto possível: porque poderá haver ainda José Feliciano de Castilho publicou e elogiou no "Correio Mercantil",
outros poemas dispersos do Poeta. Tanto poderá que em velha publi de 21 de janeiro de 1866 e se encontra também na bem organizada co
cação de Ouro Prêto, a revista "Auriverde", ali publicada em março leção de "Sonetos brasileiros", devida ao Dr. Laudelino Freire". 0
de 1920, fomos encontrar um poema de cuja existncia não sabíamos: sonêto é compôsto em bes tialógico, contendo por isso mesmo tôda sorte
"Tributo de saudade", inédito, como informa a revista. O leitor poder de extravagâncias (vide a nota 2-a). E ainda informa Basílio de Ma
lê-lo entre os "Dispersos". galhães que "há o asserto do barão de Paranapiacaba (in "A Acnde
mia de S. Paulo Tradições e reminiscências", de Almeida Nogucira,
3. série, págs. 20-21) de que a êle é quc foi oferecido por Bernardo
NOTA 108 Guimares, então seu contemporâneo em estudos jurídicos. Dá-lhe até
esta outra chave:
Morte de Gonçalves Dias
Meteu da Gávea no profundo abismo,
Este poema foi inserido pelo Poeta (vide "Introdução") como apên
dice ao seu romance 0 indio Afonso, editado em 1873 pela Casa Garnier. o quefaz supor que o poeta minciro retocou para melhor o verso final",
A homenagem ao cantor de "I-Juca Pirama" é tanto mais expressiva Ainda ao pé da pág. i17 vem a seguinte nota: "Citando, em "Vindi
quanto se sabe que Bernardo Guimàres, numa das eríticas publicadas
BERNARDO GUIMARES POESIAS COMPLETAS 518
512
o primeiro quarteto do famoso sonêto,
confirma o tre os elogios que tributou a referida fôlha a0 seu espontâneo colabo
ciae" (pág. 24)
Pereira que tal genero de poesia era
conselheiro Lafaiete Rodrigues divertimento dos amigos" rador, vem a asserção de que &ste lhe enviara outros versos do mesmo
cultivado por Bernardo Guimarães
"para sonåto facecioso engenho. Teriam sido publicados? Não pude averiguá-lo.
o nenhum interêsse do Poeta pelo Vejam-se, porém, os que ali vieram a lume e que se me afiguram nova
Vale a pena assinalar exemplos, reunidos por nós em "Dispersos o
de que só há na obra três "charge" contra ultra-condoreirismo."
(vide a nota 116). No livro de J. M. Vaz Pinto Coelho, pág. 194, vem transcrita a
nota do referido número de "0 Ipiranga": "Å musa engenhosa de
NOTA 111 o
B. Guimarães, înspirado poeta dos Cantos da solidão, devemos êstes
e outros Disparates rimados, que bem nos atestam a variedade do seu
Mote cstrambótico talento, que, por ter escrito "0 êrmo" e as "Inspirações da tarde",
nem por isso desdenha da mnusa da galhofa".

Do mesmo ano do sonêto de


que tratamos na nota anterior -186R
o "Mote estrambótico", que recolhe NOTA 114
é, segundo Basílio de Magalhães, e gne.
mos tal como vem reproduzido no estudo do erudito mineiro
segundo êste, foi " dado a lume pela primeira
vez no livro do Dr. J Parecer da Comissão de Estatística a respeito da freguesia da
1. Vaz Pinto Coelho (págs. 196-198), que Ihe guardava
o original, Madre-de-Deus-do-Angu
M.
datado de Ouro Prêto". Com efeito, lê-se ao pé da pág. 198 do livro
de J. M. Vaz Pinto Coelho: "Possuo-os pela pena do nosso poeta. Informa Basílio de Magalhães à pág. 124 de seu estudo: "Houve
Fo

ram escritos em Ouro Prêto em 1865". em 1883 acalorado debate na assembléia provincial de Minas, a propó
sito da mudança de denominação da freguesia de Madre-de-Deus-Angu.
Não se conteve Bernardo Guimarães ante a esquisitice de tal topô
NOTA 112 nimo e o pinturesco da discussão, e a sua irreverente musa imediata
mente Ihe fêz fluir dos bicos da pena uma das suas melhores com
posições, senão a melhor, do gênero jogralesco. Ao "Colombo", da
Lembranças do n0sso amor Campanha, que a obtivera de um amigo do poeta ouropretano, coube
o publicá-la em sua edição de 30 de setembro de 1883. Ei-la tal qual
poema vem reproduzido à pág. 121 do estudo de Basílio de se nos deparou no precioso livro do Dr. J. M. Vaz Pinto Coelho (págs.
Éste 198-200)."
Magalhães e à pág. 195 do livro de J. M. Vaz Pinto Coelho.em Basílio
de Magalhães informa: “Por êsse tempo, cantava-se muito Minas, No seu livro, além de reproduzir o poema, J. M. Vaz Pinto Coelho
nas serenatas, ao som do violão, a conhecida modinha" de Aureliano dá a seguinte nota sobre êstes versos: Possuo-os pela pena do nosso
Lessa, "Lembranças do nosso amor". Dela fêz Bernardo Guimarães Poeta. Foram escritos em Ouro Prêto em 1865".
a seguinte chocarreira paródia, inserta no Constitucional" de Ouro Transereve a seguir, ainda do livro de J. M. Vaz Pinto Coelho,
Prêto (ed. de 20 de julho de 1867)". No livro de J. M. Vaz Pinto Coelho as palavras com que o Colombo" os publicou na secção "Museu do
vem êste esclarecimento ao pé da pág. 195: "Foi publicada no "Consti Colombo":
tucional" de Ouro Prêto n,° 47 de 20 de julho de 1867. É paródia da "0 colaborador do nosso Museu de hoje é ninguém menos do que o
modinha Qual quebra a vaga do mar. grande poeta mineiro Bernardo Guimarães. Colaborador involuntário,
é certo, mas não contra a
a) Lá na estalagem do Meira, No livro de J. M. Vaz Pinto vontade, pois nutrimos a pretensão, talvez
Coelho, ao pé da pág. 196, lê-se, a propósito dêste verso: "José Rodri vaidosa, de que o ilustre poeta não levará a mal a indiscrição de assi
gues Meira, então proprietário de um hotel na freguesia de Antônio narmos esta sua recente produção, que temos sem assinatura e de
Dias, de Ouro Prêto. Nêle hospedaram-se em 1869 os deputados pro abrilhantarmos com ela esta secção da nossa fôlha, para que não era
vinciais Drs. Teodomiro Alves Pereira, Francisco F. Correia Rebêlo, destinada. À obsequiosidade de um amigo devemos a graciosa compo
Manuel Basílio Furtado e o autor desta "Grinalda" que tem o prazer sição, inspirada ao autor pela discussão havida na assembléia mineira
a propósito de mudar-se o nome à freguesia de Madre-de-Deus-do-Angu.
de recordar aqui os seus nomes de amigos e distintos comprovincianos Como bons amigos dos nossos leitores, julgamo-nos obrigados a trans
mitir-lhes o risonho mimo. Aí está."
NOTA 113
NOTA 115
Disparates rimados
Dedicatórias
A respeito dêste poema, escreve Basílio de Magalhães à pág. 122
de seu estudo: "0 Ipiranga", periódico Reunimos num só, dando-lhes êste título, dois pequenos poemas
literário surto no Rio de
-neiro em 1865, recebeu do poeta ouropretano que serviram de dedicatórias a retratos ofereeidos por Bernardo Gui
deu à luz no n.° 74, de marães a amigos seus.
27 de outubro de 1867, uma curiosa produção, do
gênero En
0
primeiro, a Peregrino Werneck. Informa
escurril.
GUIMARAES
POESIAS COMPLETAS 515
DERNARDO
514
e que afirmna ale
o pocta minciro: Co
nolos o gigante alado, (de que falamos na nota 110) um
de seu livro sôbre Lcopoldina, Minas) um de álbum e gue
Dilermando Cruz à pág, 177 (a cidade de ter sido compôsto "por solicitação da possuidora
nhecemos em nossa terra natal Weneck, uo e
deseiava um sonêto de sabor moderno", mais o dois outros, "escritos por
Guimaråes : o Sr. Porcgrino consi. Liceu de Artes e Off
íntimo amigo de Bernardo retrato que o Sr. Werneck ocasião de se inaugurar, na velha Ouro Prêto,
um retrato do grande pocta, m

amigo ilustre. cios". Intitulam-se "Trabalho e luz" e trazem tantas vêzes


essas duas
possuía relíquia, não sÓ por seT(seguem-sede
os versos) parecem uma de iguais produções do cul
derava uma verdadeira a scguinte dedicatória palavras que mais paródia
como também por conter
a data de Ouro Prêto, 10 de abril de 1882, 0 se
latinista. com
tismo ou culteranismo luso. Eo poeta mineiro ainda fêz, um para s ter
realismo
A dedicatória traz ao Sr. José Florêncio: "bom cetos do segundo dêsse par, uma valiosa variante, de
gundo retrato foi oferecido que depois se dedicou ao professorado. algum tanto desabusado".
informa Basilio de Magalhães, em Prêto, onde conquistou a particular es: 0 primeiro sonto traz ao pé ea seguinte nota,
na sua publicação no
fêz o curso de farmácia Ouro sonêto, as palavras
da solidão". "Diário de Minas": "No Iuzidio bem trabalhado
tima do autor dos "Cantos publicados no lirro de Basílio de Magalhães
de
trabalho e luz entram sete vêzes cada uma! Eu,e porém, um
que sou pi
Os rersOs foram Florêncio, o Sr.
Josafí rlo choso, (Caprichoso?) vou deitar a barra além,o fabricare sonêto
um do Sr. José
vido à gentileza de em filho Horizonte. em que não haja um só versO em que não entre Trabalho e a Luz".
Belo
rêncio, hoje residente Olympio Editôra, 1944). Quanto ao segundo, anota o jornal: "Isto é que Iuzir trabalhar".
No lirro Minkas recordaçõcs (Livraria José que foi Ministro os tercetos dêsse sonêto fêz o Poeta uma deliciosa variante, de
o mineiro Francisco de Paula Ferreira de Resende, "Para
interessantes informações sôbre um realismo algum tanto desabusado". Tal variante não é publicada
do Supremo Tribunal Federal, dá-nos
de outros como José de Alencar, Álvares pelo jornal.
Bernardo Guimarães, além
que conheceu em São Paulo.
de Azeredo e Aureliano Lessa,
Sôbre Bernardo,
escreve à pág. 305: ...e o eresultado de tudo
isto é que não haria ninguém que dêle não gostasse muitos havia que NOTA 117
se uma rerdadeira estima, pelo menos muita afeicão.
lhe tinbam não
meu chamado Hilário, a quem Ber
Ora, dêste núnmero, era um colega porque entre ambos não deixava
Tributo de saudade
nardo também muito queria; talvez e vinha a ser, que assim como
de haver um certo ponto de contacto; po ema de Bernardo Guimarães foi por nós recolhido do nú
também Hilário vivia sempre a rir-se do mundo e nunca Éste
Bernaro, que além daquele fre mero 9, ano I, da revista "Auriverde", de Ouro Prêto, março de 1920.
realmente o tomnava muito a0 sério; de sorte
a um pouco que tinha por costume freqüentar os Ali vem com a indicação: poesia inédita. Com efeito, não figura em
qüentar êste
outros, uma vez ou
mais do
outra não lhe deixava de fazer algumas poesias;
lembrando-nos ainda que, tendo-Ihe feito uma por ocasião do seu ani
versário natalício, quando a enviou, a acompanhou do seguinte bilhete:
nenhuma)
dos livros de Bernardo Guimarães.
Fraco utando entre milhares de escolhos -
Houve, a nosso
ver, evidente êrro de copia, pois deveria estar um dissílabo em lugar
de milhares, com certeza milhões, sem o que o verso tem onze síilabas,
quando os demais, que alternam comn os hexassílabos, têm dez.
Ao meu amigo e senhor
0 muito ilustre doutor
Hilário Gomes de Castro, NOTA 118
Ante quem o pé arrastro
Com solene cortesia,
À
memôria de monsenhor Felicissimo
Dedico esta poesia,
Recolhemos êste poema do livro de J. M. Vaz Pinto Coelho, onde
Eu que sou aquêle bardo é transcrito num breve estudo assinado por A. A. (do "Almanaque Gui
Que chamam doutor Bernardo. marães" para 1885). Ali se- informa: "Nos seus últimos versos, um es
critos alguns dias antes de falecer, dedicou-os ile à memória de
amigo, de um sacerdote, de um monsenhor Felicíssimo, que não conhe
cemos. Mal sabia o Poeta que o acompanharia de tão perto à se
NOTA 116 pultura. Transcrevemos a seguir essa composição, em que se notam,
a par de muitas belezas, alguns descuidos de forma, devidos talvez ao
Trabalho e luz copista ".
Que não conhecemos: J. M. Vaz Pinto Coelho informa, porém, em
nota ao pé da pág. 225 de seu livro: "Pois foi um dos varões mais
Éstes sonetos foram copiados, a nosso pedido, pelo
Guimarães Alves, do "Diário de Minas" de 15 de agôsto escritor Jose ilustres de Minas Gerais. –
Monsenhor José Felicíssimo do Nascimento
de 1925. A
pág. 116 do livro de Basílio de Magalhães lê-se csta informação: representou-a na legislatura de 1857-1860, deputado pelo 4.0 Distrito.
ta um seu biógrafo anônimo (in "Diário de Minag" de 15 "Con Figurou no Movimento Revolucionário de 1842; e a Igreja não teve sa
1925) que Bernardo Guimarães só perpetrou
três sonetos:
de agösto de
vi do8 - Lu
cerdote que em virtudes o excedesse".
BERNARDO GUINARES
516 POESIAS COMPLETAS 517
com que aparece no índice do livro
do
o
Demos ao poema título a indicaçao que nos parecen
tro do silêncio de devida gentileza, a autenticar o "caso contado" entre
acrescentando-Ihe muito elogio que põe uma peia e não permite que se negue, contra
J. M. Vaz Pinto Coelho,
versos.
necessria: Últimos riando.
NOTA 119 Ademais, chegando o centenário de meu pai, dispenso-me de dizer
que êsses seus contemporâneos sobreviventes tenham já sôbre a ca
no do beça alvíssima respeitável neve, e à velhice devemos um culto que não
do Rio de Janeiro.
Da revista "0 Mundo Literário", que gentilmente nos den admite contradizer narradores venerandos, mesmo que constitua, pela
indicação sua sensaboria, um crime de lesa-espírito atribuir a piada ao talentos0
tembro de 1925, extraímos, seguindo a seguinte entrevista com ng
o poeta Carlos Drummond de Andrade, poeta boêmio.
filhos de Bernardo Guimarães, reproduzida
do "Correio da Manh"e
EscraO3 Valem mais, porém, as intenções do que as palavras, e no fundo
cem anos, mascia em Ouro PretO 0 autor da as intenções dêsses evocadores são deliciosamente puras e boas, encer
intitulada: "Há
Isaura", um dos seus rando sempre o desejo de homenagem cativante.
4Era tão bom, tão bom, dizo de Bernardo Guimarães Na verdade, o acadêmico estróina da Paulista era um burguês
haver vivido 59 anos sem
filhos.que levou para túmulo segrdo de
o
muito aferrado ao aconchego do lar: sendo dispersivo na sua pro
ter feito um só inimigo. dução literária, (que muito maior teria sido se não fôra êsse seu fei
tio), não o foi no apogeu ao "menage", onde ingressou depois de 40
anos, encontrando como companheira a suavidade de uma santa, expres
0 QUE A PROPÓSITO DE BERNARD0 ESCREVEM OS são de paciência confortadora que irradia da abnegação anímica de
SEUS FILHOS nossa septuagenária Mãe, que compreendeu e se irmanou ao eseritor
em todos. os seus momentos, e gque, idolatrada por êle,tendo sempre um
Os três filhos de Bernardo Guimarães, em um requinte de gentile velo de lágrimas pelo morto, continuou pela existência a dentro, ven
za, escreveram para o "Correio da Manhã" o que se vai ler sôbre o cendo os desfalecimentos da pobreza cultuando o seu nome na oferenda
de tôdas as suas energias em vigílias à educação dos filhos nas mesmas
autor da Escrava Isaura: renúncias de amor extremado.
Dela eu oiço a todo instante as melhores reminiscências dêsse ho
mem elevadamente espiritual dessa "alma de criança" (como o definiu
AS APRECIAÇÕES DE PEDRO BERNARDO GUIMARES um jornalista francês que com êle conviveu aqui no Brasil) e de quem
o cônego vigário de Ouro Prêto, que o assistiu in-etremis, disse res
As esculturas de meu Pai – Hámuito de exagêro, às vêzes, muito pondendo à[s] devotas que lastimavam não ter o agonizante tido tempo
de ficciosa criação nos que fazem a história anedótica dos que morrem de se confessar: "Um ato de contrição do Bernardo, vale mais do
em cheiro de celebridade, rebuscando excentricidades características da que muita confissão bem meditada 1"
vida dos que biografam. Uma das intimidades mais interessantes de meu pai, estava na
Sem que me contranjam preconceitos ou convenções a que a afini perfeição com que sabia esculpir em madeira.
dade de sangue me levaria, limitando minhas expansões admiradoras Tínhamos em casa vários objetos em que caprichosamente nas Suas
ao autor da Eserava
Isaura, eu posso dizer muito à vontade que meu horas de ócio, deixara concluídas algumas obras-primas dessa sua
pai, Bernardo Guimares, sendo o mais popular
nossos romancistas até hoje não escapou a
eo mais nacional dos habilidade e engenho.
êsse vêzo.
Por tôdas as terras onde andou, enm Goiás, onde exerceu o jul Entre os guardados, de uma copa, no grande sobrado da Rua das
Cabeças, via sempre uma orelha, à guisa de castão de bengala.
zado de Catalão; em Queluz de Minas, onde foi professor, em 0uro
Prêto, onde nasceu e residiu durante mor parte de sua vida; em S. Paulo, Escultura sem defeitos nos seus mínimos detalhes, nas reentradas,
curvas e salincias do aparelho receptor da audição, com os mais pe
onde estudou direito em companhia de Aureliano vares de
Azevedo, e arrancou sua carta de "bacharel Lessa e queninos relevos talhados por mão de mestre.
formado", como rezam os
dizeres do pergaminho, pelo seu bom humor comunicativo e Minha avó, Felicidade Gomnes de Lima, morreu aos 94 anos e foi
cadamente bondoso, deixou só amigos. gênio deli repousar ao lado da Ermida do Senh0r do Bom Jesus de Matozinhos, em
Não raro eu encontro com um dêsses, que cujo frontispício as andorinhas fazem ninhos nas conchas da balança
mas com o Poeta, e se os topo, tiveram relações inti do Arcanjo S. Miguel, que ali se acha em seu nicho para pesar as
de[sfiam o rosário de anedotas, em almas.
sabendo que sou filho. Possuía a nonagenária matrona uma dessas relíquias que as mãos
Sèriamente que me mostro de meu pai burilavam: um bordão de fada, que terminava em curva,
fundam-se coisas aceitáveis comencantado, embora mas
as fabulosas piadas narrativas Co e a que ela se arrímava para se proteger e
apoiar, nas previstas surprê
gente savoir-faire de meu de que o intel sas de impertinente ciática, que de vez em
pai quando lhe bambeava as
Assim, tenho caladamente seria incapaz.
digerido facécias de Bocage que
pernas já fatigadas pelas canseiras e pela velhice.
impressas em edições de dez tostões, andan Aproveitando esgalho de peroba, Bernardo Guimarães, jòbicamente,
à conta da responsabilidade espiritual para gáudio do povo, lançadus desbastara a madeira, e esculpiu um dedo, com rebuscamentos de
talhe
E de Bernardo. na exatidão do contôrno e relêvo da unha, dos enrugamentos
rebento lmete finalizando, os narradores
diga se não “ invocam gue eu, nas juntas das falanges. da pele
foi exato o filho do
episódio, coagindo-me, den
BERNARDO GUIMARÁES
518 POESIAS COMPLETAS 519
sogra e genro conviviam soh
E com0, contràriamente à tradição, foi à sua sogra Estados, mesmo os de mais recursos, pode-se calcular o que seria nessa
O mesmo tecto em harmonia
que nunca se quebrava,
o bastão que modelara, e não mais a meiga época longínqua a cadeia de Catalão. Compadecido da sorte dos re
que o artista ofereceu a que se am clusos, meu pai (e quem, em seu lugar, tendo um pouco de coração, não
velhinha, até seu útimo alento, se separou da bengalainapreciável.
parava, com a estima que se consagra a um tesouro faria o mesmo?) deu-lhes licença para tomarem seum pouco de ar, sob
pequenos e travessos, nos familiarizamos
com êsse condição, porém, de regressarem à cadeia. Em vendo soltos, aquê
E nós todos, que infantilmente chamávamos "o ded do les detentos não cumpriram a palavra, o que, por ser humano não se
recuerdo de nosso pai, a
Ihes deve exprobar, embora comprometessem com isso o juiz.
Vovó".
Belo Horizonte, 10-8-1925. Pedro Bernardo Guimurães. Foi um chefe de família exemplar e carinhoso, não só para os
seus, como para os que com êle comviviam, inclusive os próprios escravos
da fazenda. Minha avó materna, Felicidade Gomes de Lima fato
BERNARDO ERA UM HOMEM FUNDAMENTALMENTE quase virgem em sogras tinha por êle uma verdadeira adoração,
BOM e êle, correspondendo afeição da boa velhinha, costumava dizer, pilhe
riando, que era o homem mais feliz do mundo:
Pois não era genro da Felicidade?!
Impossível, tantos anos lá se vão, dar impressões muito nítidas e um
a respeito de meu pai. Só posso dizer que era um homemn fundamental Em S. Paulo, para onde foi com uma mesada de 20$000,
negro para servi-lo (êsse moleque "cavava", não como servo, mas Como 1

mente bom. e Azevedo,


À fazenda onde nasci, propriedade de minha avó materna, vinham companheiro) deixou êle, com Aureliano Lessa Álvares
ter então, pela sua situação especial à beira da estrada que ligava a a tradição de suas magníficas boêmias.
um meio de
eX-capital da Provincia à Côrte, como era conhecida a capital do Im Certa vez, de "pindaíba franciscana", encontraram escancara
arranjar dinheiro, estendendo na sala, cujas janelas enlutadas
pério, senadores, deputados, prelados (lembro-me que o santo bispo ram para a rua, o corpo e pálido do genial Álvares de Aze
D. Viçoso lá se hospedou várias vêzes), cometas, estudantes, enfim, via esquálido
vedo. Um dos jornais noticiou,
em sentida nênia a morte prematura
jores de tôdas as classes. A primeira pessoa por quem perguntavamn do bardo, terminando com o pedido de um óbulo que permitisse fazer-he
invariàvelmente êsses hóspedes, de tôdas as categorias, era por meu pai. um entêrro condigno. Todo mundo queria ver o rosto do morto, cuja
Simples e bonachão, não denunciava, pelos scus trajes, a sua qua cabeça mergulhava, muito de propósito, numa penumbra que tornava
lidade, o que deu origem a qüiproquós engraçados, acontecendo pergun a palidez do moço poeta mais lívida e fantástica. Diante de tôda a
tarem muita vez por êle a le próprio, tomando-0 por empregado da Academia, caloiros e veteranos, que tinham corrido a ver os despojos
fazenda. Certa ocasião, mesmo, um viajante ilustre, a julgar pela lu mortais do autor da 'Noite na taverna", Bernardo Guimarães passea
zida comitiva e pelos ares de importância que se dava, vendo-o a diva va impressionado, mudo, do quarto para a sala, e Aureliano Lessa de
gar pelas imediações, a êle dirigiu-se, indagando: clamava, não se conformando com a fatalidade. A coleta foi magmífica,
0 Bernardo Guimarães está? dando para um funeral ou antes, bródio macabro, nos fundos esfu
resposta afirmativa, entregou-lhe o seu cartão, acrescentando:
EàPois maçados da garconnière dos boêmios. Na longa mesa improvisada, da
diga-lhe que está aqui alguém que deseja muito conhecê-lo. qual Bernardo Guimarães ocupava o pé, a cabeceira estava vaga. Era
Vinte minutos depois, se tanto, meu pai, envergando solene s0 o lugar vago e insubstituível de Álvares de Azevedo.
brecasaca, de gravata branca e não sei se também de luvas, fazia Com estas, contam-se inúmeras anedotas de meu pai, autênticas
sua entrada na sala. Pode-se imaginar a cara dêsse figurão, ao reco algumas, inverossímeis outras,
nhecer nêle o mesmo indivíduo a que momnentos antes se dirigira, de Dêle só sei dizer que era um bom e um desambicioso. Tendo con
modo arrogante e impertinente.
Um dia chegou à fazenda um imenso canudo de fôlha, enviado de corrido para enriquecer o seu editor, morreu,como entretanto, paupérrimno.
Goiás. Vinha todo coberto de ferrugem, e não sem Residiu algum tmpo em Queluz de Minas, professor de latim,
que se conseguiu arrancar-lhe a tampa, alguma dificuldade contando-se entre seus alunos o Vidigal famoso, que hoje contribui por
extraindo-se-lhe um pergami
nho amarelado, de que pendia uma fita vermelha e grossa aí à justiça como juiz de direito ou municipal. Transferindo-se para
prata. Era a sua carta de bacharel, que meu pai esquecera medalha de Ouro Prêto, sua popularidade aí era espantosa. A ex-capital era por
em Ca essa época uma vasta e bulhenta confederação de repúblicas de estu
talão, e que mão amiga lhe remetia pelo Correio, na
são de que le ainda viesse dela a ingênua persua dantes, e à convivência dêstes, entregava-ge meu pai examinador
não [sei] se feliz ou infelizmente paraprecisar. Isto, porém, não se deu,
a magistratura, perpétuo de preparatórios no Liceu Mineiro preferindo-a à dos polí
com a qual nao ticos, que evitava sempre que podia. Os estudantes adoravam-no,
tardou muito a se incompatibilizar:
pudesse ser juiz. tinha coração demais para que disputavam-no, e não só os estudantes como o povo, grandes e peque
nos. Quando morreu, estabeleceu-se uma verdadeira romaria à casa
0 que dêle se diz, a propósito da soltura dos presos em que morávamos, emn um afastado arrabalde, e o seu funeral foi uma
Catalão, não deixa de ter seu fundo da cadeia de
como contam. de verdade, mas mão se passou apoteose.
Tratava-se de uma cadeia úmida, sem as
condições de higiene. Basta que nela nunca necessárias Era tão bom, tão bom que, segundo um contemporâneo que o bio
infelizes que lá se achavam, dizer entrara o sol. Os
estavam atacados de beribéri, grafou, levou para o túmulo o segrêdo de ter vivido 59 anos sem ter
culosos, outros. Pelo que são uns, tuber feito um só inimigo.
ainda hoje os presídios do interior de Belo Horizonte, 12-8-1925. Horácio Guimarães.
BERNARDO GUIMARES
520

O TERCEIRO FILHO D0 POETA MINEIRO


0 QU DIZ
tam
do autor da Escrava Isaura,
Afonso Guimarães, outro filho escreveu o seguinte:
bém para o " Correio da Manhã", aos 30 de
a
"Nasci em Queluz de Minas,e souantiga Vila dos Carijós,
o quinto filho de meu pai. Men
abril de 1876. chamo-me Afonso robusto, cabelos anelados, grandes olbos
pai, que exemplar! alto,
bôca espirituosa e sorridente,seus nariz romano, bar
rasgados e mansos, o melhor dos retratos naguele ÍNDIOE
ba bipartida e encaracolada, tendo de Rubens e naguele no
sátiro do "Sátiro
e a Vendedora de frutas",
estampado na revista D. Quizote e
trait-charge de Ângelo Agostini, modelou aquêle busto da herma
pelo qual foi, decerto, que Bernardelli parece o busto de um fauno
da Praça da Liberdade, que mais bo
mio, romancista e poeta. em
Se bem que êle tivesse tocado às raias da inspiração genial
"Devanear de um Céptico", primor literário de tão pungente cepticismo
" Evocações" e
filosófic0, e da originalidade em "Orgia dos Duendes",
"Combate de Touros", foram a sua bonomia
e a sua fortaleza que
na e nela revivem nas rec0rdações de minha
mais me calaram alma
infância, já tão longíngua...
Estou a vê-lo, quando de Ouro Prêto, abalávamos para
o
retiro do
primo João, atravessando o açude profundo do moinho e, a sacudir a
em nado silencio
água da cabeleira parnasiana, tranpô-lo às braçadas
so, 0s braços poderosos e as mãos enormes transformadas em remo que
lhe arrastavam fàcilmente o corpo à flor das águas com0 um 2yolel
Estou a vê-lo... Afonso Guimarães".
ÍNDICE

XI
XIX
Introdução Guimarães
Cronologia de Bernardo

POESIAS 1865

3
Prólogo

CANTOS DA SOLIDÃO 9
Ao leitor 11
Advertência da segunda edição
Sr. Coronel Antônio Felisberto Nogueira, endere 13
Ao Ilmo. solidão"
çando-lhe éstes "Cantos da 15
Prelúdio 16
Amor ideal 19
Hino à aurora 21
Invocação 28
Primeiro sonho de amor oferecida a meu amigo o Sr. A, C. C.
A uma estrêla, poesia 30
V. C. 33
0 êrmo 40
0 devanear do céptic0 45
47
Desalento ao meu amigo o Sr. F. J. de Cergeira
No meu aniversário, meu irmão
49
Visita à sepultura de 53
sepultura de um escravo de F. Dutra e
Melo 54
0
destino do vate, à memória 58
Esperança

INSPIRAÇÕES DA TARDE
65
Inyocação à saudade 66
Recordação 70
Ilusão 71
O sabiá 76
Hino do prazer 82.
Hino à tarde
BERNARDO GUIMARAES
524 ÍNDICE 525

POESIAS DIVERSAS
89
O
brigadeiro Andrade Neves, barão do Triunfo
A cismadora
- Ode 231
234
0 nariz perante
os poetas
93 À morte de Teófilo B, Otôni 237
À saia balão 98 Nênia, oferecida à Ex.ma Sr. D. Maria da Conceição Soares
Ao charuto Ode i00 Ferreira, espôsa do capitão Soares Ferreira, mmorto em Lomas
(15 dc agôsto
)
Ao meu aniversário 104 Valentinas 240
Gentil Sofia Balada 243
Sirius sonho de um jornalista pocta
Dilúvio de papel,
107
A campanha do Paraguai Heróides brasileiras
125
Minha rêde
Galope infernal - Canção
Balata
Adeus, a meu cavalo branco
chamado Cisne
128
136
Invocaço
Lopez e Humaitá
25)
254
139 III Osório e a passagem do Passo da Pátria 259
Idílio 144 Riachuelo e Barroso 263
A orgia dos duendes
IV
152 Uruguaiana e Canavarro 269
Olhos verdes
Uma filha do campo 152 VI Tuiuti e 24 de Maio 273
Ilusão desfeita 154 VII Pôrto-Alegre 279
Utinam, imitado de V. Hugo 155 VIII Assalto a Curuzu 283
Foge de mim
Que te darei
A fugitiva
- Canção
156
157
158
Barcarola
0 adeus do voluntário
Cantiga
289
291
293
0 bandoleiro Canção 160 Se eu de ti me esquecer 294
Ao cigarro Canção 162 A morte de Flávio Farnese 295
Aureliano Lessa, versos escritos no álbum de meu amigo João
EVOCAÇõES Raimundo Duarte junto a uma paisagem da Diamantina 299
Adeus da musa do Itamonte 303
Advertência 169 A Bernardo Guimarães (Pedro Fernandes) 305
Sunt acrimae rerun 170 A poesia, resposta a Pedro Fernandes 308
Prelúdio 171 Estrofes dedicadas à o brigada mineira gue partiu de Ouro
Primeira evocação 174 Prêto em 1864 sob comando do brigudeiro Galvão 314
Segunda evocaço 177 Melodia, à Ex.m Sr. D. Joana Perpétua de Oliveira Santos 317
Terceira evocação 179
Lembrança, a M. L.

-
182
Nostalgia 184
Saudade 188 FÔLHAS DO OUTONO 1883
Lembrar-me-ei de ti 188
A meus primeiros cabelos brancos 190
Cenas do sertão, fragmentos de uma epístola Prólogo 327
dirigida a wm
amigo da provincia de Goiás 194 Ode, ao meu amigo Dr. Francisco de Paula Pereira Lugoa,
por ocasião do fale cimento de se pai 335
A BAÍA DE B0TAFOGO Estrofes, ao Dr. F. L. Bittencourt Sampaio, por ocasião de
sua vinda a Ouro Prêto, em 1875 338
A baía de botafogo Canto épico 205 Poesia feita por ocasião do 14.0 aniversário da Ex,m Sr." D.
Luisa Augusta Amaral da Veiga 340
Hino dedicado ao 8.0 Batalhão de Voluntários, que em abril
de 1866 partiu de Ouro Prêto a tomar parte na camnpanha

NOVAS POESIAS - 1876


do Paraguai debaico do comando do S. tenente-coronel (hoje
brigadeiro) Amorim Rangel
Flor sem nome
vôo angélico, poesia dedicada à jovem Seinel da Companhia
O
342
344

do Circo Eqüestre do S. Luis Casali 345


Prólogo Pedro de Moura Estévão,
219 Poesia dirigida ao meu amigo Sr.
Elegia, a meu amigo e sobrinho o Dr. em memória de sua irmã a Ee. ma Sr.a D. Virginia de Moura
marães Alvim por ocasião do Gabriel Caetano Gui
falecimento de sua espôsa, D. Pacheco Estêvão, falecida a 19 de maio de 1880 346
Áurea Carolina de Andrade Dous anjos, a meu amigo Francisco Lana, por ocasião da morte
0 meu vale, a meu amigo Ovidio João 223
de suas duas inocentes filhas gêmeas 347
Paulo e
Andrade 227
S
GUIMARAEs ÍNDICE
BERNARDO 527
526
e colega o Sonêto, ao men umigo, o Capitão de Engenheiros Paulo Barbo8a
morrer, poesia oferecida a meu amigo memória.
Não queiras Alves de Brito, à da Silva, quando saiu do Rio de Janeiro a 16 de março 1825,
Sr. desembargador José Antóniona idadle de 20
anog 348 a concluir seus estudos em França
falecida 412
de sua filha Zulmira, 350 Sonêto à morte de uma formosa e célebre meretriz, conhecida
A Camões no T'eatro do Ouro Prêto,
por ocasião pelo apelido de Luminária
Camões, poesia recitada
o terceio centenário do grande épico
portu 412
de celebrar-se 0 empregado público Sonêto 413
354 Luís XIII 413
guês. Tinoco, espirituoso
e ilustrado sepultura de...
Estrofes, dedicadas ao Sr. José quando passou pelo Ouro
À Sonêto 414
cronista do "Jornal do
Prêto acompanlhando SS.
vincia
Comércio,
MM. I1. em sua visita a esta pro
Carlos de Mogt
357
de Inês de Castro -
Sonêto improvisado depois de uma representação da tragédia
por Ferreira
Sonêto, a um amigo da roça
414
415
Uma lágrima (à memória do Dr. Francisco A buena-dicha Madrigal 415
poesia cscrita no álbum da r.ma Sr D. Ambrosina Apólogo
lhães), 416
Augusta de Magalhãcs e 359 Elegia, à morte de D. Pedro I 418
Epitalâmio Benjamim Cocota 361
Décimas ao aniversário natalicio de minha sobrinha Maria Ca
meu irmão POESIAS DO PADRE MANOEL J. DA SILVA GUIMARÄES
nuta, habilissima pianista e cantora, filha de
desembargador Joaquim Cactano da Silva Guimarães 362 Saudade de minha aldeia 425
Fagundes Varela 363 0 inválido de Caseros 427
À
Morte da inocente Maria, filha do meu amigo Pedro Quei
Toga 366 DISPERSOS
A sereia e o
pescador Balata 367
No álbum de B. Horta, estrofcs dedicadas a meus jovens ami Morte de Gonçalves Dias Canto elegiaco
gos os Srs. Bernardo Horta de Araújo e 433
Estêvão
Hino à lei de 28 de Setembro de 1871, emancipação
Pedro de Moura
prole a
377 Sonêto -
A uns quinze anos
Eu vi dos polos o gigante alado
Mote estrambótico
441
442
442
das escravas 381 Lembranças do nosso amor 444
Hino a Tiradentes, composto por ocasião da comemoração do Disparates rimados 445
9.° decenário da ezecução do infeliz mártir da liberade e Parecer da comissão de Estatística a respeito da freguesia
pósto em música pelo hábil e inspirado maestro o Sr. Enilio da Madre-de-Deus-do-Angu 447
Soares de Gouveia Horta 382 Dedicatórias 448
Saudades do serto do oeste de Minas, fantasia dedicada ao Trabalho e luz 449
meu particular amigo o Dr. Francisco Lemos, engenheiro Tributos de saudade, à memnória do neu jovem amigo Dr. An
provincial daquela z0na 384 tônio Augusto do Amnaral, falecido a 22 de março de 1883 450
Saudação e homenagem a SS. MM. o Imperador e a Imperatriz À memória de monsenhor Felicíssimo [últimos versos] 452
do Brasil, por ocasião de sua visita a Ouro Prêto em 1881 388
Saudação a Sua Majestade o Sr. D. Pedro II 388 Notas 455
Saudação a Sua Majestade a Imperatriz do Brasil, por ocasiao
de sua visita à capital da provincia de Minas Gerais 390
Hino A S. M, I. o Sr. D. Pedro II, cantado perante SS. MM.
II. pelas alunas da Escola Normal do Ouro Prêto 392
À moda (1878) 394
Hino à preguiça 397
0 Ipiranga e o 7 de Setembro, a José Bonifácio 400
ALGUMAS POESIAS DE MEU
SILVA GUIMARES E DE MEU
PAI JOÃO JOAQUIM DA
J. DA SILVA GUIMARAES IRMÁO PADRE MANOEL
Algumas palavras ao leitor
405
POESIAS DE MEU PAI
JOÃO JOAQUIM DA SILVA
GUIMARES
A João Cardoso
A um cravo achado no 411
chão Sonêto 411
ILUSTRAÇÕES
Bernardo Guimarães na sua mais conhecida fotografia
Litografia alegórica de Bernardo Guimares publicada no n,o 375 da Revista
Ilustrada" de março de 1884. Desenho de George Manders.

Casa onde faleceu Bernardo Guimarães, no Alto das Cabeças, em


Ouro Prèto
Outro aspecto da casa onde faleceu o poeta, no Alto das Cabeças, em Ouro Prêto

Mausoléu de Bernardo Guimarães, erigido pelo govêrno mineiro


no Cemitrio da Igreja de S. José, em Ouro Prêto
Herma de Bernardo Guimares, levantada na Praça da Liberdade,
em Belo Horizonte. Escultura de Rodolfo Bernardelli.

D. Teresa Maria Gomes, espôsa do poeta. Faleceu em Belo


Horizonte em 1934.
POESIAS NOVAS POESIAS
DE
DE

BERNARDO GUIMARAES
GUIMARAES
B. J. DA SILVA

B. L. G.

RIO DE JANEIRO
B.-L. GARNIER
LIVREIRO-EDITOR DO INSTITUTO HISTORICO
65, Rua do Owidor, 65
PARIS PORTO
E, BELHATTE ERNESTo OHARDRON

RIO DE JANEIRO 1876

LIVRARIA DE B.-L. GARNIER, EDITOR


69, rua do Ouvidor, 69. de Novas Poesias, de
Fac-símile da fôlha de rosto da primeira edição
PARIS. AUG. DURAND, LIVREIRO Bernardo Guimarães
7, rua des Grès, 7.

1865
Folha de rosto da primeira ediço de Poesias, de Bernardo Guimares
FOLHAS D0 0UTONO

rOR

BERNARDO GUIMARES

DSTE LIVRO FOI COMPOSTO IMPRESSO


NAS OFICINAS DA EMPRESA GRAFICA DA

"REVISTA DOS TRIBUNAIS" S. A., A RUA


CONDD DE SARZCDAS, 38, SAO PAULO,
EM 1959.

RIo DE JANEIRO

B. L. GARNIER- Livreiro-Cditor
71 RUA DO OUVIDOR 71

1883

rôlha de rosto da primeira e única edição de Fölhas de Outon0, de


Bernardo Guimarães

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