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História Da Filosofia 2
História Da Filosofia 2
Segundo volume
Nicola A bbagnano
DIGITALIZAÇÃO E ARRANJO:
ÂNGELO MIGUEL ABRANTES
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
VOLUME II
XIII
A ESCOLA PERIPATÉTICA
§ 86. TEOFRASTO
sentiu pela música, à qual dedicou uma obra intitulada Harmatúa, de que
nos restam fragmentos. Foi também autor de biografias de filósofos, em
particular de Pitágoras e de Platão.
§ 88. ESTRATÃO
mento -dizia ele - não há sensação." Mas, por outro lado, tanto o
pensamento como a sensação não são mais que movimento e deste modo
voltam a entrar no mecanismo geral da natureza.
Depois de Estratão, a escola peripatética continuou o seu trabalho
através de numerosos representantes dos quais nos restam escassas
notícias e fragmentos. Mas estes dedicaram-se todos a investigações
naturalistas particulares e assim não trouxeram contributos relevantes à
ulterior elaboração da filosofia aristotélica.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
]o
XIIII
O ESTOICISMO
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a vida teorética como a mais alta manifestação da vida do homem e ele
mesmo encara e defende com a sua obra os interesses desta actividade,
levando a sua investigação a todos os ramos do cognoscível. Só a partir
dos Cínicos o equilíbrio harmónico entre ciência e virtude se rompe pela
primeira vez: eles puseram o acento no peso da virtude em detrimento da
ciência e tornaram-se partidários de um ideal moral propagandístico e
popularucho, chegando a ser gravemente infiéis aos ensinamentos do seu
mestre.
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A produção literária de todos estes filósofos, que deve ter sido imensa,
perdeu-se e dela só nos restam fragmentos. Estes nem sempre são
referidos a um autor singular, mas amiúde aos Estoicos em geral, de modo
que se torna muito difícil distinguir, na massa das notícias que nos
chegaram, a parte que corresponde a cada um dos representantes do
Estoicismo. Por isso se deve expor a doutrina estoica no seu conjunto,
mencionando, quando possível, as diferenças ou as divergências entre os
vários autores.
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Com o termo Lógica, adoptado pela primeira vez por Zenão, os Estoicos
expressavam a doutrina que tem por objecto os logoi ou discursos. Como
ciência dos discursos contínuos, a lógica é Retórica; como ciência dos
discursos divididos por perguntas e respostas, a lógica é dialéctica.
Mais precisamente, a
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e marcada por isso em conformidade com ele próprio, de modo que não
poderia nascer de um objecto diferente. Por outro lado, Zenão (segundo
um testemunho de Cioero, Acad., 11, 144) colocava o significado da
representação catalética na sua capacidade de prender ou compreender o
objecto. Ele comparava a mão aberta e os dedos estendidos à
representação pura e simples; a mão contraída no acto de agarrar, ao
assentimento; o punho fechado à compreensão catalética. Finalmente, as
duas mãos apertadas uma sobre a outra, com grande força, eram o símbolo
da ciência, a qual dá a verdadeira e completa posse do objecto.
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evidência não contraditada, tal que solicito com toda a força o
assentimento, o qual, no entanto, permanece livre. Consequentemente,
definiam a ciência como "uma representação catalética ou um hábito
imutável para acolher tais representações, acompanhadas pelo raciocínio"
(Diog. L., VII, 47); e consideravam que não há ciência sem dialéctica,
cabendo à dialéctica dirigir o raciocínio.
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Como se vê, nem Deus existe entre as coisas incorpóreas. O próprio Deus,
como razão cósmica e causa de tudo, é corpo: mais precisamente é fogo.
Mas não o fogo de que o homem se serve, que destrói todas as coisas: é
antes um sopro cálido (pneuma) e vital que tudo conserva, alimenta, faz
crescer e também sustém. Mas este sopro ou espírito vital, este fogo
animador é também ele corpo. Chama-se razão seminal (logos spermatikós)
do mundo porque contém em si as razões seminais segundo as quais todas
as coisas se geram. Como todas as partes de um ser vivo nascem da
semente, assim toda a parte do universo nasce de uma mesma semente
racional, ou razão seminal. Estas razões seminais são frequentemente
misturadas umas com as outras, mas, ao desenvolverem-se, separam-se e
dão origem a seres diferentes, e assim todas as coisas nascem da unidade
e se incluem na unidade. Contudo, a distinção entre as diferentes coisas
é perfeita; não existem no mundo duas coisas semelhantes, nem mesmo duas
folhas de erva.
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para o princípio que opera e age no homem. Não faltou, porém, entre os
mestres do Stoa quem quisesse reconhecer a iniciativa do sage uma certa
margem de liberdade no confronto com a própria ordem cósmica. Crisipo
distinguia entre as causas perfeitas e fundamentais e as concomitantes
ou próximas. As primeiras agem com necessidade absoluta; as segundas
podem sofrer a nossa influência; e mesmo quando não a sofrem está no
nosso poder secundá-las ou não. Assim como quem dá um impulso a um
cilindro lhe imprime o começo do movimento mas não a capacidade de
rodar, assim os objectos externos imprimem dentro de nós a representação
mas não determinam o assentimento que permanece em nosso poder. Nestes
limites, a vontade e a índole de cada um podem influir, em conformidade
com a ordem do todo, na escolha e na execução das acções (Cícer., De
fato,
41-43; Aulo G., Noet. att., VII, 2).
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viver "segundo uma razão única e harmónica". "Ao acordo consigo próprio,
Cleanto acrescentou o acordo com a natureza e por isso define o fim do
homem como "a vida conforme a natureza". E Crisipo exprimo a
mesma coisa dizendo: "viver conforme com a experiência dos
acontecimentos naturais" (Stobeo, Ecl., 11, 76, 3). Mas parece que já
Zenão tinha adoptado a fórmula do "viver segundo a natureza" (Diog. L.,
VII, 87). E indubitavelmente esta é a máxima fundamental da doutrina
estoica.
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Entre a virtude e o vício não há, portanto, meio termo. Como um pedaço
de madeira ou é direito
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outras não, como os seus contrários. Existem, pois, além dos bens (a
virtude), outras coisas que não são bens mas que, todavia, são também
dignos de ser escolhidos. E para indicar o conjunto dos bens e de tais
coisas os Estoicos utilizaram a palavra valor (axia). Valor é, portanto,
"todo o contributo para uma vida conforme com a razão" (Diog. L., VII,
105) ou em geral "aquilo que é digno de escolha" (Cicer., De fin., 111,
6, 20). Com esta noção de valor fazia o seu ingresso na Ética um
conceito que devia revelar-se de grande importância na história desta
disciplina.
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a sua própria natureza e do mundo. A escravatura imposta pelo homem
sobre o homem, para os Estoicos, nã o passa de malvadez (Diog. L., VII,
121),
NOTA BIBLIOGRáFICA
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XIV
O EPICURISMO
§ 96. EPICURO
Aos 18 anos, Epicuro dirigiu-se a Atenas. Não está demonstrado que tenha
frequentado as lições de Aristóteles e de Xenócrates que era naquele
tempo o chefe da Academia. Começou a sua actividade de mestre aos 32
anos, primeiro em Mitilene e em Lâmpsaco, e alguns anos depois em Atenas
(307-06 a.C.), onde permaneceu até à sua morte (271-70).
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A escola tinha a sua sede no jardim (kepos) de Epicuro pelo que os seus
sequazes foram chamados "filósofos do jardim". A autoridade de Epicuro
sobre os seus discípulos era muito grande. Como as outras escolas, o
Epicurismo constituía uma associação de carácter religioso, mas a
divindade a que era dedicada esta associação era o próprio fundador da
escola. "As grandes almas epicuristas -diz Séneca (Ep., 6) - não as
formou a doutrina mas a assídua companhia de Epicuro". Tanto durante a
sua vida como depois da sua morte, lhe tributaram os discípulos e os
amigos honras quase divinas e procuraram modelar a sua conduta pelo seu
exemplo. "Comporta-te sempre como se Epicuro te visse"-era o preceito
fundamental da escola (Séneca, Ep., 25).
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EPICURO
dos deuses, demonstrando que pela sua natureza feliz, não se ocupam das
obras humanas. 2.' Libertar os homens do temor da morte, demonstrando
que ela não é nada para o homem: "quando nós existimos, não existe a
morte; quando a morte existe, não existimos nós" (Ep. a Men., 125).
3.' Demonstrar a acessibilidade do limite do prazer, isto é, o alcançar
fácil do próprio prazer; 4.' Demonstrar a distância do limite do mal,
isto é, a brevidade e a provisoriedade da dor.
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O erro, que não pode subsistir nas sensações e nos conceitos, pode
subsistir, em contravertida, na opinião, a qual é verdadeira se é
confirmada pelos testemunhos dos sentidos ou pelo menos não contraditada
por tal testemunho; é falsa no caso contrário. Atendo-se aos fenómenos,
tal como se nos manifestam mercê das sensações, pode-se, com o
raciocínio, estender o conhecimento até às coisas que para a própria
sensação são desconhecidas; mas a regra fundamental do raciocínio é,
neste caso, o mais rigoroso acordo com os fenómenos percebidos.
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Como os Estoicos, Epicuro afirma que tudo aquilo que existe é corpo
porque só o corpo pode agir ou sofrer uma acção. De incorpóreo, admite
apenas o vazio, mas o vazio não age nem sofre alguma coisa, apenas
permite aos corpos moverem-se através de si próprio (Ep. ad Her., 67).
Tudo aquilo
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Mas, por isto, a doutrina de Epicuro não se pode confundir com um vulgar
hedonismo. Opor-se-ia a tal hedonismo o culto da amizade que foi
característico da doutrina e da conduta prática dos Epicuristas. "De
todas as coisas que a sageza nos oferece para a felicidade da vida, a
maior é de longe a aquisição da amizade" (Max. cap., 27). A amizade
nasceu do útil, mas ela é um bem por si mesma. O amigo não é aquele que
procura sempre o útil, nem quem nunca o une à amizade, dado que o
primeiro considera a amizade como um tráfico de vantagens, o segundo
destrói a confiada esperança de ajuda que constitui grande parto da
amizade (Sentenças Vaticanas, 39, 34, Bignone).
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para a utilidade comum, isto é, para que se evite
* fazer-se recIprocamente dano, é muito difícil que
* sage se deixe arrastar a cometer uma injustiça ainda que esteja seguro
de que o seu acto permanecerá desconhecido e que, por isso, não lhe
trará dano. "Quem alcançou o fim do homem, ainda que ninguém esteja
presente, será igualmente honesto" (fr. 533, Usener).
Quanto à vida política, Epicuro reconhecia as vantagens que ela traz aos
homens, obrigando-os a acatar as leis que os impedem de se prejudicarem
mutuamente. Mas aconselhava ao sage que permanecesse alheio à vida
política. O seu preceito é: "vive escondido" (fr. 551). A ambição
política só pode ser fonte de perturbaçã o e, portanto, obstáculo para o
alcançar da ataraxia.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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§ 99. Sobre Epicuro em geral: BAILEY, The Greek Atomists and Epicurus,
Oxford, 1928; N. W. DE WITT, Epicurus and his Philosophy, Minneapolis,
1954.
x_V
O CEPTICISMO
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§ 103. PIRRO
Esta suspensão leva a admitir que todas as coisas são indiferentes para
o homem e evita que se conceda qualquer preferência a uma mais do que a
outra. Assim a suspensão do juízo é já por si mesma ataraxia, ausência
de qualquer perturbação ou paixão. Para ser coerente, Pirro, que não
tinha fé nos sentidos, andava em redor sem olhar e sem se esquivar de
nada, afrontando os carros se os encontrava, precipícios, cães, etc.
(Diog. L., IX, 62).
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Aquele que iniciou este novo rumo da Academia foi Arquesilau de Pitane
(315/14-241/40) que sucedeu a Cratete na direcção da escola. Arquesilau
não escreveu nada, de modo que conhecemos as suas doutrinas só
indirectamente.
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Segundo Sexto Empírico, Enesidemo admitia dez modos (tropi) para chegar
à suspensão do juízo.
O primeiro é a diferença entre os animais, pela qual não podemos julgar
entre as nossas representações e as dos animais, porque derivam de
diferentes constituições corpóreas. O segundo é a diferença entre os
homens; o terceiro o da diferença entre as sensações; o quarto, o das
circunstâncias, isto é, das diferentes disposições humanas. O quinto é o
das posições, dos intervalos e dos lugares. O sexto, o das misturas. O
sétimo, o da quantidade e composições dos objectos. O oitavo, o da
relação das coisas entre si e com o sujeito que as julga. O nono, o da
continuidade ou raridade dos encontros entre o sujeito que julga e os
objectos. O décimo, o da educação, dos costumes, das leis, das crenças,
e das opiniões dogmáticas. Cada um destes modos estabelece uma
diversidade nos conhecimentos humanos
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A Agripa (de quem não se sabe nada), atribui Sexto Empírico outros cinco
modos para alcançar a suspensão do juízo, modos de carácter dialéctico,
úteis sobretudo para refutar as opiniões dos dogmáticos: 1.' o modo da
discordância, que consiste em mostrar um dissídio insanável entre as
opiniões dos filósofos e, por conseguinte, a impossibilidade de escolher
entre elas, 2.' o modo que consiste em reconhecer que toda a prova parte
de princípios que, por ;sua vez, exigem prova e assim até ao infinito;
3.O o modo da relação, pelo qual nós conhecemos o objecto relativamente
a nós, e não qual é em si próprio; 4.' o modo da hipótese, pelo qual se
vê que toda a demonstração se funda em princípios que não se demonstram,
mas se admitem por convenção; 5.O o círculo vicioso (dialelo), pelo qual
se assume como demonstrado precisamente aquilo que se deve demonstrar: o
que demonstra a impossibilidade da demonstração.
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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nicos e Contra os dogmáticos foram editados criticamente por Mutschmann,
Leipzig, 1912-14. Os Elementos foram traduzidos para italiano por
BISSOLATI, Ipotiposi pirroniani, Flor(-nça, 1917, e por TESCARI, Schizzi
pirroniani, Bari, 1926. Sobre Sexto, ver ZELLER, III,
2. p. 49 ss.. Sobre a lógica do Cepticismo: PRANT4 ob. cit., p. 497 ss..
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XVI
O ECLECTISMO
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Mas a própria certeza incondicionada que Filon excluía foi admitida pelo
seu sucessor, Antíoco de Ascalona, com o qual a Academia abandona
definitivamente o cepticismo para inclinar-se para o eclectismo. Antíoco
(morto em 68 a.C.) foi também mestre de Cícero que ouviu as suas lições
no Inverno de 79-78 e entrou em polémica literária com Ffion. Sem uma
certeza absoluta não é possível, segundo Antíoco, nem sequer estabelecer
graus de probabilidade, dado que a probabilidade se pode julgar somente
pelo fundamento da verdade e não se pode admitir aquela se não se está
na posse desta. Como critério da verdade ele colocava o acordo entre
todos os verdadeiros filósofos e procurou demonstrar esse acordo entre
as doutrinas académicas, peripatéticas e estoicas, só o conseguindo à
custa de graves deformações.
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1,
CICERO
Menipo de Gadara, pelos meados do século 111 a.C., nas suas sátiras
escritas em prosa mas intercaladas de versos, representou cenas
burlescas
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§ 113. SÉNECA
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(IV, 21). Nisto Marco Aurélio é mais fiel que o platonizante Séneca à
doutrina original do Estoicismo.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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XVIII
PRECURSORES DO NEOPLATONISMO
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§ 117. OS NEOPITAGóRICOS
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Se, por uma parte, a filosofia grega estende a mão neste período à
sabedoria oriental, por outra a sabedoria oriental estende a mão à
filosofia grega, solidarizando-se com ela na mesma tentativa de fundir
juntamente os resultados da especulação grega e da tradição religiosa do
Oriente.
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MARCO AURÉLIO
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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§ 120. Das obras de Ffion as edições são: Mangey, Londres, 1742 (com
tradução latina); Richter, Leipzig, 1828-30; Cohn e WendIand, Berlim,
1896 ss. Commentaire allégorique des saintes lois, texto, tradução
francesa e comentário de BRÉHIER, Paris, 1909.
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XVIII
O NEOPLATONISMO
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Por isso o Neoplatonismo não tem nada que ver com o Platonismo original
e autêntico. É, pelo contrário, uma espécie de escolástica que utiliza o
Platonismo, em mistura confusa com elementos doutrinais heterogéneos com
o fim de justificar uma atitude religiosa. O facto de Proclo, o
representante mais sabedor da escolástica neoplatónica, ter considerado
apócrifas a República e as Leis de Platão, que se prestam mal, pelo seu
dominante interesse político, a serem utilizadas para os fins de uma
apologética religiosa, constitui uma prova evidente da descontinuidade
que existe entre o Platonismo e Neoplatonismo e da impossibilidade de
utilizar este último como elemento de compreensão histórica do
Platonismo originário.
Entro os seus alunos contaram-se Orígenes, que não se deve confundir com
o Orígenes cristão (§ 144), e Cássio Longino (cerca de 213-273),
retórico o filólogo, sob o nome do qual nos chegou o escrito Do sublime,
que não obstante não é seu.
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Além disso, a definição de Deus como unidade não tem nada a ver com o
monoteísmo. Conformemente a toda a tradição grega, Plotino defende
explicitamente o politeísmo como consequência necessária do poder
infinito da divindade. "Não restringir a divindade a um único ser, fazê-
la ver múltiplice: como ela própria se manifesta, eis o que significa
conhecer o poder da divindade, capaz, ainda que permanecendo aquele que
é , de criar uma multiplicidade de deuses que se ligam com ele, existem
para ele, existem para ele e vêm dele" (11, 9, 9).
Para uma divindade concebida deste modo a criação não pode ser um acto
de vontade, o que implicaria uma mudança na essência divina. A criação
acontece de tal maneira que Deus permanece imóvel no centro dela, sem
querê-la nem consenti-Ia. Ela é um processo de emanação, semelhante
àquele pelo qual a luz se difunde em torno do corpo luminoso ou o calor
em torno do corpo cálido ou, melhor, semelhante ao perfume que emana do
corpo odorífero (V, 1, 6). Utilizando a noção aristotélica de Deus como
"pensamento do pensamento" (§ 78), Plotino interpreta a própria emanação
como o pensamento que o Uno pensa de si.
O Uno, pensando-se, dá origem ao Intelecto, que é a sua imagem (V, 4,
2); o Intelecto, pensando-se, dá origem à Alma, que é a imagem do
Intelecto (IV, 8, 3). Passando rapidamente de imagem a imagem, a
emanação @ também um processo de degradação. Aquilo que emana do Uno é
inferior ao Uno, assim como a luz é menos luminosa do que a fonte donde
emana e a onda de perfume é menos intensa à medida que se afasta do
corpo odorífero. Os seres que emanam de Deus não podem--- por-
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séneca
tanto, ter nem a sua perfeição nem a sua unidade, mas tendem cada vez
mais para a imperfeição e a multiplicidade.
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Dominado como está pela Alma universal, o mundo tem uma ordem e uma
beleza perfeitas. Para descobrir esta ordem é necessário olhar o todo no
qual encontra o seu posto e a sua função cada parte singular, ainda
aquela aparentemente imperfeita ou má. O próprio vício tem uma função
útil ao todo porque se torna um exemplo da força das leis e acaba por
produzir consequências úteis (111, 2, 5).
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póreos; com a temperança liberta-se das paixões; com a coragem não teme
separar-se do corpo; com a justiça faz que comande em si apenas a razão
e o Intelecto (1, 2, 3). A virtude como purificação constitui, contudo,
apenas uma condição libertadora do itinerário interior em direcção a
Deus. Na música, no amor e na filosofia, a alma encontra os caminhos
positivos do retorno a Deus.
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Dos escritos do seu discípulo Sinésio de Cirena (nasceu por volta do ano
370) que em 411 se torna bispo de Ptolomaida (§ 169) parece que ela
expusera a doutrina neoplatónica segundo os ensinamentos de Jâmblico.
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semelhança com ela, permanece aderido a ela e por sua vez se afasta
dela; 3.' o retorno ou conversão (epistrophé) do ser derivado à sua
causa originária. Aquele processo de emanação, que Plotino ilustrava em
termos metafópicos com o exemplo da luz e do odor, é justificado por
Proclo com esta dialéctica da relação entre a causa e a coisa produzida,
pela qual ao mesmo tempo se enlaçam, se separam e voltam a unir-se num
processo circular no qual o princípio e o fim coincidem.
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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SEGUNDA PARTE
FILOSOFIA PATRISTICA
O CRISTIANISMO E A FILOSOFIA
§ 128. A FILOSOFIA GREGA E A TRADIÇÃO CRISTã
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lio
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o seu próprio eu, o que esta total entrega a Deus implica para o homem
disse-o Jesus no Sermão da Montanha. O reino de Deus é para os pobres de
espírito, para os que sofrem, para os pacíficos, para aqueles que
desejam a justiça, para os que são perseguidos. Isto impõe ao homem o
amor. À lei do Velho Testamento: "Olho por olho, dente por dente", Jesus
opõe a nova lei cristã: "Amai os vossos inimigos, e orai pelos que vos
perseguem e caluniam, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos
céus, o qual faz nascer o sol para os bons e os maus e dá a chuva aos
justos e aos injustos. Pois se amais apenas os que vos amam que mérito
tereis? Não fazem os publicanos 1 o mesmo? E se estimais ape-
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Na pregação de Jesus, Deus mais do que Senhor é o Pai dos homens; mais
do que executor daquela justiça inflexível e vingativa que lhe atribuíam
os hebreus, é fonte inesgotável de amor, que aponta a todos os homens
como primeiro e fundamental dever. A comunidade humana que deverá surgir
da pregação de Cristo será , portanto, uma comunidade fundada no amor.
Mesmo a relação entre o homem e Deus deve ser uma relação de amor. O
homem deve abandonar-se à providência do seu Pai celeste: "Procurai
antes de mais nada o reino de Deus e
a sua justiça e tudo o restante vos será concedido" (S* Mateus, 6, 33).
Mas este abandono não deve ser uma expectativa inerte. "Velai-disse
Jesus porque não sabeis o dia em que chegará o vosso Senhor. (S. Mateus,
24, 42). Esperar pelo reino de Deus significa preparar-se
incessantemente para ele. Não é concedido sem esforço: "Pedi e
recebereis; procurai e encontrareis; batei e as portas se abrirão" (S.
Lucas, 11, 9). Todo o ensinamento de Jesus pretende transmitir a
necessidade desta expectativa activa e preparatória, desta procura sem a
qual não é possível tornarmo-nos dignos do reino de Deus. Por isso Jesus
se volta de preferência para os humildes e para os que sofrem ("Eu fui
enviado apenas às ovelhas tresmalhadas da casa de Israel", S. Mateus,
15, 24), enquanto considera que o seu apelo ressoa em vão naqueles que
estão contentes consigo e nada têm que pedir à vida": "É mais fácil
passar um camelo pelo cu de uma agulha do que entrar um rico no reino de
Deus" (S. Mateus, 19,
24). Só pela dor, pela inquietação e pela necessidade nasce no homem a
aspiração da justiça, da paz e do amor, que conduz ao reino de Deus.
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3.* O conceito da graça como acção salvadora de Deus através da fé. "Não
acontece com o pecado o que sucede com a graça; pois se pelo pecado de
um pereceram muitos, muito mais abundou a graça de Deus e o dom da graça
de um homem: Jesus Cristo" (Rom., V, 15-16).
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em mim, para que todos sejam uma única coisa, como tu, 6 Pai, estás em
mim e eu em ti, para que eles estejam em nós e todo o mundo acredite que
tu me enviaste". (17, 20-21).
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tentativa contínua de aproximar os homens do significado essencial da
mensagem cristã, reunindo-os numa comunidade universal (catolicismo), na
qual o valor de cada homem se baseia unicamente na sua capacidade de
viver em conformidade com o exemplo de Cristo. Mas a condição
fundamental desta aproximação é a possibilidade de compreender o
significado daquela mensagem; e tal tarefa é própria da filosofia. A
filosofia cristã não pode ter a finalidade de descobrir novas verdades,
nem mesmo a de aprofundar e desenvolver a verdade original do
cristianismo, mas apenas a de encontrar o melhor caminho, pelo qual os
homens possam chegar a compreender e a fazer sua a revelação cristã.
Tudo o que era necessário para erguer o homem do pecado e salvá-lo foi
ensinado por Cristo e -selado com o seu martírio. Ao homem não é dado
descobrir a não ser com fadiga o significado essencial da revelação
cristã, nem pode descobri-lo apenas por si, fiando-se unicamente na
razão. Na Igreja cristã, a filosofia encaminha-se não só para o
esclarecimento de uma verdade, que já é conhecida desde o início, como
ainda para a esclarecer no âmbito de uma responsabilidade colectiva, na
qual cada indivíduo encontra um guia e um limite. A própria Igreja, nas
suas assembleias solenes (Concílios), define as doutrinas que exprimem o
significado fundamental da revelação (dogmas).
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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meiros séculos: é mais um dado ou um pressuposto do que guia e dirige
toda a sua reflexão. E mesmo quando estabelecem uma antítese polémica
entre a doutrina pagã e a cristã (como no caso de Taciano), esta
antítese estabelece-se no terreno comum da filosofia e pressupõe,
portanto, a continuidade entre cristianismo e filosofia.
Era natural, segundo este ponto de vista, que se tentasse, por uni lado
interpretar o cristianismo mediante conceitos tirados da filosofia
grega, para assim o ligar a esta filosofia e, por outro, -reconduzir o
significado da filosofia grega ao próprio cristianismo. Esta dupla
tentativa que, na realidade, é uma só, constitui a essência da
elaboração doutrinal que o cristianismo sustentou nos primeiros séculos
da nossa era.
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que vai de 450 até ao final da Patrística, é mar. cada pela reelaboração
e sistematização das doutrinas já formuladas.
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§ 135. JUSTINO
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fon refere uma discussão que ocorreu em Éfeso entre Justino e Trifon e
visa, em substância, demonstrar que a pregação de Cristo realiza e
completa os ensinamentos do Velho Testamento.
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O homem foi criado por Deus, livre de fazer o bem e o mal. Se o homem
não tivesse liberdade, não teria mérito no bem nem culpa no mal
realizado (Apol. prima, 43). A alma do homem é imortal, apenas por obra
de Deus: sem esta, com a morte volveria ao nada (Dial., 6). Mas o
próprio corpo está destinado a participar na imortalidade da alma.
Efectivam-ente, deverá vir, segundo o anúncio dos profetas, uma segunda
parusia de Cristo, e desta vez ele virá em glória, acompanhado pela
legião dos anjos, ressuscitará os corpos e revestirá com imortalidade os
dos justos, ao mesmo tempo que condenará ao fogo eterno os dos iníquos
(Apol. prima, 52).
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desse a sua grandeza. Por isso, ele torna-se visível através da, sua
criação. "Como a alma humana que é invisível aos homens é conhecida
através dos movimentos do corpo, também Deus, que não pode ser visto
pelos olhos humanos, pode ser visto e conhecido através da sua
providência e das suas obras." (Ib., 1, 5). A via da criação divina é
o Logos Deus, mediante o Logos e a sabedoria, criou todas as coisas
(1b., 1, 7). O Logos é o conselheiro de Deus, a sua mente e a sua
prudência (1b., 11, 22). Pela primeira vez, Teófilo usou a palavra
trindade (trias) para indicar a distinção das pessoas divinas. Os três
dias da criação da luz de que fala o Génesis "são imagens da trindade,
de Deus, do seu Verbo, da sua sabedoria" (1b.,
11, 15).
Sob o nome de Justino chegou até nós uma Carta a Diogneto que certamente
não pertence a Justino pela diversidade do estilo e da doutrina.
O autor responde às dúvidas levantadas por um pagão que se interessa
pelo cristianismo. A composição da Carta não deve ter sido antes de 160,
e provavelmente nos finais do século 11. O autor responde a três dúvidas
de Diogneto. Ao culto pagão e judaico, a Carta contrapõe o culto cristão
do Deus invisível e criador. A religião cristã não é uma descoberta
humana mas uma revelação divina: Deus mandou o seu Filho, a eterna
Verdade e a eterna Palavra, a ensinar aos homens a verdadeira religião;
e o Filho de Deus veio ao mundo não como senhor mas como salvador @
libertador e encaminhou-nos para a salvação pelo amor (Ep. ad Diog., 7).
129
§ 137. A GNOSE
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O homem foi criado por Deus dotado de liberdade e Deus deu-lhe. através
dos profetas e especialmente de Moisés, a lei que deve guiar a sua
vontade livre. O homem não é Deus; mas se quiser pode tornar-se Deus: "
Sô seguidor de Deus e co-herdeiro de Cristo, em vez de servir os
instintos e as paixões e tornar-te-ás Deus" (Philos., X, 33).
§ 139. TERTULIANO
pôde seduzi-lo por algum tempo, mas não pôde detê-lo. E assim, se
imprimiu à especulação cristã do Ocidente a sua terminologia, não
conseguiu dar-lhe um contributo substancial de pensamento.
143
144
contrário à morte, a vida, não será outra coisa senão a união da alma e
do corpo. Estão fundidos pela vida os elementos que são desintegrados na
morte" (1b., 27). Por isso, Tertuliano defende a realidade do corpo de
Cristo contra aqueles que o reduziam a uma pura aparência (docetismo).
No De carne Christi detém-se, com aquela complacência no repugnante e no
abjecto que lhe é tão característica, nos mais grosseiros detalhes da
geração e do nascimento, para defender a total e plena humanidade do
homem. "Cristo, diz ele (De carne Christi, 4), amou o homem tal como é.
Se Cristo é o criador, amou justamente o que era seu; se vem de outro
Deus, o seu amor é mais meritório porque se redimiu a um estranho. Era,
pois, lógico que amasse também o seu nascimento, a sua carne; é
impossível amar um objecto qualquer sem amar o que é uno com ele. Acaba
com o nascimento e faz-me ver um só homem que seja; suprime a carne e
diz-me que coisa pôde Deus remir, se de um e da outra resultou a
humanidade que Deus redimiu". A realidade e o valor da carne justificam
a ressurreição de Cristo. E a este respeito encontramos palavras
paradoxais que exprimem aquela exasperada tensão entre a certeza da fé e
a verdade do intelecto que se expressou na fórmula (que não se encontra
em Tertuliano): credo quia absurdum. "0 Filho de Deus foi crucificado;
não é vergonhoso porque poderia sê -lo. O Filho de Deus morreu: é crível
porque é inconcebível. Sepultado, ressuscitou: é certo porque é
impossível" (De carne
Chr., 5). Aqui a fé tem tanta maior certeza quanto mais repugna às
avaliações naturais do homem.
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A alma humana não tem, pois, o carácter divino que os Platónicos lhe
tinham atribuído. Arnóbio combate expressamente a doutrina platónica da
148
reminiscência. Um homem que tivesse estado desde o seu nascimento em
completa solidão teria o espírito vazio e não chegaria de modo algum a
ter conhecimento das coisas ultraterrenas. A sensação é a origem única
de todo o conhecimento humano (11, 20). Uma só ideia é inata no homem, a
ideia de Deus, o único criador e senhor de tudo (1, 33); com ela se
revela também a certeza da existência de Deus, da sua bondade e da sua
perfeição. Ainda devido à sua natureza inferior, a alma não é
naturalmente imortal. Ela não é puro espírito nem puro corpo, mas de uma
qualidade intermédia e de natureza incerta e ambígua (11, 14). Só Deus
pode subtraí-Ia à morte e conferir-lhe a imortalidade; ele confere a
imortalidade àqueles homens que o reconhecem e servem, enquanto os
demais serão por ele condenados à verdadeira morte e consumidos até ao
aniquilamento pelo fogo do inferno (11, 14). Erram pois os Epicuristas
ao afirmar incondicionalmente a morte da alma (11, 30) e também Platão
ao afirmar a sua imortalidade incondicionada (11, 4)0. O destino da alma
é um resultado da sua conduta.
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e o reconheça igual a si, não cessa com isto de ser juridicamente uma só
casa com um só dono, assim o mundo é a casa de Deus e o Pai e o Filho
que a habitam são um único Deus (1b., IV, 29). O Filho foi gerado antes
da criação do mundo para ser o conselheiro de Deus na concepção e na
realização do plano da criação (Ibid., 11, 10). E o mundo não foi criado
por Deus para si próprio, pois não tem necessidade dele, mas para o
homem; Deus criou, em contrapartida, o homem para si, para que o
reconhecesse e lhe prestasse o devido culto, compreendendo e medindo a
perfeição da obra que tem diante de si (Ib., VII, 5). Deus também não
teve necessidade, na criação, de uma matéria pré-existente: o homem tem
necessidade da matéria para todas as suas obras, mas Deus cria a
própria matéria (1b., 11, 9). O homen-i é composto de alma e corpo. A
alma não tem nenhum peso terreno: é tão ténue e subtil que escapa até
aos olhos da mente (1b., VII,
12-13). Alma e mente não são idênticos; a alma é o princípio da vida e
não entorpece no sonho nem se extingue na loucura; a mente é o princípio
do pensamento, aumenta ou diminui com a idade, perde-se no sonho e na
loucura (1b., VII, 12). A alma e o corpo estão ligados entre si e
contudo são opostos: aquilo que é bem para a alma como a renúncia à
riqueza, aos prazeres, o desprezo pela dor e pela morte é um mal para o
corpo; aquilo que é um bem para o corpo é um mal para a alma que se
relaxa e extingue com os prazeres e com o desejo da riqueza (1b., VII,
15). O homem é formado por princípios diferentes e contrários, como o
mundo é formado
151
por luz e trevas, vida e morte. Estes princípios combatem dentro dele e
se nesta luta a alma vence será imortal e admitida à luz eterna; se
vence o corpo, a alma estará sujeita às trevas e à morte (1b., 11, 13).
Mas a imortalidade não é só o termo e o prémio da virtude: é condição da
própria virtude. Seria estulto renunciar àqueles prazeres aos quais o
homem é naturalmente inclinado e entrar num caminho que é hostil e
mortificante para a natureza humana, se a imortalidade não existisse
para dar um sentido à obra contra a natureza da virtude (lb., VII, 9).
a sua salvação, este é também o sumo grau da sabedoria (Ib., VI, 9). Mas
este grau mais alto da sabedoria não é a filosofia. A filosofia procura
a
152
sabedoria, mas não é a própria sabedoria (1b., 111, 2). Ela não atinge o
conhecimento das causas, como ensinam com razão Sócrates e os
Académicos. A disparidade das escolas filosóficas torna impossível
orientar-se alguém nas suas opiniões se se não possui antecipadamente a
verdade. Só a revelação pode, pois, dar a verdade. E a dialéctica é
inútil (1b., 111, 13).
NOTA BIBLIOGRáFICA
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mas Deus não participa de nada. Do Logos pode dizer-se que é o ser dos
seres, a substância das substâncias, a ideia das ideias; Deus está para
lá de todas estas coisas (1b., VI, 64). Orígenes rejeita decididamente
os antropomorfismos do Velho Testamento, interpretando-os
alegóricamente. Dizer que Deus tem forma humana e é agitado por paixões
como as nossas é a maior das impiedades (1b., IV,
71). A omnipotência de Deus encontra um limite na sua perfeição. Deus
pode fazer tudo aquilo que não é contrário à sua natureza, mas não pode
cometer a injustiça, porque o poder ser injusto é contrário à sua
divindade e à sua potência divina (1b., 111, 70). Deus é vida, mas num
significado diferente da vida no nosso mundo, ele é a vida absoluta,
isto é, na sua absoluta imutabilidade (In Joha., 1, 31). Deus é o bem no
sentido platónico já que só a ele pertence a bondade absoluta: o Logos é
a imagem da bondade de Deus, mas não o bem em si (In Math., XV, 10). A
providência divina dirige-se, em primeiro lugar, à educação dos homens.
Retomando e ampliando o conceito de Clemente, Orígenes compara a acção
de Deus à de um pedagogo ou de um médico que pune ou inflige males e
dores para corrigir ou para curar (Contra Cels., VI, 56). Assim se
explica a própria severidade divina, da qual os livros do Velho
Testamento dão tantos exemplos. "Se Deus fosse apenas bom e não fosse
severo, desprezaríamos a sua bondade; se fosse apenas severo sem ser
bom, os nossos pecados conduzir-nos-iam ao desespero" (In Jerem., IV,
4).
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11, 2). Por esta sua natureza subordinada, o Logos recebeu do Pai a
tarefa de penetrar a obra da criação e de infundir-lhe ordem e beleza
(Ib., VI, 38,
39). Mas, em segundo lugar, o Logos vive nos homens e todos participam
dele (1b., 1, 3): ainda que permanecendo idêntico a si mesmo, o Logos
adapta-se aos homens e à sua capacidade de atingi-lo (Co.,dra Cels., IV,
15); e reveste formas diversas, segundo aqueles que conseguem conhecê-
lo, isto é, segundo a sua disposição e a sua capacidade de progresso
Ub., IV, 16). O Logos é, portanto, a força imanente que diviniza o mundo
e o homem. Na mesma medida em que se aproxima do mundo e do homem para
penetrá-los e reconduzi-los à perfeição originária, assim se afasta do
Pai.
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e a natureza do Deus (In Jomi., VIII, 19). Mas quando for possível este
conhecimento directo de Deus, quando Deus não for visto já através do
Filho, na imagem de uma imagem, mas directamente corno o próprio Filho o
vê, o ciclo do retorno do mundo a Deus, da apocatastasi, estará completo
e Deus será tudo em todos (lb., XX, 7).
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dela por Basílio que o nomeou bispo de Nisa. Como tal Gregório
participou na luta contra os arianos. Em 394 estava em Constantinopla
para participar num sínodo que devia resolver uma controvérsia entre
bispos árabes; depois o seu nome deixa de aparecer; muito provavelmente,
a sua morte ocorreu pouco depois daquela data. A sua obra mais notável é
o Discurso Catequético Grande, demonstração e defesa dos dogmas
principais da Igreja contra os pagãos, judeus e heréticos. A obra mais
extensa é o escrito Contra Eunómio, réplica ao escrito Em Defesa da
Apologia, com o qual Eunómio respondem a Basílio. Gregório escreveu
mais: duas obras Contra Apolinário: vários tratados ou diálogos (Contra
os Gregos, Sobre a Fé, Sobre a Trindade, Sobre a Alma e a Ressurreição,
Contra o Fado, Sobre os Meninos que Morrem Prematuramente). Compôs, além
disso, numerosos escritos exegéticos, dos quais os mais notáveis são o
Apologético sobre Hexameron e o De opificio hominis e outros discursos
ascéticos, discursos e cartas.
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e cumpre-se no Espírito Santo. Não se trata, por isso, de actividades
que se diversificam segundo as pessoas que são activas, porque a
actividade de cada pessoa singular não está separada da outra e tudo
quanto acontece, quer diga respeito à providência sobre os homens quer
concerne o governo e a ordenação do mundo, acontece por intermédio das
três pessoas sem que, todavia, seja trino". De tal modo, a essência
divina encontra, na unidade da acção divina, a sua característica
fundamental e própria frente às essências criadas. Tal é a interpretação
de Gregório no que se refere à unidade divina. No que se refere à
trindade, Gregório expõe uma interpretação que funda a diversidade das
pessoas na diversidade das relações de origem, formulando um princípio
que devia tornar-se a base da interpretação trinitária nos séculos
seguintes. Com efeito, a distinção das pessoas divinas é explicada
admitindo que delas uma é a causa, a outra causada e distinguindo dois
tipos de causalidade que correspondem à segunda e à terceira pessoa da
trindade. Deus Pai é a causa; o Filho é imediatamente causado pelo Pai
de maneira que lhe corresponde o carácter de unigénito; o Espírito Santo
é causado pelo Pai através da mediação do Filho e não é ingénito como o
PaI nem unigénito como o Filho.
O mundo é uma criação de Deus. A questão de saber por que modo uma
essência absolutamente simples, incorpórea e imutável, como Deus, tenha
podido produzir uma realidade composta, mutável e, sobretudo, corpórea,
só pode encontrar resposta se se considera a natureza do corpo. Todo o
185
não pudesse escolher entre o bem e o mal. Sem liberdade não haveria
virtude nem mérito nem pecado (1b., 5). Só na liberdade está a origem do
mal. O corpo não é um mal nem causa do mal porque é uma criação de Deus.
O mal está na nossa interioridade e consiste no desvio do bem devido ao
livre arbítrio (1b., 5). O mal não tem nenhuma essência na realidade em
que é apenas privação do bem, que é a única realidade positiva. Como a
obscuridade é a privação da luz ou a cegueira a privação da vista, assim
o mal não é outra coisa senão a falta do bem. "A maldade tem o seu ser
no não-ser: e não tem outra origem senão a privação do sem (De an. et
resur., p. 223).
Segue-se daqui que a punição que cai sobre o mal na outra vida só pode
ser purificador. Aqueles que deixaram por si a sujidade do vício com a
água do baptismo não terão necessidade de outra purificação, mas aqueles
que não participaram desta purificação sacramental serão necessàriamente
purgados pelo fogo (1b., 35). Finalmente, a natureza chega por
necessidade inevitável à apocatástasis, à reconstrução da condição
feliz, divina e livre de toda a dor, como era a originária (1b., 35).
Gregório afirma decididamente o carácter universal da apocatástasis:
"Até o inventor do mal, isto é, o demónio, unirá a sua própria voz no
hino de gratidão ao Salvador (1b., 26). Já um escritor antigo (Germano
de Constantinopla em Fozio, Bibli. cod., 233) adiantara a hipótese de
uma posterior falsificação dos
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190
O mais douto adversário de Grilo foi Teodoreto, que nasceu por volta do
ano 386 em Antioquia, discípulo de Crisóstomo e de Teodoro de Mopsuestia
e condiscípulo de Nestório. Primeiramente favorável
191
192
Uma grande figura de homem de acção é Ambrósio, que nasceu cerca de 340,
bispo de Milão de 374 a 397, ano da morte. Ambrósio escreveu numerosas
exegeses dos livros bíblicos, obras dogmáticas dirigidas contra os
arianos, cartas, sermões e um tratado, De officiis núnistrorum, que tem
semelhança com os três livros do De officiis de Ocero. Nele Ambrósio
segue de perto a obra de Cícero, mas completa-a em sentido cristão,
apontando como último limite da moralidade a felicidade em Deus. Nas
suas obras dogmáticas, de que as principais são o De fide ad Gratianum
Augustum e o De Spiritu Sancto ad Gratianum Augustum, inspira-se
preferentemente nas obras de Anastásio e de Basilio o Grande.
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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IV
SANTO AGOSTINHO
197
o seu rigor, mas não é exigência de pura razão. Todo o homem procura:
toda a parte ou elemento da sua natureza, intranquilidade da sua
finitude, dirige-se para o Ser que é o único que pode dar-lhe
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S
1 . AGOSTINHO (Ambrósio Berognone)
201
Contra esta tese escreveu Santo Agostinho, entre 412 e 426, a sua obra-
prima: A Cidade de Deus. Mas, entretanto, um flagelo análogo, a invasão
dos Vândalos, abateu-se em 428 sobre a África romana. Havia três meses
que as tropas de Genserico assediavam Hipona quando, a 28 de Agosto de
430, Agostinho morreu.
204
No início dos Solilóquios (1, 2), que são uma das suas primeiras obras,
Agostinho declarava o fim da sua investigação deste modo: "Desejo
conhecer Deus e a alma. E nada mais? Nada mais, absolutamente". E tais
foram na realidade os termos para os quais se dirigiu constantemente a
sua especulação
205
do princípio ao fim. Mas Deus e a alma não requerem para Agostinho duas
investigações paralelas ou diversas. Com efeito, Deus está na alma e
revela-se na mais recôndita interioridade da própria alma. Procurar a
Deus significa procurar a alma e procurar a alma -significa reclinar-se
sobre si mesmo, reconhecer-se, na própria natureza espiritual,
confessar-se. A atitude de confissão que deu origem à mais famosa das
obras agustinianas é, na realidade, desde o princípio, a atitude
fundamental de S. Agostinho, aquela que ele mantém e observa
constantemente em toda a sua actividade de filósofo e de homem de acção.
Esta atitude não consiste em descrever para si e os outros as
alternativas da própria vida interna ou externa, mas em pôr a claro
todos os problemas que constituem o núcleo da própria personalidade.
Mesmo as Confissões não são uma obra autobiográfica: a autobiografia é
um dos seus elementos que fornece os pontos de referência dos problemas
na vida de Santo Agostinho, mas não é o seu carácter dominante, tanto
que, num certo ponto, no livro X todo o acento autobiográfico cessa e
Santo Agostinho passa nos outros três livros a tratar de problemas de
pura especulação teológica. O esforço de Santo Agostinho nesta obra é
dirigido no sentido de fazer luz sobre os problemas que constituem a sua
própria existência. quando, consegue aclarar a natureza da inquietação
que dominou a primeira parte da sua vida e que o levou a dissipar-se e a
divagar desordenadamente, dá-se conta que, na realidade, nunca desejou
outra coisa a não ser a verdade, que a verdade é o próprio Deus, que
Deus se encontra no interior da sua alma. "Não, saias de ti mesmo, volta
* ti próprio, no interior do homem habita a verdade; * se verificas que
a tua natureza é mutável, transcende-te para lá de ti mesmo" (De vera
rel., 39). Apenas o retorno a si próprio, o encerrar-se na própria
interioridade é verdadeiramente o abrir-se à
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Deus, que é coeterno como ele (1b., XI, 7). O Logos ou Filho tem em si
as ideias, isto é, as formas ou as razões imutáveis das coisas que são
eternas como eterno é ele próprio: e em conformidade com tais formas ou
razões são formadas todas as coisas que nascem e morrem (De div.
quaest., 83, q; 46). Estas formas ou ideias não constituem, portanto,
como queria Platão, um mundo inteligível, mas a eterna e imutável Razão,
através d a qual Deus criou o mundo. Separar o mundo inteligível de
Deus significaria admitir que Deus está privado de razão na criação do
mundo ou antes dela (Retract., 1, 3). As ideias divinas são comparadas
por Agostinho às raízes seminais de que falavam os Estoicos (§ 93). A
ordem do mundo, que depende da divisão das coisas em géneros e espécies,
é garantida precisamente pelas razões seminais que, implícitas na mente
divina, determinam, no acto da criação, a divisão e o ordenamento das
coisas singulares.
Alguns Padres da Igreja, por exemplo Orígenes, consideravam que a
criação do mundo era eterna não podendo implicar uma mudança na vontade
divina. O problema apresenta-se também * Agostinho. "Que coisa fazia
Deus antes de criar * céu e a terra"? Poder-se-ia responder ironizando:
"Preparava o inferno para quem quer saber demais"; mas seria iludir com
uma graça um problema sério. Na realidade, Deus é o autor não só daquilo
que existe no tempo, mas do próprio tempo. Antes da criação não havia
tempo: não havia portanto um "antes" e não tem sentido perguntar-se que
coisa fazia Deus "então". A eternidade está acima de todo o tempo: em
Deus nada é passado e nada é futuro porque o seu ser é imutável e a
imutabilidade é um presente eterno em que nada passa. Mas o que é o
tempo?
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216
Não pode, pois, haver outro mal no mundo senão o pecado e a pena do
pecado. Ora o pecado consiste, como se viu, na deficiência da vontade
que renuncia ao ser e se entrega ao que é inferior. Como não é um mal a
água, enquanto, pelo contrário, é um mal o precipitar-se voluntariamente
na água, assim nenhuma coisa criada, por humilde que seja, é um mal, mas
é mal entregar-se a ela como se fosse o ser e renunciar por isso ao ser
verdadeiro. (De Vera rel., 20). Da tese maniqueia que fazia do mal não
apenas unia realidade, mas um princípio substancial do mundo, Santo
Agostinho chegou à tese oposta: a negação total da realidade ou
substancialidade do mal e a sua redução à defecção da vontade humana
frente ao ser. O mal não é, portanto, realidade nem sempre no homem,
dado que é defecção, deficiência, renúncia, não-decisão, não-escolha;
também no homem é, pois, não-ser e
217
tendas por toda a parte onde há vida civil, testemunha, com a sua
existência, a validade do Evangelho no mundo. E esta Igreja é a Igreja
de torna." Assim Santo Agostinho via na universalidade da Igreja a
demonstração de facto do valor da mensagem cristã e ao mesmo tempo
defendia essa universalidade contra a tentativa de a negar e de reduzir
* comunidade cristã, como queriam os Donatistas,
* um conventículo de isolados.
218
O monge inglês Pelágio vivia em Roma nos primeiros anos do século V. Ali
teve, pela primeira vez, informação sobre a doutrina agostiniana da
graça expressa na famosa invocação a Deus: "Dá aquilo que mandas e manda
aquilo que queres" (Da quod jubes et Jube quod vis). Tendo Pelágio ido
depois a Cartago com o seu amigo Celestio, na altura em que à
aproximação dos Godos muitas famílias romanas se refugiavam em África,
as suas críticas ao agostinismo difundiram-se principalmente por obra de
Celestio, na própria grei do bispo Agostinho. O ponto de vista de
Pelágio consistia essencialmente em negar que a culpa de Adão tivesse
debilitado radicalmente a liberdade originária do homem e, portanto, a
sua capacidade de fazer o bem. O pecado de Adão é apenas um mau exemplo
que pesa, sim, sobre as nossas capacidades e torna mais difícil operar o
bem, mas não o toma impossível e principalmente não priva os homens da
possibilidade de reagir e de decidir-se pelo melhor. Para Pelágio, o
homem, quer antes do pecado de Adão, quer depois, é naturalmente capaz
de operar virtuosamente sem necessidade do socorro extraordinário da
graça. Mas esta doutrina levava a considerar inútil a obra redentora de
Cristo. Se o pecado de Adão não colocou o homem na impossibilidade de
salvar-se só com as suas forças, o homem não tem evidentemente
necessidade da ajuda sobrenatural que lhe trouxe a encarnação do Verbo,
nem tem necessi-
219
220
dade final, aquela que Deus dará como prémio, consistirá no não poder
pecar. Esta última liberdade -será dada ao homem como um dom divino,
dado que não pertence à natureza humana, e tornará esta última partícipe
da impecabilidade própria de Deus. Mas pois que a primeira liberdade foi
dada ao homem a fim de que ele procure a última e completa liberdade, é
evidente que só esta última exprime aquilo que o homem verdadeiramente
deve ser e pode ser. O não poder pecar, a libertação total do mal é uma
possibilidade do homem fundada numa dádiva divina: "0 próprio Deus é a
nossa possibilidade" diz Agostinho (Sol., 11, 1; De gratia Chr., 25).
homem, a sua pátria celeste, mas não puderam ensinar-lhe o caminho que é
o assinalado pelo apóstolo João: a encarnação do Verbo (De civ. Dei, X,
29).
NOTA BIBLIOGRÁFICA
224
§ 163. Sobre a doutrina das razões seminais: WIE=, Geschichte der Lehre
von den Koimekrãften,
1914, p. 108-224.
225
A úLTIMA PATRÍSTICA
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são criadas por Deus no momento desta união. Deus criou todas as
inteligências incorpóreas de uma vez, mas cria diariamente as almas dos
homens.
Na mesma linha de pensamento navega o irmão de Eneias, Zacarias, que foi
bispo de Mitilene, dito o escolástico (isto é, o retórico) e morto antes
de 533. Zacarias é autor de um diálogo intitulado Ammonio, destinado a
combater a doutrina da eternidade do mundo. É notável o facto de que,
para negar a eternidade, Zacarias negue a necessidade do mundo,
procedimento que seguem todas as críticas do género que virão depois. O
mundo foi criado pela vontade de Deus, por isso não é o efeito
necessário da natureza divina e não é coeterno com Deus. À objecção de
que se Deus não tivesse criado o mundo ab aeterno, não seria o eterno
criador e feitor do bem, Zacarias responde que Deus tem em si, desde a
eternidade, a ideia do mundo e de todas as coisas que o compõem e também
a potência e a vontade de criá-lo. Um construtor é sempre construtor,
mesmo no momento em que não construa nada e um retórico é sempre tal
mesmo se nem sempre pronuncia discursos.
230
em Deus como a natureza comum das três hipóstasis e fazia assim, das
três pessoas divinas, três existências particulares, isto é, três
divindades. Ao lado desde trideísmo (que, por outro lado, teve neste
período, como no precedente, numerosos defensores) João admitia o
monofisismo no que respeita à encarnação. Não podem subsistir duas
naturezas numa única hipóstasis: na pessoa de Cristo não pode, portanto,
subsistir senão a natureza divina. O pressuposto destas interpretações
dogmáticas é a lógica aristotélica, à qual João dedicara um comentário:
de facto o significado de natureza e de hipóstasis é tirado de
Aristóteles. É curioso notar que quando a lógica aristotélica for de
novo empregada, por acção de Roscelino de Compiègne, na interpretação do
dogma da trindade, chegar-se-á à mesma conclusão trideIstica.
231
232
nem como qualquer outro termo de que nos servimos para as coisas
finitas. O próprio -nome de Bem, que é o mais alto de todos, é
inadequado para a altura da perfeição divina. A emanação das coisas por
Deus, que tem em si as ideias ou modelos de toda a realidade, é
compreendida por Dionísio como criação. O mundo não é um estádio do
desenvolvimento de Deus, mas um produto da vontade divina. Contudo os
seres do mundo sã o todos manifestações ou símbolos de Deus e por isso a
sua consideração permite ao homem ascender a Deus e refazer assim no
inverso o caminho da criação.
233
234
235
criador, que não seja criado por sua vez mas incriado; e este é Deus. Em
segundo lugar, a conservação e
existência de Deus pode ser alcançada pela razão humana, a sua essência
é incompreensível. "A divindade, diz joão (Ib., 1, 4), é indeterminável
e incOm-
237
quios travados por ele e seu amigo Germano com eremitas egípcios.
Precisamente nesta obra, Cassiano considera a tese de que Deus ilumina e
reforça a boa vontade que nasce no homem, mas que esta vontade tem
origem apenas no esforço humano. Se o querer bem não basta ao homem,
quando não é socorrido pela graça divina, todavia esta graça só é dada
àquele que tem boa vontade. A tese de Cassiano difundiu-se largamente
nos mosteiros do Sul da Gália.
Claudino Mamerto, que foi padre em Viena no Delfinado e morreu por volta
de 474, é autor de um escrito em três livros, De statu anin2ac, composto
em 468 ou 469, no qual se defende a incorporeidade da alma humana. É
impossível que a ffima caia sob a categoria da quantidade, que é própria
do corpo, dado que o seu poder, memória, razão, vontade estão privados
de quantidade, portanto são incorpóreos. Ora estas faculdades da alma
são a sua própria substância, dado que toda a alma é razão, vontade,
memória; segue-se daqui que toda a alma está privada de quantidade e é
incorpórea (De statu an.,
111, 4). A alma é a vida do corpo e está, portanto, presente em todas as
partes do corpo; mas está presente num modo que exclui a sua
distribuição espacial porque está toda em todo o corpo e toda em cada
parte singular do corpo. A sua presença no corpo é idêntica à de Deus no
mundo. Portanto, a alma tem a mesma incorporeidade de Deus. Trata-se de
um resumo da demonstração agostiniana da imaterialidade da alma.
238
239
De fide, está comprovada, não só pelo testemunho dos códices, como pelo
do contemporâneo de Boécio, Cassiodoro, e portanto não pode ser posta em
dúvida. Além disso, se o De consolatione não tem qualquer referência aos
mistérios do cristianismo, está impregnado por aquele espírito platónico
ou neoplatónico que os escritores da patrística consideram
substancialmente cristão. As traduções e os escritos lógicos de Boécio
asseguraram a sobrevivência da lógica aristotélica mesmo no período da
maior obscuridade medieval e fizeram dela um elemento fundamental da
cultura e do ensino medieval. Quanto à De consolatione, está entre as
obras mais famosas da Idade Média. Divide-se em 5 livros e é mista em
verso e prosa. O primeiro livro é uma espé cie de introdução na qual a
filosofia se apresenta a Boécio na forma de augusta matrona que vem
trazer-lhe conforto na triste condição em que se encontra, não por sua
culpa, mas por ter querido seguir a verdade
e a justiça. No segundo livro, a filosofia faz ver a Boécio que a
felicidade não consiste nos bens da fortuna, que são mutáveis e caducos
e que, mesmo quando se possuem, trazem consigo o perigo e o temor da sua
perda. A felicidade deve consistir numa condição que exclua qualquer
temor deste género e compreenda em si todos os bens que tornam o homem
suficiente por si próprio. O terceiro livro contém, precisamente, a
teoria da felicidade assim compreendida. É evidente que não pode
consistir nem na riqueza, nem no poder, nem nas honras, nem na glória,
nem nos prazeres. Nenhum destes é o bem supremo, o bem melhor de todos e
que torna o homem auto-suficiente. Defende pois que a felicidade
consiste no próprio Deus, enquanto é o ser de que não se pode conceber
melhor, portanto o bem supremo. Deus é conjuntamente a origem de todas
as coisas e o fundamento da verdadeira felicidade humana (111, 10). O
quarto livro examina em que
240
S. GREGÓRIO MAGNO
o mundo e modo Deus, como supremo bem, rege expõe uma teoria da
providência e do fado. A proVidência é o plano da ordem e da disposição
do mundo na inteligência divina; o fado é a própria ordem que por
aquele plano vem a ser determinada no mundo. "A providência é a
própria razão (ratio) divina que, constituída como supremo
Princípio de tudo, dispõe todas as coisas; o fado é a disposição
inerente às coisas mutáveis, disposição pela qual a Providência assinala
a cada coisa a sua ordem própria" (IV, 6). A ordem do fado, na
multiplicidade dos seus desenvolvimentos temporais, depende pois da
própria razão de Deus. Os problemas que nascem deste conceito da
Providência e do fado são examinados no quinto livro. A Providência e o
fado parecem excluir à primeira vista a liberdade, mas em tal caso seria
inútil para o homem a razão que serve para julgar e escolher livremente.
A resposta da filosofia ao problema é que, se Deus prevê tudo, não prevê
que tudo aconteça com necessidade. A previsão de um acontecimento não
implica que o acontecimento se deva realizar necessariamente. Além
disso, em Deus a previsão é inerente à natureza da sua vida, que é uma
eternidade privada de qualquer sucessão. Nele não existe nem o passado
nem o futuro e a sua ciência é o conhecimento total e simultâneo de
todos os acontecimentos que se verificam sucessivamente no tempo (V, 6).
Nele estão presentes também os
241
rico, cuja recolha leva o nome@de Variae, e a História dos godos de que
só nos chegou um estrato A obra mais importante, que escreveu no
claustro, são as
dois livros: o primeiro indica os autores que são estudados Corno guias
das disciplinas teológicas; o
devia servir aos monges e foi na Idade Média um dos manuais mais usados.
Num breve escrito, De a?úma, Cassiodoro propõe-se demonstrar, nas
pegadas de Claudiano Mamerto, a incorporeidade da alma humana. O escrito
reproduz os argumentos de Mamerto que, por sua vez, como se viu, foram
retirados de S. Agostinho.
242
243
NOTA BIBLIOGRÁFICA
244
245
íNDICE
§ 96. Epicuro ... ... ... ... ... ... 37 § 97. A escola
epicurista ... ... ... 38
247
248
249
SEGUI-4DA PARTE
FILOSOFIA PATRISTICA
cristã ... ... ... ... ... ... 109 § 129. Os evangelhos
sinópticos ... ... 111 § 130. As "cartas" Paulinas ...
... 114 § 131. O quarto evangelho ... ... ... 116 § 132.
A Filosofia cristã ... ... ... 117
Nota bibliográfica ... ... ... 119
250
A PATRISTICA DOS DOIS PR=IROS SÊCULOS ... ... ... ... ... ...
121
251
homem ... ... ... ... ... ... 185 §153. Gregório de Nisa:
a Apoca-
tástasis ... ... ... ... ... 187 §154. Outros padres
orientais do sé-
culo IV ... ... ... ... ... 190 §155. Os padres latinos
do IV século 192
Agostiniana ... ... ... ... ... 204 § 160. O fim da procura
Deus e a
alma ... ... ... ... ... ... 205
252
tempo ... ... ... ... ... ... 213 § 164. A polémica contra
o mani-
queísmo ... ... ... ... ... 215 § 165. A polémica contra
o donatismo 217 § 166. A polémica contra o
pelagia-
nismo ... ... ... ... ... ... 219 § 167. A cidade de Deus
... ... ... 222
253