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CENTRO DE CONTROLE
MODULAR

Autor
H. G. EWERS

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
SKIRO
As esferas luminosas — eis as novas armas dos
senhores de Andrômeda...

Os calendários do planeta Terra registram o dia 1 o de


novembro do ano 2.402. A expedição em direção a Andrômeda,
comandada por Perry Rhodan, conhecida como Operação
Cabeça-de-Ponte, não registrou somente sucessos, pois também
apresenta uma série de fracassos.
Depois de uma série de altos e baixos tem-se a impressão de
que a expedição terrana finalmente conseguiu criar uma base
segura no planeta Gleam, situado na nebulosa Andro, de onde
poderá ser lançada a ofensiva para a área controlada pelos
senhores das galáxias.
Os pedidos de socorro vindos do nada acabaram levando a
um contato com o martirizado plasma central dos pos-bis — e a
uma aliança com o mesmo.
No entanto, a verdadeira finalidade do comando de
matadores ainda continua em mistério. Só depois do
aparecimento das esferas luminosas em Andro-Beta, e do início
de sua faina destrutiva, os dirigentes da expedição de Andrômeda
se dão conta de que se trata de mais uma arma dos senhores de
Andrômeda! E esta arma é comandada pelo Centro de Controle
Modular.

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Capitão Sven Henderson — Chefe do comando de caças
da Crest II.
Ray Burdick, Taka Hokkado, Bron Tudd e Finch Eyseman
— Companheiros do Capitão Sven Henderson na
Operação Mundo das Trevas.
Tronar e Rakal Woolver — Os sprinters de Atlan.
Gucky — O rato-castor que chega à conclusão de que é um
fracasso.
Major Curd Bernard — Oficial-intendente da nave Crest II.
Prólogo

Faz pouco tempo que as naves cargueiras trouxeram a maior


quantidade de substância viva básica até então transportada. Dali em
diante as instalações deram início a um processo de produção em
grande escala. Uma ação fulminante de proporções nunca vistas foi
preparada.
Se não fosse meu trabalho, esta operação nunca poderia ser
realizada. Por uma ironia cruel do destino, fui obrigado a fazer uma
coisa que abominava. Constantemente tive de lutar contra a voz da
consciência, que queria levar-me a assumir uma atitude de
resistência e rebelião declarada. Mas o medo sempre acabava
levando a melhor! Não era o medo de morrer, mas o medo de que a
existência de meu povo pudesse estar ameaçada. Os senhores das
galáxias tinham revelado uma capacidade diabólica para
transformar-me num instrumento para a execução dos meus planos.
Se eu me recusar, meu povo tão sofrido estará ameaçado de extinção.
A luz vermelha acendeu-se e abandonei as reflexões estéreis.
Mas a chama do ódio contra os seres que me oprimiam continuou
acesa.
Nuvens de fumaça malcheirosa me envolveram enquanto
cambaleava através dos pavilhões industriais. O sinal vermelho
parecia o olho de um monstro que me fitasse através da bruma
amarelenta. Os gigantescos complexos de máquinas chiavam e
fungavam. As caldeiras de baixa pressão com suas bordas altas
borbulhavam e gemiam como se houvesse monstros aprisionados nas
mesmas. A comparação até que não era absurda. Mas havia um
detalhe. Os monstros ainda não pertenciam ao mundo dos vivos.
Ainda seriam gerados.
A raiva reprimida me fez tremer no momento em que subi na
plataforma do elevador antigravitacional. Quantas atrocidades os
senhores das galáxias ainda iriam exigir? Será que nunca me
deixariam em paz? Quem dera que pudesse pôr fim à própria vida!
Mas se fizesse isso, meu povo teria de pagar um preço muito alto.
Não havia como escapar do círculo diabólico.
A plataforma antigravitacional, que flutuava livremente no
espaço, começou a movimentar-se sem o menor ruído. Foi subindo
em direção a uma estrutura metálica semi-esférica que parecia
grudada no teto do pavilhão. Cerrei as mandíbulas ao penetrar no
recinto de comando das esferas.
Caminhei em direção à banqueta que nem uma marionete e
deixei-me cair na mesma. O acesso fechou-se atrás de minhas costas.
O rugido das máquinas, o chiar e fungar das caldeiras e o gemido do
plasma violentado ficaram do lado de fora.
Os sinais luminosos suspensos em cima dos meus olhos
pareciam flutuar numa névoa impenetrável. A aparelhagem dominava
os truques psicológicos e era capaz de isolar-me de qualquer tipo de
percepção que pudesse perturbar meu trabalho, para obrigar-me a
ficar concentrado exclusivamente na atividade que tanto detestava.
No momento em que meu consciente voltou a ser liberado, senti-
me martirizado pela vontade de vomitar. Lembrei os acontecimentos
do passado — o que foi pior que a própria morte.
Os monstros que não poderiam ser criados sem minha
colaboração eram apavorantes. Mas o mais apavorante era o fato de
que porções de plasma vivo e inteligente tinham sido obrigadas por
meio de certos processos químicos e mecânicos a assumir o comando
dos corpos andróides. Para isso a inteligência do plasma era
reduzida a um mínimo, passando a restringir-se praticamente a um
simples instinto motor. Os monstros não possuíam nenhum raciocínio.
Só fariam aquilo para que foram condicionados.
Uma luz amarela acendeu-se, mostrando que as esferas se
tinham fechado em torno dos monstros que as pilotavam.
Os músculos que faziam pulsar minhas veias e artérias
crisparam-se. A circulação sangüínea de meu corpo foi interrompida
por um instante. Tive a impressão de que iria morrer sufocado. Tive
de fazer um grande esforço para controlar o nervosismo. As pessoas
de meu tipo são muito sensíveis e muitas vezes se perdem num estado
de excitação incontrolável. Mas as experiências pelas quais passara
no interior do centro de controle me ensinaram a dominar até certo
ponto meu sistema neurovegetativo. Se não fosse assim, já teria
perdido o controle das minhas faculdades mentais.
Mais uma vez tive de lutar contra minha consciência — e mais
uma vez a preocupação pelo destino de meu povo saiu vencedora. A
sorte do mesmo já era muito pesada, e não seria justo que eu
praticasse qualquer ato que pudesse levar ao extermínio de minha
espécie.
Com um movimento rápido mudei a posição da chave ativadora.
Ainda há pouco as telas só mostravam o espaço vazio, mas de
repente ficaram cheias de inúmeras esferas radiantes. Os feixes
energéticos que brilhavam num verde desagradável, dirigidos por
seus pilotos monstruosos, corriam em direção a uma pequena
nebulosa cujo nome me era desconhecido.
Por lá devia ter acontecido alguma coisa que deixava os
senhores das galáxias bastante preocupados.
O sistema logo deixaria de existir, pois as esferas carregavam a
morte multiplicada bilhões de vezes...
1

O zumbido, rugido e chiado das frezas energéticas enchia o amplo vale. Nuvens de
pó saíam das aberturas das galerias gigantescas situadas nas encostas ao norte da cadeia
de montanhas circular. As nuvens desciam lentamente, cobrindo as florestas de
cogumelos com uma camada branco-acinzentada.
Onze edifícios se erguiam na planície pedregosa cercada pelas florestas. Pareciam os
restos de um monumento gigantesco. Esferas gigantescas que emitiam um brilho metálico
eram sustentadas por colunas de oitocentos metros de comprimento e quatrocentos de
diâmetro. Se não fossem os potentes campos antigravitacionais, as colunas afundariam no
solo.
O Capitão Sven Henderson afastou-se de um salto, pois ficou assustado quando o
uivo estridente dos geradores antigravitacionais se fez ouvir atrás de suas costas.
Um carro voador desceu à superfície a cinco metros do lugar em que se encontrava.
Henderson fez um gesto de ameaça com o punho fechado. Logo começou a procurar
o cigarro que perdera durante o salto apressado. Quando o encontrou, esmagou-o com os
pés, enfurecido. Um parasita dos cogumelos, achatado e do tamanho de uma mão
humana, precipitara-se sobre o cigarro aceso, envolvendo-o com seus tentáculos
venenosos. Certamente o calor o levara a partir para o ataque. Os parasitas dos cogumelos
possuíam um órgão sensorial infravermelho que lhes proporcionava a percepção dos
animais que lhes poderiam servir de presa. Os tentáculos terminavam em ferrões finos,
mas muito duros, cujo veneno era capaz de matar um ser humano numa questão de
segundos. Estes animais só existiam nas florestas de cogumelos.
Henderson desferiu um pontapé no animal de rapina, atirando-o para longe.
Uma risada oca fez com que levantasse os olhos. Parte do corpo de um homem saía
da escotilha aberta do carro voador. Estava acenando com o braço.
Henderson aproximou-se lentamente do veículo.
— Olá, Sven! — gritou o homem. — Desde quando o senhor deu para executar
danças indígenas? Será que tem algum parentesco com Don?
O Capitão Henderson não pôde deixar de rir. Reconheceu o homem que acabara de
dirigir-lhe a palavra. Tratava-se do Capitão Noro Kagato, chefe do comando robotizado.
— Olá, Noro! — respondeu Sven, retribuindo o cumprimento. — Você me acha
parecido com ele?
Um sorriso alegre passou pelo rosto de Kagato. Não havia dúvida de que Henderson
e Don Redhorse não eram parentes. Até mesmo uma criança perceberia isso. Redhorse
era esbelto e ágil e tinha cabelos lisos, preto-azulados, enquanto Sven Henderson, com
seus ombros largos, o andar balançante e o gênio pouco loquaz antes parecia um urso
desajeitado. Além disso os cabelos muito louros representavam mais um contraste com o
descendente dos índios cheienes. Mas os dois tinham uma qualidade em comum. Eram
impetuosos e tinham-se especializado nas missões mais arrojadas.
— Estava brincando, Sven — disse Kagato e apertou a mão que o chefe do
comando de caças lhe estendia. — O que foi que o senhor andou pisando?
Henderson explicou.
O japonês acenou com a cabeça. Seu rosto parecia muito sério.
— E olhe que é apenas um dos animais peçonhentos que andam por esta linda
paisagem. Não há um dia em que não tenhamos nossos problemas com estes bichos.
— O senhor não — respondeu Henderson em tom seco. — E seus robôs muito
menos. O que veio fazer neste vale? Não foi destacado para controlar os trabalhos nas
galerias?
— Foi exatamente a pergunta que eu lhe quis fazer, Sven. Estou de folga. A gente
precisa disso de vez em quando. Resolvi aproveitar a oportunidade para dar uma olhada
nas montanhas Harno.
O Capitão Henderson acendeu outro cigarro. Seu olhar parecia atravessar o corpo de
Kagato. Estava pensando no misterioso ser energético que tinha aparecido há quatro
semanas. Pelo que se dizia, Harno era aliado de Rhodan há vários séculos, mas sempre
desaparecia de forma tão surpreendente como tinha aparecido. Devia haver uma ligação
entre ele e o ser fictício vindo do antigo planeta Peregrino. É que Aquilo, nome dado ao
ser formado pela união de bilhões de indivíduos, também dera sinal de sua presença
semanas atrás.
— Está pensativo, Sven...? — perguntou o japonês.
Henderson acenou com a cabeça.
— Ainda fico me perguntando o que Aquilo queria quando deu sinal de vida pela
última vez. Suas palavras não foram muito claras, mas certamente têm um sentido oculto.
— Concordo com você. Aquilo tem acompanhado a Humanidade desde o início de
sua evolução cósmica. Deu-lhe tarefas e muitas vezes interveio nos acontecimentos para
ajudá-la. Tenho certeza de que também desta vez seu aparecimento representa um
acontecimento muito importante.
— Por que Aquilo não nos ajuda na luta contra os senhores das galáxias? —
exclamou Henderson em tom exaltado. — Não precisamos de espectadores.
Noro Kagato sacudiu os ombros.
— Existe muita coisa neste mundo que nunca compreenderemos, meu chapa.
Nossos cérebros são muito pequenos para isso. Mas vamos mudar de assunto. Pelo que
vejo, o senhor também está de folga, Sven. Não quer vir comigo?
— É uma boa idéia. OK! Vamos dar uma olhada nestas montanhas.
Dali a um minuto o carro voador estava suspenso no ar de novo. O Capitão Kagato
fez o veículo subir cem metros. Passou rente às florestas de cogumelos, seguindo em
direção ao paredão íngreme das montanhas circulares.
Dali a mais um minuto o alto-falante do sistema de ligação permanente se fez ouvir.
— Atenção! Atenção! Sala de comando da Crest II chamando o Capitão Kagato.
Pede-se seu comparecimento o mais depressa possível. Repito...
Henderson e Kagato entreolharam-se.
— Parece que temos um problema — observou o japonês. — Seria mesmo de
admirar que eu pudesse aproveitar uma vez toda minha folga — suspirou.
— Não sei o que pode haver de tão urgente em Gleam — resmungou Henderson,
contrariado. — Quem sabe se o Major Bernard não descobriu um erro numa requisição?
— Quer que o deixe em algum lugar, Sven?
— Não, Noro. Não tenho mais vontade de fazer a excursão. Irei com o senhor até a
Crest. Vou dormir algumas horas.
Um comando de recepção já estava à sua espera na eclusa principal do
supercouraçado. Alguns homens levaram o carro voador ao lugar, enquanto um sargento
se apresentava ao Capitão Kagato e lhe pediu que o acompanhasse à sala de comando.
No momento em que saiu do elevador antigravitacional, Noro Kagato compreendeu
que algo de extraordinário tinha acontecido. Os dirigentes da expedição Andro-Beta
estavam reunidos em torno da mesa de mapas que ficava junto à saída do elevador
antigravitacional, confabulando. Tratava-se de Perry Rhodan, Atlan, John Marshall,
Melbar Kasom, Icho Tolot, Gucky, o rato-castor, e Ivã Goratchim.
O capitão fez continência sem dizer uma palavra. Queria passar pelo grupo de
homens, para apresentar-se ao comandante da Crest II.
Rhodan pediu que parasse.
Kagato fez meia volta e colocou-se diante do Administrador-Geral.
Perry Rhodan apontou para uma poltrona vazia, com um sorriso amável no rosto.
— Faça o favor de sentar, capitão. — Esperou pacientemente que Kagato se
acomodasse e prosseguiu: — Mandei chamá-lo porque preciso de um homem calmo para
realizar uma missão perigosa. Mas antes de mais nada o senhor precisa saber o que
aconteceu. Há dez minutos foi observada a explosão de um sol situado no centro de
Andro-Beta. O observatório realizou medições e chegou à conclusão de que se trata de
uma das três estrelas gigantescas azuis que formam o chamado triângulo de Beta. É bem
verdade que o surgimento de uma nova não tem nada de anormal. Acontece que o
diagrama Hertz-Russel mostra que as novas sempre se formam das estrelas da série
principal ou da série dos subanões. As estrelas pertencentes à classe gigante quase nunca
são atingidas pelo fenômeno. Ainda acontece que os gigantes que formam o triângulo de
Beta não são sóis como os outros, mas constituem reservatórios energéticos destinados a
alimentar o transmissor de grande alcance de Andro-Beta. Estes sóis evidentemente são
controlados pelos senhores das galáxias. Não pode haver nenhuma alteração nos mesmos,
a não ser que isso corresponda à sua vontade.
Perry Rhodan virou a cabeça para Kagato.
— Qual é sua conclusão, capitão?
Noro Kagato sorriu. Parecia zangado.
— Os senhores das galáxias destruíram seu transmissor de grande alcance,
transformando um dos sóis que o compõem numa nova, senhor — de repente sua testa se
cobriu de pingos de suor. — Certamente pensam que desta forma poderão prender-nos
em Andro-Beta. Acho que dentro em breve teremos de enfrentar um ataque em grande
escala.
— Muito bem, capitão. É uma conclusão perfeitamente lógica. Tivemos a mesma
idéia. Além disso a conclusão foi conferida pelo centro de computação positrônica, que
chegou ao mesmo resultado.
“Mas não foi por isso que o mandei chamar, capitão.
“No momento estamos preocupados com outra coisa. Tróia, nossa base planetária,
saiu do triângulo de Beta há exatamente quatro meses. Como só desenvolve cinco por
cento da velocidade da luz em queda livre, no momento encontra-se a uma distância de
somente 144 horas-luz da nova. É uma distância insignificante, se considerarmos os
abalos hiperestruturais que acompanham o processo de formação de uma nova. Pois bem.
Estamos preocupados com a guarnição da base, e naturalmente também com a base
propriamente dita. É claro que na situação em que nos encontramos não podemos pensar
em transmitir hipermensagens. Só existe um meio de termos certeza sobre o futuro de
Tróia: ir para lá.
“Em hipótese alguma poderíamos enviar um supercouraçado. O perigo de o mesmo
ser detectado seria muito grande. Por isso resolvemos enviar um barco espacial à posição
de Tróia, que é conhecida. Será a KC-11. A nave-girino já está preparada. Só falta
nomear o comandante e chefe da operação. O escolhido foi o senhor, porque sabemos que
nunca perde a calma e não permite que a sede de aventuras o leve a praticar atos
apressados, como acontece com certas pessoas.”
Kagato sorriu ligeiramente. Sabia quem eram as pessoas a que Rhodan acabara de
aludir. Há seis semanas o Capitão Don Redhorse se dirigira ao planeta Gleam,
contrariando ordens expressas, e por pouco não revelara a presença dos humanos em
Andro-Beta.
— Estou à disposição, senhor.
— Espere um pouco — Rhodan levantou a mão ao ver que Noro Kagato fazia
menção de levantar. — Trata-se de uma operação-comando. Como sabe, o senhor tem
direito de recusar-se a participar da mesma, sem que ninguém tenha o direito de acusá-lo
por isso.
— Eu sabia disso, senhor. Portanto, minha aceitação continua em vigor. Qual é a
hora da partida?
— A partida foi marcada para as 23:55 horas, tempo de bordo, capitão. Portanto,
dentro de quinze minutos.
Rhodan ligou o intercomunicador.
— Major Sedenko! Compareça com os dados relativos à operação e leve o Capitão
Kagato ao hangar da KC-11.
Levantou no mesmo instante que o capitão.
— Desejo-lhe muito sucesso, Capitão Kagato, e um feliz regresso!
***
No dia 1o de novembro do ano de 2.402, tempo terrano, exatamente às 23:55 horas,
tempo de bordo, a nave de sessenta metros de diâmetro chamada de KC-11 saiu da eclusa
do hangar e foi ganhando altura rapidamente. Mais tarde esta data seria registrada pelos
historiadores, com a indicação de que a mesma assinalava o início da última etapa do
caminho semeado de perigos que levara para Andrômeda.
Mas por enquanto os homens nem desconfiavam disso. Nem o Capitão Noro
Kagato, nem os cinqüenta tripulantes da nave-girino, tinham qualquer idéia da
importância daquele momento.
E não havia o menor sinal que indicasse a mesma.
A KC-11 atravessou as camadas da atmosfera de Gleam e passou perto dos sóis do
sistema Tri, desenvolvendo velocidade pouco inferior à da luz, para desaparecer no semi-
espaço.
O Capitão Kagato não enfrentou nenhuma dificuldade de navegação. A nova
perfeitamente reconhecível exercia as funções de farol. A bola de gases em rápida
expansão aparecia nitidamente no cruzamento das linhas da tela de relevo que marcava o
ponto de destino. Nuvens luminosas desprendiam-se de suas bordas e corriam à frente
dos gases brilhantes. Ao que parecia, o sol entrara num processo de completa dissolução.
Era possível que dele sobrasse uma minúscula estrela anã. Mas a maior parte da matéria
solar se perderia para sempre.
Noro Kagato virou a cabeça para a esquerda. Finch Eyseman estava concentrado nos
seus trabalhos junto à calculadora da rota. Nem parecia notar o olhar de Kagato. Noro
sorriu. Alegrara-se ao saber que o Tenente Eyseman seria o co-piloto e navegador da KC-
11. Tratava-se de um jovem que era geralmente conhecido como frouxo e sonhador. Mas
Kagato conhecia-o melhor. Aquilo que aos outros parecia um traço de frouxidão era
apenas a expressão de uma postura humanitária coerente.
Kagato olhou para o relógio e viu que só faltavam dez minutos para a próxima saída
de orientação. Não era possível percorrer o trecho que os separava de Tróia numa única
fase de vôo linear. A ação dos mobys levara à destruição de milhares de planetas,
instalando a confusão nas condições gravitacionais reinantes no interior da nebulosa
Andro-Beta. Haveria necessidade de pelo menos doze etapas de vôo linear.
Finch Eyseman acabara de concluir os cálculos de rota e voltou a cabeça. Ficou
vermelho ao notar que Kagato estava olhando fixamente para ele.
— Eu... bem... — Finch examinou o próprio corpo. — Há algo de errado com meu
uniforme, senhor?
O capitão suspirou e sacudiu a cabeça.
— Tudo em ordem com o senhor. Mas... Ora essa, homem! Por que sempre se faz
de inseguro? Procure ter mais autoconfiança, tenente. Garanto-lhe que pode fazê-lo com a
consciência tranqüila.
Eyseman mostrou um sorriso embaraçado.
— Sinto muito ter provocado sua cólera, senhor. É claro que procurarei seguir seu
conselho. Permite que lhe entregue os cálculos de rota, senhor?
— Faça o favor.
Noro Kagato arrancou as placas diagramáticas de sua mão e estudou-as
demoradamente. Resmungou alguma coisa em tom de elogio.
— Excelente, tenente. Fico me perguntando por que ainda não foi promovido com
toda essa competência — fez um gesto de pouco-caso. — Provavelmente o senhor fica
fazendo de conta que tem duas mãos esquerdas e está surdo de ambos os ouvidos.
— Orson e Nosinsky também não foram promovidos — objetou Finch em tom
embaraçado.
— Ora essa! — respondeu o capitão, exaltado. — Não se compare com eles. Ainda
são psiquicamente instáveis. Orson não se importa com nada, e Nosinsky é um tipo
impetuoso que não tem escrúpulos morais.
— E eu flutuo em esferas mais elevadas, senhor — acrescentou Finch com um
brilho irônico nos olhos castanhos. — Faça o favor de não esquecer isto.
— O reconhecimento dos próprios erros é o primeiro passo da correção —
murmurou Kagato.
Pegou o intercomunicador e anunciou a saída do semi-espaço. Dali a trinta segundos
as faixas brilhantes e as névoas escuras que enchiam as telas desapareceram, dando lugar
à profusão de estrelas de Andro-Beta.
No mesmo instante as sereias de alarme se fizeram ouvir.
Noro Kagato quis colocar as mãos sobre o teclado da direção, mas foi detido pela
voz mecânica de um robô de segurança.
— Atenção! — disse a voz metálica saída dos alto-falantes. — Objeto desconhecido
de dimensões planetárias no setor vermelho. Distância de trinta milhões de quilômetros.
Dispositivo automático dando início à manobra de desvio.
O capitão puxou violentamente o microfone do intercomunicador para junto de si.
— Comandante chamando tripulação. Atenção, centro de comando de tiro! Abram
fogo sobre objeto não identificado caso se verifique qualquer comportamento hostil. O
centro de controle de máquinas manterá o conversor kalup preparado para entrar em ação.
Favor atar os cintos.
Deixou que o braço elástico puxasse para trás o microfone e apertou a tecla à sua
frente. Depois respirou profundamente.
— O que é que um planeta veio fazer... — principiou, mas no mesmo instante foi
interrompido por Eyseman.
— É um moby! — gritou o tenente, apavorado. Noro Kagato segurou com tanta
força as braçadeiras de sua poltrona anatômica que as juntas dos dedos ficaram brancas.
Abriu a boca para dar uma ordem, mas logo se lembrou que o dispositivo automático
executaria a manobra de desvio em condições melhores que qualquer ação humana, por
mais bem coordenada que fosse.
De repente Finch Eyseman soltou uma estrondosa gargalhada. Contorceu-se na sua
poltrona, cobriu o rosto com as mãos e enxugou as lágrimas das faces.
O capitão descontraiu-se.
— Cara...! — disse, e esta palavra exprimiu tudo que estava sentindo. — Cara...! —
repetiu. Finalmente virou o rosto para Finch e disse em tom sarcástico: — Suponho que
esteja rindo de si mesmo, tenente. Espero que não se tenha esquecido que foi o senhor
que me meteu tamanho susto — sacudiu a cabeça. — Como pude deixar que um menino
inexperiente me enganasse?
Eyseman pigarreou fortemente.
— Queira desculpar, senhor — disse, respirando com dificuldade. — Estou rindo de
puro alívio. Ainda há pouco já me imaginava como uma componente energética do
monstro, mas logo me lembrei de que desde a destruição de Siren os mobys morreram de
vez. O senhor compreende?
Kagato mostrou um sorriso circunspecto.
— Tudo bem, Eyseman. Cada um alivia as tensões à sua maneira. Peça que o
dispositivo automático lhe forneça o programa de desvio, para que possa calcular a nova
rota.
Finch Eyseman confirmou com um gesto. Levou mais alguns segundos olhando
fixamente para a tela de visão global, na qual se via passar uma gigantesca sombra
escura. Em seguida passou a dedicar-se ao seu trabalho.
O Capitão Kagato seguiu o moby com os olhos. O cadáver do monstro, que era
quase do tamanho do planeta Terra, precipitava-se em queda livre em direção ao sol mais
próximo. Era uma gigantesca estrela vermelha que ficava a 2,4 anos-luz. O moby ainda
levaria cinqüenta anos para aproximar-se da mesma o suficiente para acelerar sua queda e
desmanchar-se na fornalha solar. Mais ou menos no mesmo tempo milhares de
exemplares de sua espécie teriam o mesmo destino. Depois disso só restariam alguns
relatos e descrições objetivas, que dariam testemunho de um capricho monstruoso e
maravilhoso da natureza. Kagato sacudiu os ombros.
Tinha passado. Só restava a raiva que lhe inspiravam os senhores das galáxias, estes
seres que apesar de seu grau de inteligência tinham um comportamento mais bestial que
as mais bestiais das feras. O capitão cerrou instintivamente os punhos.
— Já está na hora de derrubarmos os senhores de Andrômeda de cima de seu trono
— murmurou em tom compenetrado.
***
A frente de gases luminosos e incandescentes parecia um estandarte da morte. A
grande tela panorâmica da KC-11 reforçava o contraste. O contraste entre o negrume do
espaço interestelar que ficava para o lado de estibordo e a parede de gases trêmulos que
se via a bombordo.
Ninguém disse uma palavra. Um silêncio sepulcral reinava na sala de comando do
barco espacial de sessenta metros de diâmetro. Este silêncio só era interrompido pelo
ruído uniforme dos instrumentos.
O Capitão Noro Kagato ficou absorto com seus próprios pensamentos enquanto
prestava atenção às informações transmitidas pelo setor de rastreamento. O momento em
que a posição calculada de Tróia deveria entrar no campo do sistema de rastreamento
comum, que funcionava à velocidade da luz, era cada vez mais próximo. Os hiper-
rastreadores ainda não haviam fornecido um quadro nítido. O processo de formação da
nova, que ainda estava em curso, criava o caos hiperestrutural nesse setor do espaço.
Há cinco minutos um dos homens manifestara a opinião de que a base Tróia fora
vitimada pela catástrofe. Isso levara o Tenente Finch Eyseman, que era um homem
retraído, a mostrar-se furioso, pedindo que qualquer manifestação desse tipo fosse
proibida. A guarnição de Tróia tinha o direito de não ser considerada perdida sem que
houvesse um motivo grave.
Um sorriso fugaz passou pelo rosto de Kagato quando o mesmo se lembrou do
incidente. Já sabia que Eyseman era capaz de impor-se quando estava convencido de que
sua opinião era correta. O tenente sem dúvida possuía uma série de qualidades ocultas.
Era uma pena que a maior parte de seus superiores não sabia enxergar a alma de seus
subordinados.
A KC-11 chegou muito perto de uma faixa de névoa incandescente. Houve um
ligeiro empuxo de correção dos Propulsores de bombordo. Apesar disso a nave
atravessou as camadas periféricas da nuvem de gases. Por alguns segundos os campos
defensivos se acenderam ligeiramente.
O capitão acenou com a cabeça. Parecia satisfeito. Se a posição teoricamente
determinada de Tróia era correta, a base ainda deveria existir. O planetóide possuía um
campo defensivo de grande potência, que seria capaz de defender o mesmo contra as
camadas de gases relativamente rarefeitas. Mas a força da primeira frente hiperenergética
da nova era desconhecida. Era possível que Tróia se tivesse dissolvido sob o impacto da
mesma.
Os músculos da face de Kagato entesaram-se. O setor de rastreamento acabara de
comunicar que a posição de Tróia entrara na área de alcance do sistema de rastreamento
comum.
Finch Eyseman também ouvira as palavras transmitidas pelo alto-falante. Virou
abruptamente a cabeça e prendeu a respiração. Seus olhos pareciam suplicar.
No mesmo instante Tróia apareceu nas telas dos rastreadores.
Noro Kagato examinou ansiosamente os resultados das medições, à medida que os
mesmos estavam sendo fornecidos. Finalmente levantou a cabeça. Seus olhos brilharam
quando disse:
— A base não foi danificada. O campo defensivo continua intacto.
O capitão deu ordem para que fosse irradiado o impulso de identificação. A
guarnição da base tinha de ser informada de que quem se aproximava deles era sua
própria gente.
Dali a oito minutos Fracer Whooley chamou pelo rádio comum. Whooley era o
comandante de Tróia. Ele e a guarnição básica de vinte homens que estava sob seu
comando já tinham feito muitas experiências enervantes desde o momento em que fora
criada a cabeça-de-ponte de Andro-Beta. Mas nem por isso seu humor por vezes um tanto
macabro tinha sido afetado.
— Ainda bem que o senhor veio, capitão! — disse a título de cumprimento. —
Tomara que traga umas roupas de baixo bem quentinhas. Os abalos estruturais
provocados pela nova sacudiram-nos bastante, fazendo com que o vento passe por todas
as frestas de Tróia. Se as coisas continuarem assim, acabaremos pegando um resfriado.
No fundo tratava-se de uma observação muito séria, mas Kagato não pôde deixar de
rir.
— Estivemos preocupados com o senhor, major. O Administrador-Geral receava o
pior. Fico satisfeito em saber que resistiu à catástrofe — pigarreou. — Peço licença para
pousar, Major Whooley.
O rosto ligeiramente desfigurado de Whooley que aparecia na tela do
telecomunicador abriu-se num sorriso largo.
— Permissão concedida, capitão. Mas faça o favor de pousar suavemente. Nas
últimas horas não consigo livrar-me da impressão de estar no interior de um vaso de
barro com milhares de rachaduras.
O Capitão Kagato deu uma expressão séria ao seu rosto.
— Terei muito prazer em ajudá-lo, senhor. Ainda temos alguns tubos de cola-tudo
e...
Fracer Whooley soltou uma risada relinchante.
— Um por zero para o senhor! — respirava com dificuldade. — Nunca pensei que o
senhor fosse capaz de demonstrar tanto humor, Kagato. É verdade. Mas saberemos
arranjar-nos sem cola, capitão. Tróia agüentará... Logo depois da explosão do sol do
transmissor as coisas realmente pareciam preocupantes, mas sabemos que um planetóide
não se desagrega tão depressa. Assim mesmo peço-lhe que tenha cuidado ao pousar. Há
fendas na superfície e não quero que uma das colunas de sustentação telescópicas de sua
nave afunde e se quebre. Transmita a palavra Sésamo três vezes quando estiver perto do
campo defensivo. Abriremos um setor de pouso para o senhor.
Noro Kagato confirmou. Dali a meia hora, quando fez pousar a KC-11, agiu com
tamanho cuidado que até parecia que Tróia era um ovo cru. A atração exercida pelo
planetóide era muito reduzida. As superfícies de pouso das colunas telescópicas não
afundaram mais de dez centímetros. O capitão fez um sinal para que Eyseman se
aproximasse e deu ordem para que o acompanhasse no interior da base. Dali a alguns
minutos os dois saíram pela eclusa inferior, usando somente trajes espaciais leves.
Viram as fendas que atravessavam a superfície desértica do planetóide. Kagato
olhou para cima e sentiu um calafrio. O campo defensivo muito extenso de Tróia sofria o
bombardeio ininterrupto de partículas incandescentes e nuvens plasmáticas luminosas.
Até parecia que um gigantesco fogo de artifício estava sendo oferecido a alguns
quilômetros de altura. E a borda brilhante da nuvem produzida pela explosão cósmica até
parecia a boca do inferno.
Estremeceu ao ver um grande bloco de pedra rolar silenciosamente ao seu lado.
Estendeu as mãos instintivamente, à procura de apoio. Sempre era difícil de ter uma
sensação segura de onde era em cima e embaixo quando a Sente se encontrava num
pequeno astro de gravitação reduzida. Qualquer mudança repentina do ambiente
provocava uma sensação de tontura. Por alguns segundos Kagato teve a impressão de
estar de cabeça para baixo. Mas logo recuperou o sentimento da realidade.
O bloco de pedra cobrira uma das entradas camufladas de Tróia. A cobertura de aço
superior do poço do elevador acabara de ser posta à mostra. Kagato e Eyseman foram
para cima da placa metálica. Imediatamente começaram a descer. O movimento parou
quando tinham percorrido vinte metros. Os dois conheciam as instalações da base. Por
isso nem esperaram a voz saída de seus rádio-capacetes; entraram num nicho iluminado
que se abria na parede. A placa do elevador voltou a subir rapidamente, deixando livre o
poço do elevador antigravitacional propriamente dito. Noro e Finch desceram cinqüenta
metros, até o lugar em que começava o sistema de eclusas quádruplas.
Quando viram a placa luminosa vermelha de advertência, os dois notaram pela
primeira vez os efeitos produzidos pelas ondas de choque. A vedação da eclusa não
estava funcionando bem. A segunda eclusa também fora avariada. Dois robôs estavam
trabalhando com cortadeiras de impulsos e ferramentas térmicas. Ao que parecia, só
suspenderam os reparos para deixar passar os visitantes. A vedação das eclusas números
três e quatro era perfeita.
Quando Kagato e Eyseman saíram da câmara da última eclusa, o Major Whooley já
estava à sua espera.
Havia um sorriso irônico no rosto de Fracer Whooley.
— Podem abrir os capacetes, minha gente. Aqui dentro o vento não sopra tão forte.
Noro Kagato apertou a mão de Whooley.
— Vá para o inferno com seu humor macabro, major!
Fracer Whooley soltou uma estrondosa gargalhada.
— Não gostaria. Sempre tivemos muita necessidade do meu senso de humor. Não
acredito que a situação se estabilize num futuro próximo.
Saiu caminhando à frente dos outros. Noro Kagato ficou satisfeito ao notar que
Whooley não os levava diretamente à sala de comando principal de Tróia. Parecia
interessado em que a maior parte dos seus homens visse os visitantes, o que era bastante
inteligente do ponto de vista psicológico. Era necessário que de vez em quando a
guarnição da base recebesse a confirmação de que não fora esquecida e não ocupava uma
posição perdida. O Capitão Kagato e o Tenente Eyseman tiveram de responder a muitas
perguntas antes de chegarem ao destino.
O Major Whooley provou que apreciava muito a hospitalidade. Mandou que dois
robôs oferecessem alguma coisa. Kagato aceitou um bule de chá com biscoitos. Finch
Eyseman pegou com uma rapidez que quase chegou a ser grosseira uma garrafa de leite
sintético e um pedaço enorme de torta de manteiga.
Whooley sorriu ao ver Eyseman enfiar os dentes na torta. Ele mesmo preferiu uma
coca-cola com um pouco de rum. Além disso fumou um cigarro ferronense.
Kagato parecia um Buda magro demais, enquanto sorvia seu chá, todo
compenetrado e encolhido na poltrona. Seu olhar parecia distraído, mas na verdade estava
se concentrando. Quando terminou, limpou cuidadosamente a boca e os dedos.
Finalmente sorriu e levantou os olhos para Whooley, que era bem mais alto que ele.
— O Administrador-Geral lhe envia cordiais cumprimentos, major. Lamenta não
poder ter vindo pessoalmente. Em compensação mandou encher a KC-11 com
suprimentos. Entre eles existem dispositivos de reforço gravitacional. Se os rombos
abertos na pele do planetóide se abrirem mais, o senhor poderá combatê-los de dentro
para fora.
O Major Whooley balançou a cabeça.
— Muito obrigado, capitão. Vejo que como sempre o Chefe não esqueceu nada.
Como estão as coisas lá fora?
— Os senhores das galáxias puseram fora de ação o triângulo de Beta. Parece que
esperam que com isso consigam imprimir um novo rumo aos acontecimentos. Pensam
que estamos presos na armadilha. Acho que não preciso explicar o que isso significa.
Whooley empalideceu. Finalmente deu uma risada áspera.
— Acho que a confusão não pode ficar pior, capitão. Para mim a ação em grande
escala desenvolvida pelos supervigias foi o ponto alto. Aqui em Tróia todo mundo ficou
com cabelos brancos. Não tenha a menor dúvida. Tudo indicava que seríamos os únicos
sobreviventes. Não consigo imaginar coisa pior.
Noro Kagato sacudiu os ombros.
— Tudo que vimos no caminho de Andrômeda exigia nossa capacidade de
imaginação. De qualquer maneira, o inimigo está cometendo um erro grave. Acredita que
estamos presos. E, como parte desse pressuposto, tudo leva a crer que seus próximos
passos não afetarão nossa relativa liberdade de movimentos. E isto me dá alguma
esperança, Whooley.
Fracer Whooley acendeu mais um cigarro.
— Está bem, capitão! O senhor me deixou mais confiante. Mas vamos ao lado
prático. Quanto tempo pretende ficar aqui? Para sempre?
— Sinto muito, major — disse Kagato com um sorriso. — Teremos de partir assim
que a nave tenha sido descarregada.
— É uma pena, uma pena mesmo — Whooley suspirou. — Mas acho que dentro em
breve terá início a batalha final de Andro-Beta. E quando a mesma chegar ao fim...
— Faço votos de que então ainda estejamos vivos, major...
2

O fragmento de um antigo planeta gigante diminuía rapidamente nas telas do barco


espacial. O Capitão Kagato empurrou a alavanca do acelerador bem para a frente e Tróia
parecia desaparecer com um salto em meio ao negrume salpicado de estrelas e às nuvens
de gases incandescentes.
A KC-11 estava regressando para Gleam. Dali a trinta minutos a nave penetrou no
espaço linear. Como sempre, uma estranha sensação de irrealidade tomou conta de Noro
Kagato. O astronauta que se deslocava no espaço linear não se encontrava nem no
universo normal, nem no hiperespaço. A esfera energética criada pelo conversor
kalupiano mantinha sua nave à força numa zona em que atuavam campos de força da
dimensão quatro e meio, que exerciam uma dupla ação negativa. Por ali não havia
nenhuma matéria que pudesse frear a velocidade de uma espaçonave ou até desintegrar a
mesma. Por isso ninguém podia ter certeza sobre as relações temporais que prevaleciam
nessa zona. As determinações de tempo baseavam-se nos valores tomados de empréstimo
ao universo normal. No espaço linear não se podia falar nem mesmo na travessia do
espaço, pelo menos no sentido literal da expressão. Ali, onde não havia absolutamente
nada os padrões de espaço e tempo deixavam de existir. Mais nem por isso os homens do
século 25 se sentiam impedidos de usar este ambiente pouco acolhedor como uma estrada
de primeira ordem.
No momento em que o Universo a começou esconder-se atrás de alguns traços e
espirais luminosas, o dia 2 de novembro do ano 2.402 estava amanhecendo. Os robôs
serviçais serviram o café da manhã.
Noro Kagato voltou a escolher o chá a que estava acostumado. Comeu torradas.
Pôs-se a pensar quando leu as palavras impressas no cartucho.
— Friedrichsdorf, a cidade das torradas — resmungou espantado. — Onde fica
isso?
Finch Eyseman jogou três tabletes de açúcar no seu café. Sorriu e olhou para
Kagato.
— Fica num pequeno planeta, num braço secundário ainda menor da Galáxia,
senhor.
O capitão ergueu as sobrancelhas.
— Tenho a impressão de que o nome Friedrichsdorf soa bem terrano, meu jovem.
— Pois então — respondeu Eyseman, enquanto mexia seu café. — Estava me
referindo à Terra.
Noro Kagato derramou um pouco de chá, de tão espantado que ficou. Sacudiu a
cabeça, indignado, enquanto limpava a calça.
— A Terra não é tão pequena, tenente. E o fato de ficar num braço secundário da
Galáxia não deve ser motivo de chacotas. Seu poder quase chega a Andrômeda.
— E a fama de suas torradas também, senhor.
Kagato pigarreou, embaraçado. Soprou seu chá e começou a ingeri-lo gostosamente,
com os olhos fechados. As pálpebras tremiam, mostrando que tinha de esforçar-se para
reprimir o riso.
Enquanto isso Finch Eyseman estava devorando três pães de mel. Depois tirou do
bolso um enorme charuto preto. Fora um presente de despedida do Major Whooley.
Finch refletiu sobre se deveria guardá-lo para Orsy Orson. Orsy era um homem gordo,
que de vez em quando fumava seu charuto. Resolveu fumá-lo logo. Quem sabe se não
seria esmagado durante a viagem?
Dali a trinta segundos sua cabeça desapareceu atrás de uma nuvem espessa de
fumaça azulada.
Ainda não tinha fumado metade do charuto, quando teve uma sensação esquisita.
Levantou-se cambaleante e pálido que nem um cadáver.
Quando voltou, Kagato recebeu-o com um sorriso irônico.
— Vejo — disse em tom seco — que o braço da indústria do tabaco terrana chega a
Andro-Beta, embora a mesma não fique sediada em Friedrichsdorf...
Eyseman tossiu e logo voltou a empalidecer. Acomodou-se na poltrona com o rosto
desfigurado. De repente deu uma risada.
— Quer saber o que vou fazer com o primeiro senhor da galáxia que aparecer à
minha frente, senhor? — perguntou. — Ofereço-lhe um cigarro terrano.
Noro Kagato estava a ponto de dar uma resposta, quando a voz mecânica do piloto
automático se fez ouvir, anunciando que a reentrada da KC-11 no espaço normal era
iminente.
As conversas silenciaram. De repente Kagato compreendeu por que todos, inclusive
Eyseman e ele mesmo, estavam demonstrando um senso de humor forçado. Era por causa
da tensão que pesava sobre cada um deles. Todos esperavam uma nova apresentação do
espetáculo de pavor. E cada um esforçava-se para esconder isso diante dos outros.
O contador robotizado emitiu um forte clique e silenciou. O rugido constante do
conversor kalup terminou num estertor. As estrelas de Andro-Beta voltaram a aparecer de
repente.
O Capitão Kagato respirou aliviado. Não havia nada que indicasse que uma nova
ofensiva dos senhores das galáxias estava para ser lançada.
Mas dali a trinta segundos suas ilusões foram destruídas.
O centro de rastreamento informou que inúmeros objetos estavam aparecendo na
periferia da nebulosa anã.
***
Milhares e milhares de pontos luminosos foram saindo da escuridão do espaço
vazio, oferecendo um espetáculo fantasmagórico.
Os homens que se encontravam na KC-11 não sabiam qual era a tarefa das
espaçonaves incandescentes. Por isso depois de um minuto o Capitão Kagato deu ordem
de voltar ao espaço linear, aumentando a velocidade até o limite de segurança.
Quando o barco espacial da Crest II voltou a entrar no espaço normal, o mesmo
ainda se encontrava a cerca de duzentos anos-luz de Gleam. Mas a distância que separava
o barco dos limites da nebulosa Beta era de somente cento e onze anos-luz. A esta
distância a KC-11 descrevia uma trajetória parabólica, enquanto corria de volta à sua base
em Gleam.
Os hiper-rastreadores venceram quase instantaneamente a distância que os separava
dos limites da nebulosa. As espaçonaves incandescentes apareceram em forma de
pontinhos cintilantes na tela de projeção da sala de comando. Mas nos lugares em que
encontravam os primeiros sistemas solares, as manchas ofuscantes típicas inchavam sob o
efeito das descargas energéticas.
— Não pode haver nenhuma dúvida — disse Noro Kagato com a voz apagada. —
As espaçonave precipitam-se sobre os planetas dos diversos sistemas, provocando a
explosão dos mesmos.
— Isso é uma loucura! — os olhos arregalados de Finch Eyseman fitavam a tela de
projeção. — O que acontece com os tripulantes das naves?
— Sacrificam-se juntamente com estas. É um jogo diabólico. Mas coisa semelhante
já aconteceu na Terra, quando os povos se guerreavam uns aos outros. Só que lá não se
tratava de espaçonaves e planetas, mas de aviões e navios. Mas o resultado foi o mesmo.
A troca não deixa de ser vantajosa: um avião por um navio, uma espaçonave por um
planeta.
Finch Eyseman sacudiu obstinadamente a cabeça.
— A comparação tem um ponto fraco, senhor. Na Terra foram sacrificados no
máximo algumas centenas de aviões, enquanto aqui se trata de milhões de espaçonaves.
Parece que os senhores das galáxias voltam a sacrificar uma raça inteira para garantir
nossa destruição.
— O senhor não deixa de ter razão. Os senhores das galáxias certamente
conseguirão destruir todos os planetas da nebulosa Beta. Mas nem por isso nos
eliminarão.
— Não estou gostando, senhor. Não devemos permanecer inativos. Temos de fazer
alguma coisa para pôr fim a essa loucura.
O Capitão Kagato acenou com a cabeça. Seu rosto assumiu uma expressão sombria.
Fez alguns movimentos automáticos, mexendo nos comandos. A KC-11 aumentou de
velocidade.
— Trate de inventar alguma coisa, Eyseman. Mas não guarde isso para si. Apresente
ao Administrador-Geral.
Finch acenou fortemente com a cabeça. Nem percebeu o sorriso irônico com que os
outros ocupantes da sala de comando o brindaram. Seus pensamentos giravam em torno
da pergunta sobre a origem das espaçonaves incandescentes.
As inúmeras explosões que iam destruindo os planetas situados na periferia da
nebulosa Beta levaram Noro Kagato a esticar bastante as etapas percorridas no semi-
espaço. Isso não deixava de ser perigoso. Mas Kagato era de opinião que o perigo
representado pelas espaçonaves incandescentes era ainda maior.
Dali a três horas e meia a KC-11 penetrou no sistema Tri, desenvolvendo
aproximadamente a velocidade da luz. Dentro de mais trinta minutos o barco pousou no
vale que se abria entre as montanhas Harno.
Noro Kagato pretendia entrar em contato com a Crest II pelo telecomunicador, para
informar o Administrador-Geral sobre o que tinha observado, quando o Coronel Rudo
chamou.
— Deixe suas informações para depois, capitão! — ordenou o epsalense robusto. —
Faça entrar seu barco imediatamente na Crest e compareça à sala de comando. É urgente!
— Mas...! — principiou Kagato.
Cart Rudo já tinha desligado.
O capitão deu de ombros e informou a tripulação. Dali a pouco o barco desprendeu-
se da superfície e deslocou-se em direção à nave-mãe. A eclusa do hangar já estava
aberta. Kagato espantou-se ao notar os efeitos do campo de tração. Deviam ter mesmo
muita pressa, se faziam tanta questão de recolher logo a KC-11. A experiência lhe dizia
que dali se devia concluir que a Crest II pretendia decolar em breve. Por isso teve ainda
mais pressa em chegar à sala de comando.
Não se admirou ao notar que Perry Rhodan já estava à sua espera junto à mesa dos
mapas. Atlan e alguns mutantes também estavam presentes — além de Grek-1. Era uma
coisa fora do comum. Normalmente o maahk costumava permanecer em sua cabine, onde
reinava uma pressão atmosférica que podia ser considerada normal para ele além de uma
temperatura que mataria qualquer terrano dentro de alguns minutos. Além disso esse ser
precisava de uma atmosfera formada por hidrogênio e metano, igual que existe nos
mundos habitados por sua raça. Para viver fora de sua confortável cabine, o antigo oficial
do serviço secreto a serviço dos senhores das galáxias precisava de um traje espacial.
O Capitão Kagato ficou parado à frente de Rhodan fez continência. Finch Eyseman
manteve-se mais afastado.
— Trago duas notícias, senhor... — principiou Kagato em tom hesitante. — A
primeira vai...
— Antes de mais nada diga-me alguma coisa sob Tróia! — interrompeu Rhodan. —
Como vai o Major Whooley e seus homens?
Noro Kagato ofereceu um relato curto e preciso, rosto de Perry Rhodan iluminou-se
visivelmente.
— Muito obrigado, capitão — disse. — Infelizmente Whooley terá de agüentar mais
algum tempo sozinho. Quanto à segunda notícia... — um sorriso fugaz atravessou seu
rosto. — É a respeito das naves incandescentes?
— Sim senhor — gaguejou Kagato. — O senhor sabe?
Rhodan confirmou com um gesto.
— Esperamos isso o tempo todo, capitão. Até que enfim os senhores das galáxias
resolveram desferir o golpe final. Acreditam que será um golpe fulminante. Felizmente
não estamos presos a Andro-Beta, conforme acreditam.
Franziu a testa, espantado, quando viu o Tenente Eyseman aproximar-se a passos
firmes. O suor corria na face de Eyseman. Olhava para o chão, embaraçado, e tava com o
rosto vermelho que nem um tomate maduro.
Noro Kagato pisou discretamente nos pés do tenente e pigarreou fortemente.
— O Tenente Eyseman tem uma sugestão, senhor.
— Qual é...? — perguntou Perry Rhodan, esticando as palavras.
Atlan deu uma risadinha. Melbar Kasom fez uma careta. Finch Eyseman foi
erguendo a cabeça muito devagar. Movimentou os lábios, mas não conseguiu dizer uma
palavra.
Gucky, o rato-castor, aproximou-se devagar. Fitou atentamente o tenente, que
tentava vencer a timidez. Finalmente soltou um assobio estridente.
— Fale logo, jovem. Ou será que engoliu a língua?
Melbar Kasom, o gigante ertrusiano, soltou uma forte gargalhada.
— Formidável! Gucky deu para chamar os outros de senhor. Que coisa incrível!
Finch teve de sorrir. Com um gesto distraído enxugou o suor da testa.
— Sei que o senhor tem outras preocupações — disse em tom solene. — Mas não
posso deixar de pensar nos seres que viajam nas espaçonaves incandescentes. Acho que
deveríamos fazer alguma coisa para evitar o sacrifício absurdo dos mesmos.
Perry Rhodan suspirou.
— Essa opinião honra o senhor, Eyseman — abriu os braços. — Mas gostaria que
me dissesse o que posso fazer.
Caso sua sugestão tenha chances de ser bem-sucedida, não deixarei de segui-la.
Estou pensando no mesmo problema.
Finch pigarreou. De repente parecia muito mais seguro.
— As espaçonaves incandescentes não vêm de Andro-Beta, senhor. Mas em minha
opinião também não podem vir de Andrômeda, pois quando apareceram o triângulo de
Beta já tinha sido destruído. Sugiro que se faça um reconhecimento in loco, ou seja, no
lugar em que as naves estão operando. Acho que com o auxílio dos mutantes poderemos
assumir o controle de uma das naves inimigas. É possível que dessa forma descubramos
de que planeta vieram. É lá que devemos entrar em ação para pôr fim à operação.
— A idéia não é má — disse Kasom. — É excelente — observou Rhodan. — Muito
obrigado, Tenente Eyseman. Farei o possível para pôr em prática a sugestão que acaba de
apresentar.
Gucky estufou o peito e caminhou de um lado para outro, todo empertigado.
— Vocês ouviram? Com o auxílio dos mutantes, disse ele. E ficou olhando para
mim...!
— Não é de admirar — disse Kasom, tendo o cuidado de segurar-se na braçadeira
da poltrona. — Os pêlos de seu peito estão manchados de mingau de cenoura.
O rato-castor virou-se abruptamente. Seus olhos escuros em forma de botão
fixaram-se no ertrusiano.
O suporte da poltrona de Kasom rangeu.
— Não quero que qualquer objeto seja danificado — disse Rhodan. — Aliás, a
piada que Kasom acaba de soltar não é nada má.
Gucky deu um salto, teleportando para a mesa dos mapas. A parede lisa do
revestimento do poço antigravitacional refletia nitidamente sua figura. O teleportador
soltou um assobio estridente e desmaterializou.
— Os humanos têm um senso de humor esquisito — observou Grek-1. — Acho que
um maahk nunca será capaz de compreender o mesmo.
— Não diga uma coisa dessas — disse Icho Tolot. — O senhor já compreendeu
muita coisa. Aliás, sua mentalidade já não é a de um maahk. O estilo de vida terrano é
muito contagiante.
Perry Rhodan olhou ostensivamente para o relógio.
— Vamos ao que importa, minha gente. Não precisamos da interpretação do
computador positrônico para saber que o aparecimento das naves incandescentes
representa o início da batalha final — lançou um olhar para o console de comando
principal. Finch Eyseman e Noro Kagato conversavam animadamente com o Coronel
Rudo. — Este jovem mostrou a contradição em que caímos. Provavelmente seria
relativamente fácil fazer a retirada para espaço vazio e esperar que a armada inimiga
destruísse sistematicamente todos os planetas da nebulosa Beta. É bem verdade que neste
caso teríamos de abandonar Gleam e Tróia.
“Mas o problema principal não é este. Certamente ninguém de nós seria capaz de
ficar com a consciência tranqüila enquanto víssemos as tripulações das naves
incandescentes serem tangidas para uma morte absurda. Tenho certeza de que não
morrem voluntariamente. Os senhores das galáxias os obrigam a isso.”
Atlan levantou o braço. O arcônida parecia tranqüilo. Seus olhos avermelhados
irradiavam uma sabedoria bem sedimentada. No curso de seus dez mil anos de vida vi
nascer e partir inúmeras gerações. Dessa forma sua concepção sobre a morte
forçosamente teria de ser diferente da dos seres mais jovens.
— Alguém que concorda em ser o instrumento destruição não merece nossa
compaixão, Perry. Os tripulantes das naves incandescentes são seres inteligentes, e neste
caso sabem que crime estão cometendo contra as leis do cosmos, ou são irracionais, não
passando de feras treinadas para matar, como os mobys. Neste caso é preferível deixá-los
morrer.
— Para qualquer ser racional a vida deve ser uma coisa sagrada — respondeu
Rhodan. — Não se deve deixar sofrer nem mesmo um animal, desde que a gente possa
evitá-lo.
Atlan mostrou um sorriso frio.
— Você vive cometendo o erro que o torna tão simpático, bárbaro — disse estas
palavras num tom que quase chegava a ser afetuoso. — Você não estabelece a
comparação entre os recursos utilizados e o resultado alcançado. Quem quer conquistar o
Universo não pode ser sentimental. Mantenha-se afastado das espaçonaves
desconhecidas, Perry! Não interfira em seu trabalho. Assistiremos ao mesmo a uma
distância segura. Depois teremos certeza de que os senhores das galáxias nos deixarão em
paz. O fato de os donos de Andrômeda acreditarem que fomos destruídos ou não poderá
pôr em jogo nossa própria existência. Se você impedir a tarefa dessas espaçonaves, os
senhores das galáxias multiplicarão por mil o volume dos recursos utilizados. Neste caso
tudo que enfrentamos no caminho de Andrômeda será um prazer com aquilo que nos
espera.
Perry Rhodan levou algum tempo para responder. Seu rosto transformou-se numa
máscara, o que era um sinal de que sua cabeça estava trabalhando. Atlan manteve-se em
silêncio. Levantou os olhos com um sorriso resignado no momento em que Gucky voltou
a materializar. O arcônida imaginava qual seria a decisão de Rhodan.
Finalmente, quando uma eternidade parecia ter passado, Rhodan levantou a cabeça.
Seus olhos brilhavam numa vontade indomável.
— Seu raciocínio é logicamente correto, Atlan — disse com a voz controlada. —
Mas não é aceitável para os humanos. Não permitiremos que se cometa um crime,
somente porque isso se torna vantajoso para nós. Mesmo Que isso represente nossa
destruição, sempre teremos de agir de uma forma que possamos enfrentar Deus e nossa
consciência!
***
Grek-1 levantou o braço. Foi um movimento ajeitado dentro do pesado traje
espacial...
— Os maahks não são religiosos, mas respeito seus motivos. De outro lado, porém,
os argumentos do lorde-almirante são perfeitamente lógicos, motivo por que me vejo
obrigado a seguir a opinião de Atlan. Mas nem por isso temos de optar por uma solução
ou outra. Existe uma via conciliatória.
Perry Rhodan, cujo rosto parecia decepcionado quando o maahk pronunciou as
primeiras palavras, respirou aliviado. Contemplou muito tenso o rosto de seu inimigo de
antigamente. Na verdade, num membro do povo maahk não se podia falar num rosto no
sentido usual da palavra. A protuberância craniana em forma de foice assentava
diretamente no tronco e ia afinando em direção aos ombros. O cinza-pálido da pele tinha
um aspecto ainda mais estranho em virtude das escamas do tamanho de uma moeda, que
também eram cinzentas. E os olhos pareciam ainda mais estranhos. Pareciam colados no
topo estreito da cabeça, possuindo duas pupilas semicirculares dispostas em fenda, e
permitiam a percepção ótica em todas as direções ao mesmo tempo. Só mesmo um
homem como Perry Rhodan, que tinha atravessado um extenso aprendizado hipnótico e
acumulara o arsenal de experiências de um imortal, seria capaz de identificar e interpretar
as reações psíquicas de um maahk.
Rhodan percebeu que o estrategista genial do serviço secreto acabara de bolar mais
um de seus planos extremamente lógicos. Grek-1 costumava raciocinar e agir como um
mestre da arte do xadrez da quarta dimensão. Com o primeiro lance comandava numa
seqüência coerente os três ou quatro lances seguintes do adversário, fazendo com que
saíssem a seu favor.
Um fogo contido parecia brilhar nos olhos avermelhados quando o maahk começou
a falar.
— Todas as nossas ações devem guiar-se pela preocupação de não revelar nossa
origem. Os senhores das galáxias nunca devem descobrir que os seres com os quais estão
lutando são terranos, ao menos por enquanto. Além disso devemos considerar que só
existe uma raça além da sua que é capaz de enfrentar os senhores de Andrômeda.
“É a dos maahks.
“Se quisermos evitar que os senhores das galáxias cometam mais este crime,
precisamos desviar suas suspeitas de Andro-Beta, atraindo-as para Andro-Alfa. Seria
perfeitamente possível que os conspiradores que se dirigiram à nebulosa Beta tivessem
partido de lá.”
Atlan deu uma risada rouca.
— Parece uma ótima idéia. Mas como poderemos fazer uma encenação desse tipo?
Acha que devemos transmitir uma hipermensagem na qual nos identificamos como
maahks vindos de Andro-Alfa?
— Não compreendo sua sugestão, lorde-almirante.
Não compreendo que com sua inteligência...
Gucky, o rato-castor, chiou de prazer. Até mesmo Perry Rhodan mostrou um sorriso
condescendente. Fez um sinal de pouco-caso.
— Atlan deveria saber que com o senhor o sarcasmo não faz efeito, Grek-1. Sua
raça não conhece muito bem nosso mundo emocional.
— Compreendo — respondeu o maahk. — O lorde-almirante quis dizer que não me
julga capaz de ter uma boa idéia, ao menos em relação ao problema que estamos
enfrentando.
Virou o corpo maciço em direção ao arcônida.
— Que tal se os espiões dos senhores das galáxias prendessem dois maahks...?
— De onde...? — principiou Perry Rhodan, mas de repente seu rosto mostrou que
estava compreendendo. — O senhor acha que devemos produzir duas imitações
bioplásticas e fazer com que as mesmas caiam nas mãos dos hipotéticos espiões dos
senhores das galáxias...? Não devemos esquecer que os prisioneiros serão submetidos a
um exame minucioso.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida, senhor — o maahk ergueu uma das
mãos e deixou que a mesma caísse ruidosamente na braçadeira de sua poltrona articulada.
— Mas os senhores das galáxias certamente compreenderiam que os prisioneiros
tivessem sido protegidos contra exames e interrogatórios. As imitações poderiam ser
equipadas com uma carga combustível que fosse acionada assim que o sistema nervoso
periférico sofresse alguma lesão. Certamente acreditariam que se trata de uma proteção
contra os psicointerrogatórios.
— Compreendo — disse Rhodan com um aceno de cabeça. — Informarei
imediatamente a divisão biológica.
Transmitiu suas instruções e voltou o rosto para as pessoas com as quais estivera
conversando.
— Nossos biólogos levarão seis horas para concluir o trabalho. Vamos aproveitar
este tempo protegendo a base e partindo com quatro naves.
“Atlan, você certamente quer ir na Imperador. É claro que a Crest também irá. Além
disso levaremos a Alarico e a Napoleão. Kasom, avise os comandantes das duas naves
citadas em último lugar de que devem preparar-se para partir dentro de trinta minutos. A
Thora II permanecerá em Gleam, para cuidar da proteção da base de Power Center.
Entendido, minha gente?”
Estava tudo entendido, pelo menos no que dizia respeito ao procedimento a ser
seguido dali em diante. Mas sobre o resto não havia muita clareza. Ninguém conhecia as
características das espaçonaves incandescentes e não se tinha a menor idéia da raça a que
pertenciam suas tripulações condenadas à morte.
Logo saberiam. Só lhes restava fazer votos de que ainda teriam uma possibilidade de
aproveitar o conhecimento recém-adquirido...
***
Perry Rhodan desligou o telecomunicador. Olhou instintivamente para a tela de
bombordo. A um quilômetro de distância a Imperador seguia uma rota paralela. Atlan
encontrava-se a bordo da nave da USO. Rhodan acabara de falar com ele. Mas não se via
nada além de uma mancha circular que encobria o céu estrelado. Da mesma forma que as
outras naves do grupo, a Imperador viajava com as luzes de posição apagadas e as vigias
escurecidas.
O Administrador-Geral estreitou os olhos quando uma dezena de pontos luminosos
surgiu numa distância indefinida e foi-se apagando aos poucos. Uma dezena de planetas
acabava de explodir naquele instante.
As espaçonaves incandescentes que provocavam o espetáculo infernal ficavam
ocultas aos olhos do observador. As próprias explosões só se tornaram visíveis através de
um canal de duas vias. Por um dos canais as objetivas transmitiam imagens óticas
normais, enquanto o outro canal era alimentado pelos hiper-rastreadores que
funcionavam a velocidade superior à da luz. Além disso havia necessidade de um sistema
de amplificação para proporcionar a percepção das naves inimigas.
Perry Rhodan ia levantar, quando o intercomunicador deu o sinal de chamada. O
rosto do Dr. Hong Kao apareceu na pequena tela de imagem.
— Os cálculos preliminares já foram concluídos, senhor — informou.
— Irei imediatamente, Kao.
Enquanto caminhava pelo piso de plástico macio Rhodan sentiu as vibrações
provocadas por potentes conjuntos geradores e consumidores de energia. Olhou para o
console de controle de Cart Rudo. O sinal luminoso que indicava a potência dos jatos-
propulsores estava aceso em cima do painel de instrumentos. Rhodan percebeu que
dentro de cinco minutos a Crest II daria início à terceira manobra linear.
Hong Kao estava à sua espera na sala de controle interior do centro de computação
positrônica da nave. Visto de perto, o grande cérebro positrônico era um verdadeiro
monstro. Tinha dois andares, mas a altura dos mesmo equivalia aproximadamente à de
um edifício de seis andares. Além disso a estrutura perdia-se na amplidão do centro
principal. Naquele instante só se ouvia um zumbido ligeiro no interior da sala. Quando
solicitada ao máximo, a máquina podia emitir um rugido, embora o cérebro propriamente
dito fosse surdo. Os ruídos eram provocados pelos inúmeros conjuntos energéticos.
O Administrador-Geral retribuiu o sorriso amável do Dr. Kao.
— Quero ver o relato escrito e o quadro fictício da ação, Kao!
Hong Kao acenou com a cabeça e ligou os respectivos cristais de armazenamento.
Quadros bem diferentes foram projetados em duas telas. Num deles via-se um texto
contínuo, enquanto o outro mostrava uma projeção tridimensional dos fluxos de ação que
tinham atravessado as unidades positrônicas durante o processo de interpretação de
dados. As elipses, círculos, parábolas e combinações de cores cintilavam.
Perry Rhodan observou ambas as telas com a mesma concentração. O texto indicava
o resultado final de cada etapa do processo de interpretação, enquanto a projeção dos
fluxos de ação esclarecia a pessoa familiarizada com os mesmos sobre as trilhas de
pensamento seguidas pelo sistema positrônico.
A apresentação chegou ao fim e Rhodan descontraiu-se.
— Muito obrigado, Kao.
— Descobriu algum erro, senhor?
— Não. Devemos supor que os resultados correspondem aos dados da realidade.
Grek-1 tinha razão, o que era de prever. Se o inimigo descobrir dois maahks, isso só
servirá para confirmar suas suspeitas. Os senhores das galáxias sabem perfeitamente que,
além de aliados poderosos, os metanitas são seus principais competidores. É ao menos o
que acreditam. Isso não representa uma conclusão muito objetiva, mas a mesma só nos
pode ser útil.
— Tudo depende de que consigamos fazer chegar as imitações às mãos do inimigo
sem que o mesmo desconfie, senhor.
— Isso mesmo, Kao. Por isso mesmo todos os setores manterão o senhor
constantemente informado sobre tudo que diz respeito às espaçonaves incandescentes.
Mantenha o centro de computação em funcionamento e alimente o mecanismo com todas
as informações disponíveis. Atribua-lhe a tarefa de determinar como se pode penetrar nas
naves inimigas, de que forma as imitações dos maahks podem ser introduzidas em
alguma nave sem que ninguém suspeite de que se trata de um truque, e o que se pode
fazer para levar a unidade inimiga a regressar à sua base.
— Sim senhor! — um sorriso sombrio passou pelo rosto do Dr. Hong Kao. — Há
muita coisa a fazer, senhor. Tomara que as informações ajudem.
— Acho que vão ajudar — respondeu Rhodan em tom confiante.
Quando o Administrador-Geral se retirou do centro de computação positrônica, a
Crest II já se encontrava no espaço linear. As estrelas de Andro-Beta tinham-se tornado
invisíveis. A estrela que marcava o ponto de destino era a única que continuava
tranqüilamente na tela de alto relevo.
Perry Rhodan ocupou seu lugar junto à mesa dos mapas e estendeu a mão para pegar
o telecomunicador. Retirou-a quando viu que Icho Tolot e John Marshall se
aproximavam.
O aspecto dos dois seres era grotesco e reconfortador ao mesmo tempo. O aspecto
grotesco era reforçado pela proximidade de duas criaturas tão diferentes. John Marshall, o
esbelto telepata, e o grande halutense com seus 3,50 metros de altura e 2,50 metros de
largura nos ombros, que possuía quatro braços e um par de pernas de tronco. O aspecto
reconfortador era a harmonia perfeitamente natural que fazia com que cada um se
esforçasse para adaptar seus passos aos do companheiro.
Rhodan fez um sinal para que se acomodassem. Tolot e Marshall sentaram com a
maior espontaneidade. O halutense ocupou uma poltrona enorme especialmente feita para
ele. Quando Icho Tolot sentou, a concha do assenti afundou cinqüenta centímetros nas
colunas de sustentação telescópicas, o que não era de admirar, já que seu peso chegava a
duas toneladas.
— Tenho uma pergunta, senhor — rugiu o halutense.
Era sua maneira normal de falar.
— Faça o favor de falar, Tolot.
— De que forma pretende fazer um reconhecimento no interior das naves inimigas,
senhor? Não devemos esquecer que a aparente incandescência das mesmas pode tomar
mais difícil a observação externa.
— A aparente incandescência...? — perguntou Rhodan, esticando as palavras.
Tolot girou as mãos de tal maneira que as palmas ficaram viradas para cima. Era um
gesto copiado de Atlan.
— Usei meu cérebro programador para avaliar as informações que já colhemos
sobre os objetos inimigos. Cheguei a dois resultados diferentes, senhor. Ou as
espaçonaves realmente são incandescentes, e neste caso ele não possuem qualquer
tripulação orgânica, ou então a luminosidade tem sua origem num processo térmico, e
nesse caso devemos contar com a presença de campos defensivos extremamente fortes,
ou com a presença de uma estrutura e de um funcionamento completamente diferentes
que conhecemos em outras espaçonaves.
— Compreendo, Tolot — Perry Rhodan apoiou o queixo na mão e pôs-se a refletir.
— Mas não podemos deixar nosso planejamento para quando tivermos certeza a este
respeito.
Rhodan pôs a mão no telecomunicador, o que era um sinal de que tinha tomado sua
decisão.
O Coronel Heske Alurin, comandante da nave Imperador, respondeu ao chamado.
— O lorde-almirante? — disse, respondendo à pergunta de Rhodan. — Não. Não
está aqui. Disse que iria falar com o senhor.
Rhodan olhou em volta, um tanto perplexo.
— Ainda não chegou aqui, coronel. No espaço linear seria mesmo muito arriscado.
Vou...
Neste instante o grupo de naves voltou a mergulhar no espaço normal. Dali a
instantes duas faixas brilhantes alongadas atravessaram a tela do telecomunicador.
Rhodan sentiu um forte sopro de ar no rosto. Eram os gêmeos Woolver que acabavam de
chegar. Tinham escolhido seu meio de locomoção predileto: a locomoção pelas ondas. A
ligação de telecomunicação que tinha sido estabelecida constituía o ambiente mais
favorável.
Tronar Woolver, que só se distinguia do irmão pelo T que se lia no peito do
conjunto-uniforme, fez continência.
— O Lorde-Almirante Atlan deu ordem para que viéssemos na frente, senhor. Ele
mesmo virá pelo transmissor da nave.
Perry Rhodan fez um sinal para Heske Alurin e desligou o telecomunicador.
Examinou os gêmeos e demonstrou uma atenção toda especial pelos trajes espaciais que
carregavam sob os braços. Finalmente virou o rosto para Tolot.
— Tenho a impressão de que duas pessoas pensaram a mesma coisa...
— O que pensaram mesmo? — perguntou Atlan.
O arcônida saiu do campo antigravitacional existente no poço do elevador.
— Pensamos no planejamento da operação que temos pela frente — disse John
Marshall. — As espaçonaves incandescentes encerram alguns mistérios.
Atlan acenou com a cabeça e sentou. Os Woolver também tinham sentado,
atendendo a um sinal de Rhodan.
— Também as acho misteriosas — confirmou Atlan. Foi por isso que vim com os
gêmeos. Acho que precisaremos deles para investigar as naves desconhecidas.
Antes que alguém pudesse dar uma resposta, houve um torvelinho no ar. Gucky, o
rato-castor, rematerializou no colo de Tolot. Havia um brilho arrojado em seus olhos de
botão.
— E eu, o salvador do Universo, o matador simultâneo, o terror de todas as
galáxias? Acham que não precisarão de mim?
Rhodan sorriu e desfez o bloqueio mental, enquanto dizia:
— Precisaremos de você mais que de qualquer outra pessoa, baixinho. Já pretendia
chamá-lo, mas você se antecipou.
— É verdade — confirmou Gucky, que lera nos pensamentos de Rhodan. Pôs à
mostra seu dente roedor solitário, o que representava um sinal de satisfação. — Qual é o
papel que me foi reservado no jogo?
— Não se trata de um jogo — retificou Rhodan. — É uma operação na qual tudo
estará em jogo. Por isso temos de tomar nossas precauções. Os gêmeos tentarão penetrar
em uma das naves inimigas e...
O dente roedor de Gucky desapareceu no mesmo instante.
— E eu, Perry? O maior dos seus mutantes ficará aqui?
— Pois é isso, baixinho. Seu papel será o mais importante. Se os Woolver tiverem
dificuldades, você os salvará. Como vê, será nosso último trunfo.
— O Império Solar pode confiar em mim! — disse Gucky em tom humilde.
***
A alguns anos-luz dali um planeta estava explodindo.
O alarme estridente se fez ouvir nos diversos conveses da Crest II. A explosão
ocorrera “atrás” do grupo de naves. Quer dizer que já tinham atravessado a primeira
fileira dos atacantes.
Os dados que o rastreador forneceu dali a pouco foram mais tranqüilizadores. As
telas de projeção mostravam que as espaçonaves incandescentes se encontravam nas
imediações — mas todas elas vinham “da frente”. O fenômeno alarmante fora obra de
uma unidade solitária.
Mas os resultados fornecidos pelos rastreadores ainda provaram outra coisa — uma
coisa com a qual nem mesmo Icho Tolot tinha contado.
— São esferas energéticas! — disse Perry Rhodan com a voz apagada, assim que
recebeu a notícia. — Esferas de energia com cerca de sessenta a setenta metros de
diâmetro, de um verde desagradável...!
— Talvez sejam simples condensações de energia conjeturou Atlan. — Nesse caso
nosso esforço terá sido em vão. Uma porção de energia condensada não tem tripulantes.
— Quer dizer que não são porções de energia condensada! — constatou Icho Tolot
em tom resoluto. Notou os olhares espantados pousados nele. — Quem seria capaz de
dirigir condensações de energia pura a grande distância? — perguntou. — Sem um
dispositivo robotizado embutido isso não é possível. Acontece que no sentido em que
empregamos a palavra esses dispositivos automáticos também são tripulações. São tão
sensíveis como os robôs móveis. Logo, no interior das esferas existe um espaço no qual
reinam temperaturas suportáveis.
— Está certo! — Perry Rhodan encostou o microfone do intercomunicador à boca.
— Coronel Rudo! Procure localizar uma esfera solitária e aproxime-se da mesma em vôo
linear a uma distância de quatro milhões de quilômetros. Dê instruções para que os outros
comandantes acompanhem a manobra.
— Vejo que está curioso de novo! — disse Atlan em tom irônico, assim que Rhodan
interrompeu a ligação. — Essa sua curiosidade ainda será nossa perdição.
— Não enquanto eu estiver por perto! — protestou o rato-castor, ofendido.
Perry Rhodan não fez nenhum comentário. Limitou-se a sorrir como quem
compreende. Não estava subestimando o perigo. Mas sem arriscar não se alcança nada.
Dali a dois minutos o grupo de naves voltou a mergulhar no semi-espaço. Um
pequeno ponto luminoso apareceu na tela de relevo. Parecia flutuar imóvel no espaço
vazio, a alguns anos-luz dos limites da nebulosa Beta. E estava só. Cart Rudo não levara
muito tempo para escolher o alvo que melhor se prestava aos seus propósitos.
Dali a alguns minutos as quatro naves gigantescas retomaram ao espaço normal. Os
estabilizadores de posição e os jatos-propulsores obrigaram as naves esféricas a dar uma
volta. Por motivos táticos tinham saído “atrás” da esfera. Assim que a manobra de
mudança de rota foi concluída, passaram a voar na mesma direção que o inimigo, ou seja,
para Andro-Beta.
A esfera de energia não demonstrou nenhuma reação diante do aparecimento das
naves desconhecidas. Estas não tinham sido detectadas, ou então só dispunham de um
dispositivo automático programado num único sentido.
Perry Rhodan pegou o microfone. Sentiu que as palmas das mãos estavam ficando
úmidas. Sabia que era tudo uma questão de segundos. A esfera desenvolvia velocidade
inferior à da luz. Teria de voltar ao espaço linear, a não ser que quisesse levar alguns anos
para chegar ao destino. A investigação teria de ser concluída antes disso.
— Atenção, rastreamento! Como vai a interpretação dos dados? — à voz de Rhodan
parecia controlada.
— Acaba de ser concluída, senhor — informou o Major Notami, chefe do centro de
rastreamento. — As esferas de energia são formadas por um campo enfeixado, que
apresenta condições de instabilidade na quinta dimensão. Dessa forma as esferas
representam objetos ideais para o vôo linear. Atingem velocidades elevadas, bem
superiores à da luz, no espaço linear.
— Existe a possibilidade de os objetos voadores terem vindo de Andrômeda, major?
— Impossível, senhor. Ao que tudo indica, consomem parte de sua energia durante
a viagem. O diagrama mostra uma curva que desce lentamente. É claro que é
teoricamente possível que ao partirem de Andrômeda as esferas tenham sido tão grandes
que seriam capazes de percorrer o trecho que as separava de Andro-Beta. Mas nesse caso
teria sido necessária a utilização de campos enfeixados estáveis, que tomariam impossível
o vôo no espaço linear.
— OK! Compreendi, major. O senhor acaba de me tirar uma grande preocupação.
Obrigado.
Desligou e olhou para a mira telemétrica. A distância continuava inalterada. Era de
quatro milhões de quilômetros.
— Temos que tentar — disse. — Depressa!
Tronar e Rakal Woolver já tinham colocado e fechado seus trajes espaciais. Usaram
os microfones externos para comunicar-se.
— Estamos preparados, senhor — informou Tronar.
Rhodan olhou-os muito sério.
— Evitem assumir riscos muito grandes. Ficaremos à sua espera por dez minutos.
Se não voltarem até lá, mandarei Gucky atrás dos senhores.
— Dez minutos são pouco para examinar... — principiou Tronar.
Rhodan fez um gesto enérgico.
— Pelos cálculos do setor de rastreamento, a esfera voltará a penetrar no semi-
espaço dentro de trinta minutos no máximo. Se então ainda estiver no interior do mesmo,
não poderá voltar mais. Portanto, dispõem de dez minutos. Nem um segundo a mais.
Entendido?
— Sim senhor! — responderam Tronar e Rakal ao mesmo tempo.
— Utilizem o raio direcional do hiper-rastreamento.
Os dois mutantes fizeram continência e saíram marchando a passo cadenciado na
direção do centro de rastreamento. As pessoas que continuavam na sala de comando não
podiam fazer nada senão esperar.
Os parasprinters chegaram ao destino praticamente no mesmo instante, pois
utilizaram o raio direcional do hiperrastreador como meio de transporte.
Tronar Woolver bateu fortemente no chão. Só pudera fazer uma escolha pouco
precisa do local da rematerialização e caíra uns três metros.
Sentiu uma tontura, como costumava acontecer depois de cada salto. A estrutura
atômica de seu corpo sempre levava alguns segundos para ficar novamente em ordem.
Durante este tempo ficava indefeso.
Quando voltou a enxergar e suas funções orgânicas retornaram ao normal, soltou um
grito de pavor. O irmão gêmeo, que se encontrava a seu lado, também gritou.
Encontravam-se junto à parede interna abaulada de um recinto em forma de lentilha.
Bateram com a cabeça no teto. A uns quatro metros do lugar em que se encontravam
estava o sistema de comando da esfera — e uma coisa monstruosa, horripilante
aproximava-se, vinda de lá.
O monstro acabara de sair de uma concha achatada. Seu aspecto lembrava o dos
monstros andróides que tinham aparecido em Gleam depois da destruição de Siren. O
monstro que se aproximava dos gêmeos parecia uma medusa com tocos que serviam à
locomoção e tentáculos curtos e gosmentos.
Os gêmeos compreenderam ao mesmo tempo que só continuavam vivos graças a um
acaso feliz. Se o monstro tivesse sido mais rápido, já teriam expirado sob a pressão
implacável de seus tentáculos. Muitas vezes os monstros que tinham aparecido em Gleam
tinham sido mais rápidos que os humanos.
A medusa foi-se aproximando lenta e implacavelmente. Não podia haver nenhuma
dúvida quanto às suas intenções.
Tronar e Rakal ergueram os canos das armas energéticas.
Resolveram esperar mais um pouco. Examinaram atentamente as instalações da sala
de comando. Havia uma única tela que mostrava os arredores. Via-se a profusão
luminosa de Andro-Beta — e mais nos fundos um brilho leitoso que era a nebulosa de
Andrômeda. Só havia umas Poucas chaves e controles no console de comando da esfera.
Ao que tudo indicava, as esferas de energia tinham sido construídas exclusivamente para
destruir os planetas da nebulosa Beta.
Rakal começou a dirigir a palavra ao andróide. Não se entregava a ilusões. Na
verdade, o monstro nem sequer mostrava se tinha ouvido sua voz.
Os tentáculos aproximaram-se perigosamente e os parasprinters não tiveram
alternativa. Foram obrigados a agir.
Atiraram na intenção de causar apenas ferimentos leves no ser, mas o mesmo logo
caiu ao chão, imóvel. Tronar e Rakal entreolharam-se indecisos. Não sabiam se o
monstro realmente estava morto ou só fingia. Mas não conseguiram disparar mais um tiro
contra o inimigo indefeso. Como acontecia com todos os mutantes, os Woolver tinham
uma sensibilidade exagerada.
Tronar exprimiu seu conflito de consciência em palavras ao dizer:
— E agora? Não podemos deixar este ser jogado aqui. É possível que acabe se
recuperando e faça estragos. Se o rato-castor estivesse aqui...
O ar tremeu no interior da esfera. A figura de Gucky saiu de um torvelinho. O rato-
castor sorriu para os gêmeos Woolver, através do visor do capacete.
— Estou prestando um serviço de primeira. Antes que vocês tenham tempo de dizer
o que querem que eu faça, seu desejo se cumpre — lançou um olhar ligeiro para o
aparelho de análise que trazia preso ao braço. — A atmosfera é de oxigênio. Ótimo! Nada
poderá acontecer a este cara se eu o levar à Crest.
Saiu caminhando em direção ao andróide-medusa que permanecia imóvel, segurou
um dos tentáculos — e desapareceu juntamente com o monstro. O ar produziu um estalo
ao encher o vácuo.
3

O monstro em forma de medusa foi cair bem à frente do Major Notami. Houve um
ruído desagradável. Notami executou um salto grotesco. A seguir começou a xingar
Gucky.
Perry Rhodan fez um sinal para que se calasse. Dois robôs aproximaram-se às
pressas e carregaram o andróide para longe dali. O mesmo não oferecia nenhuma
resistência.
Dali a pouco duas figuras confusas saíram com um chiado leve do bloco do hiper-
rastreador. Levaram apenas alguns segundos para transformar-se nas figuras conhecidas
dos sprinters.
Tronar foi para perto de Rhodan e informou o mesmo sobre as investigações que
tinham realizado. Atlan, Tolot e John Marshall também se encontravam no centro de
rastreamento e ouviam atentamente o relato. Gucky ficou parado e deixou que os homens
que se encontravam na sala o admirassem. Exibiu seu dente roedor solitário e também
ofereceu seu relato, no qual não deixou de realçar sua atuação.
— Está morto! — gritou alguém que se encontrava Perto do andróide.
Perry Rhodan virou a cabeça e viu que a pessoa que acabara de dar a informação era
o médico que tinha comparecido ao centro de rastreamento por ordem sua.
— Qual foi a causa da morte, doutor? — perguntou, tranqüilo.
O extramédico deu de ombros.
— Mande fazer uma autópsia! — disse Rhodan. — Quero um relato preciso. Estou
interessado principalmente em conhecer a estrutura do cérebro do monstro.
De repente Atlan deu uma risada. Todos os rostos se voltaram para o arcônida com
uma expressão de espanto. Ninguém sabia explicar o motivo de tamanha alegria. A risada
terminou tão repentinamente como tinha começado.
— Quer saber uma coisa, Perry? — exclamou. — Eu deveria chorar. Aproximamo-
nos às escondidas do inimigo, arriscando-nos a ser destruídos ou identificados como
terranos. E para quê? Somente para salvar alguns milhões de andróides que não possuem
alma.
Rhodan sacudiu lentamente a cabeça.
— Não é só por isso, meu chapa. Precisamos descobrir em que lugar são produzidas
estas criaturas. Além disso não devemos esquecer que os andróides também são seres
vivos, seja lá como foram produzidos. Vamos aguardar o resultado dos exames. Tenho
uma suspeita.
— Que suspeita é essa, Perry?
Rhodan limitou-se a sorrir. Não deu resposta à pergunta. Mas certamente abrira por
um instante o bloqueio que protegia sua mente, pois o rato-castor levantou os olhos,
assustado.
— Isso seria horrível — disse num cochicho.
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— Pode-se dizer que seria uma violação terrível da ordem divina, Gucky. Mas trata-
se de uma simples suspeita que talvez não se confirme.
— Tomara! — Gucky soltou um suspiro e desmaterializou.
Ouviu-se um ruído semelhante ao de uma rolha de champanhe saltando quando o ar
encheu o vácuo.
Rhodan aproximou-se da parede na qual estavam instaladas as numerosas telas do
sistema de rastreamento.
Via-se perfeitamente que a esfera de energia abandonada corria sem destino.
Certamente não havia possibilidade de realizar a manobra linear sem a presença de um
piloto. Se fosse assim, a esfera levaria alguns anos correndo pelo espaço vazio e talvez
chegasse a atravessar a nebulosa Beta sem colidir com qualquer astro. O veículo levaria
cerca de cento e cinqüenta mil anos para aparecer nos limites de Andrômeda. Mas suas
reservas de energia não seriam suficientes para isso. Certamente se dissolveria, se
autoconsumiria em algum ponto situado entre Andro-Beta e Andrômeda.
Perry Rhodan tentou descobrir onde estaria quando chegasse este momento. Não
chegou a nenhum resultado. Sem dúvida os senhores das galáxias já teriam sido
derrubados do poder. Mas novos inimigos poderiam aparecer. Sempre tinha sido assim. A
solução de um problema sempre acabava trazendo um problema ainda maior.
Perry Rhodan obrigou-se a controlar os pensamentos que vagavam no futuro. Era
necessário controlar o presente. Só então tomariam uma decisão sobre a direção a seguir.
Perry Rhodan deu ordem para que os comandantes das unidades que formavam o
grupo voltassem para observar de perto a atividade das esferas de energia.
***
Perry Rhodan teve de fazer um grande esforço para vencer o enjôo que ameaçava
tomar conta dele. O cadáver do monstro em forma de medusa jazia à sua frente.
Uma equipe de biólogos executava um trabalho rápido e rotineiro. Amostras dos
tecidos eram examinadas por meio de super-microscópios, enquanto se realizavam
análises químicas. Outros biólogos gravavam em fita os dados resultantes das
radiografias e das análises funcionais do organismo do monstro. Não se perdia nenhum
dado.
Rhodan inclinou a cabeça para examinar um recipiente em cujo interior um bloco
preto-marronzado boiava num líquido nutriente. Uma bióloga observava o bloco do
tamanho de um punho humano, enquanto seus dedos ágeis passavam pelos controles do
sistema de suprimento.
Rhodan fitou atentamente o bloco e seu coração contraiu-se. Teve a impressão de
que de repente o sangue congelara em suas veias.
Neste instante a bióloga descobriu o Administrador-Geral. Lançou-lhe um olhar
furioso.
— Se não pode ver estas coisas, dê o fora!
Sua voz era grave e enérgica. De repente Rhodan viu que se encontrava ao lado da
Dra. Natália Scharzowa. Ficou aborrecido porque a expressão de seu rosto revelara seus
sentimentos. Mas sua voz não exprimiu este aborrecimento.
— Queira desculpar, madame — respondeu com um sorriso forçado. — Não sou
nenhum médico ou biólogo escaldado. Será que estou errado ao supor que este bloco é o
cérebro do andróide?
— Adivinhou! — resmungou a bióloga-chefe da Crest II sem o menor respeito. —
Faça o favor de não me perturbar mais, senhor. Tento revitalizar o plasma.
Ao ouvir a palavra plasma, Perry Rhodan ficou ainda mais pálido. Aquilo que fora
uma simples suposição parecia transformar-se em certeza. Rememorou os
acontecimentos que se tinham passado no planeta Rando, que ficava na Periferia da
nebulosa Beta e não existia mais. Fora destruído por bombas nucleares teleguiadas,
vindas das profundezas do espaço vazio, que desenvolviam velocidade superior à da luz.
Mas antes disso os humanos tinham conseguido identificar Rando como o mundo de
origem do plasma primitivo — o mesmo plasma que fazia parte dos pos-bis do Mundo
dos Cem Sóis. Há muito tempo este plasma central tivera sua sede na nebulosa de
Andrômeda. Os senhores das galáxias o tinham removido de lá, banindo-o para os
confins do espaço vazio.
Os terranos tiveram a atenção despertada para Rando por causa dos pedidos de
socorro e gritos de dor que o plasma emitia ininterruptamente por via telepática. O
motivo eram as espaçonaves não identificáveis, que recortavam porções gigantescas do
organismo vivo da forma de vida bioplástica.
O enigma sobre o destino que os encarregados dos senhores das galáxias davam ao
plasma brutalmente removido parecia encontrar sua solução.
Utilizavam o mesmo para criar os cérebros de seus monstros andróides!
— É o fim! — disse Natália Scharzowa.
Desligou o sistema de suprimento e com a manga da blusa enxugou o suor da testa.
Perry Rhodan pigarreou energicamente. A bióloga virou abruptamente a cabeça.
— Ah, é o senhor — disse. Parecia haver um tom de decepção em sua voz. — Não
pode fazer nada que eu não possa. O plasma morreu. Talvez seja melhor.
— Sua substância é idêntica à do plasma central de Rando...? — perguntou Rhodan
com a voz apagada.
— Não perfeitamente — Natália Scharzowa afastou uma mecha de cabelos negros
da testa e soltou um suspiro de resignação. Via-se perfeitamente que a tentativa frustrada
de salvar o plasma a deixara deprimida. — Mas a análise preliminar revelou a presença
de algumas substâncias básicas do plasma central. É claro que agora que o cérebro
morreu podemos fazer uma análise mais minuciosa.
— A senhora acha que o plasma central foi utilizado na produção do cérebro do
andróide, madame?
A bióloga confirmou com um gesto sombrio. O olhar que lançou para o bloco de
plasma que acabara de morrer tinha uma expressão tão maternal que Perry Rhodan lhe
perdoou a falta de respeito.
— Fico-lhe muito grato, madame — disse em voz baixa.
Sentiu que a raiva que tinha dos senhores das galáxias voltava a tomar conta dele.
Tratava-se de governantes brutais, que não sabiam o que era consciência, pois usavam e
exterminavam raças inteligentes com um pragmatismo frio e sem o menor sentimento.
Rhodan ainda conversou demoradamente com os outros biólogos e médicos que se
encontravam presentes. Todos confirmaram que no corpo do andróide também existiam
traços da substância plasmática.
Rhodan retirou-se da sala de exames. Estava deprimido. Encontrou Gucky do lado
de fora, junto à porta. O rato-castor estava sentado no chão, com as orelhas caídas e os
olhos fechados. Parecia voltado para dentro de si. Quando Perry Rhodan apareceu,
levantou os olhos.
— Não fique triste, Perry — disse para consolá-lo. — Temos as melhores chances
de localizar esta cozinha do demônio em que são fabricados os andróides. Espero que não
tenha compaixão com os cozinheiros...
Rhodan limitou-se a abanar a cabeça.
— Que bom! — rejubilou-se Gucky. — Até que enfim poderei brincar novamente à
vontade. Posso, não posso? —perguntou em tom medroso.
— Tenente Guck! — disse Rhodan em tom enérgico. — Não compreendo que
diante do destino terrível que o plasma tem sofrido e continua a sofrer o senhor ainda seja
capaz de falar em brincar.
O rato-castor estremeceu. Mas acabou soltando um assobio estridente. Tentou
colocar-se nas pontas dos pés. Como sempre, perdeu o equilíbrio e teve de usar a
telecinesia para não cair. Foi subindo telecineticamente até que seu rosto ficasse na
mesma altura do de Rhodan.
— Primeiro, senhor Administrador-Geral, há tempo não sou um simples tenente,
mas um oficial de patente especial do Exército de Mutantes. Aliás, o título de nomeação
traz sua assinatura, seu... seu...!
— E segundo? — perguntou Rhodan em tom seco.
— E segundo, você deveria concordar comigo em que os fabricantes dos andróides
merecem que eu brinque com eles. Acho que fazem jus a isso, exatamente por terem
abusado do plasma central.
Perry Rhodan sorriu ligeiramente.
— Concordo com você, Gucky. E para que possa brincar à vontade com eles, acho
recomendável que até lá você se abstenha de usar suas paracapacidades. Além disso o
exercício físico não lhe faria mal. Ultimamente você criou umas gorduras indecentes.
Os olhos de Gucky quase saltaram das órbitas de tão assustado que ficou. Esqueceu
que estava suspenso no ar e caiu prontamente no prolongamento das costas. Suas
lamentações deixaram Rhodan tão compadecido que o mesmo fez menção de levantar
Gucky, mas este se enfureceu.
— Não me toque, monstro! — revirava os olhos. — Se não estivesse com pena de
você, teleportaria neste instante para o espaço sem traje especial. Aí você ficaria cego de
tanto chorar por mim — chorou de autocompaixão. — Eu lhe mostraria uma coisa. Não
voltaria nunca mais.
Rhodan parecia arrasado.
— Você não pode fazer uma coisa dessas comigo, baixinho. Mas, falando sério,
Gucky, você...
— Espere aí! — gritou Gucky. — Não repita isso.
— Que é isso? — disse Rhodan em tom apaziguador. — Pretendia recomendar que
fizesse um tratamento na base de cenouras. Elas ajudam a conservar as linhas esbeltas. É
claro que receberá uma requisição especial dirigida ao Major Bernard, para que o mesmo
lhe forneça quantidades ilimitadas de cenouras.
Gucky farejou o ar. Parecia desconfiado.
— Você disse quantidades ilimitadas, Perry?
— Por que faz essa pergunta? Será que está ficando surdo? Se continuar assim, terei
de enviá-lo ao médico de ouvidos.
Gucky tentou tapar as orelhas redondas.
— Não! — gritou, assustado. — Não quero ir ao médico de ouvidos. Sinto muitas
cócegas, Perry. E ouço muito bem. Onde está a requisição?
Rhodan tirou um bloco do bolso, escreveu alguma coisa no mesmo e arrancou a
primeira folha. O rato-castor pegou a mesma.
— Quantidades ilimitadas... — murmurou. — Qualquer solicitação do oficial de
patente especial Guck será atendida sem limitações...
Deu um salto no ar e exibiu inteiramente o dente roedor.
— Espere aí, Curt Bernard! — disse em tom triunfante. — Já vou para aí. Seu
mundo vai desmoronar.
Desmaterializou no último salto. Perry Rhodan olhou para o lugar em que estivera
pouco antes e sacudiu a cabeça. De repente um sorriso compreensivo cobriu seu rosto.
— Espertalhão! — murmurou. — Conseguiu enganar-me! Só fez esta encenação
para melhorar meu estado de espírito...
***
A tela panorâmica mostrava um quadro apavorante. A Crest II estava atravessando
um sistema solar que possuía quatorze planetas. Mas sobrava muito pouco desses
mundos, em alguns dos quais certamente houvera vida. As nuvens de gases e destroços
em lenta expansão assinalavam sua posição nas respectivas órbitas.
— Escolhi esta rota para que tenhamos uma idéia da extensão do crime que está
sendo cometido, senhor — disse o Coronel Rudo em tom áspero. — Vistas de perto as
coisas são bem diferentes. As palavras nunca dão uma expressão fiel dos acontecimentos
medonhos.
Perry Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Sentiu um nó na garganta. Passou
os olhos pelos rostos dos homens que se encontravam na sala de comando. Todos se
tinham transformado em máscaras rígidas. Havia uma expressão de perplexidade em
muitos olhos. Era possível que alguns dos homens se lembrassem de seus lares. Talvez
imaginassem qual seria o destino dos planetas do Império se os senhores das galáxias
conseguissem estender seu poder à galáxia vizinha.
Sem dúvida este ensino ao vivo aumentou sua resolução. Ninguém tentaria qualquer
solução do conflito que não fosse a final e implacável.
Icho Tolot aproximou-se a passos estrondosos.
— Acho recomendável que as esferas energéticas sejam observadas em ação,
senhor.
A figura maciça de Cart Rudo virou-se abruptamente. Os olhos do epsalense fitaram
o halutense com uma expressão de incredulidade.
— O senhor não pode estar falando sério, Tolot! Acha que os terranos seriam
capazes de se manter como simples espectadores enquanto mundos inteiros estão sendo
destruídos?
— É uma necessidade — disse Tolot. O gigante abaixou a voz. — Se quisermos
infligir uma derrota definitiva aos senhores das galáxias teremos que endurecer muito
mais, Rudo. Não adianta contemplar o que resta dos mundos destruídos. O senhor deveria
saber disso. Precisamos descobrir qual é a reação das esferas diante do impacto com um
planeta, quais são as características das energias liberadas e por que motivo um objeto
voador relativamente pequeno pode causar a destruição de um planeta inteiro.
As mandíbulas do epsalense estavam trabalhando. Seu queixo largo, que era do
tamanho de uma bigorna, avançou. Havia um brilho perigoso nos olhos cobertos por
sobrancelhas enormes.
— Tolot tem razão! — o tom da voz de Rhodan não admitia nenhuma objeção.
Era imperativo.
Cart Rudo descontraiu-se.
— Sim senhor. Mas os senhores das galáxias pagarão Por me obrigarem a fazer uma
coisa dessas.
— Também pretendo fazê-los pagar por isso! — rugiu Tolot.
Alguns homens que se encontravam mais perto dele encolheram-se de susto. O tom
de ameaça que havia na voz do halutense seria capaz de fazer congelar o sangue nas veias
de pessoas não muito corajosas.
O Coronel Rudo, que durante os vôos em grupo sempre era investido no comando
de todas as unidades, transmitiu as ordens de Rhodan. No sistema solar em que se
encontravam não poderia ser feito mais nenhum estrago, e por isso os quatro
supercouraçados entraram no semi-espaço ainda no interior das órbitas planetárias.
O destino da viagem era Multitude.
Multitude era o nome do sistema de um gigantesco sol vermelho, descoberto e
batizado pelo Coronel Alurin. Recebera este nome por causa da grande quantidade de
planetas. Quarenta e oito mundos ao todo circulavam em torno da estrela central. Em
doze deles havia vida, embora não se tratasse de formas de vida inteligente. Constatara-se
que exatamente quarenta e oito esferas energéticas se aproximavam de Multitude.
Ninguém ignorava as intenções dessas esferas.
Os gigantes espaciais saíram do espaço linear a meia hora-luz do planeta periférico
do sistema de Multitude. No mesmo instante teve início a orgia destrutiva das esferas.
Três planetas incharam, transformaram-se em bolas de fogo vermelhas ofuscantes e
arrebentaram.
Perry Rhodan inclinou o corpo bem para a frente quando o centro de rastreamento
mostrou uma esfera energética fortemente ampliada na tela de observação da sala de
comando.
A figura, que emitia um brilho verde desagradável, corria à metade da velocidade da
luz em direção a um planeta gigantesco coberto de gelo. Por lá certamente não havia
vida. Mas assim mesmo a destruição de um astro morto representava uma violação das
leis naturais cósmicas. Ninguém tinha o direito de destruir as obras do Criador sem que
houvesse um motivo para isso.
Perry Rhodan prendeu a respiração enquanto acompanhava a queda vertiginosa da
esfera. Sabia que a aparelhagem especial do sistema de rastreamento funcionava
ininterruptamente, colhendo dados e fazendo a interpretação dos mesmos. Depois do
ataque seus conhecimentos seriam bem mais amplos. E era o que importava. Não era
possível combater eficazmente um inimigo que não se conhecia.
No momento do impacto da esfera na superfície de planeta não houve nenhum efeito
aparente. Só se viu um raio ultraforte, que mostrava que a esfera tinha explodido.
Dali a meio segundo o quadro mudou de repente Não houve uma fogueira atômica
que se espalhasse lenta mente. Toda a matéria de que era feito o planeta foi atingida
instantaneamente pelo processo destrutivo. Aquilo que pouco antes fora um mundo de
gelo inchou tão repentinamente que Rhodan quase chegou a ordenar uma fuga
precipitada. Lembrou-se no último instante de que estava vendo uma ampliação setorial,
que aparentava a presença de um perigo imediato.
Durante trinta segundos tudo ficou em silêncio na sala de comando. Finalmente os
homens começaram a cochichar. Ninguém se atrevia a falar em voz alta.
O intercomunicador emitiu o sinal de chamada e Rhodan fez avançar a mão. Bateu
na tecla de acionamento.
— Major Notami falando — disse uma voz deprimida saída do alto-falante. — A
interpretação dos dados já foi concluída, senhor.
Perry Rhodan não se admirou de que tivesse sido tão rápido. Na verdade, o processo
de destruição só permitia uma conclusão.
A voz de Notami atingiu seu consciente como se viesse de muito longe.
— As esferas energéticas explodem quando se verifica o impacto na superfície do
planeta. Sem dúvida a explosão provoca a morte dos andróides, senhor. Em virtude da
superposição energética provocada pela dissolução do campo enfeixado instável verifica-
se um processo de fusão instantâneo de todos os elementos cujo número de ordem seja
superior a seis. Acontece praticamente a mesma coisa que se verifica numa bomba de
Árcon devidamente regulada, com a diferença de que o processo é muito mais rápido.
— Muito obrigado — murmurou Rhodan. Em seguida fez girar o corpo juntamente
com a poltrona anatômica. — Coronel Rudo!
O epsalense sobressaltou-se.
— Pois não, senhor...!
— Dou ordem para que a caça a todas as esferas que se encontram no interior deste
sistema seja liberada. Use os canhões energéticos. Acho que não será necessário mais que
isso.
Cart Rudo poucas vezes se sentira tão feliz em cumprir uma ordem. Sua voz soou
que nem um apito de neblina, quando transmitiu as instruções aos outros comandantes.
Não durou mais de quinze minutos. Cart Rudo e os outros comandantes utilizaram
quase todo o poder de combate das naves. Foram mais de cem barcos especiais
ultravelozes, centenas de caças espaciais, destróieres de dois lugares e torpedos auto-
guiados. Somente os canhões conversores deixaram de ser usados.
A ação-relâmpago salvou um total de trinta e dois mundos entre quarenta e oito.
Mas a idéia de que no mesmo instante centenas ou até milhares de outros mundos
encontravam a morte em Andro-Beta deixou Perry Rhodan desesperado.
— Vamos dirigir-nos a uma esfera isolada que não se encontre no interior de um
sistema planetário! — disse. — Desta vez usaremos as imitações de maahks.
— Tomara que isso não provoque uma catástrofe ainda maior! — observou Cart
Rudo em tom sombrio, enquanto transmitia a ordem.
***
O maahk estava parado com as pernas afastadas e os braços cruzados sobre o peito à
frente da tela de transmissão do hiper-rastreamento. Usava seu traje espacial pesado. Mas
o capacete pressurizado pendia frouxamente que nem um capuz de plástico sobre as
costas. Grek-1 respirava a atmosfera de hidrogênio e metano de seus aposentos
particulares.
O deslocamento de ar provocado pela súbita penetração de um corpo devia tê-lo
sobressaltado, pois voltou a cabeça no instante em que Gucky materializou.
O traje espacial de Gucky estava fechado. A cauda larga e chata estava enfiada num
envoltório transparente de metal plastificado. O rato-castor fazia questão de exibir a
melhor peça que possuía.
No momento em que o maahk virou a cabeça, Gucky bateu ruidosamente com a
cauda em concha no chão.
— Você deveria ir ao oculista, grandalhão!
A tradutora embutida na parede que separava o recinto da sala de visitas fez a
tradução fiel destas palavras, mas parecia que Grek-1 não compreendia.
— Ao oculista...? É um médico de olhos? O que poderei fazer com ele? Meus olhos
estão em perfeito estado. Um maahk nunca precisa de um oculista.
— É mesmo...? — perguntou Gucky, fingindo-se de espantado. — Por que virou a
cabeça quando apareci? Sempre pensei que um maahk enxergasse de todos os lados ao
mesmo tempo...
Grek-1 emitiu alguns ruídos desconexos. O rato-castor inclinou a cabeça. As rugas
da testa mostravam que estava preocupado.
— Acho que também precisa consultar o médico de garganta, cabeça de foice.
Psiu... psiu...! Cuide mais da sua saúde — pôs-se a refletir intensamente. Os fios de barba
tremeram. — Ou será que você adquiriu os hábitos humanos, a tal ponto de ter de virar a
cabeça para olhar para trás?
— Deve ser isso — respondeu Grek-1, que parecia aliviado porque finalmente
compreendera seu interlocutor.
— Ora essa! — suspirou Gucky. — Todos os imitadores são uma cruz. Só imitam
os maus hábitos. Por que ainda não aprendeu o senso de humor?
O maahk abriu e fechou várias vezes as pálpebras, dando um ar de coruja ao rosto.
— O humor — disse em tom professoral — é a característica ou estado de espírito
especial, que faz com que aceitemos com certa superioridade psíquica e um ar
tranqüilidade e ri...
— Lorotas! — gritou Gucky. — São palavras vazias, e ainda por cima palavras
muito secas. Não revelam a essência do senso de humor. Meu velho amigo Bell definiu o
mesmo da seguinte maneira: O senso de humor é o que a gente mostra quando ri apesar
de tudo! É uma versão mais distinta da definição dada por ele.
— O senso de humor é aquilo que a gente mostra quando ri apesar de tudo —
repetiu Grek-1. Parecia que estava prestando atenção às próprias palavras. Finalmente
esfregou as mãos. — Compreendo, Gucky. Observei muitas vezes este tipo de humor nos
terranos.
— Não sou nenhum terrano! — o rato-castor bateu com o pé no chão e logo perdeu
o equilíbrio. — Não me chame assim. Sou um animal. Entendido?
— Sempre pensei que fosse um rato-castor.
Gucky deu uma risada estridente e chiou fortemente.
— Ora, o senso de humor! — constatou Grek-1, satisfeito com os conhecimentos
que acabara de adquirir.
O rato-castor ficou calado. Saiu arrastando os pés na direção do maahk, usou a
telecinesia para subir dois metros e bateu com o dedo no peito enorme de Grek. O dente
roedor parecia ter sido polido há pouco tempo.
— Vejo que você está progredindo, grandalhão. O que você acaba de demonstrar é
um começo modesto do senso de humor terrano. Vou...
O alto-falante do intercomunicador interrompeu sua torrente de palavras.
— Oficial de patente especial Guck! — rugiu a voz de Rhodan. — Faz dez minutos
que dei ordem para que trouxesse Grek-1 por meio da teleportação. Quanto tempo ainda
pretende levar para cumprir a ordem? Será que o tratamento na base de cenouras não lhe
está fazendo bem?
— Oh, per... perdão! — exclamou Gucky. — Irei... irei imediatamente, Perry. Vou
apressar-me, vou voar, mas...
— Fico esperando, Gucky. Afinal, a paciência é uma virtude. Então...?
O rato-castor deixou-se cair para o chão e estendeu a mão.
— Rápido, grandalhão! Segure-se!
O maahk fechou o capacete e segurou cuidadosamente a mão de Gucky.
— Por que não está rindo? — perguntou em tom de malícia.
Gucky ficou tão perplexo que confundiu as coordenadas do salto. Os dois foram
parar junto à escrivaninha do intendente-chefe.
O Major Curt Bernard levantou de um salto. Seus olhos pareciam saltar das órbitas
enquanto fitava o maahk.
— Não! — cochichou. — Não! Era só o que faltava. Tomara que não seja outro
devorador de cenouras.
Gucky logo se recuperou da perplexidade. Com um sorriso sarcástico apontou para a
terrina de sopa ainda pela metade que se encontrava na escrivaninha de Bernard.
— Antes cenouras — disse em tom de desprezo — que uma sopa de alho.
Um cinzeiro arremessado num gesto de fúria atingiu o vazio. O rato-castor preferira
usar a teleportação para colocar-se em segurança.
— Se não me engano — disse Grek-1, e desta vez a tradutora que se encontrava
com Perry Rhodan traduziu fielmente suas palavras — você acaba de dizer uma coisa que
revela senso de humor ao major.
— Sim, um humor triste — respondeu Gucky em tom seco e fitou o Administrador-
Geral como quem se sente culpado e espera uma bronca.
Rhodan limitou-se a franzir o sobrecenho.
— O que foi que ele andou aprontando? — perguntou ao maahk, apontando para
Gucky.
— Nada, senhor. Só me deu uma aula particular sobre o senso de humor e a seguir
fez uma demonstração prática.
Rhodan deu de ombros num gesto de resignação. Seus pensamentos estavam em
outro lugar, e por isso só tinha um interesse muito superficial pela aula de Gucky.
— Preciso do seu auxílio, Grek-1 — disse, mudando de assunto. — Dentro em
breve as imitações serão usadas Poderia fazer o favor de conferir o trabalho de nossos
biólogos?
— Naturalmente, senhor. Estou curioso para ver a obra.
As duas imitações de maahks jaziam imóveis na sala de rastreamento. E nunca
fariam qualquer movimento, pois não se tinha a intenção de sacrificar qualquer forma de
vida. Seus corpos bioplásticos eram feitos de matéria viva mas as células não tinham
consciência de que existiam Possuíam menos inteligência que uma ameba, se é que neste
caso se pode falar de inteligência.
— Admiro o trabalho de seus biólogos — disse Grek-1. O maahk contornou as
imitações que estavam vestidas. — Até mesmo os detalhes dos uniformes conferem. —
olhou para o próprio corpo. — Não esqueceram nada — disse em tom de elogio. — Se
fosse eu, provavelmente não teria tido a idéia de soldar e a seguir arrancar as marcas de
identificação da nave e da frota a que pertence mesma. Foi uma idéia genial. Os senhores
das galáxias serão levados a acreditar que os maahks removeram seus distintivos para não
deixar qualquer indicação sobre a unidade a que pertencem. Estas imitações serão bem-
sucedidas, senhor.
— Transmitirei os elogios que acaba de formular, Grek-1.
— Quando vai começar? — perguntou Gucky em tom de curiosidade.
Perry Rhodan olhou para o relógio. Finalmente fitou o rato-castor com uma
expressão séria.
— Dentro de cinco minutos, Gucky. O tempo é muito escasso. Os Woolver já estão
chegando.
O rato-castor engoliu a repreensão que havia nestas palavras.
Os gêmeos Woolver pretendiam fazer sua apresentação, mas sua voz foi abafada
pelas sereias de alarme.
Perry Rhodan nem chegou a olhar para o relógio. Compreendeu imediatamente que
tinha havido um imprevisto.
***
Os dois veículos espaciais, ou seja, a esfera e a Crest II, aproximavam-se um do
outro a uma velocidade pouco inferior à da luz.
Perry Rhodan perguntou-se se a aproximação da esfera devia ser interpretada como
um ataque. As experiências já colhidas levavam a crer que não. A esfera energética
detectada no espaço e os veículos destruídos no interior do sistema de Multitude não
tinham demonstrado nenhuma reação diante da presença das espaçonaves terranas. Tudo
levava a suspeitar de que os pilotos andróides não estavam em condições de resolver
problemas mais complexos. Ao que tudo indicava, os cérebros plasmáticos só eram
capazes de cuidar de uma tarefa de cada vez, e essa tarefa consistia na destruição de um
planeta.
Estas reflexões não duraram mais de um segundo. Antes que o Coronel Cart Rudo
pudesse, numa atitude coerente, dar ordem para que a esfera isolada fosse destruída,
Perry Rhodan tomou sua decisão.
— Não atirem! — ordenou. — Dar início à manobra de desvio. Reduzir a
velocidade em cinco por cento.
A voz com que Rudo transmitiu as instruções parecia atropelar-se. As ordens de
Rhodan tinham chegado bem tarde. Havia necessidade de um máximo de rapidez e
capacidade de coordenação para garantir o êxito da manobras.
Mas a tripulação da Crest II mostrou mais uma vez que seus membros estavam
perfeitamente adaptados uns aos outros. Os navegadores tinham calculado desde o início
todas as rotas possíveis, desde uma rota direta de ataque até a manobra circular que não
parecia ter nenhuma lógica. Já dispunham dos respectivos cálculos. Bastava apertar um
botão para acoplar os bancos de dados automáticos com o sistema de pilotagem.
Rhodan deu ordem para que as três naves restantes não participassem do jogo
perigoso. Afastaram-se para todos os lados e ficaram em posição de espera a algumas
dezenas de milhões de quilômetros de distância.
Enquanto isso a Crest II só se afastou ligeiramente da rota primitiva. Passou por
baixo da esfera, realizando uma curva muito ampla. Girou de costas em relação à posição
primitiva, fazendo com que do ponto de vista da tripulação não se encontrava embaixo,
mas em cima da esfera energética. Este tipo de distorção da situação de fato só era
possível no espaço livre.
No início teve-se a impressão de que a esfera iria prosseguir em linha reta, mas os
homens que ocupavam as miras automáticas informaram que a mesma estava reduzindo a
velocidade.
Rhodan atendeu ao pedido de Rudo. Deu ordem para que a Crest II também
reduzisse a velocidade. Quando ainda se encontrava a oitenta milhões de quilômetros, a
esfera deu início à manobra de mudança de rota. Perry Rhodan ficou satisfeito ao
constatar que a capacidade de aceleração e desaceleração das naves inimigas era bem
inferior à da Crest II. Quer dizer que o inimigo também era obrigado a considerar os
valores de absorção normais.
As duas naves voltaram a aproximar-se lentamente.
— Ponha um fim a isso, Perry! — advertiu Atlan. — Não há dúvida de que a esfera
nos ataca.
— Estou interessado em saber por quê — respondeu Rhodan.
O arcônida pigarreou.
— Até parece que você quer arrombar portas abertas, meu chapa. É claro que a
esfera nos ataca por ter recebido ordens neste sentido do seu centro de comando.
Rhodan sorriu e abanou a cabeça, mas não manifestou sua opinião.
O Dr. Hong Kao, que se encontrava no centro de computação positrônica, chamou.
O matemático-chefe informou que, segundo a interpretação do sistema positrônico, a
mudança de rota da esfera tinha origem num simples erro de determinação da rota
cometido pelo piloto. O grau de inteligência do mesmo era bastante reduzido, e por isso
fora levado a acreditar que a Crest II era o planeta-alvo. Confundira a situação e estava
cumprindo suas ordens.
Perry Rhodan ainda estava sorrindo.
— É agora, Atlan? O que me diz?
— Até parece que a atuação do piloto é independente. Acontece que o setor lógico
de minha mente recusa-se a acreditar nisso. Um ataque em massa como o que está sendo
desfechado exige um planejamento permanente a partir de um centro de comando. Sem
isso uma operação realizada por pilotos andróides semi-inteligentes não pode ser bem-
sucedida.
— É verdade. Até chego a fazer votos de que você tenha razão, Atlan.
— Já não compreendo mais nada.
— O que quero dizer é que podemos executar nosso plano aqui ou em qualquer
outro lugar. Se existe um centro de comando, o mesmo já deve ter suspeitado de alguma
coisa. Se houver mais um incidente, o mesmo não pode deixar de chamar a atenção do
mesmo.
Rhodan levantou.
— Preparem-se, Tronar e Rakal. Major Notami, mande capturar a esfera por meio
de um raio de hiper-rastreamento.
Quando a esfera energética que se aproximava estava a apenas três milhões de
quilômetros, Perry Rhodan deu sinal para que a operação fosse iniciada.
Os gêmeos Woolver desapareceram, usando o caminho a que estavam habituados.
Desta vez não carregavam armas energéticas, mas potentes projetores narcóticos. Quando
rematerializaram e recuperaram a capacidade de ação, Tronar e Rakal viram à sua frente
um monstro em forma de medusa igual ao que tinham enfrentado durante a primeira
operação. Mas desta vez o monstro não partiu para o ataque. Ficou agachado em sua
concha. Só se via a parte superior de seu corpo, que era semi-esférica e tinha um metro de
altura, apresentando um aspecto gelatinoso, além dos tentáculos preênseis. O ser dedicava
sua atenção exclusivamente à única tela existente no recinto e aos controles. Rakal e
Tronar viram perfeitamente a Crest II no centro da tela.
Tronar olhou para o andróide com uma expressão de compaixão e ergueu a arma
narcótica. Rakal fez a mesma coisa. Os gêmeos apertaram os botões acionadores no
mesmo instante. O efeito dos raios narcotizantes foi imediato. O andróide entrou em
convulsões e encolheu-se, para transformar-se numa massa gelatinosa disforme.
Tronar e Rakal deixaram que as armas narcotizantes agissem mais trinta segundos
sobre o corpo do monstro.
Passados os trinta segundos, Tronar ligou o rádio-capacete. As ondas de
telecomunicação só se deslocavam à velocidade da luz, mas a distância que os separava
da Crest II já se reduzira a meio milhão de quilômetros. Dessa forma o retardamento
causado pelas transmissões de rádio era desprezível.
O sprinter informou que a missão fora bem-sucedida. Perry Rhodan deu ordem para
que agüentassem mais alguns minutos no interior da esfera.
Dali a pouco Gucky materializou na pequena sala de comando. Segurava-se em uma
das imitações de maahks; era ao menos o que parecia. Na verdade, era o rato-castor que
segurava a imitação. Usou a telecinesia para aumentar a força bastante reduzida de seus
músculos. Colocou o maahk lentamente no chão.
Só depois disso lançou um olhar para o mesmo.
— Que coisa nojenta! — disse, furioso. — Os senhores das galáxias têm um gosto
bem esquisito. Nunca mais poderei comer pudim sem sentir náuseas.
Desapareceu da mesma forma como tinha vindo. Dali a segundos veio com o
segundo maahk artificial. Colocou-o ao lado do outro e esfregou ostensivamente as mãos
na calça de seu traje espacial.
— Quer que levemos o andróide? — perguntou Rakal Woolver.
Gucky piou em tom indignado.
— Para quê? Não saberemos o que fazer com ele. Por quanto tempo esta medusa
ficará inconsciente?
— Pelo menos dois ou três dias — respondeu Tronar. — A dose utilizada foi
enorme em comparação com o cérebro fraco desta criatura.
— Ótimo. Neste caso devo comunicar que este pudim gelatinoso continuará aqui
por ordem do Chefe. Saltarei de volta. Quer que os leve? — perguntou em tom generoso.
Os sprinters recusaram a oferta. Acharam que sua forma de locomoção era mais
agradável que a teleportação.
Dali a dois segundos os três mutantes encontravam-se novamente diante de Perry
Rhodan.
Não se sentiram muito à vontade enquanto contemplavam a esfera energética a
partir do centro de rastreamento. Por enquanto não se notava nenhuma reação do centro
de comando, que ainda era uma figura hipotética.
Mas de uma coisa todos tinham certeza. Se o centro de comando reagisse da forma
que se esperava, a parte mais perigosa da operação Andro-Beta iria ter início.
4

Os minutos foram passando com uma lentidão martirizante. Os segundos pareciam


transformar-se numa eternidade. O hiper-rastreamento informava constantemente a
explosão de outros mundos de Andro-Beta. Mas a esfera energética prosseguia em sua
rota que se tornara insensata, desenvolvendo pouco menos que metade da velocidade da
luz.
Atlan, Rhodan e Marshall estavam sozinhos junto à mesa dos mapas. Olhavam ora
para a tela panorâmica, ora para o relógio-calendário. O dia 2 de novembro de 2.402 já
tinha começado — segundo o calendário terrano. Mas a Terra estava muito distante. Um
abismo gigantesco, formado pelo espaço vazio, separava a mesma de seus filhos e filhas,
que tinham assumido a tarefa de eliminar de vez a ameaça que partia de Andrômeda.
O alvo ao qual se dirigiam parecia tão distante quanto a Terra. Encontravam-se em
Andro-Beta, uma minigaláxia que ficava adiante de Andrômeda. Em torno deles
desenvolvia-se uma insensata orgia de destruição, desencadeada tão-somente para
eliminar um punhado de espaçonaves e alguns milhares de homens que se atreviam a
enfrentar os infames senhores das galáxias. Mas apesar da situação desesperadora os
homens não perdiam de vista seu objetivo. Milhões de mortíferas esferas energéticas os
ameaçavam, mas eles ficavam pensando em como desferir o próximo golpe contra os
donos de Andrômeda.
Os três homens sentados junto à mesa de mapas se entreolharam. Ninguém disse
uma palavra. Os rostos dos outros falavam uma linguagem muito clara. Estavam todos a
espera do acontecimento decisivo. Só haveria uma chance se esse acontecimento tomasse
o curso previsto pelo sistema de computação positrônica da nave. Do contrário só lhes
restaria a retirada da nebulosa Beta e o abandono de uma base estratégica muito
importante.
A figura gigantesca de Icho Tolot aproximou-se, vinda do semicírculo formado pelo
console de comando principal. Os pés do halutense batiam ruidosamente no chão. As
vibrações eram sentidas até mesmo na mesa de mapas.
Perry Rhodan levantou os olhos por um instante quando o gigante se acomodou em
sua poltrona especial.
Tolot rugiu alguma coisa. Parecia o ribombar de uma trovoada nos trópicos. Para o
halutense era uma manifestação tranqüilizadora. Ninguém conseguia convencer Icho
Tolot de que os terranos não eram crianças que precisavam de proteção. Tal qual todos os
halutenses, o gigante era um ser bissexual. Por isso seus instintos maternais eram muito
pronunciados.
— Não deve demorar muito! — disse sua voz potente. — Pelos meus cálculos, os
controladores desconhecidos devem reagir logo. Antes não era possível.
Até parecia que suas palavras representavam um sinal pois a esfera saiu de repente
da rota que vinha seguindo, descreveu uma parábola ampla, que a levaria para fora de
Andro-Beta.
Uma atividade febril passou a ser executada na sala de comando da Crest II. Uma
pessoa não familiarizada com o ambiente seria levada a acreditar que por ali reinava o
caos. Mas este caos aparente não durou mais de um minuto. A Crest II logo se adaptou à
rota e à velocidade da esfera energética. Três sombras escuras cruzaram o espaço bem a
seu lado. Eram as naves Imperador, Napoleão e Alarico.
A batalha de Andro-Beta acabara de entrar na fase decisiva.
Perry Rhodan proibiu imediatamente o uso dos hiper-rastreadores. Nenhum raio de
rastreamento deveria atingir a esfera. Não se sabia se os ocupantes do centro de comando
desconhecido seriam capazes de detectar o mesmo. Pelo mesmo motivo as quatro naves
gigantescas mantinham-se à distância máxima possível. Só mesmo a ampliação dos
impulsos permitiu que as telas do rastreamento normal mostrasse um débil pontinho
luminoso. A distância que os separava da esfera era de quinze milhões de quilômetros.
O Administrador-Geral foi bastante sensato para não permitir que se instalasse uma
sensação de triunfo. Tudo que tinham conseguido só representava um modesto resultado
inicial. Muitos fatores desconhecidos ainda estavam para surgir, e por isso não era
possível fazer uma previsão segura do resultado da operação.
Se, conforme se acreditava, o centro de comando inimigo ficava no espaço vazio, as
possibilidades de não serem detectados eram bastante reduzidas. Perry Rhodan não pôde
deixar de rir ao pensar nisso. Os seres que dirigiam o centro de controle poderiam
localizar as quatro espaçonaves, mas ficariam quebrando a cabeça para descobrir a quem
pertenciam as mesmas.
Os senhores das galáxias conheciam as características das naves terranas, graças às
informações fornecidas pelos maahks. Por isso mesmo dariam o alarme geral se uma
única nave esférica tipicamente terrana fosse detectada no interior ou nas proximidades
de Andro-Beta.
Mas isso não aconteceria, pois os quatro supercouraçados não tinham a menor
semelhança com os veículos esféricos. Sua forma atual era mais que esquisita. Os dois
sistemas de propulsão adicionais cujo comprimento total chegava a oitocentos metros
transformavam os mesmos em monstros técnicos. Além disso as naves propriamente ditas
tinham sido revestidas com excrescências grotescas de espuma de metal plastificado.
Qualquer pessoa não familiarizada seria levada a acreditar que essas naves tinham sido
construídas por inteligências completamente desconhecidas — ou então acreditaria que se
tratava das típicas naves cilíndricas dos maahks, nas quais tinha sido colocada uma proa
muito mais grossa...
A esfera energética prosseguiu firmemente na sua rota. A interpretação dos dados
revelou que não estava sendo teleguiada. O teleimpulso somente ativara um dispositivo
automático de retorno.
Quando a esfera entrou no espaço linear, as coisas começaram a tomar-se críticas.
Tudo dependia da correção dos cálculos prévios. Se houvesse qualquer erro, por menor
que fosse, a esfera estaria definitivamente perdida para os terranos.
Perry Rhodan lembrou-se disso no momento em que as quatro espaçonaves também
deixaram o espaço normal. Segundo os cálculos, a velocidade linear da esfera
correspondia a dez milhões de vezes a da luz. Para isso seria necessário realizar uma
saída na periferia da nebulosa Beta, Para orientar-se. Depois disso a esfera poderia voltar
diretamente ao ponto de partida.
Icho Tolot, que imaginava quais eram as preocupações de Rhodan, fez uma
observação tranqüilizadora. Confirmou os cálculos do centro de computação positrônica
da nave.
Perry Rhodan descontraiu-se um pouco. O halutense era um fenômeno matemático.
Calculava mais depressa com seu cérebro programador que um terrano com um
computador positrônico. Isso não deixava de ter sua lógica, pois a coordenação entre o
ser humano e a máquina nunca podia ser tão perfeita como a cooperação de dois setores
do cérebro pertencentes ao mesmo indivíduo. Mas apesar de tudo sua capacidade atingia
as raias do milagroso.
O grupo de naves voltou ao espaço normal. Parecia que nem os cálculos de Tolot
nem o processamento positrônico se confirmava.
— O que vamos fazer? — perguntou a voz de Cart Rudo, saída do
intercomunicador. — O veículo pode estar num sem-número de lugares. Acho que
devemos esperar que apareça por perto.
Perry Rhodan sacudiu a cabeça. Estava com o rosto pálido, mas os olhos irradiavam
o brilho de inflexibilidade que mostrava um pouco da vontade indômita daquele homem.
— Dê ordem para acelerar, coronel. Voltaremos ao semi-espaço por dez segundos.
Depois veremos o resto!
Atlan mostrou um sorriso irônico.
— Mais uma vez você joga tudo numa só cartada, Perry. Se suas suspeitas forem
verdadeiras, nunca mais veremos a esfera.
— Não se pode montar dois cavalos ao mesmo tempo — respondeu Rhodan em tom
sarcástico. — Em outras palavras, não podemos utilizar todas as hipóteses teóricas ao
mesmo tempo. E não gosto de ficar sem fazer nada, Atlan.
O grupo de naves penetrou repentinamente no semi-espaço. Rhodan cerrou
fortemente os lábios enquanto ouvia o tiquetaquear forte do contador robotizado. Dez
segundos não eram um tempo muito longo, mas às vezes podiam transformar-se numa
eternidade.
Quando o espaço normal voltou a aparecer, o centro de rastreamento deu o alarme.
O motivo era evidente. A esfera corria apenas cinco mil metros à frente do grupo de
naves.
Rhodan crispou as mãos em tomo das braçadeiras da poltrona. Se o centro de
comando tinha uma possibilidade de observar os arredores da esfera, tudo teria sido em
vão. Neste caso os perseguidores tinham sido descobertos e seriam levados a um lugar
errado — ou atraídos para uma armadilha.
Atlan devia ter tido a mesma idéia.
— Acho que você deve ter muito cuidado, Perry — disse. — Se nossa presença foi
notada, o inimigo poderá montar com a maior calma uma armadilha mortal. Você sabe
que os senhores das galáxias não conhecem escrúpulos.
— Excepcionalmente desta vez compartilho suas preocupações, Atlan — Rhodan
olhava ininterruptamente para a tela panorâmica. — Terei cuidado, muito cuidado até.
Mas nem por isso deixarei de ficar nos calcanhares da esfera.
Dali a dez minutos a esfera energética voltou a desaparecer no espaço linear. Perry
Rhodan sorriu, satisfeito.
— Coronel Rudo — disse, falando para dentro do interfone. — O plano de
perseguição prosseguirá conforme foi combinado. As diversas naves entrarão
simultaneamente no semi-espaço e sairão dele também ao mesmo tempo. A duração das
etapas variará segundo o esquema prefixado, de tal maneira que nada que aconteça na
rota da esfera nos possa escapar.
— Sim senhor! — trovejou a voz de tenor do epsalense. — A execução do plano
será iniciada dentro de trinta segundos.
— Outro detalhe — acrescentou Rhodan. — Mande o Capitão Henderson para cá.
Tenho um trabalho para ele.
— Para o chefe do comando de caças? — perguntou Atlan, espantado, quando
Rhodan desligou o intercomunicador. — O que o capitão vai fazer no semi-espaço?
Icho Tolot deu uma risada e Perry Rhodan tapou os ouvidos. O volume da voz do
gigante halutense era quase insuportável. Mas seria inútil querer proibir que risse. Em
comparação com a do halutense, a voz humana era que nem uma mosca no furacão — em
outras palavras, um nada.
Dali a alguns segundos Tolot parou de rir sem que ninguém pedisse.
— Queira desculpar, senhor — inclinou o corpo na direção de Rhodan. O suporte de
fixação de sua poltrona rangeu perigosamente. — Sua precaução é uma coisa admirável.
É claro que o lorde-almirante não seria capaz de imaginar que a esta altura o senhor já
planejou uma operação de reconhecimento de proporções planetárias.
— E olhe que foi ele que me deu esta idéia — murmurou Rhodan. — Você não
recomendou que eu tivesse muito cuidado, Atlan?
O arcônida fez uma careta.
— É verdade! Mas não foi o que eu quis dizer. Você vai meter o nariz novamente
em coisas que ainda não conhece.
— Pois é justamente isso! — respondeu Rhodan, calmo. — É porque não conheço
as coisas que meto o nariz nelas.
Atlan abaixou-se e ligou o aquecimento de seu setor da mesa de mapas.
— Estou com frio — disse, sarcástico.
***
O Capitão Henderson parecia muito pensativo quando voltou ao seu camarote,
depois da conferência que tivera com o Administrador-Geral.
Não que estivesse com medo da operação que estava para ser realizada. Afinal,
praticamente só sabia que se tratava de uma operação de comando muito arriscada. E
Henderson precisava do perigo da mesma forma que uma flor precisa de água. As
pessoas de seu tipo geralmente não eram muito apreciadas, mas não podiam ser
dispensadas.
Deu uma risadinha.
O Chefe lhe dissera que deveria escolher quatro homens, quatro homens que já
tinham demonstrado seu valor. Normalmente isso não seria nenhum problema. As
operações costumavam ser organizadas de tal maneira que cada membro do comando de
caças participava das mesmas a intervalos regulares. Isso se tornava necessário para
evitar ressentimentos. Os homens de Henderson ficavam zangados quando se sentiam
postos para trás.
Mas desta vez as coisas eram diferentes. Só os elementos mais experimentados
poderiam participar da operação, as velhas raposas que conheciam todos os truques e não
perdiam a calma nem mesmo nas situações perdidas.
Henderson recostou-se na poltrona e acendeu um cigarro.
— Burdick... — resmungou, pensativo. — Hum! — o Tenente Ray Burdick era o
veterano do comando de caças, um homem alto e magro de quarenta e cinco anos, cujo
corpo parecia ser feito exclusivamente de pele e ossos. Provara seu valor durante o ataque
aparentemente sem esperanças ao gigante que vivia junto ao pólo sul de Horror. Em
pensamento Henderson incluiu Burdick na lista das pessoas entre as quais seria feita a
escolha.
O segundo homem escolhido pelo capitão foi o japonês Taka Hokkado. Taka nunca
passara do posto de sargento, embora sua capacidade o habilitasse a ocupar pelo menos o
posto de capitão. Mas o desleixo extremo para com seu uniforme sempre representara um
obstáculo à promoção. Hokkado não se importava com isso. Bastava que o escolhessem
para participar das missões mais perigosas. Além disso garantia seu prestígio entre os
tripulantes da Crest II, conquistando invariavelmente o campeonato de karate e dagor nas
competições entre as diversas unidades.
Henderson sorriu sem querer quando tomou a decisão de escolher Finch Eyseman
como terceiro membro do comando. Tratava-se de um jovem tenente, que costumava ser
considerado macio e humano demais. Henderson já sabia que não era nada macio. Finch
também participara da operação desesperada no centro de comando de Horror. Tratava-se
de um jovem que era um repositório de energias inaproveitadas.
O capitão levou mais tempo para escolher o quarto homem.
Ficou indeciso por bastante tempo entre o sargento Bron Tudd e o Tenente Conrad
Nosinsky. Levou dez minutos para decidir a favor de Bron Tudd. Bron era o cúmulo da
feiúra. Além disso vivia mastigando tabaco e cuspindo a calda em todos os cantos. Seus
cabelos cor de raposa que antes pareciam cerdas, o rosto consistente quase
exclusivamente numa marca de queimadura e o nariz carnudo de abutre seria capaz de
meter medo numa pessoa mais tímida. Mas Bron Tudd não se abalava por nada. Nunca
perdera o bom humor, nem mesmo quando o tiraram dos destroços em chamas de um
carro voador.
Foi esta qualidade que levou o capitão a decidir a seu favor. Além disso o mesmo
teve a impressão de que o fanatismo do Tenente Nosinsky o tornava cego demais. Um
fanático era capaz de provocar uma catástrofe durante um encontro com inteligências
diferentes.
Sven Henderson fez desfilar a equipe diante dos olhos de sua mente. Depois usou o
intercomunicador para convocar a mesma para o hangar em que estava guardado o jato
espacial 101.
***
— Imperador chamando Crest II; não detectamos nada.
— Napoleão chamando Crest II; não detectamos nada.
— Alarico chamando Crest II; não detectamos nada.
— Crest II chamando Imperador, Napoleão e Alarico; não detectamos nada. Iniciar
segunda etapa segundo o plano.
Atlan desligou o transmissor instalado na sala de rádio. Seus olhos avermelhados de
arcônida emitiam um brilho úmido, o que era sinal de que estava muito nervoso.
— Mesmo assim só conseguimos controlar um canal espacial estreito. Espero que já
se tenha dado conta disso, Perry.
Perry Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. John Marshall falou no tom calmo
e modesto que lhe era peculiar.
— Vamos encontrar o centro de comando dessas esferas, porque não temos
alternativa.
— Isso mesmo! — observou Gucky, antes que alguém tivesse notado sua presença.
— Se não encontrarmos, ainda teremos um trunfo.
Marshall fitou o rato-castor sem saber o que pensar.
— Isso mesmo! Se isso ainda não lhes ocorreu, sou obrigado a dizer. O trunfo sou
eu.
— Meu Deus! — John Marshall gemeu num esquisito desespero. — Que trunfo!
— O que quer dizer com isso? — perguntou Gucky, desconfiado.
Tentou ler nos pensamentos de Marshall, mas o telepata bloqueou sua mente.
— Pois é... — respondeu Marshall em tom ingênuo.
— Você não é bonito?
O rato-castor exibiu cautelosamente um pedaço de seu dente roedor. Depois inclinou
a cabeça e lançou um olhar para Rhodan.
— Veja só como os gostos diferem, Chefe. Ainda ontem você afirmou que criei
umas gorduras fora do lugar. Aos olhos de John não é bem assim.
— Está bem — disse Rhodan em tom condescendente. — Neste caso podemos
suspender o tratamento na base de cenouras. Avisarei o Major Bernard.
— Não faça isso! — protestou Gucky. Os pêlos da nuca se eriçaram. — Não diga
nada ao major. Eu não suportaria sua risada de deboche. E não pode fazer nenhum mal se
eu ficar um pouco mais bonito.
— Ora veja! — disse Marshall. — Já começo a compreender por quê — passou a
dirigir-se a Perry Rhodan e Atlan. — Fiquei sabendo que de algum tempo para cá anda
visitando regularmente a jovem astrônoma que trabalha no observatório.
— E daí? — perguntou Gucky em tom de desprezo.
— Não há nada demais. Tiramos algumas fotografias muito bonitas da Via Láctea.
John Marshall conseguiu assumir o ar de um grande senhor que acaba de ouvir uma
piada indecente.
O rato-castor olhou com uma expressão de perplexidade para seus interlocutores.
Não sabia o que pensar do comportamento de John Marshall. Finalmente desistiu de
interpretar as profundezas da conduta humana. Mal-humorado, pôs-se a roer uma
cenoura. Fez o resto subir telecineticamente ao teto da sala de comando para deixá-lo cair
em seguida.
John Marshall abaixou-se, já que o projétil telecinético caía exatamente em sua
direção. No último instante Gucky conferiu um novo impulso ao que restava da cenoura,
fazendo com que desaparecesse em sua boca.
— Peço licença! — resmungou com a boca cheia. — Preciso reabastecer-me.
Teleportou em direção à intendência. Atlan sorriu, melancólico.
— Quem dera que eu pudesse ficar satisfeito e descontraído que nem Gucky pelo
menos por um minuto! — suspirou.
— O baixinho também tem suas preocupações — disse John Marshall. — Ele e eu
costumamos fazer este jogo de vez em quando, pois cada um quer levar o outro a levantar
seu bloqueio mental. Desta vez consegui fazer isso com o pequeno, embora só fosse por
alguns segundos. O coitado espera notícias de Iltu. Os dois têm preocupações com a
prole. Especialmente Gucky anda muito preocupado por não saber onde seu filho ou filha
poderá aparecer.
— É verdade. Há tempo ele deu a entender coisa parecida — respondeu Atlan. —
Infelizmente não comentou mais o assunto. Nem cheguei a ter certeza se não estava
brincando. Mas se o senhor andou espionando seus pensamentos, John...
Marshall parecia pensativo.
— Isso não prova nada, senhor. O pequeno é um mestre na arte de falsear seus
pensamentos. Mas deve ter suas preocupações. Neste ponto não estou enganado.
Quando a conversa chegou ao fim, Perry Rhodan recostou-se com os olhos
fechados. Naquele momento estava fitando o teto com uma expressão pensativa. Fazia
muito tempo que não tinha notícias da esposa — nem ela dele. E não parecia que isso
fosse mudar num futuro próximo. Tomou a decisão firme de passar alguns dias com ela
no planeta Terra, assim que o problema de Andrômeda tivesse sido resolvido. Afinal, o
Administrador-Geral também tinha direito a férias. Mas não era só ele. Toda a tripulação
da Crest II precisaria de uma cuidadosa “revisão” médica e psicológica.
Perry estremeceu quase imperceptivelmente quando uma transmissão o arrancou dos
sonhos. No mesmo instante seu espírito voltou a ajustar-se à realidade. Não era por nada
que Perry Rhodan costumava ser apontado como um conversor psíquico instantâneo.
Os comandantes das naves gêmeas não tinham nada de novo. Não se via sinal da
esfera ou de uma eventual base inimiga. E a distância que os separava de Andro-Beta já
era de aproximadamente oito mil anos-luz. Mais uma vez se encontravam no abismo
escuro e sem estrelas do espaço vazio. Via-se um brilho vago bem ao longe. Era a Via
Láctea, de onde tinham vindo. Em compensação a nebulosa de Andrômeda parecia uma
roda de fogo fulgurante, que lançava chispas, colocada do lado oposto das profundezas
escuras.
— A operação prosseguirá segundo os planos — disse Rhodan em tom enérgico.
Atlan sorriu.
— Já pensei que você fosse desmanchar-se de sentimentalidade, seu barbarozinho
adorável. Seu rosto provou mais uma vez qual é a fonte da qual tira suas forças. Enquanto
isso eu... — sua voz assumiu um tom amargurado. — Praticamente não passo de um
degredado, de um soldado sem pátria e descanso.
Perry Rhodan abanou fortemente a cabeça.
— Não leve a mal o que vou dizer, Atlan, mas você sabe perfeitamente que isso é
uma bobagem. O que conta não é o lugar do nascimento, mas o sentimento que nos liga a
alguém. Dessa forma seu mundo há muito tempo deixou de ser Árcon e passou a ser a
Terra.
— Isso só é parte da verdade, senhor — observou John Marshall. O telepata e chefe
do exército dos mutantes sorriu como quem compreende tudo. — No fundo os arcônidas
e os humanos são parentes de sangue. Isso aconteceu em parte porque há mais de dez mil
anos terranos muitos colonos e soldados arcônidas casaram com mulheres terranas. Quem
de nós pode afirmar que em suas veias não corre nenhum sangue arcônida? Mas penso
mais longe. Em nossas raças existem — ou existiram — tantas características iguais que
logo se é levado a pensar que ambas descendem dos mesmos seres. E não estou pensando
nos aconenses, dos quais descendem os arcônidas. Os aconenses também não surgiram
em Esfinge, que era seu mundo central. É o que provam os exames comparativos
realizados nas áreas da antropogênese e da paleontologia. Segundo estas pesquisas, os
aconenses descendem de uma raça muito mais antiga, que se espalhou por toda a Galáxia
e cujos mundos coloniais acabaram perdendo o contato entre si. Quem nos garante que a
Terra não foi um desses mundos coloniais?
Uma expressão de gratidão apareceu nos olhos de Atlan.
— Eu não sabia dessas pesquisas, John. Quando é que o senhor ficou sabendo?
— Faz somente vinte dias, senhor. A Androtest tinha um volume muito grande de
filmes científicos a bordo. É bem verdade que as pesquisas foram realizadas há mais de
três anos.
O arcônida sorriu. Recuperou imediatamente seu bom humor.
— Estamos nos transformando em primatas culturais, não é mesmo? — cutucou
Rhodan de brincadeira. — Já está na hora de nos interessarmos um pouco pelas artes,
ciências e cultura.
Rhodan retribuiu o sorriso, mas seu olhar exprimia renúncia.
— Se não fossem os primatas, meu chapa, ninguém poderia criar valores culturais
no Império Solar. Mas você tem razão. Mas antes de mais nada temos de cuidar dos
senhores das galáxias. Depois disso a cultura voltará a ocupar o lugar que lhe cabe. Eu
prometo!
Fechou os olhos por alguns segundos e tentou imaginar que estava ouvindo um
concerto de piano de Tchaikowski — ou a sinfonia do destino de Beethoven, executada
numa sala de concertos, em meio a centenas de pessoas com vestes festivas...
As sereias de alarme representaram uma terrível dissonância no meio do gozo
mental das delícias pacíficas.
— Atenção! — disse a voz trovejante de Cart Rudo, saída de todos os alto-falantes
do sistema de intercomunicação. — A esfera que estamos seguindo foi descoberta quatro
segundos depois da última manobra linear. A julgar pela rota e velocidade, a mesma
aproxima-se de um astro escuro. Todos se dirigirão imediatamente aos seus postos de
combate. Vamos desacelerar e tentaremos localizar o astro escuro.
Antes que o Coronel Rudo terminasse sua mensagem, Rhodan, Atlan e Marshall
levantaram de um salto. Saíram correndo em direção ao console de comando principal.
Outros homens, entre eles Icho Tolot, vieram pelas entradas secundárias da sala de
comando.
Quando as sereias silenciaram, todos já se encontravam em seus lugares. O silêncio
era completo. As informações transmitidas pelo setor de rastreamento e as indicações da
posição do alvo fornecidas pelo centro de comando de tiro, saídas a intervalos regulares
dos alto-falantes, eram os únicos ruídos que se faziam ouvir.
O alvo fora encontrado.
Mas o pior ainda estava para vir...
***
Os quatro supercouraçados aproximaram-se cautelosamente do alvo. Por enquanto o
planeta escuro não passava de uma suspeita. Mas havia uma probabilidade muito elevada
de que nesse lugar, situado a 11.210 anos-luz dos limites da nebulosa Beta, existia um
mundo sem sol.
Perry Rhodan assumiu pessoalmente o comando da operação mundo escuro, nome
que foi dado extra-oficialmente à ação. Suas ordens lacônicas e precisas eram
transmitidas pelo grande transmissor de telecomunicação da Crest II, e eram cumpridas
com a mesma precisão. Havia uma confiança sem limites no acerto de suas decisões.
Rhodan não se julgava infalível, mas sempre incluía o fator confiança em seus planos. O
mesmo garantia a velocidade extrema das suas reações.
A esfera ainda estava desacelerando. Se não fosse assim, não a teriam alcançado.
Sua rota passou a ser ligeiramente elíptica.
Perry Rhodan mandou que o grupo de naves se dividisse. Queria evitar de qualquer
maneira a ocorrência de descargas energéticas muito intensas. Por isso a Crest II e a
Napoleão contornariam o hipotético mundo escuro pela direita, desacelerando aos
poucos, enquanto a Imperador e a Alarico executariam a mesma manobra do lado
esquerdo.
Enquanto isso um trabalho febril se desenvolvia no centro de rastreamento. A
utilização de qualquer tipo de raios de rastreamento que pudessem ser detectados fora
rigorosamente proibida. O inimigo deveria ignorar a presença das naves terranas
enquanto isso fosse possível. Desta forma praticamente só restavam os radioscópios
energéticos. Não era possível atingir um mundo escuro com o equipamento ótico normal.
Perry Rhodan era informado regularmente sobre as operações de rastreamento por
meio de transmissões em forma de projeção. Mas por enquanto a única coisa que se
destacava nas respectivas telas era a esfera energética. O estranho veículo tinha
percorrido metade de uma trajetória elíptica. Pelos cálculos realizados, o diâmetro da
elipse devia ser de um milhão e quinhentos mil quilômetros. Diante disso a computação
positrônica chegou à conclusão de que o diâmetro do mundo escuro devia ser muito
grande, ou de que a esfera recebera ordem para entrar em órbita e ficar à espera.
De repente Gucky voltou a aparecer de novo. Materializou no colo de Rhodan e
fitou o Administrador-Geral com uma expressão de lealdade.
— Deixe que eu salte, Chefe. Na situação em que nos encontramos os sprinters de
Atlan não podem fazer nada.
Rhodan acariciou a nuca do rato-castor.
— Para onde poderia saltar, baixinho? Nem sequer sabemos se à nossa frente existe
um planeta.
— É claro que existe um planeta. Se fosse uma espaçonave ou uma base artificial, a
mesma já teria aparecido nas telas infravermelhas. A única explicação do insucesso das
operações de rastreamento é que se trata de um astro completamente esfriado.
Perry Rhodan abanou a cabeça.
— Tenha um pouco de paciência, baixinho. Ainda estamos a mais de quinze
milhões de quilômetros da esfera. Se no centro de sua trajetória elíptica realmente se
encontra o centro de comando de cuja existência suspeitamos, por lá deve haver muitos
geradores de energia. Quando tivermos mais perto, devemos ser capazes de detectar
radiações difusas e obter imagens infravermelhas em grande quantidade.
— Não sei se convém esperar até lá — interveio Atlan. O rosto do arcônida parecia
muito preocupado. — Estamos nos arriscando demais, Perry. Não se esqueça da
mentalidade cruel do inimigo. Se há uma armadilha lá embaixo, a mesma sem dúvida
será mais rápida em fechar-se do que nós em fugir. Recomendo encarecidamente que o
mundo escuro seja destruído com bombas gravitacionais.
Perry Rhodan lembrou-se por alguns segundos da arma terrível criada pelos velhos
arcônidas. As bombas gravitacionais eram instrumentos de destruição em massa, tal qual
as bombas de Árcon. Mas ao contrário destas não precisavam ser levadas ao alvo por
meio de torpedos espaciais. Eram irradiadas a grande distância por meio de uma espiral
de energia. Com o impacto da bomba, o alvo — quer consistisse o mesmo numa
espaçonave, quer consistisse num planeta — era arrancado da estrutura espacial da quarta
dimensão.
— Não! — respondeu em tom firme. — Se usarmos bombas G enquanto não nos
encontrarmos em estado de legítima defesa, não seremos melhores que os senhores das
galáxias. A destruição total só se justificará se os outros meios falharem e o mundo
escuro realmente representar uma ameaça tão grave como supúnhamos.
— Seu espírito humanitário ainda acabará por lhe quebrar a nuca, Perry!
Rhodan aceitou a observação em silêncio. Não valia a pena responder à mesma, pois
Atlan conhecia a resposta tão bem quanto ele. Muitas vezes houvera sérias divergências
entre o almirante arcônida e o Administrador-Geral. Sem dúvida Atlan tinha razão ao
informar que quem quer conquistar uma galáxia estranha não pode ter muitos escrúpulos,
mas Rhodan continuava convicto de que uma boa finalidade não justifica todos os meios.
Além disso não acreditava muito nas conquistas violentas. A operação dirigida contra
Andrômeda não passava de um ato de legítima defesa contra a ameaça representada pelos
senhores das galáxias.
— Você tem razão, Chefe — cochichou Gucky. Parecia ter aproveitado um
momento de desatenção para “escutar” os pensamentos de Rhodan, — Mas o sentido das
palavras de Atlan não é este. Só tem medo de que você se torne muito descuidado.
Rhodan sorriu no seu íntimo. O que Gucky acabara de dizer não deixava de ser
verdade. Verificara por mais de uma vez que as sugestões drásticas de Atlan eram de
natureza puramente teórica. Na verdade, o arcônida considerava o uso da força bruta tão
imoral quanto Rhodan.
— Atenção! — disse o centro de rastreamento. — A esfera está reduzindo sua órbita
elíptica. Supõe-se que esteja se preparando para o pouso.
— Ainda não foi localizado nenhum planeta? — perguntou Rhodan, impaciente.
— Não senhor. Por enquanto... Atenção! Neste momento estamos captando grande
quantidade de impulsos energéticos difusos. Lá embaixo devem ter entrado em
funcionamento máquinas alimentadas com energia atômica.
Perry Rhodan olhou imediatamente para a tela do sistema de rastreamento
energético. As radiações energéticas apareciam na mesma sob a forma de uma mancha
verde-clara suspensa na escuridão do espaço vazio — e a esfera seguia exatamente na
direção dessa mancha. Mas por enquanto não se via nenhum sinal do planeta
propriamente dito.
— Vamos aproximar-nos a dez milhões de quilômetros! — decidiu Rhodan.
— Ora veja! — resmungou Atlan, zangado. — A leviandade de sempre está levando
a melhor.
— Precisamos colocar o mundo escuro em nossas telas, Atlan! — o rosto de Rhodan
voltara a assumir as feições de uma máscara impenetrável. — Não posso enviar nenhum
de meus homens para lá enquanto não tiver nenhuma idéia do que os espera.
Os quatro gigantes espaciais mudaram de rota com os raios propulsores brilhando
fracamente. Voltaram a juntar-se. Aproximaram-se em baixa velocidade do ponto do qual
saía a radiação difusa. A esfera ainda seguia em direção a este ponto.
Quando as naves ainda se encontravam a onze milhões de quilômetros, um brilho
muito fraco apareceu nas telas do rastreamento infravermelho. Lá embaixo devia ser
muito frio, mas não tão frio como no espaço vazio que cercava o astro.
Quando tinham chegado a dez milhões de quilômetros, as naves pararam. Ficaram
flutuando imóveis no nada, com os propulsores desligados. Os campos antigravitacionais
mantinham-nas presas a um ponto relativamente ao mundo escuro.
A ampliação mostrava que o planeta era um disco de 10.202 quilômetros de
diâmetro, que emitia um brilho débil. A borda do disco era um pouco mais escura, o que
indicava que nele havia uma grossa camada de gelo. O planeta já devia ter possuído uma
atmosfera gasosa, que o frio do espaço transformara em gelo.
A mancha clara produzida pelas radiações difusas ficava no centro do disco. A
esfera energética aparecia na tela em forma de um ponto ofuscante, que continuava a
aproximar-se da mancha. Finalmente o ponto deslizou por cima do disco planetário,
confundiu-se com a mancha luminosa produzida pelas radiações difusas — e
desapareceu.
— Entrou num hangar subterrâneo — comentou Atlan. — Gostaria de saber quantas
esferas se encontram embaixo da superfície.
— Não demoraremos a saber — disse Rhodan em tom de oráculo.
***
Os senhores das galáxias deviam estar muito nervosos. O incidente misterioso
ocorrido com uma única esfera certamente bastara para fazer com que se sentissem
novamente inseguros e desconfiados.
Tenho certeza de que nunca confiaram muito em mim. Provavelmente sua
desconfiança provocada pelo incidente se dirigiria principalmente contra mim. Por certo
não desconfiariam dos robôs que atuavam no centro de controle. Estes sempre tinham
sido leais aos seus senhores. Além disso os senhores tinham tomado medidas diabólicas
para evitar que qualquer pessoa pudesse mexer em sua programação. Qualquer tentativa
nesse sentido teria provocado uma explosão atômica.
Em minha opinião, os senhores não se contentariam em ser cautelosos.
Naturalmente eu não estava em condições de rebelar-me abertamente contra os seres
que me oprimiam. Os mesmos não teriam nenhuma dúvida em cumprir sua horrível
ameaça. Bastaria que cometesse qualquer erro, por menor que fosse, e meu povo estaria
perdido.
Os senhores das galáxias tinham usado esta ameaça por muito tempo para obrigar-
me a obedecer e cumprir fielmente todas as suas ordens. Nem me lembro de quanto
tempo faz isso. Constantemente preso no interior do módulo, perdera quase por completo
a noção do tempo. Não havia mesmo nenhum sinal em que pudesse orientar-me. No lugar
em que me encontrava não havia calendários nem relógios. Mesmo que tivesse permissão
de ir à superfície, isso não me teria adiantado nada. Faltavam os pontos de referência
astronômicos que poderiam ser usados na medição do tempo. Módulo estava suspenso
nas profundezas do espaço vazio. A única coisa perceptível a olho nu era uma nebulosa
anã e a galáxia Andrômeda. Sem dúvida eu ficara bem velho. Mas nem por isso meu
vigor físico e psíquico estava diminuindo. Talvez isso estivesse ligado ao fenômeno que
eu costumava chamar de conversão energética.
Eu era capaz de, com a força de minha mente, transformar energia em matéria. No
início foi um processo guiado mais pelo instinto que pelo consciente. Provavelmente o
fenômeno tinha origem nas condições do ambiente em que viviam meus antepassados.
Era possível que só pudessem sobreviver se transformassem a energia mortal, mas talvez
precisassem da matéria assim gerada para viver. Não sabia, mas imaginava que minha
capacidade de conduzir conscientemente o processo devia ter sido uma exceção até
mesmo entre o povo dos modulares. Se não fosse assim, os senhores das galáxias não
teriam usado somente a mim para seus propósitos criminosos.
A esfera cujo regresso fora ordenado deveria chegar a qualquer momento. Não
cometi o erro de permanecer inativo diante do incidente misterioso ou até ocultar o
mesmo. Sabia que na galáxia anã tinham penetrado seres desconhecidos, que seriam
destruídos pelas esferas. Era bem verdade que eu simpatizava com esses desconhecidos
pelo simples fato de que os senhores das galáxias os consideravam como inimigos. Mas
eu descobrira muitas vezes que os seres que me oprimiam sabiam livrar-se bem depressa
de seus inimigos, e por isso não estava disposto a pôr em jogo a existência de meu povo
em troca de uma chance pouco segura. Não podia fazer nada pelos desconhecidos. Pelo
contrário. Teria de fazer tudo para apressar sua destruição. Qualquer procedimento
diferente seria uma insensatez perigosa e uma crueldade desnecessária.
Mais uma vez o sinal que me convocava a apresentar meu relatório se fez ouvir. Não
compreendia por que um incidente insignificante como este deixara os senhores das
galáxias tão nervosos. Era bem verdade que eu mesmo me enervava facilmente, mas isso
sem dúvida não acontecia com os seres que me oprimiam. Os mesmos sempre tinham
demonstrado o maior sangue-frio em todas as ações por eles empreendidas.
Tive de atravessar o pavilhão de pouso, que era uma área circular situada embaixo
do comprido poço de entrada. Os robôs que estavam à espera não me deram nenhuma
atenção. Só estavam interessados na esfera que iria regressar. Na passagem, fiz mais uma
tentativa para provocar um dos colossos. O robô tinha certa semelhança com um ser
modular, mas tinha o dobro do tamanho e possuía quatro braços em vez de dois. Os
quatro olhos lhe proporcionavam uma visão global.
Apesar de tudo não me deu atenção. Nem sequer se desviou quando esbarrei nele. A
única mudança foi que suas células oculares emitiram um brilho mais forte. Ao que
parecia, não via nenhum perigo em minha presença.
De repente perdi o autocontrole. Investi sobre o colosso e bati com os punhos
fechados em seu corpo metálico, gritando que nem um louco.
Um dos braços preênseis movimentou-se em minha direção, produzindo um
zumbido leve. Segurou-me, carregou-me alguns metros e colocou-me no chão.
Logo esfriei. As pessoas do meu tipo eram muito sensíveis. E sabiam disso. Eu
deveria ter pautado meu comportamento por isso. Fiquei envergonhado ao reconhecer
que o robô conhecia minha fraqueza. Era a única explicação de sua reação suave, quase
carinhosa.
Tive de fazer um esforço para evitar outro acesso de fúria. Dirigi-me às pressas à
sala de comunicações. As telas apagadas pareciam fitar-me das paredes. Até então os
senhores das galáxias nunca tinham aparecido. Não sabia como era sua figura — ou se
chegavam a ter uma figura. As telas só entravam em funcionamento quando havia
necessidade de falar com os membros de algum povo auxiliar.
— Relate o que aconteceu, Baar Lun! — disse uma voz saída dos alto-falantes
estereofônicos.
Prestei atenção ao som da voz. Fora monótona como sempre. Não havia vida nesse
tipo de fala. Os senhores das galáxias certamente faziam um robô falar por eles.
Imaginava perfeitamente de que maneira funcionava a comunicação indireta.
Provavelmente processava-se segundo o princípio da tradutora simultânea. Mas não
conseguia compreender por que os seres que me oprimiam escondiam o tom da própria
voz. Por que haveriam de importar-se se eu os ouvisse falar diretamente?
Relatei tudo que sabia. Não era muita coisa. Já informara os senhores por ocasião do
último relato.
Os opressores não deixaram perceber se estavam satisfeitos com o relato lacônico
por mim oferecido. Limitaram-se a desligar, o que significava que consideravam
encerrada a palestra. Tive permissão para retirar-me.
Quando voltei ao pavilhão de pouso, notei que alguma coisa tinha mudado. Um
zumbido grave enchia o ar. Eram os projetores de tração que tinham entrado em
funcionamento.
Tive pressa em sair do pavilhão. Os alertas luminosos falavam uma linguagem
muito clara. A chegada da esfera devia ser iminente, e isso significava que já era
perceptível oticamente. Dali a pouco o poço de entrada se abriria. O ar escapava
lentamente para o espaço cósmico, para evitar que as instalações e os robôs sofressem
avarias. Mas a força de sucção seria suficiente para atirar-me para fora.
Uma vez na minha sala de controle, liguei o sistema de transmissão de imagem do
pavilhão de pouso.
Não pude negar que eu mesmo estava muito curioso para ver o que iria acontecer
em seguida. A única coisa que pude constatar no interior da sala de controle era que havia
objetos estranhos no interior da esfera. Seguindo as instruções que me haviam sido
fornecidas, ordenara que o veículo regressasse. Um único impulso de comando fora
suficiente para isso. Como a esfera era dirigida por um andróide guiado exclusivamente
pelo instinto, sempre se tinha de contar com incidentes.
Mas não com incidentes como os que tinham acontecido na nebulosa anã!
Quando a eclusa do poço de entrada se abriu, o canal acústico transmitiu a
impressão de um furacão. A imagem projetada na tela desmanchou-se por alguns
segundos. A seguir viu-se o brilho de fortes campos energéticos. Os mesmos se
destinavam a colocar os veículos espaciais que regressavam em segurança no chão.
Os conjuntos de bombas produziram um rugido forte ao entrarem em
funcionamento. O pavilhão voltou a encher-se de ar, o que significava que a esfera já
tinha passado pela entrada. Vi a luz ofuscante, de um verde desagradável, produzida pelo
campo energético enfeixado. Dali a pouco a esfera desceu pelo poço. Pousou suavemente
no piso do pavilhão. Prendi instintivamente a respiração. As esferas energéticas não
tinham sido produzidas para realizar um pouso suave, pois deveriam liberar a energia
concentrada durante o impacto do alvo e destruir o mesmo num instante. Se o projetor de
recepção falhasse uma única vez, o planeta Módulo se transformaria quase
instantaneamente numa bola de fogo.
Mas parecia que tudo estava dando certo. A luminosidade da esfera foi-se tornando
cada vez mais pálida. Os carregadores instalados nas paredes do pavilhão seguravam
lentamente a energia concentrada, para evitar qualquer colapso repentino. A luz voltou a
tomar-se ofuscante, quando as camadas estabilizadas da sala de comando foram
liberadas. Os conjuntos de carregamento emitiram apitos estridentes.
Depois disso tudo parecia ficar preto à frente dos meus olhos.
Levei bastante tempo para habituar-me novamente à iluminação normal do pavilhão.
Meus olhos tinham sido cegados pela luminosidade intensa da esfera. Quando voltei a
enxergar distingui o banco de comando da antiga esfera, o recipiente em que estava
guardado o andróide — e dois seres que me pareciam familiares.
Os mesmos jaziam imóveis no pavilhão. Seu aspecto tinha certa semelhança com o
meu. Mas eram bem maiores; quase chegavam a ser do tamanho dos robôs inclinados
sobre eles. Os seres foram levantados abruptamente. Foi quando os reconheci. Eram
maahks.
Minhas reflexões sobre como os metanitas que pareciam estar mortos tinham
entrado na esfera foram interrompidas subitamente pelo lampejo de uma arma energética.
Cerrei os punhos numa raiva insensata. Um dos robôs dissolvera o corpo do
andróide, que parecia inconsciente, com sua arma energética. Mais uma vez me dei conta
de que os robôs que guarneciam o centro do Módulo tinham sido programados segundo a
mentalidade de seus donos.
Só respeitavam a vida alheia enquanto a mesma lhes podia ser útil. Quando não
servia para mais nada ou se tornava incômoda, era destruída. Não sabiam o que era
compaixão. E tudo isso era tão insensato. Um andróide nunca poderia representar um
perigo para o centro de Módulo. Tratava-se de seres produzidos em retortas, que eram
totalmente inofensivos enquanto não recebessem um comando de destruição. Mas não
eram robôs, mas criaturas vivas. Em minha opinião nem mesmo a vida artificialmente
produzida não devia ser eliminada sem motivo. Mas minha opinião não contava.
Um dia eu mesmo teria o mesmo destino que acabara de atingir o pobre monstro.
No entanto, os senhores das galáxias tinham subestimado meus conhecimentos e
minha capacidade técnica. A necessidade de saber qual era o conteúdo das discussões
travadas a meu respeito levara-me a criar o equipamento de escuta.
Há bastante tempo usara uma interrupção passageira dos circuitos elétricos
instalados na sala de comando para instalar alguns microaparelhos. Dali em diante as
telas de imagem instaladas no recinto desempenhavam duas funções diferentes. Uma
delas consistia em captar todas as palestras por meio de microfones cujo tamanho não
ultrapassava o de uma pupila humana e transmiti-las para dentro de minha sala de
controle. Além disso as câmaras escondidas nos controles manuais da tela filmavam tudo
que acontecia no espaço K. Nada do que acontecia por lá me escapava.
Também desta vez vi e ouvi tudo quando os robôs apareceram na sala K, carregando
os maahks imóveis. A transmissão foi projetada em uma de minhas telas de observação
comuns, se bem que era realizada numa freqüência que só eu podia controlar. Era a única
pessoa capaz de estabilizar o cristal vibratório adicional por mim instalado.
Desta vez as gigantescas telas de imagem da sala de comunicações se acenderam,
mostrando os robôs estacionários que estava acostumado a ver. Os mesmos faziam as
perguntas. Os senhores das galáxias ficavam mais ao fundo, invisíveis para o observador.
Os robôs do centro de comando apresentaram seu relato. Durante o mesmo
colocavam constantemente os dois maahks uniformizados à frente das objetivas. Foi só
graças a este relatório que fiquei sabendo que os dois seres pertencentes ao povo dos
metanitas realmente estavam mortos. Das perguntas e respostas dos robôs projetados nas
telas concluí que os senhores das galáxias acreditavam num ataque desfechado por um
grupo maahk que se revoltara. Os maahks deviam ter vindo de uma nebulosa anã
semelhante àquela da qual a esfera acabara de regressar.
Lembrei-me de que os seres que me oprimiam sempre tinham tido problemas com
este povo, que era o mais corajoso de seus povos auxiliares. Sempre golpeavam sem a
menor compaixão quando os seres que respiravam hidrogênio e metano lhes davam
motivo para qualquer suspeita. Além disso eu sabia que o nível técnico dos maahks era
muito inferior ao dos senhores das galáxias. Caso realmente tivessem iniciado a revolta e
praticado o ataque ao sistema anão, a esta hora estariam praticamente mortos — tal qual
os dois indivíduos que tinham sido encontrados no interior da esfera.
Os dois mortos me deixavam preocupado. Os dados fornecidos pelo controle
automático da esfera revelavam que o veículo não pousara em nenhum lugar. E isso nem
seria possível, pois o piloto andróide não seria capaz de realizar um pouso suave. De que
forma os maahks poderiam ter entrado na esfera? Não poderiam ter atravessado as
paredes da mesma — muito menos as paredes energéticas. Neste ponto eu conhecia a
capacidade destes seres.
Sua presença continuava a ser um mistério.
Os senhores das galáxias pareciam ter uma impressão semelhante. De repente vi um
grupo de robôs enfermeiros que apareceu, empurrando à sua frente uma mesa de autópsia
antigravitacional.
Por que queriam examinar os maahks? Afinal, os senhores das galáxias sabiam
como era o interior do corpo desses seres.
A voz de comando saída dos alto-falantes respondeu à pergunta que eu não chegara
a formular.
Só queriam saber qual fora a causa da morte dos dois maahks. Dei uma risadinha.
Os maahks só poderiam mesmo estar mortos. A esfera não continha uma atmosfera de
hidrogênio e metano. Só fora cheia de nitrogênio para fins de estabilização.
Mas de outro lado não se sabia por que os maahks teriam sido descuidados a ponto
de penetrar num veículo desconhecido sem envergar trajes espaciais...
Percebi que havia inúmeras perguntas ligadas ao problema. De repente fiquei muito
curioso para conhecer o resultado dos exames.
Vi a cintilância dos instrumentos polidos. Os robôs cortaram cuidadosamente o
uniforme. Certamente faziam questão de não lesar os corpos enquanto não os tivessem
observado.
Vi perfeitamente todos os detalhes. Por isso notei que o escalpelo de um dos robôs
escorregou numa correia de plástico. O instrumento afiado arranhou a pele do maahk.
No mesmo instante o cadáver transformou-se numa bola de fogo. Os dois maahks
desapareceram no calor escaldante, juntamente com a mesa antigravitacional, os robôs
enfermeiros e um guarda-robô que estava por perto.
Fiquei com os olhos semicerrados para evitar que a claridade me deixasse ofuscado.
Como tenho um sentido técnico altamente sofisticado, compreendi imediatamente o que
tinha acontecido. Os maahks revoltados tinham tomado suas cautelas. Os seres que
tinham enviado os dois indivíduos mortos não queriam por nada que estes se
transformassem involuntariamente em traidores. Para isso simplesmente os equipavam
com uma minúscula carga atômica, que era detonada assim que alguém ou alguma coisa
produzisse uma lesão no sistema nervoso periférico. Este efeito seria produzido inclusive
pelas sondas-cabelo usadas durante os psico-interrogatórios.
Dei uma boa gargalhada. Os senhores das galáxias nem sequer seriam capazes de
enganar dois maahks mortos. Deleitei-me com o insucesso dos seres que me oprimiam.
Desta vez a lógica fria não lhes servira para nada.
Talvez estivessem nervosos demais para desenvolver um pensamento puramente
lógico. Quem sabe? Quanto a mim, não via nenhum motivo para ficar nervoso. As esferas
energéticas enviadas à minigaláxia destruiriam sistematicamente todos os planetas da
mesma. Desta forma os atacantes que estivessem escondidos por lá estariam condenados
à morte. Tive pena deles. Mas a única coisa que podia desejar era que tudo terminasse
bem depressa.
Quando o fogo se apagou, não se via mais sinal dos dois maahks. A única coisa que
restava dos robôs era uma poça fumegante de metal plastificado derretido.
Os alto-falantes não transmitiam mais nenhum ruído. Como não havia mais nada a
dizer, os senhores das galáxias mais uma vez tinham desligado abruptamente.
Resolvi ir ao meu aposento particular. Quem sabe o que as próximas horas ou dias
me reservavam? Um pouco de descanso faria bem aos meus nervos agitados.
Mas antes que chegasse a levantar, o alarme geral encheu o centro de controle...
***
— Nada! — informou o Major Notami. — Ao menos nenhum sinal de que nossa
presença tenha sido detectada. Está tudo em calma. As radiações difusas da quinta
dimensão experimentaram um aumento ligeiro durante um minuto, mas a seguir
desapareceram de vez. Foram substituídas por outra forma de radiação, menos intensa.
Ao que parece, trata-se dos campos de difusão de geradores de energia que funcionam na
sexta dimensão, campos estes que se desenvolvem na quinta dimensão.
— Como estão as coisas na superfície do planeta, major? — perguntou Rhodan.
— Não se vê nada, senhor — respondeu Notami laconicamente. — Não existe
atmosfera, nenhum sinal da presença de instalações técnicas. Só se vêem camadas de gelo
de vários quilômetros de espessura.
— Excelente! — Perry Rhodan desligou e sorriu animadoramente para Atlan.
O arcônida sacudiu o corpo.
— Quando vejo essa expressão no seu rosto tenho um calafrio, Perry. Depois dela
sempre tivemos aborrecimentos. O que pretende fazer?
— Não se preocupe, amigo. Nossas naves estão mantendo uma boa distância. Seria
inútil tentar chegar mais perto com quatro gigantes espaciais. A base das esferas
energéticas deve estar equipada com ótimos rastreadores. Se ainda não fomos
descobertos, é somente porque nosso consumo de energia é muito limitado. Não pretendo
renunciar a esta vantagem.
Ligou o intercomunicador.
— Solicito a presença do Capitão Henderson!
Gucky, o rato-castor, que até então ficara quieto em sua poltrona, roendo uma
cenoura, chiou indignado. Arremessou a cenoura telecineticamente contra o revestimento
do poço do elevador antigravitacional.
— Que é isso? — murmurou Rhodan em tom de recriminação. — Não gosto de
desperdício.
— Desperdício! — exclamou Gucky, contrafeito. — Será que manter ociosas as
faculdades de seu melhor mutante não é desperdício? Por que pretende enviar Henderson
ao mundo escuro em vez de mim? Não levarei a metade do tempo para investigar tudo.
Além disso poderei escapar ao perigo, usando a teleportação. Se aparecer uma esfera,
atiro-a telecineticamente para dentro do sol e...
— ...e se esquece de que por aqui não existe sol! — completou Rhodan.
— Isso não importa, Chefe. Se eu quiser... bem! — calou-se, embaraçado, porque
não sabia como continuar.
Perry Rhodan franziu os lábios numa expressão irônica.
— Se você quiser, vai seguir minhas ordens, Gucky. E você vai querer, senão seu
tratamento na base de cenouras chegou ao fim.
— Que coisa nojenta! — exclamou Gucky, furioso. — Você está fazendo
chantagem.
— Pouco importa o nome que você queira dar a isso, baixinho — o sorriso de
Rhodan desapareceu abruptamente. — Não estou subestimando sua capacidade.
Justamente por isso quero mantê-lo de reserva. Por enquanto o inimigo não deve saber de
nossas — perdão — de suas parafaculdades. Se quiser comportar-se que nem um bípede
igual a qualquer outro, locomovendo-se com as pernas, então...
Os pêlos da nuca de Gucky arrepiaram-se assim que alguém lhe falou em andar.
— Não! — respondeu, modesto. — Acho bem justo que Henderson tenha a glória
de ser o primeiro a pôr os pés no mundo escuro. Seria um desperdício enviar-me para lá
se não posso usar minhas faculdades — pôs-se a refletir intensamente por alguns
instantes. — Talvez Henderson acabe tendo problemas. Não tenho nada contra ele, mas
afinal não passa de um homem comum.
Perry Rhodan acenou com a cabeça. Parecia muito sério.
— Quer dizer que você será seu protetor, baixinho. Estancou a torrente de palavras
do rato-castor com um gesto enérgico assim que viu Henderson sair do elevador.
O robusto gigante de 1,88 metro de altura tinha exatamente o aspecto que a
juventude do planeta Terra espera encontrar num soldado espacial experimentado. Via-se
constantemente um sorriso irônico sobre as argolas do traje espacial que cobriam seu
pescoço, e o rosto moreno tinha traços bem marcantes. Os olhos cor de água cintilavam
de energia contida.
Henderson tinha uma queda toda especial para as espaçonaves de alta velocidade e
os gestos marciais. Quando tinha de apresentar-se a um superior, costumava aproximar-se
batendo os calcanhares e juntando violentamente os pés.
Foi o que fez nesse instante.
Mas o mingau de cenoura de Gucky espalhado à frente do elevador estragou o
espetáculo. Houve um baque surdo quando o traseiro de Henderson bateu no chão.
Os fios da barba de Gucky tremeram de tão alegre que ficou.
— É um movimento novo, Sven? — murmurou. — Acho que com o tempo deve ser
cansativo.
Henderson levantou de um salto. Estava com o rosto muito vermelho.
— Cuidado! — gritou Gucky com a voz estridente. — Há mais um pouco de
mingau de cenoura perto de você...
O capitão lançou um olhar furioso para o rato-castor, passou cuidadosamente por
cima dos restos da cenoura e apesar do incidente conseguiu plantar-se solenemente à
frente do Administrador-Geral.
Perry Rhodan não comentou a peça que Gucky pregara sem querer. Detestava os
gestos exageradamente marciais. Por isso achava que Henderson merecia a lição. Mas
resolveu que repreenderia seriamente o rato-castor quando estivesse a sós com ele.
— Acho que já pode imaginar qual será sua tarefa, capitão...
— Sim senhor. Só pode ser uma operação no mundo escuro.
— Muito bem. Preste atenção. Não podemos chegar mais perto com as espaçonaves
de grande porte, pois correremos o risco de sermos descobertos, As chances de um jato
espacial serão bem melhores. Mas não podemos ter certeza absoluta. Sua tarefa consistirá
em avançar para o mundo das trevas numa operação-relâmpago e dar algumas voltas em
torno do planeta em vôo baixo. Neste caso o vôo baixo representará uma altitude não
superior a cem metros. Será o único meio de escapar aos rastreadores. O objetivo do vôo
consistirá em registrar a presença de eventuais construções e principalmente procurar um
acesso do centro de comando instalado no subsolo. Ficará a seu critério pousar e fazer um
reconhecimento a pé. Mas não quero que se arrisque muito. Por enquanto não poderá
contar com nosso apoio. Assim que tiver cumprido sua tarefa, regresse dando uma volta.
O primeiro navegador lhe fornecerá o cálculo da rota a seguir. Devemos evitar que o
grupo de naves seja identificado como ponto de partida. Faça o favor de repetir!
Sven Henderson recitou as instruções com a voz entrecortada. Mas não omitiu
nenhum detalhe importante. Perry Rhodan acenou com a cabeça. Parecia satisfeito.
— O senhor sabe que pode recusar-se a executar qualquer operação-comando.
— Perfeitamente, senhor. Estou informado sobre isto, mas não tenho nenhuma
objeção.
— Muito obrigado, capitão. E boa sorte.
O Capitão Henderson saiu andando com as pernas duras. Desta vez soube desviar-se
do pedaço de cenoura esmigalhado.
Quando desapareceu no elevador, Gucky não pôde deixar de fazer uma observação.
— Ainda bem que lá embaixo não existem cenouras...!
5

Os reatores de energia do jato espacial ainda estavam trabalhando em ponto morto.


Estrondosas gargalhadas fizeram-se ouvir na sala de comando, enquanto Sven Henderson
subia pelo elevador central. Certamente Bron Tudd acabara de contar mais uma de suas
piadas.
O ruído dos reatores aumentou enquanto os campos antigravitacionais direcionados
carregavam o capitão em direção ao convés 2. As instalações energéticas estavam
dispostas em torno desse elevador. Sven não dedicou um único pensamento às energias
imensas que estavam armazenadas nesse lugar. O hábito lhe embotara o espírito quanto a
este ponto. Só mesmo quando estava sentado na poltrona do piloto e sua espaçonave
corria pelo espaço, tinha a sensação maravilhosa e reconfortante proporcionada por uma
tecnologia avançada.
No convés 3 só havia os geradores que alimentavam os elevadores
antigravitacionais e os compartimentos dos tripulantes. Era bem verdade que a sala de
comando principal com o dispositivo de direção, os rastreadores, a tela panorâmica de
visão global e o controle de tiro também pertenciam ao convés 3. Mas a cúpula da sala de
comando tinha sido instalada numa plataforma mais elevada, e possuía um elevador
especial.
Quando saiu da abertura circular do elevador, Sven Henderson não pôde deixar de
tossir. Aborrecido, afastou as nuvens de fumaça azulada com a mão.
— Tenente Burdick!
Ray Burdick girou com a poltrona anatômica e tirou o cachimbo da boca.
— Pois não, senhor...
— Desligue esse maldito defumador, seu cavalo de palha! A gente nem consegue ler
os instrumentos.
— Desligar...? — perplexo, Burdick deixou cair o cachimbo. — O senhor tem uma
idéia bem esquisita da arte de fumar.
Levantou o cachimbo, caminhou para o triturador de detritos e esvaziou-o.
Bron Tudd cuspiu um jato de suco de tabaco sobre as cinzas incandescentes. Ouviu-
se um chiado.
— Que leviandade! — resmungou. — A nave poderia ter pegado fogo!
Henderson teve de fazer um esforço para não rir quando examinou sua tripulação.
Pelo menos de três dos tripulantes podia-se dizer que não tinham boas maneiras. Eram
tipos grosseiros, mas havia um núcleo sadio embaixo da casca áspera. Se não fosse assim,
nunca teriam sido escolhidos para servir na Crest II. O mais importante era que se tratava
de homens versados em vários terrenos, pessoas muito competentes que sabiam sair de
qualquer dificuldade.
Finch Eyseman parecia meio perdido no seu canto, lutando com os próprios
sentimentos. Finch era um verdadeiro cavalheiro e seu lugar nem parecia ser o comando
de caças. Mas desde os tempos passados em Horror Henderson costumava “descolá-lo”
para missões muito difíceis, segundo sua própria expressão.
— Estão preparados? — perguntou Sven.
Taka Hokkado, que até então se mantivera em silêncio no assento do navegador,
virou a cabeça.
— Tudo preparado, senhor. Só esperamos ordens para decolar.
Henderson pigarreou fortemente.
— O senhor andou tomando um banho de lama com seu traje espacial, sargento
Hokkado?
Taka franziu a testa e examinou seu traje. Arranhou a crosta de lama com um gesto
distraído.
— O senhor quer dizer ultimamente...? Não que eu saiba. Talvez tenha sido em
Gleam. O ambiente por lá era bastante sujo.
O capitão lançou um olhar de desespero para o teto.
— O senhor nem usou traje espacial por lá. O senhor é um porco, Hokkado!
Mudou abruptamente de assunto.
— Hokkado, continue no assento do navegador. Eyseman e Burdick encarregam-se
dos canhões energéticos. Tudd, fique aqui e cuide do rastreamento.
Fez uma explicação ligeira da missão que lhes fora confiada pelo Administrador-
Geral. Depois disso cada um ocupou seu lugar. Finch e Ray desapareceram no elevador
antigravitacional e dirigiram-se apressadamente aos seus postos junto aos canhões.
Henderson ocupou o assento do piloto.
Finalmente o Coronel Rudo informou que a CSJ-101 estava pronta para decolar.
Dali a um minuto foi dada a ordem de decolagem. Os homens fecharam os
capacetes de seus trajes espaciais e ligaram os rádio-capacetes. Os suportes magnéticos
dos cintos de segurança produziram um forte clique ao entrarem em posição.
De repente um pedaço da parede do hangar desapareceu da tela. Em seu lugar surgiu
um gigantesco buraco negro. Era o espaço vazio. Dali a instantes os rastreadores do jato
espacial entraram em funcionamento.
— Já consegui! — anunciou Bron Tudd.
Forneceu com voz calma as coordenadas a Sven Henderson.
Devagar no começo, mas depois cada vez mais depressa, a nave de reconhecimento
que tinha a forma de uma elipse começou a movimentar-se. Antes que passasse pela porta
do hangar, o campo de catapultagem lhe deu um impulso tão violento que o veículo
parecia uivar em tons agudos.
Quando os jatos-propulsores entraram em funcionamento, já se encontravam bem
longe, no espaço. O pequeno veículo corria cada vez mais depressa. Henderson, Tudd e
Hokkado estavam concentrados exclusivamente no seu trabalho. Numa questão de
minutos o disco que representava o planeta das trevas foi crescendo, transformando-se
num monstro que preencheu inteiramente a tela da proa.
— Hum...! — fez Bron Tudd.
— Como? — Henderson ergueu o sobrecenho num gesto indagador.
— Não é nada — resmungou o sargento. — Não pude evitar o pensamento de que
este planeta se parece com uma lasca enorme de tabaco de mastigar.
A idéia parecia fazer vir a água à sua boca, pois Bron levantou ligeiramente o
capacete e deu uma cuspidela embaixo da poltrona.
— Faltam duzentos mil quilômetros — informou Hokkado em tom seco. —
Pretende abalroar o planeta, senhor?
Sven sorriu. Esperou mais alguns segundos e fez o jato espacial descrever uma
curva para bombordo. A sombra projetada sobre a tela frontal foi deslizando para o lado.
Quando ainda se encontravam a cem mil quilômetros do planeta, Henderson utilizou toda
a força dos propulsores e dos campos antigravitacionais na manobra de frenagem. Os
neutralizadores de pressão foram incapazes de eliminar inteiramente as forças da inércia.
Os homens foram comprimidos contra os cintos de segurança com tamanha força que
quase não conseguiram respirar. O casco da nave gemia como se fosse um ser vivo.
Quando a pressão diminuiu um pouco e o uivo dos neutralizadores se transformou num
zumbido tranqüilizador, a superfície do planeta encontrava-se a somente cinco mil
quilômetros. O jato espacial aproximou-se da mesma num ângulo bem aberto.
— Detectou alguma coisa? — gritou Henderson.
— Nada, senhor! — respondeu Bron Tudd. — Não se vê nem um piolho. Bem que
eu gostaria...
Calou-se de repente.
O Capitão Henderson não fez perguntas. Sua reação foi imediata. Quem fizera dele
o chefe do comando de caça tivera seus bons motivos. Fez o jato espacial mudar
repentinamente de rota e bateu com o punho fechado na alavanca do acelerador.
— Fortes defensivos! — anunciou Bron com a maior calma. — Estão saindo do solo
que nem os julgadores do juízo final. Cuidado, chefe. Daqui a pouco ouviremos uns
estalos.
O primeiro raio energético atravessou a escuridão. Passou a pelo menos cinqüenta
quilômetros da nave de reconhecimento. Henderson fez descer o jato em ângulo agudo e
voltou a frear.
— Finch! Ray! — berrou. — Venham cá!
Mais um raio fulgurante aproximou-se, seguido de outro. Desta vez a pontaria foi
bem melhor. Apesar dos campos defensivos ligados, o veículo sofreu uma forte
sacudidela.
Eyseman e Burdick saíram cambaleantes do elevador e, sem dizer uma palavra,
sentaram nas poltronas de reserva e ataram os cintos. Henderson sentiu um alívio
esquisito ao notar isso. A sala de comando estava mais bem protegida que as posições de
tiro. Mas se a nave sofresse um impacto direto isso não adiantaria muito.
— Altitude mil metros — informou Tudd. — Nenhum rádio-farol, senhor.
Ray Burdick deu uma risada entrecortada. Guardou cuidadosamente o cachimbo no
bolso da calça de seu traje espacial.
Bron Tudd cuspiu o fumo que estivera mascando.
— Não quero engasgar — disse em tom seco.
Sven Henderson observou com o rosto tenso as indicações dos instrumentos.
Gostaria de passar logo para o vôo baixo. Mas a velocidade ainda era muito elevada. O
jato poderia despedaçar-se de encontro a algum obstáculo antes que os rastreadores
registrassem sua presença.
Não chegaram a ver o quarto raio energético. Anoiteceu de repente...
***
— Não estamos recebendo mais nenhum eco goniométrico, senhor! — informou o
chefe da sala de rádio.
Perry Rhodan empalideceu. A nave de reconhecimento dirigida pelo Capitão
Henderson recebera ordem para transmitir um eco direcionado para a posição da Crest II.
Tratava-se de um sistema já consagrado. Sabia-se mais ou menos onde estavam os
membros da operação e não havia o risco de o veículo ser localizado pelos rastreadores
do inimigo.
A ausência do eco goniométrico naturalmente podia ter sua causa no fato de o jato
espacial ter mergulhado atrás do horizonte planetário. Neste caso o raio goniométrico se
tomaria inútil e seria desligado por um dispositivo automático. Mas diante do fogo
energético que acabara de ser observado a outra explicação era mais plausível.
A nave de reconhecimento provavelmente fora derrubada.
Rhodan ouviu um ruído atrás das suas costas e virou-se abruptamente. Parecia um
balão que tinha estourado. Gucky tinha desaparecido.
— Para onde foi...?
Atlan continuava a olhar fixamente para o lugar em que o rato-castor estivera ainda
há pouco. Foi erguendo a cabeça e disse em tom arrastado:
— Vi um movimento pelo canto dos olhos. Virei a cabeça e ainda notei que Gucky
estava fechando o capacete. Teleportou no mesmo instante. Será que captou os pedidos
de socorro telepáticos dos tripulantes do jato?
— E saltou para lá...? — Rhodan sacudiu os ombros. — Ninguém pode ter certeza,
pois Gucky é um individualista empedernido.
— Poderia ter-me levado — protestou Melbar Kasom.
O ertrusiano, que acabara de sair da sala de rádio, estava fechando apressadamente
seu traje espacial.
— O simples fato de não ter feito isso prova que estava com muita pressa — disse
Atlan.
— Talvez não deveria ter mandado Henderson! — resmungou Perry Rhodan. —
Fico me perguntando se não teria sido melhor mandar robôs de guerra protegidos por
uma campânula de fogo.
— E então? — objetou Atlan. — Os robôs nunca teriam chegado perto de qualquer
entrada, pois também são indefesos diante de canhões energéticos pesados. A operação-
comando foi a única que tinha uma chance de sucesso. Infelizmente nunca se pode ter
certeza. Faço votos de que Gucky não demore a voltar e nos diga o que aconteceu com
Henderson e seus companheiros.
— E depois? — perguntou Rhodan, falando devagar.
— Depois devemos usar bombas G, Perry. Não nos encontramos diante de um
mundo pacífico. Lá embaixo não existe nenhuma população civil. O planeta das trevas é
uma verdadeira fortaleza. Devemos agir de acordo.
Rhodan limitou-se a sorrir.
— Já sei! — indignou-se o arcônida. — Você está tão curioso para saber o que
poderá encontrar lá embaixo que não é acessível a qualquer argumento lógico.
— É possível que acabemos tendo que destruir o planeta, meu amigo. Mas antes
disso quero saber o que vou destruir. Se quisermos derrotar os senhores das galáxias,
teremos de reunir o maior volume de conhecimentos possível.
Mal concluiu, as sereias de alarme voltaram a soar.
— Veja o que arrumou! — disse Atlan, zangado.
De repente o mundo das trevas projetado nas telas dos rastreadores assumiu o
aspecto de um recipiente cheio de ar, mergulhado na água. As esferas energéticas foram
saindo da sombra do planeta que nem bolhas de ar. Vieram aos milhares.
Por alguns segundos Perry ficou hesitante, sem saber se devia fugir ou entrar em
combate com as forças superiores do inimigo. A lembrança de Gucky e da tripulação do
jato espacial que estava desaparecida fez com que resolvesse lutar. Seria uma luta de vida
e morte. Quanto a isso não havia dúvida. Os quatro supercouraçados seriam capazes de
enfrentar algumas centenas de esferas, mas não vários milhares.
Não houve necessidade de dar instruções especiais ao Coronel Cart Rudo. Este já
transmitira suas ordens aos comandados das naves-irmãs. Os gigantes espaciais entraram
em posição de defesa.
Ivã Goratchim, o mutante de duas cabeças, que se encontrava na cúpula polar
superior da Crest II, fez um chamado. Uma cúpula especial de plástico blindado lhe
permitia a visão direta dos atacantes, o que tornava possível o livre uso de sua capacidade
detonadora.
Rhodan mandou abrir fogo assim que as primeiras esferas se haviam aproximado a
dois milhões de quilômetros. As baterias de costado das naves abriram claros enormes na
frente inimiga. As telas mostraram um quadro apavorante. Perry Rhodan sentiu-se
satisfeito por não haver seres racionais no interior das esferas. Os monstros andróides
possuíam na melhor hipótese uma inteligência instintiva. Era o que revelavam os últimos
exames do exemplar morto.
Mas apesar do fogo ininterrupto as esferas foram-se aproximando cada vez mais. Os
claros eram preenchidos quase instantaneamente. Não era difícil calcular quando as
primeiras esferas bateriam nos campos protetores energéticos das naves.
Felizmente atacavam em frente larga. Se tivessem cercado as espaçonaves, teriam
sido bem-sucedidas.
— A distância ficou reduzida a apenas cem mil quilômetros, senhor — disse Cart
Rudo em tom preocupado.
Perry Rhodan sabia o que o epsalense queria dizer. Dada a velocidade desenvolvida
pelas esferas, estas dentro de dois minutos se aproximariam tanto que sua derrubada
acarretaria a destruição das próprias naves.
— Manobra linear! — ordenou Rhodan.
Quatro gigantes espaciais deram partida no mesmo instante. Descreveram uma
curva fechada em cima da massa formada pelas esferas, aceleraram ao máximo e dez
minutos depois desapareceram no semi-espaço, onde estavam em segurança.
Rhodan não podia deixar de pensar em Gucky. Se o rato-castor resolvesse teleportar
para a Crest II naquele instante, fatalmente iria parar no meio da confusão formada pela
frota de esferas, o que poderia significar sua morte. Mas seria insensato arriscar a vida de
mais oito mil homens, que formavam a tripulação das quatro espaçonaves.
Só permaneceram no espaço linear durante dez segundos. Voltaram a cair no
Universo normal além do mundo das trevas. Noventa milhões de quilômetros os
separavam dos atacantes. Era impossível distinguir o planeta, ao menos com o sistema de
rastreamento infravermelho. Rhodan deu ordem para usar todos os raios de rastreamento
de todos os tipos.
O êxito foi rápido. O hiper-rastreamento não levou mais de seis minutos para
detectar a frota das esferas, que também vinham pelo espaço linear. As espaçonaves
voltaram a entrar em posição de defesa, e mais uma vez se defenderam até o momento em
que foram obrigadas a fugir. Dali a pouco mais de dez minutos as naves voltaram à
posição anterior.
Perry Rhodan admirou-se de que não havia mais esferas subindo do mundo das
trevas. Os perseguidores voltaram a aproximar-se, vindos do outro lado do planeta, mas
não partiram mais para o ataque.
Tratava-se de aproximadamente cinco mil esferas energéticas, que cercavam o
mundo das trevas que nem o envoltório tênue de uma esfera.
Não havia explicação para este comportamento. Nem mesmo o sistema de
computação positrônica foi capaz de apresentar qualquer motivo convincente. O próprio
Icho Tolot não sabia o que fazer.
Só restava a idéia de que logo se verificaria um acontecimento decisivo.
***
Gucky ficou totalmente confuso quando se viu no fundo de uma grande fenda no
gelo.
Até então mantivera contato mental unilateral com o Capitão Henderson. O
conhecimento da posição do jato espacial fora muito útil para isso. O receptor do raio
goniométrico desenhava uma reprodução da órbita na tela da mira.
O rato-castor teleportou no momento em que o contato com Henderson foi
interrompido. Naquele momento arrependia-se de ter agido tão irrefletidamente. As
chances de chegar ao jato espacial foram mínimas desde o início. Gucky foi obrigado a
fazer a teleportação em quatro etapas, o que fez com que perdesse quase completamente o
senso de orientação. Depois do último salto fora parar no mundo das trevas, mas não
perto de Henderson.
A confusão de Gucky diminuiu quando notou que não estava ferido. Seu traje
espacial também continuava intacto, embora tivesse sofrido uma queda muito forte.
O rato-castor levantou e passou a escutar com seus parassentidos. Ficou concentrado
exclusivamente na tripulação do jato espacial, motivo por que lhe escapou a emanação
mental de um espírito estranho. Depois de ficar na escuta durante cinco minutos, Gucky
baixou a cabeça, decepcionado. Os ocupantes do jato espacial deviam estar inconscientes
ou mortos. Não captava nenhum pensamento dos mesmos.
Quando pretendia teleportar para a superfície do planeta, seu pé direito afundou
repentinamente no chão.
Gucky teve a curiosidade despertada. Ligou a lâmpada de seu capacete pressurizado
e inclinou o corpo. O chão em que pisavam seus pés também era formado de gelo. Mas
este gelo estava entrecortado por fendas. No lugar em que seu pé acabara de afundar
abria-se um grande buraco. O rato-castor inclinou ainda mais o corpo. O feixe de luz de
sua lâmpada dirigiu-se exatamente para a abertura.
Embaixo da mesma não havia nada.
Gucky soltou um assobio de surpresa. Havia uma caverna no gelo eterno do planeta
sem luz! A mesma dificilmente poderia ter sido produzida naturalmente. Não havia água
em estado líquido e não se verificavam oscilações de temperatura.
Gucky refletiu se deveria teleportar para o interior da caverna, mas não descobriu
nenhum motivo que pudesse levá-lo a tanto. Preferiu não fazer isso. Usou a energia
telecinética para ampliar um buraco, até que o mesmo chegasse a cinqüenta centímetros
de diâmetro. Quando pretendia descer telecineticamente, descobriu uma saliência na
rocha iluminada pela luz de sua lâmina.
Olhou atentamente para o lugar. Não era mesmo gelo. Tratava-se de rocha de
verdade.
O rato-castor não perdeu tempo. Teleportou num salto rápido para a saliência — e
logo se viu junto à entrada de uma galeria escavada na rocha.
No mesmo instante sacou sua arma energética. Desconfiado, espiou para dentro do
corredor. Não conseguiu captar qualquer impulso mental, mas isso não o deixou mais
tranqüilo. Muitas vezes tivera experiências desagradáveis com robôs. Estes não podiam
ser localizados telepaticamente. Por isso podiam representar a perdição até mesmo do
melhor dos mutantes.
Dali a um minuto tudo continuava em silêncio e Gucky resolveu entrar na galeria a
pé. A luz de sua lâmpada chegava a cem metros de distância, o que lhe parecia suficiente
para dar uma garantia razoável contra eventuais surpresas. Gucky examinava atentamente
as paredes de rocha. Eram lisas e polidas, o que mostrava que não tinham sido
trabalhadas manualmente. A galeria fora aberta no meio do gelo por meio de máquinas
térmicas, ou então era o resultado de uma técnica mecânica muito avançada.
Quando já tinha percorrido uns duzentos metros a pé, Gucky chegou à conclusão de
que andar era muito cansativo. Seus pés ardiam. Numa súbita decisão teleportou para o
ponto mais distante alcançado pelo feixe de luz.
Assim que materializou, recuou assustado alguns metros. Uns dez metros à sua
frente, no máximo, a luz de sua lâmpada refletiu-se no brilho metálico de uma porta.
O rato-castor voltou a aproximar-se lentamente. Do lado de fora não se via nenhum
sinal de um mecanismo de abertura. Mas Gucky era um técnico de primeira. Estendeu as
“mãos” invisíveis e apalpou a porta. Para seu espanto infinito a mesma realmente não
possuía qualquer mecanismo de abertura.
— Que porta esquisita! — murmurou. — Para que serve uma porta que não pode ser
aberta?
Tentou movimentar a porta telecineticamente, mas não conseguiu. Respirou
profundamente — e saltou. No mesmo instante viu-se de volta ao mesmo lugar da galeria
em que estivera antes. Assustado, apalpou o corpo. Continuava tudo intacto, embora
tivesse realizado o salto dentro da matéria sólida. Diante da impossibilidade de
reconstituir a estrutura atômica original, as componentes energéticas de seu corpo tinham
sido automaticamente arremessadas de volta, o que não tinha nada de extraordinário.
Gucky já passara muitas vezes por isso. O que o deixava espantado era que só tinha
saltado dois metros — e não conseguira ultrapassar a porta.
Chegou à conclusão de que não se tratava propriamente de uma porta, mas de uma
espécie de vedação que isolava o trecho do corredor que ficava atrás da mesma do vácuo
existente à sua frente.
Gucky ficou curioso. A presença da peça de vedação era um sinal de que atrás da
mesma havia alguma coisa que não suportava o vácuo e o frio do espaço cósmico.
Poderia haver algo mais sensível que um ser vivo...?
O rato-castor deu mais um salto e finalmente conseguiu chegar atrás da porta. Olhou
atentamente em volta. Não fora parar na continuação do corredor, mas no co-meço de um
pavilhão de teto baixo. O pavilhão estava vazio. Não havia instalações nem ar.
O rato-castor pretendia voltar, decepcionado, quando notou uma débil cintilância.
Havia alguma coisa no chão, e o feixe de luz atingia a mesma.
Só quando já era tarde o rato-castor percebeu a força mágica que partia da
cintilância.
Quase no mesmo instante viu-se num mundo fantástico.
***
A voz mecânica de um robô de vigilância informou que um veículo espacial inimigo
se aproximava do centro de controle de Módulo.
No primeiro instante levei um susto tremendo. A presença de um veículo espacial
inimigo só poderia significar luta. E se o atacante fosse mais forte que as defesas
planetárias, Módulo seria destruído.
Parte de meu povo habitava as cidades situadas em algum lugar da superfície ou
vivia embaixo do gelo. Era bem verdade que desde o momento em que passara a
trabalhar para os senhores das galáxias nunca mais chegara a ver nenhum membro de
meu povo, mas eu mesmo crescera numa pequena cidade das cavernas. Ainda me
lembrava disso. Não sabia mais como eram as coisas por lá, como e de que se vivia. Não
era por causa do longo tempo que já se passara. Os robôs estacionados no centro de
controle tinham usado um aparelho complicado para roubar parte de minha memória.
Mesmo agora ainda era obrigado a submeter-me regularmente ao tratamento pelo
psicoaparelho. Mas ninguém além de mim sabia que isso se transformara numa farsa. Já
durante a segunda tentativa de condicionamento conseguira modificar dois cristais
vibratórios muito importantes do aparelho por meio de minha capacidade de conversão de
energia. Dali em diante o aparelho não produzia mais nenhuma influência em meu
espírito.
Na verdade, eu possuía um poder muito maior sobre o centro de controle do que os
senhores das galáxias imaginavam e poderiam gostar. Foi somente a ameaça de
exterminar meu povo que me impedira de revoltar-me abertamente.
Voltei a acomodar-me na poltrona situada na sala de controle e acionei um contato
secreto. O mesmo fez com que uma bateria conversora situada na sala de máquinas
passasse a funcionar com os valores ligeiramente alterados. A energia difusa liberada
possuía uma freqüência que exercia um efeito perturbador sobre os controles lógicos dos
computadores positrônicos. Havia cérebros positrônicos em todos os cantos do
gigantesco centro de controle. Apesar da interferência das radiações, continuariam a fazer
seu trabalho como antes — ou quase. A superposição de freqüências só se tornava
eficiente de verdade na mira automática dos fortes. Um ligeiro retardamento dos
controles, que não podia ser compensado mais, fatalmente levaria a imprecisões na
fixação da mira. Nem por isso os fortes se tomavam inúteis. A única coisa que eu
conseguia era que suas reações não eram mais rápidas que as dos seres orgânicos que
controlavam os canhões.
Não sabia muito bem por que agia assim. Mas a discrepância entre os recursos
incríveis dos senhores das galáxias e o fato de que um veículo espacial inimigo se
aproximava do centro de controle me parecera bem estranha. Logo depois do incidente
havido com a esfera energética passei a desconfiar de que os senhores das galáxias não se
contentariam mais em acompanhar os acontecimentos que se verificavam no centro em
suas telas de imagem. Este tipo de informação sempre tinha suas deficiências e na melhor
das hipóteses fornecia uma imagem distorcida dos verdadeiros acontecimentos.
Não. Os senhores de Andrômeda não se contentariam em acompanhar a transmissão
de imagens.
Seria apenas natural que enviassem inspetores a Módulo.
Era bem verdade que um inspetor que se apresenta abertamente nunca consegue
uma visão fiel da realidade. As táticas de disfarce são muito variadas. Se os inspetores
não fossem identificados como tais, as coisas seriam diferentes. Poderiam apresentar-se,
por exemplo, no papel de espiões inimigos...
Resolvi fazer o feitiço virar contra o feiticeiro.
A presença de uma espaçonave desconhecida acabara de ser anunciada. Muito bem.
Tomaria minhas providências para que não fosse destruída completamente. Bastaria
deixá-la avariada. Dessa forma os senhores das galáxias não poderiam mais entrar em
contato pelo rádio com os inspetores, e estes não teriam como fornecer uma descrição da
situação.
Mandaria caçá-los até que suas energias físicas e psíquicas chegassem ao fim.
Depois disso certamente poderia interrogá-los com bons resultados. Se realmente fossem
emissários dos seres que me oprimiam, morreriam por causa de um erro de comando
“casual” durante o interrogatório psíquico. Ninguém poderia afirmar que não tinha
mantido lealdade absoluta para com meus senhores, pois oficialmente os ocupantes da
espaçonave desconhecida deviam ser considerados inimigos.
Recebi outra informação dos rastreadores, que confirmou minhas suspeitas. Quatro
gigantes espaciais de aspecto bizarro tinham aparecido no espaço vazio. Já não havia a
menor dúvida de que os senhores das galáxias estavam tramando mais uma de suas
diabólicas intrigas. Não pude deixar de rir ao pensar em sua ingenuidade. Eu lhes
prepararia uma surpresa.
Vinte mil esferas energéticas estavam estacionadas nos inúmeros hangares da base,
preparadas para decolar. Mandei condicionar os pilotos andróides e dei ordem para
decolar. As esferas energéticas precipitaram-se pelo espaço que nem monstros famintos,
atirando-se sobre os veículos espaciais que acreditavam ser inimigos.
A reação das espaçonaves confirmou minhas suspeitas. Em vez de fugir, como seria
de esperar diante de sua situação sem esperança, permaneceram imóveis em sua posição.
Ao que parecia, acreditavam que se tratava de um ataque simulado.
Fiquei espantado ao notar que estavam lutando de verdade. Muitas esferas foram
perdidas, mas restou um número mais que suficiente para prosseguir nos ataques. Os
gigantes espaciais mudaram de tática. Executaram duas manobras lineares inúteis. Será
que não sabiam que as esferas eram capazes de segui-los para qualquer lugar?
No momento exato em que dei ordem para desfechar o ataque final, aconteceu uma
coisa muito estranha. O robô vigilante anunciou a presença de um ser desconhecido numa
sala à qual só os robôs tinham acesso. Disseram que se tratava de um pequeno ser peludo
de cabeça pontuda. O traje espacial encobria os outros detalhes de seu corpo.
Dentro de pouco tempo o ser peludo causou estragos terríveis no setor de
carregamento energético de robôs. Quatorze robôs sofreram avarias graves. Um conjunto
de carregamento explodiu. Quando os outros robôs tentaram agarrá-lo, desapareceu sem
mais aquela.
Não consegui acreditar naquilo. Nenhum ser orgânico podia entrar no centro de
carregamento. Seria morto imediatamente pelas armas automáticas instaladas no mesmo.
E muito menos um ser orgânico poderia dissolver-se no ar.
Minha incredulidade sofreu um forte abalo quando recebi mais uma notícia
alarmante. Um ser que se assemelhava sob todos os aspectos ao que fora descoberto antes
aparecera numa esfera energética que estava decolando e por pouco não provocara sua
queda. Os potentes campos de catapultagem conseguiram arremessar a esfera para o
espaço no último instante. O andróide que se encontrava na mesma gritou por socorro,
mas não consegui saber se o estranho ser ainda se encontrava na esfera.
Não havia dúvida de que os dois desconhecidos pertenciam à tripulação do veículo
espacial cuja aproximação fora notada em primeiro lugar. Os fortes não anunciaram a
derrubada de qualquer veículo. Nunca costumavam fazê-lo. Só executavam uma única
função. Nada mais.
Ao que parecia, o veículo conseguira fazer um pouso relativamente suave. Dessa
forma a primeira parte de meu plano fora bem-sucedida. Mas ao que tudo indicava os
inspetores eram muito mais perigosos do que eu supusera.
Mandei suspender a ação dirigida contra os gigantes espaciais.
As esferas regressaram e bloquearam Módulo para dentro e para fora. Os inspetores
estavam presos numa armadilha. Seus amigos que se encontravam no espaço não
poderiam fazer nada por eles. E não seriam capazes de resistir por muito tempo à ação
que pretendia desenvolver.
Mobilizei as últimas reservas de andróides. Tratava-se dos auto-conversores, que
levariam os inspetores à loucura, mesmo que não conseguissem pôr as mãos nos mesmos.
***
Gucky materializou em cima da mesa dos mapas e derrubou uma travessa.
Melbar Kasom levantou furioso. Lançou um olhar decepcionado para o concentrado
de carne espalhado no chão.
Só depois disso viu o rato-castor. Sua raiva desapareceu no mesmo instante. Pegou
cuidadosamente o ser trêmulo com as mãos enormes e encostou-o ao peito.
— Acalme-se, baixinho! — cochichou. — Você está em segurança.
Gucky dobrou para trás o capacete e respirou profundamente. Ainda havia um brilho
de pavor em seus olhos, mas Gucky ia ficando mais calmo.
Kasom voltou a sentar e colocou o rato-castor no colo. Acariciou as orelhas peludas
e murmurou algumas palavras tranqüilizadoras. Neste momento o gigante ertrusiano
mostrou seu verdadeiro caráter. Num momento como este ninguém se teria mostrado
mais carinhoso e preocupado com a sorte do rato-castor.
Perry Rhodan e Atlan olharam ansiosamente para o rato-castor, mas não
demonstraram nenhuma pressa.
Finalmente Gucky endireitou o corpo. Suspirou profundamente. Retribuiu o olhar
tranqüilo de Rhodan com uma expressão de tristeza.
— Receio ter falhado, Chefe — disse em tom de lamentação.
Rhodan abanou a cabeça.
— Você conseguiu voltar são e salvo, baixinho. É o que importa.
— Muito obrigado! — disse Gucky num cochicho.
Assoou o nariz e deu um relato minucioso de suas experiências no mundo das
trevas. Não sabia o que tinha feito depois que saíra do recinto no subsolo. A lembrança
que guardava disso parecia um terrível pesadelo. O rato-castor era capaz de pensar
logicamente. Sabia que os pesadelos não constituíam uma experiência real. Mas o
esgotamento de suas parafaculdades mostrava que agira teleportativa e telecineticamente
no planeta. — Recuperei os sentidos no interior de uma esfera energética — informou. —
Foi em pleno espaço. Não foi fácil orientar-me. Além disso tive de segurar
telecineticamente o andróide, que queria precipitar-se sobre mim. Tive de dar três saltos
para voltar para cá. Foi só.
— Foi só...? — perguntou Atlan, esticando as palavras. — Não conseguiu notícias
de Henderson e seus companheiros?
Gucky baixou a cabeça, num gesto triste.
— Estão inconscientes ou mortos.
— Não, Gucky. Nem uma coisa, nem outra — observou uma voz tranqüila. Era
John Marshall que estava saindo do elevador antigravitacional. — Há um minuto
consegui um contato muito fraco com Henderson. Segundo revelam seus pensamentos,
estão todos vivos. Mas o jato espacial foi inutilizado. Estão fugindo.
— Fugindo...? — perguntou Atlan.
O rosto de Marshall assumiu uma expressão sombria.
— Isto mesmo. Estão fugindo de monstros humanóides de dez metros de altura.
— Se é assim, estão perdidos — disse Atlan.
Perry Rhodan olhou para a tela panorâmica, na qual o mundo sem luz envolvido
pelas esferas energéticas destacava-se nitidamente contra o fundo negro do espaço vazio.
Parecia impossível romper o bloqueio mortal. Mas naquele momento um plano ousado
começava a tomar forma no cérebro de Rhodan.
— Não — disse em tom decidido. — Não estão perdidos. Um terrano nunca
abandona o outro.

***
**
*

O ser que comanda o centro de controle


Módulo odeia os senhores das galáxias, pois é seu
escravo — da mesma forma que inúmeros seres
inteligentes com que a expedição de Perry Rhodan
se encontrou no caminho perigoso que leva para
Andrômeda.
Será que o senhor dos andróides saberá tirar
as conclusões que devem resultar forçosamente do
encontro com os astronautas do planeta Terra...?
A resposta você obterá lendo o próximo
volume da série, intitulado O Senhor dos
Andróides.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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