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CENTRO DE CONTROLE
MODULAR
Autor
H. G. EWERS
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
As esferas luminosas — eis as novas armas dos
senhores de Andrômeda...
O zumbido, rugido e chiado das frezas energéticas enchia o amplo vale. Nuvens de
pó saíam das aberturas das galerias gigantescas situadas nas encostas ao norte da cadeia
de montanhas circular. As nuvens desciam lentamente, cobrindo as florestas de
cogumelos com uma camada branco-acinzentada.
Onze edifícios se erguiam na planície pedregosa cercada pelas florestas. Pareciam os
restos de um monumento gigantesco. Esferas gigantescas que emitiam um brilho metálico
eram sustentadas por colunas de oitocentos metros de comprimento e quatrocentos de
diâmetro. Se não fossem os potentes campos antigravitacionais, as colunas afundariam no
solo.
O Capitão Sven Henderson afastou-se de um salto, pois ficou assustado quando o
uivo estridente dos geradores antigravitacionais se fez ouvir atrás de suas costas.
Um carro voador desceu à superfície a cinco metros do lugar em que se encontrava.
Henderson fez um gesto de ameaça com o punho fechado. Logo começou a procurar
o cigarro que perdera durante o salto apressado. Quando o encontrou, esmagou-o com os
pés, enfurecido. Um parasita dos cogumelos, achatado e do tamanho de uma mão
humana, precipitara-se sobre o cigarro aceso, envolvendo-o com seus tentáculos
venenosos. Certamente o calor o levara a partir para o ataque. Os parasitas dos cogumelos
possuíam um órgão sensorial infravermelho que lhes proporcionava a percepção dos
animais que lhes poderiam servir de presa. Os tentáculos terminavam em ferrões finos,
mas muito duros, cujo veneno era capaz de matar um ser humano numa questão de
segundos. Estes animais só existiam nas florestas de cogumelos.
Henderson desferiu um pontapé no animal de rapina, atirando-o para longe.
Uma risada oca fez com que levantasse os olhos. Parte do corpo de um homem saía
da escotilha aberta do carro voador. Estava acenando com o braço.
Henderson aproximou-se lentamente do veículo.
— Olá, Sven! — gritou o homem. — Desde quando o senhor deu para executar
danças indígenas? Será que tem algum parentesco com Don?
O Capitão Henderson não pôde deixar de rir. Reconheceu o homem que acabara de
dirigir-lhe a palavra. Tratava-se do Capitão Noro Kagato, chefe do comando robotizado.
— Olá, Noro! — respondeu Sven, retribuindo o cumprimento. — Você me acha
parecido com ele?
Um sorriso alegre passou pelo rosto de Kagato. Não havia dúvida de que Henderson
e Don Redhorse não eram parentes. Até mesmo uma criança perceberia isso. Redhorse
era esbelto e ágil e tinha cabelos lisos, preto-azulados, enquanto Sven Henderson, com
seus ombros largos, o andar balançante e o gênio pouco loquaz antes parecia um urso
desajeitado. Além disso os cabelos muito louros representavam mais um contraste com o
descendente dos índios cheienes. Mas os dois tinham uma qualidade em comum. Eram
impetuosos e tinham-se especializado nas missões mais arrojadas.
— Estava brincando, Sven — disse Kagato e apertou a mão que o chefe do
comando de caças lhe estendia. — O que foi que o senhor andou pisando?
Henderson explicou.
O japonês acenou com a cabeça. Seu rosto parecia muito sério.
— E olhe que é apenas um dos animais peçonhentos que andam por esta linda
paisagem. Não há um dia em que não tenhamos nossos problemas com estes bichos.
— O senhor não — respondeu Henderson em tom seco. — E seus robôs muito
menos. O que veio fazer neste vale? Não foi destacado para controlar os trabalhos nas
galerias?
— Foi exatamente a pergunta que eu lhe quis fazer, Sven. Estou de folga. A gente
precisa disso de vez em quando. Resolvi aproveitar a oportunidade para dar uma olhada
nas montanhas Harno.
O Capitão Henderson acendeu outro cigarro. Seu olhar parecia atravessar o corpo de
Kagato. Estava pensando no misterioso ser energético que tinha aparecido há quatro
semanas. Pelo que se dizia, Harno era aliado de Rhodan há vários séculos, mas sempre
desaparecia de forma tão surpreendente como tinha aparecido. Devia haver uma ligação
entre ele e o ser fictício vindo do antigo planeta Peregrino. É que Aquilo, nome dado ao
ser formado pela união de bilhões de indivíduos, também dera sinal de sua presença
semanas atrás.
— Está pensativo, Sven...? — perguntou o japonês.
Henderson acenou com a cabeça.
— Ainda fico me perguntando o que Aquilo queria quando deu sinal de vida pela
última vez. Suas palavras não foram muito claras, mas certamente têm um sentido oculto.
— Concordo com você. Aquilo tem acompanhado a Humanidade desde o início de
sua evolução cósmica. Deu-lhe tarefas e muitas vezes interveio nos acontecimentos para
ajudá-la. Tenho certeza de que também desta vez seu aparecimento representa um
acontecimento muito importante.
— Por que Aquilo não nos ajuda na luta contra os senhores das galáxias? —
exclamou Henderson em tom exaltado. — Não precisamos de espectadores.
Noro Kagato sacudiu os ombros.
— Existe muita coisa neste mundo que nunca compreenderemos, meu chapa.
Nossos cérebros são muito pequenos para isso. Mas vamos mudar de assunto. Pelo que
vejo, o senhor também está de folga, Sven. Não quer vir comigo?
— É uma boa idéia. OK! Vamos dar uma olhada nestas montanhas.
Dali a um minuto o carro voador estava suspenso no ar de novo. O Capitão Kagato
fez o veículo subir cem metros. Passou rente às florestas de cogumelos, seguindo em
direção ao paredão íngreme das montanhas circulares.
Dali a mais um minuto o alto-falante do sistema de ligação permanente se fez ouvir.
— Atenção! Atenção! Sala de comando da Crest II chamando o Capitão Kagato.
Pede-se seu comparecimento o mais depressa possível. Repito...
Henderson e Kagato entreolharam-se.
— Parece que temos um problema — observou o japonês. — Seria mesmo de
admirar que eu pudesse aproveitar uma vez toda minha folga — suspirou.
— Não sei o que pode haver de tão urgente em Gleam — resmungou Henderson,
contrariado. — Quem sabe se o Major Bernard não descobriu um erro numa requisição?
— Quer que o deixe em algum lugar, Sven?
— Não, Noro. Não tenho mais vontade de fazer a excursão. Irei com o senhor até a
Crest. Vou dormir algumas horas.
Um comando de recepção já estava à sua espera na eclusa principal do
supercouraçado. Alguns homens levaram o carro voador ao lugar, enquanto um sargento
se apresentava ao Capitão Kagato e lhe pediu que o acompanhasse à sala de comando.
No momento em que saiu do elevador antigravitacional, Noro Kagato compreendeu
que algo de extraordinário tinha acontecido. Os dirigentes da expedição Andro-Beta
estavam reunidos em torno da mesa de mapas que ficava junto à saída do elevador
antigravitacional, confabulando. Tratava-se de Perry Rhodan, Atlan, John Marshall,
Melbar Kasom, Icho Tolot, Gucky, o rato-castor, e Ivã Goratchim.
O capitão fez continência sem dizer uma palavra. Queria passar pelo grupo de
homens, para apresentar-se ao comandante da Crest II.
Rhodan pediu que parasse.
Kagato fez meia volta e colocou-se diante do Administrador-Geral.
Perry Rhodan apontou para uma poltrona vazia, com um sorriso amável no rosto.
— Faça o favor de sentar, capitão. — Esperou pacientemente que Kagato se
acomodasse e prosseguiu: — Mandei chamá-lo porque preciso de um homem calmo para
realizar uma missão perigosa. Mas antes de mais nada o senhor precisa saber o que
aconteceu. Há dez minutos foi observada a explosão de um sol situado no centro de
Andro-Beta. O observatório realizou medições e chegou à conclusão de que se trata de
uma das três estrelas gigantescas azuis que formam o chamado triângulo de Beta. É bem
verdade que o surgimento de uma nova não tem nada de anormal. Acontece que o
diagrama Hertz-Russel mostra que as novas sempre se formam das estrelas da série
principal ou da série dos subanões. As estrelas pertencentes à classe gigante quase nunca
são atingidas pelo fenômeno. Ainda acontece que os gigantes que formam o triângulo de
Beta não são sóis como os outros, mas constituem reservatórios energéticos destinados a
alimentar o transmissor de grande alcance de Andro-Beta. Estes sóis evidentemente são
controlados pelos senhores das galáxias. Não pode haver nenhuma alteração nos mesmos,
a não ser que isso corresponda à sua vontade.
Perry Rhodan virou a cabeça para Kagato.
— Qual é sua conclusão, capitão?
Noro Kagato sorriu. Parecia zangado.
— Os senhores das galáxias destruíram seu transmissor de grande alcance,
transformando um dos sóis que o compõem numa nova, senhor — de repente sua testa se
cobriu de pingos de suor. — Certamente pensam que desta forma poderão prender-nos
em Andro-Beta. Acho que dentro em breve teremos de enfrentar um ataque em grande
escala.
— Muito bem, capitão. É uma conclusão perfeitamente lógica. Tivemos a mesma
idéia. Além disso a conclusão foi conferida pelo centro de computação positrônica, que
chegou ao mesmo resultado.
“Mas não foi por isso que o mandei chamar, capitão.
“No momento estamos preocupados com outra coisa. Tróia, nossa base planetária,
saiu do triângulo de Beta há exatamente quatro meses. Como só desenvolve cinco por
cento da velocidade da luz em queda livre, no momento encontra-se a uma distância de
somente 144 horas-luz da nova. É uma distância insignificante, se considerarmos os
abalos hiperestruturais que acompanham o processo de formação de uma nova. Pois bem.
Estamos preocupados com a guarnição da base, e naturalmente também com a base
propriamente dita. É claro que na situação em que nos encontramos não podemos pensar
em transmitir hipermensagens. Só existe um meio de termos certeza sobre o futuro de
Tróia: ir para lá.
“Em hipótese alguma poderíamos enviar um supercouraçado. O perigo de o mesmo
ser detectado seria muito grande. Por isso resolvemos enviar um barco espacial à posição
de Tróia, que é conhecida. Será a KC-11. A nave-girino já está preparada. Só falta
nomear o comandante e chefe da operação. O escolhido foi o senhor, porque sabemos que
nunca perde a calma e não permite que a sede de aventuras o leve a praticar atos
apressados, como acontece com certas pessoas.”
Kagato sorriu ligeiramente. Sabia quem eram as pessoas a que Rhodan acabara de
aludir. Há seis semanas o Capitão Don Redhorse se dirigira ao planeta Gleam,
contrariando ordens expressas, e por pouco não revelara a presença dos humanos em
Andro-Beta.
— Estou à disposição, senhor.
— Espere um pouco — Rhodan levantou a mão ao ver que Noro Kagato fazia
menção de levantar. — Trata-se de uma operação-comando. Como sabe, o senhor tem
direito de recusar-se a participar da mesma, sem que ninguém tenha o direito de acusá-lo
por isso.
— Eu sabia disso, senhor. Portanto, minha aceitação continua em vigor. Qual é a
hora da partida?
— A partida foi marcada para as 23:55 horas, tempo de bordo, capitão. Portanto,
dentro de quinze minutos.
Rhodan ligou o intercomunicador.
— Major Sedenko! Compareça com os dados relativos à operação e leve o Capitão
Kagato ao hangar da KC-11.
Levantou no mesmo instante que o capitão.
— Desejo-lhe muito sucesso, Capitão Kagato, e um feliz regresso!
***
No dia 1o de novembro do ano de 2.402, tempo terrano, exatamente às 23:55 horas,
tempo de bordo, a nave de sessenta metros de diâmetro chamada de KC-11 saiu da eclusa
do hangar e foi ganhando altura rapidamente. Mais tarde esta data seria registrada pelos
historiadores, com a indicação de que a mesma assinalava o início da última etapa do
caminho semeado de perigos que levara para Andrômeda.
Mas por enquanto os homens nem desconfiavam disso. Nem o Capitão Noro
Kagato, nem os cinqüenta tripulantes da nave-girino, tinham qualquer idéia da
importância daquele momento.
E não havia o menor sinal que indicasse a mesma.
A KC-11 atravessou as camadas da atmosfera de Gleam e passou perto dos sóis do
sistema Tri, desenvolvendo velocidade pouco inferior à da luz, para desaparecer no semi-
espaço.
O Capitão Kagato não enfrentou nenhuma dificuldade de navegação. A nova
perfeitamente reconhecível exercia as funções de farol. A bola de gases em rápida
expansão aparecia nitidamente no cruzamento das linhas da tela de relevo que marcava o
ponto de destino. Nuvens luminosas desprendiam-se de suas bordas e corriam à frente
dos gases brilhantes. Ao que parecia, o sol entrara num processo de completa dissolução.
Era possível que dele sobrasse uma minúscula estrela anã. Mas a maior parte da matéria
solar se perderia para sempre.
Noro Kagato virou a cabeça para a esquerda. Finch Eyseman estava concentrado nos
seus trabalhos junto à calculadora da rota. Nem parecia notar o olhar de Kagato. Noro
sorriu. Alegrara-se ao saber que o Tenente Eyseman seria o co-piloto e navegador da KC-
11. Tratava-se de um jovem que era geralmente conhecido como frouxo e sonhador. Mas
Kagato conhecia-o melhor. Aquilo que aos outros parecia um traço de frouxidão era
apenas a expressão de uma postura humanitária coerente.
Kagato olhou para o relógio e viu que só faltavam dez minutos para a próxima saída
de orientação. Não era possível percorrer o trecho que os separava de Tróia numa única
fase de vôo linear. A ação dos mobys levara à destruição de milhares de planetas,
instalando a confusão nas condições gravitacionais reinantes no interior da nebulosa
Andro-Beta. Haveria necessidade de pelo menos doze etapas de vôo linear.
Finch Eyseman acabara de concluir os cálculos de rota e voltou a cabeça. Ficou
vermelho ao notar que Kagato estava olhando fixamente para ele.
— Eu... bem... — Finch examinou o próprio corpo. — Há algo de errado com meu
uniforme, senhor?
O capitão suspirou e sacudiu a cabeça.
— Tudo em ordem com o senhor. Mas... Ora essa, homem! Por que sempre se faz
de inseguro? Procure ter mais autoconfiança, tenente. Garanto-lhe que pode fazê-lo com a
consciência tranqüila.
Eyseman mostrou um sorriso embaraçado.
— Sinto muito ter provocado sua cólera, senhor. É claro que procurarei seguir seu
conselho. Permite que lhe entregue os cálculos de rota, senhor?
— Faça o favor.
Noro Kagato arrancou as placas diagramáticas de sua mão e estudou-as
demoradamente. Resmungou alguma coisa em tom de elogio.
— Excelente, tenente. Fico me perguntando por que ainda não foi promovido com
toda essa competência — fez um gesto de pouco-caso. — Provavelmente o senhor fica
fazendo de conta que tem duas mãos esquerdas e está surdo de ambos os ouvidos.
— Orson e Nosinsky também não foram promovidos — objetou Finch em tom
embaraçado.
— Ora essa! — respondeu o capitão, exaltado. — Não se compare com eles. Ainda
são psiquicamente instáveis. Orson não se importa com nada, e Nosinsky é um tipo
impetuoso que não tem escrúpulos morais.
— E eu flutuo em esferas mais elevadas, senhor — acrescentou Finch com um
brilho irônico nos olhos castanhos. — Faça o favor de não esquecer isto.
— O reconhecimento dos próprios erros é o primeiro passo da correção —
murmurou Kagato.
Pegou o intercomunicador e anunciou a saída do semi-espaço. Dali a trinta segundos
as faixas brilhantes e as névoas escuras que enchiam as telas desapareceram, dando lugar
à profusão de estrelas de Andro-Beta.
No mesmo instante as sereias de alarme se fizeram ouvir.
Noro Kagato quis colocar as mãos sobre o teclado da direção, mas foi detido pela
voz mecânica de um robô de segurança.
— Atenção! — disse a voz metálica saída dos alto-falantes. — Objeto desconhecido
de dimensões planetárias no setor vermelho. Distância de trinta milhões de quilômetros.
Dispositivo automático dando início à manobra de desvio.
O capitão puxou violentamente o microfone do intercomunicador para junto de si.
— Comandante chamando tripulação. Atenção, centro de comando de tiro! Abram
fogo sobre objeto não identificado caso se verifique qualquer comportamento hostil. O
centro de controle de máquinas manterá o conversor kalup preparado para entrar em ação.
Favor atar os cintos.
Deixou que o braço elástico puxasse para trás o microfone e apertou a tecla à sua
frente. Depois respirou profundamente.
— O que é que um planeta veio fazer... — principiou, mas no mesmo instante foi
interrompido por Eyseman.
— É um moby! — gritou o tenente, apavorado. Noro Kagato segurou com tanta
força as braçadeiras de sua poltrona anatômica que as juntas dos dedos ficaram brancas.
Abriu a boca para dar uma ordem, mas logo se lembrou que o dispositivo automático
executaria a manobra de desvio em condições melhores que qualquer ação humana, por
mais bem coordenada que fosse.
De repente Finch Eyseman soltou uma estrondosa gargalhada. Contorceu-se na sua
poltrona, cobriu o rosto com as mãos e enxugou as lágrimas das faces.
O capitão descontraiu-se.
— Cara...! — disse, e esta palavra exprimiu tudo que estava sentindo. — Cara...! —
repetiu. Finalmente virou o rosto para Finch e disse em tom sarcástico: — Suponho que
esteja rindo de si mesmo, tenente. Espero que não se tenha esquecido que foi o senhor
que me meteu tamanho susto — sacudiu a cabeça. — Como pude deixar que um menino
inexperiente me enganasse?
Eyseman pigarreou fortemente.
— Queira desculpar, senhor — disse, respirando com dificuldade. — Estou rindo de
puro alívio. Ainda há pouco já me imaginava como uma componente energética do
monstro, mas logo me lembrei de que desde a destruição de Siren os mobys morreram de
vez. O senhor compreende?
Kagato mostrou um sorriso circunspecto.
— Tudo bem, Eyseman. Cada um alivia as tensões à sua maneira. Peça que o
dispositivo automático lhe forneça o programa de desvio, para que possa calcular a nova
rota.
Finch Eyseman confirmou com um gesto. Levou mais alguns segundos olhando
fixamente para a tela de visão global, na qual se via passar uma gigantesca sombra
escura. Em seguida passou a dedicar-se ao seu trabalho.
O Capitão Kagato seguiu o moby com os olhos. O cadáver do monstro, que era
quase do tamanho do planeta Terra, precipitava-se em queda livre em direção ao sol mais
próximo. Era uma gigantesca estrela vermelha que ficava a 2,4 anos-luz. O moby ainda
levaria cinqüenta anos para aproximar-se da mesma o suficiente para acelerar sua queda e
desmanchar-se na fornalha solar. Mais ou menos no mesmo tempo milhares de
exemplares de sua espécie teriam o mesmo destino. Depois disso só restariam alguns
relatos e descrições objetivas, que dariam testemunho de um capricho monstruoso e
maravilhoso da natureza. Kagato sacudiu os ombros.
Tinha passado. Só restava a raiva que lhe inspiravam os senhores das galáxias, estes
seres que apesar de seu grau de inteligência tinham um comportamento mais bestial que
as mais bestiais das feras. O capitão cerrou instintivamente os punhos.
— Já está na hora de derrubarmos os senhores de Andrômeda de cima de seu trono
— murmurou em tom compenetrado.
***
A frente de gases luminosos e incandescentes parecia um estandarte da morte. A
grande tela panorâmica da KC-11 reforçava o contraste. O contraste entre o negrume do
espaço interestelar que ficava para o lado de estibordo e a parede de gases trêmulos que
se via a bombordo.
Ninguém disse uma palavra. Um silêncio sepulcral reinava na sala de comando do
barco espacial de sessenta metros de diâmetro. Este silêncio só era interrompido pelo
ruído uniforme dos instrumentos.
O Capitão Noro Kagato ficou absorto com seus próprios pensamentos enquanto
prestava atenção às informações transmitidas pelo setor de rastreamento. O momento em
que a posição calculada de Tróia deveria entrar no campo do sistema de rastreamento
comum, que funcionava à velocidade da luz, era cada vez mais próximo. Os hiper-
rastreadores ainda não haviam fornecido um quadro nítido. O processo de formação da
nova, que ainda estava em curso, criava o caos hiperestrutural nesse setor do espaço.
Há cinco minutos um dos homens manifestara a opinião de que a base Tróia fora
vitimada pela catástrofe. Isso levara o Tenente Finch Eyseman, que era um homem
retraído, a mostrar-se furioso, pedindo que qualquer manifestação desse tipo fosse
proibida. A guarnição de Tróia tinha o direito de não ser considerada perdida sem que
houvesse um motivo grave.
Um sorriso fugaz passou pelo rosto de Kagato quando o mesmo se lembrou do
incidente. Já sabia que Eyseman era capaz de impor-se quando estava convencido de que
sua opinião era correta. O tenente sem dúvida possuía uma série de qualidades ocultas.
Era uma pena que a maior parte de seus superiores não sabia enxergar a alma de seus
subordinados.
A KC-11 chegou muito perto de uma faixa de névoa incandescente. Houve um
ligeiro empuxo de correção dos Propulsores de bombordo. Apesar disso a nave
atravessou as camadas periféricas da nuvem de gases. Por alguns segundos os campos
defensivos se acenderam ligeiramente.
O capitão acenou com a cabeça. Parecia satisfeito. Se a posição teoricamente
determinada de Tróia era correta, a base ainda deveria existir. O planetóide possuía um
campo defensivo de grande potência, que seria capaz de defender o mesmo contra as
camadas de gases relativamente rarefeitas. Mas a força da primeira frente hiperenergética
da nova era desconhecida. Era possível que Tróia se tivesse dissolvido sob o impacto da
mesma.
Os músculos da face de Kagato entesaram-se. O setor de rastreamento acabara de
comunicar que a posição de Tróia entrara na área de alcance do sistema de rastreamento
comum.
Finch Eyseman também ouvira as palavras transmitidas pelo alto-falante. Virou
abruptamente a cabeça e prendeu a respiração. Seus olhos pareciam suplicar.
No mesmo instante Tróia apareceu nas telas dos rastreadores.
Noro Kagato examinou ansiosamente os resultados das medições, à medida que os
mesmos estavam sendo fornecidos. Finalmente levantou a cabeça. Seus olhos brilharam
quando disse:
— A base não foi danificada. O campo defensivo continua intacto.
O capitão deu ordem para que fosse irradiado o impulso de identificação. A
guarnição da base tinha de ser informada de que quem se aproximava deles era sua
própria gente.
Dali a oito minutos Fracer Whooley chamou pelo rádio comum. Whooley era o
comandante de Tróia. Ele e a guarnição básica de vinte homens que estava sob seu
comando já tinham feito muitas experiências enervantes desde o momento em que fora
criada a cabeça-de-ponte de Andro-Beta. Mas nem por isso seu humor por vezes um tanto
macabro tinha sido afetado.
— Ainda bem que o senhor veio, capitão! — disse a título de cumprimento. —
Tomara que traga umas roupas de baixo bem quentinhas. Os abalos estruturais
provocados pela nova sacudiram-nos bastante, fazendo com que o vento passe por todas
as frestas de Tróia. Se as coisas continuarem assim, acabaremos pegando um resfriado.
No fundo tratava-se de uma observação muito séria, mas Kagato não pôde deixar de
rir.
— Estivemos preocupados com o senhor, major. O Administrador-Geral receava o
pior. Fico satisfeito em saber que resistiu à catástrofe — pigarreou. — Peço licença para
pousar, Major Whooley.
O rosto ligeiramente desfigurado de Whooley que aparecia na tela do
telecomunicador abriu-se num sorriso largo.
— Permissão concedida, capitão. Mas faça o favor de pousar suavemente. Nas
últimas horas não consigo livrar-me da impressão de estar no interior de um vaso de
barro com milhares de rachaduras.
O Capitão Kagato deu uma expressão séria ao seu rosto.
— Terei muito prazer em ajudá-lo, senhor. Ainda temos alguns tubos de cola-tudo
e...
Fracer Whooley soltou uma risada relinchante.
— Um por zero para o senhor! — respirava com dificuldade. — Nunca pensei que o
senhor fosse capaz de demonstrar tanto humor, Kagato. É verdade. Mas saberemos
arranjar-nos sem cola, capitão. Tróia agüentará... Logo depois da explosão do sol do
transmissor as coisas realmente pareciam preocupantes, mas sabemos que um planetóide
não se desagrega tão depressa. Assim mesmo peço-lhe que tenha cuidado ao pousar. Há
fendas na superfície e não quero que uma das colunas de sustentação telescópicas de sua
nave afunde e se quebre. Transmita a palavra Sésamo três vezes quando estiver perto do
campo defensivo. Abriremos um setor de pouso para o senhor.
Noro Kagato confirmou. Dali a meia hora, quando fez pousar a KC-11, agiu com
tamanho cuidado que até parecia que Tróia era um ovo cru. A atração exercida pelo
planetóide era muito reduzida. As superfícies de pouso das colunas telescópicas não
afundaram mais de dez centímetros. O capitão fez um sinal para que Eyseman se
aproximasse e deu ordem para que o acompanhasse no interior da base. Dali a alguns
minutos os dois saíram pela eclusa inferior, usando somente trajes espaciais leves.
Viram as fendas que atravessavam a superfície desértica do planetóide. Kagato
olhou para cima e sentiu um calafrio. O campo defensivo muito extenso de Tróia sofria o
bombardeio ininterrupto de partículas incandescentes e nuvens plasmáticas luminosas.
Até parecia que um gigantesco fogo de artifício estava sendo oferecido a alguns
quilômetros de altura. E a borda brilhante da nuvem produzida pela explosão cósmica até
parecia a boca do inferno.
Estremeceu ao ver um grande bloco de pedra rolar silenciosamente ao seu lado.
Estendeu as mãos instintivamente, à procura de apoio. Sempre era difícil de ter uma
sensação segura de onde era em cima e embaixo quando a Sente se encontrava num
pequeno astro de gravitação reduzida. Qualquer mudança repentina do ambiente
provocava uma sensação de tontura. Por alguns segundos Kagato teve a impressão de
estar de cabeça para baixo. Mas logo recuperou o sentimento da realidade.
O bloco de pedra cobrira uma das entradas camufladas de Tróia. A cobertura de aço
superior do poço do elevador acabara de ser posta à mostra. Kagato e Eyseman foram
para cima da placa metálica. Imediatamente começaram a descer. O movimento parou
quando tinham percorrido vinte metros. Os dois conheciam as instalações da base. Por
isso nem esperaram a voz saída de seus rádio-capacetes; entraram num nicho iluminado
que se abria na parede. A placa do elevador voltou a subir rapidamente, deixando livre o
poço do elevador antigravitacional propriamente dito. Noro e Finch desceram cinqüenta
metros, até o lugar em que começava o sistema de eclusas quádruplas.
Quando viram a placa luminosa vermelha de advertência, os dois notaram pela
primeira vez os efeitos produzidos pelas ondas de choque. A vedação da eclusa não
estava funcionando bem. A segunda eclusa também fora avariada. Dois robôs estavam
trabalhando com cortadeiras de impulsos e ferramentas térmicas. Ao que parecia, só
suspenderam os reparos para deixar passar os visitantes. A vedação das eclusas números
três e quatro era perfeita.
Quando Kagato e Eyseman saíram da câmara da última eclusa, o Major Whooley já
estava à sua espera.
Havia um sorriso irônico no rosto de Fracer Whooley.
— Podem abrir os capacetes, minha gente. Aqui dentro o vento não sopra tão forte.
Noro Kagato apertou a mão de Whooley.
— Vá para o inferno com seu humor macabro, major!
Fracer Whooley soltou uma estrondosa gargalhada.
— Não gostaria. Sempre tivemos muita necessidade do meu senso de humor. Não
acredito que a situação se estabilize num futuro próximo.
Saiu caminhando à frente dos outros. Noro Kagato ficou satisfeito ao notar que
Whooley não os levava diretamente à sala de comando principal de Tróia. Parecia
interessado em que a maior parte dos seus homens visse os visitantes, o que era bastante
inteligente do ponto de vista psicológico. Era necessário que de vez em quando a
guarnição da base recebesse a confirmação de que não fora esquecida e não ocupava uma
posição perdida. O Capitão Kagato e o Tenente Eyseman tiveram de responder a muitas
perguntas antes de chegarem ao destino.
O Major Whooley provou que apreciava muito a hospitalidade. Mandou que dois
robôs oferecessem alguma coisa. Kagato aceitou um bule de chá com biscoitos. Finch
Eyseman pegou com uma rapidez que quase chegou a ser grosseira uma garrafa de leite
sintético e um pedaço enorme de torta de manteiga.
Whooley sorriu ao ver Eyseman enfiar os dentes na torta. Ele mesmo preferiu uma
coca-cola com um pouco de rum. Além disso fumou um cigarro ferronense.
Kagato parecia um Buda magro demais, enquanto sorvia seu chá, todo
compenetrado e encolhido na poltrona. Seu olhar parecia distraído, mas na verdade estava
se concentrando. Quando terminou, limpou cuidadosamente a boca e os dedos.
Finalmente sorriu e levantou os olhos para Whooley, que era bem mais alto que ele.
— O Administrador-Geral lhe envia cordiais cumprimentos, major. Lamenta não
poder ter vindo pessoalmente. Em compensação mandou encher a KC-11 com
suprimentos. Entre eles existem dispositivos de reforço gravitacional. Se os rombos
abertos na pele do planetóide se abrirem mais, o senhor poderá combatê-los de dentro
para fora.
O Major Whooley balançou a cabeça.
— Muito obrigado, capitão. Vejo que como sempre o Chefe não esqueceu nada.
Como estão as coisas lá fora?
— Os senhores das galáxias puseram fora de ação o triângulo de Beta. Parece que
esperam que com isso consigam imprimir um novo rumo aos acontecimentos. Pensam
que estamos presos na armadilha. Acho que não preciso explicar o que isso significa.
Whooley empalideceu. Finalmente deu uma risada áspera.
— Acho que a confusão não pode ficar pior, capitão. Para mim a ação em grande
escala desenvolvida pelos supervigias foi o ponto alto. Aqui em Tróia todo mundo ficou
com cabelos brancos. Não tenha a menor dúvida. Tudo indicava que seríamos os únicos
sobreviventes. Não consigo imaginar coisa pior.
Noro Kagato sacudiu os ombros.
— Tudo que vimos no caminho de Andrômeda exigia nossa capacidade de
imaginação. De qualquer maneira, o inimigo está cometendo um erro grave. Acredita que
estamos presos. E, como parte desse pressuposto, tudo leva a crer que seus próximos
passos não afetarão nossa relativa liberdade de movimentos. E isto me dá alguma
esperança, Whooley.
Fracer Whooley acendeu mais um cigarro.
— Está bem, capitão! O senhor me deixou mais confiante. Mas vamos ao lado
prático. Quanto tempo pretende ficar aqui? Para sempre?
— Sinto muito, major — disse Kagato com um sorriso. — Teremos de partir assim
que a nave tenha sido descarregada.
— É uma pena, uma pena mesmo — Whooley suspirou. — Mas acho que dentro em
breve terá início a batalha final de Andro-Beta. E quando a mesma chegar ao fim...
— Faço votos de que então ainda estejamos vivos, major...
2
O monstro em forma de medusa foi cair bem à frente do Major Notami. Houve um
ruído desagradável. Notami executou um salto grotesco. A seguir começou a xingar
Gucky.
Perry Rhodan fez um sinal para que se calasse. Dois robôs aproximaram-se às
pressas e carregaram o andróide para longe dali. O mesmo não oferecia nenhuma
resistência.
Dali a pouco duas figuras confusas saíram com um chiado leve do bloco do hiper-
rastreador. Levaram apenas alguns segundos para transformar-se nas figuras conhecidas
dos sprinters.
Tronar foi para perto de Rhodan e informou o mesmo sobre as investigações que
tinham realizado. Atlan, Tolot e John Marshall também se encontravam no centro de
rastreamento e ouviam atentamente o relato. Gucky ficou parado e deixou que os homens
que se encontravam na sala o admirassem. Exibiu seu dente roedor solitário e também
ofereceu seu relato, no qual não deixou de realçar sua atuação.
— Está morto! — gritou alguém que se encontrava Perto do andróide.
Perry Rhodan virou a cabeça e viu que a pessoa que acabara de dar a informação era
o médico que tinha comparecido ao centro de rastreamento por ordem sua.
— Qual foi a causa da morte, doutor? — perguntou, tranqüilo.
O extramédico deu de ombros.
— Mande fazer uma autópsia! — disse Rhodan. — Quero um relato preciso. Estou
interessado principalmente em conhecer a estrutura do cérebro do monstro.
De repente Atlan deu uma risada. Todos os rostos se voltaram para o arcônida com
uma expressão de espanto. Ninguém sabia explicar o motivo de tamanha alegria. A risada
terminou tão repentinamente como tinha começado.
— Quer saber uma coisa, Perry? — exclamou. — Eu deveria chorar. Aproximamo-
nos às escondidas do inimigo, arriscando-nos a ser destruídos ou identificados como
terranos. E para quê? Somente para salvar alguns milhões de andróides que não possuem
alma.
Rhodan sacudiu lentamente a cabeça.
— Não é só por isso, meu chapa. Precisamos descobrir em que lugar são produzidas
estas criaturas. Além disso não devemos esquecer que os andróides também são seres
vivos, seja lá como foram produzidos. Vamos aguardar o resultado dos exames. Tenho
uma suspeita.
— Que suspeita é essa, Perry?
Rhodan limitou-se a sorrir. Não deu resposta à pergunta. Mas certamente abrira por
um instante o bloqueio que protegia sua mente, pois o rato-castor levantou os olhos,
assustado.
— Isso seria horrível — disse num cochicho.
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— Pode-se dizer que seria uma violação terrível da ordem divina, Gucky. Mas trata-
se de uma simples suspeita que talvez não se confirme.
— Tomara! — Gucky soltou um suspiro e desmaterializou.
Ouviu-se um ruído semelhante ao de uma rolha de champanhe saltando quando o ar
encheu o vácuo.
Rhodan aproximou-se da parede na qual estavam instaladas as numerosas telas do
sistema de rastreamento.
Via-se perfeitamente que a esfera de energia abandonada corria sem destino.
Certamente não havia possibilidade de realizar a manobra linear sem a presença de um
piloto. Se fosse assim, a esfera levaria alguns anos correndo pelo espaço vazio e talvez
chegasse a atravessar a nebulosa Beta sem colidir com qualquer astro. O veículo levaria
cerca de cento e cinqüenta mil anos para aparecer nos limites de Andrômeda. Mas suas
reservas de energia não seriam suficientes para isso. Certamente se dissolveria, se
autoconsumiria em algum ponto situado entre Andro-Beta e Andrômeda.
Perry Rhodan tentou descobrir onde estaria quando chegasse este momento. Não
chegou a nenhum resultado. Sem dúvida os senhores das galáxias já teriam sido
derrubados do poder. Mas novos inimigos poderiam aparecer. Sempre tinha sido assim. A
solução de um problema sempre acabava trazendo um problema ainda maior.
Perry Rhodan obrigou-se a controlar os pensamentos que vagavam no futuro. Era
necessário controlar o presente. Só então tomariam uma decisão sobre a direção a seguir.
Perry Rhodan deu ordem para que os comandantes das unidades que formavam o
grupo voltassem para observar de perto a atividade das esferas de energia.
***
Perry Rhodan teve de fazer um grande esforço para vencer o enjôo que ameaçava
tomar conta dele. O cadáver do monstro em forma de medusa jazia à sua frente.
Uma equipe de biólogos executava um trabalho rápido e rotineiro. Amostras dos
tecidos eram examinadas por meio de super-microscópios, enquanto se realizavam
análises químicas. Outros biólogos gravavam em fita os dados resultantes das
radiografias e das análises funcionais do organismo do monstro. Não se perdia nenhum
dado.
Rhodan inclinou a cabeça para examinar um recipiente em cujo interior um bloco
preto-marronzado boiava num líquido nutriente. Uma bióloga observava o bloco do
tamanho de um punho humano, enquanto seus dedos ágeis passavam pelos controles do
sistema de suprimento.
Rhodan fitou atentamente o bloco e seu coração contraiu-se. Teve a impressão de
que de repente o sangue congelara em suas veias.
Neste instante a bióloga descobriu o Administrador-Geral. Lançou-lhe um olhar
furioso.
— Se não pode ver estas coisas, dê o fora!
Sua voz era grave e enérgica. De repente Rhodan viu que se encontrava ao lado da
Dra. Natália Scharzowa. Ficou aborrecido porque a expressão de seu rosto revelara seus
sentimentos. Mas sua voz não exprimiu este aborrecimento.
— Queira desculpar, madame — respondeu com um sorriso forçado. — Não sou
nenhum médico ou biólogo escaldado. Será que estou errado ao supor que este bloco é o
cérebro do andróide?
— Adivinhou! — resmungou a bióloga-chefe da Crest II sem o menor respeito. —
Faça o favor de não me perturbar mais, senhor. Tento revitalizar o plasma.
Ao ouvir a palavra plasma, Perry Rhodan ficou ainda mais pálido. Aquilo que fora
uma simples suposição parecia transformar-se em certeza. Rememorou os
acontecimentos que se tinham passado no planeta Rando, que ficava na Periferia da
nebulosa Beta e não existia mais. Fora destruído por bombas nucleares teleguiadas,
vindas das profundezas do espaço vazio, que desenvolviam velocidade superior à da luz.
Mas antes disso os humanos tinham conseguido identificar Rando como o mundo de
origem do plasma primitivo — o mesmo plasma que fazia parte dos pos-bis do Mundo
dos Cem Sóis. Há muito tempo este plasma central tivera sua sede na nebulosa de
Andrômeda. Os senhores das galáxias o tinham removido de lá, banindo-o para os
confins do espaço vazio.
Os terranos tiveram a atenção despertada para Rando por causa dos pedidos de
socorro e gritos de dor que o plasma emitia ininterruptamente por via telepática. O
motivo eram as espaçonaves não identificáveis, que recortavam porções gigantescas do
organismo vivo da forma de vida bioplástica.
O enigma sobre o destino que os encarregados dos senhores das galáxias davam ao
plasma brutalmente removido parecia encontrar sua solução.
Utilizavam o mesmo para criar os cérebros de seus monstros andróides!
— É o fim! — disse Natália Scharzowa.
Desligou o sistema de suprimento e com a manga da blusa enxugou o suor da testa.
Perry Rhodan pigarreou energicamente. A bióloga virou abruptamente a cabeça.
— Ah, é o senhor — disse. Parecia haver um tom de decepção em sua voz. — Não
pode fazer nada que eu não possa. O plasma morreu. Talvez seja melhor.
— Sua substância é idêntica à do plasma central de Rando...? — perguntou Rhodan
com a voz apagada.
— Não perfeitamente — Natália Scharzowa afastou uma mecha de cabelos negros
da testa e soltou um suspiro de resignação. Via-se perfeitamente que a tentativa frustrada
de salvar o plasma a deixara deprimida. — Mas a análise preliminar revelou a presença
de algumas substâncias básicas do plasma central. É claro que agora que o cérebro
morreu podemos fazer uma análise mais minuciosa.
— A senhora acha que o plasma central foi utilizado na produção do cérebro do
andróide, madame?
A bióloga confirmou com um gesto sombrio. O olhar que lançou para o bloco de
plasma que acabara de morrer tinha uma expressão tão maternal que Perry Rhodan lhe
perdoou a falta de respeito.
— Fico-lhe muito grato, madame — disse em voz baixa.
Sentiu que a raiva que tinha dos senhores das galáxias voltava a tomar conta dele.
Tratava-se de governantes brutais, que não sabiam o que era consciência, pois usavam e
exterminavam raças inteligentes com um pragmatismo frio e sem o menor sentimento.
Rhodan ainda conversou demoradamente com os outros biólogos e médicos que se
encontravam presentes. Todos confirmaram que no corpo do andróide também existiam
traços da substância plasmática.
Rhodan retirou-se da sala de exames. Estava deprimido. Encontrou Gucky do lado
de fora, junto à porta. O rato-castor estava sentado no chão, com as orelhas caídas e os
olhos fechados. Parecia voltado para dentro de si. Quando Perry Rhodan apareceu,
levantou os olhos.
— Não fique triste, Perry — disse para consolá-lo. — Temos as melhores chances
de localizar esta cozinha do demônio em que são fabricados os andróides. Espero que não
tenha compaixão com os cozinheiros...
Rhodan limitou-se a abanar a cabeça.
— Que bom! — rejubilou-se Gucky. — Até que enfim poderei brincar novamente à
vontade. Posso, não posso? —perguntou em tom medroso.
— Tenente Guck! — disse Rhodan em tom enérgico. — Não compreendo que
diante do destino terrível que o plasma tem sofrido e continua a sofrer o senhor ainda seja
capaz de falar em brincar.
O rato-castor estremeceu. Mas acabou soltando um assobio estridente. Tentou
colocar-se nas pontas dos pés. Como sempre, perdeu o equilíbrio e teve de usar a
telecinesia para não cair. Foi subindo telecineticamente até que seu rosto ficasse na
mesma altura do de Rhodan.
— Primeiro, senhor Administrador-Geral, há tempo não sou um simples tenente,
mas um oficial de patente especial do Exército de Mutantes. Aliás, o título de nomeação
traz sua assinatura, seu... seu...!
— E segundo? — perguntou Rhodan em tom seco.
— E segundo, você deveria concordar comigo em que os fabricantes dos andróides
merecem que eu brinque com eles. Acho que fazem jus a isso, exatamente por terem
abusado do plasma central.
Perry Rhodan sorriu ligeiramente.
— Concordo com você, Gucky. E para que possa brincar à vontade com eles, acho
recomendável que até lá você se abstenha de usar suas paracapacidades. Além disso o
exercício físico não lhe faria mal. Ultimamente você criou umas gorduras indecentes.
Os olhos de Gucky quase saltaram das órbitas de tão assustado que ficou. Esqueceu
que estava suspenso no ar e caiu prontamente no prolongamento das costas. Suas
lamentações deixaram Rhodan tão compadecido que o mesmo fez menção de levantar
Gucky, mas este se enfureceu.
— Não me toque, monstro! — revirava os olhos. — Se não estivesse com pena de
você, teleportaria neste instante para o espaço sem traje especial. Aí você ficaria cego de
tanto chorar por mim — chorou de autocompaixão. — Eu lhe mostraria uma coisa. Não
voltaria nunca mais.
Rhodan parecia arrasado.
— Você não pode fazer uma coisa dessas comigo, baixinho. Mas, falando sério,
Gucky, você...
— Espere aí! — gritou Gucky. — Não repita isso.
— Que é isso? — disse Rhodan em tom apaziguador. — Pretendia recomendar que
fizesse um tratamento na base de cenouras. Elas ajudam a conservar as linhas esbeltas. É
claro que receberá uma requisição especial dirigida ao Major Bernard, para que o mesmo
lhe forneça quantidades ilimitadas de cenouras.
Gucky farejou o ar. Parecia desconfiado.
— Você disse quantidades ilimitadas, Perry?
— Por que faz essa pergunta? Será que está ficando surdo? Se continuar assim, terei
de enviá-lo ao médico de ouvidos.
Gucky tentou tapar as orelhas redondas.
— Não! — gritou, assustado. — Não quero ir ao médico de ouvidos. Sinto muitas
cócegas, Perry. E ouço muito bem. Onde está a requisição?
Rhodan tirou um bloco do bolso, escreveu alguma coisa no mesmo e arrancou a
primeira folha. O rato-castor pegou a mesma.
— Quantidades ilimitadas... — murmurou. — Qualquer solicitação do oficial de
patente especial Guck será atendida sem limitações...
Deu um salto no ar e exibiu inteiramente o dente roedor.
— Espere aí, Curt Bernard! — disse em tom triunfante. — Já vou para aí. Seu
mundo vai desmoronar.
Desmaterializou no último salto. Perry Rhodan olhou para o lugar em que estivera
pouco antes e sacudiu a cabeça. De repente um sorriso compreensivo cobriu seu rosto.
— Espertalhão! — murmurou. — Conseguiu enganar-me! Só fez esta encenação
para melhorar meu estado de espírito...
***
A tela panorâmica mostrava um quadro apavorante. A Crest II estava atravessando
um sistema solar que possuía quatorze planetas. Mas sobrava muito pouco desses
mundos, em alguns dos quais certamente houvera vida. As nuvens de gases e destroços
em lenta expansão assinalavam sua posição nas respectivas órbitas.
— Escolhi esta rota para que tenhamos uma idéia da extensão do crime que está
sendo cometido, senhor — disse o Coronel Rudo em tom áspero. — Vistas de perto as
coisas são bem diferentes. As palavras nunca dão uma expressão fiel dos acontecimentos
medonhos.
Perry Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Sentiu um nó na garganta. Passou
os olhos pelos rostos dos homens que se encontravam na sala de comando. Todos se
tinham transformado em máscaras rígidas. Havia uma expressão de perplexidade em
muitos olhos. Era possível que alguns dos homens se lembrassem de seus lares. Talvez
imaginassem qual seria o destino dos planetas do Império se os senhores das galáxias
conseguissem estender seu poder à galáxia vizinha.
Sem dúvida este ensino ao vivo aumentou sua resolução. Ninguém tentaria qualquer
solução do conflito que não fosse a final e implacável.
Icho Tolot aproximou-se a passos estrondosos.
— Acho recomendável que as esferas energéticas sejam observadas em ação,
senhor.
A figura maciça de Cart Rudo virou-se abruptamente. Os olhos do epsalense fitaram
o halutense com uma expressão de incredulidade.
— O senhor não pode estar falando sério, Tolot! Acha que os terranos seriam
capazes de se manter como simples espectadores enquanto mundos inteiros estão sendo
destruídos?
— É uma necessidade — disse Tolot. O gigante abaixou a voz. — Se quisermos
infligir uma derrota definitiva aos senhores das galáxias teremos que endurecer muito
mais, Rudo. Não adianta contemplar o que resta dos mundos destruídos. O senhor deveria
saber disso. Precisamos descobrir qual é a reação das esferas diante do impacto com um
planeta, quais são as características das energias liberadas e por que motivo um objeto
voador relativamente pequeno pode causar a destruição de um planeta inteiro.
As mandíbulas do epsalense estavam trabalhando. Seu queixo largo, que era do
tamanho de uma bigorna, avançou. Havia um brilho perigoso nos olhos cobertos por
sobrancelhas enormes.
— Tolot tem razão! — o tom da voz de Rhodan não admitia nenhuma objeção.
Era imperativo.
Cart Rudo descontraiu-se.
— Sim senhor. Mas os senhores das galáxias pagarão Por me obrigarem a fazer uma
coisa dessas.
— Também pretendo fazê-los pagar por isso! — rugiu Tolot.
Alguns homens que se encontravam mais perto dele encolheram-se de susto. O tom
de ameaça que havia na voz do halutense seria capaz de fazer congelar o sangue nas veias
de pessoas não muito corajosas.
O Coronel Rudo, que durante os vôos em grupo sempre era investido no comando
de todas as unidades, transmitiu as ordens de Rhodan. No sistema solar em que se
encontravam não poderia ser feito mais nenhum estrago, e por isso os quatro
supercouraçados entraram no semi-espaço ainda no interior das órbitas planetárias.
O destino da viagem era Multitude.
Multitude era o nome do sistema de um gigantesco sol vermelho, descoberto e
batizado pelo Coronel Alurin. Recebera este nome por causa da grande quantidade de
planetas. Quarenta e oito mundos ao todo circulavam em torno da estrela central. Em
doze deles havia vida, embora não se tratasse de formas de vida inteligente. Constatara-se
que exatamente quarenta e oito esferas energéticas se aproximavam de Multitude.
Ninguém ignorava as intenções dessas esferas.
Os gigantes espaciais saíram do espaço linear a meia hora-luz do planeta periférico
do sistema de Multitude. No mesmo instante teve início a orgia destrutiva das esferas.
Três planetas incharam, transformaram-se em bolas de fogo vermelhas ofuscantes e
arrebentaram.
Perry Rhodan inclinou o corpo bem para a frente quando o centro de rastreamento
mostrou uma esfera energética fortemente ampliada na tela de observação da sala de
comando.
A figura, que emitia um brilho verde desagradável, corria à metade da velocidade da
luz em direção a um planeta gigantesco coberto de gelo. Por lá certamente não havia
vida. Mas assim mesmo a destruição de um astro morto representava uma violação das
leis naturais cósmicas. Ninguém tinha o direito de destruir as obras do Criador sem que
houvesse um motivo para isso.
Perry Rhodan prendeu a respiração enquanto acompanhava a queda vertiginosa da
esfera. Sabia que a aparelhagem especial do sistema de rastreamento funcionava
ininterruptamente, colhendo dados e fazendo a interpretação dos mesmos. Depois do
ataque seus conhecimentos seriam bem mais amplos. E era o que importava. Não era
possível combater eficazmente um inimigo que não se conhecia.
No momento do impacto da esfera na superfície de planeta não houve nenhum efeito
aparente. Só se viu um raio ultraforte, que mostrava que a esfera tinha explodido.
Dali a meio segundo o quadro mudou de repente Não houve uma fogueira atômica
que se espalhasse lenta mente. Toda a matéria de que era feito o planeta foi atingida
instantaneamente pelo processo destrutivo. Aquilo que pouco antes fora um mundo de
gelo inchou tão repentinamente que Rhodan quase chegou a ordenar uma fuga
precipitada. Lembrou-se no último instante de que estava vendo uma ampliação setorial,
que aparentava a presença de um perigo imediato.
Durante trinta segundos tudo ficou em silêncio na sala de comando. Finalmente os
homens começaram a cochichar. Ninguém se atrevia a falar em voz alta.
O intercomunicador emitiu o sinal de chamada e Rhodan fez avançar a mão. Bateu
na tecla de acionamento.
— Major Notami falando — disse uma voz deprimida saída do alto-falante. — A
interpretação dos dados já foi concluída, senhor.
Perry Rhodan não se admirou de que tivesse sido tão rápido. Na verdade, o processo
de destruição só permitia uma conclusão.
A voz de Notami atingiu seu consciente como se viesse de muito longe.
— As esferas energéticas explodem quando se verifica o impacto na superfície do
planeta. Sem dúvida a explosão provoca a morte dos andróides, senhor. Em virtude da
superposição energética provocada pela dissolução do campo enfeixado instável verifica-
se um processo de fusão instantâneo de todos os elementos cujo número de ordem seja
superior a seis. Acontece praticamente a mesma coisa que se verifica numa bomba de
Árcon devidamente regulada, com a diferença de que o processo é muito mais rápido.
— Muito obrigado — murmurou Rhodan. Em seguida fez girar o corpo juntamente
com a poltrona anatômica. — Coronel Rudo!
O epsalense sobressaltou-se.
— Pois não, senhor...!
— Dou ordem para que a caça a todas as esferas que se encontram no interior deste
sistema seja liberada. Use os canhões energéticos. Acho que não será necessário mais que
isso.
Cart Rudo poucas vezes se sentira tão feliz em cumprir uma ordem. Sua voz soou
que nem um apito de neblina, quando transmitiu as instruções aos outros comandantes.
Não durou mais de quinze minutos. Cart Rudo e os outros comandantes utilizaram
quase todo o poder de combate das naves. Foram mais de cem barcos especiais
ultravelozes, centenas de caças espaciais, destróieres de dois lugares e torpedos auto-
guiados. Somente os canhões conversores deixaram de ser usados.
A ação-relâmpago salvou um total de trinta e dois mundos entre quarenta e oito.
Mas a idéia de que no mesmo instante centenas ou até milhares de outros mundos
encontravam a morte em Andro-Beta deixou Perry Rhodan desesperado.
— Vamos dirigir-nos a uma esfera isolada que não se encontre no interior de um
sistema planetário! — disse. — Desta vez usaremos as imitações de maahks.
— Tomara que isso não provoque uma catástrofe ainda maior! — observou Cart
Rudo em tom sombrio, enquanto transmitia a ordem.
***
O maahk estava parado com as pernas afastadas e os braços cruzados sobre o peito à
frente da tela de transmissão do hiper-rastreamento. Usava seu traje espacial pesado. Mas
o capacete pressurizado pendia frouxamente que nem um capuz de plástico sobre as
costas. Grek-1 respirava a atmosfera de hidrogênio e metano de seus aposentos
particulares.
O deslocamento de ar provocado pela súbita penetração de um corpo devia tê-lo
sobressaltado, pois voltou a cabeça no instante em que Gucky materializou.
O traje espacial de Gucky estava fechado. A cauda larga e chata estava enfiada num
envoltório transparente de metal plastificado. O rato-castor fazia questão de exibir a
melhor peça que possuía.
No momento em que o maahk virou a cabeça, Gucky bateu ruidosamente com a
cauda em concha no chão.
— Você deveria ir ao oculista, grandalhão!
A tradutora embutida na parede que separava o recinto da sala de visitas fez a
tradução fiel destas palavras, mas parecia que Grek-1 não compreendia.
— Ao oculista...? É um médico de olhos? O que poderei fazer com ele? Meus olhos
estão em perfeito estado. Um maahk nunca precisa de um oculista.
— É mesmo...? — perguntou Gucky, fingindo-se de espantado. — Por que virou a
cabeça quando apareci? Sempre pensei que um maahk enxergasse de todos os lados ao
mesmo tempo...
Grek-1 emitiu alguns ruídos desconexos. O rato-castor inclinou a cabeça. As rugas
da testa mostravam que estava preocupado.
— Acho que também precisa consultar o médico de garganta, cabeça de foice.
Psiu... psiu...! Cuide mais da sua saúde — pôs-se a refletir intensamente. Os fios de barba
tremeram. — Ou será que você adquiriu os hábitos humanos, a tal ponto de ter de virar a
cabeça para olhar para trás?
— Deve ser isso — respondeu Grek-1, que parecia aliviado porque finalmente
compreendera seu interlocutor.
— Ora essa! — suspirou Gucky. — Todos os imitadores são uma cruz. Só imitam
os maus hábitos. Por que ainda não aprendeu o senso de humor?
O maahk abriu e fechou várias vezes as pálpebras, dando um ar de coruja ao rosto.
— O humor — disse em tom professoral — é a característica ou estado de espírito
especial, que faz com que aceitemos com certa superioridade psíquica e um ar
tranqüilidade e ri...
— Lorotas! — gritou Gucky. — São palavras vazias, e ainda por cima palavras
muito secas. Não revelam a essência do senso de humor. Meu velho amigo Bell definiu o
mesmo da seguinte maneira: O senso de humor é o que a gente mostra quando ri apesar
de tudo! É uma versão mais distinta da definição dada por ele.
— O senso de humor é aquilo que a gente mostra quando ri apesar de tudo —
repetiu Grek-1. Parecia que estava prestando atenção às próprias palavras. Finalmente
esfregou as mãos. — Compreendo, Gucky. Observei muitas vezes este tipo de humor nos
terranos.
— Não sou nenhum terrano! — o rato-castor bateu com o pé no chão e logo perdeu
o equilíbrio. — Não me chame assim. Sou um animal. Entendido?
— Sempre pensei que fosse um rato-castor.
Gucky deu uma risada estridente e chiou fortemente.
— Ora, o senso de humor! — constatou Grek-1, satisfeito com os conhecimentos
que acabara de adquirir.
O rato-castor ficou calado. Saiu arrastando os pés na direção do maahk, usou a
telecinesia para subir dois metros e bateu com o dedo no peito enorme de Grek. O dente
roedor parecia ter sido polido há pouco tempo.
— Vejo que você está progredindo, grandalhão. O que você acaba de demonstrar é
um começo modesto do senso de humor terrano. Vou...
O alto-falante do intercomunicador interrompeu sua torrente de palavras.
— Oficial de patente especial Guck! — rugiu a voz de Rhodan. — Faz dez minutos
que dei ordem para que trouxesse Grek-1 por meio da teleportação. Quanto tempo ainda
pretende levar para cumprir a ordem? Será que o tratamento na base de cenouras não lhe
está fazendo bem?
— Oh, per... perdão! — exclamou Gucky. — Irei... irei imediatamente, Perry. Vou
apressar-me, vou voar, mas...
— Fico esperando, Gucky. Afinal, a paciência é uma virtude. Então...?
O rato-castor deixou-se cair para o chão e estendeu a mão.
— Rápido, grandalhão! Segure-se!
O maahk fechou o capacete e segurou cuidadosamente a mão de Gucky.
— Por que não está rindo? — perguntou em tom de malícia.
Gucky ficou tão perplexo que confundiu as coordenadas do salto. Os dois foram
parar junto à escrivaninha do intendente-chefe.
O Major Curt Bernard levantou de um salto. Seus olhos pareciam saltar das órbitas
enquanto fitava o maahk.
— Não! — cochichou. — Não! Era só o que faltava. Tomara que não seja outro
devorador de cenouras.
Gucky logo se recuperou da perplexidade. Com um sorriso sarcástico apontou para a
terrina de sopa ainda pela metade que se encontrava na escrivaninha de Bernard.
— Antes cenouras — disse em tom de desprezo — que uma sopa de alho.
Um cinzeiro arremessado num gesto de fúria atingiu o vazio. O rato-castor preferira
usar a teleportação para colocar-se em segurança.
— Se não me engano — disse Grek-1, e desta vez a tradutora que se encontrava
com Perry Rhodan traduziu fielmente suas palavras — você acaba de dizer uma coisa que
revela senso de humor ao major.
— Sim, um humor triste — respondeu Gucky em tom seco e fitou o Administrador-
Geral como quem se sente culpado e espera uma bronca.
Rhodan limitou-se a franzir o sobrecenho.
— O que foi que ele andou aprontando? — perguntou ao maahk, apontando para
Gucky.
— Nada, senhor. Só me deu uma aula particular sobre o senso de humor e a seguir
fez uma demonstração prática.
Rhodan deu de ombros num gesto de resignação. Seus pensamentos estavam em
outro lugar, e por isso só tinha um interesse muito superficial pela aula de Gucky.
— Preciso do seu auxílio, Grek-1 — disse, mudando de assunto. — Dentro em
breve as imitações serão usadas Poderia fazer o favor de conferir o trabalho de nossos
biólogos?
— Naturalmente, senhor. Estou curioso para ver a obra.
As duas imitações de maahks jaziam imóveis na sala de rastreamento. E nunca
fariam qualquer movimento, pois não se tinha a intenção de sacrificar qualquer forma de
vida. Seus corpos bioplásticos eram feitos de matéria viva mas as células não tinham
consciência de que existiam Possuíam menos inteligência que uma ameba, se é que neste
caso se pode falar de inteligência.
— Admiro o trabalho de seus biólogos — disse Grek-1. O maahk contornou as
imitações que estavam vestidas. — Até mesmo os detalhes dos uniformes conferem. —
olhou para o próprio corpo. — Não esqueceram nada — disse em tom de elogio. — Se
fosse eu, provavelmente não teria tido a idéia de soldar e a seguir arrancar as marcas de
identificação da nave e da frota a que pertence mesma. Foi uma idéia genial. Os senhores
das galáxias serão levados a acreditar que os maahks removeram seus distintivos para não
deixar qualquer indicação sobre a unidade a que pertencem. Estas imitações serão bem-
sucedidas, senhor.
— Transmitirei os elogios que acaba de formular, Grek-1.
— Quando vai começar? — perguntou Gucky em tom de curiosidade.
Perry Rhodan olhou para o relógio. Finalmente fitou o rato-castor com uma
expressão séria.
— Dentro de cinco minutos, Gucky. O tempo é muito escasso. Os Woolver já estão
chegando.
O rato-castor engoliu a repreensão que havia nestas palavras.
Os gêmeos Woolver pretendiam fazer sua apresentação, mas sua voz foi abafada
pelas sereias de alarme.
Perry Rhodan nem chegou a olhar para o relógio. Compreendeu imediatamente que
tinha havido um imprevisto.
***
Os dois veículos espaciais, ou seja, a esfera e a Crest II, aproximavam-se um do
outro a uma velocidade pouco inferior à da luz.
Perry Rhodan perguntou-se se a aproximação da esfera devia ser interpretada como
um ataque. As experiências já colhidas levavam a crer que não. A esfera energética
detectada no espaço e os veículos destruídos no interior do sistema de Multitude não
tinham demonstrado nenhuma reação diante da presença das espaçonaves terranas. Tudo
levava a suspeitar de que os pilotos andróides não estavam em condições de resolver
problemas mais complexos. Ao que tudo indicava, os cérebros plasmáticos só eram
capazes de cuidar de uma tarefa de cada vez, e essa tarefa consistia na destruição de um
planeta.
Estas reflexões não duraram mais de um segundo. Antes que o Coronel Cart Rudo
pudesse, numa atitude coerente, dar ordem para que a esfera isolada fosse destruída,
Perry Rhodan tomou sua decisão.
— Não atirem! — ordenou. — Dar início à manobra de desvio. Reduzir a
velocidade em cinco por cento.
A voz com que Rudo transmitiu as instruções parecia atropelar-se. As ordens de
Rhodan tinham chegado bem tarde. Havia necessidade de um máximo de rapidez e
capacidade de coordenação para garantir o êxito da manobras.
Mas a tripulação da Crest II mostrou mais uma vez que seus membros estavam
perfeitamente adaptados uns aos outros. Os navegadores tinham calculado desde o início
todas as rotas possíveis, desde uma rota direta de ataque até a manobra circular que não
parecia ter nenhuma lógica. Já dispunham dos respectivos cálculos. Bastava apertar um
botão para acoplar os bancos de dados automáticos com o sistema de pilotagem.
Rhodan deu ordem para que as três naves restantes não participassem do jogo
perigoso. Afastaram-se para todos os lados e ficaram em posição de espera a algumas
dezenas de milhões de quilômetros de distância.
Enquanto isso a Crest II só se afastou ligeiramente da rota primitiva. Passou por
baixo da esfera, realizando uma curva muito ampla. Girou de costas em relação à posição
primitiva, fazendo com que do ponto de vista da tripulação não se encontrava embaixo,
mas em cima da esfera energética. Este tipo de distorção da situação de fato só era
possível no espaço livre.
No início teve-se a impressão de que a esfera iria prosseguir em linha reta, mas os
homens que ocupavam as miras automáticas informaram que a mesma estava reduzindo a
velocidade.
Rhodan atendeu ao pedido de Rudo. Deu ordem para que a Crest II também
reduzisse a velocidade. Quando ainda se encontrava a oitenta milhões de quilômetros, a
esfera deu início à manobra de mudança de rota. Perry Rhodan ficou satisfeito ao
constatar que a capacidade de aceleração e desaceleração das naves inimigas era bem
inferior à da Crest II. Quer dizer que o inimigo também era obrigado a considerar os
valores de absorção normais.
As duas naves voltaram a aproximar-se lentamente.
— Ponha um fim a isso, Perry! — advertiu Atlan. — Não há dúvida de que a esfera
nos ataca.
— Estou interessado em saber por quê — respondeu Rhodan.
O arcônida pigarreou.
— Até parece que você quer arrombar portas abertas, meu chapa. É claro que a
esfera nos ataca por ter recebido ordens neste sentido do seu centro de comando.
Rhodan sorriu e abanou a cabeça, mas não manifestou sua opinião.
O Dr. Hong Kao, que se encontrava no centro de computação positrônica, chamou.
O matemático-chefe informou que, segundo a interpretação do sistema positrônico, a
mudança de rota da esfera tinha origem num simples erro de determinação da rota
cometido pelo piloto. O grau de inteligência do mesmo era bastante reduzido, e por isso
fora levado a acreditar que a Crest II era o planeta-alvo. Confundira a situação e estava
cumprindo suas ordens.
Perry Rhodan ainda estava sorrindo.
— É agora, Atlan? O que me diz?
— Até parece que a atuação do piloto é independente. Acontece que o setor lógico
de minha mente recusa-se a acreditar nisso. Um ataque em massa como o que está sendo
desfechado exige um planejamento permanente a partir de um centro de comando. Sem
isso uma operação realizada por pilotos andróides semi-inteligentes não pode ser bem-
sucedida.
— É verdade. Até chego a fazer votos de que você tenha razão, Atlan.
— Já não compreendo mais nada.
— O que quero dizer é que podemos executar nosso plano aqui ou em qualquer
outro lugar. Se existe um centro de comando, o mesmo já deve ter suspeitado de alguma
coisa. Se houver mais um incidente, o mesmo não pode deixar de chamar a atenção do
mesmo.
Rhodan levantou.
— Preparem-se, Tronar e Rakal. Major Notami, mande capturar a esfera por meio
de um raio de hiper-rastreamento.
Quando a esfera energética que se aproximava estava a apenas três milhões de
quilômetros, Perry Rhodan deu sinal para que a operação fosse iniciada.
Os gêmeos Woolver desapareceram, usando o caminho a que estavam habituados.
Desta vez não carregavam armas energéticas, mas potentes projetores narcóticos. Quando
rematerializaram e recuperaram a capacidade de ação, Tronar e Rakal viram à sua frente
um monstro em forma de medusa igual ao que tinham enfrentado durante a primeira
operação. Mas desta vez o monstro não partiu para o ataque. Ficou agachado em sua
concha. Só se via a parte superior de seu corpo, que era semi-esférica e tinha um metro de
altura, apresentando um aspecto gelatinoso, além dos tentáculos preênseis. O ser dedicava
sua atenção exclusivamente à única tela existente no recinto e aos controles. Rakal e
Tronar viram perfeitamente a Crest II no centro da tela.
Tronar olhou para o andróide com uma expressão de compaixão e ergueu a arma
narcótica. Rakal fez a mesma coisa. Os gêmeos apertaram os botões acionadores no
mesmo instante. O efeito dos raios narcotizantes foi imediato. O andróide entrou em
convulsões e encolheu-se, para transformar-se numa massa gelatinosa disforme.
Tronar e Rakal deixaram que as armas narcotizantes agissem mais trinta segundos
sobre o corpo do monstro.
Passados os trinta segundos, Tronar ligou o rádio-capacete. As ondas de
telecomunicação só se deslocavam à velocidade da luz, mas a distância que os separava
da Crest II já se reduzira a meio milhão de quilômetros. Dessa forma o retardamento
causado pelas transmissões de rádio era desprezível.
O sprinter informou que a missão fora bem-sucedida. Perry Rhodan deu ordem para
que agüentassem mais alguns minutos no interior da esfera.
Dali a pouco Gucky materializou na pequena sala de comando. Segurava-se em uma
das imitações de maahks; era ao menos o que parecia. Na verdade, era o rato-castor que
segurava a imitação. Usou a telecinesia para aumentar a força bastante reduzida de seus
músculos. Colocou o maahk lentamente no chão.
Só depois disso lançou um olhar para o mesmo.
— Que coisa nojenta! — disse, furioso. — Os senhores das galáxias têm um gosto
bem esquisito. Nunca mais poderei comer pudim sem sentir náuseas.
Desapareceu da mesma forma como tinha vindo. Dali a segundos veio com o
segundo maahk artificial. Colocou-o ao lado do outro e esfregou ostensivamente as mãos
na calça de seu traje espacial.
— Quer que levemos o andróide? — perguntou Rakal Woolver.
Gucky piou em tom indignado.
— Para quê? Não saberemos o que fazer com ele. Por quanto tempo esta medusa
ficará inconsciente?
— Pelo menos dois ou três dias — respondeu Tronar. — A dose utilizada foi
enorme em comparação com o cérebro fraco desta criatura.
— Ótimo. Neste caso devo comunicar que este pudim gelatinoso continuará aqui
por ordem do Chefe. Saltarei de volta. Quer que os leve? — perguntou em tom generoso.
Os sprinters recusaram a oferta. Acharam que sua forma de locomoção era mais
agradável que a teleportação.
Dali a dois segundos os três mutantes encontravam-se novamente diante de Perry
Rhodan.
Não se sentiram muito à vontade enquanto contemplavam a esfera energética a
partir do centro de rastreamento. Por enquanto não se notava nenhuma reação do centro
de comando, que ainda era uma figura hipotética.
Mas de uma coisa todos tinham certeza. Se o centro de comando reagisse da forma
que se esperava, a parte mais perigosa da operação Andro-Beta iria ter início.
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