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LUTA NO FUNDO
DO MAR
Autor
H. G. EWERS
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Com os novos impulsores que o tender Dino-3 continha, a
Crest conseguiu, por caminhos sinuosos, deixar a galáxia,
voando para a Nebulosa de Andrômeda, de onde foi organizado o
salto de cinqüenta mil anos.
Preparadores do caminho desse ousado empreendimento
foram nove sujos “vagabundos espaciais” e o rato-castor Gucky,
que pousaram, em missão secreta, na Nova Lemúria.
Os supostos vagabundos espaciais conquistaram o tempo
— e a Crest conseguiu voltar para o ano 2.404.
A odisséia do tempo de Perry Rhodan, deste modo, chega ao
fim. Entretanto ainda não chegou a um fim o conflito entre o
Império Solar e os senhores da galáxia. Estes resolvem usar
novos métodos para dominar o Império da Humanidade.
A “moeda fria” do Império Solar, uma moeda altamente
apreciada em toda a galáxia, de repente começa a mostrar sinais
de fraqueza. Dinheiro falso, que nem mesmo pode ser descoberto
com os mais modernos meios de exames e testes, inunda os
mundos povoados por seres humanos, num derrame de bilhões.
Uma crise econômica de grande envergadura é a
conseqüência imediata da invasão de dinheiro falso. Em especial
os terranos das colônias começam a desconfiar do governo
— e duvidar do trabalho até então desenvolvido por Perry
Rhodan, como Administrador-Geral.
Mas Perry Rhodan ainda tem muitos homens que continuam
garantindo-lhe sua irrestrita fidelidade. Entre eles também está
Jean-Pierre Marat, apelidado o “Jaguar Negro”. Ele age de
modo decisivo, na Luta no Fundo do Mar.
A Luna-Orb III era uma estação de rastreamento que trabalhava de modo totalmente
automático, da antiquada série Halcyon. Há exatamente oitenta anos ela orbitava, brava e
fielmente, a Lua terrana, a uma distância de cem mil quilômetros. Devia o seu nome a um
funcionário pouco engenhoso, que simplesmente foi buscar esse nome no século vinte,
quando as primeiras tentativas com orbitadores lunares tiveram sucesso. Mesmo assim, a
Luna-Orb III trabalhava com a precisão que era de se esperar de uma estação
inteiramente automática.
Também no dia 11 de dezembro de 2.404, tempo terrano.
Em espaços de poucos segundos, a Luna-Orb III recebeu os impulsos de transporte
de quinta dimensão de transmissores de matéria, que conduziam cargas da Terra para a
Lua ou da Lua para a Terra. Este meio de transporte preponderava sobre todos os outros.
Somente em casos muito excepcionais ainda trafegavam, entre a Terra e o seu satélite,
naves espaciais de carga. Aliás, o que poderiam fazer naves cósmicas com propulsão
ultraluz numa rota cuja extensão não chegava sequer a meio milhão de quilômetros? Esta,
no melhor dos casos, era uma distância para naves espaciais de brinquedo!
Desde a sua instalação, a Luna-Orb III tinha captado ininterruptamente impulsos de
transporte, identificando-os e comparando-os com dados que lhe eram passados
diariamente de estações transmissoras da Lua e da Terra. Nem uma única vez, durante
todo este tempo, surgira uma discrepância.
E agora, no dia 11.12.2404, às 17 horas, tempo-padrão, a computação de controle
automático registrava um impulso de interferência.
O transporte TM LT-KK-KL-15008 estava conduzindo quarenta mil toneladas de
matéria da Lua para a Terra. A distância e a massa determinavam a amplitude do impulso
pentadimensional tão exatamente, que o impulso estranho, por trás dele, se destacava
nitidamente. A avaliação automática, efetuada pelo cérebro positrônico da Luna-Orb III
notou, com probabilidade máxima, que o impulso de interferência não vinha nem de um
transmissor de matéria da Lua nem de um da Terra.
De conformidade com uma programação, um setor periférico do cérebro positrônico
Nathan recebeu a informação ainda dentro do mesmo segundo em que a interferência foi
captada.
Nathan, por sua parte, confirmou a avaliação inicial da Luna-Orb III, ampliando-a e
informando que “ele” verificara que o transmissor de matéria em questão encontrava-se,
pelo menos, a algumas centenas de anos-luz fora do Sistema Solar — e que o receptor,
entretanto, estava na Terra.
Dois segundos depois do ocorrido, o homem responsável pela Contra-Espionagem
Galáctica fora informado, e dois segundos mais tarde, o próprio Allan D. Mercant sabia
do acontecido.
O chefe do Serviço de Contra-Espionagem do Império mandou examinar todos os
dados positronicamente, mandando inclusive testar o rastreamento energético de Luna-
Orb III. Depois que ele sabia com cem por cento de certeza que, em nenhuma parte, se
insinuara um erro, comunicou o fato ao Administrador-Geral, Perry Rhodan.
Perry Rhodan desligou o telecomunicador e voltou-se para Reginald Bell.
— Com isso, temos a prova de nossa suposição. Agora já sabemos que os senhores
da galáxia têm uma base de apoio na Terra, onde têm agentes estacionados — ele sorriu,
amargo. — Aliás, não era de se esperar algo diferente, não é mesmo?
— Não! — retrucou Bell. — Realmente não podíamos esperar outra coisa. Os
tefrodenses, afinal de contas, são nossos antepassados diretos, o que facilita a análise de
sua psique. E os senhores da galáxia não costumam deixar coisas pela metade — ele
franziu a testa, sacudindo a cabeça, refletindo.
— Mas, ainda não temos qualquer noção em que escaninho desta Terra eles estão
escondendo os seus agentes, Perry
— ele riu secamente. — Isso parece inacreditável, não? Um planeta que é tão
civilizado como nossa boa velha Terra, na qual não há um só metro quadrado de terreno
desconhecido — e mesmo assim existe no mesmo uma base de apoio inimiga, com
estação transmissora, multiduplicador e sabe-se lá o que mais.
— Ou sobre a Terra — ou por baixo dela... — Rhodan disse, lentamente. — Ou...
hum!
— Como disse? — perguntou Bell. Rhodan sorriu.
— Ora, nada, gordão. Eu apenas estava pensando em como conhecemos pouco a
nossa Terra.
Ele levantou-se.
— Talvez nós não ficamos no passado o tempo suficiente, Bell...
— Mas eu nem sequer estive por lá...! — quis protestar o Marechal-de-Estado. Mas
um gesto rápido do amigo fê-lo calar-se.
— Ora, deixemos disso! O que é que você me aconselha? Que medidas deveríamos
tomar, para chegarmos a este ponto de apoio de agentes inimigos?
Reginald Bell sorriu.
— Se eu não conhecesse você muito bem, certamente tomaria a sua pergunta como
um simples gesto de amizade. Talvez, você esteja apenas querendo verificar o meu
aparelho pensante sobre a sua prontidão de funcionamento?
— Exatamente! — retrucou Rhodan, com cinismo. — Portanto, agite o seu espírito.
Por que, nos anais da História, somente o meu nome sempre deveria ser mencionado?
Bell riu, em silêncio, quase para si mesmo.
— Está bem, Perry. Você quer ouvir minha opinião. Só que depois não quero que
você se queixe de que a mesma não combina com a sua. Eu sou de opinião que não
devíamos fazer absolutamente nada. Sobretudo, não devemos deixar que o nosso inimigo
invisível fique sabendo que conseguimos captar a sua ligação por transmissor. Só então
podemos ter a esperança de apanhar o inimigo, quando ele cometer alguma imprudência,
e assim ficaremos sabendo onde se encontra esta base de apoio.
Perry Rhodan anuiu.
— Excelente. Entrementes, você e Mercant poderiam organizar uma tropa para
entrar em ação, que possa intervir a qualquer momento. Você certamente está entendendo
o que quero dizer com isso?
Bell anuiu, sério.
— Você pode confiar em mim. Logo que conhecermos o caminho da toca do leão,
nós atacaremos. Eu só gostaria que você abandonasse, pelo menos desta vez, as suas
considerações morais, dando-me carta branca para agir. Deste modo, eu providenciaria
para que nenhum desses agentes nos escapasse.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Isso seria assassinato, gordão. Com isso não quero dizer que nós, só por
consideração a preceitos morais, podemos deixar que o sucesso do empreendimento
possa ser questionado, mas também nossos inimigos são gente, e nunca se deve tirar a
vida de um ser humano, sem uma razão que nos force a isso.
O rosto de Bell tingiu-se de vermelho. Aquele homem enorme, temperamental, deu
um passo na direção do amigo, pegando-o, com ambas as mãos, pelas lapelas do
uniforme.
— Ora, ora, ora! — disse alguém, vindo da porta.
Reginald Bell soltou Rhodan e virou-se. Respirou aliviado, quando reconheceu o
Lorde-Almirante Atlan. Seria desagradável para Bell se algum outro homem tivesse visto
esse seu chegar “às vias de fato”. Pois, apesar disso ter sido uma coisa entre camaradas,
gente de fora poderia duvidar de sua razão. Somente pouca gente sabia o quanto ele e
Perry, na realidade, eram amigos, quase irmãos.
Atlan esperou até que a porta fechou-se atrás dele, sem fazer ruído, depois ameaçou,
brincando, com o dedo.
— O senhor está minando a autoridade do senhor Administrador-Geral, senhor
Marechal-de-Estado...!
— Não faço porcaria nenhuma! — resmungou Bell. — Eu apenas estava querendo
tentar conseguir aquilo que o senhor não conseguiu nestes últimos séculos: Acabar com o
sentimentalismo de um amigo. Sabe o que ele está pedindo de mim? Que eu devo poupar
os agentes dos senhores da galáxia, apesar deles já terem tentado assassiná-lo. O senhor
mesmo estava presente, quando, no Solar-Hall, atiraram nele, não é?
O lorde-almirante suspirou, resignado.
— Receio que jamais vamos conseguir arrancar dele as suas opiniões sobre sua
sacrossanta ética, ainda que vivamos dez milhões de anos!
— Vocês terminaram? — perguntou Rhodan, sarcástico. — Nesse caso, sentem-se e
ouçam-me bem. Eu estive pensando sobre as últimas ações dos senhores da galáxia, e
gostaria de sugerir o seguinte, como um contra-ataque de nossa parte...
***
Jean-Pierre Marat olhava, fascinado, os olhos estranhamente imóveis, brilhantes
como metal polido, de um opistoproctus soleatus. Aquele habitante do mar profundo,
praticamente trapezóide, movimentava preguiçosamente a bocarra e abanava as
barbatanas. Alguns outros exemplares de sua espécie nadaram bem para perto também.
Mas no instante seguinte haviam sumido, como um pesadelo ao acordar. Em seu lugar,
um peixe-víbora lançava sua luz azulada. Quando ele abriu a bocarra, apareceram duas
fileiras de dentes afiados como agulhas.
— Horrível! — alguém disse junto ao ouvido direito de Marat.
O detetive virou-se e sorriu para a garota, sua vizinha de mesa, procurando
tranqüilizá-la.
— As aparências enganam, Miss O’Neill. Este peixe-víbora, por exemplo, tem
apenas trinta centímetros de comprimento, enquanto o opistoproctus soleatus nem chega
a ter, em média, mais de cinco centímetros.
Miss O’Neill transformou sua carinha linda numa careta.
— Mas o peixe-víbora toma quase toda a parede do nicho...!
Marat anuiu, sério.
— Certamente, assim parece. Mas, devo confessar-lhe que, ainda há pouco, eu
liguei o campo de lupa — para aumentar a imagem.
Ele colocou a mão embaixo da mesa.
O quadro mudou sem transição.
Miss Sarah O’Neill curvou-se bastante para a frente, olhando o nicho da forte
parede de plastiblindagem. Somente depois de alguns segundos ela conseguiu reencontrar
o peixe-víbora, em meio aos restantes peixes coloridos e luminosos.
— Ó! — disse ela, espantada. — Realmente fantástico, Mister Marat!
Marat sorriu, confirmando, e erguendo o seu copo.
— A saúde das fantásticas possibilidades de nossa técnica — e aos produtos ainda
mais fantásticos da natureza, Miss O’Neill!
Ela enrubesceu sob o seu olhar, e compensou o seu embaraço, batendo as pálpebras,
coquete.
Jean-Pierre Marat tomou o vinho, saboreando-o. Era vinho importado das videiras
que cresciam nas encostas das montanhas do planeta Ferrol, de Vega, e era possível sentir
o sol azul de Vega, sob o qual as uvas haviam amadurecido.
Ele ofereceu um cigarro a Miss O’Neill, e olhou-a, furtivamente.
Miss O’Neill havia chegado somente ontem, com o Geraldine, ao Sanatório de
Guam. Marat, que tomara a si a tarefa de investigar todos os pacientes e empregados do
sanatório, imediatamente tivera sua atenção despertada para esta mulher esguia, nem
muito alta, nem baixa, com carinha de boneca e olhos que denunciavam inteligência. Sua
suposição tivera confirmação, quando ele dirigiu-se a um médico-assistente: a Professora
Dra. Sarah O’Neill era a nova médica-chefe do Centro de Reabilitação de Feridos
Cerebrais, depois que a atual chefe do centro não tinha demonstrado interesse em
continuar, após o término do seu contrato.
Uma pessoa tão importante naturalmente tinha que ser investigada, antes de mais
nada, por ser nova no sanatório. Uma oportunidade para travar conhecimento com Miss
O’ Neill surgirá bem mais rapidamente do que Marat ousara esperar. Ela surgira, logo na
primeira noite, no salão de mapas, no qual Marat e seu sócio se informavam a respeito
dos arredores próximos e afastados do sanatório. A aparência inusitada de McKay
despertara o interesse dela. Depois que McKay, entretanto, tivera que reconhecer que o
interesse da médica nele era do tipo, por exemplo, que uma psicoanalista tinha por
alguém de crescimento anormal, ele deixara, de livre e espontânea vontade, o campo livre
para o seu amigo.
Marat e Miss O’Neill rapidamente haviam se tornado mutuamente cordiais —
tinham engrenado — como se costuma dizer. Mesmo assim, mantinham, ambos, um certo
distanciamento. De qualquer modo, constatou Marat, eles estavam sentados, já na
segunda noite após se conhecerem, num nicho de parede, pouco iluminado, de um bar e
brindavam com aquele vinho cor de rubi, de Ferrol.
— Qual é, se posso perguntar, sua profissão, Mister Marat?
Marat teve dificuldade de não demonstrar um estremecimento. A voz da médica
parecia inofensiva, e a sua pergunta feita por simples curiosidade — mas, ainda assim,
havia alguma coisa naquela voz que o inquietava, instintivamente.
Mesmo assim conseguiu abrir-se num largo sorriso.
— Sou conselheiro industrial, Miss O’Neill — isso nem sequer era uma mentira,
pensava ele. A sua agência realmente se ocupava com o acontecimento se grandes firmas,
que, sem a sua ajuda, não tinham possibilidade de investigar novos associados de
negócios, quanto à sua liquidez. Em meio àquilo, também havia, naturalmente, encargos
muito delicados, mas normalmente Marat declinava de aceitar esclarecer casos
claramente criminais. Para isso, em sua opinião, havia a polícia. Puro acaso o tinha
levado, em Ojun, à pista de uma organização que derramava dinheiro falso. E também
por acaso, ele e McKay haviam sido encarregados por Perry Rhodan a dar proteção ao
Ministro das Finanças do Império. Naturalmente Marat podia ter recusado este serviço.
Mas, afinal de contas, ele não trabalhava apenas pelo dinheiro...
— E o que é que o traz ao Sanatório de Guam? — Miss O’Neill pigarreou. — Aliás,
o senhor pode chamar-me simplesmente de Sarah, Jean-Pierre.
Marat sorriu, disfarçadamente. Ele esperara pela pergunta. Naturalmente a médica
devia estar surpresa, já que ele se encontrava no sanatório, sem estar em tratamento. Mas
que ela já viesse com esta pergunta agora, demonstrava claramente que já se informara
sobre ele.
— Muito obrigado, Sarah. Bem... meus amigos não me chamam de Jean-Pierre — o
nome é um pouco grande demais — eles me chamam... de... Jaguar!
Ele viu, secretamente divertido, como ela estremeceu. Sob o apelido de “Jaguar”
ele era conhecido somente em determinados círculos, que já tinham tido algum problema
mais sério com ele. Pareceu-lhe bastante elucidativo que Sarah conhecesse esse nome.
Mas ele nada demonstrou.
— Okay, Jaguar! — disse Sarah, com um sorriso que parecia forçado. — O nome
parece-me um tanto bárbaro, mas eu acho que ele lhe assenta muito bem!
— Aha! — fez Marat. — Quer dizer que eu sou um bárbaro!
Sarah riu.
— Não, não! Não foi isso que eu quis dizer. Eu quis dizer que o nome “Jaguar”, em
relação ao senhor, tem uma conotação inteiramente diferente. O senhor é um gentleman
da cabeça aos pés...
— Também um jaguar é um belo animal! — sorriu Marat, manhoso.
Sarah O’Neill sentiu um calafrio. Os seus olhos se obscureceram. Ela curvou-se por
cima da mesa, e murmurou:
— Quando é que o jaguar agarra a sua caça...? Marat olhou-a com as pálpebras
semicerradas. Depois ele ergueu o copo e bebeu à sua saúde.
Respirando fundo, Sarah recostou-se na sua cadeira. Do salão na cúpula vinha o
som de ritmos acelerados. Numa das telas de observação podia ver-se o conjunto musical,
de seis homens, e diante deles, A’rhay’ha, a bailarina de strip-tease das Plêiades.
Perdido em seus pensamentos, Marat acendeu outro cigarro. De repente sentiu
necessidade de fechar os olhos, e deixar que aquela música lhe penetrasse no cérebro, e
relaxar totalmente...
Um grito estridente, de muitas gargantas, arrancou-o repentinamente daquele estado
de semitorpor, brutal e dolorosamente.
Com os olhos muito abertos ele viu A’rhay’ha cair sobre o tablado de danças, de
vidro. As mãos de bailarina moviam-se, espasmodicamente, de um lado para o outro.
Depois ela curvou o corpo violentamente — e não se mexeu mais.
Marat ficou estarrecido, mas somente por um fragmento de segundo. Depois
ergueu-se de um salto e saiu correndo pela rampa antigravitacional, em forma de espiral,
abaixo.
***
Com os cotovelos, Marat abriu caminho através do círculo de gente assustada e
curiosa, que rodeava a pista de danças.
Ele curvou-se por cima da bailarina de strip-tease, olhou nos seus olhos apagados,
viu o fino fio de saliva que lhe saía do canto esquerdo da boca, escorrendo pelo queixo
redondo.
E então ele descobriu aquele pontinho minúsculo, vermelho, no pescoço.
Tirou a sua jaqueta e cobriu a parte superior do corpo da bailarina. Quando ergueu-
se novamente, sentiu alguém agarrá-lo, brutalmente, no braço direito, e ouviu uma voz,
raivosa, dizer:
— O que é que o senhor perdeu aqui? Por favor, dê o fora daí!
Marat levantou-se inteiramente e olhou calmamente no rosto daquele homem.
Depois segurou o pulso deste, como quem não quer nada.
O homem repuxou a boca num gemido de dor, e soltou-lhe o braço imediatamente.
Marat limpou, de passagem, o seu braço.
— Não gosto que me agarrem desse jeito. Quem é o senhor?
O outro já se controlara novamente. Os seus olhos faiscavam, ameaçadores, mas ele
não ousou aproximar-se novamente de Marat.
— Isto é uma coisa que eu devia perguntar-lhe, mister. Eu sou o detetive da casa, e
mais uma vez exijo-lhe que...
Mas ele emudeceu quando Marat o olhou, novamente, de modo penetrante.
— Muito bem, então o senhor é o detetive da casa. Neste caso, por favor, trate de
arranjar para que Miss A’rhay’ha seja levada a um ambulatório e chame um toxicólogo!
— O que aconteceu? — trovejou a voz de um homem de guarda-pó branco, que
surgiu, trazendo uma maça antigravitacional, acompanhado de dois assistentes.
Marat tomou o médico de lado e explicou-lhe o que ele devia saber no momento. O
médico anuiu e verificou que as informações de Marat estavam corretas, e que a bailarina
realmente estava morta. Depois ele ordenou a remoção do cadáver, e pediu ao detetive da
casa que tratasse de acalmar as pessoas que estavam por ali, inquietas.
Antes de seguir os atendentes, Marat olhou em volta do salão. Ele presumiu que
A’rhay’ha tinha morrido atingida por um projétil-agulha venenoso. O tiro devia ter sido
disparado de frente, e o assassino, portanto, devia estar colocado próximo da entrada, ou
então se conservara escondido num dos dois nichos da parede, que lhe ficavam por cima.
Naturalmente seria uma tolice querer encontrá-lo agora. O crime ocorrera numa
hora em que o bar e o salão de danças da cúpula estavam superlotados. O criminoso
fugira imediatamente depois de cometer o crime.
Marat ia dirigir-se à saída, quando Miss O’Neill pôs-se no seu caminho. A
expressão no seu bonito rosto demonstrava um sincero horror pelo que havia visto, e
Marat acreditou nela.
— O que há com ela? — perguntou.
— Morta! — retrucou Marat, fazendo questão de não demonstrar sua emoção. —
Alguém a matou com uma pistola de agulha envenenada. Como parte do pessoal médico,
certamente nada dirá sobre isso — acrescentou ele, sorrindo-lhe.
— Naturalmente, Jaguar. Mas por que A’rhay’ha foi assassinada? Que sentido terá
isso?
Ele encolheu os ombros.
Ele mesmo já se fizera esta mesma pergunta. Quem quer que fosse que tivesse
assassinado a bailarina, tinha agido de modo pouco inteligente, pelo menos para
determinados círculos. Agora, não só a polícia logo apareceria no Sanatório de Guam,
mas, além disso, a Contra-Espionagem Galática.
Pois A’rhay’ha fora uma agente da organização de Mercant...
— Eu agora vou voltar para o meu quarto — disse ele. — Já não tenho mais a
menor vontade de continuar tomando vinho de Ferrol.
Sarah anuiu com a cabeça.
— O senhor poderia fazer-me a gentileza de levar-me, antes disso, ao meu
apartamento, Jaguar? Eu tenho um medo horrível de andar sozinha por esses muitos
corredores vazios.
Este era um pedido que ele, como gentleman, dificilmente poderia recusar. Por
dentro, ele a amaldiçoou, porque não lhe deixara nenhuma escapatória.
— É claro, Sarah.
Ele ofereceu-lhe o braço, e eles deixaram a cúpula. Ela continuou falando
ininterruptamente, procurando descobrir dele, o que mais ele ainda sabia sobre a morte da
bailarina. Mas Marat não estava disposto a conversar. Além disso, não gostava do
assunto. E fez perguntas cautelosas sobre a profissão de Sarah. Porém, com isso, ela logo
tornou-se monossilábica.
Diante da porta do seu apartamento, ela sorriu-lhe, convidativamente.
— Eu ainda tenho uma garrafa de um maravilhoso scotch envelhecido. Não gostaria
de tomar um copinho comigo, Jaguar?
Ele sacudiu a cabeça.
— Sinto muito, Sarah. De uma outra vez, com muito gosto, mas esta noite eu só
quero uma coisa: cair na cama e dormir.
De repente ela estava apertada contra o seu peito. Suavemente Marat afastou-a de si,
tocou carinhosamente no seu rosto e murmurou:
— Se quiser, podemos encontrar-nos, amanhã de noite, no Twilight Bar. Ali
existem maravilhosas esferas antigravitacionais, com as quais se pode fazer viagens
através dos mais escuros desfiladeiros das profundezas — naturalmente tudo não passa de
uma excelente ilusão, mas não existe nada de mais bonito no sanatório.
— Para que, afinal, o senhor está aqui? — perguntou Sarah. — Só para se divertir?
— Adivinhou — retrucou Marat, e saiu andando rapidamente. Ele não queria
permanecer por ali mais tempo. Já era hora de falar com McKay. Além disso, ele tinha
que render o seu colega dentro de uma hora. Adams não podia ficar sem vigilância nem
por um segundo sequer.
Ele encontrou o Ministro das Finanças do Império no grande solário, sob o teto da
cúpula principal. Adams estava deitado ao comprido, num leito anatômico, deixando-se
bronzear pelo sol artificial.
Marat olhou em volta, como procurando alguém. De McKay nem sinal. Talvez ele
estivesse vigiando o seu protegido de um nicho que ficava à sombra.
Porém, quando também ali ele não conseguiu descobri-lo, Marat ficou inquieto.
Havia sido combinado que, quem estivesse vigiando, jamais se afastaria do seu posto.
Para casos de emergência, havia os telecomunicadores de pulso, com os quais eles
podiam se entender.
Marat entrou na sombra de um nicho e ligou o telecomunicador na chamada.
Como, porém, McKay ainda não havia dado sinal de si, nem depois de dois
minutos, não podia haver mais nenhuma dúvida de que devia ter acontecido alguma coisa
com ele!
3
O cruzador leve da classe Cidade chamava-se Ascot. O seu comandante era o major
da Patrulha Espacial Terrana, Petrus Anagai.
Petrus Anagai tinha recebido ordens para dirigir-se a um determinado cubo espacial
nas franjas do conglomerado das Plêiades, e ali render o cruzador leve Peking.
O Ascot acelerou imediatamente depois de sua partida da “Base Espacial Kennedy”
em Plutão, com 700 km/s2 e alcançou o cinturão de bloqueio da frota natal terrana, já um
quarto de hora mais tarde. Uma vez que já fora anunciado pelo Comando do Sistema
Solar, ele não precisou parar, mas apenas submeter-se a um rápido controle de espaço
interior, através de foto feita através do hipercomunicador. Meia hora mais tarde, o Ascot
deslizava para dentro do espaço linear e dentro do mesmo, deixou para trás mais ou
menos quinhentos anos-luz, em menos de quinze minutos. Quando o espaço normal
apareceu novamente nas telas, ele desvendou a maravilha deslizante do aglomerado das
Plêiades.
O Comandante Anagai não tinha muito tempo para estas belezas. Estava em contato
permanente e ininterrupto com o rastreamento e a central de rádio de sua nave, bem como
com a avaliação do computador positrônico. Uma quantidade enorme de mostradores
fazia do console de comando e controle, arqueado para dentro, diante de sua poltrona
anatômica, um negócio desconcertante. Sem o censor-robô, um cérebro positrônico de
classificação e decisão, ele não saberia que dados o deviam interessar naquele momento.
Já poucos segundos depois do mergulho de volta ao espaço normal o comandante
do Peking entrou em contato com a nave.
Petrus Anagai pediu que lhe passassem o diário de bordo da Peking pelo
hipercomunicador, transmitindo todos os dados recebidos ao grupo de estratégia e tática
positrônica. Que os “cabeças de ovo” se virassem com aquilo, e depois lhe passassem um
plano para como o Ascot deveria proceder dali em diante.
Ele sorriu, depreciativamente, quando o plano, depois de dois minutos, lhe foi
passado. Como o Peking não tinha feito nenhuma observação fora do comum,
simplesmente foi inserida a lâmina-padrão trazida da base de Plutão, no piloto-robô.
Todo o resto podia ficar, tranqüilamente, por conta do rastreamento dirigido
positronicamente.
O Major Anagai estava convencido de que tinha uma semana tranqüila diante de si.
Porém Schiller já dizia que com os poderes do destino não se podia tecer uma união
eterna. Petrus Anagai, que adorava Schiller, porque acreditava ter descoberto nele uma
alma irmã, teve que pensar nisso, quando a observação automática, já no final da primeira
hora, deu alerta de rastreamento.
Anagai levou a mão à boca, e colocou o seu chiclete, com um gesto rápido, debaixo
do console de comando.
— Avaliação, por favor! — ordenou ele.
Quase no mesmo instante, o transmissor de notícias cuspiu a lâmina original do
computador positrônico de bordo. Anagai enfiou-a no decodificador e olhou, com pouco
interesse, enquanto este mostrava, na tela de imagem, por escrito e em projeção em
terceira dimensão o resultado da análise.
Ao mesmo tempo, uma voz estridente de autômato fazia o seu comentário.
O hiper-rastreador tinha captado uma nave espacial dos saltadores, que saíra do
espaço linear a uma distância de apenas três minutos-luz. Tratava-se, como não era de se
esperar diferente dos saltadores, de um cargueiro espacial. Era evidente que o destino da
nave saltadora, calculado do ponto em que se encontrava atualmente, ficava nas franjas
do aglomerado das Plêiades, para o sul.
O Major Anagai deu ordens para uma aproximação ultra-rápida da nave saltadora,
até meio minuto-luz e exigiu que o comandante estranho parasse a sua nave.
Logo depois, aquela nave em forma cilíndrica aparecia na ampliação setorial da tela
de imagem frontal. Anagai leu as medições: trezentos metros de comprimento, cem
metros de diâmetro. Estas, para características de naves saltadores, já eram medidas
bastante passáveis.
— Dê-me uma ligação direta! — ordenou ele ao seu rádio-operador chefe. — Eu
quero falar pessoalmente com o saltador.
Quando aquele rosto largo, de barba vermelha, surgiu na tela de imagem, Petrus
Anagai respirou fundo e disse:
— Aqui fala o comandante do cruzador leve Ascot, Império Solar. Por favor ajuste
a sua rota à nossa, e se identifique. Trata-se de uma vistoria, de acordo com o parágrafo
setecentos e quarenta e três, da lei sobre o exercício do Direito de Soberania, nas áreas do
Império.
O saltadora riu, numa gargalhada enorme. Como isso, para os saltadores, era uma
reação normal, típica, quanto à raiva sobre o tipo de vistoria que fora anunciada, Anagai
não desconfiou de que o mercador galáctico quisesse escapar do controle.
Somente quando o campo energético de proteção ativado da Ascot se iluminou
numa chama violenta, sob o ataque de uma salva de pesados canhões energéticos, Petrus
Anagai deu-se conta de que desta vez, as coisas não se passariam com facilidade.
Só que um cruzador leve, da classe Cidade, em primeira linha era uma nave de
patrulha e reconhecimento, e não uma nave de combate. Por isso, o seu campo energético
de proteção era fraco, assim como as suas armas. O Ascot não dispunha sequer de um
canhão conversor, uma vez que a velha nave, de qualquer modo, no decorrer do próximo
ano de serviço, deveria ser levada à sucata.
De qualquer modo, o Ascot possuía uma computação positrônica muito capaz,
como também uma tripulação treinada para ações rápidas, de cento e cinqüenta homens.
Isto, em conjunto, o tornava superior a qualquer cargueiro saltadora.
Os conversores, no interior da nave, trovejaram ensurdecedoramente, quando foram
colocados numa taxa máxima de energia. Com um salto literal, o Ascot foi atirado atrás
da nave saltadora, que, entrementes, acelerava também ao máximo de sua capacidade.
Petrus Anagai sorriu, com raiva. O comandante saltador devia saber melhor das
coisas. Que ele, mesmo assim, ousava uma tentativa de fuga, dava a entender claramente
que ele devia estar com a consciência suja.
Dentro de um quarto de minuto, o Ascot ultrapassou o cargueiro, fez-lhe frente,
colocando-se diretamente diante de sua proa. O saltador atirou com todas as armas
disponíveis. De vez em quando a célula esférica do cruzador leve era silenciada, com o
impacto forte dos raios energéticos recebidos.
E então, o Ascot revidou o fogo. Oito canhões médios energéticos reuniram os seus
raios de metro de grossura num determinado ponto do campo energético da nave inimiga.
Com uma descarga com a força da luz o campo energético do saltador ruiu.
— Cessar fogo! — gritou Anagai.
Sua ordem significou, para a tripulação do cargueiro, a salvação no último instante.
A parte de propulsão da nave cilíndrica já estava queimando, soltando chispas, e algumas
peças destacavam-se do costado.
O Major Anagai apertou numa tecla do intercomunicador.
— Comando de abordagem...?
— Comando de abordagem pronto para entrar em ação! — veio a resposta pelo
alto-falante gradeado.
— Decorrer da operação de conformidade com o plano positrônico! — ordenou
Anagai.
Ele mesmo retirou os seus noventa quilos de peso da poltrona do comandante e
passou o comando da Ascot ao seu primeiro oficial.
Um minuto mais tarde o campo energético do cruzador tocou o costado da nave
saltadora. Um chispar de descargas passou de um lado para o outro. O Major Petrus
Anagai ficou observando o que acontecia na grande tela de imagem da observação
externa, na eclusa de entrada. Ele riu, duro, quando o campo energético da nave
saltadora, novamente erguido, acabou apagando-se definitivamente. Imediatamente o
campo energético terrano foi desligado, para que novos danos fossem evitados — e para
que o comando de abordagem não fosse impedido de exercer o seu dever.
O Major Anagai não pensou em correr um risco. Cargas térmicas correram
rapidamente, em segundos, através do costado da nave saltadora, conseguindo, desse
modo, uma entrada, na qual, com certeza, não havia saltadores postados.
Na frente do seu comando o afro-terrano alto penetrou no cargueiro. Certo do que
fazia, dirigiu-se rapidamente para a sala de comando. Pouco antes disso, seis saltadores
tentaram barrar a passagem dos soldados terranos. Receberam uma carga de choque.
Depois, Petrus Anagai achou-se na sala de comando diante do comandante do
cargueiro. Ele golpeou tão depressa que os olhos do saltador só se deram conta do
movimento quando já era tarde demais. A sua mão espalmada bateu na cara barbada do
comandante. Este cambaleou para trás. Pela fração de um segundo ele fixou o major,
cheio de ódio, depois atirou-se para a frente.
Anagai bateu-lhe com o cano de sua arma de choque no rosto. Os seus homens,
entrementes, dominavam o restante da tripulação da sala de comando, colocando-os
contra a parede.
O saltador foi para o chão.
— Muito bem, meu rapaz! — resmungou Anagai, cheio de raiva. — E agora você
vai ficar sabendo o que significa atirar com canhões energéticos, dentro de uma área de
soberania terrana, num cruzador de patrulha. Aparentemente você nem imagina que eu
tinha o direito de transformar essa sua canoa numa nuvem de gás!
Levou mais de uma hora até que o comando de abordagem tivesse revistado os
depósitos de carga da nave saltadora. Durante o mesmo tempo o psicólogo a bordo do
Ascot entregou ao Major Anagai um relatório extenso sobre os resultados do
interrogatório ao qual fora submetido o comandante da nave saltadora.
Os dois resultados levaram o major a passar um hipercomunicado ao Comando
Geral da Frota do Império, bem como ao Quartel-General da Patrulha Espacial.
***
— Interessante! — disse Perry Rhodan, e devolveu o hipergrama ao Marechal Solar
Julian Tifflor.
— O que há de novo? — perguntou Atlan, que está agora ficara conversando com
Lemy Danger, sobre a missão planejada.
— Um cruzador de vigilância dos nossos rastreou uma nave cargueira dos
saltadores, nas franjas do aglomerado das Plêiades. O comandante opôs resistência, e
depois de ter sido dominado, foi submetido a um hipno-interrogatório. Ficou constatado
que os conhecimentos de carga, em parte, eram falsificados. A carga encontrada não
consiste absolutamente apenas de módulos de uma fábrica de robôs, mas, em sua maior
parte, de peças não identificadas, que, de conformidade com os exames verificados, não
são de manufatura nem terrana nem arcônida, nem de qualquer outra raça conhecida.
Atlan chegou a assobiar para dentro.
— E para onde ia essa carga tão estranha, Perry? Rhodan leu mais uma vez o
comunicado correspondente, como se, da primeira vez, não o tivesse entendido muito
bem. Depois disse, pensativo:
— Ao terceiro planeta da estrela de Jago, no setor das Plêiades. Curioso! Ali só
existem mundos primitivos — selvas impenetráveis — além de um campo de pouso
primitivo, que consiste apenas de um ponto queimado dentro da selva, além de uma
estação de rádio...
— Eu mandaria examinar a carga da nave saltadora por especialistas, sir —
interveio Tifflor.
Rhodan anuiu.
— Mais tarde, Tiff, mais tarde! Agora, antes de mais nada, vamos ver como tornar
possível a nossa “Operação Pássaro-Negro”, o quanto antes possível. O tempo trabalha
para o adversário.
Depois de duas horas e meia, o plano para a “Operação Pássaro-Negro” estava
pronto, até o menor detalhe. Dentro de três segundos ele foi enviado de Terrânia para o
cérebro positrônico na Lua terrana, examinado e enviado de volta. Perry Rhodan
entregou-o ao estado-maior de ação da Contra-Espionagem Galáctica para programação e
permanente controle ativo. A partir desse segundo, as notícias chegadas do Sanatório de
Guam precisavam apenas ser passadas ao computador positrônico, que imediatamente
reagiria a estes comunicados, e entre milhares de medidas possíveis escolheria aquelas
que prometiam um maior sucesso.
Meia hora mais tarde, Atlan pousou novamente no espaçoporto da ilha de Guam nas
Marianas. Com ele ia a maioria dos mutantes da corporação — inclusive Gucky, Lemy
Danger e cem homens da Divisão de Guarda “Tigre Azul”. Estes, entretanto, ficaram para
trás, na base da Marinha, em Guam. Por eles esperava uma tarefa muito especial.
Um submarino de combate levou o chefe da USO e os mutantes para baixo, para o
Sanatório de Guam. Porém somente Atlan e Tako Kakuta desembarcaram. O teleportador
japonês fora “transformado”, por um especialista da Contra-Espionagem, num rico
homem de negócios japonês. Atlan não acreditava que alguém descobrisse o disfarce de
Tako. Até mesmo ele ainda tinha dificuldade de distinguir um japonês de outro.
Imediatamente após colocarem os pés no sanatório, Atlan e Kakuta se separaram. O
japonês dirigiu-se ao apartamento que fora reservado para ele, enquanto o lorde-almirante
tomou lugar a uma mesa do Restaurante China.
Não demorou muito e entrou Roger McKay. Ele passou lentamente por entre a fila
de mesas, como se estivesse procurando um lugar melhor. De repente ele parou, e
levantou a mão.
— O senhor, sir? — gritou ele, com bem representada surpresa. — Mas que
surpresa! Eu pensei que o senhor já tinha “subido” novamente há muito tempo!
O arcônida convidou o detetive, com um gesto da mão, a sentar-se à sua mesa. Ele
esperava que alguém, do lado contrário, utilizasse um microfone direcional para escutar a
conversa deles, logo que tivesse chamado sua atenção.
— Como vê, eu ainda não viajei de volta, McKay. Eu aproveitei a oportunidade
para fazer um tratamento profilático. E o senhor? Que mais o senhor andou fazendo?
McKay sorriu, maroto.
— Comer, beber... e dormir, sir.
Deste modo seguiu a conversa por mais dez minutos. E então apareceu Homer G.
Adams. Atlan perguntou-se se o Ministro das Finanças realmente procurava o
Restaurante China apenas por acaso, conforme fazia parecer, ou se aquele espetáculo
planejado o havia atraído. Naturalmente, o seu rosto não estampava nada disso.
— Olá, Adams! — chamou ele, com uma alegria fingida com convicção. — Junte-
se a nós!
Homer G. Adams voltou-se. No seu rosto espelhou-se a sua alegria por revê-los,
que parecia tão genuína que Atlan chegou a duvidar novamente de sua teoria.
— Fico contente em ainda encontrá-lo aqui embaixo, sir — disse Adams e sentou-
se. — Devagar a coisa está me aborrecendo. É sempre o mesmo trote: tratamento, comer,
dormir, relaxar — e novamente tratamento. Por isso, fica-se agradecido por qualquer
distração.
Atlan fingiu confiança.
— O primeiro sinal da convalescença, Adams. Eu acho que o senhor logo estará
novamente com sua saúde. O Administrador-Geral ficará contente quando eu o informar
sobre isso.
— Ó! — disse Adams. — O senhor não está querendo nos deixar ainda hoje
mesmo?
“Agora você se traiu, duplo!” — passou na mente de Atlan. “Quer dizer que você
gostaria de se livrar de mim! Pois isso não é difícil.”
— Eu realmente sinto muitíssimo — retrucou ele, aborrecido. — Mas o senhor sabe
o que se passa no Império. Eu ainda terei que voltar esta noite para Terrânia, e dali talvez
para Quinto-Center — rindo ele bateu com a mão espalmada no ombro do falso Ministro
das Finanças. — Continue se aborrecendo aqui, meu caro Adams! Assim poderá retomar
o seu trabalho daqui a pouco tempo.
Adams anuiu. Por alguns segundos ele parecia estar com seus pensamentos em
outro lugar, mas depois logo se controlou novamente.
— O senhor tem razão, sir. O dever nos chama a todos, a uns antes, a outros mais
tarde. Talvez amanhã ou depois de amanhã eu também já estarei no ponto em que o
médico-chefe possa dar-me alta. De qualquer modo, vou esforçar-me muito por isso.
Ele riu e apertou numa tecla embaixo da mesa. Um robô-servente apareceu e anotou
o pedido. Adams comeu pouco. Ele nunca fora um glutão. Também o lorde-almirante
controlava o seu apetite. Somente Roger McKay pediu mais de três pratos. Ele comeu
praticamente todo o cardápio, de cima até embaixo, e novamente para cima até o meio, de
modo que quase todos os outros hóspedes tiveram sua atenção chamada para ele, e Atlan
sentiu-se embaraçado por ter que ficar sentado junto de um homem como este.
Ainda antes de McKay haver terminado, Adams levantou-se. Ele olhou o seu
relógio.
— Sinto muito, mas agora devo voltar ao meu tratamento. Mister Marat já deve
estar esperando, impacientemente, diante da porta. Ele estava sem apetite —
provavelmente algum problema estomacal — e por isso não quis entrar, depois que ele
descobriu o senhor, Mister McKay — ele riu baixinho. — Aliás, eu acho que logo vou
poder prescindir de meus protetores...
A última observação, achou Atlan, fora dita, conscientemente, com duplo sentido.
Aparentemente o duplo de Adams era dessas pessoas que se vangloriavam com o seu
descaramento.
— Eu entendo como o senhor se sente — disse Atlan. — Espero que Marat e
McKay não precisem mais permanecer guardando-o por muito tempo. Caso o senhor,
agora, for para o seu tratamento normal de oito horas, Adams, eu gostaria de me despedir
do senhor aqui mesmo, pois dentro de seis horas sai o meu barco. Eu lhe desejo melhoras
— e um breve reencontro!...
***
Jean-Pierre Marat teve dificuldade de não demonstrar sua inquietação. Homer G.
Adams não tomava a iniciativa de convidá-lo para uma segunda viagem no submarino-
esporte. Entretanto era certo que, da primeira vez, ele regressara, sem ter terminado o que
pretendera fazer.
Será que o falso Ministro das Finanças estaria querendo sair sozinho?
Em pensamento Marat sacudiu a cabeça.
Adams jamais ousaria isto. Ele conhecia a parte oficial da missão de Marat e sabia
que o detetive usaria de todos os meios técnicos do Sanatório de Guam, para procurá-lo
caso ele sumisse repentinamente.
Ou ele teria modificado sua opinião?
— Pensando, amigo? — disse Homer G. Adams, num tom condoído. — Está
sofrendo de depressão?
Marat sacudiu a cabeça e suspirou, de modo que esperou parecer suficientemente
genuíno para convencer o chefe da GCC, escaldado como ele era.
— Estou irritado comigo mesmo, sir. A pane com o Lamprotoxus não poderia ter
acontecido. Quando me lembro de todas as coisas que poderiam ter-lhe acontecido ainda
agora sinto um frio na espinha.
Adams sorriu, ligeiramente.
— Mas não aconteceu nada, Marat. E isto, naturalmente, é o que importa. Aliás, é
verdade o que eu ouvi falar sobre vocês, apaixonados pelo caça submarina? Vocês não se
dão por vencidos, até finalmente pegar o peixe em questão...?
“Ah!”, pensou Marat. “Finalmente!”
— Hum! — resmungou ele.
— Bem... — disse Adams, lentamente — então dê um jeito para conseguir que
tenha este monstro marinho diante do seu arpão, antes que um outro venha e o mate no
seu lugar!
Jean-Pierre Marat fez uma cara como se não estivesse entendendo nada.
— Mas isso não é possível, sir! Eu tenho uma missão e também não posso pedir de
meu sócio, assim, sem mais nem menos, que ele sacrifique o seu tempo livre, só para que
eu possa ir à caça submarina.
— E para que, afinal? — perguntou Adams. — Eu vou alugar o barco, e nós dois
saímos para a pescaria.
Marat sacudiu a cabeça novamente.
— Eu não posso assumir essa responsabilidade, sir. O senhor sabe que eu tenho que
abandonar o barco, para caçar o Lamprotoxus de forma convencional. E eu não gostaria
de deixá-lo para trás novamente, sozinho. Isso nem sempre pode dar certo.
O Ministro das Finanças fez de conta que estava refletindo tensamente.
— Sabe de uma coisa? — perguntou ele depois de alguns minutos. — O senhor me
explica o controle manual da manobragem mais uma vez. Eu sempre fui conhecido por
minha facilidade de aprender as coisas. Desta vez eu aprendo, com toda certeza, como
manobrar o submarino sozinho.
Marat sacudiu a cabeça.
— Se o senhor acha...? — respondeu ele finalmente, mas ainda hesitante.
Adams levantou-se sem maiores comentários. Dirigiu-se diretamente para a porta
do apartamento. No corredor, escolheu o elevador antigravitacional que ia dar no
“convés” inferior.
Dez minutos mais tarde os dois homens estavam de pé diante do guichê de aluguel
de submarinos-esporte. O robô-bilheteiro, correspondentemente programado por Roger
McKay, entregou a Adams a chave para o bunker dos barcos, no qual estava o submarino
com o qual eles haviam saído da primeira vez.
Marat suspirou, aliviado, secretamente. Ele não sabia o que faria se um outro barco
lhes fosse indicado. Para a segurança dos outros pacientes, McKay recebera permissão
para preparar este barco especificamente para os seus fins especiais, e de um modo que o
rastreamento automático não mais sinalizasse barcos de perseguição.
Ele esperava apenas que também com Lemy Danger tudo acontecera sem
incidentes. Atlan, enquanto Adams estava sendo tratado, o informara que o cruzador-
expresso estava a caminho de Quinto-Center, o quartel-general da USO, para ir apanhar o
microssubmarino de Lemy Danger e trazê-lo para a base da Marinha na ilha de Guam.
Diziam que o barco tinha apenas cinqüenta e oito centímetros de comprimento, tendo as
formas externas de um peixe oceânico. O especialista de Siga, há muito tempo atrás, já
usara este submarino-peixe numa missão contra a raça dos blues. E agora ele devia ser
utilizado numa missão secreta contra uma base dos senhores da galáxia, no fundo do
oceano da Terra.
O único ponto fraco desse plano, conforme confessara o chefe da USO, era que o
submarino de Lemy não se parecia a um peixe das profundezas do oceano terrano, e sim
a um animal do fundo do mar do mundo dos blues. Mas Marat tinha esperanças de que
nem Adams nem qualquer dos prováveis agentes inimigos daria atenção a uma
particularidade como essa. Nem mesmo os zoólogos terranos conheciam todos os
habitantes do fundo do mar da Terra.
Somente quando o elegante submarino-esportivo de caça saiu de dentro da eclusa de
pressão, Jean Marat acreditou que Adams estava em vias de entrar na armadilha que lhe
fora armada. Não deixou que o mesmo notasse o que ele estava sentindo, enquanto
colocava o barco na sua rota, que o levaria à última posição conhecida do Lamprotoxus
de quarenta e cinco metros.
***
Depois que Marat entrecruzara a área do “seu” Lamprotoxus de um lado para o
outro, durante três quartos de hora, ele começou a duvidar do êxito de sua ação. Até
agora o bicho não dera as caras, e, no fundo, não havia a menor garantia de que o
Lamprotoxus ainda estivesse nas proximidades.
Como, entretanto, Marat podia provocar o falso chefe da GCC a visitar a
provisoriamente ainda hipotética base de apoio dos senhores da galáxia, se ele, o seu
protetor, a sua “sombra”, não abandonasse o submarino...?
Mas, já no segundo seguinte, Marat deu-se conta de que subestimara a
engenhosidade do seu “protegido”.
De repente ele sentiu o olhar de Adams, fixando a sua pessoa, e observou o brilho
de esperança nos olhos deste. Antes mesmo de poder interpretar aquilo, tudo começou a
girar à sua volta.
Jean-Pierre Marat tirou as mãos do controle manual e tentou segurar-se nos braços
de sua cadeira anatômica. Ele sabia que Adams usara um gás nervino, para pô-lo fora de
combate. Uma vez que o duplo — Marat agora estava totalmente certo de ter, diante de
si, um duplo de Adams — não usava um capacete de pressão, ele certamente respirava
através de um filtro nasal.
Até aí Marat ainda chegou às suas conclusões. Depois, uma noite sem limites o
envolveu.
Quando voltou novamente a si, descobriu, nas telas de imagens da galeria
panorâmica, formações rochosas, bizarras, íngremes. Ele sabia, de repente, para onde ia
aquela viagem. Para uma das antigas cidades em ruínas, submersas, que, de acordo com o
que contara o Administrador-Geral, eram dos tempos da Lemúria — de um passado
distante. Os sedimentos dos últimos cinqüenta mil anos somente haviam tragado prédios
mais baixos e ruínas. Os edifícios gigantescos, porém, haviam permanecido — ou, pelo
menos, o que restava deles, pois a medonha pressão da água, nestas profundezas,
amassara até mesmo as fortes paredes de metalplástico, pulverizando edificações menos
fortes, levando-as a ruírem. Aquilo parecia fantasmagórico — deslizar em meio aos
restos de outrora imponentes torres lemurenses...
Rapidamente Marat fechou os olhos, quando notou que Adams se virava para ele.
O duplo não precisava saber que o seu “prisioneiro” já tinha superado os efeitos do
gás nervino. Adams naturalmente não podia imaginar que o seu ex-protetor fora
aconselhado pelo maior computador positrônico da Contra-Espionagem, mesmo que só
indiretamente — e que Marat, pouco antes de ficar inconsciente, modera uma cápsula
contendo um antídoto.
E Adams não devia saber disso tão rapidamente!
A viagem prosseguiu por cerca de duas horas, através daquele campo imenso de
ruínas. Depois o rastreamento reflexo mostrou, nas telas de imagens, um platô rochoso
dependurado muito acima das ruínas. O submarino continuou a deslizar cada vez mais
profundamente por baixo daquela saliência.
De repente, uma luz forte surgiu como do nada. Marat descobriu a eclusa aberta, na
qual penetrava toda aquela luz no pequeno submarino.
“Só espero que Lemy Danger consiga seguir-nos!”, pensou Marat.
Neste momento o barco entrou na eclusa. As portas fecharam-se com uma lentidão
terrível.
E depois de segundos, que pareceram horas a Marat, o espelho de água baixou
dentro da eclusa. Este processo pareceu tão lógico e necessário a Marat, que ele mal deu-
lhe atenção. Somente quando as bordas inferiores das portas da eclusa saíram do campo
de observação do rastreamento panorâmico, é que ele se surpreendeu.
A distância, que finalmente fora deixada para trás, na vertical, foi calculada pelo
detetive em novecentos metros. O barco estava deitado, um pouco de lado, no fundo de
uma espécie de tanque.
Tenso, Jean-Pierre Marat esperou pelo que iria acontecer.
E não precisou esperar muito tempo.
Um segundo par de portas de eclusa se abriu. Figuras vestidas de preto vieram
correndo, rodeando o submarino de caça.
O duplo Homer G. Adams levantou-se e deu um forte pontapé nas costelas do
detetive, aparentemente ainda inconsciente. Marat contorceu-se. Porém essa reação
provavelmente também seria normal num homem narcotizado, já que ninguém
desconfiou de nada.
Homens em macacões pretos falavam em voz alta na estreita central do barco, que
parecia-se bastante com a sala de comando de uma espaçonave mirim. O falso Adams foi
efusivamente cumprimentado. Marat conseguia entender todas as palavras, porque os
estranhos usavam o tefroda, e ele já aprendera esse idioma de Andrômeda, há meio ano
atrás, quando ainda nem imaginava onde estaria hoje.
Os homens vestidos de preto, portanto, eram tefrodenses. Aliás, todas as outras
características também indicavam que ele estava certo em suas conclusões.
Dois tefrodenses colocaram Marat, sem muita cerimônia, numa maça
antigravitacional. Deixou que fizessem tudo com ele, pois queria tentar ser útil de alguma
maneira — e o efeito do gás nervino, teoricamente, ainda devia durar de seis até dez
horas. Se ele se comportasse correspondentemente, havia a possibilidade de não despertar
suspeitas.
Pela conversa, Marat ficou sabendo que o falso Adams dentro de três horas
pretendia deixar a base novamente. Depois disso fechou-se a parede traseira de um
planador de transporte atrás dele, e ele estava cortado do mundo exterior.
Depois de um quarto de hora, ele foi descarregado novamente. Conseguiu lançar um
rápido olhar ao gigantesco pavilhão, no qual se encontrava.
Aquela era uma base de apoio, altamente moderna, aparelhada com toda a melhor
técnica submarina dos lemurenses!
Marat não acreditava que os agentes tefrodenses tivessem construído esta base,
somente na época do Império Solar. Isso jamais teria se dado sem uma descoberta. Aqui,
milhões e mais milhões de toneladas de material deviam ter sido manipulados.
Era muito mais fácil acreditar — e o detetive achou que esta era uma explicação
mais coerente — que naqueles pavilhões já se encontrava uma base submarina nos
tempos da Lemúria. Para isso também contribuía o poço que se encontrava muito abaixo
do nível da cidade em ruínas. A fortaleza, portanto, já existira sempre sob a superfície do
mar, ainda que não tão profundamente como agora.
Marat fechou, por precaução, os olhos, quando um tefrodense vestido de vermelho
aproximou-se dele.
Porém no instante seguinte ele levou um susto que lhe deu um frio na espinha.
— Eu acho que não vale a pena continuarmos com esse teatro — disse o tefrodense.
A sua voz vinha cheia de sarcasmo.
Marat perguntava-se, desesperado, como os agentes tinham descoberto o seu truque.
Entretanto, continuou com os olhos fechados. Naturalmente havia a possibilidade de que
apenas quisessem testá-lo.
No segundo seguinte, um golpe violento atingiu-o na base do nariz.
— E então...? — perguntou uma voz, zombeteira. — Vai demorar? Ou está
gostando tanto de nosso tratamento, espião?
Marat fez um esforço e abriu os olhos.
Pôde ver, como através de um véu de névoa, um rosto com um sorriso sádico — e
no instante seguinte sabia que o tefrodense tinha a intenção de matá-lo.
E então, Jean-Pierre, Marat transformou-se no “Jaguar Negro”...
7
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