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VOANDO PARA
BARKON
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Um abismo de tempo separa Perry Rhodan e os tripulantes
da Crest do Império Solar do ano 2.404. No momento — depois
de um salto de quinhentos anos, provocado pela estação dos
senhores da galáxia instalada em Pigell — a nave-capitânia
encontra-se no ano 49.488 antes do nascimento de Jesus Cristo,
a exatamente 51.892 anos do tempo real.
Em compensação a distância espacial que separa a nave
da Terra, que é o mundo central do Império Solar, é
relativamente reduzida. Pigell ou Tanos VI, que é a posição
atual da Crest, é um dos planetas do sol Vega, e de lá — pelos
ladrões interestelares — é apenas um pulo de gato até a Terra.
Por isso um senhor da galáxia chamado Toser Ban recebe
ordens de montar uma armadilha para a Crest no planeta Terra.
As iscas usadas pelo senhor da galáxia são Don Redhorse e seus
companheiros, que foram transportados de Pigell para a Terra
por um transmissor de matéria.
A Crest aproxima-se para recolher o grupo de Don
Redhorse, mas o jogo traiçoeiro de Toser Ban é frustrado antes
que seja tarde. O senhor da galáxia é morto. Os canhões da
fortaleza lunar abrem fogo contra a Crest, mas com uma fração
de segundo de atraso...
Enquanto a Crest escapa à destruição, a esposa do
Administrador-Geral, Mory Rhodan-Abro, que ocupa o cargo de
chefe de governo de Plofos, não permanece inativa no tempo
real em que se encontra. Em julho do ano 2.404 entra em
contato como Marechal-de-Estado Reginald Bell Quer ajudar os
perdidos no tempo — e acha que terá uma chance para isso
Voando Para Barkon...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Mory Rhodan-Abro — A esposa do Administrador-Geral, que
organiza uma expedição de busca.
Reginald Bell — Amigo de Perry Rhodan e seu substituto.
Betty Toufry e Kitai Ishibashi — Membros do exército dos
mutantes.
Coronel Rondo Masser — Comandante do ultracouraçado
General Deringhouse.
Major Flowerbeard — Piloto da GD-K-7.
Thagor — Um barcônida.
Deitar — Um tefrodense.
1
A Deringhouse já tinha percorrido mais de cem mil anos-luz quando saiu do espaço
linear para voltar ao universo einsteiniano. Prosseguiu em velocidade inferior à da luz e
orientou-se.
Andrômeda ficara um pequeno menor. Os rastreadores vasculhavam o espaço num
raio de muitos anos-luz, à procura de matéria, mas ninguém esperava encontrar Barkon
naquela altura.
Mory saiu do camarote. Dormira algumas horas e sentia-se muito descansada.
Pedira a Betty pelo intercomunicador que se encontrasse com ela na cúpula panorâmica.
Betty pediu que lhe fosse permitido levar Kitai.
Desta forma Mory e os dois mutantes ficaram parados à frente da parede
transparente, olhando para o espaço vazio. Não havia muita coisa para ver.
— Só percorremos metade do caminho — disse. — Por que o vôo foi interrompido?
— Isso costuma ser feito a cada cem mil anos-luz. Desta forma os conversores têm
uma pausa de descanso. Teoricamente é perfeitamente possível percorrer quatrocentos
mil anos-luz de uma só vez, mas isso só costuma ser feito num caso de emergência —
Kitai deu de ombros. — E não existe nenhuma emergência.
— Além disso Bell aproveita a oportunidade para pesquisar o espaço cósmico —
conjeturou Betty.
— Queremos participar disso — afirmou Mory e ligou o intercomunicador. Em
cada cabine havia uma tela que permitia o contato direto com a sala de comando, desde
que a ligação fosse feita a partir dali.
— Sala de comando, comandante... — disse o Coronel Masser, respondendo ao
chamado. — Ê a senhora, madame?
— Tem alguma objeção a que mantenhamos contato permanente?
— É claro que não. Mas se pensar que vamos localizar Barkon, devo decepcioná-la.
— Não se preocupe, coronel. Não sou uma otimista inveterada.
Masser sorriu, acenou com a cabeça e desapareceu da tela. Em compensação via-se
um setor extenso da sala de comando e entendia-se cada palavra falada lá. Desta forma
Mory participava diretamente de tudo. Acompanhava os acontecimentos sem sair do
lugar.
Desligou seu microfone, para não perturbar os trabalhos na sala de comando. Desta
forma podia conversar com Betty e Kitai, sem que suas palavras fossem ouvidas em outro
lugar.
— Há uma coisa por ali — disse um dos oficiais que trabalhavam junto aos
rastreadores.
Neste instante Bell entrou na sala de comando. Ouvira o que acabava de ser dito.
— Onde há alguma coisa? — perguntou e atravessou a sala a passos rápidos. Parou
perto do oficial. Abaixou-se para ler o crachá com o nome do oficial. — Detectou alguma
coisa, Tenente Holger Miller?
— Sim senhor. Para dizer a verdade, são pelo menos duas coisas.
— Qual é o tamanho? E a distância?
— Um dos objetos fica a dois anos-luz e o outro a pouco menos de quatro. Não são
muito grandes.
Bell estudou as telas dos rastreadores.
— São grandes demais para serem uma nave, pelo que vejo.
— E muito pequenos para um planeta, senhor.
— Hum — fez Bell, contrariado. Endireitou o corpo e foi para perto do Coronel
Masser, que estava sentado à frente dos controles principais, acompanhando os resultados
do rastreamento num pequeno monitor, de onde eram transferidos à grande tela
panorâmica, para proporcionar uma visão ótica.
— Então? O que será? — perguntou.
Rondo Masser levantou os ombros.
— O que pode ser? Talvez trate-se de asteróides.
Desta vez Bell ficou zangado de verdade.
— Asteróides em pleno espaço vazio? Não venha me dizer que o senhor acredita
nisso. De onde poderiam ter vindo? — Bell calou-se de repente, dando a impressão de
que lhe ocorrera alguma coisa. Seu rosto assumiu uma expressão pensativa. — Asteróides
entre Andrômeda e a Via Láctea — observou. — Isso já foi...
Rondo Masser ficou calado. Certamente fora antes do seu tempo. Nem sabia por
que tivera a idéia de que os objetos detectados poderiam ser asteróides. Fora por puro
acaso.
Mas em Bell a associação de asteróides e espaço vazio provocou uma lembrança.
Era vaga e confusa, mas sem dúvida estava presente. Voltou correndo para a divisão do
rastreamento.
— Quero os dados exatos, Miller! Holger Miller leu os números.
— A detecção minuciosa revelou o seguinte: Trinta quilômetros de diâmetro, quase
esférico, distância dois anos-luz. O outro objeto detectado tem dez quilômetros, é de
formato irregular e fica a três anos-luz e meio. Ambos os objetos deslocam-se quase
exatamente à velocidade da luz em direção à Via Láctea. Seguindo a trajetória para trás,
chega-se à conclusão de que devem ter vindo da nebulosa de Andrômeda e...
— Obrigado. Já basta — de repente Bell ficara muito pálido. — Receio que já saiba
de que se trata. É uma coisa da qual nos tínhamos esquecido. Os luxides.
Todo mundo sabia quem eram os luxides.
Os luxides...
Estes seres não sabiam o que era o tempo. Julgavam a formação e o
desaparecimento das coisas pelos próprios sentimentos e pelas reservas de energia de que
dispunham a cada momento. Eles viviam de energia.
E eram originários da nebulosa de Andrômeda.
Um belo dia tinham aparecido aqueles seres estranhos vindos de outra galáxia — os
seres inteligentes aos quais os terranos deram o nome de laurins. Conseguiram conquistar
a confiança dos luxides por meio da doação de certas quantidades de energia e mais tarde
conseguiram aprisioná-los.
Quando acordaram, os luxides se encontravam no interior de gigantescas cavernas
escuras. Estas cavernas ficavam em asteróides nos quais havia energia. Mas esta energia
não se destinava aos luxides, mas às gigantescas máquinas propulsoras que impeliam os
asteróides em velocidade próxima à da luz, em direção à galáxia estranha.
Fora tudo um plano diabólico dos laurins, já que os luxides eram insaciáveis. Se
alguns milhões deles se precipitavam sobre um sol, este se apagava, transformava-se num
sol extinto. Seus planetas morriam. Se a invasão dos luxides atingisse a Via Láctea, não
haveria salvação.
Tempos atrás Rhodan e van Moders tinham destruído os luxides com um campo de
absorção. Mas ninguém sabia quantos asteróides ainda se aproximavam da Via Láctea
sem serem notados.
Bell acreditava que os dois objetos detectados eram asteróides cheios de luxides.
Tinha o dever de certificar-se. Não se podia permitir que os luxides atingissem a galáxia.
Deixar os luxides chegarem perto dos sóis era como juntar água e fogo.
No espaço vazio não havia energia para os luxides. Mesmo que consumissem as
energias atômicas das máquinas propulsoras, acabariam morrendo um dia. Mas ninguém
sabia quanto tempo isso demorava.
Alguns séculos? Vários milênios?...
Reginald Bell deu ordem para que o Coronel Masser levasse a nave para perto do
asteróide.
***
O objeto escuro era aproximadamente esférico e tinha exatamente trinta e dois
quilômetros de diâmetro. Se fosse completamente oco, poderia haver muitos milhões de
luxides em seu interior. Mas por enquanto não se notava nenhum sinal dos estranhos
seres luminosos.
Bell lembrou-se do que acontecera tempos atrás... Os laurins, que também tinham
sido aprisionados no primeiro asteróide que fora descoberto, estavam mortos. Os luxides
não morriam, pois não dependiam do ar nem do alimento orgânico. Viviam
exclusivamente de energia. O asteróide continuou a percorrer sua trajetória, sozinho e
muito devagar, pela imensidão sem limites do espaço intergaláctico. As galáxias estavam
muito distantes para poder fornecer qualquer espécie de energia.
Andrômeda ficava cada vez menor, enquanto os séculos iam passando. Os luxides
eram cada vez mais fracos, e só podiam ser salvos se houvesse um encontro com uma
estrela. O asteróide atravessou um campo energético, e isso retardou um pouco o
desaparecimento dos seres energéticos. Finalmente apareceram os desconhecidos que
viajavam numa nave esférica. Nesta nave havia energia. Os luxides atacaram e foram
destruídos.
Mas certamente ainda havia milhares de asteróides como este.
Bell acabara de encontrar dois deles por acaso.
— Manter a distância — disse Bell a Masser. — Se de repente aparecer alguma
luminosidade, ligue o campo hiperenergético. Os luxides não serão capazes de atravessá-
lo. É ao menos o que espero.
Mas não apareceu nenhum fenômeno luminoso. Tudo continuou calmo e escuro.
— Que coisa estranha! É bem diferente da outra vez — de repente Bell parecia
indeciso. Parecia decepcionado porque os luxides ainda não haviam atacado. — Devem
ter notado nossa presença. Sem dúvida dispõe de bastante energia e não precisam da
nossa, ou então...
Calou-se.
— Ou então?... — perguntou Mory, que continuava na cúpula de observação.
Bell entesou-se.
— Vamos descobrir. Forme um comando de cinco homens, coronel. Nada de armas
energéticas, pois estas não servem para rechaçar os luxides. Até se sentem atraídos por
elas. Chefiarei o comando. A escotilha de saída da Deringhouse ficará aberta, para que
possamos regressar a qualquer momento. O campo hiperenergético será ligado assim que
eu der um sinal. Entendido?
O Coronel Rondo Masser confirmou e apertou o botão do intercomunicador.
Dali a meia hora Bell e outros cinco tripulantes estavam parados numa pequena
eclusa secundária, à espera de que a escotilha fosse aberta. Não estavam armados, mas
traziam pequenos propulsores nas costas. Estes lhes permitiriam, se necessário, fugir em
alta velocidade caso houvesse algum perigo. A Deringhouse poderia localizá-los e
recolhê-los mais tarde.
A escotilha abriu-se devagar.
O asteróide encontrava-se a apenas alguns quilômetros da nave. Bell não julgara
recomendável chegar mais perto. O campo defensivo hiperenergético deveria conservar
sua eficiência, caso seu uso se tornasse necessário.
Os seis homens mantinham contato pelo rádio. Além disso podiam comunicar-se
com a sala de comando da Deringhouse.
— Ligar aparelhagem — ordenou Bell. — Vamos aproximar-nos devagar e com
cuidado do asteróide. Fiquem de olho em mim. Façam exatamente aquilo que eu fizer,
sem formular perguntas. Os luxides não são capazes de danificar ou atravessar nossos
trajes espaciais, mas podem sugar a energia da aparelhagem. Não será difícil imaginar o
que acontecerá depois. Afinal, nosso suprimento de ar também depende das reservas de
energia de que dispomos.
A Deringhouse foi ficando para trás. Apesar de ser uma esfera gigantesca também
era parecida com um asteróide, mas sua superfície era lisa e emitia um brilho metálico.
Mas o objeto que percorria o espaço à frente dos seis homens não era artificial. Tratava-
se de um asteróide de superfície regular, com pequenos vales e montanhas, entre as quais
se viam pequenas planícies e algumas crateras.
— Distância três quilômetros — informou Bell aos homens que se encontravam na
sala de comando da Deringhouse. — Por enquanto não se vê nada. O asteróide não possui
atmosfera e não há sinal de que já tivesse possuído. Não se vê o menor sinal de vida. Se
houver entradas para o interior, que deve ser oco, estas ficam nas fendas do solo.
Continuaremos a aproximar-nos do asteróide e pousaremos. A gravitação do pequeno
astro começou a fazer-se sentir. Os seis homens foram atraídos. Voaram em direção à
superfície, leves como plumas. Nem foi necessário ligar os propulsores individuais para
retardar a queda.
Bell foi o primeiro a tocar a superfície. Os outros desceram um após o outro. Em
cima deles a Deringhouse estava suspensa no espaço sem estrelas. Parecia tão próxima
que se tinha a impressão de que bastava dar um salto para alcançá-la. A visão da nave
transmitiu um sentimento de segurança aos seis homens.
Tinham pousado num pequeno planalto. Notava-se a curvatura da superfície do
asteróide a apenas alguns quilômetros de distância. De um lado o planalto era limitado
por uma cadeia de montanhas, e do outro lado por um desfiladeiro profundo.
— O desfiladeiro — disse Bell.
Não precisou dizer mais nada. Movimentaram-se saltando cuidadosamente. Em
cada salto percorriam mais de cem metros. Bastaria um impulso mais forte para
ultrapassar a velocidade de fuga do asteróide. O desfiladeiro estava mergulhado numa
escuridão completa. Os homens tiveram de ligar seus faróis para reconhecer o fundo, que
não ficava a mais de cinqüenta metros da superfície.
— Não parece muito acolhedor — disse um dos homens.
— Não é mesmo — confirmou Bell. — Mas se não descermos não encontraremos
nada. Os luxides vivem no interior do asteróide. Vamos andando.
Deixaram-se cair lentamente. A fenda não tinha mais de trinta metros de largura e ia
estreitando para baixo. Quando finalmente os homens tocaram o fundo rochoso, a largura
não chegava a dez metros.
Um dos homens apontou para as paredes.
— Olhe! Ali...
Bell olhou na direção indicada. Quase não se surpreendeu com o que viu. Esperara
coisa semelhante.
— É uma das estrelas. Deve haver muitas. De qualquer maneira tivemos sorte em
encontrar uma tão depressa. Não existe nenhuma eclusa. Esta nem é necessária, já que a
falta de uma atmosfera não afeta os luxides. Não compreendo que ainda não estejam
sentindo nossa presença. Há algo de errado.
Ninguém fez qualquer comentário. O Coronel Masser, que se encontrava na
Deringhouse, pediu, preocupado:
— Tenha cuidado, por favor.
Bell sorriu debochado. Sabia que enquanto não saíssem dos trajes espaciais nem
usassem armas energéticas, os luxides não lhes poderiam fazer nada.
Viram uma caverna. Não havia a menor dúvida de que fora feita artificialmente. O
teto, o chão e as paredes tinham sido fundidos na rocha. Não havia nenhuma luz, mas os
faróis que os homens traziam nos capacetes eram suficientes.
— Logo chegaremos à antecâmara — disse Bell, que teve certa dificuldade de
lembrar-se com todos os detalhes do primeiro encontro que tivera com os luxides. — Era
onde costumavam ficar os laurins, mas estes não deveremos encontrar aqui. Pelo menos
não haverá laurins vivos. Naquela época já estavam todos mortos. Os luxides são mais
resistentes. Talvez agora possamos descobrir até onde chega sua resistência.
O corredor ficou mais largo, transformando-se num pavilhão ao qual vinham ter
outros corredores. Os homens pararam.
— E agora? Que caminho seguiremos? — perguntou um deles.
— Pelo corredor que fica bem à nossa frente — respondeu Bell e apontou para o
chão. — Não se vê nada, mas tenho certeza de que existe uma passagem para baixo. O
asteróide certamente foi totalmente escavado. Há lugar para cem mil homens.
Foram caminhando por outros corredores, atravessaram gigantescos recintos
escavados na rocha e finalmente descobriram uma galeria que descia na vertical. Não se
podia ver sua profundidade. Bell lançou uma pequena granada na galeria, mas não se viu
sinal de que atingira o chão. Não detonara, ou então a galeria atravessara o asteróide de
lado a lado.
— Não temos outro caminho — constatou Bell. — Este parece ser o único meio de
chegar aos aposentos sagrados dos luxides. Além disso quero ver as máquinas
propulsoras.
Os homens flutuaram para baixo com os faróis ligados, passando por inúmeros
corredores e pavilhões. Estavam todos vazios. Havia uma camada de pó branco no chão.
Bell quebrou a cabeça em vão para descobrir que lembrança esta poeira evocava em sua
mente.
Deviam ter descido uns dez quilômetros.
— Parem — disse Bell de repente. O aspecto dos corredores que iam ter à galeria
tinha mudado. Eram mais largos. Os seis homens estavam praticamente cercados por um
anel formado por aberturas. O teto de dez quilômetros de espessura parecia ser sustentado
apenas por algumas colunas robustas. — São as salas dos propulsores.
Os geradores e a outra aparelhagem tinham sido instalados num pavilhão enorme.
Estavam bem fixados na rocha e tinham sido revestidos com grossas chapas metálicas,
dando a impressão de que queriam guardar seu segredo para todo o sempre.
Bell largou o microfone detector de vibrações, mas não notou a menor trepidação.
As máquinas não estavam funcionando.
As botas de Bell estavam brancas por causa do pó. “Até parece cal”, pensou.
De repente lembrou-se.
— Os luxides morreram — pensou. — Ficaram muito tempo sem energia e não
agüentaram. A poeira branca é a única coisa que sobrou deles. Da outra vez também foi
assim. Quando morreram, transformaram-se em pó. É uma espécie de metamorfose após
a morte.
— Quer dizer que o perigo já não existe? — perguntou o Coronel Masser. — Pois
então volte. Ou ainda está procurando alguma coisa?
— Já estamos voltando — respondeu Bell para tranqüilizá-lo. — Aqui não há mais
nada que nos possa interessar. Só quero descobrir se este asteróide é um caso isolado, ou
se todos os luxides morreram. Em caso positivo, um grande perigo desapareceu por si.
Talvez seja conveniente examinarmos também o outro asteróide.
Subiram pela galeria, usando a aparelhagem dos trajes espaciais, e chegaram à
superfície sãos e salvos. Quando viu a Deringhouse, Bell respirou aliviado.
No segundo asteróide também não encontraram nada além do pó branco. Os luxides
tinham morrido. O perigo deixara de existir — um perigo que quase caíra no
esquecimento entre os terranos.
Era bastante provável que os outros asteróides pertencentes à tremenda frota de
invasão vinda de Andrômeda também não tivessem encontrado nenhum sol pelo
caminho. Bell e seus cinco companheiros voltaram para bordo. A nave prosseguiu
viagem, à procura de Barkon.
***
Quando tinha percorrido cem mil anos-luz no espaço linear, a General Deringhouse
voltou mais uma vez ao universo normal para pôr a funcionar seus rastreadores e
determinar sua posição.
Bell foi arrancado do sono quando o alarme soou em toda a nave. Ficou deitado
mais um instante, mas logo saltou da cama e saiu correndo para onde ficava o
intercomunicador. Apertou o botão e dali a instantes o rosto estupefato do imediato
apareceu na tela.
— Que houve, Huberts?
— Não sei, senhor... — respondeu o Tenente Stef Huberts.
O rosto de Bell ficou vermelho.
— Se não sabe o que é, por que dá o alarme geral?
— O senhor poderia fazer o favor de vir à sala de comando? Já avisei o Coronel
Masser. Deve chegar logo.
— Ele lhe dirá umas boas — resmungou Bell e desligou.
Tinha certeza, quase absoluta de que Huberts estava vendo fantasmas, mas mudou
de roupa às pressas e saiu em direção à sala de comando. O caminho era longo, mas
graças aos elevadores antigravitacionais e às esteiras transportadoras não levou mais de
cinco minutos para percorrê-lo.
Em toda parte ia se encontrando com os oficiais e tripulantes que corriam para seus
postos. Saíam respeitosamente de seu caminho e alguns dos oficiais ficaram parados à
sua passagem, com uma expressão de curiosidade no rosto. Certamente esperavam que
Bell pudesse dar-lhes alguma informação.
Mas o próprio Bell não sabia o que tinha acontecido.
Mas assim que entrou na sala de comando percebeu que devia haver algo de errado.
Os oficiais pareciam confusos, parados ou correndo de um lado para outro, mexendo nos
instrumentos e praguejando violentamente. O Coronel Masser conversava em voz alta
com Huberts, que vivia dizendo que a culpa não era dele.
— Será que já posso saber por que foi dado o alarme?
O coronel virou lentamente o rosto.
— O Tenente Huberts tenta explicar. Sinto muito, mas não compreendi nada.
— Não fui eu que dei o alarme, senhor — disse Stef Huberts. — Desencadeou-se
sozinho. Os instrumentos parecem ter enlouquecido. Os rastreadores não indicam mais
nada. Nas telas — olhe, senhor.
Bell e Masser olharam para a grande tela panorâmica instalada em cima dos
controles principais. Emitia um brilho fraco, mas reproduzia a escuridão profunda do
espaço cósmico. Mais nada. Andrômeda e a Via Láctea tinham desaparecido.
— Não é possível! — exclamou Bell, exaltado. Mory entrou correndo. Afastou os
cabelos da testa.
— Que é isso? Por que foi dado o alarme? Explicaram a ela — ou melhor, tentaram.
Afinal, eles mesmos não sabiam o que tinham acontecido. Mory também não sabia o que
havia atrás dos fenômenos misteriosos.
— Deve haver algo de errado no sistema automático — concluiu de forma
perfeitamente lógica. — O suprimento de energia, a distribuição automática — sei lá o
quê. Mande fazer os reparos, comandante.
Bell pigarreou fortemente.
— Mory, o Coronel Masser é um oficial altamente qualificado, que não gosta que
alguém se meta no seu trabalho. Sabe o que tem de fazer. Não me leve a mal, mas...
— Sim, já sei. Sou apenas uma mulher e não entendo destas coisas. Não gostaria de
ser preconceituosa como o senhor, meu caro Bell — Mory apontou para a tela
panorâmica. — Posso dizer uma coisa? Se os instrumentos parecem ter enlouquecido
enquanto na nave está tudo em ordem, então não é por causa dos instrumentos ou da
nave. A causa só pode ser encontrada lá fora — no espaço.
Bell fitou-a com uma expressão de perplexidade.
— Lá fora? O que quer dizer com isso?
— É o que o senhor acaba de ouvir, Bell. Venha comigo à cúpula de observação. Lá
não dependeremos das telas de imagem. Veremos as coisas como realmente são.
Bell não respondeu. Ele e o Coronel Masser acompanharam Mory pelo corredor e
pelo elevador antigravitacional. Dali a cinco minutos entraram na cúpula de paredes
transparentes.
Na sala destinada às observações astronômicas as luzes ficavam quase sempre
apagadas. Havia uma lâmpada vermelha acesa embaixo da tela do intercomunicador, e
era só. Geralmente a luz das estrelas era suficiente para iluminar a cúpula.
Mas naquele momento a escuridão no interior da cúpula espaçosa era completa.
Nenhuma estrela brilhava no grande abismo, muito menos nas duas galáxias. Até parecia
que não havia nada no Universo além da nave General Deringhouse.
Bell segurou a mão de Mory e avançou tateante até a amurada. Imaginou que o
Coronel Masser estivesse a seu lado, mas não o via.
— Até parece que fomos engolidos por alguma coisa — disse o Coronel Masser
com a voz rouca.
— Coronel...! — principiou Bell, mas logo foi interrompido por Mory.
— Também tenho esta impressão. Alguém que se encontra no estômago de uma
baleia deve sentir mais ou menos a mesma coisa. Mas só pode ser uma tolice... ou será
que não é?
— Naturalmente é uma tolice! — gritou Bell, indignado porque não compreendia o
que tinha acontecido. — O que nos poderia ter engolido? Deve haver uma explicação
sensata para o fenômeno. Talvez tenhamos entrado numa espécie de nuvem escura.
— Deve ser uma nuvem muito grande — disse Masser.
— Não se esqueça de que estamos desenvolvendo aproximadamente a velocidade
da luz.
— Há uma coisa que não compreendo — os dois homens viraram o rosto para
Mory, mas não a viram. — Uma simples nuvem escura poderia perturbar o
funcionamento das instalações elétricas e positrônicas de uma nave? Foi exatamente o
que aconteceu.
— Dificilmente — o Coronel Masser segurou-se no corrimão. — A causa não deve
ser esta. Os técnicos já tentam descobrir o defeito para consertá-lo.
— Não encontrarão nenhum defeito — observou Mory em tom seco.
Os três ficaram calados, olhando para a escuridão absoluta, na qual não havia
nenhum sinal de luz. Era assim que o Universo devia ter sido antes do aparecimento da
matéria.
— As luzes da nave continuam acesas — disse Bell.
— Quer dizer que alguns aparelhos ainda estão funcionando. Talvez o sistema de
propulsão linear esteja entre eles. É possível que, se dermos o fora daqui, a situação volte
ao normal. Mas devo confessar que estou tão curioso que não tenho nenhuma vontade de
dar o fora sem mais aquela.
— Não custa tentar — disse Masser, com um alívio evidente na voz.
As luzes do corredor estavam acesas. Os três tiveram de fechar os olhos, porque
depois da escuridão absoluta sentiram-se ofuscados. Voltaram à sala de comando o mais
depressa que puderam. Alguns técnicos estavam parados, com uma expressão de
perplexidade no rosto. Quando viram Masser e Bell, correram em sua direção.
— Nada, senhor... Não encontramos nada. Está tudo em ordem. O sistema
automático funciona perfeitamente e os computadores positrônicos não apresentam
nenhum defeito. Não há nada de errado no sistema de imagem. Se quiser saber minha
opinião, eu lhe direi que lá fora deve estar escuro...
— É o que está acontecendo — interrompeu Masser para abreviar a discussão. —
Se quiser saber minha opinião, estamos enfiados num saco negro.
Houve um silêncio consternado.
— Ligue o sistema de propulsão linear, coronel — disse Bell depois de algum
tempo.
Masser sentou perto dos controles. Parecia hesitar em mover os comandos, mas de
repente parecia acordar de um sonho. Apertou os botões com a segurança de um
sonâmbulo, movimentou as chaves, fazendo de conta que nunca fizera outra coisa. Olhou
várias vezes para as telas, mas não houve nenhuma mudança. Continuaram negras.
Levantou os olhos e virou o rosto.
— Já deveríamos ter aumentado de velocidade, mas os instrumentos não mostram
nada. Nem as telas. Até parece que continuamos parados no mesmo lugar.
Neste momento a porta foi violentamente aberta. Um oficial entrou correndo. Fez
continência antes de parar e finalmente ficou perto de Masser.
— Comandante, o setor polar norte está sem energia. O intercomunicador não está
funcionando. Tentamos fazer o conserto, mas não descobrimos o defeito.
O Coronel Masser lançou mais um olhar para os controles que se tinham tornado
inúteis e levantou.
— Acho que entramos numa fria — disse.
***
Ela não tinha a noção do tempo. Mas sabia que há muito tempo as duas manchas
luminosas tinham estado mais próximas uma da outra. Afastavam-se cada vez mais, e o
espaço que as separava ia ficando maior. Mas as duas manchas luminosas — cada uma
formada por um acúmulo de inúmeras estrelas — ainda mantinham uma ligação.
Gigantescos campos magnéticos estendiam-se por um milhão e meio de anos-luz, e uma
energia misteriosa fluía de um lado para outro.
Enquanto isso ela flutuava no meio, independente do tempo, do espaço e da energia.
Mudava de um campo magnético para outro, deixava que eles a sustentassem — e
esperava.
Esperava o quê?
Ela mesma não sabia, embora fosse inteligente.
Ela, a nuvem feita do nada absoluto.
Ela também poderia ser chamada de ele ou simplesmente de coisa, nas não tinha
nome. Para que teria? Estava só, mas não sabia o que era solidão. Talvez tivesse a idade
do Universo, mas para ela isso não importava.
Até que a esfera pequenina feita de matéria sólida apareceu no universo que era
dela.
Envolveu a esfera e não deixou que saísse.
E atacou.
***
O Coronel acertara em cheio ao dizer que tinham entrado numa fria. Os
velocímetros tinham caído para a marca zero. A nave não saía do lugar.
Bell mandou avisar os cientistas, por um mensageiro, que desejava falar com eles.
A conferência foi realizada na sala principal dos oficiais.
O Tenente Huberts assumiu o comando, enquanto a nave permaneceu em estado de
rigorosa prontidão. Nenhuma outra unidade energética fora paralisada. Somente o setor
norte continuava às escuras. Nem mesmo as luzes de emergência estavam funcionando.
Bell esperou que os cientistas se informassem sobre os acontecimentos antes de
pedir sua opinião. Estava sentado ao lado do Coronel Masser e os dois conversavam em
voz baixa. Os técnicos dos diversos setores discutiam apaixonadamente, mas parecia que
ainda não tinham chegado a nenhum resultado. Enquanto isso chegavam mensageiros
com novas informações. Aos poucos o quadro foi-se completando. O Professor Dr.
Markitch levantou e pediu silêncio. Era considerado uma sumidade na área da astronomia
e da astrofísica.
— Cavalheiros! Devo confessar que nos defrontamos com um fenômeno nunca
visto. Meu assistente acaba de mandar avisar que as primeiras investigações do espaço
nas imediações da nave revelaram que o vazio geralmente encontrado foi substituído por
um vazio ainda mais completo. Tentarei explicar o que significa isto. Até mesmo no
espaço cósmico sempre existem algumas moléculas, às vezes apenas átomos. São apenas
uns poucos por metro cúbico. Pelo menos aqui, no grande abismo. Perto de um sol ou
então no interior de um sistema solar podem ser muito mais — o Professor Markitch
respirou profundamente antes de prosseguir. — Pois é, senhores. Meu assistente acaba de
concluir as investigações. Comunica que nas imediações da Deringhouse reina o vácuo
absoluto. Não foi encontrado um único átomo em dez metros cúbicos, quanto mais uma
molécula. É uma coisa que nunca aconteceu. Os senhores mesmos podem tirar suas
conclusões. Só posso fornecer o fato. E é só o que tenho a dizer.
Voltou a sentar e ficou olhando obstinadamente para a tampa da mesa.
No início reinou o silêncio, mas depois de algum tempo falaram todos ao mesmo
tempo. Finalmente Bell pediu silêncio.
— O vácuo absoluto? Não vejo o que há de extraordinário nisso. Não venha alguém
me dizer que o vácuo pode causar a falha da aparelhagem da nave. Seria um absurdo.
Markitch voltou a animar-se.
— Eu não diria isso, senhor! — exclamou sem levantar.
— Nunca nos defrontamos com o vácuo absoluto. Em toda parte em que estivemos
havia pelo menos alguns átomos. Sempre existe matéria, mesmo que seja em quantidade
mínima. E de repente isto mudou. Imaginem, senhores! A ausência completa da matéria,
o nada absoluto! Isto não existe!
— Parece que existe — um homem que trazia as divisas de cientista levantou
devagar. Tinha cabelos brancos, e todos o olharam com uma expressão de ansiedade. —
Como sabem, eu me especializei em certos fenômenos que, segundo acredito, estão
ligados à formação do Universo. Não é esta a hora de dar maiores detalhes. Em poucas
palavras, sou de opinião que o tempo é apenas uma outra forma pela qual se manifesta a
matéria e a energia. Uma coisa pode transformar-se em outra. O tempo puro só pode
existir num lugar em que não existe absolutamente nenhuma matéria — e neste mesmo
instante ela começará a transformar-se novamente em matéria. Quer dizer que, se nos
encontramos no vácuo absoluto, também estamos presos no tempo.
O cientista voltou a sentar.
— Isso é absurdo! — disse alguém em voz alta. — O tempo não pode causar
fenômenos desta espécie.
— Pois eu acho que o Dr. Jenkins não está tão errado — disse o Professor Markitch
em defesa de seu colega grisalho.
— É bem verdade que ainda não sabemos se a nuvem escura que nos mantém
presos consiste em tempo puro. É possível que ainda existam certas circunstâncias que
nem sequer somos capazes de imaginar. Encontramo-nos num espaço desconhecido, e é
possível que por aqui existam leis naturais que escapam ao nosso conhecimento. Talvez a
saída do dilema seja fácil. Mas talvez seja tão complicada que nunca a encontraremos —
a não ser que pensemos logicamente e com a cabeça fria. O nada absoluto nunca poderia
interferir no funcionamento dos mecanismos da nave. Quanto a isto não pode haver
dúvida. Quer dizer que existe algo além do nada absoluto. E isto parece confirmar a
hipótese do Dr. Jenkins. Mas sejamos francos. Alguém é capaz de imaginar o que seja o
tempo no estado puro? Eu não sou, senhores.
— Nem eu — confessou o Dr. Jenkins. — Mas sei que uma coisa destas deve
existir, senão o quadro não se completa.
— Que quadro? — perguntou alguém.
— O quadro da evolução — respondeu o Dr. Jenkins. Bell teve uma impressão de
que a discussão se afastava cada vez mais do objetivo inicial. Queria saber o que deviam
fazer para escapar ao perigo que não conheciam, mas em vez disso ouviam-se conversas
sobre coisas que só uns poucos sábios entendiam.
— O que devemos fazer?—perguntou. Nunca apreciara muito as teorias. Era um
homem prático. — O que faremos se o sistema de propulsão falhar?
— Será que está falhando mesmo? — perguntou um dos técnicos. — Ou será que
está funcionando, mas não produz os efeitos normais?
Mory, que até então se mantivera em silêncio, sentada junto a uma mesa, não
conseguiu esconder mais sua impaciência.
— Ora, senhores, isso não nos levará a nada! Todos ficam formulando suas teorias,
mas não se vê nenhum resultado palpável. Acho que não importa nem um pouco que lá
fora haja cem ou zero átomos por metro cúbico. Lá fora há uma coisa que não
conhecemos. Receio que esta seja a questão básica.
— Só fico me perguntando — disse o Professor Markitch — como uma coisa pode
ter zero átomos por metro cúbico...
— Vou fazer uma sugestão — gritou Bell em meio à confusão de vozes. — Dou-
lhes vinte e quatro horas para estudar minuciosamente o fenômeno. Enquanto isso os
técnicos tentarão descobrir e consertar o defeito. Se não conseguirem, os senhores
cientistas estarão com a palavra.
Bell, Mory e Masser retiraram-se, enquanto os cientistas e técnicos se juntavam em
grupos que discutiam animadamente. Bell não escondeu a decepção que sentia. Esperara
mais da conferência.
— O pior é que ficamos perdendo nosso tempo — disse enquanto iam à sala de
comando. As luzes dos corredores estavam acesas. E os elevadores funcionavam
perfeitamente.
— Vamos dormir algumas horas, e se depois ainda não tivermos nenhum resultado
concreto, faremos sair uma corveta. Assim pelo menos ficaremos sabendo se há algo de
errado com a Deringhouse, ou se é por causa de uma coisa que existe no espaço.
— E uma excelente idéia — respondeu o Coronel Masser.
Mory não disse nada.
Quando chegaram à sala de comando, Stef Humberts informou que não havia nada
de novo. Os instrumentos tinham falhado, e os controles não reagiam mais. A julgar pelos
instrumentos, a nave estava imobilizada no espaço.
Masser assumiu o comando, revezando Huberts.
O imediato, Mory e Bell foram aos seus camarotes para descansar um pouco.
Imaginavam que ainda teriam algumas surpresas.
***
Dali a dez horas até mesmo os maiores otimistas compreenderam que a situação era
extremamente crítica.
Uma das corvetas modernas foi preparada. O Major Green testou os propulsores. O
hangar ainda estava fechado, e os técnicos se mantiveram afastados. Os instrumentos e as
máquinas da corveta funcionavam perfeitamente. O sistema de computação positrônica
não indicou o menor defeito.
A corveta estava em condições de decolar.
O pessoal de bordo abandonou o hangar, para não retardar a partida. As gigantescas
escotilhas externas abriram-se, para dar passagem à nave de sessenta metros de diâmetro.
Neste exato momento o zumbido que enchia a corveta terminou.
Os propulsores acabavam de desligar-se sozinhos.
O Major Green fitou os controles com uma expressão estupefata.
Os mostradores voltaram à posição zero. As luzes de controle apagaram-se.
— Não é possível — disse Green, repetindo a frase proferida por Bell. — Não é
possível mesmo.
As comunicações de rádio com a sala de comando da Deringhouse funcionavam
perfeitamente.
— Que houve? — perguntou o comandante. — Por que desligou?
O Major Green explicou que os propulsores se tinham desligado sozinhos e que as
telas estavam apagadas. Todos os mostradores estavam no zero.
Bell entrou na conversa.
— Vamos fechar as escotilhas e encher o hangar de ar. A decolagem é adiada. Não
adianta. Mory tem razão. Lá fora há uma coisa... uma coisa que não conhecemos.
As escotilhas foram fechadas e o ar voltou a penetrar no hangar. Neste instante o
zumbido dos propulsores da corveta voltou a fazer-se ouvir. Green desligou. Dirigiu-se à
sala de comando da Deringhouse para apresentar seu relatório.
— Acho que só nos resta a possibilidade de fazer sair um homem — disse o
Coronel Masser depois de uma animada discussão com Bell e Mory. — Temos de
arriscar. Se usarmos uma linha vital, ele não poderá morrer sufocado. Suponho que o
sistema normal de suprimento de ar não funcionará.
— Está bem — concordou Bell. — E quem será este homem?
O problema encontrou sua solução no momento em que o Professor Markitch
entrou na sala de comando. Em sua companhia veio um jovem cientista. Bell teve a
impressão de que já o conhecia.
— Este é o Dr. Bernstein, assistente de Jenkins — disse Markitch a título de
apresentação. — Jenkins e eu somos de opinião que só mesmo através de experiências
diretas poderemos encontrar resposta às nossas perguntas. O Dr. Bernstein está disposto a
sair da nave, para examinar a matéria — ou a não-matéria — fora da Deringhouse. Se
quiserem dar permissão...
— Já estávamos para sugerir a mesma coisa — interrompeu Bell. — Dr. Bernstein,
devo avisar que o senhor se exporá a um perigo muito grave. Não podemos garantir sua
segurança.
— Quem poderia numa situação destas? — perguntou Bernstein.
Todos acompanharam Bernstein a uma pequena eclusa secundária, onde ele mudou
de roupa e colocou o traje espacial. Além do sistema normal de suprimento de ar, ficou
ligado com a chamada linha vital. Tratava-se de uma mangueira muito elástica, de cerca
de cem metros, pela qual podia ser conduzido o ar, caso isso se tornasse necessário.
Bernstein apertou as mãos dos que ficaram na nave e entrou na eclusa de ar. A
escotilha fechou-se com um baque surdo. Dali a instantes a escotilha externa abriu-se à
sua frente, e o Dr. Bernstein deparou-se com a escuridão absoluta do espaço. Não se via
nenhuma estrela, nenhuma galáxia, por mais distante que estivesse. Até mesmo a
presença da gigantesca Deringhouse só podia ser imaginada. Mas Bernstein sabia que no
interior da Deringhouse as luzes estavam acesas.
— Por que não vejo as luzes? — perguntou.
Não houve resposta.
O telecomunicador não estava funcionando.
Bernstein percebeu que o sistema de ventilação também não funcionava. Não
importava. O ar puro entrava constantemente em seu capacete. As respectivas máquinas
encontravam-se no interior da nave e ainda estavam funcionando.
Bernstein empurrou-se com o pé e saiu flutuando um pedaço pelo nada.
Era uma sensação medonha. Não se via a nave, porque não havia estrelas contra as
quais ela se destacasse. Bernstein estava sozinho no infinito, em algum lugar entre duas
galáxias.
As luzes da Deringhouse estavam acesas, mas ele não as via, apesar das espias
abertas. Já não havia a menor dúvida de que as ondas luminosas não saíam do lugar —
ou, se saíam, elas o faziam de forma invisível, sem desprender qualquer quantidade de
energia. Bernstein sacudiu a cabeça. Era uma teoria maluca, mas os fatos estavam aí e
não permitiam outra conclusão.
Bernstein olhou para todos os lados. Só havia a escuridão, o negro total. Nem
sequer via o próprio corpo.
Sentiu um solavanco. A linha vital acabara de entesar-se. Foi voltando lentamente à
nave. A mangueira de ar lhe mostraria o caminho de volta, mesmo que não visse nada.
Estava esfriando. Precisava apressar-se.
Jenkins manifestara a opinião de que a nuvem escura era feita de tempo puro.
Naturalmente usara uma linguagem simbólica. Alguém seria capaz de imaginar o tempo
puro? Na opinião de Markitch, tratava-se do nada absoluto. Bernstein sentiu-se inclinado
a pensar que Markitch tinha razão. No nada absoluto nenhuma porção de matéria poderia
deslocar-se. Nem a nave e nem a luz. Por acaso a Deringhouse voltara ao espaço normal
justamente neste lugar. Fora muito azar.
Quando entrou na eclusa, Bernstein respirou aliviado. Quando ela começou a
encher-se de ar, as luzes voltaram a brilhar. Finalmente clareou de vez. E o
telecomunicador voltou a funcionar.
— Graças a Deus! — foi a primeira coisa que ouviu. Reconheceu a voz de Reginald
Bell. — Descobriu alguma coisa?
— Deixe-me sair primeiro do traje espacial — pediu Bernstein, que já estava com
medo de morrer de frio. — O aquecimento também falhou.
Jenkins e Markitch empurraram Bell, Mory e Masser assim que Bernstein saiu da
câmara da eclusa. Precipitaram-se sobre ele que nem urubus sobre a carniça e falaram ao
mesmo tempo. Bernstein pediu silêncio, assustado, enquanto esfregava as mãos.
— Direi de que se trata, mas não pensem que enlouqueci. É o nada, o vácuo
absoluto. Mas o senhor já supunha que fosse, professor. Estava com a razão. Mas receio
que a explicação não seja tão simples assim. Afinal, até mesmo o nada absoluto teria de
encher-me lentamente com a matéria do meio em que está situado. E isto não está
acontecendo. Quer dizer que é capaz de defender-se contra a penetração da matéria. E é
por isso, senhores, que acredito que nos encontremos diante de um nada inteligente.
Markitch fitou-o com uma expressão de assombro. Não disse nada.
Jenkins sacudiu a cabeça e também ficou calado.
Mory foi a única que falou.
— O coitado perdeu o juízo.
Bell segurou o braço de Bernstein.
— Venha comigo, doutor. Bem que merece tomar um gole. Isto o aquecerá. Depois
poderá explicar sua teoria. Acha que o nada é inteligente? — Bernstein assentiu em
silêncio. — Isso explicaria várias coisas.
Algumas horas depois disso Bernstein repetiu sua exposição diante de uma reunião
de cientistas. Só conseguiu a desconfiança da audiência. Não podia haver um ser que
consistia de nada. Era impossível. Infringia todas as leis da natureza.
Bell parecia ser o único que acreditava na teoria de Bernstein.
— Suponhamos que o senhor tenha razão, doutor. Em sua opinião, o que
poderíamos fazer para sair desta nuvem inteligente? Deve existir uma possibilidade.
— Não existe — respondeu Bernstein. — A única coisa que podemos fazer é
esperar. Talvez a nuvem nem queira saber de nós e siga seu caminho. Se não nos levar,
ficaremos livres. Mas não sei quanto tempo poderá demorar até que isso aconteça. Dias,
semanas... ou até meses.
— Absurdo, um absurdo total! — lamentou-se o Dr. Jenkins, desesperado com a
falha de seu assistente. — Se pelo menos tivesse falado de um tempo com inteligência...!
O Professor Markitch olhou-o com uma expressão de reprovação, mas não fez
nenhum comentário, Mory cutucou Bell com o cotovelo.
— Assim não chegaremos a lugar algum, Bell. Acho que Bernstein tem razão.
Vamos esperar. Assim que aparecer uma luminosidade na tela, por menor que seja,
aceleraremos ao máximo. Neste caso teremos encontrado uma brecha.
As luzes da sala dos oficiais tremeram e apagaram-se.
Bell segurou a mão de Mory e saiu às pressas para o corredor. Masser seguiu-o. As
luzes do corredor continuavam acesas, mas estavam mais fracas. Os elevadores ainda
funcionavam.
Na sala de comando reinava uma tremenda confusão. Stef Huberts tentava acalmar
os homens. Algumas telas tremeram, ameaçando apagar-se.
O alarme voltou a soar em toda a nave, sem que ninguém o tivesse acionado.
— Sem dúvida — disse Bell com o rosto pálido. — Só pode ser inteligente. O fato
de acionar constantemente o alarme é a melhor prova. A coisa — seja lá o que for —
quer deixar-nos confusos.
— Olhe! — gritou Mory de repente. — A tela panorâmica!
Bell viu no mesmo instante.
Do lado esquerdo apareceu um brilho branquicento em meio à escuridão absoluta.
Clareou um pouco, e dali a pouco viram-se os contornos da Via Láctea. Mas as sombras
negras logo voltaram a avançar, sem encobrir completamente a galáxia.
— Depressa, Masser! É a nossa oportunidade. O Coronel Masser compreendeu
imediatamente. Saltou para dentro da poltrona de controle. Empurrou
a chave e apertou os botões com uma pressa tremenda. Os conversores zumbiram. O
chão da sala de comando começou a vibrar.
De repente as duas galáxias voltaram a aparecer na tela panorâmica. Só a tela de
popa continuava negra, sem luz. Mas a mancha escura diminuiu com uma rapidez
alucinante e foi ficando para trás.
Não demorou a desaparecer de vez.
O ser feito de não-matéria cometera um erro.
Subestimara a matéria.
Naves Espaciais Extraterrestres
Plataforma-Estaleiro “KA-barato”
Quando foi levado de volta à cela, Deitar sabia que, embora involuntariamente,
acabara de trair os senhores da galáxia.
E isto lhe custaria a vida.
Mas antes de morrer queria ao menos tentar reparar o erro. Devia encontrar um
meio de prevenir seus chefes, mesmo que isto custasse a vida de todos os tefrodenses que
se encontravam em Barkon.
A porta de aço fechou-se atrás dele. Deitar sabia que um terrano fortemente armado
montava guarda no corredor. Era uma precaução desnecessária, pois era praticamente
impossível sair da cela.
Deitar informou os companheiros sobre a desventura que lhe ocorrera.
— Não sei como conseguiram, mas vi pela expressão de ódio que havia em seus
rostos que eu lhes disse toda a verdade. Um dos terranos deve ser um sugestionador.
Talvez também tenham um telepata...
Calou-se, assustado.
— A esta hora devem estar bastante ocupados — opinou um dos tefrodenses. —
Precisam dos telepatas para localizar nosso pessoal. Os barcônidas não lhes contarão
nada.
— Não tenho muita certeza. Se descobrirem a verdade, passarão a ser nossos
inimigos. Receio que nosso plano tenha fracassado. Mas ainda existe uma possibilidade
de enviar Barkon à Via Láctea hoje mesmo, embora nem todos os preparativos tenham
sido concluídos.
— Como?
Deitar olhou em volta.
— Daqui só sairemos se usarmos um truque. Um truque antiqüíssimo, mas que
sempre tem sido eficiente. Vamos preparar-nos. Temos de esperar mais um pouco. Acho
que daqui a meia hora...
***
Bell em pessoa foi o chefe do comando especial.
Todos os homens estavam enfiados em trajes de proteção equipados com campos
energéticos e aparelhos voadores. O armamento consistia em fuzis energéticos pesados,
granadas atômicas e um canhão energético leve, destinado a remover eventuais
obstáculos.
Bell e os cem homens sob seu comando saíram com este equipamento, para punir os
tefrodenses por seu plano diabólico, que poderia ter custado a vida de bilhões de seres
inteligentes.
Havia vários barcônidas à espera junto ao elevador. Também estavam armados. As
comunicações pelo rádio funcionavam muito bem.
— Na verdade, não gostamos muito da violência — disse Rhagor depois de um
ligeiro cumprimento. — Mas não vemos outra possibilidade de fazer com que os
tefrodenses aceitem nossos pontos de vista.
— Querem guiar-nos?
— Vamos levá-los aos alojamentos deles.
Não encontraram ninguém. Os corredores estavam desertos. Uma única vez viram
um grupo de cientistas barcônidas atravessar às pressas um corredor secundário.
Finalmente viram-se à frente dos alojamentos dos tefrodenses.
— Deste lado do planeta são trezentos ao todo. Como geralmente trabalham em
turnos na construção da usina, não devemos encontrar mais de cento e cinqüenta, a não
ser que esteja na hora do revezamento — Rhagor deixou livre o caminho. — Boa sorte.
Ficaremos no corredor e prenderemos qualquer um que tente fugir.
Bell confirmou com um gesto. Aproximou-se da porta e encostou a palma da mão à
fechadura térmica. A porta foi-se abrindo para dentro.
Havia cerca de dez tefrodenses sentados em torno de uma mesa, jogando com dados
coloridos. Sobressaltaram-se quando reconheceram os intrusos. Ficaram sentados. Não
estavam armados.
Bell esperou alguma reação que lhe desse o direito moral de usar a força, mas
esperou em vão. Os tefrodenses nem pensaram em defender-se. Os terranos não tiveram
alternativa senão prendê-los. No estágio em que se encontravam isso representava um
obstáculo, mas Rhagor descobriu uma saída.
— Deixe os prisioneiros por nossa conta. Serão guardados num lugar seguro até que
a operação esteja concluída. Está na hora do revezamento, e isso torna seu trabalho mais
difícil. Os tefrodenses podem estar em toda parte. Possuem planadores com os quais
voam em grupos para os diversos objetivos. Podem ser presos e destruídos um por um,
mas o senhor terá de esperar que todos os comandos voltem para cá. Mesmo então só
poderá pôr as mãos na metade. Se o revezamento não chegar, a outra metade estará
prevenida.
— Vamos esperar que voltem — decidiu Bell. — Terão uma recepção quente.
Neste momento a Deringhouse chamou. O Coronel Mas-ser estava no aparelho.
— Os prisioneiros fugiram, senhor. Atraíram o sargento Mouse para dentro da
célula e o mataram. Apoderaram-se de suas armas e estão entrincheirados. Ameaçam usar
granadas atômicas se os atacarmos. Exigem que os deixemos sair da nave.
— Deixe que saiam. Assim que estiverem do lado de fora e não puderem causar
mais nenhuma desgraça...
— Também pensei nisso. Infelizmente não são bobos e não querem sair ao mesmo
tempo. Deltar quer sair sozinho. Os outros ficarão. Além disso exigem uma aparelhagem
de telecomunicação. Se alguma coisa acontecer, provocarão um inferno a bordo da nave.
— Droga! — Bell pôs-se a refletir.
Deltar tinha em mãos o equipamento de rádio do sargento Mouse, mas este não era
suficiente para comunicar-se com os outros prisioneiros depois que tivesse saído da nave.
Mas bastaria para prevenir os outros tefrodenses que se encontravam deste lado do
planeta. — Entregue um telecomunicador a eles. Não podemos deixar que destruam a
Deringhouse. Além disso estão ouvindo nossa conversa. Não adiantaria fazer um plano.
Pegue um telecomunicador no arsenal da nave.
— No arsenal, senhor? Não compreendo...
— No arsenal, sim. Fale com o Capitão Jörnsen. Ele sabe.
O Coronel Masser ainda não estava compreendendo.
— Mas o Capitão Jörnsen é...
— Eu sei, coronel. Justamente por isso deve falar com ele por causa do
telecomunicador. Ande depressa. Os tefrodenses não esperarão toda vida.
Bell desligou e enfrentou os olhares espantados dos companheiros. Havia um
sorriso frio em seu rosto.
— O Capitão Jörnsen é especialista em explosivos, minha gente. Se o Coronel
Masser pedir uma aparelhagem de rádio dele, haverá algumas surpresas. O equipamento
explodirá exatamente dentro de trinta minutos. E os quatro tefrodenses também. A
destruição será menor que a causada por uma granada atômica.
Alguns homens sorriram. Rhagor pegou os dez prisioneiros e levou-os. Bell e seus
homens tomaram posição nos alojamentos dos tefrodenses e puseram-se a esperar.
***
Deltar entregou o telecomunicador a um dos seus companheiros e fez um teste. O
aparelho funcionava perfeitamente. Em seguida foi levado para a saída por um dos
oficiais da Deringhouse e libertado.
Era meia-noite e estava escuro. Não havia estrelas no céu e a mancha leitosa da
distante Via Láctea ficava junto ao horizonte. Deitar ficou em contato com os quatro
companheiros. Ainda estava muito perto da nave para fazer o que pretendia. Se quisesse
prevenir os outros tefrodenses teria de mudar a faixa de ondas, mas neste caso perderia o
contato com seu seguro de vida.
Afastou-se da nave o mais depressa que pôde. Mantinha os companheiros
constantemente informados, até que acreditou estar em segurança. Estava na hora de dar
o alarme. Era preferível que os outros prisioneiros não voltassem à cela. Mas se tivessem
de morrer, sua morte pelo menos deveria prejudicar os terranos.
Deitar olhou para trás. Não viu mais as luzes da Deringhouse. Uma colina encobria
a nave, e Deitar encontrava-se numa depressão profunda, no flanco da colina. Não se
podia saber o que aconteceria se as granadas atômicas explodissem no interior da nave,
perto da sala dos propulsores.
— Fui atraído para uma armadilha — disse para dentro do rádio. — Estou cercado.
É uma traição, amigos. Morrerei lutando. Cumpram seu dever, amigos.
Fazia exatamente meia hora que tinha saído da nave.
O telecomunicador explodiu no interior da Deringhouse, no momento exato em que
um dos tefrodenses ia destravar sua granada atômica. Os quatro morreram no mesmo
instante.
Deitar não percebeu nada. Mudou a faixa de ondas de seu transmissor e chamou os
outros tefrodenses. Foi alguns minutos depois da hora certa, pois não conseguiu mais
entrar em contato com os grupos que acabavam de ser revezados e tinham voltado aos
alojamentos.
Mas conseguiu entrar em contato com a equipe que trabalhava na construção mais
próxima.
Seu aviso desencadeou o alarme. Em algum lugar, na face oposta do planeta, um
hipertransmissor entrou em atividade, transmitindo o alarme.
Deltar respirou aliviado. Acabara de reparar o erro cometido. Os terranos teriam
uma surpresa. Não teriam de lutar com meio milhar de tefrodenses, mas enfrentariam
todo o poder dos senhores da galáxia.
Estavam perdidos.
Mas o fim de Deltar também chegara.
De repente houve um lampejo e o tefrodense foi envolvido numa claridade
ofuscante. Alguns fuzis energéticos dispararam e atingiram o alvo.
Deltar acabara de entrar na armadilha montada pelos terranos.
***
— Estão chegando!
Stef Huberts passou o aviso aos outros e puxou o vigia para dentro da sala. Em
seguida fechou a porta. Ficou esperando, de armas em punho. Bell e os outros terranos
estavam escondidos para não serem vistos logo. Só pretendiam atacar quando todos os
tefrodenses estivessem reunidos e o caminho da retirada se tivesse fechado para eles.
Não houve a batalha que Bell esperava. Os tefrodenses foram apanhados de
surpresa e renderam-se sem oferecer qualquer resistência.
Foram desarmados e levados pelos barcônidas.
O Coronel Masser informou que Deitar fora morto depois da morte de seus quatro
companheiros de prisão. Não se sabia se chegara a transmitir um aviso com o pequeno
rádio que carregava.
Além disso mais dois tripulantes da corveta tinham sido vitimados pela doença.
Bell e os outros membros do comando voltaram à Deringhouse. Os trajes de
proteção foram desinfetados na eclusa, antes que os homens os tirassem.
Só assim se poderia ter certeza de que nenhum germe causador da doença seria
levado para dentro da nave. Uma vez tomadas estas precauções, Bell correu o mais
depressa que pôde para a sala de comando.
O Coronel Masser estava impaciente à sua espera.
— Fiz sair uma sonda de observação com equipamento infravermelho — informou.
— Transmitiu imagens interessantes, que mandei gravar. Quer ver o filme?
— Isso pode ficar para amanhã. Estamos cansados.
— É muito importante.
— Vamos ver — disse Bell com um suspiro.
As primeiras cenas mostraram que Deltar dera o alarme. Os robôs continuavam a
trabalhar na construção, mas os tefrodenses reuniam-se às pressas e conversavam.
Acabaram entrando num grande planador que seguiu para o leste. A sonda acompanhou o
planador. O veículo recolheu outros tefrodenses no próximo local de construção, ao que
parecia depois de uma troca de mensagens pelo rádio.
As cenas seguintes mostraram o planador juntando-se a outro. Os dois prosseguiram
juntos para o leste, até que o sol subiu no horizonte. Pararam perto de um edifício baixo,
que ficava nas imediações da entrada de um elevador.
— É o segundo posto e o quartel-general — explicou Masser.
Na cobertura do edifício baixo via-se a antena típica de um grande hipertransmissor.
Já não havia dúvida de que os tefrodenses tiveram oportunidade de avisar a base mais
próxima. Dentro de pouco tempo chegariam reforços do espaço.
Mas havia um perigo mais iminente.
Os tefrodenses reuniram-se e uma cobertura camuflada abriu-se. Havia três
cruzadores guardados num hangar subterrâneo. Foram tripulados às pressas e subiram,
saindo em alta velocidade para o oeste.
O quadro apagou-se. A sala de comando voltou a ser iluminada.
— Devem chegar a qualquer momento — disse o Coronel Masser. — A não ser que
prefiram atacar de dia.
— Derrube os três cruzadores — resmungou Bell com um bocejo. — Vou dormir.
O senhor saberá lidar com isso sozinho. Seria capaz de enfrentar vinte cruzadores destes,
não é mesmo?
Masser sorriu.
— Como queira, senhor. Só quis que estivesse preparado para uma noite agitada.
Mas é possível que nem venham. Talvez prefiram fugir para um lugar seguro. É o que
farão se forem inteligentes.
— De qualquer maneira não atravessarão nosso campo energético.
— Pois é — disse Bell e levantou. — Boa noite.
Retirou-se.
Na sala de comando ficaram o Coronel Masser e os oficiais de plantão. A
Deringhouse foi colocada em estado de meia prontidão. Uma campânula energética
impenetrável envolveu a nave, e os oficiais do centro de artilharia esperaram o momento
de entrar em ação. Não esperaram muito.
Pouco antes do nascer do sol os rastreadores mostraram três objetos junto ao
horizonte leste, que se aproximavam em alta velocidade. Eram os cruzadores tefrodenses,
que voavam em formação triangular. Demoraram apenas alguns minutos para aproximar-
se o suficiente para abrir um fogo bem dirigido.
Era o que o Coronel Masser esperava. Deu ordem ao centro de artilharia para que
abrisse fogo.
Os raios energéticos ofuscantes saídos dos canhões das naves atacantes atingiram o
campo energético e deslizaram por ele sem produzir qualquer dano. Só haveria algum
perigo se certo número destes raios se concentrasse numa área pequena.
O fogo de defesa parecia ter pegado os tefrodenses de surpresa. A nave do centro
explodiu, seus destroços foram carregados pela força da inércia e caíram ao mar,
afundando com um chiado.
Os dois cruzadores que restavam subiram imediatamente e desapareceram no céu
crepuscular de Barkon para não voltar mais. A julgar pelas indicações dos rastreadores,
saíram da atmosfera do planeta e logo entraram no espaço linear.
O Coronel Masser deu ordem para que a nave continuasse em regime de meia
prontidão e acordou o imediato, que ficou de guarda na sala de comando pelo resto da
noite. Poderia ter dormido.
Os tefrodenses não voltaram mais.
***
Desta vez Bell teve mais cuidado. Não permitiu que Rhagor e seus companheiros
entrassem na Deringhouse. A conversa foi realizada numa sala de paredes nuas, na qual
só havia uma mesa e algumas cadeiras. Em cima desta sala erguia-se o centro de captação
de energia, a doze quilômetros da Deringhouse. Os robôs continuavam no seu trabalho,
dando a impressão de que não tinham nada a ver com aquilo que acabava de acontecer.
Bell e seus companheiros usavam os trajes de proteção e respiravam o ar gerado
pelos aparelhos. Tinham bons motivos para isso.
— Nossos médicos voltaram hoje de manhã da nave menor, Rhagor. Suas
informações não dão muitas esperanças de que dentro em breve seja descoberto um
antídoto. A tripulação do veículo está perdida. Os homens já ficaram inconscientes. Não
se pode fazer nada por eles. Por mais que se esforçassem, os cientistas não descobriram o
germe causador da doença.
— Sentimos muito — disse Rhagor com a voz triste.
— Quem sabe se examinando um dos nossos os médicos não conseguissem alguma
coisa?
— Isso será feito — prometeu Bell. — Mas não vamos perder tempo. Quero que
saibam por que viemos e o que queremos pedir. A mulher que estão vendo é a esposa de
Rhodan. Antes que ela comece a fazer suas perguntas, quero ser muito franco, conforme
costuma ser feito entre amigos.
Bell falou no avanço dos terranos para a nebulosa de Andrômeda e no encontro com
os tefrodenses e os senhores da galáxia.
— Como vêem, nossa situação é grave — concluiu. — Rhodan foi arremessado
para um passado longínquo, e perdemos todos os contatos permanentes com ele e seus
companheiros. Sabemos alguma coisa do que aconteceu há cinqüenta mil anos, e
supomos que naquela época tenha começado a evolução que levou à situação atual.
Acreditamos que os barcônidas tenham algo a ver com isso. Pode fazer suas perguntas,
Mory.
Todos os olhos foram dirigidos para a esposa de Rhodan, com uma expressão
ansiosa. Não havia a menor dúvida de que Rhagor e seus companheiros estavam
dispostos a ajudar os terranos — se pudessem.
— Os barcônidas são humanos da mesma forma que nós, os senhores da galáxia, os
tefrodenses e os arcônidas — disse Mory. — Somos todos parentes, pois sabemos que
tamanha semelhança não pode ter resultado de um paralelismo da evolução. Resta saber
quando e com quem tudo começou. De qual das numerosas raças humanóides saíram os
ancestrais da humanidade? Mas não é isto que quero perguntar, Rhagor. Quero ajudar
Rhodan e para isso preciso saber quem são os senhores da galáxia.
— Nunca ouvimos falar neles, esposa de Rhodan. Quando apareceram aqui, os
tefrodenses disseram que são os donos da nebulosa de Andrômeda. Acreditamos neles,
pois os recursos que usaram foram bastante convincentes. Sentimos não poder responder
à primeira pergunta.
— Era mesmo o que eu esperava — disse Mory com um suspiro. — E com isso as
outras perguntas que eu queria fazer tornam-se inúteis. Mas talvez cheguemos ao ponto
que queremos usando um atalho. O que sabe a seu respeito, Rhagor? Sobre sua raça e
Barkon, mais precisamente? Existem registros, relatos?
— Não. Mas temos nossas lendas, que vêm do tempo dos nossos antepassados,
antes que inventássemos a hibernação que nos permitiu prolongar a vida. Os hibernadores
do gelo de Barkon, diz a lenda, são o que resta de um grande povo que abandonou há
tempos imemoriais a grande galáxia, porque lá se defrontava com um terrível perigo. Não
se sabe que perigo foi este. Só sabemos que nossos antepassados separaram o planeta
Barkon do sistema solar a que pertencia, depois de construir alojamentos e instalações
técnicas em seu interior. Barkon foi transformado numa gigantesca espaçonave. O
destino da viagem era a galáxia menor — isto é, a Via Láctea da qual vocês vieram.
— Sabe-se quando mais ou menos isso aconteceu?
— É impossível saber. Nunca houve qualquer indicação de tempo. A lenda só diz
que antes de nós outros saíram da nebulosa de Andrômeda, porque se viram diante do
mesmo perigo. Somos apenas o que resta desta raça, pois tínhamos ficado para trás. Por
isso nossos antepassados resolveram agir por conta própria. Mas, como sabem, nunca
chegamos ao destino. Não sabemos o que aconteceu com a parte de nosso povo que
iniciou a viagem antes de nós.
— Sobre isso só podemos formular hipóteses — respondeu Bell. — Precisaríamos
saber se isso aconteceu há mais de cinqüenta mil anos, ou bem mais tarde. Mais alguma
pergunta, Mory?
Mory sacudiu a cabeça. Parecia decepcionada.
— As outras perguntas tornaram-se inúteis — voltou a dirigir-se a Rhagor. —
Esperava que o senhor pudesse ajudar-me a encontrar o caminho para o passado, para que
pudéssemos trazer Rhodan de volta. O senhor não é culpado por não ter dado certo.
— Sempre valeu alguma coisa — disse Rhagor para consolá-la. — Afinal,
conseguiram afastar um perigo horrível que ameaçava sua galáxia. Os barcônidas foram
transformados em bombas de bactérias vivas. Onde quer que cheguemos, espalharemos a
morte.
— Não desanime — pediu Bell. — Um dia será descoberto o remédio. Até lá
precisará ter paciência.
Rhagor sorriu com um gesto de compreensão.
— Não se preocupe, amigo de Rhodan. Nunca mais tentaremos chegar à Via
Láctea. Tornamo-nos culpados por causa da confiança cega que depositamos nos
tefrodenses. Quem deve sofrer as conseqüências somos nós.
— Que conseqüências são essas? — perguntou Bell.
— Pelo menos não usaremos os geradores de impulsos para deslocar-nos em
direção à Via Láctea — respondeu Rhagor.
Bell respirou aliviado.
— Obrigado, Rhagor. Sei que podemos confiar no senhor. Prometo que nossos
cientistas farão tudo que estiver ao seu alcance para descobrir o germe causador da
doença.
O rosto de Rhagor parecia indeciso, mas de repente assumiu uma expressão rígida e
pouco amável.
— Não adianta esconder a verdade do senhor — disse. — Entre nós há excelentes
médicos e biotécnicos. Foram eles que desenvolveram a técnica da hibernação.
Estudaram a doença, embora não dispusessem de muito tempo. Chegaram à conclusão de
que se trata de uma doença artificial, amigo de Rhodan.
— De uma o quê? Não compreendo.
— A doença não é provocada e transmitida por organismos vivos, mas é causada
por vírus artificiais que não podem ser neutralizados. Nossos bioespecialistas usaram
todos os meios. Não se pode destruir os germes artificiais. Isto é um fato com o qual o
senhor terá de conformar-se.
— Se é assim, como poderemos ajudá-los? — perguntou Bell, apavorado.
— Os senhores não podem ajudar. Nosso destino é ficar sós até a morte. Qualquer
contato com outros seres representa a morte para estes. Somos a morte personificada.
— Mas deve haver uma possibilidade... — disse Bell.
— A possibilidade não existe — interrompeu Rhagor em tom sério. — Mesmo que
morramos, os germes causadores da doença continuam vivos. Em nosso planeta ou dentro
dele. Sobrevivem em qualquer lugar, inclusive no espaço cósmico. E não precisam de
nós. Compreendeu que não existe solução para nosso problema, amigo de Rhodan?
Bell começava a compreender, mas era incapaz de tirar todas as conseqüências da
situação. Sua inteligência recusava-se a aceitá-las.
— Tenho certeza de que Perry Rhodan encontraria uma saída — disse em tom
hesitante.
— Ele também é apenas um ser humano — garantiu Rhagor.
Bell não teve argumento contra este.
De repente o telecomunicador da Deringhouse tocou. Era o Coronel Masser.
— Venha imediatamente à nave, senhor. Há instantes nossos rastreadores
registraram mais de duzentos ecos. Uma frota gigantesca deve ter materializado do
espaço linear — ou então saiu de um transmissor. As unidas aproximam-se de Barkon.
Bell levantou de um salto.
— Quanto tempo ainda temos?
— Dez minutos no máximo.
— Iremos imediatamente.
Bell fitou Rhagor.
— Não perca tempo — pediu o barcônida.
— Haja o que houver, não perca as esperanças, Rhagor. Vamos encontrar uma
solução. Mais tarde, quando voltarmos — disse Bell.
— O senhor nunca mais voltará para junto de nós — respondeu Rhagor com um
sorriso.
A despedida foi apressada e o destino inexorável que atingira os barcônidas lançava
sua sombra sobre ela. Bell e seus companheiros entraram no planador que estava à sua
espera. O veículo decolou imediatamente e saiu em alta velocidade em direção à
Deringhouse. Os quatro barcônidas permaneceram imóveis à frente do edifício
gigantesco, seguindo com os olhos os homens que se afastavam.
***
O ultracouraçado realizou uma manobra arriscada, contornando Barkon em vôo
baixo, e depois saiu diretamente para o espaço. Desta forma o Coronel Masser conseguiu
uma pequena dianteira sobre o inimigo. Talvez conseguisse mesmo enganar os
tefrodenses.
A corveta GD-K-7 foi deixada para trás. Não passava de um esquife de aço, no qual
não havia mais nenhuma vida — além dos misteriosos germes causadores da doença.
— Acho que não fomos detectados — Masser apontou para as telas. A Deringhouse
encontrava-se a apenas alguns milhões de quilômetros do sol vermelho, onde estava
protegida contra a ação dos rastreadores. — Voltaram a aproximar-se de Barkon.
Certamente pensam que estamos lá.
— Vão libertar seus amigos aprisionados e punir os barcônidas pela desobediência
— conjeturou Bell. — Não podemos deixá-los entregues a estes demônios.
— Demônios...? — repetiu Mory, esticando a palavra. — De fora são iguais aos
homens.
— Justamente por isso são demônios! Quantas inteligências não encontramos em
nossas andanças pelo Universo, que tinham o aspecto de monstros, mas eram mais
pacatos e bondosos que as raças humanóides? O que importa não é o aspecto ou a cor dos
seres, mas o que há por dentro.
Uma grande frota tefrodenses viera para defender sua bomba bacteriana planetária,
mas não encontrara mais o inimigo. Só encontrara um pequeno veículo espacial, que se
transformara num esquife.
Mas imaginaram que o inimigo iria voltar. Os planetas fariam tudo para impedir que
o planeta Barkon continuasse em sua trajetória, pois sabiam que ele representava um
perigo tremendo para a Via Láctea.
Os tefrodenses pousaram e esconderam suas naves nos hangares bem camuflados de
Barkon. Queriam estar preparados quando os terranos voltassem.
— Estão pousando — disse o Coronel Masser, que não tirava os olhos das telas. —
Até parece que querem fixar-se em Barkon.
— Os barcônidas estão prevenidos — disse Bell. — Não darão mais nenhum apoio
aos tefrodenses. Quantas naves são?
— Cerca de duzentas. Algumas são muito grandes.
— Quer dizer que são pelo menos trinta mil tefrodenses.
Mory ficou parada na porta que dava para o corredor.
— Quer dizer que os barcônidas não têm muito tempo — disse.
Bell virou a cabeça para perguntar o que queria dizer com isso, mas Mory já tinha
desaparecido.
— O que foi que ela quis dizer? Os barcônidas dispõem de todo o tempo que existe
no Universo, já que sua vida perdeu o objetivo.
— Mas não perdeu o sentido — objetou Masser em tom pensativo. — Acho que
compreendi o que Mory quis dizer. A vida dos barcônidas ainda tem um sentido. E Mory
tem razão. Eles não podem perder mais tempo.
— É uma raça formidável — Bell olhou para as telas, que mostravam todos os
detalhes da superfície de Barkon, já que a Deringhouse se afastara um pouco do sol
primitivo.
— Será que são nossos antepassados?
O Coronel Masser falou sem olhar para ele.
— Depende. Se saíram da nebulosa de Andrômeda há mais de cinqüenta mil anos,
podem ser. Infelizmente nunca saberemos.
De repente o Tenente Dormer apareceu na porta que dava para a sala de rádio.
— Os barcônidas, senhor... Estabeleceram contato!
Bell passou correndo por Dormer. A imagem do rosto de Rhagor que aparecia na
tela era pouco nítida. As interferências do sol perto do qual se encontravam eram muito
fortes.
— Por que não foge, amigo de Rhodan? Tratem de afastar-se do perigo antes que
isto se transforme num inferno. Não precisam ajudar-nos. Saberemos enfrentar os
tefrodenses.
— Iremos buscar reforços, Rhagor. Voltaremos. Agüentem os tefrodenses até lá.
— Não voltem — pediu Rhagor. — Seria inútil. Vocês não nos encontrariam.
Bell imaginou o que iria acontecer, mas sua mente recusava-se a aceitar isso. De
repente compreendeu que Mory o pressentira há muito tempo.
— Mas vocês não podem...!
— Podemos, sim! Não temos alternativa. Os tefrodenses estão se entrincheirando
em nosso mundo. Preparam-se para recebê-los. Vocês sofreriam outras perdas. Cuidem
de Perry Rhodan. Encontrem-no, pois será ele que um dia libertará nossa antiga pátria, a
nebulosa de Andrômeda. Transmitam nossos cumprimentos a Perry Rhodan. Finalmente
podemos resgatar nossa velha dívida de gratidão. Passem bem — e afastem-se do sol.
— Do sol... Do sol primitivo? Por quê?
— Dentro em breve não lhes servirá mais de proteção. Pelo contrário, representará
um grande perigo para vocês. Explodirá, transformando-se numa nova.
— Como? Nossos cientistas chegaram à conclusão de que sua estrutura já se
estabilizou a tal ponto que uma erupção...
— Seus cientistas estão enganados. Dentro de meia hora o sol deixará de existir.
Não precisamos de nenhum sol. Sem ele éramos mais felizes — o rosto de Rhagor
assumiu uma expressão mais amável. — Passem bem, terranos. E transmitam nossos
cumprimentos a Perry Rhodan.
A tela apagou-se.
Bell voltou à sala de comando. Olhou para o Coronel Masser com uma expressão de
dúvida.
Masser olhou para os controles. Parecia indeciso e inseguro.
Mas de repente ficou livre do peso da decisão.
7
Stef Huberts viera para revezar o Coronel Masser, segundo previa a rotina.
— Ficarei — disse Masser. — Cuide dos rastreadores, imediato. Preste muita
atenção a súbitos choques energéticos e teores de radiações muito elevados. Avise
imediatamente se notar algo de anormal.
Bell não disse nada. O comando da nave não era de sua responsabilidade. Estava
sentado numa poltrona estofada, ao lado de Masser, e olhava para a tela panorâmica. O
soí era uma grande estrela brilhante. Bem ao lado dela via-se nitidamente o planeta na
tela de ampliação. Mas a estação coletora de energia não podia ser vista a essa distância.
— O que estamos esperando? — perguntou Masser.
— Quero saber o que vai acontecer — respondeu Bell.
O Coronel Masser fez um gesto de assentimento. Estava de acordo com o que Bell
acabara de dizer.
Dali a uns quinze minutos Stef Huberts chamou.
— Ondas de choque, senhor! Vêm do sol e saem em direção a Barkon. O teor das
radiações está crescendo.
— São os raios coletores — garantiu Masser. — Os geradores de impulso foram
colocados em funcionamento. Juntando sua energia à que já foi armazenada, deve ser
possível deslocar o planeta Barkon. Está na hora de sairmos daqui, senhor.
— Ficaremos. Acho que a cem milhões de quilômetros não correremos nenhum
perigo.
A General Deringhouse acelerou e voltou a ficar estacionada na posição indicada.
Huberts informou que a intensidade dos choques energéticos continuava a aumentar.
Todos estavam de olho na tela panorâmica. Barkon continuava no mesmo lugar.
Circulava em torno do sol, na órbita previamente traçada. Mas as gigantescas máquinas
instaladas na superfície do planeta entraram em funcionamento. Primeiro
imperceptivelmente, mas depois cada vez mais depressa, foram arrancando o planeta da
órbita e aceleraram seu movimento com uma rapidez incrível. Mesmo que os tefrodenses
tivessem compreendido as intenções dos barcônidas, seria tarde para eles.
Barkon saiu da órbita e deslocou-se em direção ao sol primitivo.
A imagem do planeta projetada na tela era cada vez mais nítida. Cresceu
rapidamente e aproximou-se numa velocidade incrível. Passou a pequena distância da
Deringhouse.
Barkon continuava a deslocar-se em alta velocidade em direção ao sol, acelerando
sempre. Atravessou a cromosfera incandescente e desapareceu.
Dali a instantes houve uma explosão. O núcleo branco do sol inchou e dilatou-se à
velocidade da luz.
Bell foi incapaz de fazer qualquer movimento. Profundamente abalado, assistira ao
grande sacrifício dos barcônidas. O perigo da contaminação da Via Láctea fora afastado,
mas isso custara a destruição de um povo.
O Coronel Masser colocou a mão nos controles.
— Senhor...? — perguntou em voz baixa.
Bell assentiu em silêncio.
A Deringhouse acelerou e afastou-se em alta velocidade da área perigosa. Fez um
ligeiro vôo e voltou ao universo normal. Uma estrela ofuscante destacava-se na escuridão
do abismo intergaláctico, a duzentos meses-luz do lugar em que se encontrava a nave. Foi
ficando cada vez maior e mais luminosa, quando os hiper-rastreadores ultraluz entraram
em funcionamento.
Neste momento entrou Mory. Logo viu a estrela.
— Já passou? Eu sabia desde o início.
— Eu também — respondeu Bell. — Mas não pude acreditar. Deveríamos ter
tentado convencê-los a não fazerem isso.
— Como? Tinha alguma outra sugestão? O senhor não conseguiria convencer os
barcônidas, Bell. Nunca! Queriam destruir os tefrodenses e eliminar o perigo de contágio
generalizado. Para sempre. E não havia outro meio de conseguir isso. Por que no
Universo não existem mais raças iguais aos barcônidas? É porque sempre são os bons que
morrem.
— Os tefrodenses também morreram, e eles não são bons.
Mory sentou. O Dr. Bernstein, o Dr. Jenkins e o Professor Markitch também
apareceram. Tinham acompanhado a tragédia pelas telas de intercomunicação e também
estavam abalados. Os cientistas até haviam esquecido suas divergências.
Bernstein colocou a mão sobre o braço de Mory.
— Não fique se recriminando, Mory. Coisas bem piores poderiam ter acontecido se
não tivéssemos vindo para cá.
— Lembrei-me de uma velha profecia, Dr. Bernstein. Rhodan falou-me a este
respeito. Durante suas visitas a Barkon foi prevenido pelo imortal do planeta Peregrino.
Ele lhe disse que os barcônidas eram seus amigos, mas se viessem à Via Láctea haveria
um grande perigo. Nossos amigos não podem representar um perigo, pensamos na
oportunidade. Hoje sabemos o que o imortal quis dizer. Ele sabia.
— E não fez nada para impedi-lo! — disse Bell, furioso.
— O imortal é poderoso, mas nem por isso chega a ser onipotente — respondeu
Mory em tom contemporizador. — Não pode interferir na obra da criação. Só pode
alertar — e às vezes fornecer uma pequena indicação. Mas não deve exercer uma
influência muito grande sobre a linha geral da predestinação.
— Não acredito na predestinação, Mory — disse Bell sem tirar os olhos da tela que
mostrava a estrela fulgurante.
— Se isso existisse, a vida perderia o sentido. Por que hei de esforçar-me para
conseguir alguma coisa, se já está determinado que nunca alcançarei meu objetivo?
— Acontece que o senhor não sabe! — interveio o Dr. Bernstein. — Quer a
predestinação exista, quer não, o senhor não sabe o que acontecerá e por isso conseguirá
empenhar-se em seus objetivos. Em minha opinião a ordem universal não seria possível,
se não fosse a linha geral da predestinação. Seria o caos. Tudo tem um começo e um fim.
É possível que no meio, entre as duas coisas, haja algumas variações. Mas o começo e o
fim estão predeterminados e não podem ser mudados.
Bell sacudiu a cabeça.
— Não acredito nisso. Pelo contrário. Acredito que qualquer ato de um indivíduo,
por mais insignificante que pareça, é capaz de influenciar aquilo que o senhor chama de
linha geral da predestinação. Acredito no acaso.
— Quer dizer que a própria existência do Universo seria um acaso? — perguntou o
Dr. Bernstein com um ar de incredulidade. — Não venha me dizer que o senhor acredita
nisso.
— Acredito, sim. Acontece que a palavra acaso adquiriu uma conotação negativa.
Perdeu seu verdadeiro sentido. Mas se em vez de acaso falarmos em liberdade de
expressão, as coisas serão bem diferentes. Naturalmente determinado ato pode ser
praticado por acaso, mas este ato sempre exercerá uma influência decisiva sobre certos
atos que se seguirem. Quer dizer que tal ato modifica o curso dos acontecimentos, ou a
linha geral, como diz o senhor.
— Se é assim, por que o imortal do planeta Peregrino, que certamente estaria em
condições de evitar o sacrifício dos barcônidas, não o fez? A única coisa que teria de
fazer seria impedir os tefrodenses de encontrarem Barkon.
— Talvez não devesse — respondeu Bell, um tanto inseguro.
— Por que não haveria de dever, se em sua opinião o acaso governa o Universo? —
perguntou o Dr. Bernstein em tom apaixonado. — Vou dizer por quê. Porque em todas as
coisas há uma certa ordem. Porque o acaso não existe, e nem a liberdade de decisão total.
Se o imortal contrariasse esta ordem, acabaria sendo destruído. Por isso o fim dos
barcônidas também era certo e inevitável. Já tinha sido estabelecido há cinqüenta mil
anos.
Bell fitou o Dr. Bernstein com uma expressão de perplexidade. Depois olhou para
Mory, que retribuiu com um olhar que deu razão a Bernstein.
— Estamos facilitando as coisas para nós — disse.
Mory levantou e foi para perto dele.
— Dê-se por satisfeito porque as coisas são assim, Bell. Se não fossem, o senhor
seria martirizado pelo resto da vida. Ficaria se recriminando por ter causado o fim dos
barcônidas. Pode acreditar que não é nada disso. O senhor foi apenas um instrumento
numa evolução que começou com a formação do Universo e só terminará quando o
Universo deixar de existir. Vamos, Bell! Anime-se. O senhor não tem culpa do que
aconteceu.
— O sol continua a crescer — disse o Coronel Masser. — Tornou-se instável. Sua
estabilidade atômica foi perturbada. Dentro de pouco tempo se apagará e será mais um
sol escuro a vagar pelo espaço. Será um túmulo digno para uma raça cheia de dignidade.
Bell também levantou. Ele e Mory contemplaram a tela. A luz ofuscante da nova
refletia-se em seus olhos.
— Siga em direção ao transmissor Chumbo de Caça, Masser — disse Bell depois de
uma pausa prolongada. — Ainda temos uma tarefa formidável pela frente. Se não a
cumprirmos, estamos todos perdidos. Precisamos trazer Rhodan de volta. E vamos
conseguir, mais cedo ou mais tarde — Bell calou-se e olhou primeiro para Mory e depois
para o Dr. Bernstein. — Foi predeterminado, não foi?
Não houve resposta.
O Coronel Masser introduziu os dados no computador de navegação, e dali a pouco
a General Deringhouse começou a deslocar-se.
A nova ofuscante foi ficando rapidamente para trás e acabou desaparecendo de vez
nas profundezas do cosmos, quando a nave mergulhou no espaço linear e seguiu em
direção à distante nebulosa de Andrômeda.
Mory deixou que o Dr. Bernstein a levasse ao camarote.
— Foi uma missão bem-sucedida ou não foi? — perguntou.
— Acho que foi, embora a senhora não tenha alcançado o objetivo que fixou, Mory.
Qualquer caminho que leve a Rhodan começa num lugar diferente. Falta encontrar o
começo do caminho.
— Regressarei para Plofos, doutor. Lá precisam de mim. Aqui não sou necessária.
— Não diga isso...
— Não me iludo. Tive uma idéia, doutor, mas esta não trouxe o resultado desejado.
Causou a morte de uma grande raça. Isso provavelmente teria acontecido de qualquer
maneira, mas apesar disso...
O Dr. Bernstein segurou sua mão.
— Sempre serei seu amigo sincero, Mory.
— Sei disso. E fico-lhe muito grata...
Os dois ficaram calados.
A General Deringhouse voltou a mergulhar no espaço linear. Quando retornou bem
mais tarde ao universo normal, encontrava-se perto do transmissor Chumbo de Caça.
Fora o ponto de partida da expedição.
Certamente era também o começo do caminho ao qual aludira o Dr. Bernstein,
caminho este que acabaria levando para junto de Rhodan.
Era um caminho que atravessava distâncias enormes. Também era um caminho
através do tempo.
E o tempo era uma coisa que os terranos ainda não dominavam.
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