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Fanáticos odeiam as humanidades

porque elas refletem o monstro


que os habita

As humanidades sempre tiveram um papel civilizatório.


Quando a ciência despreza as reflexões éticas da Filosofia,
não é incomum que a eficiência técnica seja empregada para
fins desumanos. Ora, a engenharia do holocausto foi muito
eficiente.

Com a História, por exemplo, aprendemos que as sociedades


se transformam permanentemente pela reflexão e ação
(praxis) de sujeitos que não necessariamente sabem muito
bem onde querem chegar. Sujeitos cujos improvisos são
interrompidos pelo antagonismo de adversários igualmente
perplexos que, por circunstâncias fora de seu controle,
acabam assumindo o protagonismo.

Mas o objetivo do estudo da história não é, como às vezes


dizem, “aprender com os erros do passado para evitá-los no
futuro”. Ora, um evento semelhante em contextos históricos
diferentes provoca efeitos absolutamente distintos. Ao
contrário de uma experiência em laboratório, não é possível
verificar o que aconteceria se um determinado
acontecimento fosse inserido em um determinado tempo.
Tampouco conseguimos repetir a mesma experiência
histórica, com os mesmos personagens e o mesmo contexto,
para verificar se os resultados da análise se confirmam.

Estudamos História para desenvolver a consciência de que o


nosso tempo é repleto de possibilidades. Que agimos
condicionados pelo nosso tempo e não somos capazes de
prever o futuro, pois a história é instável e as consequências
de nossas ações no presente são não apenas imprevisíveis,
mas, frequentemente, inconcebíveis. Mas claro, se somos
condicionados pela história, não somos determinados por
ela. Não há um destino guiando a humanidade: é a
humanidade que se constrói, aos trancos e barrancos. Por
isso não dizemos que a história está em evolução, pois a
história não tem um objetivo, um rumo ou um fim. A
história é feita de dramas improváveis que nós construímos
e destruímos com a nossa reflexão e a nossa apatia, assim
como a nossa ação e inação.

Mas é precisamente esse caráter que apavora os


fundamentalistas, que não suportam aquilo que não
promete a eternidade. Como a história tem infinitas direções
possíveis, eles se apavoram com a perspectiva de que suas
ilusões possam ser simplesmente esquecidas nas
encruzilhadas do tempo. Daí também o ódio à diversidade e
a liberdade, que se exercitam precisamente na possibilidade
de os homens e as mulheres escolherem caminhos que não
foram projetados pelas antigas crenças. A violência do
fundamentalista é fruto do medo da história.
As artes, por sua vez, incluindo as letras, são temidas pelos
fanáticos porque elas nos ensinam que nosso pensamento
circula nos limites da nossa linguagem. Ou seja, não há uma
verdade translúcida, definitiva e independente dos recursos
de linguagem que a humanidade elaborou para descrever e
analisar o que os sentidos captam da realidade. Em outras
palavras: o mundo não tem um sentido inato, pois somos
nós quem inventamos um sentido à realidade.

Portanto, se almejamos compreender a condição humana, se


precisamos desenvolver as nossas potencialidades, se
queremos o avanço da ciência e, porque não, se desejamos
nos deleitar com as mensagens religiosas, é indispensável
decifrar a estrutura das próprias linguagens que constroem e
expressam o nosso pensamento. Em tempos de mudanças
culturais, sociais e tecnológicas cada vez mais aceleradas, as
artes parecem particularmente confusas; mas, na verdade,
apenas se movimentam para expressar essa perplexidade e
contribuir no processo de compreensão. Nem que seja
através da expressão das dúvidas que nos assombram.

Mas para um fundamentalista, nem o diabo é pior do que


uma dúvida. Fundamentalistas odeiam as humanidades
porque estão convictos de que já têm a resposta. Odeiam a
Filosofia porque imaginam que isso os distrai do caminho já
traçado. Odeiam a História porque ela os deixam órfãos de
seus profetas. E odeiam as artes porque elas refletem o
monstro que os habita.
https://medium.com/@azevedofonseca/fan%C3%A1ticos-odeiam-as-humanidades-porque-
elas-refletem-o-monstro-que-os-habita-7283b1549be7

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